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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AFFONSO HENRIQUES DA SILVA REAL NUNES A EDUCAÇÃO INFORMAL PARA O CONSUMO INFANTIL E JUVENIL NA TELEVISÃO E NA MÍDIA NATAL 2011

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Page 1: A EDUCAÇÃO INFORMAL PARA O CONSUMO INFANTIL E … · inestimáveis colaborações para a conclusão do processo de conclusão do curso de doutorado. À Professora Dra. Eliany Salvatierra

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTECENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

AFFONSO HENRIQUES DA SILVA REAL NUNES

A EDUCAÇÃO INFORMAL PARA O CONSUMO INFANTIL E JUVENIL NA TELEVISÃO E NA MÍDIA

NATAL2011

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AFFONSO HENRIQUES DA SILVA REAL NUNES

A EDUCAÇÃO INFORMAL PARA O CONSUMO INFANTIL E JUVENIL NA TELEVISÃO E NA MÍDIA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do grau de doutor em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Arnon Alberto Mascarenhas de Andrade.

NATAL2011

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A meus pais, Affonso Henriques Côrte Real Nunes e Edyla Gliosce da Silva (inmemorium), que sempre se esforçaram, entre outras coisas, para me proporcionar a melhor educação escolar possível, sem a qual jamais estaria neste estágio da minha vida acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr. Arnon Alberto Mascarenhas de Andrade, que me acolheu como seu orientando, e me guiou pela complexa estrutura acadêmica e científica.

Aos amigos que sempre estiveram ao meu lado durante a difícil realização deste trabalho, em especial Luciene Cezário, Sandra Mara de Oliveira Souza, João Tadeu Weck e, pelas inestimáveis colaborações para a conclusão do processo de conclusão do curso de doutorado.

À Professora Dra. Eliany Salvatierra Machado, professora do departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense, pelas orientações teóricas e indicações de autores de grande relevância para este trabalho.

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Há uma esperança, não importa que nem sempre audaz, nas esquinas das ruas, no corpo de cada uma e de cada um de nós.

Paulo Freire

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RESUMO

O consumo se tornou um dos principais pilares do capitalismo moderno e, ao mesmo tempo, um dos fatores que se relacionam à desigualdade social. Karl Marx desenvolveu a tese do materialismo histórico que defende uma história da sociedade determinada pela luta de classes e pela ‟exploração do homem pelo homem”. Considerado ultrapassado por aqueles que acreditam que marxismo é sinônimo de socialismo real, as ideais marxistas nos parecem mais do que atuais num mundo ocidental que leva cada indivíduo à individualização (perda da noção de público e coletivo) e à alienação pelo trabalho. A teorização de Lukács sobre as teorias marxistas reforça esta ideia, quando diz que este processo engloba todo o sistema social. Partimos do pressuposto que poderíamos trabalhar estes temas na formação do aluno, ainda no Ensino Fundamental, através do questionamento da sociedade de consumo, com a crítica à televisão e à mídia, principal promotora do atual sentido de consumo, como passo inicial que poderia levar à futura autonomia do indivíduo. A teoria da ideologia e as ideias de educação libertadora de Paulo Freire permearam teoricamente a experiência que aconteceu como observação participativa numa das turmas da disciplina de Sociologia numa das unidades do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, capital do estado, instituição sob administração direta do Ministério da Educação. Encontramos um terreno fértil em que os alunos se mostraram aptos a entender e a questionar o sentido da publicidade midiática.

Palavras-chave: Sociedade de Consumo; Televisão; Mídia; Marxismo.

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ABSTRACT

The consumption has become a major pillar of modern capitalism and at the same time, one of the factors that relate to social inequality. Karl Marx developed the theory of historical materialism which maintains a history of society determined by class struggle and the ‟exploitation of man by man.” Considered to be overtaken by those who believe that Marxism is synonymous with real socialism, the Marxist ideals seem more present than in the Western world which each individual takes the individualization (loss of sense of public and collective) and the alienation by the work. We assumed we could work on these issues in student education, even in elementary school, through questioning of the consumer society, with the criticism of television and the media, the main promoter of the current sense of consumption, as an initial step that could lead to future autonomy of the individual. The theory of ideology and ideas of Paulo Freire's liberating education theory permeated the experience that happened as a participant observation of groups in the discipline of sociology in the unit 2 of the Colégio Pedro II in Rio de Janeiro, the state capital, an institution under the direct administration Ministry of Education. We have found fertile ground in which the students were able to understand and question the meaning of advertising media.Key words: Consuming Society; Television; Media; Marxism.

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RESUMEN

El consumo se ha convertido en un pilar fundamental del capitalismo moderno y, al mismo tiempo, uno de los factores que se relacionan con la desigualdad social. Karl Marx desarrolló la teoría del materialismo histórico que mantiene una historia de la sociedad determinada por la lucha de clases y la ‟explotación del hombre por el hombre.” Considerado como superado por los que creen que el marxismo es sinónimo de socialismo real, los ideales marxistas parecen más presente que nunca en el mundo occidental que cada individuo toma la individualización (pérdida del sentido de lo público y colectivo) y la alienación en el trabajo. La concepción de Lukács acerca de las teorías marxistas refuerza esta idea cuando dice que este proceso abarca todo el sistema social. Asumimos que podríamos trabajar sobre estos temas en la educación de los estudiantes, incluso en la escuela primaria, a través de cuestionamiento de la sociedad de consumo, con la crítica de la televisión y los medios de comunicación, el principal promotor del sentido actual de consumo, como un primer paso que podría llevar a futura autonomía del individuo. La teoría de la ideología y las ideas de la teoría de la educación liberadora de Paulo Freire han permeado la experiencia que ocurrió como la observación participante de los grupos en la disciplina de la sociología en las unidades II del Colegio Pedro II en Río de Janeiro, la capital del estado, una institución bajo la administración directa Ministerio de Educación. Hemos encontrado un terreno fértil en el que los estudiantes fueron capaces de entender y cuestionar el sentido de los soportes publicitarios en la media.Palabras clave: Sociedad de consumo; Televisión; Medios de comunicación; Marxismo.

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RESUMÉ

La consommation est devenue un pilier majeur du capitalisme moderne et, en même temps, l'un des facteurs qui ont trait à l'inégalité sociale. Karl Marx a développé la théorie du matérialisme historique, qui conserve un historique de la société déterminé par la lutte de classe et ‟l'exploitation de l'homme par l'homme.” Considéré comme dépassé par ceux qui croient que le marxisme est synonyme de socialisme réel, les idéaux marxistes semblent plus présents que dans le monde occidental où chacun prend l'individualisation (perte du sens du public et collectif) et la aliénation par le travail. Lukács théories sur les théories marxistes renforce cette idée quand il dit que ce processus englobe l'ensemble du système social. Nous avons supposé que nous pourrions travailler sur ces questions dans l'éducation des élèves, même à l'école primaire, par le questionnement de la société de consommation, avec la critique de la télévision et les médias, le principal promoteur du sens actuel de consommation, comme une première étape qui pourrait conduire à l'autonomie future de l'individu. La théorie de l'idéologie et les idées de la théorie de Paulo Freire de éducation libératrice imprégné l'expérience que des événements comme une observation participante de groupes dans la discipline de la sociologie dans une des unités de Colégio Pedro II de Rio de Janeiro, la capitale de l'Etat, une institution sous l'administration directe Ministère de l'éducation. Nous avons trouvé un terrain fertile dans lequel les étudiants ont été en mesure de comprendre et de s'interroger sur le sens de la publicité dans les médias.Mot-clé: Société de consommation; Télévision; Media; Marxisme.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 121.1. APRESENTAÇÃO GERAL DO PROBLEMA.......................................................... 131.2. SÍNTESE DO OBJETO E DO OBJETIVO DA TESE............................................... 151.3. DIVISÃO DE CAPÍTULOS....................................................................................... 162. REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO................................................ 182.1. FORMAÇÃO PARA O CONSUMO.......................................................................... 192.2. EMISSÃO E RECEPÇÃO MIDIÁTICA.................................................................... 212.2.1. A apropriação da fala................................................................................................ 232.2.2. O ritmo e a realidade dentro da televisão................................................................. 262.3. PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO PARA A VIDA.................................................. 312.4. A LIBERDADE EM ARENDT E O “MODELO MECÂNICO” DE BARBERO..... 382.4.1. O ser político e a liberdade em Arendt..................................................................... 402.5. MARX E A DIVISÃO SOCIAL PELO TRABALHO................................................ 442.5.1. Modernização da produção e luta de classes............................................................ 442.5.2. A contradição entre a crise trabalho moderno e o consumo..................................... 462.5.3. O excesso de trabalho............................................................................................... 482.5.4. A revisão de Marx em Lukács.................................................................................. 512.6. TEORIA DA IDEOLOGIA......................................................................................... 542.6.1. Estado e ideologia.................................................................................................... 582.6.2. Ideologia, mídia e representações sociais................................................................. 602.6.3. A linguagem e a ideologia........................................................................................ 622.7. A LINGUAGEM E AS DIFERENÇAS DE CLASSE SOCIAL................................. 642.8. OBERVAÇÃO PARTICIPANTE COMO METODOLOGIA..................................... 653. FORMAÇÃO DA AUDIÊNCIA: UMA TAREFA DE CONVENCIMENTO......... 703.1. JORNALISMO E FICÇÃO: A TEORIA DO AGENDAMENTO.............................. 793.1.1. A cultura televisiva................................................................................................... 823.2. A ASCENSÃO DA BURGUESIA E A SOCIEDADE DE MASSA........................... 873.2.1. A mídia e a construção das massas........................................................................... 933.3. O DESENVOLVIMENTO DA TV BRASILEIRA E DO MERCADO DE CONSUMO........................................................................................................................ 964. A MÍDIA QUE VENDE PRODUTOS, IMAGENS E IDEIAS................................. 1054.1. A REALIDADE CRIADA ARTIFICIALMENTE...................................................... 1185. O TRABALHO NA ESCOLA PEDRO II.................................................................. 1305.1. A ESCOLA BRASILEIRA DO SÉCULO XXI.......................................................... 1315.1.2. A função da escola: dois pontos de vista.................................................................. 1335.2. A OBSERVAÇÃO E A INTERAÇÃO COM ALUNOS E PROFESSORES.............. 139

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5.2.1. A criança no mercado midiático de consumo........................................................... 1395.2.1.1. O texto ‟Classificação indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê”........ 1395.2.1.2. A pesquisa ‟A televisão pelo olhar das crianças”.................................................. 1415.2.1.3. A força da televisão no século XXI....................................................................... 1435.2.2. A sala de aula da professora Tatiana Bukowitz........................................................ 1445.2.3. A turma do Colégio Pedro II..................................................................................... 1495.3. OS SUPORTES UTILIZADOS NO QUESTIONAMENTO AO CONSUMO.......... 1515.3.1. Os trabalhos escritos................................................................................................. 1525.3.2. O trabalho com os vídeos......................................................................................... 1636. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 168REFERÊNCIAS............................................................................................................... 172ANEXO I........................................................................................................................... 185ANEXO II......................................................................................................................... 212ANEXO III........................................................................................................................ 213

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1. INTRODUÇÃO.

A industrialização e a sociedade ocidental de consumo atingiram proporções que

extrapolam as questões econômicas de um país ou das empresas que constituem a máquina de

geração de capital. Mais do que a expansão pura e simples de um mercado de compra e venda de

produtos ou de prestação de serviços, assistimos à criação de uma rede de ações corporativas que se

dirigem ao público lançando mão de fatores psicológicos e sociais, que acabam por influir no

comportamento da população, no desenvolvimento pessoal e maturidade do indivíduo, e no meio

ambiente. São elementos que entram em jogo para servir diretamente ao principal interesse da

indústria de bens e serviços – ampliar seus mercados consumidores e aumentar a sua base de lucros.

Estes mesmos elementos também estão diretamente relacionados com a formação pessoal e escolar

de uma pessoa desde a sua primeira infância.

Este trabalho investiga a atuação da televisão e da mídia como fonte de educação

informal para o consumo mesmo antes que a criança se equilibre em seus primeiros passos e antes

de começar a frequentar a escola. A pesquisa busca entender que ferramentas podem ser utilizadas

no trabalho de crítica a este processo no Ensino Fundamental. As primeiras fontes de informação a

este respeito estão contidas na publicação ‟Classificação indicativa: construindo a cidadania na tela

da tevê”, editada numa parceria da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), a Save the

Children Suécia, a Fundação Avina e o Ministério da Justiça com o objetivo de debater, sob

diferentes perspectivas teóricas, a prática da classificação, apresentando uma Nova Classificação

Indicativa, que permitiria aos pais regularem o tipo de programas televisivos aos quais os filhos

poderiam ou não ter acesso. Também foram colhidas relevantes informações a respeito da relação

que as crianças mantém com a televisão no texto “A televisão pelo olhar das crianças”, coletânea de

10 artigos organizada por Rosália Duarte, redigidos pela equipe de pesquisadores do GRUPEM –

Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia do Departamento de Educação, PUC-Rio – a partir dos

resultados da pesquisa “Criança, televisão e valores morais”, realizada entre 2004 e 2006.

Antes mesmo de expor as questões relativas ao desenvolvimento do problema, hipótese

e método científico empregado, seria relevante salientar que não é mais possível a escola se

ausentar da discussão de construir uma forma de lidar com questões que relacionam a mídia e a

sociedade de consumo. Ainda que esta seja uma questão complexa, que envolve as famílias de

alunos, entendemos que um primeiro passo pode ser dado dentro da escola, uma vez que ela se

coloca como formadora de indivíduos, e este passo, mesmo que seja o primeiro, precisa receber a

devida atenção dos educadores. É necessário refletir a respeito do rumo que o sistema capitalista

tem tomado no Brasil e no mundo e quais seriam as suas consequências para o futuro de todos.

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Numa sociedade da informação, o papel da mídia é essencial para a reafirmação das

noções relativas à aquisição de capital. Entendemos o poder da mídia nos dias de hoje como um fato

e não pretendemos propor a criação de mecanismos que impeçam as crianças de ter contato com a

televisão, ou mesmo reduzir este contato a um número determinado de horas. Parte da formação

global de um indivíduo reside em seu contato com o mundo e com os desafios apresentados pelas

diversas situações cotidianas, entre elas a exposição aos processos ideológicos da mídia. O que nos

inquieta é que estes processos circulem livremente entre o público infantil sem que enfrentem

resistência.

Propomos que o professor pode questionar em sala de aula as orientações da televisão e

da mídia para o consumo dirigidas aos alunos. Nosso objetivo principal é questionar esta ideologia

dominante em relação ao consumo, avaliando a possibilidade de desenvolvimento crítico do aluno.

1.1. APRESENTAÇÃO GERAL DO PROBLEMA.

Nossa principal questão a ser trabalhada é o processo crescente de alienação pelo

consumo. Neste trabalho, apresentaremos as análises teóricas que indicam que ao se tornarem

consumidores precoces, as crianças se deparam com confusas referências de mundo o que,

acreditamos, afeta o seu processo de formação como indivíduo.

As estratégias utilizadas pela mídia com foco no consumidor infantil têm se mostrado

agressivas já que as crianças, segundo as pesquisas que serão apresentadas, também influenciam em

menor ou maior grau os hábitos de compra da família. Ao eleger a criança como público alvo, a

publicidade encontra um nicho que amplia imensamente as possibilidades de venda de produtos,

uma vez que os publicitários entendem a “força” e o poder de persuasão das crianças junto aos pais.

Sabem que a vida moderna tira as pessoas de casa e, em geral, as força a cumprir um elevado

número de horas a serviço do trabalho. A falta de tempo e de capacidade mental para, depois de uma

jornada excessiva de trabalho, ter disponibilidade para cuidar dos filhos determina um sentimento

de culpa que os pais tentam aliviar comprando o que os filhos desejam ou os presenteando a todo

momento com coisas que lhes agradam. Este misto de atuação da publicidade e estratégias de

marketing, e o impasse que os pais encontram para lidar com o problema, pode gerar uma situação

que vai determinar a formação da criança e influencia-la não apenas no momento de sua infância,

mas por toda a sua vida.

O caminho que encontramos para realizar este estudo foi analisar a fundo os

mecanismos e estratégias usados pela televisão e pela mídia na intenção de convencer o espectador.

A partir desta análise, confrontamos as respostas das crianças de uma turma do Ensino Fundamental

aos estímulos e informações que vão contra o senso comum do mercado para tentar entender se é

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possível realizar este trabalho com crianças e pré adolescentes. Nos parece que este é um público

pertinente à pesquisa (uma vez que os marqueteiros passaram a se dirigir a uma população cada vez

mais jovem) além de considerarmos mais eficaz um trabalho de confronto da ideologia dominante

com pessoas de 12 e 15 anos de idade – fase da vida em que os conceitos ainda estão em formação.

Os estudos recentes de Comunicação Social/Educação têm caminhado no sentido de

abordar e incluir a cultura como eixo central de vinculação no trabalho nesta área de pesquisa. O

professor espanhol Jesús Martín-Barbero, radicado na Colômbia desde 1963, e o argentino Jorge

Huergo, para citar exemplos de pesquisadores que atuam na América Latina, estão entre os que

entendem que a cultura (e a questão política, para Huergo) deve ser relacionada com os estudos

culturais e que, sem isso, seria difícil trabalhar questões sobre a mídia na escola. Não nos opomos a

esta visão porque entendemos que as áreas de conhecimento da Educação, das Ciências Sociais e

Políticas e da Comunicação Social apresentam muitos pontos de interseção – sem nos esquecermos

do papel dos acontecimentos históricos na influência sobre o momento presente. Nos parece

impossível pensar num processo que leve para a escola as questões relativas à mídia sem levarmos

em consideração como se configura a sociedade brasileira na primeira e início da segunda década

do século XXI e, mais especificamente, em que contexto histórico se situam as gerações de crianças

e jovens na atualidade.

Este cenário se apresenta imperioso quando nos propomos a discutir a influência do

mercado de consumo na formação desta nova geração. Esta influência está diretamente relacionada

com todo o processo que deu origem à sociedade brasileira desde a invasão portuguesa, e de outros

povos europeus, no século XVI. Seria impossível imaginar que sem a despropriação cultural dos

povos nativos que viviam por aqui e em outros lugares deste continente, que viria a ser chamada

pelos invasores de América, chegaríamos a esta forma de sociedade em que nos encontramos no

século XXI. E, ao pensar especificamente no objeto de estudo proposto, não poderíamos pensar que

os hábitos de consumo se dessem e ganhassem os sentidos que ora se apresentam se não nos

encontrássemos na condição de um povo colonizado, que aprendeu os valores do “colonizador” e a

assumir uma postura e uma forma de vida estrangeira (estranha) como sua.

O que gostaríamos de colocar é que encaramos a cultura como um fato dado,

indiscutível num processo pedagógico, não haveria como ignorá-la. A condição dos alunos como

sujeitos históricos, frutos de uma determinada cultura, os encaminha a certos padrões de

comportamento e é com estes padrões que esperamos poder lidar – no caso deste trabalho com

questões relativas ao consumo de bens e serviços. Esta perspectiva pressupõem que seja possível a

criação de uma metodologia que em sala de aula possa levar os alunos a questionar suas impressões

sobre os atos de compra e que possivelmente permita que eles encontrem uma alternativa ao atual

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estado das coisas quando o assunto é consumo. Supomos que isto seja possível uma vez que se

clarifique questões relativas a hábitos culturais e ideológicos.

1.2. SÍNTESE DO OBJETO DE ESTUDO E DO OBJETIVO DA TESE.

Esta tese tem por objeto a avaliação do processo de educação informal para o consumo

promovido pela na televisão e pela mídia, partindo do pressuposto que as crianças e pré

adolescentes estão capturados pela ideologia divulgada pela mídia. Nossa hipótese é que existe a

possibilidade de trabalhar com crianças do Ensino Fundamental que, mesmo sujeitos da sociedade

de consumo, teriam condições de fazer uma crítica a esta sociedade e entender que existem

alternativas à postura social estabelecida. Foi este o propósito do nosso trabalho de campo realizado

no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, na disciplina de Sociologia, quando acompanhamos de

perto, com a metodologia de observação participativa, as aulas do segundo semestre de 2010.

O trabalho busca uma interseção entre as áreas de conhecimento da Educação e da

Comunicação Social, numa perspectiva que encara a televisão e a mídia como ferramentas da

cultura dominante para a divulgação do consumo crescente. Parte-se do pressuposto de que as

crianças, expostas a estes mecanismos, não podem questioná-los sozinhas e são induzidas a repetir

os hábitos sociais a partir de representações televisivas e midiáticas de situações cotidianas que

privilegiam o consumo de bens como principal forma de satisfação e bem estar. Esta situação as

levaria a uma condição de constante insatisfação, já que estariam condicionadas a relacionar a

realização desejos ao ato de compra.

Este trabalho é proposto a partir da apresentação de uma outra concepção a respeito do

mercado de consumo e do sistema capitalista. Encontramos no pensamento marxista a melhor

alternativa ao capitalismo atual, numa ressignificação pelas ideias de Georg Lukács que defendia

que os homens fazem a sua história e que este fazer não encontra em nenhuma instância (“natural”

ou não) qualquer limite para o seu desenvolvimento.

Numa ação paralela, analisamos a eficácia de uso do audiovisual em sala de aula com o

intuito de questionar a ideologia capitalista. Este material em vídeo, existente no mercado, foi

produzido exclusivamente para o tema abordado também com o intuito de questionar o mercado de

consumo e as consequências psíquicas e comportamentais para as crianças. Desta forma, tentamos

provar que a mesma eficácia do processo de produção televisivo que reforça os hábitos de consumo

pode ser usada para combatê-los. Em suma, propomos o desenvolvimento de um diálogo

alternativo, fora da mídia, mas sobre a sua atuação, diálogo este que possa produzir um sentido

diferente entre os alunos a respeito da sociedade de consumo. O que se pretende propor é que as

crianças entendam que existe uma opção ao senso comum e, depois que entenderem, resolvam por

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si próprias, num momento mais avançado de suas vidas, qual o caminho a seguir. Rejeitamos a idéia

de impor uma orientação que apareça como “certa” em detrimento de outra que seria “errada”.

Apresentar alternativas não é sinônimo de obrigar alguém a segui-las.

Trabalhamos com os textos de Paulo Freire como orientação de uma prática educativa

libertadora que luta contra uma pedagogia dominante que é a pedagogia das classes dominantes.

Encontramos no trabalho do educador uma resposta para uma atuação dentro da escola que possa

dar ferramentas para a libertação do sujeito que pode se ressignificar perante a si mesmo e ao

mundo que o cerca. Também nos pareceu importante contextualizar nosso tema de estudo sob a

ótica da teoria da ideologia utilizando textos de Althusser, Thompson e Bakthin. A sociedade

capitalista se mantém ideologicamente construída e não parte apenas da classe dominante em

relação à trabalhadora, mas serve de referencial supostamente concreto para toda a sociedade

capitalista, que se transformou em sociedade de consumo. Devemos contextualizar esta ideia nas

distintas realidades culturais brasileiras, mas, ainda assim, nos parece que existe uma maioria de

pessoas que se deixa incorporar à totalidade do sistema e que não consegue outras vias para a

autodeterminação.

Estamos questionando as práticas autoritárias do capitalismo. Desta forma, não

encontramos melhor referência que as ideias de Karl Marx e Friedrich Engels, através da releitura

feita por Georg Lukács. Desprezamos a ideia de que o marxismo esteja ultrapassado, ao contrário,

entendemos que ele pode ser continuamente ressignificado no século XXI como contraponto ao

capitalismo e como possibilidade de contestação da alienação pelo trabalho.

Entendemos que estas orientações teóricas sejam esclarecedoras na produção do

pensamento subjetivo e coletivo e que possam nos dar os principais subsídios para propor ações

libertadoras para o indivíduo/aluno no campo educacional.

1.3. DIVISÃO DE CAPÍTULOS.

No capítulo 1, apresentamos os referenciais teóricos que nortearam nosso trabalho. Em

seguida, capítulo 2, informações sobre a formação da audiência, uma das principais tarefas da

televisão que apresenta os números de espectadores como seu principal patrimônio a ser oferecido

aos anunciantes. Aqui, começa a tarefa de sedução para o convencimento a respeito da relevância da

programação. Este trabalho é essencial para o estímulo do mercado de consumo através da

formação de sentido.

No capítulo 3, apresentamos ideias e correntes sobre a influência da mídia e como ela se

constitui numa realidade paralela, autônoma, que passou a integrar o imaginário social. No último

capítulo, traçamos a descrição de nosso trabalho de campo com os alunos do Colégio Pedro II e a

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professora de uma das turmas da disciplina de Sociologia com a qual realizamos uma entrevista ao

fim do período letivo.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO.

Busquei na revisão bibliográfica respostas para questões que começaram a surgir

durante os anos que lecionei no Ensino Superior, na área de Comunicação Social, na cidade de

Natal, e que, em parte, me levaram a abordar o tema da sociedade de consumo neste trabalho

científico. Minha inquietação partia na direção de encontrar respostas sobre o desenvolvimento da

sociedade de consumo e, em especial, no processo que havia levado aqueles alunos na faixa média

dos 18 aos 24 anos a encarar a aquisição de bens e serviços como o objetivo principal de suas vidas,

conforme demonstravam em seus discursos.

Nesta tese, busco estas respostas com o suporte da metodologia científica e referenciais

teóricos que serão apresentados no decorrer deste capítulo. Os objetivos do trabalho são,

principalmente, investigar a origem da formação para o consumo dos jovens, investigação esta que

foi realizada em forma de observação participativa com alunos da segunda fase do Ensino

Fundamental do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Adotamos, como pressuposto, que esta

formação começa antes mesmo da criança entrar para a escola e que a mídia, liderada pela televisão,

se tornou uma das principais formas de divulgação das práticas de consumo atuais. Nos primeiros

anos de escola, estes alunos tomam contato com meninos e meninas de sua idade e que tiveram um

acesso muito parecido à televisão e à publicidade. Tentamos identificar as atitudes destas crianças

(algumas pré adolescentes) em relação ao consumo.

Nos primeiros contatos com o Colégio Pedro II, tomamos conhecimento de que a

instituição já realizava um trabalho com os alunos em sala de aula que lidava exatamente com a

crítica ao consumo e ao sistema capitalista, desenvolvida na disciplina de Sociologia para a segunda

fase do Ensino Fundamental (este trabalho será descrito no capítulo final). Nossa atenção passou a

se focar nas atividades realizadas pelas professoras e nosso acompanhamento se deu junto à uma

específica docente que, ao nosso ver, sintetizava a metodologia utilizada pelo Colégio. A partir daí,

tentamos avaliar os procedimentos práticos das aulas (trabalhos escritos e exibição de vídeos

documentários que tratam da sociedade de consumo), confrontando-os com os referenciais teóricos

por nós eleitos. Ao confrontar as duas categorias de informação, pretendemos sugerir um avanço no

trabalho com os alunos em sala de aula.

Além disso, pretendemos transformar este trabalho num alerta para a escola a respeito

da gravidade da questão que enfrentamos. Propomos que não se deve encarar o consumo apenas

como mais uma prática social, ela é, na verdade, uma questão central na formação das crianças e na

determinação do futuro de cada uma delas (o nosso futuro). Caso seja possível desenvolver um

trabalho de crítica ao consumo não apenas na disciplina de Sociologia, mas também na de História,

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Geografia e Língua Portuguesa, a escola estará lidando com duas questões essenciais na formação

da sociedade brasileira: a diferença de classes e a degradação do meio ambiente. Seria uma proposta

de formação individual para uma sociedade senão justa, pelo menos mais coerente. O atual desnível

de classes no Brasil mostra a degradação da sociedade como um todo e o prejuízo que qualquer

cidadão, de qualquer classe, arca com isso é alto – os índices de violência provam o fato. Por outro

lado, o avanço da destruição ambiental, que em parte ocorre em função do aumento do lixo,

resultante do crescimento do consumo e da decorrente aceleração do descarte dos produtos,

determina uma degradação do ambiente que atinge a todos. As políticas de reciclagem no Brasil

estão longe de atender à real necessidade do país, um consumo mais racional poderia reduzir o

problema.

Acreditamos que não há tempo a perder. Se pretendemos manter a ideia de Paulo Freire

de construção de uma escola para o mundo, aberta ao mundo, precisamos incluir questões como a

crítica à sociedade de consumo na orientação para a formação dos alunos desde os primeiros anos

do Ensino Fundamental.

2.1. FORMAÇÃO PARA O CONSUMO.

Durante os anos que exerci o cargo de professor universitário, me interessei em

pesquisar os motivos que levavam os alunos a ter uma relação mercantilista com a universidade

que, me parecia, era encarada apenas como uma porta de entrada para o mercado profissional e não

como uma formação mais ampla, em termos teóricos, da área de conhecimento na qual pretendiam

ingressar. O curso de Comunicação Social, encarado como um curso profissionalizante, lhes atraia

pelas informações práticas para as profissões de jornalista e publicitário. As noções teóricas, que

lhes dariam uma informação sobre o universo da área de conhecimento, eram menosprezadas.

Meus alunos universitários mais jovens haviam nascido por volta de 1990 e, por

consequência, a maioria de seus pais foram gerados em plena ditadura militar, antes de 1970. Além

de ter nascido sob a égide de um regime repressor, esta geração de pais enfrentou, a partir dos anos

1980, a política econômica neoliberal, concebida originalmente em 1947 pelo economista austríaco

Friedrich August von Hayek, e implantada inicialmente pelos governos de Margareth Thatcher

(Reino Unido) e Ronald Reagan (Estados Unidos). A concepção de um mercado financeiro auto-

regulamentado, a redução da participação do Estado na economia (Estado mínimo) e o

enfraquecimento dos sindicatos foram o cenário que formou esta geração de pais. O aumento do

individualismo, o encolhimento do espaço público e a ampliação do privado, pregado pelo

neoliberalismo cada vez mais austero, e o esquecimento da política, causado pelo afastamento das

ideias de Aristóteles de constituição e regime como meios de organização entre os habitantes de

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uma cidade, determinaram a cultura do “cada um por si” e do “que vença o mais forte”.

O aumento da população brasileira e a política de Estado que objetivava a escola para

todos, estabelecida a partir da elaboração da revisão constitucional de 1988 e da aprovação da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação, em 1996, ampliaram o número de alunos matriculados nas

escolas do Ensino Fundamental, que atualmente é de cerca de 27 milhões e 600 mil, segundo o

Censo Escolar da Educação Básica de 2009, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (BRASIL, 2009), órgão de pesquisa do Ministério

da Educação. O número representa muito em termos quantitativos, mas não qualitativamente. Ainda

segundo o censo, existe a necessidade de investimentos na melhoria da infraestrutura das escolas.

Faltam adaptações nos espaços físicos para creches e pré-escolas, assim como salas de leitura e

laboratórios para adolescentes no Ensino Fundamental. Ou seja, a qualidade no sentido de criar

condições para uma formação global do aluno foi posta de lado para atender à crescente demanda –

a atual política educacional brasileira se preocupa com quantidade, ainda que a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação em seu artigo 3o, parágrafo IX pregue o “padrão de qualidade” como exigência.

A experiência pessoal acima descrita fez com que eu começasse a considerar que estes

diversos fatores pudessem ser relacionados com a postura dos alunos universitários a que me referi,

uma postura essencialmente mercantilista em relação à escola. Seus objetivos primordiais que se

relacionavam com a ascensão ao mercado de trabalho e à realização financeira que lhes daria

possibilidades de se realizar através do consumo. Comecei, então, a refletir a respeito de ações que

pudessem dar um sentido político-cultural à educação no Ensino Fundamental, onde começa a

socialização com alunos em uma idade mais avançada em relação à pré-escola. Minha ideia foi que

uma ação nesta época da vida escolar poderia gerar cidadãos mais conscientes de suas escolhas. Me

propus a realizar uma revisão bibliográfica mais localizada em relação ao desenvolvimento do atual

estágio do capitalismo e do mercado de consumo, pois me parecia claro que esta é uma das bases do

sistema ocidental.

Neste trabalho, consideramos os referenciais teóricos e conceituais como base para a

compreensão da construção de significados que se originam do meio televisivo e que atuam na

sociedade brasileira como potencializadores de uma comunidade que se volta para o consumo não

apenas para satisfazer necessidades, mas para tentar encontrar na fartura e no conforto os estímulos

primeiros que, através do trabalho, lhes dão razão de existir. Este capítulo pretende abordar a

origem e o desenvolvimento de tal situação a partir de uma abordagem histórica do problema/objeto

que está fundada em antecedentes teóricos-conceituais que assumimos como válidos e pertinentes

ao nosso tema.

Antes, porém, gostaríamos de esclarecer a que nos referimos quando falamos sobre

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televisão comercial no Brasil. Nossos conceitos a respeito desta mídia partem da premissa que as

emissoras são empresas de capital privado e que têm como maior objetivo o acúmulo de capital –

todo o seu esforço se dará neste sentido. Ainda que a mídia se diferencie de outros tipos de negócio

na sociedade da informação e ganhe um status especial neste cenário, entendemos que qualquer

prática televisiva, mesmo que algumas se apresentem como prestadoras de serviço à população, visa

a obtenção de lucro financeiro.

Entendemos que a programação televisiva mantém um padrão que é aplicado à

programação como um todo – e este padrão é repetido à exaustão. Os programas estão divididos por

gêneros, com o telejornalismo e a dramaturgia abrangendo a maior parte do horário de

programação, mas todos seguem um roteiro bem semelhante. Podemos dizer que os programas de

auditório se assemelham com os jornalísticos – um apresentador, com maior ou menor grau de

participação, anuncia as atrações do dia. A dramaturgia assume seus diversos matizes nas novelas,

nos humorísticos, em produções especiais (como às que se assiste na Rede Globo de Televisão e na

Rede Record, as duas mais atuantes na teledramaturgia brasileira), e mesmo em alguns filmes

nacionais, que nascem de minisséries ou que são dirigidos, produzidos e estrelados por profissionais

que atuam em televisão.

Podemos abrir uma exceção para os programas de entrevistas, que têm linguagem

própria, e aos programas religiosos, mas estes costumam ter pouca participação na grade televisiva

das principais emissoras comerciais brasileiras (em relação aos programas religiosos, a exceção fica

com a Rede Record, administrada pela Igreja Universal do Reino de Deus, do Bispo Macedo).

Assim, quando falamos de “televisão” estamos nos referindo à totalidade da programação, sem

fazer grande diferenciação entre um ou outro gênero televisivo.

Elegemos a Rede Globo e a Rede Record como símbolos maiores na história da

televisão brasileira a partir dos anos 1960. As emissoras são atualmente as líderes de audiência,

pelas pesquisas pouco precisas do IBOPE (veremos isso em outro capítulo), e sintetizam o modo de

se fazer televisão no Brasil, servindo de modelos para as outras emissoras.

2.2. EMISSÃO E RECEPÇÃO MIDIÁTICA.

Uma das grandes dúvidas a respeito da mídia em geral continua a ser o nível de poder

que exerce sobre o público. No caso da televisão, os estudos sobre recepção esbarram na

impossibilidade instrumental de determinar com exatidão o nível de resposta que o público

brasileiro dá àquilo que assiste nos diversos programas por algumas razões básicas: (1) o grande

número de habitantes espalhados desigualmente por um país com extensa área territorial; (2) as

diferenças culturais e de repertório intelectual destas pessoas e (3) às mudanças históricas que

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determinam mudanças na sociedade.

Em 1967, quando a televisão se caminhava para ser o veículo de destaque entre a mídia,

o canadense Mashall McLuhan publicou, em co-autoria com Quentin Fiori, o livro The Medium is

the Message: An Inventory of Effects (em português, O meio é a mensagem: uma relação de efeitos)

onde pregava exatamente o que propunha no título: “meio é a mensagem”. Os autores pretendiam

sublinhar que o meio, tido como simples transmissor de mensagens, seria um elemento

determinante na concepção da mensagem, transformando-a, dando-lhe um caráter

caracteristicamente televisivo. A televisão, e a mídia em geral, desencadearia diferentes mecanismos

de compreensão desta mensagem, ou seja, a tecnologia empregada definiria a forma do conteúdo e

afetaria a recepção. Os autores defenderam que a televisão é uma forma de comunicação.

[...] é apenas uma questão de bom senso reconhecer que a situação geral criada por um canal de comunicação e o seu público constitui grande parte daquilo no qual e através do qual os indivíduos comunicam. A mensagem encodificada não pode ser considerada como uma simples cápsula ou pílula produzida de um lado e consumida do outro. A comunicação é comunicação em toda a linha (McLUHAN, 1999, p. 153).

Um texto do professor Muniz Sodré, com o qual concordamos, pode dar uma outra

visão desta situação. Sodré defende que a televisão não pode ser tratada como “meio de

comunicação” uma vez que, para tal, seria necessário a realização do diálogo em termos iguais não

previsto por esta mídia que opera através da transmissão unilateral. Acreditamos que esta

unilateralidade continua como uma das características da TV e, mesmo que se criem alternativas

com a tecnologia da informática, não existem formas de diálogo concreto entre espectadores e

produtores de televisão.

Muito se fala em interatividade nos últimos tempos, a partir do momento em que a

internet se desenvolveu o suficiente, em termos de velocidade de transmissão de dados, para que o

expectador pudesse interagir em tempo real, através mensagens eletrônicas, com questões relativas

às atrações que são exibidas. Aí se poderia imaginar que a televisão pudesse estabelecer uma

comunicação real com a audiência (mesmo que apenas com a pequena parcela dos brasileiros, como

veremos em outro capítulo deste trabalho, que possui computadores em casa, conectados a uma

banda de transmissão rápida e estável). Mas devemos levar em consideração que estas participações

passam por uma filtragem dos produtores que tem o poder de decidir quais serão apresentadas no ar.

Aí se coloca de novo a desigualdade de possibilidade de expressão. Por outro lado, os expectadores

não tem o arbítrio sobre a grade de programação das emissoras – não podem escolher os horários

dos programas, nem determinar qual atração deve ou não ser exibida.

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A articulação de Muniz Sodré sobre os meios de produção da televisão nos leva a

entender que não há espaço para ações comunicativas neste medium, porque há uma

impossibilidade de diálogo. Segundo Sodré (1984, p. 25), “é no diálogo [...] que a comunicação se

revela plenamente como troca, dando margem ao conhecimento recíproco dos sujeitos ou até ao

conhecimento de si mesmo, na medida em que pode incorporar o discurso do outro.” Entre televisão

e expectador não há troca, não existe um espaço linguístico onde as diferenças possam ser

confrontadas. O que parece acontecer é uma organização do ato da fala que impede a expressão da

audiência. Mas não queremos afirmar que a televisão age sempre de forma impositiva. Devemos

lembrar que, para conseguir audiência, deve cativar o público, seu bem mais valioso.

Estas duas correntes de pensamento em relação aos meios de produção televisivo

serviram como reflexão para chegarmos, com auxílio dos teóricos, a uma terceira via que talvez

possa nos levar a uma compreensão mais próxima dos conceitos em relação aos mecanismos que

fazem deste meio o mais procurado no Brasil. Esta linha de pensamento se relaciona com o mito.

2.2.1. A apropriação da fala.

A televisão opera, basicamente, com a fala – talvez, por isso, na palavra audiovisual, o

termo “áudio” se preceda ao “vídeo”. Esta oralidade tem origem no Rádio já que, no Brasil, foram

os profissionais deste veículo que inauguraram a televisão. Provavelmente por causa desta origem, a

televisão “fala” mais do que mostra – é uma maneira mais fácil de contar uma história. A narração

(seja ela com o narrador ao vivo, falando para o espectador, seja comentando imagens em off) induz

com maior eficácia às ideias que o emissor pretende transmitir. Mesmo que estejamos assistindo às

imagens (e, assim, poderíamos tirar nossas próprias conclusões sobre aquilo que vemos), somos

induzidos às impressões de um narrador. Por característica própria, a televisão, diferente do cinema

sério (não apenas comercial), não espera abrir lacunas para que as pessoas pensem, reflitam, sobre

os conteúdos transmitidos – por isso, em raríssimos casos existe silêncio na TV. Ao falar

constantemente, a televisão se assegura de que não haverá dúvidas sobre aquilo que pretende

transmitir e, neste caso, as imagens se tornam puras ilustrações redundantes do que é dito. Não há,

na maioria das vezes, intenção de deixar as imagens transmitir mensagens por si próprias, o que

seria mais coerente num meio audiovisual e daria sentido à apresentação destas imagens. O que se

vê na televisão são imagens presentes apenas para reforçar e “comprovar” aquilo que é narrado.

A fala se expressa através da língua que, segundo Roland Barthes, é o código da

linguagem, objeto em que se inscreve o poder. Para Barthes, o mito é uma fala apropriada e

restituída. Quando é restituída, ela não é mais a mesma e não é recolocada no seu verdadeiro local

de origem, assim se transforma em fala mítica. Para Barthes (1988, p. 249), “o mito é uma fala

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escolhida pela história”. É um sistema de comunicação; uma mensagem que não pode ser um

objeto, conceito ou ideia, mas sim uma forma, um modo de significação. O mito não se define pelo

objeto da sua mensagem, mas pela maneira como é enunciado. Este não esconde nem ostenta nada

pois a sua função é a de deformar, não é nem uma mentira nem uma confissão; é uma inflexão

(porque modifica). Seria um sistema duplo, onde o ponto de partida é constituído pelo ponto de

chegada de um sentido. É uma fala definida muito mais pela sua intenção do que pela sua letra.

Assim poderíamos pensar a televisão como uma apropriadora de falas alheias e

podemos ampliar esta ideia à apropriação de hábitos e costumes, de formas de comportamento, de

tipos socialmente definidos e de um amplo universo social. A TV “rouba” estas falas e as apresenta

como dela no momento que as devolve para a audiência que se reconhece naquilo que ouve e vê,

ainda que possa sentir um estranhamento, uma certa falsificação, daqueles personagens e de suas

falas. Um exemplo é a situação apresentada em novelas ambientadas fora do Rio de Janeiro, maior

polo de produção de teledramaturgia do País, em que os atores cariocas devem se expressar através

de um arremedo do falar nordestino, por exemplo. As pessoas que nasceram no Nordeste devem

entender perfeitamente esta falsificação do seu dialeto, ou melhor, dialetos porque a fala “cantada”

dos atores, interpretando personagens nordestinos nesses tipos de novelas, mostra a região como um

bloco linguístico e cultural único, e ignora as diferenças entre cada um dos estados. Segundo Leite e

Callou (2004, p. 21), no livro Como Falam os Brasileiros, “o desconhecimento da interação de um

conjunto de regras e representações é que gera, portanto, as falas caricaturais de personagens

nordestinas nos diferentes meios de comunicação”.

Esta forma de divulgar a desinformação, típico dos programas televisivos em geral,

desenvolvidos superficialmente, parece provocar críticas do espectador e podem ser encaradas

como um dos pontos de resistência sobre o conteúdo televisivo. Mas, como já foi colocado, fica

difícil determinar o grau exato desta resistência e suas consequências na relação do público com a

televisão (explanaremos mais a frente sobre a limitação dos órgãos de pesquisa de audiência,

liderados no Brasil pelo IBOPE, restritas e imprecisas, uma vez que privilegiam o público da capital

paulista, aquele com o maior poder aquisitivo do País).

A TV não tem um caráter transformador (nem pretende ter) ainda que exerça influência

quando exibe modos de comportamentos estranhos (como faz, por exemplo, quando diz, por

exemplo, qual é a moda em Paris e sugere que esta moda é a que deve ser adotada em qualquer

lugar mundo ocidental como a mais desejável). É na repetição que a TV marca a sua presença,

divulgando certos comportamentos que “pesca” na sociedade, reproduzindo falas que precipitam o

mito já construído.

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A TV não manda ninguém fazer o que faz; antes, autoriza, como espelho premonitório, que seja feito o que já foi feito. Autoriza e legitima práticas de linguagem que se tornam confortáveis e indiscutíveis para a sociedade pelo efeito da enorme circulação e da constante repetição que ela promove. A TV sintetiza o mito (BUCCI e KEHL, 2004, p. 19)

Os produtores de televisão tendem a reforçar o que já existe porque também estão

capturados por este mito – vivem na mesma sociedade midiática que ajudam a manter. Na televisão,

opera-se uma interação circular: as crenças e valores interagem com os conteúdos e estrutura dos

programas televisivos, gerando um “movimento de retroalimentação”. Conforme Fragoso (2000, p.

103):

A televisão, como todos os media, é produto da experiência humana, construído a partir de teias de crenças socialmente estabelecidas, as quais tendem a ser primariamente reforçadas pelos conteúdos e formatos propostos. A recepção implica, no entanto, uma contínua interação entre o que está sendo enunciado e a experiência prévia do público, produzindo um feedback em que os conteúdos e formas dos medias retornam continuamente como elementos constitutivos das sociedades e culturas a partir das quais eles mesmos se originaram. Assim, valores e crenças, sociedades e culturas, conformam os medias, cuja atividade reforça ou modifica valores e crenças, sociedades e culturas, os quais, por sua vez, continuam sendo conformadores dos medias, num movimento contínuo e rico em sutileza e complexidade (FRAGOSO, 2000, p. 103).

Este processo de apropriação da fala pode ser ampliado para uma apropriação de uma

forma de discurso que conta com palavras e imagens no processo de convencimento televisivo.

Segundo Foucault (2007, p. 8 e 9) em palestra na aula inaugural no Collège de France, em

dezembro de 1970, “por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições

que o atingem revelam logo, rapidamente, sua relação com o desejo e com o poder”. Em Foucault, o

discurso seria a prática da ideologia que é determinada pela linguagem, esta, mais do que refletir,

cria a realidade ou pelo menos a impressão de algo que nos acostumamos a chamar de realidade. A

linguagem é a capacidade humana para compreender e usar um sistema complexo e dinâmico de

símbolos convencionados, usado em modalidades diversas para comunicar e pensar. O uso efetivo

da linguagem para a comunicação requer um amplo entendimento das interações humanas porque,

além da fala, envolve gestos, expressões, motivação e papéis sociais. A televisão assume um papel

de poder através da linguagem, um poder avalizado pelos telespectadores que a concedem um certo

grau de autoridade. As imagens são as suas pseudo provas visuais para certificar que aquilo que diz

é a verdade (imagens apresentadas em programas jornalísticos, mas também em telenovelas que

pretendem reproduzir o cotidiano). Esta é uma das práticas televisiva, ainda que os produtores

muitas vezes não se comprometam com a realidade dos fatos ou com uma análise mais profunda

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daquilo que pretendem mostrar/representar.

O que nos interessa é que o discurso televisivo toma para si a reprodução de parte do

que se convencionou a chamar de “realidade” e a transforma em sua linguagem, apoiada em seu

aparato eletrônico e informático para recriar este real à sua maneira, no seu discurso que se forma a

partir de uma integração entre a fala, a imagem e o texto escrito, textos que aparecem em diversos

formatos: voz, caracteres, legendas, tarjas etc. sobre as imagens. Este procedimento se revela numa

outra maneira de mostrar o mundo sob uma ótica editada. Segundo Martín-Barbero (1990, p. 12),

isto a que se chama de tecnicidade é “um transpor/transformar dos sentidos, dos modos de

percepção e de experiência pessoal, como uma das formas de manifestação cotidiana do que antes

se denominou sociedade”.

2.2.2. O ritmo e a realidade dentro da televisão.

A velocidade se tornou, com o passar do tempo e desenvolvimento de uma linguagem

própria dos aparatos eletrônicos, uma das características da televisão (os programas até o final dos

anos 1970 tinham um ritmo de edição bem mais lento) e esta velocidade pretende refletir o modo

moderno de vida. A diferença é que não vivemos dentro de uma tela de TV e nossos cérebros não

são constituídos por circuitos impressos. A sociedade de hoje vive o dilema entre o humano (o

humanamente possível) e a tecnologia eletrônica que parece ter extrapolado a si mesma e se tornado

um dado, uma característica, destes tempos modernos.

A palavra mágica de hoje é digital, mesmo vivendo num mundo analógico, tudo que

carrega o nome digital leva a conotação de avançado e superior. Por ironia, poucas pessoas

entendem a distinção exata entre os dois termos. O processamento digital lida com apenas duas

possibilidades: ligado ou desligado, horizontal ou vertical, sim ou não (não existe o meio termo, por

exemplo, a possibilidade de representação gráfica fiel de ângulos ou curvas, como as curvas da

frequência sonora). As curvas ou linhas inclinadas viram escadas de pixels, unidade de

representação digital da imagem.

Do outro lado, o analógico representa qualquer fluxo constante que não pode ser medido

em unidades isoladas. Exemplos de fluxo analógico são os raios luminosos, a correnteza dos rios, o

vento etc. Ou seja, o mundo é analógico (parece incrível ter que lembrar isso!). Mesmo os

equipamentos digitais de áudio e vídeo usados hoje em televisão têm que lidar com o analógico em

sua captação e reprodução – eles tomam do mundo analógico os sinais (sons e imagens) que são

digitalmente convertidos, e os devolvem para o ambiente, analogicamente reconvertidos.

A palavra digital deu uma “nova vida” à TV e causou fascínio, ganhando adjetivos

como tecnologia de ponta, que remete ao melhor dos mundos. O que podemos dizer é que, em

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2010, o mundo digital precisa avançar muito para chegar perto do analógico (e é este o objetivo).

Em termos de reprodução de imagem ainda é preciso resolver uma série de problemas técnicos

(relativos à compressão de dados) que impedem que a definição de transmissão chegue aos padrões

da transmissão analógica. O processo é: captação analógica, conversão digital, conversão analógica,

transmissão analógica ou digital (no Brasil a rede de fibra ótica ainda é financeiramente proibitiva

para permitir uma transmissão totalmente digital), recepção nas casas, geralmente, analógica e

conversão digital para as imagens serem exibidas nos televisores high definition (HD). Bem mais

complexo do que no passado, quando todo o processo era analógico. A piada é que a informática (e

o mundo digital) veio solucionar problemas que nós não tínhamos. A tecnologia digital deve ser boa

e barata para atender à população, e este binômio ainda é difícil de resolver.

Mesmo assim, não se pode negar que a tecnicidade faça parte do cotidiano e que as

mídias eletrônicas contribuam para este estado das coisas ao promover os mecanismos de

compartilhamento social a distância. As redes sociais via internet “ligam” pessoas em diversos

pontos do Brasil e disponibilizam uma nova forma de “relacionamento”. A TV reproduz as

situações cotidianas que, da mesma forma, são (re)produzidas à distância, de um lado estão os

emissores e, de outro, os receptores com uma tela que serve de meio imprescindível à cultura

audiovisual (e também à cultura digital). Mediados pela tela, os espectadores têm a impressão de

contato próximo, aprendido nas relações cara a cara (no mundo concreto), mas sofrem a

impossibilidade da completa realização da comunicação humana, que necessita do contato pessoal,

do olhar sem intermediários eletrônicos, da fala do corpo e da expressão dos sentimentos. No caso

da TV, as situações que parecem reais, que ganham veracidade a partir da representação através de

sons e imagens do mundo, apenas imitam o que foi socialmente criado. Aí se encontra o processo de

retroalimentação num continuum ininterrupto que faz com que a televisão reinterprete o mundo e o

recoloque na sociedade à sua maneira.

São novas categorias de análise emergindo, como o tempo, o visível e o invisível; a fragmentação do tempo, o do espaço nas imagens, sugerindo o mesmo na vida real das pessoas; o micro tempo que as fotografias tentam capturar e reter ante a situação conflitiva que as imagens em movimento na televisão lhes trazem; a linguagem pelo som e pela imagem, em múltiplos processos de metamorfose, interagindo com o imaginário, em que estão presentes tantos outros atores; enfim, a sedução da técnica parece ganhar autonomia no meio social do trabalho e da informação, e chega, nos indivíduos e, para além deles, compondo o mundo de suas fantasias e desejos, tanto quanto o próprio imaginário social (SOUZA, 1995, p. 32).

A televisão opera um jogo de negociações com a sociedade onde fica difícil identificar

com clareza quem é o criador e quem é a cria. As análises de audiência e os sociólogos tentam

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esclarecer esta simbiose desde o desenvolvimento da televisão, este entrelaçamento de discursos

que se confundem. São estudos que buscam posicionar o papel social da televisão.

Os primeiros estudos sobre Comunicação no Brasil tinham como base o modelo de

análise funcionalista. Este é um foco de interesse nos anos 1950, época de inauguração da televisão

no Brasil. A década marcou o desenvolvimento do mercado de consumo com a criação do sistema

de compra através de crediário, fato que atraiu a atenção dos Estados Unidos que influenciaram

diretamente o mercado brasileiro de publicidade com os aportes teóricos norte-americanos nos

estudos de comunicação.

Estes foram os primeiros conceitos de desenvolvimento do mercado de consumo nos

países latino-americanos. A influência da sociologia empírica importada dos Estados Unidos se

consolidou nos anos 1960, traduzindo-se na escolha de objetos, temas, métodos e premissas que

fundamentaram as indagações e problemáticas estudadas. As pesquisas se colocavam em função de

determinar o ângulo psicossocial para estudo do comportamento do consumidor brasileiro que

passou a balizar o desenvolvimento de técnicas de incentivo aos bens de consumo. Foi uma época

em que predominou a teoria que apontava para a formação de uma massa popular com

características bem semelhantes e a televisão partia do pressuposto da existência de um

receptor/telespectador passivo, subjugado pelo predomínio do emissor.

Como se houvesse uma relação sempre direta, linear e inequívoca de um pólo, o emissor, sobre o outro, o receptor; uma relação que subentende um emissor genérico, macro, sistema, rede de veículos de comunicação, e um receptor específico, indivíduo, despojado, fraco, micro, decodificador, consumidor de supérfluos; como se existissem dois pólos que necessariamente se opõem, e não eixos de um processo mais amplo e complexo, por isso mesmo, também permeado por contradições (SOUZA, 1995, p. 14).

São nestas condições teóricas que se funda a problemática que envolve o lugar e o papel

da mídia no mundo moderno e o mundo televisivo criado com a justificativa de atender ao

telespectador, seja em termos de diversão ou de serviço (esta é uma das vertentes em que a TV se

apresenta: uma prestadora de serviços). Se de um lado há quem concorde com este papel, de outro a

acusam de dominadora e ditadora de comportamento. Teoricamente, entendemos que a televisão

criou uma realidade própria como forma de operar os significados sociais e de dar conta de um

hercúleo trabalho de manter uma programação 24 horas no ar. Numa comparação direta com o

cinema, outra mídia audiovisual inserida na sociedade, pode-se constatar que os processos de

produção televisivos são bem mais restritos. Se na produção cinematográfica opera-se com muitos

recursos financeiros (e, por conseguinte, tecnológicos) e tempo, conseguindo-se assim um produto

mas elaborado e que se mantém, em muitos casos, relevante por anos, na televisão a produção

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imediata, às pressas, determina produtos audiovisuais em geral pobres de conteúdo e descartáveis

no momento seguinte à exibição. A forma encontrada de convencer o espectador com tão pouco foi

tomar para si a fala da sociedade e assumir frente ao público uma relação de autoridade.

No livro “O monopólio da fala”, o professor Muniz Sodré defende que

O sistema audiovisual – a televisão – […], contém virtualmente todas as funções preenchidas pelos veículos precedentes e abrange um vasto número de possibilidades de expressão audiovisual. A curto prazo, os jornais tendem a ser televisão, não no sentido tecnológico da palavra, mas no sentido mercadológico (como media financeiramente complementares da tevê) e editorial (como peças auxiliares da abstração despolitizante do medium televisivo). A televisão é decididamente despolitizante. Considere-se, por exemplo, a função do medium nos debates entre Nixon e Kennedy ou entre Giscard d'Estaing e Miterrand. O que ali estava em jogo não eram realmente os conteúdos políticos dos diferentes discursos dos candidatos (diferença institucional mais acentuada no caso francês), mas o desempenho de cada um deles em face do código televisivo. O medium tecnológico ganha, de fato, tamanha autonomia com relação à situação vivida, humana, dos sujeitos, que consegue mesmo impor-lhes as suas razões técnicas. O medium não é aí um simples mediador entre informante e público, mas um espaço autônomo capaz de criar modelos próprios, que neutralizam o sentido político das ações e dos discursos. O público tende a pôr na balança o charme, a regularidade plástica, a segurança dramática dos candidatos, ao invés de suas plataformas políticas. É fato conhecido a nítida vantagem de Kennedy sobre Nixon na tevê, o mesmo acontecendo com Giscard d'Estaing face a Miterrand (SODRÉ, 1984, p. 28).

O texto do professor, publicado pela primeira vez em 1977, ainda nos parece atual. O

modelo televisivo, inalterado, mantém a tendência à imposição de apontar julgamentos pré-

estabelecidos a partir de regras remodeladas pela própria televisão. A situação nada natural de um

confronto de candidatos frente às câmeras transmite a impressão de naturalidade, impondo uma

ideologia que relaciona a imagem (a boa imagem) com o poder. A televisão opera com a

possibilidade da síntese hegemônica dos discursos e precisa, para isso, do silêncio do espectador.

À questão do monopólio da fala, poderíamos adicionar a do monopólio da diversão

caseira. Isto podia ser verdade em 1977, mas há alguns anos deixamos de ser totalmente reféns da

televisão quando procuramos informações ou diversão barata e imediatamente acessível. O acesso à

internet, mesmo para aqueles que não possuem computadores em casa conectados à rede (acesso à

lan houses), a grande redução dos valores de aparelhos de Digital Video Disc (DVD) e a pirataria de

filmes abriram novas possibilidades que concorrem com a audiência televisiva. Esta possível fuga

do aparelho televisivo nos dá uma saída para não ficarmos reféns de uma única babá eletrônica.

Mesmo assim, não podemos negar a força que a televisão exerce sobre a sociedade

como poder de notificação, que se apresenta inquestionável. É difícil duvidar que um meio que

tenha poder de penetração contínua, praticamente sem limitação geográfica através da transmissão

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via satélite, não detenha um possibilidade de persuasão, de convencimento, muito acima de

qualquer outro veículo de comunicação (poderíamos pensar no rádio como um próximo competidor

da televisão, mas as imagens são imbatíveis).

E esta persuasão parte de um grupo restrito de indivíduos que se centralizam

majoritariamente no Rio de Janeiro e em São Paulo (outro exemplo de monopólio) com as visões de

mundo das pessoas que vivem nestas cidades que irão aparecer na tela. Por isso, o que se vê na

televisão são retratos elitizados de estilos de vida (nas novelas) e colocações marcam as classes

sociais onde a população de baixa renda aparece, em geral, como desprivilegia, isenta de educação

escolar ou associada ao crime (geralmente, no telejornalismo). A teoria do agendamento (agenda

setting) aponta como o telejornalismo pretende nos dizer com o que devemos nos preocupar, no que

vale a pena pensar. Aí se cria parte da realidade televisiva.

[…] a mídia ou conjunto dos meios de comunicação de que se vale fortemente a ideologia globalista é, a exemplo da velha retórica, uma técnica política de linguagem. Mais ainda: potencializada ao modo de uma antropotécnica política – quer dizer, de uma técnica formadora ou interventora na consciência humana – para requalificar a vida social, desde costumes e atitudes até crenças religiosas, em função da tecnologia e do mercado (SODRÉ, 2004, p. 22).

As duas últimas citações, do professor Muniz Sodré, distam 27 anos uma da outra e

mostra que, como já afirmamos, a televisão não mudou muito neste período. A inércia se encontra

não no conteúdo, mas na forma. A TV tem como base a repetição e é assim, sempre repetindo, que

marca o seu território na sociedade, por isso, não se pode esperar verdadeiras inovações na

programação porque esta não é a intenção dos produtores. A intenção é impor um discurso. Pela

argumentação dos últimos parágrafos, não nos parece possível imaginar a televisão como espaço

democrático de práticas sociais, como propõem autores como Martín-Barbero (MARTIN-

BARBERO, 1997, p. xiii) que propõe pensar na mídia televisiva como “o mais eficaz motor de

desprendimento e inserção das culturas – étnicas, nacionais ou locais – no espaço/tempo do

mercado e tecnologias globais”.

Ao contrário disso, sustentamos que a televisão apresenta uma prática antidemocrática

ao (re)propor os conteúdos que colheu na sociedade e ainda, ao se autodenominar “meio de

comunicação”, toma para si este papel de comunicadora como se a comunicação possível na

sociedade moderna dependesse em certo grau desta mediação. Tentar provar que “o meio é a

mensagem” é supor que não a comunicação se torne difícil fora dos meios.

O que queremos propor com este texto é que se possa desenvolver um outro diálogo a

partir das informações televisivas, mas fora da televisão, entre as pessoas (alunos) a respeito das

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práticas consumistas oriundas das informações colhidas nos meios. Daí nos parece que poderia

advir uma verdadeira fala libertadora e formadora de sentidos democráticos.

O fortalecimento de práticas sociais – autônomas e democráticas – e especialmente da comunicação, produto e componente destas, é um dos maiores desafios que atualmente enfrentamos e a condição sine qua non para tornar realidade uma utopia sustentada em uma liberdade comprometida com a justiça e a igualdade, e em uma solidariedade crítica. Nesta perspectiva, o elemento fundamental que deve ser assumido como o objeto de fortalecimento é o “diálogo”. Diálogo que em ocasiões toma a forma de interlocução das audiências com os meios, convertendo os processos de recepção em autênticos processos de produção de sentidos e significados, onde ainda que permaneçam as mensagens dos meios como referentes, o produto comunicativo pode tomar um sentido que pouco ou nada tem a ver com o original e muito com as diferentes mediações dos interlocutores e à situação particular em que se produzem [tradução nossa] (GÓMEZ, 2002).

Estes sentidos, ainda que vagos e em processo de contínua ressignificação, nos parecem

ser a melhor ferramenta para se trabalhar com os alunos as questões relativas ao incentivo para o

consumo determinadas pela televisão. Entendemos que este pode ser um primeiro passo.

Acreditamos que começa a se delinear um processo de rejeição do público perante a TV,

como mostram as pesquisas de audiência e se lamentam as próprias emissoras, até mesmo a Rede

Globo em reportagem da Revista da TV, publicada em setembro de 2010, em “comemoração” aos

60 anos da televisão no Brasil. O título do texto é “Apesar da queda de audiência, a TV ainda é o

principal meio de entretenimento do país” (BRAVO e FRAJDENRAJCH, 2010). Ainda que outros

meios eletrônicos de diversão caseira façam frente à predominância da TV, esta queda na audiência

pode significar um aumento da crítica à televisão. E acreditamos que o poder de crítica pode ser

construído num processo de aprendizado, da mesma maneira que as crianças aprendem com a

televisão, podem aprender a duvidar dela.

2.3. PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO PARA A VIDA.

Enxergamos a escola como um espaço que proporcione escolhas, que abra um espectro

de possibilidades para a vida em sociedade e que possa apoiar a formação global do indivíduo como

ser independente e dono das próprias escolhas. Um indivíduo livre. Esta utopia pode começar a ser

concretizada na medida em que se ofereça aos alunos alternativas ao pensamento hegemônico.

Como diz Dermeval Saviani (2009), passar “do senso comum à consciência filosófica”.

Já dissemos que a nossa opção é encarar as questões sobre o consumo numa sociedade

capitalista a partir dos ideais marxistas. Propomos esta conduta não apenas como uma forma de

doutrina contrária ao neoliberalismo, mas como uma porta para uma outra maneira de pensar a

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respeito das práticas consumistas, já que entendemos que o indivíduo pode realizar escolhas a partir

do momento que encontra mais de uma opção de vida.

O objetivo educacional deste trabalho nos encaminha, desde alguns anos de estudo, a

seguir as ideias de Paulo Freire através de sua leitura de mundo. Buscamos referências em outros

textos do pedagogo mas, particularmente, nos ateremos aqui no livro Pedagogia do Oprimido como

guia para o ponto de vista que elegemos para esta pesquisa: a postura das camadas sociais de baixa

renda frente à sociedade de consumo.

Entendemos que este seja um texto básico do autor e que a partir das ideias nele

contidas expõe toda a sua postura de fé, respeito e crença nas pessoas. Freire valoriza o cotidiano

como ponto de partida para o desenvolvimento de um conhecimento político-científico-filosófico

que daria conta de uma pedagogia com base na praxis humana. É um pensamento libertador que

demonstra crença nos homens e mulheres do povo, aposta que a liberdade pode ser conquistada com

a ajuda de uma pedagogia que dê condições para que estas pessoas atinjam um poder de reflexão

que as faça descobrir o seu papel de sujeito histórico. Paulo Freire demonstrou que, com o seu

método de alfabetização através das “palavras geradoras”, o ensino da leitura e escrita deve se

basear no princípio da conscientização e, no livro a que nos referimos coloca os problemas que

advém do binômio oprimido/opressor.

Nos parece claro que aí se encontra uma questão de luta de classes, uma luta que pende

para o lado mais forte e que precisa ser equilibrada a partir da conscientização dos oprimidos como

tal.

É como homens que os oprimidos têm de lutar e não como “coisas”. É precisamente porque reduzidos a quase “coisas”, na relação de opressão em que estão, que se encontram destruídos. Para reconstruir-se é importante que ultrapassem o estado de quase “coisas”. Não podem comparecer à luta como quase “coisas”, para depois ser homens. É radical esta exigência. A ultrapassagem deste estado, em que se destroem, para o de homens, em que se reconstroem, não é “a posteriori”. A luta por esta reconstrução começa no auto-reconhecimento de homens destruídos (FREIRE, p. 60, 1970).

Este embasamento teórico nos parece relevante com a nossa proposta de pesquisa. Esta

linha de pensamento de Freire se completa (ou é completada) com o conteúdo do Manifesto

Comunista, publicado pela primeira vez em 1848. Marx e Engels explicitam que o poder político é

meramente o poder organizado de uma classe para oprimir a outra. Se, historicamente, a opressão

crescente sobre os oprimidos (proletariado, em Marx) não confirmou as previsões dos autores a

respeito de uma revolução de baixo para cima não encontramos, de fato, motivos para duvidar que

exista entre os “fracos” uma força latente possível de reverter o estado das coisas ou, pelo menos,

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diminuir o abismo entre a população de baixa renda e os ricos. É preciso sempre olhar para o

passado e constatar que lutas que pareciam inglórias acabaram revertendo o quadro social (podemos

de imediato pensar na história do Partido dos Trabalhadores).

Freire se refere ao Ser Mais como uma possibilidade histórica nas mãos daqueles que

estão em um processo de busca. Em analogia aos atuais hábitos de consumo, podemos pensar que a

cobiça por um número infindável de produtos (e coisas que o dinheiro possa comprar) insinua uma

condição de insaciabilidade que jamais termina. Nesta busca contínua pela satisfação, o

consumidor, inclusive o infantil, indica que não encontra o que realmente procura porque não sabe

exatamente o que quer ou o que precisa. Será que são mesmo os bens de consumo que atenderão a

esta possibilidade de Ser Mais? As promessas da publicidade através do audiovisual televisivo são

muitas, mas, como não se concretizam, o consumidor continua na sua busca, comprando novos

produtos de todas as espécies para tentar encontrar o sentimento de saciedade (e “felicidade”) que

espera conseguir.

Será a escola um lugar para aprender o sentido do consumo? Propomos que sim, uma

vez que entendemos a escola como um meio para a formação para a vida. É fundamental para a

formação sólida do indivíduo ter ferramentas para enfrentar o mundo de forma coerente e segura, e,

dentro de uma sociedade capitalista, o mercado de consumo. A escola poderia mostrar aos alunos o

consumo como aquilo que ele realmente representa, segundo Canclini, (1999, p. 77): “o conjunto de

processos socioculturais nos quais se realizam a apropriação e os usos dos produtos”. Assim, a

forma como se consome no século XXI diz muito de como se formatou a sociedade que hoje

vivemos, na propensão dos indivíduos ao individualismo e ao destaque social como ser único, à

busca da auto-expressão e reconhecimento (geralmente, através do trabalho), à ânsia de estar no

centro das atenções como se protagonizasse o seu espetáculo particular. Esta disputa social que se

trava no campo simbólico precisa ser explicitada na escola como uma forma de fazer os alunos

refletirem sobre sua própria condição. Como escreve o professor Ernani Maria Fion no prefácio de

Pedagogia do Oprimido,

a descodificação é análise e consequente reconstituição da situação vivida: reflexo, reflexão e abertura de possibilidades concretas de ultrapassagem. Mediada pela objetivação, a imediatez da experiência lucidifica-se, interiormente, em reflexão de si mesma e crítica animadora de novos projetos existenciais. O que antes era fechamento, pouco a pouco se vai abrindo; a consciência passa a escutar os apelos que a convocam sempre mais além de seus limites: faz-se crítica (FREIRE, 1970, p. 3).

Esta é a nossa crença: que a possibilidade de desenvolvimento de uma postura crítica

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possa criar outra orientação, diferente daquela que a TV divulga para as crianças a todo o momento,

através da publicidade. Freire (1970, p. 145) sustentava que o homem é um ser da praxis, do

“quefazer [...] porque seu fazer é ato de reflexão”. Defendemos que incentivar a reflexão deve ser

uma tarefa primordial na escola, ainda mais quando se pode criar aí um contraponto à

superficialidade do audiovisual televisivo que pouco leva ao ato de refletir. Não é tarefa fácil propor

que os alunos pensem filosoficamente sobre seus hábitos de consumo, mas devemos lembrar que

uma das grandes justificativas para a escolarização é demonstrar a existência do pensamento

científico e como ele faz avançar frente aos problemas práticos. Como insiste Freire (1970, p. 146),

“[...] não há revolução com verbalismo, nem tampouco com ativismo, mas com praxis, portanto,

com reflexão e ação incidindo sobre as estruturas a serem transformadas.”

O educador também demonstra em Pedagogia do Oprimido que as classes dominantes

não esperam que não haja um questionamento frente às suas imposições, ou seja, não existe uma

situação dialógica. Como entendemos a televisão como representante dos interesses dominantes

(não existe veículo na mídia brasileira que seja controlado e administrado pela população de baixa

renda), não vemos qualquer possibilidade de diálogo entre as emissoras e o público. A televisão

busca entender o que se passa na sociedade porque é disso que se nutre. Também busca entender o

que quer o espectador porque precisa de audiência que, depois de mensurada, servirá de base para

as tabelas de preço para os intervalos comerciais e patrocínios de todos os programas.

A ausência de uma perspectiva de diálogo entre a classe dominante e o povo brasileiro

também se revela nas políticas educacionais. O modelo brasileiro, historicamente, atendeu os

interesses da classe dominante. As práticas de exclusão ainda atingem a população de baixa renda.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Anísio Teixeira (BRASIL, 2010), no ano de 2007 4,3%

do produto interno bruto foram investidos na Educação Básica, valor pouco superior aos 3,7%, em

2000. O relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), intitulado Situação da

Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de Aprender: Potencializar Avanços e

Reduzir Desigualdades (SITUAÇÃO DA INFÂNCIA, 2009), recomenda que sejam investidos 8%

do PIB na Educação brasileira. O documento reconhece e comemora os avanços nos indicadores de

acesso, aprendizagem, permanência e conclusão do Ensino Básico – 97,6% das crianças e

adolescentes entre 7 e 14 anos estão matriculados na escola, o que representa cerca de 27 milhões

de estudantes. Mas alerta que os 2,4% restantes representam 680 mil pessoas, número maior que a

população do Suriname, por exemplo. Desse total de crianças fora da escola, 66% (450 mil) são

negras e o percentual na Região Norte é duas vezes maior do que o mesmo percentual na Região

Sudeste.

Este mapa da exclusão ainda mostra que o elitismo prevalece nas políticas educativas no

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Brasil (que também se revela na precária situação da infra-estrutura física da maioria das escolas

públicas). Uma as evidências de que o poder público se importa pouco com o efetivo

desenvolvimento das escolas (formação integral) está na prática de indicação dos gestores da esfera

federal, geralmente, indicações políticas para os cargos no Ministério da Educação (para delimitar

um período político, nos referimos aos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1995,

até o final do segundo mandato de Luiz Inácio da Silva).

As mudanças no sistema capitalista no século XX – declínio da social-democracia e

ascensão do neoliberalismo – foram marcantes a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Foram mudanças que afetaram as bases produtivas, trouxeram à tona a ideia de globalização,

quando redefiniram a noção de público e o privado.

Nesse contexto, as corporações transnacionais assumem posição hegemônica no mercado mundial e, dentro da concepção neoliberal, passam a ter responsabilidades assistenciais, que na social-democracia constituíam prioridade do Estado. Além disso, tais corporações dominam as forças produtivas centrais do capitalismo de final do século XX: a ciência, a tecnologia e a informação (SILVA JÚNIOR, 2005, p.13).

Estas condições têm um reflexo mais direto na educação superior, mas todo o processo

educativo foi atingido e, de certa forma, o sentido da educação fundamental também começou a ser

orientado para a formação da força de trabalho. Nesse caso, a pedagogia de formação para a

liberdade de Freire estaria colocada em segundo plano, já que a profissionalização exerceria o papel

principal na escolarização. O atual modelo econômico prega que uma nação deve estar sempre em

crescimento ao proporcionar um contínuo aumento de riqueza (produto interno bruto). A evolução

dos meios de produção fez com que se ampliasse a base de trabalhadores qualificados, técnicos,

gerentes etc. para atender a crescente demanda da tecnoestrutura (ampliaremos este conceito

adiante). Mas esta riqueza gerada beneficia apenas a classe dominante, o que transforma o Brasil (e

outros países denominados de “terceiro mundo”) em país que aponta para um crescimento de

riqueza, mas que continua com uma população basicamente pobre. A política educacional que

objetiva a formação para o mercado profissional não favorece o desenvolvimento pessoal da

população de baixa renda (maioria dos brasileiros), não abre portas para uma nova concepção de

mundo (ao contrário reafirma que a busca pelo capital seja a razão primordial para a formação

escolar) e reforça a condição privilegiada da classe dominante, pela passividade da classe de baixa

renda.

Crescer, em termos econômicos no mundo capitalista, também significa aumentar o

consumo interno. E é aí que a mídia entra para informar que o poder de compra é o principal

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objetivo a ser atingido. Esta é a filosofia dos donos do capital que entendem que, dentro do sistema

em que vivem, os esforços devem ser direcionados para o constante o acúmulo de capital – e

população de baixa renda assume esta maneira de pensar como sua. Na Educação escolar isto se dá

quando o professor se apresenta como o portador do conhecimento que devem ser depositados nos

alunos que apenas arquivam o que ouvem, e copiam. É a concepção “bancária” em Freire.

As elites dominadoras, na sua atuação política, são eficientes no uso da concepção “bancária” (em que a conquista é um dos instrumentos) porque, na medida em que esta desenvolve uma ação apassivadora, coincide com o estado de “imersão” da consciência oprimida. Aproveitando esta “imersão” da consciência oprimida, estas elites vão transformando-a naquela “vasilha” de que falamos, e pondo nela slogans que a fazem mais temerosa ainda da liberdade (FREIRE, 1970, p. 100).

A principal diferença é que os filhos da classe dominante, os mantenedores desses

slogans, nascem com vários passos de vantagem sobre aqueles que precisariam construir com seu

próprio trabalho uma condição financeiramente equivalente às da burguesia e atenda ao ideal por

ela estipulado. A conjugação do verbo precisar vai no futuro do pretérito porque as chances de que

esta condição (trabalhar para a ascensão financeira) se concretize é pouco provável. Se os filhos da

burguesia nascem com vantagem, os filhos das classes de baixa renda se encontram em situação

oposta. Provavelmente, se tornarão cópias da condição de dominados como seus pais e os pais de

seus pais. É uma condição que deve ser assumida como tal pois o homem que não se reconhece

como cidadão, independentemente de sua classe social, não encontra meios de avançar por outros

caminhos e deixar para trás aquilo que não mais o serve.

Uma escola que tenha uma orientação humanística não pode permitir que os sonhos de

consumo impossíveis continuem a dominar o imaginário do povo como um projeto possível a ser

concretizado. Somos proibidos de sonhar? Não, não somos, mas acreditamos que seja necessário

entender a dimensão que a fantasia ocupa em nosso cotidiano e saber distinguir entre a situação

fantasiosa que nos faz bem e aquela que nos cega para que possamos atingir uma condição de

plenitude pessoal.

Mais uma vez, colocamos que a proposta de uma educação libertadora não deve ser

encarada como uma “mensagem salvadora” (Freire, 1970, p. 101), ou mais uma forma de doutrina a

ser imposta àqueles que, aos olhos dos acadêmicos, não sabem o que querem. Esta seria uma atitude

presunçosa e arrogante, mais uma esmola para os pobres que sai da mão dos eruditos. O que se

propõe é um “combate” à mídia que possui poderosas armas, usadas para convencer a população em

favor dos interesses dominantes. Antes que um monólogo, nos propomos a realizar um diálogo em

sala de aula que ajude os alunos a “conhecer, não só a objetividade em que estão (os alunos), mas a

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consciência que tenham desta objetividade; os vários níveis de percepção de si mesmos e do mundo

em que e com que estão” [grifos do autor] (ibid, p. 101). Significa propor que este diálogo possa ser

constituído a partir de uma verdadeira troca em que se possa confrontar duas visões de mundo:

aquela que defendemos e a daqueles alunos da escola pública que assumem a ideologia dominante.

Não há como não repetir que ensinar não é a pura transferência mecânica do perfil do conteúdo que o professor faz ao aluno, passivo e dócil. Como não há também como não repetir que, partir do saber que os educandos tenham não significa ficar girando em torno deste saber. Partir significa pôr-se a caminho, ir-se, deslocar-se de um ponto a outro e não ficar, permanecer. Jamais disse, como às vezes sugerem ou dizem que eu disse, que deveríamos girar embevecidos, em torno do saber dos educandos, como a mariposa em volta da luz (FREIRE, 1992, p.37).

O diálogo é fonte de conhecimento mútuo e para que o professor entenda a condição

dos alunos é preciso que os escute. Esta é condição fundamental para o trabalho que propomos em

relação aos significados dados pelas crianças ao mercado de consumo – seja a resposta que dão

frente à publicidade televisiva, seja na sua maneira de significar questões em relação ao consumo ou

o que fazem com os produtos que tanto desejam. Já colocamos que não pretendemos fazer uma

análise da recepção, já que esta se apresenta como uma tarefa fora do nosso alcance pela proporção

do universo que apresenta, mas precisamos de algumas respostas que possam validar nossa

hipótese. Respostas que mostrariam, na prática, qual o sentido que os espectadores dão às imagens e

significantes que a televisão propõe para o consumo de produtos. Acreditamos que estas respostas

possam ser encontradas em sala de aula.

É um trabalho que necessita de diálogo, impossível de ser feito pelos órgãos envolvidos

com pesquisas de audiência que apenas se interessam mais por números e do que por depoimentos

sobre aquilo que os espectadores assistem. Em janeiro de 1978, Michel de Certeau deu uma

entrevista ao jornal francês Le Monde quando disse:

A análise das imagens distribuídas pela televisão, dos tempos passados diante do aparelho, das escolhas feitas pelos utilizadores etc., não diz ainda nada sobre o que o consumidor anda a fazer durante estas horas e com essas imagens. Ora, aí é que está toda a questão: o que é que anda o nosso freguês a fazer nos espaços impostos da cidade, do supermercado, dos media, dos escritórios etc.? Cada vez sabemos menos, à medida que a extensão totalitária dos sistemas de produção já não deixa aos consumidores um lugar onde deixar marca do que fazem com os produtos e à medida que, participantes na lógica desses sistemas, os aparelhos científicos medem o avanço desses produtos nas redes de uma ordem econômica, mas ficam cegos sobre o uso que deles fazem os fregueses. A uma produção racionalizada, tão expansionista como centralizadora, ruidosa e espetacular, corresponde uma outra produção (qualificada de consumo), esperta, dispersa, mas insinuando-se em todo o lado, silenciosa e quase invisível, já que se não assinala com produtos próprios mas na maneira de empregar os produtos impostos por uma ordem econômica

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dominante (MATTELART, 2005, p. 158).

Este nos parece um ponto muito relevante, porque é aí que o professor pode trabalhar

com os alunos as questões sobre o consumo. É nas respostas que os alunos dão ao que fazem com as

coisas que compram e como se relacionam com elas que poderíamos entender se os sentidos que a

televisão dá aos produtos se equivalem àqueles conferidos pelos que vão utilizá-los. Como já foi

dito, não encaramos a TV como toda poderosa, como aquela que dita as normas sem que haja

contestação do público. Mesmo que não seja o nosso objetivo estudar a recepção em sua amplitude

(as reações de um público diversificado a um universo de programas), aceitamos que possa existir

uma reação inesperada (para os veículos) da audiência e esta pode ser encarada como uma forma de

resistência, uma crítica. Nos parece que, ao medir apenas os índices de audiência, informação

quantitativa, os produtores de TV prestam pouca atenção à qualidade das reações do espectador.

Não encontramos, no atual formato televisivo, indícios de que a televisão realmente esteja

interessada em entender o que passa pela cabeça daqueles a quem a programação se dirige.

2.4. A LIBERDADE EM ARENDT E O “MODELO MECÂNICO” DE BARBERO.

Jesús-Martín Barbero1 chama de “modelo mecânico” de televisão aquele que não

pretende promover qualquer intercâmbio, que se restringe à transmissão de informações que devem

ser assimiladas tal qual são transmitidas. O emissor tem uma expectativa que espera ser

concretizada pelo receptor que nada acrescenta àquilo que ouve e assiste, um conceito que se

relaciona com a educação bancária de Freire.

Ele leva a uma confusão epistemológica muito grave. Estaríamos confundindo, permanentemente, a significação da mensagem com o sentido do processo e o das práticas de comunicação, como também reduzindo o sentido dessas práticas na vida das pessoas ao significado que veicula a mensagem. Seria entender todo o processo com base neste significado, no qual se encontram as intenções do emissor e suas expectativas quanto ao receptor que o espera. Essa concepção confunde os sentidos dos processos de comunicação na vida das pessoas com o significado dos textos, das mensagens, ou mesmo da linguagem dos meios (BARBERO, 1995, p. 40 e 41).

Uma das tentativas da televisão é tentar igualar informação a comunicação. Ao informar

algo, demonstra a sua autoridade de um milhão de olhos eletrônicos que enxergam um mundo muito

mais amplo (apesar de distorcido pelas suas lentes) que o do indivíduo. Mas, repetimos, neste caso 1. Não tomamos aqui o autor entre as fontes primordiais do trabalho, nos parece pouco claro a forma em que se revelam e se concretizam as resistências culturais que Martín-Barbero apresenta em seus textos, ainda que concordemos que exista uma “reelaboração simbólica” do público frente aos conteúdos televisivos. Discordamos do autor (Martín-Barbero, 1987. p.106) quando diz que “nem tudo que vem de cima são valores da classe dominante, pois há coisas que vindo de lá respondem a outras lógicas que não são a de dominação”. Porém, não nos furtamos a acolher os conceitos de Martín-Barbero que consideramos relevantes, como de outros autores.

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não há troca, o debate interpessoal necessário que define a comunicação humana. Vivemos numa

sociedade da informação sim, mas não da comunicação.

Partimos do pressuposto que a comunicação humana, sem interferência da mediação

eletrônica e televisiva, deve ser intensificada como atitude libertadora. E entendemos que a

televisão busca aprisionar. Na sua velocidade e imediatismo não encontra tempo para tratar dos

assuntos com profundidade. A programação televisiva apresenta o mundo como um espetáculo sem

temporalidade, sem referências de um passado histórico. A representação do presente televisivo não

significa um desdobramento de uma situação social – o presente assume identidade própria no

mundo televisivo como se sempre tivesse sido assim. A televisão

[…] tem a potencialidade de estar 24 horas por dia em contato com você. Oferece continuidade e variedade. É doméstica, manejável, cotidiana, ilude o tédio e a solidão. E principalmente, ela trata as informações da realidade, as ficcionais, as espetaculares e as publicitárias numa linguagem tão constante, tão igual que todos esses níveis de discurso se confundem (KEHL, 1995, p. 172).

Digamos, então, que a TV sirva para distrair, para nos fazer esquecer das mazelas

cotidianas. Não há nada contra isso, já que a atividade humana não é feita de intermitente reflexão

filosófica. Mas se a TV é apenas diversão desinteressada que seja bem definida como tal e seja

afastada pelos espectadores a ideia de que a partir da televisão podemos realmente nos informar a

fundo sobre uma questão (com informações de nosso interesse) ou que podemos tê-la como um

veículo confiável, criterioso e sério.

Mas o que sugerimos é que isso, normalmente não pode acontecer sem a devida

reflexão. Mesmo que o espectador diga para si que a televisão não é a voz da verdade e entenda que

o concreto não está ali, se deixa levar pela sedução que cria um desejo com a mensagem “eu sei o

que você quer” e ao mesmo tempo oferece a realização deste desejo. Aí, a televisão encontra sua

fonte de poder e acaba não sendo encarada como uma simples fonte de distração sem compromisso.

Teoricamente, adotamos o conceito de que a televisão é monopolista e autoritária,

privatizadora de discursos e que a escola deve levar em consideração medidas pedagógicas que

possam trabalhar estas questões com os alunos. Propomos que isso se dê na construção de

ferramentas eficientes que levariam à formação politizada das novas gerações. Fugimos aqui da

noção de política partidária para nos aproximar do que acreditamos ser o verdadeiro significado do

ser político. Acreditamos que este sentido original esteja perdido numa sociedade que, de certa

forma, se esqueceu da política e a colocou num lugar reservado, longe, que não pode atormentar

ninguém, como algo nocivo. A política se afasta, assim, de seu sentido social.

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2.4.1. O ser político e a liberdade em Arendt.

Em A Condição Humana, Hannah Arendt (2007, p. 15) divide as atividades humanas

fundamentais em “trabalho, obra e ação”2 – em nosso contexto, a terceira condição humana é a que

realmente nos interessa abordar. A autora busca reavaliar a condição humana em ordem de apontar

para o restabelecimento da dignidade e da grandeza do homem, reduzidas frente à um

reordenamento histórico que apequenou a estatura do indivíduo frente a uma máquina opressora

que, a partir da revolução industrial, deu ao homem a função de mais uma engrenagem dos meios

de produção.

Gostaríamos de abrir um parêntese para enfocar a questão sob a ótica de nosso objeto de

estudo. Entendemos que a sociedade de consumo (e da informação) também atua numa forma

redutiva onde pessoas viram consumidores, diluindo, através de um ideal de consumo intenso, o

projeto coletivo de sociedade. Este processo se dá em consonância com o aumento da

individualidade nos tempos modernos com a estratégia da produção em massa que se sofisticou

tecnologicamente ao ponto de poder oferecer produtos teoricamente personalizados (vendidos como

tal) para atender à ânsia da individualização (e diferenciação) dos consumidores. Na realidade,

estamos todos consumindo a mesma coisa com uma maquiagem diferente.

Resumidamente, em A Condição Humana, Arendt coloca que o trabalho é uma

atividade que faz parte do movimento cíclico e biológico do corpo vivo e, conforme Marx (2003, p.

52) “é a condição natural do gênero humano” que faz o homem se aproximar da natureza. É pelo

trabalho que o homem produz aquilo que a condição de estar vivo requer e, consumindo, atende a

esta necessidade.

A obra, ou fabricação, produz a quantidade infindável de objetos que dão o suporte

físico àquilo que nos acostumamos a chamar de mundo. São coisas que possuem uma certa

durabilidade e constituem os ambientes em que transitamos. A obra seria algo que não podemos

possuir individualmente, já que ela é de todos e de ninguém ao mesmo tempo. Um bom exemplo é a

arquitetura urbana de uma cidade. No livro O Diamante de Jerusalém, de Noah Gordon

(GORDON, 1995, p. 23), o personagem principal Harry Hopeman, um judeu que trabalha com

venda de pedras preciosas e está prestes a fugir da Berlim nazista, é perguntado por que tem dúvida

em deixar a cidade, já que seus bens mais preciosos cabem em seus bolsos. Ele responde: ‟na

2 A tradução da edição em português de A Condição Humana a que tivemos acesso apresenta as 3 características (labor,

work and action) como “labor, trabalho e ação”, o que nos parece confuso. A própria autora chama atenção à etimologia

da palavra nos diversos idiomas. Preferimos traduzir a palavra inglesa work, por obra (da mesma forma que, em francês,

travailler e ouvrer se assemelham, mas o segundo verbo se relaciona mais à criação de uma obra). Ao assumir o termo

work por obra, damos a labor a tradução de trabalho.

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verdade, o meu bem mais precioso não cabe nos meus bolsos. É a cidade.”

É na obra que nos apoiamos na busca de segurança, permanência, que nos dá razão de

existir e afasta a ideia de uma passagem fútil pelo mundo, que tem dia e hora para terminar, coisa

que procuramos esquecer desde o nosso nascimento. Ainda que saibamos que estes objetos não são

perenes, eles apresentam certa durabilidade, se bem utilizados. Desta forma, o mundo corresponde à

artificialidade objetiva da vida humana que porta uma relativa durabilidade, pois diferentemente do

trabalho, os produtos da fabricação constituem objetos de uso e não bens de consumo. É a

durabilidade do mundo que empresta certa estabilidade e permanência que em alguma medida

redimem a futilidade da condição humana de criatura mortal. Baseados nesta durabilidade, que

ultrapassa àquela de quem os criou, criamos um mundo artificial que ultrapassa os nossos limites de

longevidade biológica.

A ação é uma característica matricial da vida social e os homens se relacionam uns com

os outros através de uma vida política em sociedade. Se o trabalho pode ser associado ao biológico,

a ação humana, que numa visão ampla se relaciona com a capacidade discursiva, se inclui numa

categoria não-biológica, relativa e exclusivamente aos homens – um ato social. Arendt estabelece

uma relação entre a capacidade de agir e falar e a condição de ser plural inerente ao homem que

precisa respeitar a singularidade dos agentes da polis.

A ação seria um luxo desnecessário, uma caprichosa interferência com as leis gerais do comportamento, se os homens não passassem de repetições interminavelmente reproduzíveis do mesmo modelo, todas dotadas da mesma natureza e essência de qualquer outra coisa. A pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir (ARENDT, 2007,p. 16).

A pluralidade é algo inerente a uma sociedade, onde um grupo de pessoas diferentes

precisam respeitar-se mutuamente para o bem geral, algo que se vincula à reflexão de Arendt que

reflete sobre a noção de vita activa. O termo é originalmente vinculado à polis grega pré-filosófica

quando a ação política era tida como a mais alta atividade do cidadão. A inauguração da filosofia

platônica confronta esta definição e diz que a mais alta atividade é a vida contemplativa em sintonia

com a organização social.

Com o advento da modernidade, apresentou-se o ideal do fabricante e propôs-se que

este superaria o homem contemplativo. É quando surge o homo faber com suas categorias de

utilidade e instrumentabilidade. Enquanto o trabalho é uma atividade sem fim, repetitivo e que

corresponde ao próprio processo biológico do corpo humano, a obra ou fabricação tem um começo

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e um fim determinado, termina com um resultado tangível, durável: o objeto de uso. Este objeto

fabricado pelo homem resultou da intervenção do homem na natureza e consequente violência sobre

ela; assim, ele produziu “artificialmente” um artefato. A fabricação, a obra é a própria

transformação da natureza pelo homem e sua condição é a mundanidade. Ao violentar a natureza o

homem constrói um mundo de objetos. O domínio da obra é o da artificialidade.

No decorrer do período moderno, o aumento da escala e a tecnologia produtiva

transformou os hábitos de consumo e fez surgir uma espécie de trabalhador que tinha como ideal a

realização dos hábitos consumistas e a saciedade dos desejos a partir da aquisição de produtos que

passou a se configurar como objetivo final (e principal) de seus esforços. O trabalho ganha valor

sobre a fabricação de objetos, Marx chamou este homem de animal laborens. Arendt nos adverte

que este não é, necessariamente, o operário, mas que está sob uma classificação que abrange uma

ampla faixa de posições sociais.

Até mesmo presidentes, reis e primeiros-ministros concebem seus cargos como tarefas necessárias à vida da sociedade; e, entre os intelectuais, somente alguns indivíduos isolados consideram ainda o que fazem em termos de trabalho, e não como o meio de ganhar o próprio sustento (ARENDT, 2007, p. 13).

A vitória do animal laborens, do trabalhador, sobre o fabricante de objetos (de obras) e

sobre o homem de ação faz com que a animalidade se aproxime da humanidade, já que Arendt

coloca como impossível o fato da felicidade estabelecida a partir da saciabilidade superar a razão da

existência da política, que é a liberdade do indivíduo. Da ação, a vida na pluralidade junto a outros

indivíduos singulares, decorre a política que através do discurso foi o meio encontrado para que esta

situação de convívio pudesse ser assegurada com dignidade e garantia de liberdade. O interesse na

coisa pública denotando que só com o bem estar geral se pode chegar ao bem estar individual.

A distorção moderna do ser político abandona esta concepção clássica e se dá, em

Arendt, no ingresso do que os gregos chamavam de zoé (vida biológica) numa esfera que deveria

ser dedicada ao bem comum e não apenas às necessidades e um indivíduo ou de alguns grupos de

pessoas. Uma vez valorizada sobre as outras, a vida biológica estreita os horizontes do homem

moderno que só enxerga a saciedade própria e, dividido entre o trabalho e o consumo, torna-se

indiferente à política que passa a ganhar a conotação de coisa afastada (da qual eu não faço parte) –

esta é uma forma de incentivo ao totalitarismo político onde os poucos eleitos ganham o poder de

determinar a existência coletiva.

Neste cenário, não se estranha o fato de que nossa política funcione a favor do bem estar

físico (saúde e segurança) e tome a educação como simples forma de inserção no mercado de

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trabalho, afastando o ideal de Paulo Freire de formação completa do indivíduo. Por outro lado, a

política se relaciona cada vez mais com a economia e é maior a pressão dentro e fora dos países

para que as nações atinjam o equilíbrio financeiro no sentido macro, mesmo a custa de corte de

financiamentos em projetos que atendem a população como um todo. A política voltada para o bem

estar físico e o tipo de economia praticada no século XXI se inserem numa sociedade em que a

busca por saciedade e conforto como objetivos máximos tende a fazer com que o deslumbramento

com a abundância cegue o reconhecimento da futilidade de um modo de vida que não transcende o

mero estar vivo.

O homem laborens difere basicamente do homem faber (o fabricante de objetos/obras)

porque este último busca a permanência e a durabilidade, enquanto o primeiro encara o consumo

como primeira necessidade e, para não parar de consumir, deve encarar tudo como mercadorias

rapidamente descartáveis e perecíveis. É um mundo inseguro por força das circunstâncias já que

nada se mantém, o velho vira sinônimo de ruim, de ultrapassado, só restando a valorização do novo.

Nesta lógica, a história aparece sem importância porque ela trata de coisas passadas, superadas em

muito pelas novidades.

No livro A Condição Humana, Hanna Arendt nos fala dos dois nascimentos como

pessoas pelos quais passamos. O primeiro, biológico, quando enxergamos a luz pela primeira vez, e

o segundo, quando em palavras e atos nos inserimos no meio social e encontramos nosso lugar entre

os outros da nossa espécie. Esta inserção

não nos é imposta pela necessidade, como a atividade do trabalho, nem desencadeada pela utilidade, como a atividade da obra. Pode ser estimulada, mas nunca condicionada, pela presença dos outros em cuja companhia desejamos estar; seu ímpeto decorre do começo que vem ao mundo quando nascemos, e ao qual respondemos começando algo novo por nossa própria iniciativa. Agir, no sentido mais geral do termo, significa tomar inciativa […], imprimir movimento a alguma coisa (ARENDT, 2007, p. 189 e 190).

Para os antigos, a participação política tinha como um dos seus significados o desejo de

confirmar-se como livre na ação junto aos outros. Para a autora, a decisão principal com a qual se

depararam todos aqueles que dedicaram sua vida à política, se resume à pergunta: seriam os homens

capazes de amar mais o mundo que a si próprios? À elevação histórica do animal laborens como o

tipo ideal que ocupa o topo das posições na hierarquia da vita activa se segue o postulado

fundamental que alicerça o pensamento de Karl Marx: a tese do materialismo histórico.

Aqueles que se incomodam com a futilidade do consumo sem medida e entendem que

isto não atende a promessa de liberdade lançada desde seus nascimentos como pessoas precisam

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sempre se perguntar o que realmente buscam, a possibilidade de ser livre ou a fartura. O mundo de

soberania ocidental em que o sistema democrático tem sido eleito o modelo mais bem sucedido

encara um grande paradoxo: o trabalho se iguala à falta de liberdade. É difícil prever uma mudança

do estado das coisas, mas enquanto nascerem pessoas, mesmo que estas sejam influenciadas pelas

posturas tradicionais dos mais velhos, entendemos que a história continua a ser escrita.

2.5. MARX E A DIVISÃO SOCIAL PELO TRABALHO.

O materialismo histórico é uma das três teorias centrais que fundam os princípios do

socialismo desenvolvido por Karl Heinrich Marx – o conceito de mais-valia e a luta de classes são

as outras duas teorias. Em seus estudos sobre as origens históricas da formação do sistema

capitalista, Marx criou a concepção materialista da história. Vista a partir dos modos de produção,

previa que o capitalismo entraria em colapso por si só, quando as contradições internas do sistema

determinariam a sua extinção. A teoria se apoia em toda e qualquer forma produtiva criada pelo

homem de acordo com seu ambiente ao longo do tempo. A história das sociedade seria determinada

pelas condições materiais (econômicas) e modelo produtivo – cooperativismo, escravagismo,

servidão e capitalismo. Relevam-se aí as questões relacionadas às forças produtivas e relações de

produção. O economista alemão propôs que o nível de desenvolvimento de uma nação é medido

pela capacidade produtiva e de aperfeiçoamento da divisão de trabalho, e que os homens se

organizam socialmente a partir da atividade produtiva de cada um, proprietários (burguesia) e

trabalhadores (proletariado).

2.5.1. Modernização da produção e luta de classes.

Marx morreu em Londres, Inglaterra, no dia 14 de março de 1883. O capitalismo dos

séculos XX e XXI sofreu transformações, mas as teorias que abordam os meios de produção se

mantém atuais. O desenvolvimento da sociedade ocidental passou a se basear na informação e no

conhecimento das diversas tecnologias modernas para criar uma nova classe de trabalhadores que

formam as suas competências, principalmente, a partir do intelecto e não mais em habilidades

manuais e força dos braços. Isto criou uma fragmentação no mercado de trabalho e acentuou a

divisão interna num enorme grupo de pessoas que antes poderiam ganhar o único nome de

proletariado. A especialização passou a ser uma exigência essencial para este novo mercado, a

antiga mão-de-obra foi forçada a lidar com máquinas que incorporavam cada vez mais a eletrônica

e a informática e que transformaram os processos produtivos.

As diferenças nos modos de produção modernos não afastam a noção de divisão social

do trabalho. Alguns autores defendem que o modelo de formação por competências substitui a

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divisão social. Uma vez que o trabalho passa a fazer parte essencial do sujeito, este não mais se

dividiria em duas categorias: o trabalhador e o ser social (aquele que busca outros interesses além

da satisfação material a partir dos bens de consumo; que busca o sentido de ser como indivíduo

histórico). Autores como Zarifian (2001) definem que o trabalhador de hoje, diferente do modelo

taylorista-fordista, precisa agir na incerteza, ser flexível, comunicativo, autônomo, trabalhar em

grupo e em culturas diferentes da sua. O modelo taylorista-fordista de produção não levava em

conta a criatividade, a iniciativa, a subjetividade do trabalhador, elementos que hoje parecem ser

reconhecidos e negociados no mercado.

Ou seja, mais do que a habilidade para o trabalho em si, o trabalhador moderno seria

avaliado pelas suas características pessoais e esta exigência não mais faria distinção entre as

condições de sujeito e de trabalhador. Este novo perfil da força de trabalho determina uma “nova

unidade” no processo produtivo. Segundo Chiavenato (2002, p.34) criou-se “a exigência de novas

características das pessoas não como funcionários, mas como parceiros da empresa.” Num pequeno

parênteses, podemos nos perguntar se esta “parceria” também diria respeito a uma divisão

equitativa dos lucros das empresas, acreditamos que não, mas não é este o ponto que queremos

abordar.

Como já dissemos, a remodelação do mercado de trabalho não invalida a noção de Marx

a respeito da divisão social. O economista alemão avançou sobre a economia clássica de John

Locke, David Hume e Adam Smith, discípulo dos dois últimos, que em 1776 escreveu A Riqueza

das Nações, onde defendia o “individualismo econômico” e, criticando o mercantilismo (que

pregava que a riqueza de uma nação dependia do acúmulo de reservas em ouro), propunha que a

verdadeira riqueza estava no trabalho produtivo das indústrias. O liberalismo econômico do “cada

um por si”, do lassez faire, com a ausência de qualquer tipo de controle do Estado. Em Smith (1996,

p. 57), a divisão do trabalho é meramente técnica, divisão de tarefas numa linha de montagem, por

exemplo, e explicitada apenas como “forças produtivas” no processo produtivo: “O maior

aprimoramento das forças produtivas do trabalho, e a maior parte da habilidade, destreza e bom

senso com os quais o trabalho é em toda parte dirigido ou executado, parecem ter sido resultados da

divisão do trabalho.”

A visão burguesa de Smith só o permitia encarar as mudanças na atividade trabalhista

em função de um aumento de produtividade e do excedente sobre os salários que permitiria o

crescimento do estoque de capital. Marx aponta a mútua interferência das divisões sociais na

produção e a influência da produção na formação societária, numa previsão das dimensões que a

atividade do trabalho ganharia mais de um século depois de sua morte. Sua concepção aponta para

uma divisão do trabalho na sociedade e outra da fábrica com uma interferência mútua e apresenta a

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relação classista que se revela na compra e venda das mercadorias, da propriedade dos meios de

produção e da força de trabalho.

A divisão do trabalho está vinculada à necessidade do capital em produzir e realizar o

valor, e o valor-de-uso que seria, finalmente, a produção de mercadorias para o consumo, a troca

que é o sentido último do capitalismo. A troca se apresenta aqui como central para realização da

mais-valia e, neste processo, é impossível prescindir da sua utilidade, mesmo que seja uma

“utilidade supérflua”. Queremos chegar com isso ao ponto em que não há como entender a divisão

de trabalho no plano estritamente técnico, já que esta determina a relação de troca que incide sobre

as relações sociais, sendo produto e produtora de valores.

Nesta concepção, ao invés de representarmos o trabalho apenas como meio de produção

de algo concreto, podemos pensar no trabalho abstrato que representa a totalidade das operações e

significados que se dão desde a produção até a troca – os atos sociais. Por isso, não se pode deixar

de lado a visão de luta de classes, expressa em Marx, mesmo que o mercado de trabalho tenha se

transformado para o nível das competências.

2.5.2. A contradição entre a crise trabalho moderno e o consumo.

Nesta pesquisa, onde se questiona o tipo de consumo no século XXI, nos parece

pertinente questionar também a sociedade do trabalho, ainda que este não seja nosso objeto de

estudo principal. A crise do mercado de trabalho se dá no sentido de que as relações trabalhistas se

transformaram e perderam a conotação de parceria entre empregador e empregado e o trabalho

deixou de significar, como escreve Offe (1989, p. 7), o “centro organizador das atividades humanas,

da auto estima e das referências sociais, assim como das orientações morais […]. A redução relativa

da capacidade de absorção de mercado de trabalho […] tem como efeito imediato a exclusão

social”. Como vimos, a escola tem sido encarada como principal formadora de indivíduos para o

mercado de trabalho, indivíduos estes que muitas vezes não conseguem a posição (e a remuneração)

desejada. Um dos motivos é que o mesmo sistema que propõe a profissionalização assume um

modelo econômico que não privilegia a empregabilidade.

Um dos mais importantes economistas da primeira metade do século XX, John Maynard

Keynes (1883-1946), escreveu em 1936, o livro The General Theory of employment, interest and

money (Teoria geral do emprego, dos juros e do dinheiro) onde pregava a intervenção do estado na

vida econômica com o intuito de garantir um regime de pleno emprego. Basicamente, propôs a

manutenção da demanda com o aumento da capacidade produtiva de forma suficiente, mas sem

excessos, pois isto geraria inflação. Estes possíveis excessos seriam contidos pela regulamentação

estatal. Assim, o teórico acreditava que a economia seguiria o caminho do pleno emprego. Suas

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ideias influenciaram profundamente a renovação das teorias clássicas inglesas, mas, a partir dos

anos 1970, sua doutrina econômica passou a sofrer críticas daqueles que defendiam o que se

tornaria o modelo vigente desde então, o monetarismo.

Em quase todos os países industrializados, o pleno emprego e o nível de vida crescente

alcançados nos 25 anos seguintes à II Guerra Mundial foram acompanhados pela inflação. Os

keynesianos admitiram que seria difícil conciliar o pleno emprego e o controle da inflação,

principalmente por força das reivindicações dos sindicatos por aumentos salariais. O monetarismo

defendia que seria possível manter a estabilidade de uma economia capitalista através de

instrumentos monetários, pelo controle do volume de moeda disponível e de outros meios de

pagamentos, e o excesso de moeda em circulação que gera inflação. A teoria prega que um dos

culpados pela inflação é o governo, responsável pela emissão dessa moeda corrente e também pelas

despesas públicas. Nos anos 1970, o monetarismo passou a ser amplamente adotado e entre seus

principais defensores estavam Milton Friedman, que recebeu o Prêmio Nobel da Economia em

1976, e George Stigler, igualmente premiado em 1982. Suas idéias são associadas à teoria

neoclássica da formação de preços e ao liberalismo econômico. A tentativa de contenção dos preços

através da auto regulamentação do mercado não impediu a enorme aceleração dos níveis de

inflação. O conceito de crescimento econômico, restrito ao aumento quantitativo da capacidade

produtiva e não à transformação qualitativa da estrutura da economia, gerou a perda geral de poder

aquisitivo e o aumento do endividamento das pessoas físicas e das empresas.

O que se vê hoje em países como o Brasil são nações que tendem ao equilíbrio das

finanças estatais, mas que abrigam uma população pobre em sua maioria. Por fim, a crise

econômica mundial, deflagrada em 2008 e capitaneada pelos Estados Unidos, que teve início com o

crescimento forjado do mercado imobiliário estadonudense nos anos 1990, mostraram a fragilidade

do modelo liberal da economia. Os críticos de Keynes, que abominavam a presença do Estado como

regulador do mercado, recorreram a este com a desculpa de que a falência das instituições privadas,

que inventaram altíssimos rendimentos com complexas manobras financeiras, seria prejudicial à

toda população de um país.

Esta fragilidade macroeconômica atinge diretamente o emprego do cidadão comum, já

que, no modelo atual, o crescimento econômico constante é uma das condições para a manutenção

da empregabilidade. Atente-se aqui que devemos pensar em um grande crescimento contínuo,

porque um crescimento em menor escala, dado o nível de mecanização da indústria, não garante a

empregabilidade. Neste ambiente incerto, construído por um capitalismo cada vez mais agressivo

que incentiva o consumo a todo custo (e que amplia o crédito sem reais garantias), a ameaça da

perda do emprego cria uma contradição fundamental no sistema: como a população pode comprar

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cada vez mais quando não sabe se terá trabalho formal remunerado nos meses seguintes?

Entendemos que as questões relativas ao trabalho são importantes para a nossa pesquisa

já que a partir do fim do século XVIII, o trabalho assume uma posição privilegiada nos estudos da

sociedade. O desenvolvimento da burguesia, calcado no avanço econômico e com alicerces fincados

na formação de uma extensa classe trabalhadora, chamou a atenção de estudiosos como Karl Marx,

Max Weber e Émile Durkheim. Mas se o trabalho passou a exercer uma centralidade na sociedade

seria preciso que ele se concretizasse na forma de empregos formais para a maioria dos indivíduos

e, mais, que a remuneração fosse suficiente para garantir um mínimo bem estar social. De fato, nos

deparamos com uma condição adversa a estas duas situações. Mesmo que encontremos um

desenvolvimento constante e acelerado em uma nação, esta não seria suficiente para garantir

empregos para todos.

Nas economias capitalistas desenvolvidas da Europa Ocidental e dos Estados Unidos lidamos hoje com um desemprego que não é só elevado, mas também estruturado, atingindo os diferentes grupos de modo bastante desigual. Com isso, o problema da política de mercado de trabalho se coloca não só como elevação global da demanda por força de trabalho, mas cada vez mais também como problema de uma distribuição uniforme e apropriada dessa demanda entre parcelas da população ativa diferenciadamente atingidas pelos riscos do mercado de trabalho (OFFE, 1989, p. 44).

Estes riscos podem estar na falta de crescimento econômico, mas também nos

investimentos das empresas em racionalização (mecanização e informatização de processos

produtivos), uma vez que a cada mudança de tecnologia exclui-se do mercado de trabalho uma

parcela significativa de profissionais que não se atualizaram – geralmente, estes terão poucas

chances de retornar ao mercado. Este mercado também sofre a tensão de um lado dos sindicatos que

lutam pela pela empregabilidade e elevação da renda salarial real, e por outro dos empregadores

que entendem que maiores salários podem determinar um menor contingente de funcionários. O que

normalmente se constata é uma maior empregabilidade com salários reduzidos que faz do

trabalhador um indivíduo com baixo poder aquisitivo que, pressionado pela inflação, encontra a

“saída” no endividamento através do crédito que, normalmente, é maior do que pode arcar.

2.5.3. O excesso de trabalho.

As abordagens anteriores sobre o quadro do mercado moderno de trabalho foram aqui

expostas para que pudéssemos abordar uma questão que se relaciona diretamente com a necessidade

artificialmente criada de que temos que consumir cada vez mais. As constantes novidades

tecnológicas que nos são apresentadas pela mídia causam sedutora atração e, algumas vezes,

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irresistível apelo para a sua aquisição. Mas, para isso, é preciso que aumentemos constantemente

nossa fonte de renda para comprar cada vez mais. Muitos encontram a solução para isso na extensão

das horas de trabalho.

Os indivíduos que se encontram plenamente empregados e até mesmo com uma certa

estabilidade não precisam, a princípio, se preocupar com a manutenção de seus cargos de trabalho,

mas sofrem uma pressão interna e externa para que consigam uma remuneração cada vez maior.

Quando esta pressão atinge limites intoleráveis, as pessoas param como máquinas sem energia. O

psicologista Herbert J. Freudenberger deu um nome a este estado no livro Burnout: the high coast

of high achievement, de 1981. O termo burnout poderia ser traduzido livremente por estafa, no

subtítulo, o autor diz a causa deste estado: o alto custo das grandes conquistas (no trabalho). O autor

começou os estudos sobre o estresse ocupacional, como também é chamado, na metade dos anos

1970, época em que se desenvolvia o tipo de capitalismo que hoje vivemos e a corrente econômica

do monetarismo. A “doença” atinge física e psicologicamente o indivíduo que passa a ter uma

atitude de apatia e desprezo pelo que faz e pelos outros. Autores como Moreno, Jiménez e Schaufeli

alertam que

Conhecer a síndrome e pôr em prática estratégias de prevenção e intervenção faz-se imprescindível, sobretudo no mundo atual, onde as exigências por produtividade, qualidade, lucratividade, associadas à recessão, vêm gerando maior competitividade e, consequentemente, problemas psicossociais. Sabe-se que inúmeras baixas trabalhistas, bem como os altos índices de absenteísmo e rotatividade nas empresas, dão-se principalmente por causa do estresse e burnout (BENEVIDES-PEREIRA, 2008, p. 16)

Ao refletirmos sobre o fato, podemos constatar a incoerência em que a sociedade

capitalista chegou. O trabalho que originalmente foi criado como prática social para suprir as

necessidades básicas e promover a saúde do homem do paleolítico inferior, aproximadamente entre

5.000.000 a.C. a 25.000 a.C., chega ao século XX como possível causa de doença. Quando a apatia

e a fatiga se transformam em características de uma atividade que deveria ser associada à promoção

do bem estar, precisaria-se começar a questionar quanto esforço é válido para atingir as metas de

consumo.

Países em processo de ocidentalização e grande expansão econômica, como a China,

por exemplo, não oferecem vantagens do crescimento macroeconômico à média dos operários.

Fábricas da cidade de Shantou, no sul do país, são especializadas na fabricação e na

comercialização de brinquedos (BOURBON, 2009). As fábricas funcionam sete dias por semana e

os trabalhadores cumprem jornadas diárias de 8 a 12 horas. Por esta carga de trabalho recebem

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salários mensais equivalentes a cerca de 136 a 203 dólares (EUA), o que dá uma medida da falácia

que carrega o termo potência econômica, que é como a China se apresenta. Como já dissemos, as

condições macroeconômicas divergem da real situação da população, que continua pobre e sem

qualquer direito de cidadão. Ainda segundo Bourdon (2009), “esses operários não trajam nenhum

capacete e nem mesmo uma roupa de proteção contra os produtos químicos. O mesmo ocorre com

seus colegas que, sentados num minúsculo banquinho, são encarregados de controlar a qualidade da

produção.”

Se compararmos estes trabalhadores chineses com a média dos trabalhadores

estadunidenses veremos situações bem distintas, mas alguma similaridade. Os primeiros trabalham

para sobreviver (precariamente), enquanto o segundo grupo aumenta sua jornada de trabalho para

consumir mais bens materiais e, a princípio, aumentar seu nível de satisfação. Esta pressão por

possuir sempre mais acaba fazendo com que os dois grupos se encontrem na condição de enfrentar

as mesmas elevadas horas de trabalho semanais e deixar de lado atividades como o lazer (o

trabalhador dos Estados Unidos pode ter bem mais dinheiro, mas enfrenta a mesma falta de tempo

que o chinês). Por isso, encontramos uma relação entre redução das horas de lazer e o consumo.

O consumo também é gerado por aquilo que podemos chamar de falência do mercado de lazer. Se temos um “mercado perfeito” para o lazer, então as pessoas poderiam facilmente escolher o quanto de trabalho e lazer que preferissem. Este não é o caso. O mercado do trabalho e as relações empregatícias nos Estados Unidos estão organizadas de forma a dificultar os indivíduos a escolher um estilo de vida menos consumista em favor de mais tempo livre [tradução nossa] (SCHOR, 1999, p. 47).

Por que, então, se deve trabalhar mais, para comprar mais, se não há tempo para

usufruir daquilo que compramos? Talvez encontremos a resposta na tensa realidade que se apresenta

mais forte a cada dia. As empresas, nas quais passamos tantas horas, têm se tornado, de certa forma,

nossos verdadeiros lares. Ali encontramos os nossos possíveis amigos e amantes, já que não há

tempo para procurá-los em outros lugares. Os ambientes de trabalho modernos têm se modificado

para atender necessidades materiais, psicológicas e afetivas dos empregados. Mais uma vez,

citamos os Estados Unidos, modelo maior de comportamento para os brasileiros. As corporações da

chamada nova economia como a Microsoft, Oracle, Google, Apple, Amazon etc., empresas que

encarnam o que existe de mais “moderno”, criam condições para que os funcionários se sintam em

casa.

Essas empresas têm como sede social um campus – a palavra sugere um casulo idílico e de convivência, assim como um ambiente jovem e descontraído – que

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oferece também creches, salas de ginástica, quadras de esporte, cafés, terapeutas, conselheiros de luto (grief counselors), lavanderia, correio, salas de descanso, com estoques de bebidas e aspirina, e até um serviço de zeladoria, que atende pedidos de encomenda de flores ou compra de ingressos para o teatro (WARDE, 2007).

Podemos chegar à conclusão que o trabalho moderno ao invés de nos libertar para que,

independentes, passarmos a decidir sobre nossas próprias vidas, se tornou uma espécie de prisão

que almejamos utopicamente na adolescência, mas da qual não podemos nos livrar na idade adulta.

O trabalho divide a sociedade, como vimos em Marx, mas também a torna coesa pela maneira como

foi organizado com indicações de que a empresa para a qual trabalhamos, e pela qual somos

explorados (através da mais-valia), seria, nesta visão, a nossa grande família e que todos, de certa

forma, somos os donos desta empresa e dela devemos zelar para que não sucumba. Neste perverso

espírito de união, a empresa se apresenta como uma grande mãe, provedora de nossas necessidades

e à qual devemos tudo o que temos. Numa das diversas contradições do sistema capitalista, ficamos

cegos para entender que o local onde trabalhamos não é nada mais do que isso – uma grande prisão.

Desmistificar questões como estas, que se relacionam diretamente com o consumo podem ser

trabalhadas com os alunos nas escolas numa perspectiva de fazê-los melhor entender a sociedade

em que vivem.

2.5.4. A revisão de Marx em Lukács.

É importante dizer que nosso trabalho se baseia nos ideais marxistas no que se refere a

questões relativas à ideologia (que veremos adiante) e ao materialismo histórico, mas que não

acreditamos ser coerente pensar que, no atual contexto histórico, existam condições para a

realização de uma revolução socialista da classe trabalhadora. Aqui não é o lugar de se desenvolver

mais a fundo a proposta de revolução em Marx mas, dentro de sua produção intelectual, a teoria da

revolução social em geral não passa de um esboço. Ainda mais, poderíamos pensar que uma

revolução proletária, resultante de uma luta de classes, não garantiria, necessariamente, uma

sociedade mais igualitária, uma vez que o que se observa numa sociedade que prima pelo

individualismo é a competição dentro das diversas classes sociais sem que a noção de coletividade,

um bem comum, seja eleita como a desejada.

O que propomos é utilizar a teoria marxista como uma forma de crítica ao sistema

capitalista atual e à promoção de um consumo incoerente. Como o próprio Marx dizia, depois das

diversas interpretações de mundo, “cabe agora transformá-lo”. Encontramos nos escritos de Gyorgy

Lukács (1885-1971) um dos caminhos para esta transformação. O filósofo húngaro era conhecido

como uma figura com possibilidades de abertura quanto às suas convicções – característica não

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muito fácil de se encontrar nos pesquisadores. Procurava respostas e soluções de acordo ao contexto

social das diversas épocas, e esta é, definitivamente, uma postura que se mostra condizente com o

nosso trabalho.

No caminho para a compreensão e reinterpretação de Marx, Lukács escreveu um ensaio

intitulado “O jovem Marx. Sua evolução filosófica de 1840 a 1844”, publicado pela primeira vez

em 1955 na Revista Alemã de Filosofia, da Berlim Oriental. No ensaio, o filósofo mostra com

clareza a evolução do pensamento de Marx desde a escrita de sua tese de doutorado até a sua

reavaliação crítica da influência hegeliana para a definitiva elaboração da dialética materialista.

Graças a isso, entendemos a verdadeira contribuição de Marx para a história da filosofia ao

reabilitar a tradição materialista e ao encontrar as premissas da abordagem dialética na obra de

Epicuro de Samos, filósofo grego do período helenístico. Na tese de doutorado, Marx confronta as

ideias de Demócrito e Epicuro e ressalta a importância para as questões sociais que este último

revelou a levar em consideração o tempo.

Na filosofia natural de Demócrito, o tempo não tinha nenhuma significação; para Epicuro, ao contrário, o tempo era “mudança do finito na medida em que é posto como alteração”: era “tanto a forma real, que separa o fenômeno da essência e põe o fenômeno como fenômeno, quanto o que reconduz o fenômeno à essência.” Assim, diz Marx, para Epicuro “a sensibilidade humana é o tempo que se tornou corpo, a reflexão do mundo sensível que existe em si” [grifo do autor] (LUKÁCS, 2009, p 128 e 129).

Esta exposição de Epicuro, que nos parece fundamental, partiu da história da filosofia

de Hegel, no qual Marx se apoiou, mas com uma interpretação distinta da original. São noções que

nos interessam para separar do senso comum os ideais marxistas, da mesma forma que fez o

filósofo húngaro. Lukács se aproximou de Marx após a Revolução Russa de 1917, época em que

passou a se considerar um comunista. Os atritos com o Partido o fez se afastar em 1956 e a refugiar-

se na Romênia. Sua vida intelectual foi marcada pela constante crítica e não poderia ser diferente a

respeito de suas convicções marxistas. Em uma entrevista ao filósofo brasileiro Leandro Konder em

agosto de 1969, dois anos antes de sua morte, Lukács declara:

No processo histórico de seu desenvolvimento, o marxismo ainda não conseguiu dar respostas realmente satisfatórias aos problemas apresentados pelas novas condições mundiais. […] Quando olho para os anos que estão por vir, admito que os problemas com que nos defrontamos podem se agravar ainda mais e acho até provável que se agravem. Mas, quando olho para as próximas décadas, torno-me otimista. Pode parecer paradoxal que um velho como eu fale das próximas décadas e encontre nelas uma fonte de otimismo... (LUKÁCS, 2010).

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É este otimismo que encontramos de maneira recorrente na obra do húngaro. Dentre

suas posturas estava a possibilidade de reunir os democratas revolucionários e o socialismo numa

nova concepção de democracia que se resumia em acabar com “todas as formas de dependência do

homem frente ao homem, de exploração e repressão do homem pelo homem, de desigualdade social

e de ausência de liberdade” (LUKÁCS, 2009, p. 28). Para o filósofo, o nível de instrução formal dos

trabalhadores urbanos e rurais devia elevar-se para que pudessem lutar por tal democracia ao se

apropriar da cultura do passado, conhecendo, assim, a sua história para melhor entender a si

próprios e desenvolver as forças culturais até agora reprimidas. Só assim seria possível construir um

“novo homem”. Em consonância com a orientação teórica deste nosso trabalho, Lukács defendia

uma educação no sentido amplo.

[…] ignora-se que o que geralmente chamamos de educação em sentido estrito é tão-somente uma pequena parte da efetiva educação de todo homem e que as formas e conteúdos da vida cotidiana operam vigorosamente – às vezes, de modo determinante – sobre a formação interior […]. Uma educação que não esteja em harmonia com essas formas reais de vida, mas que colida com elas, é objetivamente impotente e pode com facilidade se expressar subjetivamente como hipocrisia (LUKÁCS, 2009, p. 62).

Estas também nos parecem as premissas para uma sociedade mais justa e livre das

amarras ideológicas, entre elas, as que se referem ao consumismo. Mais uma vez lembramos que

não defendemos uma possível revolução social em que os pobres subiriam ao poder, mas nos parece

possível propor que se mantenha uma coerência intelectual em função de uma crítica à sociedade de

consumo (a sociedade atual brasileira) que apresenta todas as características avessas à

independência de ideias: criação de dependência, desigualdade e ausência de liberdade de escolha.

Estamos aqui para propor a formação de uma consciência de classe entre os alunos em que a

população de baixa renda (e mesmo a classe média) entenda que deve se assumir como tal e, assim,

perceber todos os seus direitos que são omitidos por um sistema que só privilegia a classe

dominante e seus agregados. Lukács nos faz lembrar que a ideia de igualdade humana é histórica e

indispensável ao ser social. Na visão do materialismo, é concebida como possibilidade concreta.

[…] o cristianismo estabeleceu a igualdade das almas humanas diante a Deus; a Revolução Francesa, a dos homens abstratos diante da lei; o socialismo realizará a igualdade dos homens concretos na vida real. Estes três movimentos, por mais diferentes que sejam, sempre conceberam a igualdade como requisito indispensável para um verdadeiro desenvolvimento da personalidade – e jamais como sua destruição. Filosoficamente, a reinterpretação do materialismo e seu desenvolvimento no pensamento marxista trazem como novidade a concepção de que a liberdade e a igualdade não são simples ideias, mas formas concretas da vida dos homens, relações concretas entre eles, ou seja, relações concretas com a

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sociedade e, mediadas por esta, com a natureza; a realização da liberdade e da igualdade exige, portanto, a necessária transformação das condições sociais das relações humanas (LUKÁCS, 2009, p. 28).

Lukács entedia que a falência do socialismo prático estava no taticismo, a consideração

do cotidiano como essência na política, segundo o filósofo (2010), “a pior herança do que nos

deixou Stalin”. O esquecimento da teoria deixada por Marx, ou melhor, a subordinação desta teoria

pela prática e pelas necessidades políticas imediatas deixou grande parte dos conceitos marxistas de

lado ou, o que pensa a maioria, majoritariamente relacionada à economia, deixando de lado a

dimensão filosófica de sua obra. “Com isso”, diz Lukács (2010), “renunciamos a uma das

conquistas fundamentais da perspectiva marxista: a unidade de teoria e prática. A teoria fica

reduzida à condição de escrava da prática e a prática perde a sua profundidade revolucionária. Os

efeitos de semelhante situação são catastróficos”. A falta de liberdade de ir e vir nos países

socialistas estaria em uma destas posturas que estão longe do marxismo. Aqui talvez seja a hora de

defender que a validade das ideias de Karl Marx, adaptadas à atual conjuntura histórica, nada têm a

ver com a falência do sistema socialista. Aqueles que defendem que a teoria do materialismo

dialético afundou com o socialismo prático e que o capitalismo é o único sistema possível de

conseguir sucesso nas sociedades atuais, são, sem dúvida, os maiores beneficiários da exploração e

expropriação social. É a eles que devemos dirigir nosso poder de fogo intelectual.

Insistimos aqui que a crítica à sociedade de consumo, que pode ser realizada na escola,

diz respeito a mudanças não apenas relativas ao ato de comprar, mas na construção de um universo

intelectual do aluno que possibilite um entendimento de um sistema que privilegia o capital em

detrimento de concretas relações sociais entre os indivíduos numa vida coletiva. Ao isolar o

indivíduo, fugimos da possibilidade de verdadeira troca e da convivência efetiva e afetiva com os

nossos pares, situação que fortalece os ideais próprios ao grupo (a promoção da divisão social é

uma forte arma de quem detém o poder). A televisão e a mídia nos levam a mundos imaginários e

inalcançáveis, o que transforma nossas vidas em verdadeiros simulacros – uma vida imaginária

dentro de nós mesmos, dos aparelhos de televisão e dos computadores. As informações da mídia,

geralmente, transformam a ausência de liberdade em ‟fatos naturais”, em “lei da natureza”. É desta

forma que opera a ideologia.

2.6. TEORIA DA IDEOLOGIA.

Em um trabalho que aborda o consumo, nos parece pertinente a escolha desta teoria

como referencial, uma vez que numa sociedade onde o fetichismo se apresenta como forte

característica, deve-se atribuir aos valores materiais uma condição ideologicamente construída. Esta

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construção não parte apenas da classe dominante em relação à trabalhadora, mas serve de

referencial supostamente concreto para toda a sociedade capitalista, dita sociedade de consumo. Ao

contrário do que muitos autores afirmam, entendemos a ideologia não apenas como uma ferramenta

de dominação ou apenas “a serviço do poder”, como a define Thompson (1995, p. 16).

Anterior a toda outra coisa, ela assegura, em qualquer sociedade, que a ordem social não desabe enquanto também uma Ordem Simbólica. Resultado que a ideologia consegue obter ao assegurar – através de representações – crenças que conferem à ordem – socialmente construída, arbitrária e convencional – uma aparência natural, inevitável, universal, sagrada. É, em primeiro lugar, a perpetuação das crenças que convertem as normas, padrões, costumes, instituições de uma ordem em coisas dadas, universais e imutáveis que torna possível que essa mesma ordem se conserve sem que seja posta em questão pelos que a ela estão submetidos. A ideologia, portanto, atende a esse “anseio” de toda ordem social em se preservar, preservando as crenças que asseguram a consagração simbólica de suas normas, padrões, instituições, costumes – não sendo um atributo específico desta ou daquela expressão social, mas inerente a todo sistema de sociedade, e só secundariamente (por extensão de seus efeitos) podemos pensar que concorre para a reprodução das relações de produção (SOUSA FILHO, p. 72 e 73).

No entanto, por uma questão de coerência teórica, porque a intenção deste trabalho não

é discorrer mais profundamente sobre a ideologia (ainda que o consumo moderno esteja permeado

por questões ideológicas) e pelo fato de buscarmos um foco ao nosso objeto principal, nos

apoiaremos nos conceitos que tratam a ideologia em seu caráter político/econômico, que engloba as

relações de poder, mesmo que esta seja apenas uma das vertentes ideologicamente construídas.

A ideologia foi alvo de estudos de Marx e Engels numa relação com o imaginário desde

o texto A Ideologia Alemã, escrito entre 1845 e 1846, quando os autores comparavam a construção

da ideologia à câmara escura, que propôs a representação da realidade através de um aparelho com

uma lente, um olhar que turva o concreto. Em O Capital, aparece a noção do fetichismo sobre os

bens duráveis que lhes concederiam um valor fictício, que não representava apenas a utilidade

original do bem material. Em sua obra, Marx aborda a construção do verdadeiro conhecimento que

geralmente se turva frente à aparência das coisas e que não coincide necessariamente com elas,

chamava a atenção para as condições sociais de divisão entre os homens, criadas ideologicamente

pelos próprios homens que não sabiam mais como lidar plenamente com estas construções sociais.

Entre elas, estava a mais perversa que fazia com que a classe trabalhadora endossasse o poder

dominante como legítimo. A inquietação sobre as causas da institucionalização do controle da

produção de representações também aparece em Gramsci. O teórico italiano questionava os

mecanismos de poder que faziam a classe dominante se manter como dirigente e como passava a

exercer a hegemonia social.

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Estas são influências que também aparecem no livro História e Consciência de Classe,

(1920), de Lukács que aborda a questão com bases na distorção ideológica contemporânea da

reificação. Ao efetuar a coisificação de tudo, ao transformar as sensações humanas em

materialidade, através das aparências, institui-se uma “objetividade” que reduz a subjetividade a

uma classe menor e pouco perceptível. A resposta a esta situação estaria, segundo Lukács, no

desenvolvimento da consciência de classe.

A essência do marxismo científico consiste em reconhecer a independência das forças motrizes reais da história em relação à consciência (psicológica) que os homens têm delas. No nível mais primitivo do conhecimento, essa independência se exprime, inicialmente, no fato de que os homens veem nessa potência uma espécie de natureza, de que percebem nelas e nas suas legítimas relações leis naturais “eternas” (LUKÁCS, 2003, p. 135).

No primeiro volume de O Capital, Marx escreve sobre o pensamento burguês:

A reflexão sobre as formas de vida humana, e, portanto, também sua análise científica, segue sobretudo um caminho oposto ao desenvolvimento real. Começa post festum e, por isso, com os resultados definitivos do processo de desenvolvimento. As formas que certificam os produtos do trabalho como mercadorias e, portanto, são pressupostos da circulação de mercadorias, já possuem a estabilidade de formas naturais da vida social, antes que os homens procurem dar-se conta não sobre o caráter histórico dessas formas, que eles antes já consideram imutáveis, mas sobre seu conteúdo (MARX, 1996, p. 201).

Baseado em Marx, Lukács desenvolve a teoria da consciência de classe entre os

trabalhadores que seria uma alternativa aos processos ideológicos que naturalizam as condições

sociais. Esta consciência passa pelo conhecimento de que as divisões de classe são historicamente

construídas. Nem sempre consciente, a classe burguesa realiza uma apologia à ordem social vigente.

Por um lado, defende seus interesses com o esforço para que nada mude e instiga a alienação como

forma de subjugar o proletariado que se entende impotente frente à situação vigente. Procura, como

afirma Lukács (2003, p. 136), “dominar o processo histórico pelo pensamento”.

Se deixarmos um pouco de lado a procura dos demônios sociais, entenderemos que uma

condição de alienação se estende pela sociedade como um todo. Segundo Castoriadis (1982, p.

139), “a alienação existiu em sociedades que não apresentavam uma estrutura de classes, nem

mesmo uma importante diferenciação social” [...].

[…] numa sociedade de alienação, a própria classe dominante está em situação de alienação: suas instituições não têm com ela a relação de pura exterioridade e de instrumentalidade que lhe atribuem às vezes marxistas ingênuos; ela não pode

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mistificar o restante da sociedade com sua ideologia sem mistificar-se a si mesma ao mesmo tempo. A alienação apresenta-se de início como alienação da sociedade às suas instituições, como autonomização das instituições com relação à sociedade [grifo do autor] (CASTORIADIS, 1982, p. 139 e 140).

É automático pensar na política partidária como uma destas instituições que buscam

autonomia, ironicamente, daqueles indivíduos que elegem os candidatos para os cargos públicos.

Esta “independência” é uma das construções ideológicas que engloba os políticos e seus eleitores, já

que a situação só pode existir uma vez que, depois de assumir o cargo público, o político se sente

livre para esquecer a palavra público em proveito particular. Mas a perda do sentido original da

noção de público também se situa na cabeça dos indivíduos eleitores que não cobram atitudes de

seus candidatos e que, da mesma forma, entronizam a noção de que o privado tem mais valor que o

público. Neste caso, os demônios sociais somos todos nós. Talvez aí possamos entender porque é

tão difícil atingir uma consciência de classes – isto pode significar deixarmos a zona de conforto

que atingimos mesmo a um alto custo social.

Consciência pode ser uma palavra que anda ao lado de autonomia – e é isto que

esperamos para os alunos num trabalho de crítica à sociedade de consumo e à mídia. A autonomia,

atingida com a tomada de consciência, livre da ideologia, parte de cada indivíduo. É um trabalho

que, entendemos, pode ser desenvolvido na escola a começar na primeira infância com a crítica à

mídia, principal fonte de incentivo ao consumo ideologicamente construído. É no domínio do

consciente sobre o inconsciente que encontraremos a possibilidade de decisão própria de cada um.

Ao falarmos de consciência individual, nos referimos, de fato, a uma consciência coletiva que, nos

parece perder força dado as tendências que norteiam as sociedades ocidentais – o neoliberalismo, o

livre-mercado, a individualização exacerbada em detrimento do espírito público, a perda do sentido

do local frente à ideia de globalização etc. E dentro da lógica de mercado que leva ao consumo

impensado está a organização social em torno do trabalho, como já dissemos, alçado à categoria

máxima de engajamento coletivo.

Marx alertava que estas relações trabalhistas são frágeis como as situações passageiras.

De fato, podemos perder nossos empregos a qualquer momento, ainda que isto não seja uma

hipótese que os trabalhadores entendam plenamente, a maioria vê uma certa estabilidade em seus

cargos. Mas que tipo de consciência se pode esperar de indivíduos que enxergam no trabalho a sua

principal forma de vida e de relacionar com o mundo? Certamente, uma falsa consciência,

ideologicamente construída no sentido de objetivar um tipo de desenvolvimento econômico a nível

pessoal. Lukács afirma que só o estudo da sociedade como um todo poderia afastar esta falsa

consciência.

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[…] é somente nesta relação (com a totalidade) que se revela a consciência que os homens têm de sua existência em todas as suas determinações existenciais. De um lado, parece que algo subjetivamente justificado na situação social e histórica, como algo que pode e deve ser compreendido como “correto”. Ao mesmo tempo, aparece algo que, objetivamente, é passageiro em relação à essência do desenvolvimento social que não se conhece e não se exprime adequadamente, portanto, como “falsa consciência” [grifo do autor] (LUKÁCS, 2003, p. 140 e 141).

2.6.1. Estado e ideologia.

O francês de origem argelina Louis Althuser (1918-1990), membro do Partido

Comunista Francês, elaborou uma concepção original da ideologia para buscar uma explicação

sobre a eficácia da submissão de uma maioria sob uma minoria. Segundo o filósofo, o Estado, como

agente repressivo, não daria conta sozinho da manutenção de uma classe dominante ainda que

tivesse meios para isso através da da justiça, da polícia e outros instrumentos jurídicos-legais.

Os Aparelhos Ideológicos de Estado surgem para explicar uma nova forma (mais

eficaz) de submeter uma classe à outra, através do convencimento de idéias e disputa ideológica.

Temos nesta definição, além do aparelho repressor tradicional das classes dominantes, dados pelas

leis e pela força, também uma estrutura de manutenção do sistema econômico e social a partir da

educação, da religião, da cultura etc. A mídia está incluída entre estes aparelhos como instituição

social que vende a ideia de isenção e prestação de serviços, ainda que, principalmente em países

como o Brasil, seja controlada em sua quase totalidade pelas classes dominantes. O fato é quase que

abertamente revelado quando se pensa em campanhas políticas apoiadas nas entrelinhas ou em

favorecimento de um político em especial.

Mesmo que no Brasil, diferente dos Estado Unidos, por exemplo, a mídia não declare

apoio explícito a certa tendência política, fica clara em diversas reportagens a tendência de cada um

dos meios. Esta postura foi fartamente comprovada nas publicações que tentaram minar a confiança

dos brasileiros nas candidaturas e governos do presidente Luiz Inácio da Silva. Neste caso, um

trabalho em vão – Lula deixou o poder com 87% de aprovação popular, de acordo com a pesquisa

realizada em dezembro de 2010 pela Confederação Nacional dos Transportes em parceria com o

Instituto Sensus (LULA DEIXA, 2010). Isso não impede que em outras instâncias ou momentos

históricos (eleição do presidente Fernando Collor de Mello, por exemplo) a “campanha” da mídia

não tenha sido eficaz ao ponto de convencer a população que um legítimo representante da classe

dominante fosse realmente governar com objetivo de atender as necessidades da totalidade da

população. Segundo Althusser (1999, p. 121), “todos aparelhos ideológicos de Estado, sejam quais

forem, contribuem para um mesmo resultado: a reprodução das relações de produção, isto é, das

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relações capitalistas de exploração. Cada qual contribui para este resultado único da maneira que

lhe é própria”.

A mídia faz de conta que mostra a “realidade” tal como é, pelos fatos que apresenta,

editados à sua maneira, omitindo a autoria, para convencer que as coisas são da forma que são

vistas. As “provas cabais” estariam nas imagens dos meios impressos e da televisão que recortam o

mundo e o montam numa apresentação em forma de um quebra-cabeças artificial que está longe de

representar o concreto. A “reprodução das relações de produção” estão todas ali e, seguindo a forma

de encarar o mundo de seus proprietários, pertencentes à classe dominante e que atendem aos seus

interesses, tentam cristalizar a história para que não haja mudança. É como, segundo Zizek (1999, p.

17), dizer “‘Olhe, você pode ver por si mesmo como são as coisas!’ ou ‘Deixe os fatos falarem por

si!’, frases que talvez constituam a arquiafirmação da ideologia, considerando-se justamente que os

fatos nunca ‘falam por si’, mas são sempre levados a falar por uma rede de mecanismos

discursivos”.

A mídia nos ensina (ou doutrina) a maneira que devemos enxergar o mundo, já a escola,

como um elemento teoricamente fora do processo produtivo, não deveria preparar os alunos apenas

para o trabalho no mundo capitalista. É na escola que aprende-se a ler, escrever, a contar, cultura

científica e literária, além de avançar-se um pouco dentro do sistema científico e teórico de estudo.

Estas técnicas e formas de aprendizagem estão relacionadas e são utilizáveis nos diferentes postos

da produção (uma forma de instrução para operários, outra para técnicos, uma para engenheiros e

uma diferente para gerentes superiores etc). Na verdade, o que se aprende é a visão do mundo

capitalista do trabalho e da produção. A reprodução da força de trabalho não exige apenas a sua

qualificação, mas acima de tudo sua submissão às normas da ordem vigente, isto é, a reprodução da

submissão dos operários à ideologia dominante e, segundo Althusser (1985, p. 58), ‟uma

reprodução da capacidade de perfeito domínio da ideologia dominante por parte dos agentes da

exploração e repressão, de modo a que eles assegurem também ‘pela palavra’ o predomínio da

classe dominante”.

Com a escola, a mídia e um estado como reflexo da classe dominante, a burguesia

assegura sua dominação frente à classe operária, para submetê-la ao processo de extorsão através da

“mais valia”, que está entre os processos mais eficazes da exploração capitalista. Os mecanismos

que produzem e reproduzem a relação entre exploradores e explorados da ordem capitalista

funcionam porque são são naturalmente

encobertos e dissimulados por uma ideologia da escola universalmente aceita, que é uma das formas essenciais da ideologia burguesa dominante: uma ideologia que representa a escola como neutra, desprovida de ideologia (uma vez que é leiga),

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aonde os professores, respeitosos da “consciência” e da “liberdade” das crianças que lhes são confiadas pelos pais, que também são “livres”, entenda-se proprietários de seus filhos, conduzem-nas à liberdade, à moralidade, à responsabilidade adulta pelo seu exemplo, conhecimento, literatura e virtudes em geral libertárias (ALTHUSSER, 1985, p. 80).

Como este trabalho aborda questões relativas à escola, gostaríamos de ressaltar que a

instituição escolar, ao lado da família, desempenha, desde os primeiros anos de vida, a forma de

reprodução das relações de produção do modo capitalista que infiltra-se no proletariado para

garantir sua hegemonia e manter as relações de exploração através do trabalho assalariado e

acumulação de capital nas mãos de poucos. Uma situação que se mantém a partir da ideologia

dominante como, segundo Althusser (1985, p. 85), “ uma ‘representação’ da relação imaginária dos

indivíduos com suas condições reais de existência”.

2.6.2. Ideologia, mídia e representações sociais.

O sociólogo nascido nos Estados Unidos John B. Thompson começou a sua abordagem

ao tema da ideologia com o texto Studies in the Theory of Ideology (Estudos da Teoria da

Ideologia), de 1984 (uma reunião de ensaios que começaram a ser escritos em 1979). No livro,

Thompson procura interpretar os processos sociais nos quais, e pelos quais, “as formas simbólicas

permeiam o mundo social” de um modo amplo. Busca determinar a natureza e o papel da ideologia

nesse processo que se aprofunda e se amplia radicalmente a partir da era moderna, impulsionado

pelo aparecimento e pela consolidação do capitalismo e dos meios de comunicação de massa.

Segundo o sociólogo, o conceito de ideologia tem sido encarado, basicamente, de duas maneiras:

como um sistema de idéias (socialismo, neoliberalismo etc.) ou acaba sendo considerado muito

ambíguo e, por isso, abandonado. Thompson se baseia em autores como Destutt de Tracy, Marx,

Lenin e Lukács, entre outros, para tentar entender a contextualização social das formas simbólicas.

Da mesma forma que o discurso é concebido através de uma estrutura social, ao mesmo tempo que

sofre a influência desta mesma sociedade, as formas simbólicas ideológicas estão relacionadas a

uma determinada estrutura social, mas, por outro lado, são igualmente constitutivas dessa estrutura.

Ao levar em consideração os conceitos de ideologia relacionados com o imaginário (A

Ideologia Alemã), Thompson encontra no filósofo Cornelius Castoriadis, de origem grega, o

desenvolvimento da ideia de imaginário social. Este não estaria simplesmente relacionado com as

tradições sociais mas sim possibilita a relação entre objeto e imagem, sem a qual não haveria

reflexo de nada. É o imaginário que orienta as instituições sociais, os desejos e necessidades, a

existência do simbolismo, tradição e mito. São conceitos que o autor desenvolve em relação à

sociedade de hoje numa relação entre ideologia e comunicação de massa. Para o sociólogo, o

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desenvolvimento da mídia foi decisivo para que a ideologia fosse disseminada para um grande

número de pessoas em diversas regiões dos países, isto é, pertencentes a diversas culturas locais. A

televisão, certamente, é a que mais contribui para isso.

Se a comunicação de massa se tornou o principal meio pelo qual a ideologia opera nas sociedades modernas, é porque ela se tornou o principal meio de produção e transmissão de formas simbólicas, e porque as formas simbólicas assim produzidas podem circular numa escala sem precedentes, atingindo milhões de indivíduos que provavelmente têm pouco em comum além da capacidade de receber mensagens mediadas pelos meios [tradução nossa] (THOMPSON, 1990, p. 19 e 20).

A mídia promove um processo de interação e “valorização” das formas simbólicas que

não são exatamente produzidas por ela própria, mas que encontram aí um forte combustível para a

ampla reprodução – formas simbólicas que podem adquirir diferentes quantidades e qualidades de

valor econômico ou simbólico e têm grande relevância na discussão da luta pelo poder nas

sociedades modernos (lembramos, mais uma vez, que as empresas de comunicação brasileiras estão

nas mãos dos políticos, principalmente fora do Rio de Janeiro e São Paulo). Entendemos que este

trabalho está em consonância com a linha de pesquisa teórica de Thompson, já que o sociólogo

entende que a disseminação ideológica também se constrói na recepção que reelabora, conforme as

diversas culturas locais, as mensagens ideológicas que recebe. Apesar disso, devemos enfatizar que

o pesquisador defende que é um erro atribuir apenas à mídia a criação da ideologia, mesmo que seja

ela a maior responsável pela sua divulgação em larga escala, noção com a qual concordamos.

As formas simbólicas estão nas ações, nas falas, nas expressões, nas imagens, nos textos

de forma intencional, convencional, estrutural, referencial e contextual. Thompson define o termo

contextual no sentido de que a ideologia se processa dentro de um contexto, pelo próprio acesso a

recursos que depende da localização social das pessoas. Atua pela legitimação (representação pela

tradição, razão ou legalidade), dissimulação (ocultação das relações de dominação), unificação

(construção de uma identidade coletiva e nível simbólico), fragmentação (divisão de um grupo em

grupos menores para identificar os grupos dominados e facilitar o exercício da dominação) e

reificação (retratando uma situação transitória como uma situação permanente, mascarando o seu

caráter sócio-histórico).

Ao adotar uma concepção crítica de ideologia, Thompson (1995, p. 16), a define de

forma mais ampla como o “sentido a serviço do poder”. Os sistemas de símbolos e de sentidos são

produzidos, transmitidos e recebidos em contextos sócio-históricos, nos quais estão implicadas

relações de poder e de conflitos. Contextos estes, segundo Thompson (1990, p. 192) “específicos,

dentro dos quais e por meio dos quais as formas simbólicas são produzidas, transmitidas e

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recebidas”. O sentido é mobilizado pelas formas simbólicas para estabelecer e sustentar relações de

dominação de classe, de gênero, de etnias, entre outros. As formas simbólicas se apresentam em

uma de suas formas ideológicas quando, no cruzamento com relações de poder, em circunstâncias

particulares, são direcionadas para estabelecer e sustentar relações de dominação.

2.6.3. A linguagem e a ideologia.

A filosofia da linguagem mostra atualidade e importância dentro dos estudos do

marxismo. A criação ideológica em Marx se relaciona diretamente com a filosofia da linguagem em

um primeiro sentido como a construção de enunciados. O russo Mikhail Bakhtin foi um dos

primeiros a realizar este estudo. O que propõe, do ponto de vista de uma filosofia marxista da

linguagem, é uma sociologia do discurso, que pode ser abordada pelo menos sob quatro pontos de

vista noções que aparecem no livro Marxismo e filosofia da linguagem, publicado pela primeira vez

em 1929 na Rússia.

1) um ângulo fenomenológico, que nos ajuda a pensar a manifestação discursiva enquanto um ato

único e irrepetível, um acontecimento na existência, e que orienta a categoria do enunciado;

2) um ângulo semiótico, para pensar a relação do material verbal com outros materiais semióticos

como o som, a cor, o gesto etc. (aqui podemos compreender o problema do signo ideológico);

3) um ângulo linguístico, que nos ajuda a refletir sobre os problemas da ciência da linguagem, tanto

no que se refere à natureza da palavra enquanto signo ideológico, como nas diversas formas

linguísticas de transmissão do discurso: discurso direto, discurso indireto, discurso quase-direto (ou

discurso indireto livre); e,

4) um ângulo sociológico, que retoma os três anteriores e possibilita chegar ao problema dos

gêneros discursivos cotidianos, para compreender o problema da ideologia do cotidiano, o problema

da situação e o do auditório (participantes), isto é, a orientação social do enunciado como totalidade.

Bakhtin tomava o ideológico como algo pertencente à uma realidade (natural ou social),

e, com o conceito de polifonia que, para o autor, representava a produção de sentidos gerada pela

heterogeneidade discursiva – as várias vozes, cada uma manifestando a própria voz, expressando o

pensamento individual – colocava a pluralidade de pontos de vista como a principal forma de

articulação na sociedade. Ao contrário, a monofonia pode ser entendida como o texto em que os

vários personagens, aparecem como portadores de posições ideológicas independentes, mas que

acabam expressando uma ideologia dominante.

É interessante notar que um conceito proposto no início do século XX ainda é válido

para a mídia que se apresenta uníssona e dá pouco espaço para o conflito de ideias. Podemos

encara-la como uma das principais divulgadoras da ideologia vigente, uma vez que prega a

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manutenção de conceitos sociais tais como o preconceito de classe e raça, as instituições como o

casamento, a religião etc. Como afirmava Bakhtin (1992, p. 31): “um produto ideológico faz parte

de uma realidade (natural ou social) como todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de

consumo […]”. Bakhtin traça um paralelo entre a evolução da sociedade e a evolução da palavra.

Esta última, vista dentro de uma perspectiva semiótica, será considerada, entre outras manifestações

como a pintura e a música, por exemplo, o signo ideológico por excelência.

Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia. Um corpo físico vale por si próprio: não significa nada e coincide inteiramente com sua própria natureza. Neste caso, não se trata de ideologia. No entanto, todo corpo físico pode ser concebido como símbolo, […] e toda imagem artístico-simbólica ocasionada por um objeto físico particular já é um produto ideológico [grifo do autor] (BAKHTIN, 1992, p. 31).

Nada mais pertinente quando falamos do consumo moderno. O chamado “valor

agregado das mercadorias” não é nada mais do que conceitos que se relacionam com símbolos.

Assim se explica que duas mercadorias da mesma espécie e com as mesmas características possam

ter valores de mercado tão diferentes. São produtos que determinam valores imaginários que

ultrapassam suas particularidades concretas. Podemos dizer que os ávidos consumidores se

importam pouco com a utilidade concreta de uma mercadoria. O que esperam é uma possível

sensação gerada a partir da aquisição e posse de tal produto e, psicologicamente, qual o status que

conseguirão frente a seus pares – neste caso não existem limites para o ato de consumir, pois uma

sociedade que se busca se basear majoritariamente em imagens e representações, e deixa de lado o

concreto, não pode prescindir destes valores.

É verdade que a sociedade humana se desenvolveu em termos de representações sociais,

os desenhos nas cavernas pré-históricas confirmam o fato. Mas, se queremos comparar as

representações de tais desenhos com às de compra de produtos nos dias de hoje, devemos entender

que os primeiros seres humanos sociais desempenhavam um ritual que, nos padrões atuais, parece

ter se transformado em obsessão.

Os signos são reconhecidos por todos e, conforme Bakhtin (1992, p. 33), são “um

fenômeno do mundo exterior”. Na verdade, estão fora de cada um, mas são assimilados

interiormente, por isso, reconhecíveis por todos. Esta assimilação e troca social é dada, segundo o

linguista russo, pela palavra como interação discursiva. A palavra, então, reveste a ideologia interior

de exterioridade numa corrente que flui em meio à sociedade.

Essa cadeia ideológica estende-se de consciência individual em consciência individual, ligando uma às outras. Os signos só emergem, decididamente, do

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processo de interação entre uma consciência individual e outra. E a própria consciência individual está repleta de signos. A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico e, consequentemente, somente no processo de interação social (BAKHTIN, 1992, p. 34)

2.7. A LINGUAGEM E AS DIFERENÇAS DE CLASSE SOCIAL.

No processo de decisão sobre uma possível avaliação da resposta que os alunos dariam

aos estímulos que questionam a sociedade de consumo, procuramos maneiras de perceber quais os

significados eram por eles aferidos à publicidade vinculada pela mídia. Fica claro que o consumo se

relaciona com a divisão de classes – uns podem comprar mais do que outros – e serve como

referência de status, como forma de distinção social.

O sociólogo britânico Basil Bernstein trabalhou a teoria dos códigos linguísticos com

base na sociolinguística como forma de organização da língua empregada pelos membros de um

certo grupo social. Além disso, Bernstein (1977, p. 22) propunha uma forma de perceber “como os

códigos (sociolinguísticos ou educativos) se formam, se reproduzem e mudam como resultado de

marcas macro institucionais da sociedade, e como se formam, se reproduzem e mudam em níveis

mais específicos de interação tanto na família como na escola”.

No último capítulo faremos uma caracterização do Colégio Pedro II, mas podemos

adiantar que os alunos entram no primeiro ano do Ensino Fundamental através de sorteio. Isso

determina uma variedade de classes sociais que convivem em um mesmo ambiente escolar. Este

convívio nos interessou pelo fato de vimos que as noções sobre a sociedade capitalista em sala de

aula acabavam, através das respostas aos trabalhos, por ser interpretadas de forma muito

semelhante.

As representações de mundo das classes sociais se distinguem umas das outras. A teoria

de Bernstein faz uma análise das consequências educativas e sociais de acesso a diferentes códigos.

Ao código inicial que nos é apresentado nos primeiros anos de vida é dado a classificação de

restrito que se materializa na formulação de transmissões educativas, código elaborado.

O código que a criança traz para a escola simboliza a sua identidade social. Quando é sensibilizado pelo código elaborado sua experiência escolar acontece uma experiência de desenvolvimento simbólico e social. […] Uma mudança no código envolve mudanças nos meios pelos quais se criam uma identidade e uma realidade social. Este argumento significa que as instituições educativas numa sociedade em contínuo desenvolvimento relevam suas próprias tendências alienantes (BERNSTEIN, 1974, p. 136).

Quando consideramos a escola como uma aparelho ideológico de estado, admitimos a

transmissão de conteúdos ideológicos (reprodução da estrutura de classes) dentro das instituições de

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ensino. Mas, mesmo assim, o que parece é que a escola “cria” um universo de maior igualdade (ou

menor diferenciação) uma vez que, para os professores e para a instituição, geralmente, não há

discriminação. Dentro de uma sala de aula, todos são alunos. Admitimos que as diferenças sociais

de cada aluno crie entre eles uma diferenciação, mas é provável que esta não se reproduza da

mesma maneira que acontece fora do ambiente escolar, quando os alunos regressam a suas casas,

bairros e diferentes respectivos sociais.

O contato dos diferentes códigos de linguagem entre os membros de uma turma e com

os professores parece gerar uma nova situação em que os códigos se misturam e, de certa forma, a

identificação das origens destes códigos fica difusa. E a mídia ajuda a criar esta confusão.

Atualmente, os meios atuam fortemente na divulgação de formas de expressão (gírias) que, numa

outra época, eram traços marcantes das classes de baixa renda. O funk carioca é um destes

exemplos que aparecem na mídia como registro artístico da linguagem das favelas. O gênero

musical se originou no morro mas chegou às ruas com grande impacto, e acabou servindo de

mediador entre as classes sociais, mescladas, por assim dizer, quando incorporam ao português

carioca os falares das favelas.

Preti (1984, p. 67) entende o uso da gíria em dois níveis: “a ʽgíria de grupoʼ, de uso

mais restrito, que caracteriza-se como uma linguagem de identificação e de defesa, buscando

comunicação e, ao mesmo tempo, a preservação de um grupo. E o segundo nível que é a ʽgíria

comumʼ, amplamente difundida”. Para Ferdinand Saussure (apud Kristeva, 1999, p. 20), “a

linguagem é multiforme e heteróclita; abrangendo vários domínios, simultaneamente físicos,

fisiológicos e psíquicos, pertences ao domínio individual e ao domínio social; não se deixa

classificar em nenhuma categoria de fatos humanos porque não sabemos como destacar a sua

unidade”. Encaramos que a linguagem empregada uniformemente pelos alunos do Colégio Pedro II

lhes coloca, em certa forma, em uma mesma posição social ainda que este seja um momento

mediado pela escola.

2.8. OBERVAÇÃO PARTICIPANTE COMO METODOLOGIA.

Neste estudo utilizou-se a observação participante e entrevistas não estruturadas com os

responsáveis pela educação de alunos do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II, no Rio de

Janeiro. A observação participante é uma técnica bastante utilizada em pesquisa social. Bronislaw

Kasper Malinowski (1884-1942), antropólogo polonês, foi o grande teórico da observação

participante, através da participação cotidiana por longos períodos na vida de seus pesquisados e, ao

realizar suas observações, criou um novo método de pesquisa. Malinowski viveu entre os nativos

das ilhas Trobiand, próximo à Nova Guiné, de 1914 a 1918. Definiu o conceito de função, em nível

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primário, como a resposta de uma cultura determinada às necessidades básicas do homem, tais

como a alimentação, a habitação ou a defesa. Mas a função é também social, respondendo às

necessidades sociais do grupo, tais como as relações conjugais e a paternidade.

Entendemos, desde o início do trabalho, que a pesquisa qualitativa seria a mais

adequada à nossa proposta. Na abordagem qualitativa, a pesquisa tem o ambiente como fonte direta

dos dados, o pesquisador mantém contato direto com o ambiente e objeto de estudo em questão.

Neste caso, as questões são estudadas no ambiente em que elas se apresentam. A utilização deste

tipo de abordagem difere da abordagem quantitativa pelo fato de não utilizar dados estatísticos

como o centro do processo de análise de um problema, não tendo, portanto, a prioridade de numerar

ou medir unidades (isto, relativo ao trabalho de campo, já que no confronto dos dados colhidos com

outras fontes utilizaremos dados estatísticos). Os dados coletados nessas pesquisas são descritivos,

retratando o maior número possível de elementos existentes na realidade estudada. Preocupa-se

muito mais com o processo do que com o produto.

A metodologia da observação participativa consiste na inserção do pesquisador no

interior do grupo observado, tornando-se parte dele, interagindo por alguns períodos com os

sujeitos, “buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que significa estar naquela situação”

(GIL, 1991, p. 38). Segundo Serva e Júnior, (1995, p. 13) é uma “situação de pesquisa onde

observador e observado encontram-se face a face, e onde o processo de coleta de dados se dá no

próprio ambiente natural de vida dos observados, que passam a ser vistos não mais como objetos de

pesquisa, mas como sujeitos que interagem em dado projeto de estudos”. É, de todos os métodos de

coleta de dados científicos, talvez um dos que mais envolvam o investigador, a pessoa, mais

profundamente com os atores que protagonizam o campo de pesquisa eleito. O trabalho de campo é

uma experiência total, profundamente marcante e individualizante. Ela retira o pesquisador do

contexto habitual e previsível em que se encontrava para um contexto novo, imprevisível e,

portanto, fonte de insegurança.

Talvez esteja aí a maior possibilidade de sucesso desta metodologia. Nós, educadores e

cientistas da sociedade, costumamos nos isolar no mundo dos livros teóricos em busca de

elaboradas respostas daquilo que se passa nas ruas. Ainda que sejamos uma única pessoa, limitada

pelo aspecto geográfico, histórico e pela pouca disponibilidade de tempo, na escola encontramos os

sujeitos sobre os quais criamos nossas teorias em nossos ambientes isolados de trabalho de

pesquisa. Quando nos deparamos com estes sujeitos e, através da observação participante,

convivemos, ainda que provisoriamente, em seu ambiente, e podemos entender melhor que eles não

são apenas objetos de estudo. Estão vivos e respiram. Ali, neste campo, estão todas as perguntas e,

veladas, também algumas respostas. Idealizado, o trabalho de campo aparece com dificuldades

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apenas teóricas. Vivenciado, se mostra pulsante com todas as suas possibilidades, e complexidade,

de sua construção histórica.

Segundo Quivy e Campenhoudt (2003, p. 42) “os métodos de observação direta

constituem os únicos métodos de investigação social [...] que captam os comportamentos no

momento em que eles se produzem e em si mesmos, sem a mediação de um documento ou

testemunho”. Estes comportamentos se expressam de diversas formas, inclusive em forma de

palavras, que tanto nos interessam, e que são capazes de registrar as fases transitórias e os pequenos

detalhes das mudanças sociais. A fala é reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores,

normas e símbolos e, ao mesmo tempo, é capaz de transmitir, através do entrevistado/observado,

representações de grupos determinados em condições históricas, sócio-econômicas e culturais

específicas.

A observação participante adequa-se a uma análise de comportamentos espontâneos que

engloba a percepção do não verbal, e daquilo que ele revela, como códigos de comportamentos.

Conforme Quivy e Campenhoudt (2003, p. 43), as principais vantagens seriam “a apreensão dos

comportamentos e dos acontecimentos no próprio momento em que se produzem e a recolha de

comportamentos e atitudes espontâneas com a autenticidade relativa dos acontecimentos”. É

interessante constatar que, ao fazer parte do contexto como observador, o pesquisador também

acaba por ser observado. No ambiente de uma sala de aula, a situação é particularmente curiosa.

Estou sentado ao lado dos alunos, assistindo à aula da mesma maneira que eles, mas não sou um

aluno, e sim um estranho àquela circunstância, mas que, mesmo assim, compartilha a situação ao

lado dos alunos (numa condição semelhante), uma vez que não sou o professor. Isto, de certa forma,

me aproximou dos alunos.

Como subcategoria, o trabalho realizado pode ser definido como uma observação

estruturada, uma vez que se enquadra na classificação de Cohen (2000, p. 52) quando “o observador

sabe previamente o que vai observar e já organizou as categorias de observação de acordo com os

seus objetivos” [tradução nossa].

A escolha para utilizar a observação participante dá primazia à experiência pessoal vivida no campo, evitando o aprisionamento do pesquisador em apriorismos. Por outro lado, isso não significa, em absoluto, que não se disponha de quadros referenciais teóricos sólidos. Estes se constituem, inclusive, numa das condições básicas para a boa implementação da metodologia. (SERVA e JÚNIOR, 1995, p. 18).

Entendemos que o pesquisador de campo precisa se basear nos estudos teóricos, os

quais são fundamentais para uma análise embasada que não resvale para a simples observação

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empírica. Conhecer com profundidade o referencial teórico que lhe dá um sólido aporte não

significa exatamente partir para o campo com ideias preconcebidas, apesar de que devemos

confessar que existe esta possibilidade. A saída pode estar na postura do pesquisador que se

concentra no presente vivenciado, sem se deixar contaminar (em excesso) com os conceitos a que

teve acesso na revisão bibliográfica. Se partimos para o campo com ideias prontas, provavelmente

poderemos incorrer no erro de apenas procurar as provas daquilo que já imaginamos encontrar. O

problema principal desta situação é deixar turvar a visão para tentar enxergar o que esperamos ver,

deturpando a análise presencial e a observação participante. Nos parece que a prerrogativa para esta

metodologia é estar disposto e aberto a mudar a sua concepção original, ou pelo menos adequá-la,

àquilo que presenciamos, abandonando, assim, a pressão de supostas evidências que, na verdade,

seriam preconceitos. As idéias preconcebidas são perniciosas a qualquer estudo científico. Saber

entender e respeitar o ritmo de ação e de interação do grupo pesquisado é um passo decisivo para se

conviver numa unidade social, e ser aceito e legitimado pelo grupo. A humildade, o saber escutar

são indispensáveis à característica do observador participante. Desta forma, se pode captar o que

não é dito em palavras, ou mesmo definir a subjetividade na fala de cada aluno. Basicamente, o

que buscávamos era a reação dos alunos frente à divulgação da mídia para o consumo e, para tornar

uma observação parte de um contexto teórico sociológico, é preciso que um observador defina

conceitos e identifique problemas a serem pesquisados e estudados. Ele dá vida a um modelo

teórico ao se basear no caso particular de sua investigação, mas direciona seus prováveis modelos

de forma que venha a atender descobertas futuras. Este estágio consiste na identificação de

possíveis entraves aos conceitos, que venham promover um maior esclarecimento e conhecimento

sobre os alunos e seu universo social que fazem parte do foco de estudo onde o pesquisador procura

por informações que o subsidie na sua pesquisa.

Esteja ele definindo problemas ou selecionando conceitos e indicadores, o pesquisador está, neste estágio, utilizando seus dados somente para especular sobre possibilidades. Operações posteriores nos estágios seguintes podem forçá-lo a abandonar a maioria de suas hipóteses provisórias. Todavia, problemas de evidência se colocam mesmo nesse ponto, pois o pesquisador precisa avaliar os itens individuais nos quais suas especulações estão baseadas, de modo a não desperdiçar tempo seguindo pistas falsas. (BECKER, 1997, p. 77).

O pesquisador precisa estar atento às pistas falsas e à manipulação de respostas (feita,

possivelmente, por ele mesmo), assim como, na obtenção de informações incorretas e incompletas.

Para reduzir estes problemas, precisa estar atento à credibilidade dos informantes (alunos ou

professores), ao nível de espontaneidade das declarações, evitando que estas sejam dirigidas por ele

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(pesquisador) e à relação de confiança que envolve o contato grupo-informante-observador. O

professor (categoria na qual este pesquisador se enquadra) tem a prática de fazer perguntas sobre as

quais já sabe a resposta. São, na verdade, falsas perguntas, uma vez que não espera uma resposta

diferente daquela que já conhece, e servem mais para motivar a turma e buscar uma pseudo

participação do aluno. Este tipo de postura precisa ser evitada para que não se fabriquem respostas

prontas ou pré-concebidas.

O estágio final da pesquisa de campo se baseia na absorção de descobertas relacionadas

ao modelo de sistemas ou de organização social que faz parte do estudo. Neste estágio, o

observador descreve seu relatório final sobre a coleta de campo, proporcionando uma explicação

eficaz sobre os dados que reuniu. Para conseguir tal conclusão, o pesquisador inicia seus modelos

relacionando-os com os alunos no gradativo contato, assim, surgem novos conceitos e problemas. A

partir do momento em que determina seu modelo final, que retrata todas as relações descobertas

entre os objetos, o observador refina seu modelo, o que lhe proporciona maior garantia das

evidências que não se encaixavam com seus objetivos iniciais. Após o acúmulo de vários modelos,

busca conexões existentes e passa a construir um modelo global do campo. Segundo Becker (1997,

p. 79), “a conclusão típica deste estágio da pesquisa é uma afirmação sobre o conjunto de

complicadas inter-relações entre muitas variáveis”.

Além do contato com os alunos, nos pareceu importante realizar entrevistas semi-

estruturadas (estruturação de um roteiro básico que foi readaptado ao longo da entrevista) com as

professoras envolvidas no processo. Notamos, nos primeiros contatos e conversas informais,

realizadas com o grupo de quatro professores de Sociologia do Ensino Fundamental do Colégio

Pedro II, que havia uma grande unidade no programa proposto. Assim, tomamos a decisão de nos

aprofundarmos no discurso de uma das professoras que sintetiza a metodologia de ensino da

referida disciplina. Acreditamos que assim, ainda que pudéssemos perder alguma pluralidade

própria dos distintos discursos, encontramos uma forma aprofundar a nossa pesquisa, uma vez que

os alunos observados integram turmas desta professora.

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3. FORMAÇÃO DA AUDIÊNCIA: UMA TAREFA DE CONVENCIMENTO.

O aumento da importância dos meios de comunicação a partir do século XX é

fundamental para se entender o funcionamento da sociedade atual. A influência direta da mídia na

educação global dos indivíduos é primariamente determinante a partir do momento em que institui,

através de processos representativos da imagem e da informação, uma condição paralela ao mundo

real que, afinal, tem a mesma força representativa da realidade dos fatos em si – aqueles se

misturam a estes. Em suma, vivemos a fantasia como referência para o mundo empiricamente

perceptível, com pouca distinção entre a ficção e a efetividade dos fatos. A televisão atua

exatamente nesta fronteira entre o sonho e a lucidez, entre a ânsia de ser o que não se é, e a

decepção do cotidiano. Feita para preencher as lacunas de ansiedade do público, a TV procura

satisfazer a audiência. Este é o seu foco principal.

A televisão comercial brasileira depende da audiência para atingir o seu objetivo maior

que é, como toda empresa privada, conseguir lucro. A audiência é o seu maior patrimônio, já que é o

número de telespectadores que vai definir o interesse dos anunciantes e patrocinadores em veicular

sua marca e publicidade na emissora, sua principal fonte de renda. Atrair, aumentar e manter um

grande número de espectadores é o principal objetivo das emissoras comerciais que procuram

fidelizar o o público com uma programação atraente. Esta é a primeira vertente da formação da

audiência. No objeto proposto, o consumo, a segunda parte do trabalho, é convencer o público a se

interessar em comprar ou utilizar o que é anunciado ou exibido como algo desejado – sejam

produtos ou serviços, que representam formas de vida ou de atitudes.

A TV vive da venda de público para os anunciantes assim como uma fábrica de sapatos vende sapatos, e uma indústria automobilística vende automóveis, as emissoras privadas oferecem a sua “mercadoria”. Seus clientes não são os espectadores e sim os anunciantes e o sistema político e econômico. Os objetivos concretos das emissoras privadas são a expansão do mercado e a disseminação de um modelo de sociedade. Os programas são como ferramentas, parecidas com as prensas das montadoras de automóveis. Isso pode ser constatado pela formação do valor do minuto de propaganda, proporcional ao público de cada horário. A TV “vende gente” que assiste à programação, empacotada e rotulada por empresas de pesquisa de audiência como o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, IBOPE. O público é o produto da TV que é conduzido pelos diversos procedimentos deste processo (ANDRADE, 2005).

Abre-se aqui parênteses para lembrar que a veracidade das pesquisas realizadas

principalmente pelo IBOPE podem ser colocadas em questão, uma vez que os mecanismos

utilizados pelo instituto são pouco transparentes. Em setembro de 2008, o programa Ver TV,

veiculado na TV Câmara, apresentou o tema “Criatividade na TV” (CRIATIVIDADE NA TV,

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2008). Um dos convidados era Antonio Castigliola, jornalista e cineasta, que lembrou que a

mesuração da audiência televisiva realizada pelo IBOPE na cidade de São Paulo é feita em um

número muito pequeno, inexpressivo, de lares. O jornalista disse:

Os dados minuto a minuto, em real time – aqueles que guiam as estratégias de atrações, como as dominicais – resultam da medição feita em apenas 750 casas, todas na Grande São Paulo. Ou seja, a área rural não é mensurada pelo IBOPE por critérios até hoje desconhecidos. Mais: afirmei que são as mesmas 750 famílias há dez anos, percebendo salários do IBOPE (JAKOBSKIND, 2008).

O IBOPE enviou uma resposta:

Na nota, o IBOPE nega que remunere as famílias que participam da pesquisa de medição de audiência, “obedecendo aos critérios estabelecidos pelo Código Internacional de Pesquisa Social e Pesquisa de Mercado”. Mas admite que, “eventualmente”, os participantes da amostra são “contemplados com brindes”. Não esclarece que tipo de “brindes” – casas, apartamentos, automóveis, caixas de bombons ou salários informais pagos por debaixo do pano? Lembro que o próprio Código Internacional de Pesquisa Social e de Mercado, citado pelo Ibope, proíbe, terminantemente, qualquer tipo de “agrado” aos participantes da amostra. Para quem não sabe, o IBOPE é uma multinacional, presente em 13 países. Ano passado, faturou o equivalente a 160 milhões de dólares. Verba para possíveis brindes generosos não faltariam em seu caixa (JAKOBSKIND, 2008).

Para não nos estendermos demais sobre o tema que, ainda que não seja o objeto de

estudo, nos parece relevante a esta pesquisa, resta acrescentar que a mensuração nacional da

audiência televisiva feita pelo IBOPE abrange mais 9 regiões metropolitanas, além de São Paulo.

Num País com as dimensões do Brasil, é difícil afirmar que este universo seja realmente

significativo e determine os níveis de audiência de cada programa e emissora de TV em abrangência

nacional.

O exemplo do IBOPE nos faz refletir que a televisão brasileira tende a manipular os

dados e a manter a impressão de hegemonia da audiência por certas emissoras, lideradas pela Rede

Globo de Televisão. As agências de publicidade se unem a estas grandes empresas e se esforçam

para conquistar mais consumidores para novos e antigos produtos. A publicidade, exibida nos

intervalos dos programas e telejornais, é a forma direta de vender estes produtos e serviços, mas o

que realmente funciona é a indução velada através dos próprios programas para a compra destes

produtos e serviços. A televisão criou estratégias de propor comportamentos vinculados ao

consumo.

Um dos exemplos mais óbvios é a forma de se vestir dos atores de novelas que

influenciam a moda a cada estação. São influências que partem dos grandes centros e que atingem

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os lugares mais isolados do País, o que acaba por influenciar de alguma maneira cada cultura local.

Este é um poder da mídia como um todo, ditar comportamento. Ainda que este comportamento não

seja completamente assimilado pelas comunidades espalhadas pelo Brasil, a idéia dos produtores de

conteúdo televisivo de que a “modernidade”, que seria mais dinâmica nos grandes centros, segundo

a imposição do que é visto na tela da TV, deve levar a uma mudança qualitativa nos hábitos das

pequenas cidades. Em suma, a televisão espera conseguir impor modelos sociais estranhos à

realidade de cada comunidade. Isto acontece nas pequenas capitais brasileiras em relação às

grandes, mas também nas metrópoles do nosso país em relação às estrangeiras.

Como dissemos, é um poder que leva a informação a grandes distâncias, uma

informação que segue, geralmente e com cada vez mais força, através das imagens. Poderíamos

aqui lembrar o conceito (enviesado) de “globalização”, só possível nos tempos de hoje por causa

das telecomunicações e da tecnologia da informática que acabou por ser absorvida pela mídia. A

“globalização” não é uma novidade desde a invenção das caravelas que lançaram os europeus à

conquista exploratória de outros continentes e a divulgação da sua cultura em terras estrangeiras,

num movimento do mercantilismo pré-capitalista.

Não há como ignorar os “fenômenos globalizados” que constituem feito e fato da cultura contemporânea. Por globalização (ou, como preferem teóricos franceses, mundialização) se vem traduzindo um ímpeto homogeneizador que opera eficazmente, em que pese a aparente multiplicidade de ofertas no mercado de bens simbólicos. Assim, se o horizonte socioeconômico de nossos dias se delineia por injunções de mercado, a reorganização da cultura contemporânea se vislumbra em três domínios: o das culturas populares; o da arte; e o dos meios audiovisuais. A “grande cidade”, a megalópole em que nos é dado viver, foi implodida e explodiu, descentrando-se. Para recapturar o antigo encanto das “cidadezinhas” (nós as encontramos, miticamente representadas, em novelas de televisão), enxergamos no shopping center – esta “floresta encantada” da sociedade de consumo – um simulacro da praça. Indiferente a qualquer sintaxe espacial (sua arquitetura é uma mescla de estilos) e temporal (não há relógios à vista), um shopping center é auto-referente. A si próprio constitui como espaço de trocas e compras em meio urbano, fazendo-o por meio de uma condensação de signos e da construção de novos sentidos (POLISTCHUCK, 2003, p. 40).

É bom lembrar que os shopping centers são uma invenção dos Estados Unidos para

concentrar a oferta de mercadorias, antes espalhada pelas lojas de rua. São lugares seguros e

confortáveis, onde não são admitidos mendigos nem pedintes. Essa é uma atração incomparável

para os shopping centers que, com o tempo, se integraram à cultura de compras e divertimento dos

brasileiros num mesmo local. Foi uma ideia que cruzou o continente americano e, vinda do Norte,

conseguiu se implantar como uma prática estranha, estrangeira, que acabou assimilada pela

população local. Auxiliadas pela mídia, com a televisão a frente, ideias como estas são

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disseminadas por um mecanismo que poderíamos comparar a um possante auto-falante, ligado

constantemente, que alcança milhares de quilômetros, todos os dias, o dia inteiro. Sua função

principal é convencer que se deve viver de uma certa maneira e, para isso, se deve comprar os

produtos “certos”, sejam eles roupas, eletrodomésticos, carros, móveis, produtos de uso pessoal ou

artigos de limpeza. Devemos viajar para os lugares “certos” com as agências de turismo “certas”,

pois elas garantirão o nosso conforto e satisfação, pelo menos é essa a promessa. Devemos nos

portar de uma maneira “moderna” e viver em consonância com o mundo atual das coisas e das

atitudes. Um exemplo clássico é a influência que a mídia exerce sobre o comportamento feminino.

Os anúncios para mulheres e garotas normalmente mostram fotografias de mulheres magras. As consumidoras não querem aceitar imagens de mulheres que parecem normais. Ao contrário, preferem ver modelos que parecem mais glamourosas do que elas. Algumas garotas e jovens mulheres podem se tornar depressivas se a sua aparência parecer menos glamourosa, sem perceber que as fotografias podem ser manipuladas para fazer as modelos parecerem ainda mais magras (HIBBERT, 2007, p. 101).

No livro The Power of Media (HIBBERT, 2007), Anne Becker, da Faculdade de

Medicina de Harvard, Estados Unidos, diz que “ninguém fazia dieta em Fiji dez anos atrás (antes de

1998, quando a TV norte-americana chegou ao país da Oceania). A partir de então, as adolescentes

enxergam a TV como um modelo para se entrar no mundo moderno. Elas acreditam que os

programas representam a “realidade”. Muitos se convencem de que a mídia é a porta-voz da

verdade, do único padrão desejável. Este, um padrão ditado por empresas de comunicação que se

apresentam como agentes sociais mas que se transformam em negócios como outro qualquer.

Duas são as tendências mais notórias neste plano. Uma, a conversão dos grandes meios em empresas ou corporações multimídia, seja por desenvolvimento ou fusão dos próprios meios impresso, rádio ou televisão, ou pela absorção dos meios de comunicação por parte de grandes conglomerados econômicos; e a segunda, a desorientação e reconfiguração da propriedade (MARTÍN-BARBERO, p. 54, 2004).

O advento da internet facilitou o acesso dos produtores de conteúdo, inclusive

jornalístico, mas, ao mesmo tempo, incentivou uma preguiça na apuração dos fatos e fez com que

os próprios jornalistas passassem a acreditar às cegas no que a mídia publica ou divulga no Rádio e

na televisão. Isto causa uma autoalimentação de “notícias” que deveriam ser colhidas fora das

redações, no mundo concreto. O resultado é que hoje os meios acabam por se pautar mutuamente e

criam um mundo paralelo fictício em relação à realidade dos fatos sociais que pretendem descrever.

Isso acontece visivelmente nas telenovelas, mas também é um fato nos programas de variedades,

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que contam com apresentadores, e nos telejornais. A velha comparação da TV como uma janela

para o mundo é uma falácia, uma vez que aquele que olha através de uma janela tem a opção de

olhar para onde quiser. A televisão mostra um único ângulo e despreza os demais. Assim, cria a sua

própria realidade e determina, a partir de uma lógica arbitrária, aquilo a que milhões de

espectadores devem prestar atenção.

Este cenário concorre para que a mídia, em geral mais desinforme do que informe o

público. No livro Cultura do Medo, o sociólogo estadunidense Barry Glassner descreve o clima de

pânico a que muitos habitantes se deixam levar por crer em tudo que a mídia divulga. Ainda que se

passe nos Estados Unidos, a situação é muito semelhante no Brasil e em outras partes do mundo. Na

introdução à edição brasileira, publicada em 2003 (o texto original é de 1999), Paulo Sérgio

Pinheiro, consultor Secretaria Especial dos Direitos Humanos lembra:

Os Estados Unidos e o Brasil têm muito em comum quanto à violência: entre os dez países mais industrializados, ambos têm as mais altas taxas de homicídios. [...] Nos Estados Unidos, como no Brasil, a violência interpessoal está profundamente arraigada na enorme desigualdade (os Estados Unidos têm também aqui o maior índice de desigualdade entre os dez países mais industrializados, sendo ultrapassado somente, e igualmente, pelo Brasil) (GLASSNER, 2003, p. 12 e 13).

A leitura do livro também nos dá a medida da semelhança da mídia dos Estados Unidos com

a do Brasil, na atitude que pauta o alerta da população em geral com temas de sua escolha e sobre o

seu ponto de vista.

A expectativa de vida nos Estados Unidos dobrou durante o século XX. Somos mais capazes de curar e controlar doenças do que qualquer outra civilização na História da humanidade. No entanto, ouvimos que o número de pessoas seriamente doentes entre nós é fenomenal. Em 1996, Bob Garfield, jornalista de uma revista, analisou reportagens sobre doenças graves publicadas durante um ano no Washington Post, New York Times e USA Today. Descobriu que, além de 59 milhões de americanos com doenças cardíacas, 53 milhões com enxaqueca, 25 milhões com osteoporose, 16 milhões com obesidade e 3 milhões com câncer, muitos americanos sofrem de males mais obscuros, como disfunção da articulação temporomandibular (10 milhões) e distúrbios cerebrais (2 milhões). Somando as estimativas, Garfield chegou à conclusão que 543 milhões de americanos estão gravemente doentes – um número chocante em uma nação de 266 milhões de habitantes (GLASSNER, 2003, p. 20).

A mídia não apenas reflete a sociedade (sociedade midiatizada), mas também produz

uma sociedade (sociedade midiática). Isso determina uma realidade construída que, normalmente,

pouco tem a ver com realidade dos fatos ou com o cotidiano das pessoas. Numa sociedade

midiática, a imprensa e os veículos de comunicação têm papel determinante e passam a ser uma

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espécie de receituário daquilo que acontece ao nosso entorno. As claras distorções são percebidas

quando certas questões ganham vital importância em determinados momentos e caem no completo

esquecimento tempos depois. A dúvida aqui seria: “eles pareciam tão importantes, por que a mídia

esqueceu o assunto?”.

A cultura do medo tem sido cada vez mais provocada a partir da divulgação de fatos

isolados quando a mídia toma a parte pelo todo. Em relação à violência urbana, isso acontece até

mesmo em capitais com baixo índice de criminalidade. A cidade de Natal tem, tradicionalmente, um

baixo índice de criminalidade. Ainda assim, os jornais, rádios e programas da cidade se esforçam

em produzir um vasto material de jornalismo policial que dá à população a impressão de viver num

ambiente nada tranquilo. Vejamos os fatos.

A Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana publica desde 1998 o Mapa da

Violência dos Municípios Brasileiros (WAISELFISZ, 2009) ação que tem o apoio do Ministério da

Justiça e do Ministério da Saúde. Publicado em janeiro de 2008, o Mapa mostra várias estatísticas

dos 556 municípios com as maiores taxas de homicídio no ano de 2006. 10% do total de municípios

concentram 73,3% dos homicídios acontecidos no país neste ano. Segundo a publicação,

Os dados da mesma tabela indicam que tendem a ser municípios de grande porte: esses 10% concentram 44,1% da população do país. Se a média nacional de habitantes por município nesse ano era de 32,6 mil habitantes, a média desses 10% era mais que quatro vezes superior: 143,9 mil habitantes por município, o que permite indicar o grau de concentração da violência homicida nos municípios de maior porte (WAISELFISZ, p. 29, 2009).

Na tabela que projeta as maiores taxas de homicídio na população total por 100 mil

habitantes, Natal sequer entra na relação. Em outra tabela, número total de homicídios em números

absolutos em 200 municípios, a capital do Rio Grande do Norte aparece em 44o lugar com 161

homicídios em 2006. A conclusão do relatório é que Natal é a capital mais segura do Nordeste. No

entanto, a imprensa local parece ir na direção contrária a esta estatística. O Diário de Natal, por

exemplo, publica constantemente reportagens com manchetes que amedrontam – “Cresce violência

praticada por adolescentes em Natal” (CRESCE, 2010) é uma delas. A reportagem divulga que o

número de inquéritos remetidos pela Delegacia de Atendimento ao Adolescente Infrator (DEA) em

Natal subiu de 22, em 2005, para 77, em 2008, exatamente o ano de referência do último Mapa da

Violência que concluiu as estatísticas de baixo índice de violência na cidade – o mais baixo do

Nordeste, relembramos. Segundo a reportagem, os crimes de homicídio e tentativa de homicídio

foram praticados com maior incidência por adolescentes com 16 e 17 anos. As declarações do

delegado titular da Delegacia Especial de Atendimento ao Adolescente, DEA, assustam.

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“E quando estão próximos a atingir a maioridade, com sua estrutura intelectual praticamente formada, alguns passam até a liderar facções criminosas, como quadrilhas especializadas em assaltos.” A maioria, chegando a 90%, diz ele, são de jovens que cresceram em famílias desestruturadas ou sem famílias, morando nas comunidades mais carentes da periferia e com pouco acesso ao estudo. “A maioria tem o ensino fundamental incompleto, frequentando apenas até o terceiro ou quarto ano.” Júlio Costa ainda destaca que 47% desses adolescentes foram detidos na Zona Norte da capital, onde a polícia também tem registrado os maiores índices de violência (CRESCE, 2010).

O tom da reportagem do Diário de Natal não parece de análise da situação, mas

alarmista. Mesmo que revele a causa principal da atitude delinquente dos adolescentes, não se

aprofunda no fato, conferindo destaque, apenas diz, nas entrelinhas: “cuidado com os pobres”. Ao

mostrar que a metade dos jovens são presos na Zona Norte, especifica o lugar de maior incidência

da criminalidade, mas o fato aparece num primeiro momento como um problema generalizado –

àquele que não se dá ao trabalho de ler a reportagem na íntegra fica a sensação de que este é um

problema da cidade de Natal como um todo.

É desta forma que a mídia opera uma frequente distorção que tem a ver com o seu

caráter de amplitude – tecnologicamente pode cobrir diversas regiões e diferentes fatos, coisa

impossível para um só indivíduo. Esta capacidade de “estar” em muitos lugares ao mesmo tempo é

muito maior do que a humana e lhe confere uma possibilidade peculiar (como duvidar das

notícias?). O espectador pouco crítico, normalmente, não se dá conta da amplitude dos “olhos” da

mídia, que conseguem apresentar enfoques específicos, em regiões específicas, para o público como

um todo. Seria humanamente impossível testemunhar tantos acontecimentos ao mesmo tempo, mas

eles estão todos ali, nas nossas mãos, reunidos nos jornais diários, e frente aos nossos olhos, nos

diversos telejornais, documentários estrangeiros e filmes de ficção.

A distorção é tentar fazer crer que a realidade de um bairro se transforme na realidade

da cidade inteira. Fatos isolados mostrados como o cotidiano de toda uma população. A princípio,

são irrefutáveis (na televisão são vistos, algumas vezes no momento em que aconteceram), mas, por

serem ao mesmo tempo superficiais e fragmentados, desinformam mais do que informam. Aos

olhos da audiência, esta superficialidade transforma situações passageiras em realidades definitivas

– os problemas sérios geralmente são protelados em função da nova notícia do momento.

Um exemplo claro pode ser encontrado no histórico da veiculação de reportagens a

respeito do vírus da AIDS. No Brasil, e em boa parte do mundo ocidental, a disseminação da

Síndrome da Imunodeficiência Adquirida foi encarada com alarde em um primeiro momento e,

depois, foi praticamente deixada de lado. As notícias sobre o agente causador da doença, o vírus

HIV (Human Imunodeficiency Virus), começaram a surgir na mídia no ano de 1983 e apareciam

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como uma revelação da “epidemia mais violenta do século” (AIDS, 2008). A partir daí, o assunto

começou a provocar medo ainda que não houvesse informações precisas sobre o vírus. Em 2000, a

Rede Globo noticiava “o grande número de pessoas infectadas no continente africano” (AIDS,

2008).

Ainda que no Brasil e em países ricos a AIDS esteja razoavelmente controlada, a

disseminação do vírus no continente africano ainda prolifera. A Segunda Avaliação Independente da

UNAIDS (Joint United Nations Programme on HIV-AIDS), um programa das Nações Unidas, de

2002 a 2008, publicado em setembro de 2009, que considera a questão do HIV/AIDS como uma

epidemia, e revela suas conclusões. Entre estas, “o HIV continua um significante problema de saúde

global” e “para cada 2 pessoas que começam a tomar medicamentos antivirais, outras 5 são

infectadas” (POATE, 2009, p. 7). A avaliação da UNAIDS ainda revela.

No final de 2007, um número estimado de 22 milhões de pessoas viviam com HIV na África Subsaariana (que engloba 47 países). Dois terços das 33 milhões de pessoas que vivem com o HIV no mundo inteiro estão nesta região, onde a maioria das infecções se devem a transmissões heterossexuais, e três quartos de todas as mortes decorrentes da AIDS aconteceram lá (POATE, 2009, p. 8).

Mas, em 2010, no momento que escrevemos este trabalho, o vírus da Aids parece não

ser mais um problema para a população mundial, aos olhos da mídia, uma vez que praticamente não

se vêem reportagens ou qualquer tipo de referência a este respeito. E, numa sociedade midiática,

como não aparece na mídia, é como se o problema não existisse.

As entrevistas coletivas, com suas câmeras e microfones, se tornaram de tal forma parte integrante dos acontecimentos de nosso tempo que ninguém sabe mais se são as pessoas que fazem as notícias ou vice-versa [...]. Se a imprensa está ausente, políticos cancelam seus discursos, manifestantes em defesa dos direitos civis adiam suas marchas, alarmistas deixam de fazer suas previsões lúgubres. [...] Uma notícia não publicada não causa impacto. Poderia muito bem não ter acontecido (TALESE, 2000).

Quando a mídia ganha o papel de única instituição a divulgar notícias para um grande

número de pessoas, espalhadas por diversos lugares do mundo, também ganha o poder de dar a sua

visão dos fatos e de escolher os fatos que merecem atenção. É esse o trabalho principal dos meios

de comunicação. Não podemos fazer um julgamento de valores como se esta situação fosse fruto de

um ato de má fé generalizado, ou que a mídia conspirasse contra a população, advogando sempre e

exclusivamente em causa própria. Ainda que isto possa ser uma verdade em alguns casos, o que se

deve atentar é que a visão da mídia é específica, um recorte da realidade do ponto de vista da classe

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dominante. Esta visão carrega muito daquele que observa e leva este observador a buscar, forçar, e,

por vezes, distorcer provas que sustente a visão global. É, em suma, uma visão da realidade e não a

realidade em si.

No caso dos jornalistas, como já foi dito, cria-se um mundo exclusivo das redações, os

roteiristas de novela repetem uma realidade destorcida e estereotipada que, mesmo com audiência,

não busca a discussão sobre questões relevantes sobre o dia-a-dia dos espectadores. Pode-se

questionar se a audiência precisa ou não de discussões sérias na televisão ao final de um dia de

trabalho – talvez deseje mesmo se alienar, até mesmo com as notícias dos telejornais que mais

parecem um espetáculo voltado para o divertimento.

Mas o centro da discussão não é esse, e sim o quanto as pessoas entendem que grande

parte da programação televisiva não passa disso, uma grande diversão descartável. Entramos aqui

na proposta de formação do espectador crítico. É extremamente desejável o desenvolvimento na

criança do poder de questionamento, uma vez que esta será a diferença entre um adulto que procura

estar consciente frente às questões principais de nosso tempo, a chamada modernidade, e uma

postura alheia à realidade dos fatos. O indivíduo sem capacidade crítica pode ser facilmente

convencido. Este é um fator fundamental quando tratamos do mercado de consumo e a mídia.

São dois os objetivos básicos da publicidade: 1) informar que tal produto ou serviço existe com tais e tais qualidades, e 2) convencer o virtual consumidor a adquiri-lo. Dos dois objetivos, o segundo é o mais importante e é entorno dele que inúmeros especialistas de marketing queimam as pestanas. Mas vale notar que o primeiro, não raramente, limita-se a mera informação de que um produto existe, pois nada se diz a respeito de suas qualidades. […] Isto posto, espera-se de um adulto que tenha recursos intelectuais e afetivos para resistir à sedução publicitária, notadamente quando essas fogem totalmente a qualquer verossimilhança com a vida real. Mas qual será o poder de resistência de uma criança? Ele é naturalmente menor. A criança carece, em parte, de critérios para avaliar se os brinquedos que ela vê, sabiamente fotografados ou filmados, terão, na prática, as qualidades lúdicas apresentadas (LA TAILLE, 2008).

A criança de ontem é o adulto de hoje. Saber entender desde os primeiros anos de escola

os mecanismos de marketing que a mídia utiliza poderia levar à formação de adultos que

compreendam que grande parte da necessidade criada artificialmente pela indústria pode ser

encarada como o que é: necessidades artificiais. Esta percepção poderia gerar o entendimento das

pessoas sobre o que realmente necessitam e até que ponto vale a pena se esforçar para conseguir um

alto poder de consumo. Isso significa o tempo que cada um deveria destinar ao acúmulo de capital e

qual a importância que este deve representar em nossas vidas.

A mídia e a televisão não têm grande poder de convencimento. Os chamados meios de

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comunicação usam suas armas para tal, então, pode ser uma das tarefas do professor entender este

processo para orientar os seus alunos com o intuito de enfrentar com uma lucidez futura esta

máquina de convencimento e estar apto a tirar suas próprias conclusões. Não pretendemos orientar

os professores a levar os alunos a deixar de assistir à televisão – não há como negar a sua inclusão

na sociedade – mas sim mostrar a maneira que podem passar a assisti-la. Acreditamos que isto é

possível.

3.1. JORNALISMO E FICÇÃO: A TEORIA DO AGENDAMENTO.

A teoria do agendamento, agenda setting, em inglês, foi desenvolvida a partir das análises de

Walter Lippman, jornalista estadunidense e professor da Universidade de Harvard, no início dos

anos 1920. Basicamente, se refere ao jornalismo, apesar de podermos ampliar este conceito para a

totalidade da programação televisiva, fato que será evidenciado em outro momento deste trabalho.

A proposta de Lippman foi analisar o impacto da mídia sobre a população – um estudo

complexo que leva em consideração a recepção e que percebe questões relativas à cultura de cada

grupo social. O teórico descreveu o termo “opinião pública”, segundo o qual “[…] as pessoas não

respondem diretamente aos eventos no mundo real mas, ao contrário, vivem num pseudo-ambiente

composto de imagens em suas cabeças. A mídia exerceria um importante papel em fornecer estas

imagens e moldar o pseudo ambiente” (AGENDA, 2009). O papel de agenda-setting dos media

noticiosos corresponderia à habilidade de influenciar a saliência dos tópicos sobre agenda pública,

chamando atenção da audiência e estabelecendo o que pode ser chamado de estágio inicial para a

formação de uma opinião pública. Os teóricos levantam a hipótese que somente poucos temas

conseguem alcançar a agenda pública e que estes seriam propostos pela mídia.

Em 1963, o estadunidense Bernard Cecil Cohen desenhou as noções mais recentes da teoria

do agendamento, segundo o autor, a imprensa “pode não ter sucesso na maioria do tempo em dizer

aos leitores o que pensar, mas é assustadoramente bem sucedida em dizer o que devem pensar

[tradução nossa]” (COHEN, 1963, p. 13). A teoria explica a correlação entre o quanto a mídia cobre

um tema e a extensão em que as pessoas pensam que este tema é relevante. A percepção sobre a

existência de temas pré-agendados existe porque a mídia é seletiva naquilo que cobre. As agências

de notícias atuam como guardiãs da informação e fazem escolhas sobre o que reportar e o que não

reportar. Aquilo que o público sabe e se interessa é, na maioria das vezes, produto do que estas

agências divulgam.

É um processo que se estende a três esferas:

1. A agenda da mídia com assuntos discutidos nos meios de comunicação.

2. A agenda pública com assuntos discutidos e considerados pessoalmente relevantes pelo público.

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3. A agenda política com assunto que os políticos consideram importantes.

Apesar de não ser direcionada especificamente para campanhas políticas, os primeiros

estudos nos Estados Unidos da América tiveram este foco. Maxwell McCombs e Donald Shaw

fizeram um estudo na Universidade da Carolina do Norte em 1968 sobre as eleições presidenciais

daquele ano. Na pesquisa sobre o poder de agendamento dos meios de comunicação, os cientistas

tentaram avaliar a relação entre o que os eleitores de uma comunidade diziam ser assuntos

importantes e o real conteúdo das mensagens da mídia durante as campanhas. McCombs e Shaw

concluíram que a mídia exercia uma significante influência sobre o que os eleitores consideravam

como as principais questões da campanha.

A influência da mídia também pode interferir no julgamento que os espectadores fazem

de certos países e povos. Uma pesquisa realizada em 2009 pelo Instituto Media Tenor International

avaliou que os telejornais britânicos levantam, na sua maioria, suspeitas a respeito dos muçulmanos,

não importam quem sejam. A pesquisa foi encomendada para a palestra anual do Diálogo Mundial

C-1 (C-1 World Dialogue), inciativa que propõe a paz e a harmonia entre os países ocidentais e

islâmicos e tem como sede a cidade de Basel, na Suíça, seu presidente é o ex-primeiro ministro

britânico Tony Blair. A pesquisa sobre a televisão britânica revelou que

[…] a televisão molda as atitudes e o ponto de vista de uma grande parte do público, enfatiza os aspectos negativos da religião em geral e do Islã em particular. Enquanto a cobertura sobre muçulmanos e islâmicos diminui na TV britânica – as notícias diminuíram notavelmente no segundo semestre de 2008 – o tom se mantém muito negativo com uma participação de mais de 20% nas informações televisivas críticas nos primeiros cinco meses de 2009. Enquanto a vida cotidiana dos muçulmanos e a coexistência pacífica entre cristãos e muçulmanos tem um papel menor, a imagem do Islã se mantém dominada pela guerra e terrorismo, especialmente em relação ao aumento de violência no Afeganistão. Notícias positivas sobre os muçulmanos estão virtualmente ausentes do principal telejornal noturno no Reino Unido [tradução nossa] (TV NEWS, 2009).

Estudos e pesquisas como estas mostram o quanto a mídia espera poder influenciar o

público e, para isso, dois fatores estão em jogo. O primeiro é que muitas vezes não podemos ser

testemunhas oculares daquilo que lemos nos jornais ou assistimos na televisão. O Brasil é um país

de maioria católica e nos últimos tempos assistimos ao crescimento das igrejas evangélicas.

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, entre 1940 e 2000 o número de

evangélicos aumentou em todas as regiões brasileiras (BRASIL a, 2007). Em 2000, o censo

demográfico do IBGE constatou em havia 26 milhões de adeptos, com uma projeção da mesma taxa

de crescimento, teríamos 55 milhões de evangélicos neste ano de 2010. Ainda que não sejamos

frequentadores de alguma igreja protestante, o número de adeptos nos permite conhecer pessoas do

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nosso convívio que nos tragam informações sobre as diversas igrejas evangélicas, o que nos dá um

poder crítico para não acreditarmos incondicionalmente nas notícias e informações divulgadas pela

mídia sobre o assunto.

O mesmo não aconteceria em relação à prática muçulmana. A baixa densidade de

pessoas pertencentes a esta religião no Brasil faz com que sejamos praticamente leigos a respeito

dos princípios do Corão. É pequena a possibilidade de conhecermos algum muçulmano que nos

possa esclarecer questões que são divulgadas na mídia. Ficamos a mercê daquilo que é divulgado. E

mesmo que a televisão brasileira não assuma a mesma postura de países estrangeiros que enfatizam

o preconceito contra as religiões islâmicas, este preconceito acaba importado e toma uma dimensão

abrangente no mundo ocidental. Nestes casos, que não são poucos, fica mais difícil duvidar do que

a televisão divulga.

A mídia é uma ferramenta ideológica nas mãos da classe dominante que procura manter

o status quo e tenta fazer o público encarar o mundo de uma certa maneira. A maneira que

concorrerá a favor dos interesses do sistema que é controlado pela classe mais rica. Convencer

através da televisão se transformou numa técnica que conta com diversos artifícios gráficos,

sonoros, fotográficos e simbólicos. A TV e a mídia ganharam uma certa autoridade com o

desenvolvimento da tecnologia das telecomunicações que pôde levar ao espectador, ouvinte ou

leitor informações de lugares e realidades impossíveis de serem explorados por um indivíduo.

O acesso, instantâneo em muitos casos, a notícias e tendências das mais diversas partes do

planeta é um fato que se desenvolveu durante o século XX com o avanço da tecnologia das

telecomunicações. A mídia procura mostrar, como verdade irrefutável, fatos que acontecem em

regiões distantes do nosso País e em outros continentes. A prova são as imagens em movimento que

parecem tão reais quanto a própria realidade. Não apenas pelos telejornais, mas também pelos

filmes, tomamos conhecimento em nossas casas das felicidades e tristezas de povos que,

provavelmente, jamais conheceremos de perto e a fundo. Ainda que não se garanta que estas

informações sejam confiáveis, já que não há possibilidades de as checar in loco, tomamos

conhecimento de modelos de vida que, vendidos pelos diversos meios à sua maneira, nos mostram

padrões de vida indesejáveis (normalmente, dos países pobres) e outros extremamente desejáveis.

Estes últimos estão geralmente associados aos Estados Unidos e à Europa. Lembremos que para a

classe A brasileira esta lógica funciona, já que é um grupo de pessoas com estilos de vida muito

próximos à classe rica dos Estados Unidos – os brasileiros ricos são mais parecidos com os norte-

americanos ou europeus que têm dinheiro do que com a classe baixa do Brasil ou da América Latina

em geral.

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3.1.1. A cultura televisiva.

Quando se fala em diferentes culturas que remetem a hábitos e maneiras de vida

distintas, também nos referimos a modelos de consumo. Os hábitos de consumo de um determinado

povo dizem muito de sua prática social, de sua cultura. Mesmo que crie claras distorções – um

exemplo poderia ser o uso do terno e da gravata obrigatórios em certas ocasiões ou para alguns

profissionais num país com clima tropical como o Brasil – estas formas de consumo acabam

assimiladas pela população já que são vendidos pela mídia como modelos desejáveis, como padrões

de vida eleitos entre os mais distintos. Neste sentido, seguir um modelo estranho ao seu também

passa a ser uma norma dentro do País. Os grandes centros, localizados ao Sul, ditam as normas para

o resto do país – e aí, além da maneira de vestir, estão o estilo de moradia, os móveis e utensílios

domésticos, os automóveis e tantos outros bens de consumo. São tendências de comportamento que

buscam referências externas que sempre nos parecem melhores do que aquelas desenvolvidas entre

nós, uma herança da história de colonização no País.

O espírito de país colonizado se encontra firme no Brasil, mesmo depois de mais de 500

anos dos portugueses terem chegado por aqui. O escravagismo talvez seja uma das instituições

brasileiras mais sólidas e se traduz em profissões pouco remuneradas e serviçais como o trabalho

doméstico. As relações de poder autoritário, arbitrário, paternalista determina uma condição social a

estas pessoas que pouco difere dos escravos que existiam no Brasil até o século XIX. Uma

estimativa publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) em setembro de 2009

com base na Pnad 2008 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) informava que

[...] o trabalho doméstico remunerado representa atualmente 15,8% da força de trabalho feminina ocupada, sendo que a atividade doméstica se constituiu histórica e persistentemente como uma atividade feminina e negra. As mulheres são 93,6% dos trabalhadores nessa ocupação. Entre 1998 e 2008, embora tenha havido incremento de escolaridade na categoria, o emprego doméstico ainda não alcançou em média sequer o ensino fundamental. [...] a desvalorização do serviço doméstico em geral pode ser traduzida na grande desproteção social dessa faixa laboral, exemplificado pelo renitente tratamento desigual recebido no que tange ao acesso e garantia de direitos trabalhistas. Em 2008, apenas 25,8% das trabalhadoras domésticas tinham carteira de trabalho assinada, sendo que, na região Nordeste, a média de formalização desse tipo de ocupação corresponde à metade do patamar nacional (BRASIL, 2009).

As relações econômicas foram, ao longo da história, mantidas no Nordeste na fase pré-

capitalista a fim de fornecer mão de obra barata ao capitalismo brasileiro do Sudeste.

Vagarosamente, com o desenvolvimento da exploração do petróleo, a mudança da capital do Rio de

Janeiro para Brasília e a ampliação da malha rodoviária é que as relações esboçaram uma

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modernização. Mas, a parte o serviço doméstico, estamos, em geral, à espera de um patrão que nos

provenha e nos mostre o que fazer, ainda que paguemos um preço alto por isso. Como escreve

Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala “esta força, na formação brasileira, agiu do alto das

casas-grandes, que foram centros de coesão patriarcal e religiosa: os pontos de apoio para a

organização nacional” (FREYRE, 1946, p. 24). Da mesma forma, a sociedade busca modelos de

prosperidade e de desenvolvimento nos países ricos que aparecem na mídia como a terra abençoada,

onde há poucos problemas, todas as pessoas vivem bem e dignamente, e os direitos civis são

plenamente respeitados. A mídia conta, mas não enfatiza, o fato de que no ano de 2006, nos Estados

Unidos, houve um aumento de 12,7% na pobreza do país, segundo o próprio censo norte-americano

(WEBSTER e BISHAW, 2007, p. 3).

Convencer os brasileiros de que a constante prosperidade dos Estados Unidos é verdade

é uma tarefa relativamente simples para a mídia e para a televisão que atua em duas vertentes

principais: o jornalismo e os filmes de ficção – a maioria dos que chegam às telas brasileiras são

produzidos neste país. Ainda que pretenda retratar a realidade, o jornalismo parece ter abandonado

sua função principal para se debruçar na ficção produzida nas redações. Capturado pelos ideias das

empresas de comunicação para as quais trabalham, os jornalistas retratam uma realidade forjada que

pouco tem a ver com o que acontece na vida da maior parte das pessoas. Em muitos casos, não

presenciam os fatos que noticiam, usam os depoimentos das testemunhas para descrever o que

aconteceu e partem do pressuposto de que estes depoimentos e percepções alheias coincidem com

os fatos – dá menos trabalho do que fazer uma apuração bem feita. De volta à redação, usam as

tintas do texto jornalístico para construir a reportagem. Editam (o que significa, selecionar) as

informações que conseguiram, descartando o que, nas suas concepções, não interessa e adéquam o

texto ao espaço que o editor-chefe concede. A edição de texto ou de imagens tem o poder de mudar

a sequência cronológica dos acontecimentos, o que altera o sentido dos fatos. Mas a todas estas

práticas, o jornalismo dará o nome de reflexo sobre a realidade.

Mesmo que se postule que a representação revela alguma coisa do real, é preciso ter em mente as condições em que ela emerge. Basta lembrar que o autor já carrega em si certos implícitos de representação; o resultado, a representação, constitui, portanto, uma criação destinada a um ou mais receptores. (SATO, in CASTRO e GALENO – org. , 2002, p. 31)

A TV omite a autoria, dissimula a manipulação e simula a espontaneidade. Realidade e

representação do real é uma dualidade que sempre está presente em textos jornalístico, uma vez

que, como já dissemos, poucos profissionais da área conseguem efetivamente ser testemunhas, eles

próprios, dos fatos que relatam, e mesmo que o fossem retratariam a sua visão particular dos fatos.

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Hoje, a imagem é fator importante nas reportagens e serve para endossar o que o texto expõe, mas

mesmo a imagem, seja em movimento ou não, representa apenas uma fração da história relatada e

não toda a história. O jornalismo ainda se aproxima da ficção quando pretende ser factual.

[...] o relato jornalístico sempre tem contornos ficcionais: ao causar a impressão de que o acontecimento está se desenvolvendo no momento da leitura, valoriza-se o instante em que se vive, criando a aparência do acontecer em curso, isto é, uma ficção. Além disso, o jornalismo, produto industrial, precisa de esquemas para a captação de notícias, dos quais a fonte é uma das principais. As fontes podem construir posições estereotipadas [...] (SATO, 2002, p. 31 a 32).

Os esteriótipos são intencionalmente manipulatórios ou ideologicamente

comprometidos. Assim, o jornalismo relata um testemunho particular de um acontecimento, um

único olhar. O ser humano geralmente não é capaz de ter uma visão global de acontecimentos que

apresentem muitas vertentes. Nossa percepção é limitada ao que vemos e, algumas vezes, mesmo

que estejamos presentes nos acontecimentos esta percepção pode ser destorcida por fatores

emocionais. Um olho que tudo vê só é possível com ajuda da técnica eletrônica. É esse o papel dos

sistemas de vigilância por câmeras de vídeo ou das coberturas televisivas de grandes eventos. O fato

de que as imagens em movimento da televisão e do cinema têm mais a ver com ficção do que

realidade pode ser constatado, por exemplo, em uma transmissão de desfiles de escolas de samba no

Rio de Janeiro ou em São Paulo. Grandes eventos merecem diversas câmeras posicionadas em

pontos totalmente distintos uns dos outros. Esta múltipla visão é impossível para um único ser

humano, o que torna tais transmissões uma distorção da realidade possível. Somente com o auxílio

da tecnologia das telecomunicações podemos estar em diversos pontos de um desfile de escolas de

samba, de uma partida de futebol ou de um confronto armado num país em guerra. Podemos ver e

vivenciar uma realidade diferente da qual ficamos reféns já que os acontecimentos e os ângulos de

visão apresentados nos parecem verossímeis, apesar de muitas vezes não representarem a realidade

de fato.

Neste mesmo raciocínio, podemos imaginar que conflitos armados de todos os tipos em

qualquer do País ou no exterior representam o dia a dia daquele lugar. É o que acontece, por

exemplo, na cidade do Rio de Janeiro que vive o drama do narcotráfico, fartamente noticiado pela

mídia e explorado em filmes nacionais e séries para a televisão. Para o resto do País, a cidade do

Rio de Janeiro virou sinônimo de violência, o que amedronta as pessoas que conhecem esta

realidade apenas pela televisão ou pelo cinema. Poucos se perguntam: “Se o Rio vive numa

incessante batalha entre traficantes de drogas e a polícia, como os cariocas são capazes de sair a rua,

levar seus filhos à escola ou ir ao trabalho? Será que esta gente vive trancada dentro de casa com

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medo das balas perdidas?”. Muitos cidadãos de lugares violentos também acabam aterrorizados

pelo que assistem na televisão, ou leem nos jornais, e se trancam em suas casas sem perceber que os

conflitos armados são localizados o que não significa necessariamente que uma chacina em

determinado bairro determine um amplo aumento da violência local. Normalmente, são fatos

isolados.

Se o mistério sobre pânicos infundados inclui o fato de como eles são vendidos a pessoas que sofrem perigos reais com os quais devem se preocupar, no caso de temores mais justificáveis a questão é um pouco diferente. Nós temos de ter preocupações com a criminalidade, o consumo de drogas, o abuso de crianças e outras calamidades. A questão é: como nos atrapalhamos tanto sobre a verdadeira natureza e extensão desses problemas? Em grande parte, a resposta está em histórias como a que foi divulgada em 19 de março de 1991. Se alguém lesse um jornal ou ligasse a televisão ou o rádio naquele dia ou nos dias seguintes, acharia que as ruas dos Estados Unidos eram mais perigosas que uma zona de guerra. A imprensa sentiu-se estimulada em dar essa notícia extrema não por causa do aumento de crimes violentos, mas por um evento dramático. A Guerra do Golfo tinha acabado de terminar, e um soldado recém-chegado em Detroit foi morto por um tiro do lado de fora do prédio em que morava (GLASSNER, 2003, p. 75).

A suposta tragédia da morte do soldado foi publicada na primeira página do Washington

Post que descrevia uma antiga pacata rua da cidade de Detroit que havia se transformado em um

ponto de venda de drogas e criminalidade. O jornal anunciava a suposta tragédia em tom dramático.

“[…] E, às 2h15 da madrugada de segunda-feira, os tiros mataram o soldado Anthony Riggs, algo

que todos os mísseis Scud iraquianos não conseguiram fazer durante os sete meses que ele passou

em uma bateria de mísseis Patriot na Arábia Saudita” (GLASSNER, 2003, p. 75). Os jornalistas só

não se deram ao trabalho de apurar melhor, se o fizessem, desconfiariam de um drama tão perfeito –

digno que qualquer filme barato. Na verdade, a repercussão da história fez com que a polícia

descobrisse que o assassino era o cunhado do soldado, ávido em receber parte do seguro que a

mulher do militar tinha feito antes que ele partisse para a guerra e que tinha prometido dividir com o

irmão.

Criar realidades estereotipadas é uma das características da mídia em geral e uma

especialidade da televisão e do cinema. A relação dessas duas áreas será descrita com maior

profundidade mais adiante, mas pode-se dizer que tanto a televisão como o cinema têm uma grande

capacidade de forjar novas realidades. E já que o precursor foi o cinema, foi aí que a técnica se

desenvolveu. Na primeira exibição pública em 28 de dezembro de 1895, no Grand Café em Paris, o

público pôde assistir a pequenos filmes sem um roteiro dramático, apenas imagens em movimento.

Um destes filmes, com câmera parada, mostrava uma locomotiva que se dirigia em direção ao

público e dava a impressão que passaria por cima da platéia. O susto foi grande. Não eram apenas

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as imagens em movimento que cativavam as pessoas, mas o sentimento que elas provocavam.

É aí que residia a novidade: na ilusão. Ver o trem na tela como se fosse verdadeiro. Parece tão verdadeiro – embora a gente saiba que é mentira – que dá para fazer de conta, enquanto dura o filme, que é de verdade. Um pouco como num sonho: o que a gente vê e faz num sonho não é real, mas isso só sabemos depois, quando acordamos. Enquanto dura o sonho, pensamos que é verdade. Essa ilusão de verdade, que se chama impressão da realidade, foi provavelmente a base do grande sucesso do cinema [grifos do autor] (BERNARDET, 1985, p. 12).

A diferença inicial entre as duas produções audiovisuais é que, enquanto a experiência

cinematográfica da audiência acontece em uma sala escura, longe da luz, do barulho e de todos os

atrativos visuais do cotidiano, a TV está em nossos lares, ligada o dia inteiro. Neste sentido,

propicia uma constante “impressão da realidade” com a qual nos acostumamos e que passa a fazer

parte do nosso dia a dia. Com suas origens no Rádio, a televisão fala mais do que mostra, e mesmo

aquilo que é mostrado também é descrito com palavras para que o expectador não precise estar

sentado constantemente a frente do aparelho para saber qual é a programa em exibição. O hábito de

ouvir televisão (e assistir quando alguma informação sonora nos atrai) determina a presença

constante da TV durante o tempo em que estamos em casa. Este envolvimento cria um vínculo, uma

espécie de dependência para conseguir as informações que precisamos ter do mundo.

Um mundo que nos é apresentado, geralmente, como algo perigoso, quando assistimos a

um telejornal, ou como algo que brilha como um produto novo, quando se apresentam as

telenovelas, os programas e os filmes, normalmente produzidos nos Estados Unidos. A TV nos faz

crer em coisas incríveis como a forma constantemente glamorosa e a vida sadia e próspera dos

norte-americanos. Nos filmes exibidos pela televisão, os estrangeiros são na maior parte do tempo

pessoas que vivem muito bem, que possuem casas e carros confortáveis e pouco têm a ver com a

miséria e o “subdesenvolvimento” do povo brasileiro. É possível revelar suas qualidades e esconder

seus problemas através de filmes de ficção. Aí, é criado o padrão de felicidade que se associa ao

consumo de bens e serviços.

Os Estados Unidos representam 30% do consumo e 25% do produto interno bruto

mundial (CONSUMO MUNDIAL, 2008). Nosso padrão televisivo foi copiado dos norte-

americanos e a possibilidade de vender produtos por este veículo seguiu as normas estrangeiras. A

proposta era enxergar o mercado como algo uniforme e seguir a ideia de criar um veículo voltado

para a massa. Neste caso, nem seria preciso que este aglomerado humano tivesse a capacidade de

compreensão da escrita. Em 1950, quando a TV Tupi inaugurou as transmissões televisivas no

Brasil, falar e mostrar passou a ser uma maneira muito mais eficaz de convencer a população

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brasileira da época com pouco menos de 52 milhões de habitantes (BRASIL, 2008, p. 2), dos quais

50,6% eram analfabetos (BRASIL, 2008, p. 24). A televisão representou um meio de fácil

compreensão e, na visão dos donos das emissoras, um meio eficaz de convencer uma massa

“iletrada”, manipulável e que possuía um suposto comportamento linear.

3.2. A ASCENSÃO DA BURGUESIA E A SOCIEDADE DE MASSA.

A partir dos anos 1960, surge o termo sociedade de massa, caracterizado para definir

uma sociedade que passa a se desenvolver junto às tecnologias da informação e das

telecomunicações. Estas novas tecnologias faziam com que as pessoas pudessem participar como

espectadores de eventos distantes de seu cotidiano. As imagens começaram a gerar controvérsia a

partir de eventos como a Guerra do Vietnã (1959 a 1975), primeiro combate armado internacional

televisionado. Os espectadores se sentiram participantes do conflito que virou tema de discussão

mundial. Talvez esta tenha sido a primeira vez que a TV gerou um discurso e uma troca com a

audiência que extrapolava o seu controle – uma espécie de “conversa”.

O professor estadunidense James W. Carey, teórico da Comunicação e crítico da mídia,

entendia que a vida é uma conversa, que para compreender as bases e o caráter da ordem social é

necessário começar por refletir sobre a capacidade dos seres humanos de pensar e fabricar símbolos

e então, a partir daí, construir uma ordem simbólica compartilhada. Conversa, aqui, ganha um

sentido mais amplo daquele do nosso cotidiano das ruas ou das mesas de bar. O sentido dado pelo

pesquisador é o produto da experiência ou do encontro entre a inteligência humana e a natureza e o

reflexo deste encontro nas relações entre os homens. Uma forma de escolarização, momento em que

aprendemos com o mundo ao nosso redor, e aí também entra a televisão com suas novelas,

programas em geral e telejornais. David Thornburn, professor da Faculdade de Literatura do

Massachusetts Institute of Technology e diretor do Communications Forum, da mesma instituição,

escreve no prefácio do livro Communication as culture: essays on media and society, de James W.

Carey:

Cultura não é um processo de mão única, assim flui o contínuo subtexto de Carey. Um modelo “de progresso” é similarmente redutivo, mascarando uma base racional para estabelecer poder e maneiras de pensar e também entender o individual e o comunitário, as dimensões interativas da cultura [tradução nossa] (CAREY, 2009, p. vii e viii).

A televisão não pode ser considerada um meio de comunicação a partir da definição

básica de que este processo exige uma troca imediata de informação entre dos agentes em igual

condição, mas podemos propor que ela provoque a comunicação humana a partir dos temas que

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expõe, inclusive em relação de consumo. Neste sentido, desenvolveu-se a partir dos anos 1970 a

teoria do agendamento que investiga o nível de poder que a mídia exerce no agendamento da

população. É importante lembrar que muitos trabalhos de pesquisa relativos à mídia (em especial, à

televisão, a partir dos anos 1950) e, principalmente aqueles desenvolvidos entre os anos 1960 e

1980, levam em consideração a existência de uma “massa”. Daí o termo “comunicação de massa”

que faz crer na existência de uma massa compacta e uniforme que tem as mesmas respostas e o

mesmo comportamento previsível. Os teóricos desta época basearam seus estudos nas teorias

sociais e de comportamento e deixaram de lado as teorias que abordavam a cultura e a teoria crítica

e são estas exatamente as questões históricas da cultura que promovem o movimento social.

A teoria da cultura de massa prevê a dominação de uma classe sobre a outra. Num

processo histórico, a cultura burguesa ascendeu à condição dominante, nutrida nas sociedades pré-

capitalistas, feudais, e foram necessários séculos para que se consolidasse nessa condição.

A cultura burguesa, ainda que a consideremos somente a partir da sua primeira manifestação aberta e turbulenta, isto é, a partir do Renascimento, existe há cinco séculos, mas só atingiu o seu completo florescimento no século XIX, ou, mais precisamente, na sua segunda metade. A história mostra que a formação de uma nova cultura em torno de uma classe dominante exige considerável tempo e só alcança a sua plena realização no período que precede a decadência política dessa classe (TROTSKI, 2007, p. 34).

Nos séculos XVI e XVII, o sistema de governo na Europa era denominado Antigo

Regime onde vigorava a estratificação em ordens, herdada da Idade Média. Todos os privilégios de

uma sociedade não democrática pertenciam ao clero e à nobreza, os não privilegiados fazem parte

do Terceiro Estado, formado por lavradores e a burguesia. Os habitantes das cidades se dividiam

entre os burgueses, artesãos, organizados em grêmios e confrarias, os comerciantes, que se

organizavam em guildas, e a plebe urbana, população de baixa renda da cidade. Pela diversidade,

esta população não representava uma classe, mas sim uma “ordem” que financiava o clero e a

nobreza através do pagamento de impostos. Mas a representação social do Terceiro Estado

aumentou rapidamente em consequência da conduta de seus membros na nação e no Estado,

basicamente pelo desempenho dominante da burguesia que crescia em todos os domínios do

desenvolvimento cultural. O exemplo claro está na arquitetura (que exprime a cultura de uma

época) que, neste caso, resultou no Renascimento do século XV que surge antes da criação do

Terceiro Estado. Assim, pode-se entender que o desenvolvimento da burguesia como classe se

desenvolvia paralelamente num processo histórico de séculos.

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Do Renascimento e da Reforma, que deviam criar condições de existência intelectual e política mais favoráveis para a burguesia na sociedade feudal, à Revolução, que lhe transferiu o poder (na França), decorreram de três a quatro séculos de crescimento das suas forças materiais e intelectuais. A época da grande Revolução Francesa e das guerras que com ela nasceram rebaixou, temporariamente, o nível material da cultura. Em seguida, porém, o regime capitalista se afirmou como natural e eterno. Assim, as características sociais da burguesia como classe possuidora e exploradora determinaram o processo fundamental de acumulação dos elementos da cultura burguesa e de sua cristalização num estilo específico. A burguesia não só se desenvolveu materialmente no seio da sociedade feudal, entrelaçando-se de várias maneiras e apossando-se das riquezas, como também colocou ao seu lado a intelligentsia, para criar pontos de apoio culturais (escolas, universidades, academias, jornais, revistas), muito tempo antes de abertamente se assenhorear do poder, à frente do Terceiro Estado. Basta lembrar que a burguesia alemã, com a sua incomparável cultura técnica, filosófica, científica e artística, deixou o poder nas mãos de uma casta feudal e burocrática até 1918 e só se decidiu, ou, mais exatamente, só se viu forçada a tomar diretamente o poder quando o esqueleto material da cultura alemã começou a despedaçar-se (TROTSKI, 2007, p. 36 e 37).

Este processo histórico que determinou a formação da atual classe dominante deve ser

observado quando nos debruçamos em questões como a “cultura de massa”. A mídia atua com bases

em um consenso a respeito dos valores da cultura dominante, sobre o aval que a maior parte da

população concede a respeito do que é bom e do que é ruim. Este julgamento de valores parte do

conceito determinado de cima para baixo e, como vivemos em uma sociedade capitalista onde o

dinheiro ganha um poder de satisfação muito acima do real, a sociedade como um todo se volta

principalmente para a conquista dos bens que o dinheiro pode comprar. Visto assim, a população de

baixa renda, com pouco acesso à uma escolaridade abrangente e efetiva, maioria do povo brasileiro,

acaba incluída pela mídia num caldeirão uniforme, numa noção monolítica de cultura.

Não podemos dizer que o conceito de unidade de um grande grupo de pessoas seja uma

invenção do sistema capitalista. Em outras épocas surgiram tentativas de manipulação coletiva –

podemos citar a Alemanha pré-nazista, em 1918, quando o Partido Social Democrata assumiu o

governo e proclamou a República de Weimar; ou mesmo durante a Revolução Socialista na Rússia,

em 1917. Mas estamos tratando da forma como a televisão educa e este fato se desenvolve no

mundo capitalista, baseado numa economia em larga escala e que precisa, igualmente, de um

consumo em larga escala. O desenvolvimento do Estado neste sistema econômico determina uma

dupla consequência – ao mesmo tempo que o crescimento coloca um maior poder de dominação

numa única classe, também propicia maiores condições de combate a esta dominação. A tensão de

forças se coloca aqui mais uma vez e coloca em xeque uma possível unidade incondicional de uma

massa de pessoas.

O processo de industrialização criou a produção em massa, seu exemplo mais conhecido

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é a fabricação do Ford T, pela fábrica dos Estados Unidos que, a partir de 1913, ganhou uma linha

de montagem e a produção em série que revolucionou a indústria automobilística. Fabricar muitas

unidades de um mesmo produto se tornou a maneira de reduzir o preço de cada unidade e vender

mais no atacado. Este processo de fabricação exigiu, no início do século XX, que muitos

consumidores se sentissem atraídos pelos poucos modelos existentes no mercado e isso valia para

toda a indústria que, ao optar pela quantidade, pelo número de unidades produzidas, abria mão da

variedade.

Nos Estados Unidos, que são os precursores da produção em larga escala, criou-se a

ideia do consumidor médio, aquele que tinha o perfil da classe média e, nos anos 1950, quando a

televisão surgiu no país norte-americano, muitas pessoas possuíam um emprego estável, esposa

(marido) e filhos. Os típicos cidadãos, e cidadãs, de bem, com empregos fixos e poder de compra,

se tornaram modelos das agências publicitárias e eram a eles que os bens de consumo e os serviços

se dirigiam majoritariamente. Os fabricantes se sentiram confortáveis em produzir poucas variações

de um automóvel, sapato, ou cadeira já que sabiam, ou pensavam saber, exatamente o que os

consumidores esperavam. Como já dissemos, um Estado forte, construído pelo capitalismo,

determina um maior poder de dominação. Mas esta dominação não poderia ser autoritária, mas

consentida e endossada pelos dominados, já que o capitalismo se alia a ideia de democracia e de

livre iniciativa.

[…] o Estado moderno cresce em tamanho e complexidade, mas à medida que o capitalismo reforça a esfera da dominação direta cria, necessariamente, a base de uma sociedade civil poderosa. Isso porque, como classe dominante, a burguesia tem que subjugar o proletariado à sua autoridade e enfrentar a realidade cotidiana da luta de classes com o aparato repressivo de um Estado forte, centralizado; mas da mesma forma, a burguesia procura dominar a sociedade através de suas próprias instituições, construídas sobre a democracia parlamentar e sobre uma economia livre de mercado, conseguindo, assim, legitimidade não pela força, mas pelo consenso (SINGEWOOD, 1978, p. 3).

Dominação e democracia são termos que não deveriam combinar, mas numa sociedade

capitalista que prega a livre iniciativa eles devem conviver juntos. A democracia, nos moldes que a

conhecemos hoje, só é possível numa sociedade mercantil-capitalista.

De fato, para que uma forma política democrática se constituísse, era necessário que o trabalhador direto estivesse completamente separado das condições materiais da produção, de tal sorte que pudesse apresentar-se no mercado como vendedor de sua força de trabalho enquanto mercadoria. Portanto, era necessário que ele se apresentasse como alguém dotado de capacidade jurídica, como um sujeito de direito capaz de exprimir a sua vontade e, assim, celebrar um contrato de compra e venda. Ao acordar com o capitalista as condições de venda de si mesmo por um

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tempo certo, ele realiza as determinações da liberdade e da igualdade. Da liberdade, porque só na condição de homem livre é que ele pode dispor do que é seu; da igualdade, porque ele troca valores equivalentes em condição de reciprocidade face ao outro; da propriedade, porque ele comercializa aquilo que é seu, aquilo de que pode dispor (NAVES, 1997, p. 58 e 89).

Se este é o verniz da política capitalista democrática dos países do Ocidente, a

realização plena dos direitos acima descritos impossibilitariam a situação de dominação. Mas o fato

de uma classe social ter ascensão sobre outras não pode ser revelado abertamente e, para isso, cria-

se um Estado impessoal, que não favoreça a nenhum grupo em particular mas, ao contrário, seja o

pai de todos e possua uma autoridade pública. Mas o processo de hegemonia nunca será total

porque sempre existirá o caráter dialético da experiência social. No capitalismo moderno, o

processo de adesão ao sistema se dá em constante conflito de forças. Ainda que hoje em dia não se

percebam movimentos de revolução que romperiam drasticamente com o sistema, existem sempre

movimentos de adesão e afastamento. É o que se vê no terreno da política partidária.

Quando militantes da causa pública se recolhem, abandonam a frente de batalha e desistem da luta, cansados, decepcionados; quando o povo deixa de acreditar que a felicidade pode advir da coisa pública; quando, por desilusão do coletivo, só se procura a felicidade no sucesso individual; quando não é mais a comunidade política que pode oferecer segurança, mas a comunidade familiar, então a política é esquecida. A política é doravante deixada aos políticos profissionais, eleitos e pagos para isso (é o trabalho deles, não o nosso) e os cidadãos se tornam indivíduos dispersos, deixados por conta própria. Nas mentalidades, é uma espécie de volta a um estado pré-político. Uma admissão do fracasso da política (WOLFF, 2007, p. 67).

O Estado não controla os movimentos de integração social que passam pela organização

de classes. Da mesma forma, uma mídia que passou a fazer parte do cotidiano não consegue

impedir um movimento verdadeiramente social que vem de baixo para cima. A eleição do

presidente Luiz Inácio da Silva, em 2002, é um exemplo disso. Lula enfrentou o economista José

Serra, candidato oficial, duas vezes ministro de Fernando Henrique Cardoso e uma das principais

lideranças do PSDB, que contou com o apoio incondicional da mídia e da classe dominante.

Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Lula obteve cerca de 53 milhões de votos – 61% dos

votos válidos (OPOSIÇÃO E GUINADA, 2002).

Em 2006, o candidato do Partido dos Trabalhadores conseguiu a reeleição apesar da

quantidade e da intensidade das críticas da mídia a respeito de atos de corrupção do PT. Aqui não se

busca inocentar o partido, mas sim mostrar que a mídia, diferente do que muitos possam pensar, não

tem todo o poder. A principal questão seria o quanto é possível manipular o público.

Essencialmente, temos o conceito de que uma massa seria um bloco inefável e amorfo colonizado

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pelo fetichismo extremo do mercado, da mercadoria e do consumo. Por outro lado, algumas

pesquisas de recepção nos dizem que são diversos os fatores que levam às respostas que derivam de

um determinado estímulo. Na década de 1990, foram “realizadas 1.769, entre teses e dissertações

nos 11 Programas de Pós-graduação em Comunicação existentes, então, no Brasil […]” (JACKS,

2006, p. 31). Destas, 20 pesquisas são sobre recepção televisiva e 16, com abordagem sociocultural,

que é o enfoque que nos interessa e que entendemos como relevante porque leva em conta não

apenas a condição social, como outros fatores que interferem na recepção que, como escreve Jacks

(2006, p. 32) “não se restringe ao momento de assistir televisão, começando bem antes e

terminando bem depois deste ato”.

O entendimento sobre o emissor é que ele não é onipotente, mas que sua ação não pode ser desconsiderada, mesmo reconhecendo que a recepção não é automática, embora raros trabalhos preocupem-se em explicar e analisar este âmbito do processo. Em todo caso, as mensagens são entendidas como de caráter polissêmico, ainda que na maioria das vezes haja um ou alguns significados predominantes, pois o contrário implicaria subestimar a força da determinação textual na construção do sentido e a idealização do papel do leitor (JACKS, 2006, p. 33).

Ainda que o universo de espectadores que estas poucas pesquisas abrangem seja

reduzido, pode-se supor que aqui encontra-se uma brecha para, em questões relativas ao incentivo

ao consumo, confirmar a ideia de que os cidadãos podem desenvolver uma atitude crítica em

relação à televisão e que isto possa ser refletido numa sala de aula. Sem querer atribuir mais uma

função ao professor, entendemos que ele pode ser um agente na motivação desta postura crítica que

determine a percepção de que nem tudo o que é apresentado na TV é verdadeiro, além de negar o

conceito de cultura de massa como unificador de sentidos, um conceito que surgiu com o processo

de industrialização.

A partir da metade do século XVIII, o desenvolvimento do capitalismo e do conceito de

“sociedade de massa” trouxeram a noção de que, além dos povos de uma mesma nação, havia um

enorme grupo de pessoas com as mesmas características de consumo, sem que fronteiras nacionais

as diferenciassem. A revolução industrial determinou uma mudança da sociedade que não mais se

amparava em princípios de hereditariedade e nos tradicionais valores de dependência, a partir daí,

forma-se a idéia de igualitarismo que gera um crescente individualismo. Um grande grupo de

indivíduos independentes e que enxergam no outro mais um adversário do que um companheiro se

tornaram um atraente mercado de consumo que não necessita apenas ter suas necessidades

atendidas, mas que enxerga na compra de produtos uma forma de diferenciação do grupo. Ter,

possuir coisas, se transformou numa maneira de mostrar superioridade. Mas se de um lado os

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indivíduos se isolam e competem, por outro ganharam uma certa liberdade de escolha com um

maior acesso a produtos e serviços, o que não ocorria antes da revolução industrial.

[…] com a elevação dos padrões educacionais e o aumento do lazer e da riqueza, a sociedade industrial contemporânea cria condições de alto consumo de massa: um número cada vez maior de pessoas se “qualificam” na arte de consumir os produtos da “alta cultura”, pelo que ficou evidenciado pelas grandes vendas de clássicos em brochuras e de discos clássicos (SINGEWOOD, 1978, p. 20).

3.2.1. A mídia e a construção das massas.

A mídia tem especial atuação em todo este processo, na verdade, ela é um de seus frutos

e passou a ser encarada com um sentimento de pertencimento pela população. As empresas de

comunicação detém certo poder de controle sobre a forma como apresentam o mundo, mas, como

em toda representação, apresentam um mundo distorcido que por vezes convence o público, por

vezes, não. As empresas buscam a participação popular uma vez que que a mídia necessita da

atenção e da aprovação do público que, como já foi dito, é o seu principal patrimônio a ser

oferecido aos anunciantes e ao Estado. Esta tensa relação de forças faz com que a população se

sinta, de certa forma, atuante na mídia, o que gera o tal sentimento de pertencimento.

A mídia se curva em certos momentos à vontade do público, mas lembremos que

representa os interesses da classe dominante e procura determinar a consciência social, de caráter e

costumes, a partir de um modelo que vem de cima para baixo. A denominada “alta cultura” rejeita

as manifestações da cultura popular e, no máximo, lhe dá algum valor sob o nome de “folclore”.

Estes valores acabam assimilados por grande parte da massa popular que acaba por rejeitar a sua

própria maneira de ser num processo de auto preconceito e de valorização daquilo que não lhe

pertence, nem nunca pertencerá – apesar de esta fantasia de possuir os produtos típicos da classe

rica lhes possa parecer um sonho invejável, o de viver como aqueles que têm dinheiro. Desta forma,

o povo acaba dominado com o seu próprio consentimento. Não importa que a sociedade de

consumo não lhes recompense moralmente, a promessa de felicidade através do consumo de bens

lhes parece suficiente.

Por outro lado, a crescente insatisfação diária faz esticar a corda. Talvez ainda estejamos

longe do seu rompimento, mas o fato é que apesar das novas tecnologias eletrônicas usadas na

televisão (ou pelo rádio, jornais e revistas impressas, cinema e internet) permitirem a transmissão

confiável a grandes distância e a dezenas, centenas de milhões de pessoas não significa

necessariamente que esta transmissão seja recebida uniformemente por este mesmo número de

espectadores. A pergunta é: como os espectadores recebem os diversos tipos de informação – sejam

jornalísticas, relativas a comportamento ou a venda de produtos? O quão relevante as informações

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se tornam para as suas vidas e como eles reagem frente a elas é o que realmente está em questão.

A mídia vende ideias com a intensão de que sejam assimiladas pelos espectadores /

consumidores. Como já citamos, com base na teoria da agenda setting, a mídia espera ter poder

suficiente para determinar aquilo que as pessoas devem pensar e o aumento da oferta e do

consequente acesso a estas informações deveria, em tese, aumentar este poder de controle sobre o

agendamento das questões públicas. Mas parece que a lógica não funciona tão bem assim na

prática.

Estudos realizados no Estados Unidos pelo Pew Research Center, em abril de 2007,

instituição que fornece informações sobre questões, atitudes e tendências que estão moldando o país

norte-americano e o mundo mostraram que o aumento da oferta de informação a partir dos anos

1980 com a criação de canais de televisão a cabo exclusivamente dedicados às notícias e a expansão

do acesso à internet não determinaram uma representativa diferença de conhecimento sobre os

assuntos internos dos Estados Unidos, como política e economia entre os diferentes grupos sociais –

com referência a escolarização, nível de renda mensal e etnias branca e negra (TRENDS, 2007). O

recente estudo pode nos apresentar motivos para duvidar do determinismo que faz com que as

pessoas realmente estejam pensando naquilo que a mídia espera e, além disso, nos faz questionar

sobre a verdadeira existência do conceito de massa.

Os textos de James W. Carey, escritos nos anos 1980, colocam em questão a herança

mítica do senso comum sobre “comunicação”, “mídia de massa” e “revolução eletrônica”. No

século XXI, estas noções aparecem com ainda mais força. Em citação apresentada na introdução

deste trabalho, a professora doutora Maria da Graça Jacintho Setton, graduada em Ciências Sociais

pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, escreve que “para o bem ou para o mal, a

comunicação de massa está presente em nossas vidas, transmitindo valores e padrões de conduta,

socializando muitas gerações” (SETTON, 2002). Declarações como estas sugerem, basicamente,

que o desenvolvimento da informática tenha potencializado a presença da mídia nas nossas vidas.

Uma tendência que talvez siga a ideia de que esta tal “revolução eletrônica” tenha sido

de fato determinante no comportamento social se baseia nos fatos de que (1) a informática esteja

realmente difundida entre a população de todas as classes, de todos os cantos do País; (2) que a

maioria das pessoas estejam capacitadas para lidar com os recursos da informática; e (3) que os

avanços tecnológicos tenham realmente ampliado o poder de comunicação entre as pessoas. Sem

querer se aprofundar na questão, podemos especular sobre verdadeiro sentido social da informática

e da internet. O pesquisador Doug Sculer, vinculado à organização norte-americana Computer

Professionals for Social Responsability (Profissionais de Computação para a Responsabilidade

Social) deu uma entrevista sobre o assunto ao jornal Folha de S. Paulo.

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Os efeitos que a tecnologia terá na sociedade dependerão das decisões tomadas ao longo de seu curso. A internet pode se tornar uma rede televisiva, ou seja, uma comunicação de mão única, se não for conscientemente usada como ferramenta para o desenvolvimento humano. A inteligência cívica diz respeito às pessoas coletivamente comprometidas com a proposta de tentar tomar as decisões corretas. […] Acho que a sociedade civil e as pessoas interessadas na educação, no desenvolvimento e em direitos humanos têm de se fazer ouvidas. Não queremos só entretenimento (BARROS, 2005).

A diversão faz parte do dia a dia das pessoas e grande parte desta diversão é encontrada

nos meios audiovisuais. A nova tecnologia de captação e exibição de filmes em 3D (3 dimensões)

têm levado o público de volta às salas de cinema. A indústria promete que ela também chegará em

breve aos televisores. Mas a grande diversão popular ainda está em casa, na tela das simples

televisões analógicas, uma vez que o mundo digital ainda apresenta um custo que está fora do

alcance do brasileiro médio, ou de baixa renda. Através da TV, a diversão visual se tornou um

produto a ser comercializado. A noção de artista também ganha um novo significado num mundo

onde foi criado um gigantesco mercado da diversão que, segundo a empresa de auditoria Price

Water House Coopers, movimenta uma média de 726 bilhões de dólares por ano apenas nos Estados

Unidos (PRICE WATER HOUSE COOPERS GLOBAL, 2009). Em entrevista ao médico e ator

Vitor Pordeus, coordenador do Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde da Secretaria Municipal de

Saúde e Defesa Civil da cidade do Rio de Janeiro, o diretor de teatro Amir Haddad dá a sua

definição da função do artista.

Artista, conforme entendemos hoje, modernamente, é um conceito da burguesia, deste mundo capitalista, pragmático, da burguesia protestante. O artista também começa a ser formado segundo os valores que regem esta ética. Nesse sentido, este artista da burguesia não tem papel nenhum. O papel dele, por falta de consciência, é a manutenção das coisas – ele é o pão do circo. […] Por isso, não podemos impunemente falar do papel do artista sem definir um pouco o que é o artista. Fico vendo que qualquer pessoa pode se dispor a trabalhar a sua criatividade, a sua sensibilidade, ser capaz de dominar os seus recursos expressivos a ponto de comunicar coisas mais importantes entre um ser humano e outro, aprofundando os níveis de relação que existem. Todas as pessoas que são capazes disso têm um papel importante na transformação que estamos vivendo agora. Não há de ser a economia que vai trazer a saída para a gente, vai ser preciso muita imaginação. Nós estamos vivendo um final de tempos. A crise econômica é grande no País e no mundo, mas a crise moral é maior. […] Há uma função social maior da arte que não é enxergada como produto. A vida cultural não é produto cultural. Tem um tipo de exercício de sensibilidade que se faz através das ferramentas que a vida cultural desenvolveu, mas não é necessariamente um produto [transcrição nossa] (HADDAD, 2010).

Mesmo que a indústria do capital deseje transformar tudo em produto, ainda é possível

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pensarmos que a produção humana, pessoal ou coletiva, não precisa ser empreendida para,

necessariamente, gerar lucro financeiro. Pressionados pela ordem atual das coisas e pela mídia,

buscamos satisfação na realização profissional e financeira e deixamos de lado projetos pessoais ou

de grupo que poderiam se destinar a um outro tipo de lucro que geraria um real bem estar humano.

Seria impossível pensar em viver sem remuneração ou sem poder de compra em um mundo

capitalista. O que se coloca aqui é que podemos usar parte da nossa força produtiva para outros fins,

inclusive aquele que poderia gerar uma sociedade melhor, onde um maior número de pessoas teria

acesso a educação e saúde de primeira linha, e a uma melhor qualidade dos serviços públicos.

Mas hoje em dia o que se vê é a divulgação de que são os bem materiais que podem

trazer mais felicidade às pessoas, não importa quem sejam, onde vivam ou a que cultura pertençam.

E o sonho da indústria é que o maior número de pessoas possível possa consumir exatamente a

mesma coisa – é o que tentam fazer as grandes cadeias de fast food, por exemplo. “Comida de

qualidade e feita de forma higiênica” é o que prometem, respeitando pouco as diferenças de cada

país, região, cidade ou comunidade. Esta é a origem da sociedade de massa e da comunicação de

massa, que procuram homogeneizar o consumidor.

Os promotores desta filosofia se esquecem que as questões locais permanecem como

determinantes no comportamento das pessoas e nas suas relações sociais. A televisão aberta tem um

grande papel em desenvolver um mundo homogêneo, e para entendermos como se dá este

mecanismo, é preciso contextualizar o surgimento da televisão no Brasil e as estratégias que ela

adotou com o intuito de conquistar a audiência e conseguir consumidores para os produtos e

serviços anunciados.

3.3. O DESENVOLVIMENTO DA TV BRASILEIRA E DO MERCADO DE CONSUMO.

A televisão brasileira se apresentou em pré-estréia para alguns poucos convidados no

dia 3 de abril de 1950. Era uma transmissão experimental, “a apresentação de Frei José Mojica,

padre-cantor mexicano” (TUDO SOBRE TV, 2006), mais uma empreitada do maior empresário da

mídia na época Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, que previu, antes que qualquer

um, uma possibilidade comercial de ouro para um país que à época contava com cerca de quase 54

milhões de habitantes (MOREIRA, 2009). Não é por acaso que um padre marcou a inauguração. Ao

invocar um símbolo da igreja católica, a TV se mostra alinhada com instituições da super-estrutura,

e comprometida com o status quo.

A televisão nasceu como um veículo destinado a uma minoria pertencente à elite

brasileira, principalmente pelos altos custos dos receptores na época que chegou ao Brasil. Sua

inauguração passou pela inusitada situação de que não existia um aparelho sequer de recepção do

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meio eletrônico no País, o fato mostra um início improvisado e apressado, o que demonstra a

maneira de fazer negócios de Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, nos anos 1960

“um dois seis maiores grupos de comunicação do mundo” com “36 jornais, 18 revistas, 25 estações

de rádio e 19 de televisão” (NOBLAT, 2005, p. 36). Quem lembrou, atônito, a Chateaubriand o

“detalhe” da ausência de aparelhos receptores no País foi o engenheiro norte-americano Walther

Obermuller, diretor da NBC-TV, empresa que dava o suporte de produção e transmissão, e que viera

ao Brasil para supervisionar a inauguração da TV Tupi. Mas o dono da nova emissora não deu

importância à informação.

Chateaubriand disse para ele não esquentar a cabeça com aquilo, que no Brasil tudo tinha solução. Telefonou ao dono de uma grande empresa de importação e exportação e pediu-lhe que trouxesse por avião, dos Estados Unidos, duzentos aparelhos de TV, de modo que chegassem a São Paulo três dias depois. O homem explicou que não era tão simples: por causa da morosa burocracia do Ministério da Fazenda, um processo de importação (mesmo que fosse agilizado por ordem do presidente da República, como Chateaubriand sugeria) iria consumir pelo menos dois meses até que os televisores fossem postos no aeroporto de Congonhas. Chateaubriand não se assustou:- Então traga de contrabando. Eu me responsabilizo. O primeiro receptor que desembarcar eu mando entregar no Palácio do Catete, como presente meu para o presidente Dutra (MORAIS, 1994, p.500 e 501).

Eurico Gaspar Dutra fora empossado no dia 31 de janeiro de 1946, um presidente que se

alinhou com os conservadores. A declaração de Chateaubriand demonstra a sua ligação com os altos

escalões do poder, fato que o ajudou em sua ascensão como empresário da mídia. O Brasil de 1950

vivia o período conhecido como República Nova, instaurada em 1946 com a renúncia forçada de

Getúlio Vargas, que voltaria a ser presidente do Brasil entre 1951 e 1954, com um total de 18 anos

no poder. Chateaubriand também manteve uma estreita ligação com Vargas e não poupou esforços

para apoiá-lo em diversos momentos com a força dos seus jornais, revistas e rádios.

Depois daquela primeira transmissão experimental, a programação da TV brasileira só

esboçaria uma regularidade meses depois.

No dia 10 de setembro foi transmitido um filme onde Getúlio Vargas falava sobre seu retorno à vida política. Finalmente no dia 18 de setembro a TV Tupi de São Paulo, PRF-3 TV, canal 3, foi inaugurada. [...] Chateaubriand havia encomendado à RCA equipamento para duas emissoras de televisão. A antena foi instalada no edifício do Banco do Estado de São Paulo. “TV na Taba”, apresentado por Homero Silva, foi o primeiro programa transmitido. (HISTÓRIA, 2009).

O povo brasileiro estava acostumado ao rádio e a saída para as emissoras de televisão,

com uma programação ainda insipiente, foi adaptar para o novo veículo os programas que já eram

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transmitidos no rádio. Isso significa que no seu início a televisão não passava de um rádio com

imagens de estúdio – dos apresentadores e cantores. Poucas eram as cenas externas porque à época

era-se obrigado a usar câmeras com filmes de cinema (na verdade, as câmeras usavam películas de

16 mm, menores e mais baratas que as de 35mm, próprias para a grande tela) – o custo destas

filmagens, que não traziam consigo o som, era alto para os padrões da época. Por isso, a relação do

rádio com a televisão foi muito estreita no início e continua muito próxima nos dias de hoje. Os dois

veículos foram introduzidos no Brasil e eram, no início, privilégio das camadas ricas.

Definitivamente, podemos considerar 20 de abril de 1923 como a data da instalação da radiodifusão no Brasil. É quando começa a funcionar a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada por Roquette Pinto e Henry Morize, impondo à emissora um cunho nitidamente educativo. Mas o rádio nascia como meio de elite, não de massa, e se dirigia a quem tivesse poder aquisitivo para mandar buscar no exterior os aparelhos receptores, então muito caros (ORTRIWANO, 1985, p. 13 e 14).

Da mesma forma, os aparelhos de televisão eram inacessíveis para a maior parte da

população do Brasil de 1950. Os anúncios dos antigos televisores na imprensa dos Estados Unidos

apresentavam valores entre 230 e 500 dólares. Na época, a renda per capta dos brasileiros era 83%

menor do que a dos estadunidenses (CUNHA, 2009, p.17). 63,9% da população brasileira em 1950

moravam no campo (CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS, 2009). O Brasil sofria forte

influência dos Estados Unidos que mantinham uma relação com os brasileiros através das classes

dominantes ainda sob forte influência rural (no país da América do Norte as disputas entre as

classes dominantes urbana e rural foram resolvidas com uma guerra civil entre 1861 e 1865, que

deixou cerca de 600 mil mortos). No Brasil, os conflitos entre o estilo de vida da população rural e

urbana se agravavam.

O primeiro deles, diz respeito ao desequilíbrio existente nas relações estabelecidas entre capital e trabalho no processo de industrialização, que deflagravam a intensa exploração da força de trabalho rural e urbana. O segundo aspecto refere-se à forma como o campo respondia às novas demandas decorrentes da industrialização e da urbanização. [...] O aumento da produção agrícola se dava sem alteração na estrutura fundiária, gerando um agravamento nas condições de vida dos trabalhadores rurais e deflagrando uma série de conflitos, que ganharam grande repercussão nesse período (RODRIGUES, 2005).

Discutida desde a República Velha (1889-1930), a reforma agrária, que poderia reduzir

o problema da existência dos latifúndios no Brasil, aparecia agora como fundamental para dar

continuidade à política de industrialização iniciada em 1930.

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[...] nas décadas de 1950 e 1960, com algumas diferenças em relação às tradicionais propostas de modernização e diversificação da agricultura, os projetos apresentados no âmbito do poder Legislativo enfatizavam a reforma agrária como mecanismo de superação dos obstáculos ao desenvolvimento e dos desequilíbrios resultantes do modelo econômico privilegiado no período. A industrialização brasileira esgotava a sua primeira etapa e o pacto populista dava sinais de crise, necessitando ambos de ações mais avançadas para dar continuidade ao projeto desenvolvimentista e integrar setores sociais até então deixados de fora. Isto poderia significar o rompimento, pelo menos em parte, com interesses dominantes no campo (RODRIGUES, 2009).

Estes interesses passam a ser relacionados com uma crescente possibilidade de maior

acúmulo de capital através da industrialização. Um processo que começou na Inglaterra em 1760, se

espalhou pelo mundo ocidental entre 1850 e 1900, mas que só começou a tomar a forma de modelo

industrial que conhecemos hoje a partir da crise internacional de 1929, com a Revolução de 1930 e

com a crescente hegemonia da burguesia industrial e comercial, consequência da urbanização da

sociedade.

A consolidação da sociedade de consumo acontece a partir do pós-guerra e durante toda a década de 1950, multiplicando produtos como veículos, eletrodomésticos, refrigerantes, confecção e fazendo surgir os crediários que facilitam as compras, promovem o crescimento da produção e do consumo. O mercado publicitário cresce e os profissionais da área sentem a necessidade de se organizarem e, para tanto, surge a Associação Brasileira de Propaganda (ABA), o Conselho Nacional de Imprensa (CNI) em 1949, e posteriormente a Associação Brasileira de Agência de Propaganda (ABAP) (BRASIL, 2009).

A inauguração da televisão em 1950 coincide com a sofisticação do mercado de consumo

que pede a presença de profissionais de comunicação especializados em fazer a ligação dos

produtores com o público – são os publicitários. Sua principal finalidade nesta época foi expandir o

mercado para a absorção dos produtos fabricados nos Estados Unidos. No Brasil, era pouco o

conhecimento da publicidade no início do século, por isso, as indústrias estrangeiras que se

instalavam no País atraiam as empresas de publicidade de seus países. Esta foi a fórmula encontrada

para impulsionar um mercado de consumo ainda pequeno, acostumado a comprar em pequenos

negócios.

As agências internacionais, principalmente dos Estados Unidos, começaram a se estabelecer

no Brasil a partir da década de 1920. Quando a TV Tupi foi inaugurada estabeleceu-se uma ligação

automática entre a emissora e agências como a McCann Erikson e a J. W. Thompson que

trabalhavam não apenas na realização dos comerciais publicitários, mas na própria redação e

produção dos programas transmitidos ao vivo – a possibilidade de gravação em vídeo tape para

posterior exibição só aconteceria em 1959. Segundo Brasil (2009), é neste início da televisão que

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“as ‘garotas propagandas’ ganham fama e prestígio”. Será esta a base da consolidação da televisão

comercial no Brasil que foi apoiada pelos anunciantes da crescente indústria brasileira (com

fabricantes basicamente estrangeiros). É na década de 1950 que começaram a chegar ao Brasil as

poderosas indústrias automobilísticas, primeiro dos Estados Unidos e em seguida de outros países

(a Volkswagen se instalou em 1956).

Esse fato deve-se à crise econômica que viveu o mundo nessa época, pois com as mazelas da guerra, importações ficaram prejudicadas, e diversos países reduziram drasticamente a proporção de seu comércio internacional. Assim, Getúlio Vargas ao perceber que o pleno de desenvolvimento econômico do Brasil sairia prejudicado, pois éramos potenciais importadores de automóveis prontos, proibiu então a importação de automóveis prontos, e dificultou grandemente a importação de auto-peças. Com isso, grandes multinacionais como Ford e GM se viram obrigadas a investir em fábricas no Brasil, pois, caso contrário, acabariam perdendo um grande mercado em plena expansão (JUNIOR, 2009).

Juscelino Kubitschek, presidente empossado em 31 de janeiro de 1956, deu o impulso

necessário à implantação definitiva da indústria automotiva. Os automóveis passaram a ser um dos

principais produtos de desejo e os anúncios de televisão sobre eles proliferaram. O novo meio

audiovisual era perfeito para atiçar os ânimos dos consumidores ao mostrar a utilidade e a satisfação

(além da profunda “felicidade”) que um automóvel poderia proporcionar à família. Esta é a fase em

que se estabelece as bases da expansão do mercado de consumo.

O assunto será mais aprofundado no capítulo 4 deste trabalho, mas podemos dizer que a

publicidade serve para expandir o mercado ao propor a criação de desejos. Existem casos, como,

por exemplo, o telefone celular que são criados como mais um “brinquedo” interessante para os

adultos, mas que acabaram se encaixando na nova forma de vida da maioria das pessoas que não

costumam mais trabalhar num mesmo lugar ao lado de um aparelho de telefone convencional ou

não ficam mais tanto tempo em casa como um dia era o costume. Nesses casos, é a demanda que

responde afirmativamente à produção – segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações,

em julho de 1999, o número de celulares era de 10,9 milhões em todo o País (GUERREIRO, 2009).

Em agosto de 2009, subiu para 161,92 milhões, destes cerca de 82% são assinaturas pré-pagas

(TRÊS ESTADOS, 2009), o que também demonstra uma necessidade atendida de uma população

majoritariamente pobre, que não pode arcar com o custo mensal de uma linha telefônica.

Mas ocorre que o ritmo de produção de produtos e serviços dos dias de hoje não pode

aguardar o surgimento de verdadeiras demandas. Da mesma forma, a venda de produtos também

não pode estar relacionada apenas à satisfação de uma necessidade concreta. É papel da publicidade

forjar um nível de necessidade e elevá-lo a um patamar em que seja possível dar ao consumidor a

sensação de que aquilo que possui nunca é suficiente para a sua completa “satisfação”. A mudança

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deve ser contínua e isto inclui todo o tipo de produtos.

O truque é manter o ritmo com as ondas. Se não quiser afundar, mantenha-se surfando – e isso significa mudar o guarda-roupa, o mobiliário, o papel de parede, o olhar, os hábitos, em suma, você mesmo, quantas vezes puder. Eu não precisaria acrescentar, uma vez que isso deva ser óbvio, que essa ênfase em eliminar as coisas – abandonando-as, livrando-se delas –, mais que sua apropriação, ajusta-se bem à lógica de uma economia orientada para o consumidor. Ter pessoas que se fixem em roupas, computadores, móveis ou cosméticos de ontem seria desastroso para a economia, cuja principal preocupação, e cuja condição sine qua non de sobrevivência, é uma rápida aceleração de produtos comprados e vendidos, em que a rápida eliminação dos resíduos se tornou a vanguarda da indústria (BAUMAN, 2009).

É o que acontece, por exemplo, com a indústria da informática que prega um

desenvolvimento tecnológico espetacular e a uma velocidade bem maior daquela em que um ser

humano é capaz de assimilar mudanças. Aturdidos com a rapidez das novidades, temos sempre a

impressão de que o equipamento que possuímos não nos serve como deveria, uma vez que existe

sempre um novo modelo mais potente, mais eficaz. Este último modelo sim, é o que (na voz dos

marqueteiros) sintetiza o que há de mais moderno e que, para estarmos no mesmo nível de

modernidade, precisamos adquiri-lo. No fundo, a experiência operacional com a nova ou a velha

máquina será provavelmente muito parecida, mas, neste raciocínio, não é a eficiência que importa,

mas sim o que aquele produto representa. A palavra “tecnologia” virou um slogan de primeira

grandeza para os departamentos de vendas das indústrias. Um termo que acabou por perder o seu

significado original.

De toda maneira, a indústria do mundo inteiro utilizou o mesmo tema para vender seus produtos qualquer produto, carros, lava-roupas, barbeadores, jeans: “tecnologia”. Há um conceito implícito na propaganda, que enormes contingentes de compradores engoliram, que é: tecnologia equivale – sempre e necessariamente – à qualidade. Persistentes, conseguimos sempre esquecer que “qualidade” é um conceito de valor, enquanto “tecnologia” é um método de trabalho e produção sistematizado que pode ser aplicado para qualquer coisa: custo, conveniência, velocidade, lucro, conforto, e assim por diante... Inclusive, por fim, quando conveniente, lucrativo ou quando há demanda, para qualidade (MIROL, 2007).

Os marqueteiros de hoje sabem bem retorcer conceitos que são vendidos com a grande

ajuda do audiovisual. A televisão se presta a isso e, desde os seus primeiros tempos, a ela a

publicidade se uniu. Esta união permitiu o desenvolvimento de uma forma de sedução do público

com muito mais recursos e que possibilitaram dar tons mais realistas à antecipação de uma

experiência de prazer que os novos produtos prometem. As imagens têm a possibilidade de

representar a realidade como acontece na fotografia que simula o mundo real mas que, na verdade,

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não passa de uma visão de mundo. Seja na publicidade, seja no jornalismo, existe sempre uma

intenção por trás de uma foto.

As diferentes ideologias, onde quer que atuem, sempre tiveram na imagem fotográfica um poderoso instrumento para a veiculação das ideias e consequente formação e manipulação da opinião pública, particularmente, a partir do momento que os avanços tecnológicos da indústria gráfica possibilitaram a multiplicação massiva de imagens através dos meios de informação e divulgação (KOSSOY, 1999, p.20)

O audiovisual, com imagens em movimento, que nada mais são do que uma sequência

de quadros (fotografias), é ainda mais convincente pois amplia esta possibilidade representativa da

realidade com o envolvimento do espectador que também pode ser seduzido pela voz e pela trilha

sonora. A própria sensação de assistir a imagens em movimento é uma ilusão provocada pelo

fenômeno próprio do conjunto ótico do ser humana, chamado de persistência retiniana. Segundo

Rodrigues, 2003, foi em 1826 que “o médico e filólogo inglês Peter Mark Roget publicou um

estudo sobre o assunto. Segundo o cientista, o olho humano retém a imagem que se forma na retina

por alguns décimos de segundo a mais (aproximadamente 1/24 de segundo), mesmo após o clarão

que a provocou haver desaparecido”. Por isso, chegou-se à conclusão que as várias fotos fixas

deveriam ser projetadas em continuidade na tela de cinema a uma velocidade de 24 fotogramas por

segundo, para dar a exata sensação de movimento sem cortes. A visão humana não consegue

distinguir o corte abrupto entre as imagens, com a velocidade da projeção cria-se um efeito de

transição contínua que resulta na aparência do movimento perfeito.

A ironia é que até mesmo a projeção é uma ilusão. Desde o surgimento do cinema, as

projeções mostram o cotidiano a partir de um certo e único olhar exclusivo do cinema e da

televisão. As imagens podem ser reconhecíveis como “reais” mas nenhum ser humano conseguiria

tamanha quantidade de diferentes visões de um único evento, os chamados enquadramentos

cinematográficos, e nem a forma como se dão os cortes entre estas imagens, a chamada montagem

cinematográfica (ou a edição, na televisão). Em certo sentido, essa possibilidade sobre-humana cria

um efeito de ilusão.

O Grande Roubo do Trem (The Great Train Robbery, 1903), dirigido por pelo estadunidense

Edwin S. Porter, termina com uma cena em que o vilão em primeiro plano aponta a arma para os

espectadores. Talvez tenha sido o primeiro close da história com um valor narrativo. O susto da

platéia deve ter sido grande e a sensação única e só possível através da tela – poucos esperariam

parados na frente de uma arma de olhos abertos para ver o que aconteceria?

Ilusões em cinema, assim como em televisão, podem ser reproduzidas através de ações, mas,

principalmente – e este é o ponto –, a partir de divulgação de ideias e formas de comportamento.

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Neste sentido, o cinema, o audiovisual, pode se aproximar da publicidade comercial. Muitos

cineastas souberam utilizar este recurso em seus filmes. Um dos exemplos mais citados são os

filmes produzidos e financiados pela Alemanha nazista quando Adolf Hitler, auxiliado por Paul

Joseph Goebbels, seu ministro de propaganda, entendeu que a força das imagens poderia ajudá-lo a

atingir seus objetivos políticos. Em 1934, pouco mais de um ano depois de ter subido ao poder

como líder do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores da Alemanha, eleito por voto em

novembro de 1932, o Estado alemão colocava a censura sob direção autoritária, a produção

cinematográfica desde o roteiro até ao filme acabado. Segundo o historiador alemão Gerd Albrecht,

autor do livro Política de Filmes Nacional-socialista, publicado em 1969, apenas 15% da produção

era claramente dedicada à propaganda política. Mas, podemos pensar que o restante dos filmes

também eram políticos, já que propunham um estado de alienação.

A política de filmes dos nazistas procurava, sobretudo, divertir. Os filmes deveriam permitir tanto fuga da realidade, como calma e fortalecimento perante os desafios do dia-a-dia. Quanto mais longe da realidade, melhor o filme funcionava no sentido nacional-socialista. Nestes filmes de diversão, qualquer referência crítica à realidade era proibida (ALBRECH, 2007).

Segundo Rentschler (2002), a Alemanha nazista produziu 1.094 filmes.

Adolf Hitler e seu ministro da propaganda Joseph Goebbels, estavam bem atentos na habilidade dos filmes em mobilizar emoções e imobilizar mentes, ao criar poderosas ilusões e captar audiências. [...] O regime de Hitler pode ser visto como um evento cinematográfico contínuo […] (RENTSCHLER, 2002, p. 1).

Outros exemplos poderiam ser citados, como os filmes que defenderam o socialismo

soviético, mas a intenção é mostrar aqui como o cinema – e o audiovisual como um todo – sempre

serviu como maneira eficaz de se atingir objetivos não declarados. Quando nos voltamos para o

objeto de estudo televisão e consumo notamos como esta habilidade especial é explorada até hoje e,

poderíamos dizer que, com a sofisticação dos meios digitais, estas possibilidades se expandem em

larga escala. Isto acontece para aumentar e sofisticar a produção de sentido e os padrões de

consumo. A sociedade contemporânea se cria a partir de modelos que estão vinculados,

majoritariamente, a bens materiais. Uma pessoa é mais o que ela parece ser do que aquilo que

realmente é. Para isso, o seu estilo de vida se baseia nas roupas que veste, no carro que possui, nos

lugares que frequenta, onde e como mora etc. A estes padrões incidem poucas críticas quanto à

equivalência ao concreto – no fundo, pouco importam questões relativas ao caráter das pessoas que

aparecem como vencedoras no mundo capitalista. Para exemplificar, podemos lembrarmos de

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alguns políticos historicamente corruptos, mas que conseguem manter a aparência de pessoas

ilustres e admiradas.

A publicidade se alia à televisão (e à mídia em geral) e ao cinema para forjar estes

modelos que servirão de padrão para a sociedade como um todo, independentemente de classes

sociais, já que eles são impostos pela classe dominante. A atual tecnologia do audiovisual, que

engloba os efeitos visuais e a moderna técnica de captação de imagens, é imbatível na construção de

sentidos que funcionam como utopias.

A relação que se observa entre seres e coisas assemelha-se, de certa maneira, às relações sociais, ou seja, às relações entre seres e seres. A publicidade reafirma essa relação quando se esforça para mostrar produtos “humanizados”, que correspondem a um estilo de vida, a um estado de espírito – estratégia que minimiza possíveis resistências e amplia a necessidade de consumo (RIBEIRO e PROCÓPIO, 2008).

A mensagem publicitária atua numa etapa primária, que mostra algumas poucas

características sobre o produto, e na secundária, a que realmente interessa aos fabricantes, que

divulga os conceitos de estilo de vida que a mercadoria tenta promover. É nessa hora que influi de

maneira fundamental nas vendas.

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4. A MÍDIA QUE VENDE PRODUTOS, IMAGENS E IDEIAS.

O fato da publicidade estar diretamente ligada à mídia e, em especial, à televisão a torna

uma forte ferramenta para a educação informal. Dissemos no início deste trabalho que a televisão

educa a partir da sua programação, fora desta estão os filmes publicitários que, muitas vezes,

contam com os efeitos da computação gráfica, desenvolvidos inicialmente para o cinema, que

apresentam grandes possibilidades de representação do real e, por consequência, estimulam a

fantasia, provocam sensações a partir da construção de sentido e também educam. A indústria dos

países ocidentais trabalha primariamente com a intenção da geração de lucros que devem crescer

continuamente. Não importa se certo setor tenha atingido cifras fenomenais de faturamento em

determinado período, estes números devem estar sempre em ascensão, é isso que demonstra a boa

saúde financeira de qualquer empresa capitalista. Ainda que tentem demonstrar que dentro de seus

objetivos a responsabilidade social está incluída, é no lucro que se sustenta a razão da criação de

qualquer empresa. Para alcançar este objetivo, parece não haver obstáculos, sejam éticos ou morais.

O documentário canadense The Corporation (THE CORPORATION, 2003) dá alguns

exemplos de como a indústria lida com o público infantil e a metodologia que emprega para induzir

as crianças a fazer os seus pais comprarem os produtos que mais as agradam. A executiva de

marketing Lucy Hughes diz no filme que foca o seu trabalho de persuasão manipulando crianças

entre 3 e 8 anos e se vale de uma característica basicamente infantil, a teimosia, para que elas façam

seus pais comprarem um produto. As crianças também são influenciadas para aborrecer os pais para

que também comprem produtos para eles mesmos. A profissional defende o seu trabalho com o

argumento de que, em última instância, seriam os pais que teriam a responsabilidade sobre a

aquisição dos produtos – pessoas adultas que teriam condições de lidar com seus filhos e negar

aquilo que julgam ser supérfluo.

Algumas ONGs trabalham em diversos países com a ideia de que a relação das crianças

e adolescentes com o consumo vai além de disputas familiares. A New American Dream, baseada

nos Estados Unidos, realiza pesquisas anuais que demonstram que os adolescentes baseiam sua

noção de segurança a respeito de si próprios no acesso a bens de consumo. Eles aborrecem seus pais

para que lhes comprem os produtos que os seus amigos compraram para que se sintam inseridos em

seus grupos sociais. Segundo Betsy Taylor (THANKS 2009) com “[...] um nível sem precedentes de

publicidade e marketing direcionados para as crianças, elas sentem uma intensa pressão para tentar

reforçar seu sentido de auto-estima no shopping center, e fazem uma força incrível para que os pais

cedam.”[tradução nossa]. O site da organização traz uma citação de Nancy Shalek, ex-presidente da

agência de publicidade dos Estados Unidos Grey Advertising: “Os anúncios mais eficazes fazem as

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pessoas sentir que sem seus produtos são umas perdedoras. As crianças são suscetíveis a isso. Se

você lhes disser para comprar alguma coisa, elas resistirão. Mas se você disser a elas que serão

umas bobas se não comprarem, terá a sua atenção”. [tradução nossa]

Desde cedo, as crianças aprendem sobre o status que os bens de consumo conferem às

pessoas e que a falta deles pode deixar qualquer um numa situação inferior, o que obriga os pais de

hoje a ter que lutar contra esta orientação, ou ceder a ela endividando-se para atender o senso

comum. Fortes instituições publicitárias se empenham para, como eles, genitores, conseguir

inculcar nas crianças ideias a respeito do mundo das coisas, onde a ordem é comprar para ser “feliz”

– uma luta dura. Os Estados Unidos desenvolveram uma forte cultura de consumo e influenciaram o

resto do mundo a fazer o mesmo (por proximidade, e uma relação subalterna em relação à grande

potência, a América Latina segue plenamente estes padrões). As empresas do país norte-americano

gastaram em 2008 cerca de 44,5 bilhões de dólares em publicidade (GLOBAL 100, 2009). Deste

total, a ONG New American Dream estima que mais de 15 bilhões têm as crianças e adolescentes

como público-alvo (WHAT'S, 2009). Como já foi exposto, esta publicidade dirigida às crianças e

adolescentes (a pré-adolescência, entre 8 e 12 anos, é uma faixa etária altamente determinante para

os publicitários) também se direciona para a compra de produtos que podem ser usados por toda a

família, bens de consumo para adultos. É um bombardeio diário de mensagens televisivas para

manipular o comportamento dos filhos por meio da publicidade e do marketing das grandes

empresas que qualquer família de hoje tenta enfrentar, muitas vezes com pouco sucesso.

A escola poderia ajudar neste trabalho? Nos parece que sim, mas devemos lembrar que

os pais já foram crianças e provavelmente passaram pelo mesmo processo. No livro Born to Buy:

The Commercialized Child and the New Consumer Culture (Nascido para comprar: a criança

comercializada e a nova cultura do consumo), a professora Juliet Schor do departamento de

sociologia do Boston College, nos Estados Unidos, revela que em seus estudos sobre o consumo

entrevistou crianças que sofriam de depressão, ansiedade, baixa-estima e que reclamavam de dores

de cabeça e estômago, problemas que determinou como psicossomáticos. Apesar dos esforços dos

pais para proteger os filhos, a vida moderna e a falta de tempo da maioria dos progenitores, por

causa do trabalho e outras funções, os impede de monitorar as atividades dos filhos que ficam mais

expostos aos ideais de consumo e não encontram uma palavra crítica que as faça refletir sobre o

assunto. Ainda no livro Born to Buy, a autora se refere a outras pesquisas de seus livros anteriores e

lembra que constatou que a intensa rotina de trabalho dos estadunidenses de hoje, que passam um

número de horas sem precedentes em seus empregos e, apesar disso, não reclamam da carga

horária.

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O trabalhador médio passa 200 horas a mais por ano no trabalho, ou 5 semanas extras de trabalho, do que há trinta anos atrás. Cinquenta anos atrás, a carga horária de trabalho do americano era substancialmente menor daquele na Europa Ocidental; eles hoje os excedem em mais de 300 horas por ano (ou cerca de oito semanas) [tradução nossa] (SCHOR, 2004, p. 27).

E diz o motivo.

As pessoas estiveram acumulando coisas numa taxa sem precedentes. Trabalhos exigentes e a escalada das dívidas resultam em altos níveis de estresse e uma enorme pressão na vida familiar. Alguns tentam uma saída fora do seu horário apertado, contratando mais serviços domésticos, escapando do trabalho para férias que suarão para pagar, ou procurando uma massagista, estratégias que, elas próprias, requerem mais e mais renda familiar [tradução nossa] (SCHOR, 2004, p. 35).

As crianças aprendem basicamente com os pais, se é assim que enxergam o trabalho,

provavelmente, é assim que farão em suas vidas adultas. A cultura do consumo também é

transmitida de pai para filho, quanto maior for a valorização dos bens comerciais pelos adultos,

possivelmente, maior será a dependência dos bens de consumo e as necessidades que as crianças

sentirão a este respeito. Crianças e adolescentes são pessoas em formação como nos lembra Edgar

Morin (MORIN, 1997, p. 154): na “[...] adolescência a personalidade social ainda não está

cristalizada, os papéis ainda não se tornaram máscaras endurecidas sobre os rostos, o adolescente

está à procura de si mesmo e à procura da condição adulta. [...] nessa busca, tudo é intensificado: o

ceticismo e os fervores”. O modelo a seguir das crianças de hoje é o de uma geração de pais que

pasou por grandes mudanças tecnológicas e econômicas.

A chamada “geração Y”, pessoas que nasceram entre os anos 1979 e 1994 – “irmãos

mais novos da geração X, consumidores jovens, tanto estereotipados como confusos, alienados e

deprimidos” (SCHMITT, 2003, p. 53), é um dos alvos específicos da publicidade. São, a princípio,

pais jovens que cresceram na época do maior desenvolvimento da tecnologia da informática, do

surgimento dos videogames caseiros, do videocassete e do telefone celular. Como paralelo,

podemos lembrar que, dentro deste período, o Brasil saiu do regime de ditadura militar (1985) e, em

1990, viu seu primeiro presidente eleito por voto direto desde 1961.

[...] deu-se início à chamada ‘década perdida’, que levou o Brasil a uma profunda depressão e a uma queda descontrolada do consumo. Mas as ‘autoridades’ aplacavam a revolta da população afirmando que a inflação teria de ser vista como ‘o preço a pagar para se alcançar dias melhores’. (RICHERS, 2000, p. 122).

Em épocas de aperto de cintos, normalmente, os desejos de consumo costumam

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aumentar – “a compulsão humana se constrói sobre esta estrutura: fumar mais quando quer parar,

ter muita sede durante a abstinência alcoólica, gastar quando precisa economizar” (GOLDIN,

2010). E na vida moderna esta compulsão muitas vezes aparece como motivo final para a forma

como orientamos nossas vidas que passam cada vez mais rápido. Isso faz com que a maioria dos

pais tenha pouco tempo para os filhos e, assim, procura satisfazer as suas vontades como forma de

expiar a culpa pela falta de atenção que reservam às crianças. Estas vontades infantis geralmente se

referem à compra de bens de consumo – entre eles, os novos gadgets eletrônicos. Os filhos desta

geração de pais já encontraram estes produtos prontos para ser consumidos e, em muitos casos, não

só assimilaram a forma de vida dos genitores, acompanhando as novidades da vida moderna, como

as transformaram numa nova maneira de se relacionar com o mundo. Sua relação com a tecnologia

da informática determina como agem com seus pares – e o Brasil está a frente de muitos países no

que se refere ao número de pessoas conectadas às redes sociais, mediadas pela internet. Em

números gerais, que englobam todos os acessos à internet, foi realizada a pesquisa Global Faces

and Networked Places (Rostos Globais e Espaços de Rede) pela empresa estadunidense Nielsen

(NIELSEN, 2009) especializada em internet que aponta que as redes sociais e os blogs estão em

quarto lugar no número de acessos globais (66,8%), atrás de sites de pesquisa (85,9%), portais de

interesses gerais e comunidades (85,2%) e fabricantes de softwares (73,4%) – os dados são do ano

de 2008.

O Brasil aparece com o maior número de acessos às redes sociais e blogs (80%), à

frente da Espanha (75%) e Itália (73%). Também somos os líderes mundiais (70%) de acessos ao

Orkut. Lembramos que estes não são números específicos para o público infantil e adolescente, mas

é difícil imaginar hoje pessoas nesta faixa etária que não se importem com iPods, MP3, filmes em

DVD e outras mídias, câmeras e filmadoras digitais ou aparelhos celulares que, muitas vezes,

incorporam acessos à internet. A tecnologia eletrônica, associada com a da informática, parece não

ser mais apenas uma demanda dos jovens, mas algo que, sem ela, fica difícil viver inserido num

universo de pessoas que precisam de aparelhos para se comunicar e se divertir. E o mercado de

consumo está atento a isso. Bernard H. Schmitt (2003, p. 54), professor de marketing e diretor do

Centro de Gerenciamento Global de Marcas da Columbia Business School ensina aos empresários

que “os produtos de tecnologia tornam-se cada vez mais produtos experienciais de estilo de vida,

devendo ser, por isso mesmo, pesquisados e comercializados dentro dos parâmetros a tanto

adequados.”

Estas crianças e jovens vivem plenamente a chamada cultura digital que pode ser

resumida como toda a comunicação humana e acesso a informação mediada por uma tela. Atrás de

computadores instalados em casa ou em lan houses, e com farto acesso à tecnologia da informática,

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a possibilidade de se relacionar com os outros sem sair de ambientes fechados acaba por isolar cada

vez mais as crianças e adolescentes, exacerbando a individualidade e impedindo o contato com o

mundo concreto. Susan Linn, professora de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade

de Harvard, nos Estados Unidos, aparece no documentário The Corporation em contraponto à

marketeira que usa a teimosia dos filhos como estratégia de vendas. A pesquisadora diz que a

publicidade mina a autoridade dos pais, encorajando as crianças a aborrecê-los para que comprem o

que querem e defende a ideia de que as crianças deixaram até de brincar em função da possibilidade

de compra e acesso à tecnologia. No livro The Case for Make Believe (Um Caso para Acreditar),

Linn argumenta que

[…] enquanto brincar é crucial para o desenvolvimento humano e as crianças nascem com a inata capacidade de acreditar, a convergência da onipresente tecnologia e a comercialização as impede de brincar. Na América dos tempos modernos, encorajar brincadeiras criativas não é apenas contra-cultural – isto ameaça os lucros das empresas [tradução nossa] (LINN, 2009, p. 27).

Crianças fora dos ambientes fechados onde as máquinas estão instaladas as deixam

longe do acesso aos bens de consumo e à publicidade de toda a ordem que se instalou na rede de

computadores. Mas as crianças de hoje nascem acostumadas a encontrar a diversão apenas a partir

de uma tela – seja de televisão, seja de computadores. Neste momento, a orientação que leva a uma

crítica da mídia e do consumo não serve apenas para lhes transformar em pessoas psicológica e

emocionalmente mais equilibradas, mas também fisicamente mais saudáveis.

Susan Linn lembra em seu livro que entre 1993 e 1997 duplicou nos Estados Unidos o

volume de investimento das corporações em marketing para as crianças. Neste mesmo período, a

obesidade infantil passou a ser um problema de saúde pública. São dados que fazem concluir que o

hábito de consumo em excesso gera crianças sedentárias, condições nada recomendáveis para uma

época da vida em que se espera um desenvolvimento sadio de corpo e mente. Isso não pode ser

encarado como uma formação coerente. O que nos parece é que as crianças crescem em um mundo

com referências pouco humanísticas, com conceitos distorcidos, e que as levam a uma confusão

básica em relação a si próprias. A proposta é que se possa faze-las entender os limites do ato de

consumir, isso não significa dizer que deveríamos extirpar qualquer ato de consumo, seria

impensável em um mundo e numa cultura capitalista ocidental, mas ensinar na escola os

verdadeiros sentidos e significados que o mercado de consumo tenta promover.

Diversas iniciativas procuram combater a publicidade abusiva em relação ao consumo

infant i l (em www.alana.org.br, www.media-awareness .ca, www.newdream.org,

www.mediachannel.org, podemos encontrar informações a respeito). A proposta é coerente com a

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ética, mas talvez seja um pouco utópica. Pode-se questionar a real possibilidade de convencer as

empresas e agências publicitárias a respeitar a ingenuidade das crianças e adolescentes. Estamos

aqui numa disputa de forças onde o papel das empresas (na busca por lucros cada vez maiores) é

tentar sempre aumentar o volume de vendas, de outro estão os consumidores que podem criar

mecanismos de auto-defesa e ensinar estes mecanismos às crianças com a ajuda da escola. Podemos

pensar que qualquer forma de combate a informações da mídia encontraria mais eficácia na postura

crítica.

[…] marcas são referências que agregam valores tão abstratos quanto a famigerada “qualidade”; são credenciais, distintivos de confiança ou incredulidade. Mas, de todas as armadilhas que existem na vida a marca é a tentação mais burlesca. Marca é marketing [...]. Se cabe aos marketeiros erigir a ideologia das marcas ao custo de milhões, o que nos cabe é duvidar de todas elas – de graça (GONDIM, 2007).

É uma postura crítica que pode ser desenvolvida desde cedo. Por outro lado, restringir o

acesso das crianças à televisão (como muitos especialistas recomendam) é excluí-las do mundo a

seu redor e impedir que elas desenvolvam suas defesas contra aquilo que não serve ou contra ideias

distorcidas. É claro que se deve usar o bom senso em termos de acesso ao conteúdo televisivo nos

horários em que a criança normalmente está à frente do aparelho, mas o que se discute é que seria

impossível criar um escudo realmente eficaz contra a mídia, simplesmente impedindo-a de assistir à

televisão, sem mencionar que qualquer proibição cria uma automática atração pelo objeto proibido,

o que determina uma aura de desejo a respeito daquilo. A criança precisa conhecer o mundo como

ele é, só assim poderá desenvolver ferramentas críticas e construir um outro modo de pensar.

Defendemos que a escola pode auxiliar neste processo ao levantar em sala de aula questões relativas

à análise da mídia.

Ainda no documentário “The Corpotation”, Susan Linn, psicóloga da Universidade de

Harvard (EUA), denuncia que a manipulação infantil para comprar produtos ficou mais sofisticada

a partir de 1998, quando duas grandes corporações conduziram um estudo sobre a teimosia infantil.

“Este estudo não era para ajudar os pais a lidar com a teimosia. Era para ajudar as corporações

ensinar (ou ‘doutrinar’) as crianças para teimar por seus produtos de maneira mais eficiente”,

declara Linn.

Na mídia e na publicidade não existe contestação, mas a afirmação do sistema. As

“informações” publicitárias se baseiam, geralmente, em modelos criados pelos padrões sociais que

preservam a moralidade na sociedade. As imagens publicitárias a que todos os públicos (crianças,

jovens, adultos e velhos de todas as etnias e classes sociais) se acostumaram a ver no Brasil são de

pessoas limpas, bonitas e brancas em sua maioria. Tipos bem sucedidos que possuem poder de

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compra, casados, com relacionamentos estáveis, filhos bem nutridos e saudáveis. Na publicidade

não existe miséria, sujeira, nem problemas cotidianos. Todos os personagens estão felizes porque

podem comprar. A base deste estereótipo é, por si só, excludente, mas a mensagem velada é que

todos poderiam um dia, não importa em quantas prestações, conseguir o objeto de desejo.

Todo estereótipo, um dos mais expressivos recursos da TV e da publicidade, é uma condensação retórica de emoções coletivas. A velha retórica, por sua vez, é mais do que nunca atual enquanto arte da expressão e da persuasão, não raro empregada como técnica política, em virtude de seus efeitos de controle dos discursos. Serve para convencer, no sentido racionalista do termo, e para agradar ou bajular, o que dá bem o alcance de seu aspecto afetivo ou irracional – portanto, em linhas gerais, serve para comunicar ideias e emoções, produzindo sensações (SODRÉ, 2006).

O apelo a nível das emoções desobriga os filmes publicitários de divulgar informações

precisas, técnicas, que seriam as que, a princípio, determinariam as escolhas. Ao invés disso,

situações presumidamente desejáveis são exibidas com homens e mulheres lindos em ambientes de

luxo ou em paisagens bucólicas.

É normal que organizemos o mundo em imagens, para melhor conhecê-lo. Até mesmo as ciências naturais podem nos oferecer imagens do mundo, mas sem barrar o caminho para que as operações críticas venham a desintegrar essas mesmas imagens. Na vida social, entretanto, as imagens que o senso comum emprega para construir as representações do mundo podem congelar-se nos discursos e pretender assim eternizar os mitos geralmente inerentes à narração da realidade (SODRÉ, 2006).

As cenas vistas na televisão pouco ou nada tem a ver com o produto a ser vendido. São

momentos praticamente inatingíveis na rotina social criada pelo capitalismo, mas que seduzem.

Quando apresentam situações pseudo reais (supermercados, lojas, ruas etc.) apresentam sujeitos

sempre de bem com a vida, figuras geralmente da raça branca num país com esmagadora maioria

negra. A dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da

Universidade de São Paulo “Racismo Anunciado: o negro e a publicidade no Brasil (1985-2005)”,

mostra que a presença do negro na publicidade aumentou de 3% em 1985, para 13% em 2005, um

avanço que consideramos, ainda que significativo, longe de estar perto da realidade brasileira.

Podemos afirmar que em todo o período analisado se manteve a tendência de colocar o negro em segundo plano e/ou afastado do centro do anúncio. Da mesma forma, o negro raramente aparece sozinho ou em posição de igualdade com os personagens brancos. Os números mostram que do total de 86 anúncios analisados, somente em 33 o negro aparece sozinho (sem dividir a cena com brancos). E destes, em 21 ele está ligado aos estereótipos do atleta, músico, trabalhador braçal ou carente social. Da mesma forma, o personagem negro aparece em segundo

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plano (ou em posição pouco privilegiada) em 41 (MARTINS, 2009, p. 68).

Este é um bom exemplo da afirmação de estereótipos promovida pela publicidade na

TV. Questões como estas poderiam ser discutidas em salas de aula, principalmente em escolas

públicas do Ensino Fundamental que são o foco deste trabalho. Seria pertinente para os alunos

negros entender a sua posição social desde cedo e procurar meios para lutar pela igualdade de

direitos, uma luta contra a divulgação de uma ordem social vista com os olhos da classe dominante.

Ao apresentar pessoas de pele branca como os bem sucedidos e negros em situação subalterna,

criam-se conceitos que são associados aos valores que a publicidade pretende aferir a uma

determinada mercadoria. Os publicitários sabem que a grande massa consumidora está na

população de baixa renda, a maioria dos quase 200 milhões de brasileiros, mas cria um padrão de

consumidor ideal (aquele que tem dinheiro para gastar, geralmente branco) como o modelo a ser

seguido por todos. Ainda que os negros pobres intuam que dificilmente chegarão ao nível de poder

de compra deste consumidor ideal, criam uma fantasia em relação àquilo que gostariam de ser. Este

tipo, que muitas vezes também é visto no cinema, principalmente o dos Estados Unidos, serve em

geral de referência para os produtos. Significa dizer ao consumidor: “Se você não é ele (ou ela)

passará a ser quando adquirir a mercadoria”. Seria improvável imaginar que o consumidor se deixa

enganar completamente por esta proposta, mas é uma maneira eficaz encontrada para mexer com as

suas emoções.

Sabe-se bem que a inteligência não depende da consciência clara de um “eu” puramente racional, já que são muitas as formas de compreensão que caminham na obscuridade. Mas a inteligência emocional corrente na mídia é geralmente entendida como eficácia do estado afetivo, portanto, como pretexto para o controle gerencial das emoções apaixonadas, em função de uma racionalidade instrumental, que se pode pôr a serviço da criatividade na produção, mas principalmente em função do consumo. Seu apelo dirige-se ao “corpo do consumo”, favorecendo fortemente as imagens midiáticas capazes de suscitar sensações, emoções e paixões (SODRÉ, 2006).

Na verdade, “a imagem visual faz-se visão do mundo sem necessidade de mediações

externas e explícitas, mas com plena e espontânea autonomia” (CANEVACCI, 1990, p.14). Isto se

dá a partir da criação de linguagens próprias do cinema e da televisão. Pode-se discutir as diferenças

entre as duas, mas elas se assemelham ao forjar representativamente a realidade de fato associado à

sensação de veracidade que as imagens em movimento provocam e, cada vez mais, às técnicas

avançadas dos efeitos visuais. A manipulação de um mundo construído dentro das telas se completa

com a edição das imagens. Para alguns ela é o centro da produção audiovisual, a partir do

pressuposto que é nesta etapa que se dá a produção de sentido a partir de cenas capturadas de forma

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desconexa.

Este tema será melhor explorado a seguir, mas pode-se adiantar que a criação de uma

técnica que envolve a audiência por aquilo que ela aspira, mais do que pela real possibilidade de

concretização de uma situação imaginária, atua decisivamente na educação das crianças que

crescem na frente da televisão e, numa etapa seguinte, à frente de um computador. A vida virtual é

assimilada como uma verdadeira realidade nos dias de hoje e viver virtualmente significa se

enquadrar cada vez mais em modelos pré-concebidos, em estereótipos. Estes reforçam a visão

conservadora de mundo e são disseminados facilmente num mundo de imagens no qual vivemos

hoje. Gilles Deleuze já disse que “o virtual possui uma plena realidade, enquanto virtual.” A

filosofia diz que o virtual representa algo em potencial e não em ato. A palavra que deriva do latim

medieval virtualis e que se origina do substantivo virtus (força ou potência) está hoje

exclusivamente relacionada à informática, mas podemos tentar transportar o conceito para as

imagens publicitárias. Segundo Lévy (1999, p. 48) “o virtual existe sem estar presente”.

Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização. Esse complexo problemático pertence à entidade considerada e constitui inclusive uma de suas dimensões maiores (LÉVY, 1996, p. 16).

Nos parece interessante trabalhar questões como estas na escola e abordar as

semelhanças e diferenças entre o mundo dos fatos e a virtualidade (ou a fantasia). Este tipo de

formação é essencial para a configuração de um indivíduo consciente do mundo em que vive, um

mundo de imagens que foi criado ao nosso redor e que pode ser encarado como algo fictício (a

imagem é a representação do real), fantasioso ou fantástico, mas com o qual passamos a conviver –

estas representações fazem parte do nosso universo cognitivo.

Podemos pensar que esta virtualidade, que carrega, neste caso, um pseudo potencial de

realização e faz parte das estratégias da publicidade e do marketing, se torna parte de nossa

realidade, uma vez que o imaginário se confunde com o real, o alimenta ao mesmo tempo que se

baseia nele. Um exemplo desta tendência entre unir o virtual e o real, não apenas em termos de

aspirações pessoais ou sonhos de consumo, é o conceito batizado de augmented reality (realidade

aumentada) que começa a ser usado para a publicidade e diversão, mas que também pode ter outras

aplicações.

Criado nos Estados Unidos, o conceito de realidade aumentada em resumo se baseia

nas novas técnicas da computação gráfica de criação e manipulação imagens em 3 dimensões (3D)

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e teria potencialidades de servir a diversas tecnologias como a visualização médica, manutenção e

reparos, robótica, aviação militar e na indústria do divertimento. A proposta é criar uma simbiose

entre as imagens virtuais em 3 dimensões os objetos reais e seres humanos capazes de interagir com

estas projeções num mesmo ambiente. Diferente da noção de realidade virtual, que obriga o sujeito

a usar uma espécie de óculos e o “cega” para o ambiente em que se encontra, na realidade

aumentada existem duas possibilidades.

Na primeira, e mais sofisticada, a pessoa interage com elementos projetados em 3D sem

que os obstrua com seu corpo (diferente de quando passamos a frente de um projetor e causamos

uma silhueta na parede, interrompendo a imagem que passa a ser projetada na pessoa), as imagens

respeitam a posição de alguém que esta em primeiro plano e estas ficam em segundo plano como se

fossem objetos reais. Neste caso, não há necessidade de telas ou monitores, e, segundo aqueles que

desenvolvem a tecnologia, ao invés de substituir o mundo real, ele é suplementado – idealmente,

seria conciliar os dois mundos. O que isso significaria em termos concretos? Na 22a SIGGRAPH,

Conferência Anual de Computação Gráfica, realizada em 1995 em Los Angeles, capital da

Califórnia, nos Estados Unidos, foi exibida uma apresentação onde se via um ator a frente de um

grande círculo rotatório. Parte do círculo cobria o ator e parte era coberto por ele. O círculo fazia as

vezes de um cenário virtual e os produtores de cinema e televisão viram ali uma possibilidade de

economia já que, com o desenvolvimento da tecnologia, os objetos cênicos não precisariam mais ser

fisicamente construídos. O objetivo que pode diminuir o custo das produções audiovisuais traz um

cenário curioso em que se poderia imaginar uma situação onde os atores se encontrariam imersos

em um mundo totalmente criado por computadores e que poderia ser visto durante as gravações em

vídeo.

Na segunda possibilidade da realidade aumentada, que começa a ser desenvolvida para

a publicidade e para os livros, especialmente para crianças, é necessário um computador com uma

câmera (webcam). Para chegar ao objetivo é preciso:

1. Um objeto real (no caso uma folha de papel) com algum tipo de marca de referência, que

possibilite a interpretação do computador e criação do objeto virtual;

2. Uma câmera ou dispositivo capaz de transmitir a imagem do objeto real;

3. Um software capaz de interpretar o sinal transmitido pela câmera ou dispositivo.

O processo de formação do objeto virtual é o seguinte:

1. Coloca-se o objeto real (uma página de uma revista com um código, uma espécie de código de

barras) em frente à câmera, para que ela capte a imagem e transmita ao equipamento que fará a

interpretação.

2. A câmera “enxerga” o código e manda as imagens, em tempo real, para o software que gerará o

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objeto virtual.

3. O software já estará programado para mandar para a tela as informações de determinado código

que é interpretado, definindo o objeto.

4. O dispositivo de saída (que pode ser uma televisão ou monitor de computador) exibe o objeto

virtual em sobreposição ao real, como se ambos fossem uma coisa só.

À frente do computador se posiciona a folha de papel (pode ser do tamanho de uma mão

ou de uma revista) com elementos gráficos impressos em preto (um quadrado, uma espiral ou uma

figura assimétrica, que são as marcas de referência). Quando a câmera do computador capta a

imagem, é projetada uma figura em 3 dimensões na tela, esta imagem fica posicionada sobre a folha

e, ao girá-la, vemos as três dimensões do objeto.

Um bom exemplo de aplicação desta tecnologia é a propaganda numa revista alemã do

automóvel Mini Cabrio. A contra-capa da publicação é toda preta com o título Das neue Mini

Cabrio. Immer offer (“O novo Mini Cabrio. Sempre aberto”). Abaixo do título, estão três círculos

brancos com imagens no interior como instruções para se ver o carro na tela. A primeira de um

computador, a segunda de uma webcam e a terceira de uma pessoa à frente do computador com a

contra-capa da revista voltada para a webcam para que possa ser visualizada pela lente. Quando a

câmera capta as imagens da contra-capa um Mini Cabrio em 3D (modelado em computação gráfica)

aparece na tela do computador, como o carro é conversível, pode-se ver todo o interior e, girando a

revista, enxerga-se todos os elementos externos e internos do veículo em diversos ângulos (o

making of da confecção do anúncio em computação gráfica está disponível em http://mini-cabrio.ar-

live.de/video.html). Ao invés de apenas uma foto, o possível comprador pode ver o carro por

diversos ângulos.

As duas formas de representação da realidade aumentada buscam representar um

mundo que existe, sem realmente existir. E nos parece que é isso que o mundo virtual tenta nos

proporciona em última análise, “uma tecnologia que vai te fazer ver o mundo de uma forma

diferente”. É assim que os desenvolvedores da realidade aumentada vendem a tecnologia. A

intenção é fazer com que cada vez mais a virtualidade se aproxime da materialidade e que exista

uma verdadeira convergência destes dois mundos. Isto leva a uma confusão básica a respeito da

confusão em que vivemos entre o mundo dos fatos e a representação, uma questão que também

pode estar na escola. A televisão está cada vez mais próxima da informática e o mundo dos

computadores é um ambiente ideal para criar uma forma de relacionamento paralela que nos afasta

da convivência cara a cara e impede uma relação mais humana. Parece que é isso que a maioria das

pessoas em geral têm buscado hoje em dia.

Os contatos com o mundo real, com as relações humanas têm sido evitados por diversas

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razões, falta de tempo por causa do aumento da velocidade da vida cotidiana está entre eles, mas

nos parece que o medo é a principal causa do isolamento. Já mostramos exemplos de como a mídia

usa este medo para vender notícias e faz com que a população acredite que está cada vez mais em

perigo. A divulgação sobre maus tratos com crianças, sequestros, crimes, assaltos, geralmente

anunciados com indícios de que são as pessoas de baixa renda e negras os criminosos, faz com que

muitos se convençam que devem se afastar (e afastar seus filhos e parentes) das ruas. Se não

devemos estar na rua, como consequência precisamos passar o maior tempo possível em casa. Mas

a característica de seres sociais nos faz buscar a interação com o mundo que nos cerca e com outras

pessoas – viver, para nós, em última instância é nos relacionarmos com o outro. Se temos

dificuldades de encontrar fisicamente com este outro, precisamos de uma tecnologia que nos faça

estar em contato com as pessoas mesmo a distância. As redes sociais, blogs, chats e sites de

relacionamento servem para que estas pessoas não se afastem definitivamente e que possam

conhecer outras pessoas, como se fazia no passado quando todos encontravam na rua o divertimento

e a opção para passar o tempo livre.

Para que tudo fique o mais real possível, passamos a usar a internet para postar fotos

(que antes eram compartilhadas ao vivo), vídeos e dividir com os outros aquilo que gostaríamos de

compartilhar. Sem sair de casa, também nos divertimos a frente do computador, assistindo à TV ou

aos filmes em DVD (tecnologia que se tornou acessível para todas as classes sociais com a queda

do valor do aparelho de exibição e com os filmes piratas). Tudo isso fez com que a casa ficasse mais

interessante, mas é preciso que apareçam sempre novidades para que a indústria continue a vender e

para motivar as pessoas a continuar do jeito em que estão. Aparelhos e filmes em blue ray e telas de

TV de cristal líquido prometem as imagens do cinema em casa, mas a grande novidade é a

recauchutagem da tecnologia de captação e exibição em 3 dimensões que aliada às técnicas

avançadas da computação gráfica aproxima os filmes da realidade palpável – nos Estados Unidos e

no Japão já começam a surgir os primeiros aparelhos de televisão em 3D e alguns jogos da Copa do

Mundo de Futebol 2010 foram captados com esta tecnologia como experiência de exibição.

As primeiras experiências bem sucedidas de exibição de filmes em 3 dimensões

aconteceram nos Estados Unidos no início da década de 1950 com “mais de 60 filmes produzidos

até meados dos anos 1960” [tradução nossa] (HISTORY, 2009), mas o alto custo das salas de

projeção inviabilizou o projeto que só foi retomado em 1973 e até 1985 foram produzidos filmes

como Tubarão - parte 3 e Sexta-feira 13 - parte 3. Os óculos feitos de papelão e acetato não

funcionavam bem e o 3D foi abandonado outra vez. O desenvolvimento da tecnologia Imax 3D, que

usava películas com fotogramas de 70 mm com 15 perfurações (formato 15/70) aproximadamente

10 vezes maiores que os filmes de 35 mm com 4 perfurações, usados na indústria do cinema, voltou

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a impulsionar esta tecnologia. Apesar de ser dedicada a filmes de exibição especial – imagens de

documentários sobre a natureza, por exemplo – e não serem utilizados em produções regulares de

ficção (uma câmera Imax pesa 109 quilos), a tecnologia serviu para revigorar e estabelecer uma

qualidade superior às projeções em 3 dimensões. A partir de 2001, “o advento da tecnologia da

informática de animação, as câmeras digitais e os sistemas caseiros de exibição (home theatres) em

3D contribuíram com a democratização da produção e exibição estereoscópica.” [tradução nossa]

[grifo nosso] (HISTORY, 2009).

Nos chama a atenção o esforço para que a situação imaginada, ilusória, apareça cada

vez mais como o concreto. Um exemplo disso é o jogo para telefones celulares Can You See Me

Now? que admite até 20 jogadores conectados à mapas da internet que “caçam” três pessoas que

correm nas ruas de uma cidade com aparelhos de GPS (ground position system). Os jogadores, que

se comunicam entre si, traçam estratégias para encurralar os corredores e pegá-los. Criado em 2001,

é desenvolvido por um grupo de pesquisadores em ciência da computação, eletrônica, ciências

sociais, psicologia, artes e design. A preocupação do grupo é saber “que tipo de relação é possível

entre os jogadores online e as corredores que estão nas ruas?” (ANASTASI, 2005, p. 3). Em outras

palavras, entre o mundo virtual e o mundo real.

A pergunta é: se podemos ter tudo dentro de casa, por que deveríamos sair? Se os

adultos pensam assim, provavelmente as crianças assumem esta tendência. Podemos supor que

pessoas de baixa renda tenham menor acesso a estas tenologias digitais, mas no mundo da

eletrônica, a popularização dos produtos é um fato, desde a invenção do transistor nos laboratórios

da Bell Telephone em 1947, nos Estados Unidos. Mas nos dias de hoje, a oferta de serviços como as

lan houses permite que mesmo os digitalmente excluídos possam usufruir das possibilidades da

informática e, na escola pública, se servir dos computadores instalados através de projetos do

governo federal. Poucos professores parecem estar preparados para lidar com a informática na

escola, ainda não se entende ao certo como poderíamos dar um salto educativo com esta ferramenta

que já foi apropriada pelos alunos. Ao criar um mundo paralelo, os computadores têm se afastado da

escola, mesmo que estejam fisicamente presentes – ainda não se descobriu como aproveitar o

interesse das crianças e jovens por computadores que unem possibilidades de relacionamento

através das redes sociais com a experiência de se ouvir música e assistir a vídeos.

Como dissemos, a televisão estende suas garras ao mundo dos computadores, mas a

escola ainda está na retaguarda desta tendência. A nós, professores, nos resta basicamente o mundo

analógico, das coisas, para fazer o trabalho de formação dos alunos. Por isso, parece que as

ferramentas dos professores devem ser ampliadas neste universo. Defendemos que a

desmistificação da internet e toda esta parafernália eletrônica começa quando os professores

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evidenciam para os alunos as diferenças entre realidade dos fatos e fantasia (ou virtualidade) e os

fazem pensar nesta questão. Mostra que ainda podemos viver e pensar sem as máquinas, é isso que

devemos contar para os nossos alunos. Que o mundo dos homens e das mulheres pode ser tão, ou

mais, interessante fora do computador. Que não precisamos de tantos bens de consumo para

encontrar nossa identidade e razão de vida.

4.1. A REALIDADE CRIADA ARTIFICIALMENTE.

Relacionamos o conceito de virtual com o mundo fictício criado pelas imagens

publicitárias que colocam as representações como realidade, entendemos que esta é uma questão

que deve ser levada em forte consideração quando propomos uma posição crítica frente àquilo que

se vê hoje na televisão. É importante perceber como funciona este mecanismo, já que ele é

fundamental na formação dos símbolos que as mensagens publicitárias usam para vincular um

objeto a um conceito e despertar o desejo de compra através das emoções.

Normalmente, se pensa em duas condições para a percepção das coisas ao nosso redor

em termos de materialidade (os objetos) e imaterialidade (os conceitos). Mas se pensarmos bem, nas

diferentes sociedades produzidas a partir da cultura, as coisas se traduzem, na verdade, em ideias.

[…] se vejo alguma coisa, uma mesa, por exemplo, o que vejo é a madeira em forma de mesa. É verdade que essa madeira é dura (eu tropeço nela), mas sei que perecerá (será queimada e decomposta em cinzas amorfas). Apesar disso, a forma “mesa” é eterna, pois posso imaginá-la quando e onde eu estiver (posso colocá-la ante minha visada teórica). Por isso a forma “mesa” é real e o conteúdo “mesa” (a madeira) é apenas aparente. Isso mostra, na verdade, o que os carpinteiros fazem: pegam uma forma de mesa (a “ideia” de uma mesa) e a impõe em uma peça amorfa de madeira (FLUSSER, 2007, p. 26).

Este mundo criado em nossas mentes é que se apresenta de fato como o mundo real, ou

seja, o mundo das coisas materiais, segundo esta perspectiva, seria imaginário. É assim até com o

movimento dos corpos densos ao nosso redor, aquilo que nos parece material (uma pedra que cai)

segue, na verdade, a lei da gravidade. Vemos o corpo que cai, mas não vemos o que o faz cair, no

entanto, é a fórmula da lei que é real e não o movimento da pedra, este, apenas aparente. “[…] Faz

pouco sentido dizer que a fórmula é ʽimaterialʼ. Ela é o como da matéria, e a matéria é o o quê da

forma. Em outras palavras: a informação ʽqueda livre ̓ tem um conteúdo (corpo) e uma forma (uma

fórmula matemática)” (FLUSSER, 2007, p. 27). Toda a realidade estaria na consciência do sujeito

como um complexo de processos psicológicos. Segundo a noção de idealismo objetivo

epistemológico de Hessen (2003, p. 75), “o giz não está nem em mim nem fora de mim; ele não está

disponível de antemão, mas deve ser construído. O giz não é nem um ser real, nem um ser de

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consciência, mas um conceito”.

[…] não há coisas reais, independentes da consciência. Como, após a supressão das coisas reais, só restam dois tipos de objeto, a saber, os existentes na consciência (representações, sentimentos) e os ideais (objetos da lógica e da matemática), o idealismo deve necessariamente considerar os pretensos objetos reais quer como objetos existentes na consciência, quer como objetos ideais. Daí resultam em dois tipos de idealismo: subjetivo ou psicológico e o objetivo ou lógico” (HESSEN, 2003, p. 81).

Precisamos de referências para nos orientar no chamado mundo real, não existem

informações, nem objetos isolados, que nos possam remeter a conceitos. É a soma de diversas

informações (que a publicidade transmite a partir dos conceitos que tenta vender) que podemos criar

um mundo em que possamos nos orientar. As coisas criam uma relação mútua de ordem ou

sucessão que lhes conferem diferentes qualidades que não são isoladas, mas que precisam da sua

soma para resultar em um produto. O raciocínio funciona assim: uma coisa isolada mais outra coisa

isola é diferente do resultado da soma das duas. É assim que se formam os conceitos, o pensamento

humano como explica Rubinstein no livro Princípios da Psicologia Geral.

O conteúdo específico do pensamento é o conceito. Este é o conhecimento mediato e geral do objeto que se forma pelo fato de captar as vinculações e relações mais ou menos essenciais e objetivas do objeto. […] O conceito descobre conexões e relações. Para isso passa do fenômeno ao conhecimento generalizado da sua natureza, adquirindo assim um caráter abstrato, não intuitivo. […] A forma na qual o conceito existe é a palavra (RUBINSTEIN, 1973, p. 131 e 132).

Jacques Lacan (1901-1981) entendia o real como o estado de natureza do qual

estaremos sempre separados uma vez que entramos no terreno da linguagem das palavras. Sua

teoria era que apenas os recém-nascidos, época em que teríamos tudo o que necessitamos, seriam

completos num estado natural. Segundo esta teoria, os animais partem de uma necessidade em

busca de uma satisfação. Os seres humanos não conseguiriam expressar esta busca na linguagem

das palavras, já que, a partir do nosso primeiro encontro com a linguagem nos afastaríamos

irreversivelmente do real, apesar dele exercer sua influência durante toda a nossa vida adulta. É

como uma pedra no sapato da qual nossas fantasias e estrutura linguística não conseguem se livrar.

É no mínimo curioso constatar que estes conceitos de Lacan mostram que a linguagem

através das palavras ao mesmo tempo que existe como forma de aproximação do mundo real, uma

vez que servem para traduzi-lo, nos afasta deste mesmo mundo.

A ordem simbólica sobre a qual Freud fundou sua descoberta é constituída pela linguagem como momento do discurso universal concreto. É o mundo da palavra que cria o mundo das coisas, inicialmente confusas em tudo aquilo que está em

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devir. Há somente as palavras para dar um sentido completo à essência das coisas. Sem as palavras, nada existiria (LACAN, 2004).

Mas ao mesmo tempo que promove a existência, a palavra, que ganha seu primeiro

significado no interior de cada ser humano, também cria um mundo particular de representações

simbólicas muito íntimo. Lacan diz que a palavra é mais do que algo que é dito.

[…] para nós, “palavra dada” também é uma forma de ato. Mas é também às vezes um objeto, isto é, alguma coisa que se porta, um feixe. É qualquer coisa. Mas a partir daí algo existe que não existia antes. […] as palavras e os símbolos têm uma influência decisiva na realidade humana. […] Saibam que, na origem, o homem é que, com efeito, dá seu sentido à palavra (mot). E que só as palavras (mots) depois se encontraram no comum acordo da comunicabilidade, isto é, que as mesmas palavras (mots) servem para se reconhecer a mesma coisa; é precisamente em função de relações, de uma relação de saída, que possibilitou a estas pessoas serem pessoas que comuniquem (LACAN, 2004).

Fato similar ocorre com as crianças no processo de domínio da fala e das palavras. Elas

pronunciam sons que se parecem com palavras – para os adultos, ininteligíveis – mas que para elas,

crianças, têm toda uma significação na construção do mundo. Um mundo, na teoria de Lacan, de

ordem simbólica. Na formação de cada um, a linguagem é a porta de aceitação das regras

(símbolos) da sociedade, única maneira de conseguir lidar com os outros. A ordem simbólica estaria

sempre em estado de tensão com o real e o imaginário. A ordem imaginária seria criada a partir do

narcisismo fundamental do ser humano que subjetivamente cria imagens fantasiosas de si mesmo e

do objeto ideal de desejo – algo que começa na criança e que perdura por toda a vida. Em francês,

“palavra” pode ser traduzido como mot ou parole. Lacan toma mot como a palavra falada e dá a

parole o sentido simbólico em três planos.

[…] (1) o significado de Imaginário, (2) sentido e (3) o Real. A dimensão real do discurso é diacrônica, a qual deriva a sua autoridade do Outro(a). No plano da “certeza”, as palavras parecem Reais ou fixas. Paradoxalmente, o Outro(a) também impugna a certeza do sujeito porque a sua própria realidade é ficcional ao invés de “honesta”. Nossas palavras, desta forma, aparecem em sua dimensão diacrônica – realidades personalizadas – para serem decifradas. Lacan propõe que a antiga divisão entre “aparência” e “realidade” é falsa. Similarmente, não é possível verificar o verdadeiro valor de uma palavra (parole) pela lógica clássica. A palavra (parole) é governada pela lógica do desejo e do narcisismo, que encontra seu verdadeiro valor não na distinção entre hipóteses lógicas ou contraditórias, mas na lógica da perda, substituição, e poder [tradução nossa] (RAGLAND-SULLIVAN, 1986, p. 182).

Não é difícil constatar situações na televisão que remetem a questões onde a aparência

se mistura com a realidade. Humanos são seres sociais que representam papéis sociais e estes papéis

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estão muito bem demarcados na indústria do consumo – a publicidade se esforça para isso e a TV

cria produtos que abrem lacunas para que os conceitos sejam firmados entre os espectadores. As

telenovelas são um bom exemplo disso. Um estudo feito a partir de Malhação, exibida pela Rede

Globo desde 1994, é especialmente significativo uma vez que o programa se destina ao público

adolescente, fase importante na formação do sujeito adulto. Questões relativas ao gênero são

assunto preferencial deste público.

[...] o sistema de sexo-gênero é tanto uma construção sócio-cultural, quanto um aparato semiótico que atribui significado (identidade, valor, prestígio, etc) a indivíduos dentro da sociedade, sendo que as representações de gênero se traduzem em posições sociais que trazem consigo significados diferenciais, de modo que o fato de alguém ser representado ou se representar como masculino e feminino subtende a totalidade daqueles atributos sociais (FÁVERO e ABRÃO, 2006, p. 175).

Abre-se aqui um parêntesis para lembrar que a televisão, parece se basear

fundamentalmente nas imagens, mas fala, descreve, muito mais do que mostra. Não existe silêncio

na televisão (só em casos raríssimos), a maioria das imagens exibidas são narradas e, geralmente

por falta de recursos financeiros para elaborar produções como as que se assiste no cinema (muito

mais sofisticadas) é preciso contar histórias (ao invés que mostrar situações) para criar nexo nos

roteiros. Esta verborragia tenta resolver problemas de construção dramática nas novelas e poupa

esforço de produção (também no telejornalismo), aquilo que é dito claramente (quase

didaticamente) não deixa dúvidas, diferente daquilo que é apenas mostrado e pede uma

interpretação de cada um que vê tal imagem.

A partir deste texto narrado, os roteiristas de televisão desenham uma realidade que se

parece com o concreto mas que, carregada de sentidos e criação de esteriótipos, leva ao caminho

que representa o principal objetivo da televisão: vender produtos e serviços através da publicidade e

do marketing. As técnicas do merchasing, já conhecidas pelo público, são plenamente utilizadas em

novelas, programas de auditório e filmes. Enquanto o marketing explora imagem da empresa como

um todo – incluindo a sua logomarca, promoção, distribuição e mídia – o merchandising é a

exposição do produto. Mostrar o produto num meio audiovisual é fazer merchandising. Depois de

60 anos de sua inauguração, o público da TV não é mais tão ingênuo e detecta que quando um ator

destaca certo produto numa novela está exibindo as qualidades da mercadoria para a promoção de

venda.

A ação de vender através da televisão se torna mais eficiente quando vai além de apenas

exibir um creme de pele no banheiro da linda atriz de uma novela, por exemplo. Ele se torna

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realmente eficaz não quando mostra que o produto vale a pena ser consumido, mas quando divulga

a ideia de que este produto representa um estilo (desejável) de vida – exatamente a forma de ser

daquele personagem. A lógica da mensagem é: se o personagem é quem gostaríamos de ser e se ele

usa tal produto, precisamos deste bem de consumo para nos aproximarmos daquele estilo de vida.

Ainda que, pela lógica, jamais tivéssemos condições financeiras para viver como os personagens

ricos e elegantes das novelas, somos capturados pela impressão de que possuir tal produto pelo

menos nos faria sentir minimante como eles.

É curioso notar que muitos anúncios de roupas estampados em revistas apresentam uma

única fotografia com a modelo, ou o modelo, vestindo uma única roupa, geralmente, mostra-se

poucos detalhes da peça. Como entender que uma fábrica queira vender uma coleção inteira

apresentando apenas uma peça ao público? Não seria mais eficaz aproveitar ao máximo o espaço da

revista para mostrar o maior número de modelos possível? A resposta está na transmissão dos

conceitos. Se o consumidor se identifica com a figura que aparece na foto (só é preciso ter uma

ideia de como é a roupa) o estilo está vendido e se este é aquele que o comprador procura, ele irá até

a loja. A publicidade lida com referências, construções que representam algo e que estão inseridas

em certo contexto histórico que lhes legitima como algo desejável (um bom exemplo é o ideal de

tipo físico feminino dos dias de hoje, a barriga, hoje abominada, já foi sinônimo de sensualidade e

forma de provocar desejo). É isso o que acontece em novelas como Malhação.

[...] a televisão pode, paradoxalmente, ocultar mostrando, mostrando uma coisa diferente do que seria preciso mostrar caso se fizesse o que supostamente se faz, isto é, informar; ou ainda, mostrando o que é preciso mostrar, mas de tal maneira que não é mostrado ou se torna insignificante, ou construindo de tal maneira que adquire um sentido que não corresponde absolutamente à realidade (BOURDIEU, 1997, p. 24).

As imagens em movimento parecem reais mas são apenas representações do real, por

isso é tão difícil convencer as pessoas, em especial as crianças e adolescentes, de que são

inverossímeis. Segundo Bourdieu (1997, p. 29) “caminha-se cada vez mais rumo a universos em

que o mundo social é descrito-prescrito pela televisão”. Este mundo social, que só é possível através

da fala, é influenciado diretamente por um discurso televisivo engessado que procura manter o

status quo e mistura pobres e ricos numa relação estereotipada uma vez que baseia as qualidades

humanas no poder de compra. Socialmente, os atos da fala entre sujeitos podem ser caracterizados

em 5 dimensões:

1) informação (todo ato da fala que visa descrever, categorizar, definir, considerar

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os objetos do mundo e sua relação de maneira não avaliativa); 2) avaliação (todo ato da fala que exprime um julgamento de valor, ou uma apreciação); 3) interação (todo ato da fala que visa à co-elaboração das identidades dos parceiros e à co-gestão das suas relações); 4) acional (todo ato da fala que propõe o fazer, que incita e exorta o fazer, o engajamento); 5) contratual (todo ato da fala que tem por função gerar ou regular a comunicação, em função dos objetivos, dos jogos de ações e do contrato de comunicação) (CHABROL e BROMBERG, 1999, p. 296).

Mas a televisão usa a palavra falada como uma imposição, não há possibilidade de

interlocução com aquilo que é dito nas transmissões televisivas, segundo Sodré (1984, p. 16) “a

imprensa vem assegurar a transmissão de informações sobre a vida cotidiana e amplia a

centralização do poder e o disciplinamento do cidadão, a partir desse poder organizador de

linguagem”. E podemos estender este conceito às novelas, programas em geral e à publicidade. O

que podemos supor aqui é a possibilidade de que aquilo que é exibido na TV provoque os atos da

fala que, como propõem Chabrol e Bromberg, também poderiam ser encarados como atos de ação.

As telenovelas são produtos que divulgam atitudes e, mais do que vender produtos,

procuram vender comportamentos associados a estes produtos. Já vimos que é pouco provável

aceitar a ideia de uma audiência passiva – a televisão participa de um jogo de tensões com o

público; por vezes consegue aprovação, por vezes é reprovada. Mas através do discurso da

imposição, o texto televisivo se mostra ditador de normas vinculadas à tradição moral da sociedade

burguesa e não admite visões que fujam dos padrões estabelecidos pela classe dominante, que

controla as emissoras – a não ser que estes padrões estejam associados a figuras caricatas que

geralmente não são levados a sério e aparecem como motivo de chacota (os homossexuais são os

tipos preferenciais nestes casos). Além do texto, existe um discurso visual que reforça aquilo que é

dito em palavras.

As possibilidades das máquinas e a habilidade de seus operadores, conferem ao produto final qualidade técnica que, além do limite da boa compreensão, da boa definição de som e imagem e de valores estéticos, se torna também um instrumento de imposição de uma retórica na maior parte das vezes dispensável – é o caso do chamado “Padrão Globo de Qualidade” (ANDRADE, 2008).

É um padrão que passou a servir de referência para tudo que é feito em televisão no

Brasil e procura levar ao espectador um mundo de sonhos, muito diferente do cotidiano. Não é

novidade que a televisão se transformou num espetáculo (e, em parte, esta é realmente a sua função

– a exceção deveria estar nos programas jornalísticos que se pretendem informativos, mas estes

também assumiram o caráter de espetáculo), mas a questão está em nos perguntarmos que tipo de

espetáculo é este, a quem ele serve. O “Padrão Globo de Qualidade”, como o nome diz, busca

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convencer o público que esta é a melhor e mais competente emissora brasileira – tudo parece brilhar

na programação – mas devemos lembrar que qualidade em televisão pode ser classificada de várias

maneiras como expõe Geoff Mulgan no texto Television's Holy Grail: Seven Types of Quality (O

Sagrado na Televisão: Sete Tipos de Qualidade).

Qualidade como um conceito puramente técnico, a capacidade de usar bem os recursos expressivos do meio: a boa fotografia, o roteiro coerente, a boa interpretação dos atores, a indumentária de época convincente etc. Esse conceito encontra-se difundido principalmente entre os profissionais que fazem televisão. Na direção contrária, qualidade pode ser a capacidade de detectar as demandas de audiência (análise de recepção) ou as demandas da sociedade (análise de conjuntura) e transformá-las em produto, abordagem predileta dos comunicólogos e também dos estrategistas de marketing. A qualidade pode ser também uma particular competência para explorar os recursos de linguagem numa direção inovadora, como o requer a abordagem estética. […] A qualidade pode estar no seu poder de gerar mobilização, participação, comoção nacional em torno de grandes temas de interesse coletivo […] (MACHADO, 2005, p. 25)

No Brasil, a televisão tem tentado aliar “a capacidade de usar bem os recursos

expressivos do meio” com a busca em entender “as demandas de audiência (análise de recepção) ou

as demandas da sociedade (análise de conjuntura)”, objetivando “gerar mobilização, participação,

comoção nacional em torno de grandes temas [...]”. Podemos sugerir que estes temas não são

exatamente de interesse nacional (o interesse, muitas vezes, é provocado pela exposição dos temas)

e nem seriam realmente “grandes” porque muitas vezes uma tragédia pessoal (sequestros,

assassinatos de crianças, filhos que matam seus pais, bebês roubados de maternidade etc.) ganham

vulto nacional por causa do tom novelesco que o jornalismo costuma dar às notícias. Mas deve-se

admitir que a TV tem capacidade de mobilização, ainda que, por vezes, inócua para o público, não

para os interesses deste.

O exemplo já citado, a novela Malhação, atinge o público adolescente, normalmente

desprovido de informações que lhe proporcione uma visão crítica, que consome o estilo dos

personagens do programa e faz dele modelo de uma atitude que confirma as posturas tradicionais

quando são reunidos conceitos como machismo, preconceito racial e de classe, e que coloca os

atores sociais em seus “devidos lugares” (segundo a lógica do capital). Assim, por exemplo, os

negros aparecem normalmente como serviçais ou em sub-empregos (só conseguem alcançar status

social através da criminalidade, de atitudes pouco éticas ou quando recebem a ajuda dos brancos

ricos, nesta ótica, seus salvadores). A relação entre homens e mulheres também é mostrada de forma

sexista. No artigo “Malhando o gênero: o grupo focal e os atos da fala na interação de adolescentes

com a telenovela”, Fávero e Abrão revelam dados sobre a pesquisa de recepção de Malhação

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realizada com 47 estudantes da sexta e oitava séries do primeiro grau e da primeira e terceira séries

do ensino médio, divididos em oito grupos com três sujeitos femininos e três masculinos cada (um

grupo era composto por alunos de escola particular e o outro, pública).

No geral, poucas são as falas que se enquadraram na esfera acional e não se registrou a utilização, por parte dos sujeitos, de ato da fala que pertencesse à esfera contratual. Ou seja: os grupos focais do nosso estudo produziram, predominantemente, interlocuções que julgavam e/ou apreciavam a cena assistida e seus personagens, ou validavam e/ou justificavam o julgamento emitido pelo outro. Podemos dizer, em outros termos, que se trata de uma produção que reafirma o texto televisivo, sem propor ou incitar uma perspectiva nova de análise […] (FÁVERO e ABRÃO, 2006, p. 177).

Colocamos anteriormente que poderíamos supor que a televisão, mesmo sem

estabelecer uma relação de comunicação com os espectadores, poderia provocar o debate entre o

público a respeito do que é exposto. A questão é a que nível se daria esta discussão. A partir das

informações da pesquisa citada, pressupomos que este debate pode ser, a princípio, um discurso

apenas de concordância, ou seja, uma fala vazia que apenas endossa o discurso dominante. A

pesquisa de recepção sobre Malhação endossa esta hipótese.

A produção dos dois grupos focais da 6ª série é muito semelhante: de um modo geral, os sujeitos femininos condenaram a atitude do personagem Gui por aceitar o assédio de Valéria, enquanto os sujeitos masculinos o defenderam, argumentando ser adequado ao esperado do homem. Face aos atos da fala dos sujeitos masculinos, na categoria avaliar ou tomar posição para justificar os comportamentos masculinos (tanto do personagem Gui, como, por identificação, dos seus próprios), ocorreram respostas femininas nas categorias contestar ou desaprovar. Os rapazes, então, entravam em acordo com elas ou não levavam adiante a contestação, mas buscavam a cumplicidade dos seus pares, com risos e comportamentos que pareciam expressar indiferença à fala feminina, o que, pode ser entendido como um modo de desqualificá-la. Em outros momentos, no entanto, quando o tema da discussão era sobre o comportamento mais específico da personagem Valéria ou sobre o teor do programa, as interlocuções entre sujeitos masculinos e femininos se localizaram na categoria complementar, apoiando-se mutuamente: tanto os sujeitos masculinos quanto os femininos desaprovaram o procedimento de sedução de Valéria, alegando que ela se desvalorizava a si e a todas as mulheres. Portanto, de uma forma geral, o discurso é extremamente conservador, de modo que não podemos sustentar a hipótese levantada anteriormente de que os sujeitos da escola pública poderiam ser mais conservadores do que os da escola particular. Ambos o são, como aliás já havia sido evidenciado no estudo já citado, desenvolvido em Brasília por Fávero e Carvalho (2000) (FÁVERO, Maria Helena e ABRÃO, 2006, p. 178).

São observações que apontam para a confirmação do poder que a mídia ainda possui de

provocar unanimidade. Podemos aplicar estas noções a respeito dos produtos de consumo que são

essenciais para as representações e afirmações de identidades coletivas. A suspeita de que não há

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contestação na juventude de 2010 (ainda que muitos jovens preguem esta postura) mostra a

condição acrítica em que muitos se encontram. Se estes jovens frequentam as escolas, é possível

pressupor que estas questões não são discutidas de nenhuma maneira no ambiente escolar. Mas são

problemas que afetam a sociedade como um todo, um deles é a discriminação em relação às

minorias

O problema, que ainda parece estar longe de ser resolvido neste que surge como um

século dos grandes avanços tecnológicos, está sempre presente na relação dos personagens de

telenovelas e também na publicidade. É óbvio que a mídia não inventou a descriminação social,

mas endossa o conceito de diferença de classes quando trata personagens pobres como inferiores

(seja nas telenovelas, onde os negros estão, na maioria, em desvantagem social; seja no

telejornalismo, onde a população de baixa renda está, geralmente, associada à marginalidade ou ao

crime). Na televisão (ou no cinema) não ter poder de compra aparece como o maior dos infortúnios.

Viver sem qualquer tipo de renda numa sociedade capitalista seria impossível, mas a questão é

como a posse e disponibilidade do dinheiro aparece, e simboliza, na televisão, através dos

programas e da publicidade.

A extrema valorização do capital é induzida em termos claros e simbólicos pelas

propagandas de 30 segundos, que normalmente são assistidas de forma inocente e sem a mesma

atenção que se presta aos programas. Analisar comerciais de televisão não parece ser uma tarefa

cotidiana e que qualquer um tenha esta possibilidade crítica – o estudo da semiótica mostra os

inúmeros significados que uma única foto numa página de revista pode conter. Uma foto,

geralmente, parece ser vista apenas como mais uma imagem num mundo imagético, repleto de

grafismos, ao qual nos acostumamos (mesmo sem saber ler, uma criança normalmente reconhece

uma garrafa de Coca-Cola em diversas partes do mundo). As imagens se naturalizaram no contexto

urbano, como se, fazendo parte do nosso universo, elas sempre estivessem estado por toda parte,

mesmo antes do nosso nascimento.

A forma mais efetiva de convencimento seja a naturalização de conceitos que,

radicalmente, são artificiais, criados por uma sociedade em determinado momento histórico. É

assim que funciona a ideologia que naturaliza o dado criado. A publicidade atinge com maior

eficácia aqueles que, inconscientemente, assimilam certos valores sem questionamento.

A Psicologia Social Crítica lida com estes níveis de consciência, o que nos parece

fundamental quando propomos uma postura crítica em relação aos produtos de consumo. Se

voltarmos à questão de como a publicidade e os programas de televisão descrevem a população de

baixa renda, podemos imaginar que, ao colocar pobres (e negros) em situações de desvantagem,

estas pessoas receberiam uma carga de informação sobre si próprias que as influenciaria a assumir

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estes personagens. Como foi mostrado no primeiro capítulo deste trabalho, a burguesia participa da

luta de classes amparada por um Estado forte, a sua dominação sobre as classes de baixa renda não

se dá pela força, mas se baseia em conceitos de democracia e livre iniciativa, que levam ao

consentimento. Segundo Locke (1978, p. 104), filósofo inglês e ideólogo do liberalismo, “sem o

consentimento do povo, não é possível nunca fundar-se nova sociedade”. Podemos nos perguntar

sobre o nível de consciência em que se dá este consentimento.

Consciência é um termo que está relacionado à questão da dicotomia teoria-prática, entre o falar e o fazer. Busca-se, através desse paradigma, romper com a alienação que cria e fortalece as injustiças sociais. A consciência é entendida aqui como aquilo que recebo de resposta à pergunta: “Por que sou o que sou?, Por que aquilo que me rodeia é assim?”. O aumento da consciência leva à maior liberdade. Quanto mais respostas consigo dar a essa pergunta, maior minha consciência. A consciência crítica leva a uma consciência ética, a uma responsabilidade; uma responsabilidade que vem de dentro e não de fora, imposta (ROSO, 2002, p. 81).

O aumento da consciência crítica de cada um pode estar acessível àqueles que

pretendem ver o mundo a partir daquilo que enxergam ao seu redor e não apenas através de um

aparelho de televisão, um filme, um jornal ou revista. Isso pode ser aprendido a partir do momento

que se exponha a real atuação da mídia e defendemos que este aprendizado poderia começar na

escola a partir de uma orientação pedagógica que levasse os alunos a perceber as diversas

possibilidades sociais que estariam fora dos padrões tradicionalmente instaurados. Para isso, seria

necessário os professores entenderem melhor o nível de influência que a mídia exerce na formação

dos alunos e expor em sala de aula os processos simbólicos que enganam a consciência e levam as

pessoas a pensar naquilo que os veículos midiáticos induzem.

O que acontece em geral é que, capturados por um esquema simbólico que representa a

sociedade de uma forma estereotipada e, pior, aparentemente engessada em relação às reais

possibilidades de transformação, a maioria dos indivíduos se prende aos processos cotidianos que

desmentem a sua real condição histórica. Podemos encarar o mundo de forma objetiva, com nossos

afazeres diários e questões práticas a serem resolvidas pelo o homem comum, mas parece que estes

esquemas nos cristalizam em determinada função social estabelecida: aquela (única) a que teríamos

direito. Mas podemos pensar que este estado é circunstancial. Subjetivamente, acontecem as lutas

simbólicas que passam de geração a geração que sedimentam os papéis sociais, principalmente pela

linguagem, que nos leva a certas percepções de mundo. Este “poder simbólico” determina a disputa,

justifica e dá sentido às ações dos agentes sociais num processo esvaziado de sentido crítico, como

definiu Pierre Bourdieu, o que implica numa aceitação do cenário social (de cada um e do outro)

como natural.

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Mais chegado a um inconsciente de classe que a uma ‘consciência de classe’ no sentido marxista, o sentido da posição ocupada no espaço social [...] está no domínio prático da estrutura social no seu conjunto, o qual se descobre através do sentido da posição ocupada nessa estrutura. As categorias de percepção do mundo social são, no essencial, produto da incorporação das estruturas objetivas do espaço social. Em conseqüência, levam os agentes a tomarem o mundo social tal como ele é, a aceitarem-no como natural, mais do que rebelarem-se contra ele, a oporem-lhe possíveis diferentes, e até mesmo antagonistas: o sentido da posição como sentido daquilo que se pode ou não se pode ‘permitir-se a si mesmo’ implica uma aceitação tácita da posição, um sentido dos limites (‘isso não é para nós’) ou, o que é a mesma coisa, um sentido das distâncias, a marcar e a sustentar, a respeitar e a fazer respeitar (BOURDIEU, 2000, p.141).

A televisão marca estes limites através da tentativa de organização da sociedade em

papéis pré-definidos e identificáveis pelos espectadores das diversas camadas sociais. Como já

apontamos, o negro, por exemplo, é uma das figuras que geralmente aparece em posições

subalternas ou relacionadas à criminalidade. Podemos dizer que a criança negra ao se ver retratada

desta forma está fadada a estes modelos? Não, mas podemos imaginar qual o tipo de representação

simbólica que este indivíduo pode desenvolver durante a sua vida e quais as armas que deverá usar

para resolver este dilema que não faz parte do universo das crianças “brancas”. Os tipos sociais são

construídos nas obras de ficção e na publicidade que há muito deixou para trás o seu significado

original, tornar público, de conhecimento de todos, com acesso a todos, para se transformar numa

forma de seduzir.

A publicidade se baseia em culturas específicas, mesmo que o termo globalização seja

amplamente aceito, os aspectos locais é que se traduzem na origem de cada um, seus hábitos e suas

escolhas. É preciso que os publicitários conheçam este sujeito para que consiga seduzi-lo. No

mercado de consumo, a cultura se resume a mercadoria e os tipos sociais são estereotipados a partir

de um modo de vida baseado no consumo. É mais uma vez uma forma de organização como diz

Mattelart (1990, p. 165) são “classificações sociais que operam, sobretudo através de oposições

dualistas – masculino/feminino, alto/baixo, forte/fraco etc. – organizam a percepção do mundo

social e, em determinadas condições, podem realmente organizar o próprio mundo.”

Não acreditamos que a publicidade tenha todo o poder de organização e que o público

fique cego frente às suas propostas e compre sem pensar. Se entendemos que a mídia e a

publicidade estão inseridas em um contexto de sociedade capitalista, também reflete as contradições

do sistema. Mas o fato é que, mesmo que sofra certo grau de resistência, os anúncios publicitários

divulgam a visão de sociedade da classe dominante. Os produtos apresentados têm prazo de

validade restrito não porque não sirvam mais na prática, mas porque são rapidamente sucedidos por

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outros “melhores”, mais “eficientes” e mais “novos”. A velocidade cada vez maior que este

processo se dá é reflexo de um processo de produção cada vez mais sofisticado e que atende às

necessidades de crescimento constante da economia de um país que só pode acontecer se a indústria

e as empresas mantiverem os altos níveis de vendas.

É um processo que se confunde entre a iniciativa privada e o Estado, em que um se

beneficia do outro. Assim, a mídia e a publicidade atendem a interesses que, a primeira vista, se

confundem entre o público e o privado. Mas, no caso do Brasil, ao pensarmos como se criou a

classe dominante entendemos que o público e o privado, neste sentido, convergem. Em uma

palavra, os atuais políticos também são, eles mesmos, os donos do capital privado. Segundo

Williams (1992, p. 53), a publicidade “estendeu-se a áreas de valores sociais, econômicos e

explicitamente políticos como uma nova espécie de instituição cultural empresarial” [tradução

nossa].

O progresso tecnológico e industrial brasileiras elevou o status internacional da

economia brasileira e internamente favoreceu os ricos – a grande massa de trabalhadores que

participaram do processo foram (como na época da dominação latifundiária) privadas do seu

quinhão. Segundo Darcy Ribeiro (1995. p. 23), nessas condições, “exacerba-se o distanciamento

social entre as classes dominantes e as subordinadas, e entre estas e as oprimidas, agravando as

oposições para acumular, debaixo da uniformidade ético-cultural e da unidade nacional, tensões

dissociativas de caráter traumático.”

Nos parece que as palavras escritas no livro O povo brasileiro mostram que a luta de

classes segue. Um questionamento a respeito dos hábitos de consumo nas escolas públicas pode se

configurar como uma das armas nesta luta.

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5. O TRABALHO NA ESCOLA PEDRO II.

Estivemos em contato com os alunos e professores do Colégio Pedro II, unidade 2,

situado no bairro de São Cristóvão no Rio de Janeiro durante o segundo semestre de 2010. O

Colégio, fundado em 1837, foi o primeiro voltado para a instrução secundária no Brasil e é hoje a

única escola federal do país que oferece o Ensino Fundamental e Médio regular (além de cursos do

Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade

de Educação Jovens e Adultos – PROEJA), ligado diretamente ao Ministério da Educação sem

interferência de qualquer Diretoria Regional de Educação, Cultura e Desportos (DIRED).

Basicamente, a escolha do Colégio Pedro II como campo de pesquisa se deu após o

conhecimento deste pesquisador de que os professores da disciplina de Sociologia desenvolviam um

trabalho de crítica ao sistema capitalista e à sociedade de consumo, condizente com a proposta deste

nosso trabalho. Levamos em consideração o fato de que o Colégio se diferencia de outras escolas

públicas brasileiras pelo histórico acima citado e por contar com um grupo de professores pós-

graduados (o título de mestre é uma exigência para o candidato aos concursos para corpo docente),

e que, por este fato, também recebem remunerações que estão acima da média dos professores

contratados pelas escolas públicas estaduais e municipais. O Colégio Pedro II teve uma boa

classificação entre as escolas do estado do Rio de Janeiro no Índice de Desenvolvimento da

Educação Básica (Ideb) – quinto lugar, entre as escolas até o 5o ano, e primeiro, até o 9o ano (IDEB,

2010).

A princípio, o fato da pesquisa ter sido realizada em um colégio que se destaca da

maioria das escolas públicas poderia levar à ideia de distorção da realidade no sentido da instituição

apresentar melhores condições de ensino que as escolas tradicionais do sistema público. Isso é

reforçado pelo processo de seleção dos alunos que é feito mediante prova escrita para ingresso na

segunda fase do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Mas acreditamos que o fato dos alunos

entrarem para o primeiro ano do Ensino Fundamental por seleção através de sorteio determina uma

diversidade entre o corpo discente. Investimos tempo e dedicação nesta pesquisa a estes alunos

porque muitos são oriundos das classes de baixa renda, o público que aqui mais nos interessa. Desta

forma, elegemos a escola como terreno propício para a nossa pesquisa, uma vez que os alunos já

tinham contato com a crítica à sociedade de consumo, através da disciplina de Sociologia, o que não

nos faria começar do zero. Durante o trabalho, percebemos que as propostas feitas pelos professores

em sala de aula e por nós analisadas poderiam servir como uma espécie de balão de ensaio para

futuras aplicações desta metodologia de ensino em outras escolas públicas, o que, de fato, é nossa

intenção.

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Mas antes de ampliarmos nossa descrição e considerações sobre a experiência de campo

no Colégio Pedro II, acreditamos que seja pertinente apresentarmos a definição sobre a visão da

escola brasileira citada diversas vezes em capítulos anteriores deste trabalho.

5.1. A ESCOLA BRASILEIRA DO SÉCULO XXI.

A escola é considerada no texto de Louis Althusser como um “aparelho ideológico de

estado” e não apenas mais um.

Acreditamos [...] ter boas razões para afirmar que, por trás dos jogos de seu Aparelho Ideológico de Estado político, que ocupava o primeiro plano do palco, a burguesia estabeleceu como seu aparelho de Estado n° 1, e portanto dominante, o aparelho escolar, que, na realidade, substitui o antigo aparelho ideológico de Estado dominante, a Igreja, em suas funções. Podemos acrescentar: o par Escola-Família substitui o par Igreja-Família. (ALTHUSSER, 1985, p. 78)

Concordamos que a escola está dentro do corpo das instituições que constituem o

aparelho repressivo do Estado e que seu papel tem sido, como já dissemos, de ensinar a crianças e

jovens os mecanismos de subordinação capitalista e a doutrina do trabalho com todas as suas

representações sociais. Se pensarmos coerentemente, o fato não poderia ser diferente, uma vez que

a escola representa os diversos tipos de governos que já vivenciamos durante a nossa história e este

poder nas mãos das classes dominantes é dirigido a seus interesses. Apesar disso, entendemos que a

instituição escolar é produto da relação de forças em função do trabalho, uma reivindicação da

sociedade. O que temos visto desde a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao poder, e mais

especificamente os governos do presidente Luiz Inácio da Silva, é que a classe trabalhadora ganha

espaço dentro da escola.

Neste sentido, o ex-presidente Lula tem o mérito de ter reconhecido a validade de

programas sociais criados no governo anterior, como o Programa Nacional de Renda Mínima

vinculada à educação (Bolsa Escola), sancionado por Fernando Henrique Cardoso em abril de 2001,

que se transformou no Bolsa Família, em 2003. O programa teve início com o atendimento a 3,6

milhões de famílias e fechou o ano de 2010 com o 12,8 milhões de famílias (BOLSA FAMÍLIA,

2011). Em 1997, o governo de Fernando Henrique Cardoso criou o programa “Toda Criança na

Escola” que tinha a meta de matricular as 2,7 milhões de crianças de 7 a 14 anos que estariam fora

da escola neste ano, segundo estimativa do MEC. O sucesso do programa foi amplamente publicado

na imprensa dois anos depois. Os números mostravam que 2,3 milhões de novas matrículas

realizadas no Ensino Fundamental, praticamente cumpriam a meta inicial. Na verdade, este número

foi falsificado.

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Segundo o balanço sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), divulgado pelo MEC em outubro de 2000, elas teriam crescido 2,3 milhões nas redes públicas de 1997 a 1999, graças ao Fundef. Entretanto, a propaganda oficial não revela que este aumento deve-se em grande parte à inclusão, no ensino fundamental regular (EFR), de 785 mil matrículas de classes de alfabetização (CA), de 100 mil de educação de jovens e adultos (EJA), e cerca de 400 mil, perdidas pelo setor privado e provavelmente incorporadas às redes municipais, sem falar na falsificação de matrículas, problema reconhecido pelo próprio ministro da Educação e que gerou portaria cancelando matrículas de redes de alguns governos ansiosos por aumentar a sua fatia do Fundef. Se descontarmos essas matrículas, o número de matrículas novas no EFR cai para 947 mil, fragilizando, assim, a campanha “Toda Criança na Escola” […] (DAVIES, 2002, p. 23).

Mesmo que o programa de FHC não tenha conquistado exatamente o que anunciou, o

fato é que o projeto de uma escola para todos (pelo menos a pré-escola e o Ensino Fundamental),

que foi proposto constitucionalmente em 1988, começava a se esboçar não mais como apenas uma

lei, mas como uma realidade. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 2009 (PNAD

2009) mostra que na faixa de crianças entre 7 e 14 anos a taxa de frequência bruta (que fornece o

percentual da população por faixa etária que frequenta escola, independentemente do grau de ensino

em que está matriculada) era de 86,6% em 1992, e passou para 98% em 2009 (os dados mostram

que o Brasil não universalizou o Ensino Médio). E um dado importante é que os indicadores de

frequência ao Ensino Fundamental não mostram grandes diferenças quando comparados entre

regiões, localização, gênero, raça ou renda. Devemos atentar que os 2% que estão fora da escola

representam cerca de 680 mil crianças.

O passo seguinte será encontrar uma forma de avançar na qualidade do ensino e a

regularização do fluxo escolar – manutenção da taxa de frequência, combate à repetência e

abandono dos estudos. Podemos dizer que, neste sentido, há um bom desenvolvimento nos Centros

Federais de Educação Tecnológica (CEFET). Mantidos pelo governo federal, os CEFETs se

espalham regionalmente por capitais e cidades do interior brasileiro e carregam no nome o adjetivo

de escolas de excelência. Neste nosso trabalho, nos concentramos em aspectos da formação ampla

do indivíduo, mas não podemos negar que a educação profissionalizante de qualidade é um passo

importante que pode levar o aluno do Ensino Fundamental a encarar o mercado de trabalho com

uma preparação de qualidade.

O que podemos notar é que no Brasil existe uma desigualdade de acesso que resultam

em diferentes condições escolares para os diversos alunos espalhados pelo país. Se na pesquisa

PNAD 2009 encontramos a indicação de que a frequência escolar no Ensino Fundamental não se

limita a localização, gênero, raça ou renda, o mesmo não pode ser dito quando a questão é relativa

ao tipo de escola que cada aluno frequenta.

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Numa escola que se apresente como sendo para todos, que “ensinasse tudo a todos”,

como imaginou Comenius, não pode viver este tipo de diferenciação. A diferenciação na escola

(uma realidade em muitas instituições escolares) reflete a sociedade que pretendemos combater: a

desigualdade social brasileira. Cada pai e cada mãe que coloca seu filho em uma escola espera que

ele possa compartilhar do direito cidadão ao qual, em hipótese, todos teríamos acesso. E, por isso,

esperamos com este trabalho poder colaborar para uma melhor qualidade de ensino, ao lado de

educadores mais honestos em relação ao que fazem – principalmente quando se trata da população

de baixa renda, a camada mais fragilizada e vulnerável de nossa sociedade. Imaginamos isso não

como uma utopia, mas como um fato concreto que pode ser conseguido através do esforço de cada

um que esteja envolvido neste processo.

5.1.2. A função da escola: dois pontos de vista.

A escola começou a ser encarada no Brasil dos anos 1960 e 1970 como uma instituição

que teria papel fundamental no desenvolvimento econômico do país, desta forma, seu objetivo seria

reproduzir as relações de trabalho e de produção, “mobilizando, para isso”, segundo Freitag (1979,

p. 8), “a ideologia da educação como forma de ascensão social e de democratização e

oportunidades”. Nestes termos, a escola também funciona como um instrumento de socialização,

mas uma socialização que opera em função da ideologia dominante. Nos parece que, embora cerca

de 4 décadas tenham se passado, a visão da maioria das pessoas (pais e alunos) sobre a escola não

tenha se alterado de maneira significativa.

Encaramos a escolarização como um meio de libertação das ideias dominantes. Em

nossa proposta, a escola deve ser um instrumento que possa levar à crítica ao sistema capitalista.

Esta crítica seria trabalhada através da categoria da linguagem que é uma das formas mais eficazes

de transmissão ideológica e que é utilizada pela televisão com grande eficácia. É um processo que

determina a apropriação pelos alunos de códigos linguísticos que fortalecem a ideologia dominante.

O trabalho da escola deveria ser melhor entender estes códigos e combater ideias que possam

prejudicar a autonomia do aluno – no caso deste nosso trabalho, ideias relativas à sociedade de

consumo e como ela se configura nos dias de hoje.

Se o acesso da classe trabalhadora à escola aumentou sobremaneira com os governos de

Lula, esperamos que a escola dê este tipo de suporte para que os filhos destes trabalhadores

enfrentem sua situação subalterna e que encontrem soluções para uma vida mais digna. Estas

crianças não precisam se formar com a mesma subserviência de seus pais que aceitaram o

enfraquecimento coletivo (greves, sindicatos etc.) como fato, e a exploração trabalhista como

destino. Para se reverter esta situação, é preciso promover a ideia de liberdade e igualdade que

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permeia todo este nosso trabalho e que se encontra de forma clara na obra de Marx. Em educação,

pode-se entender igualdade como um bem educacional distribuído entre os membros de uma

população, sem qualquer distinção. Este bem pode ser pensado como igualdade de acesso

(matrículas), igualdade de obtenção (também chamada de sobrevivência), igualdade de produção

(ou de alcance do aprendizado) e igualdade de resultados, ou o retorno decorrente da escolaridade.

Coleman (1968, p. 13) ainda inclui uma outra característica: “igualdade de tratamento ou acesso à

boa qualidade de professores, materiais e experiência educacional em geral” [tradução nossa].

Estariam aí as definições do que esperamos da escola neste início de século e como ela deveria se

apresentar à sociedade. Entendemos que esta seria uma escola plena que concorresse para a

formação integral do indivíduo porque entendemos que o objetivo amplamente entendido pelos pais

e alunos – a qualificação profissional – é apenas uma parte desta formação.

Mas antes de pensarmos numa escola que ofereça condições de desenvolvimento

pessoal para os alunos, defendemos que é preciso dar acesso às população de baixa renda para a

escola que temos hoje através de incentivos do governo federal como acontece com o programa

Bolsa Família. Segundo o Ministério de Desenvolvimento Social (BOLSA FAMÍLIA, 2011),

“diversos estudos apontam para a contribuição do Programa na redução das desigualdades sociais e

da pobreza. O 4° Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do

Milênio aponta queda da pobreza extrema de 12% em 2003 para 4,8% em 2008”. Apesar de todas

as acusações que este seria um programa assistencialista e eleitoreiro, nos parece que, na verdade,

ele serviu não apenas para garantir um maior número de alunos na escola, mas para reduzir um

pouco a má distribuição de renda, um dos problemas sociais mais graves no Brasil. Segundo o

relatório divulgado em julho de 2010 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD), o Brasil tem o terceiro pior índice de distribuição de renda do mundo. “Dos 15 países do

mundo nos quais a distância entre ricos e pobres é maior, 10 estão na América Latina e Caribe. O

Brasil tem o terceiro pior Índice de Gini – que mede o nível de desigualdade e, quanto mais perto de

1, mais desigual – do mundo, com 0,56, empatando nessa posição com o Equador” (HUMAN

DEVELOPMENT REPORT, 2010). O índice de Gini é a medida de desigualdade desenvolvida pelo

estatístico italiano Corrado Gini.

Chegamos a esta condição a partir de uma processo histórico de elevada concentração

da posse da terra já no Brasil colônia, lembrando que a nossa economia tinha como núcleo a

produção e exportação de produtos primários. Paralelamente, a escravidão que marcou

profundamente nossa sociedade em termos de racismo e do preconceito que persistem até hoje.

Mesmo depois da abolição do trabalho escravo, segundo Furtado (1967, p. 149), “praticamente em

nenhuma parte houve modificações de real significação na forma de organização da produção e

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mesmo na distribuição da renda”. Entendemos que a sociedade brasileira evoluiu e que hoje

contamos com um sistema jurídico que pode, teoricamente, reduzir o impacto negativo de questões

que envolvam o preconceito. Mas a população de baixa renda precisaria entender estes mecanismos

que podem protegê-la e, mais do que isso, compreender a sua situação de direito. Mas a herança

escravagista, que hoje atinge em maior grau a população negra (e financeiramente pobre) ainda

aparece com força em situações de clara subserviência dos mais pobres frente aos mais ricos

(geralmente, os não negros).

Sob estas condições, podemos pensar que a universalidade do acesso à escola, apesar de

importante, não avança nesta questão que, no nosso entender, está entre as principais causas da

desigualdade. Se as políticas públicas conseguiram criar condições para este acesso (pelo menos, ao

Ensino Fundamental), seria necessário começar a desenvolver mecanismos, através destas mesmas

políticas, para que a escola pública pudesse efetivamente se transformar em um local de formação

cidadã. Que instituição, senão a escola, poderia prover este tipo de formação dentro de um sistema

capitalista que se nutre da exploração do indivíduo trabalhador para, através da apropriação da

mais-valia, obter altos rendimentos? Como já foi dito, a escola pode ser encarada como um

“aparelho ideológico de estado”, mas será que está fadada mesmo a esta condição? Através das

noções do materialismo dialético de Marx, acreditamos que haja uma saída e ela estaria na

administração pública, ou melhor, no tipo de pessoa envolvida nesta administração. Aqui nos

interessa explorar a diferença entre os administradores que seguem uma corrente democrática (que

entendemos estar expressa de maneira geral nos Parâmetros Curriculares Nacionais) ou econômica.

Na história recente do Brasil, é esta segunda que prevalece. Entre 1965 e 1975, as inciativas

governamentais para a educação tiveram uma intensidade sem precedentes.

Convocam-se Conferências Nacionais de Educação e Colóquios Regionais sobre os Sistemas de Educação; desenvolvem-se planos (trienais, quinquenais e decenais) globais e setoriais em que a educação é destacada como fator estratégico do desenvolvimento; redefinam-se as leis para três níveis de ensino; reformulam-se os currículos e instrumentos de avaliação dos alunos; e, o próprio conceito de educação é revisto e reinterpretado sob um novo enfoque: o econômico (FREITAG, 1979, P. 11).

A partir dos anos 1970, a teoria do capital humano foi amplamente difundida no Brasil

pelos economistas, 20 anos mais tarde, a educação escolar passou a enfatizar o capital humano

individual que habilita as pessoas para a competição por trabalho. Como afirma Setúbal (2010, p.

347), “de forma direta ou indireta, a discussão atual sobre os rumos da educação brasileira passa por

um debate que envolve uma postura, se não exclusiva, marcadamente defendida por uma

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perspectiva economicista [...]”. A autora ainda escreve que

A visão da educação do ponto de vista dos economistas não é nova no Brasil, e remete-se aqui à ótima análise realizada por Almeida (2008)3 em “O assalto à educação pelos economistas”. Nesse texto, a autora analisa o fortalecimento da posição dos economistas no campo educacional e o enfraquecimento da posição daqueles que ela chama de bacharéis- educadores. Ao retomar o debate da década de 1970 […], ela mostra como as discussões dos economistas se deslocaram do binômio educação e crescimento econômico para o tema educação e distribuição de renda (SETÚBAL, 2010, p. 347).

A visão economicista da educação sustenta que a distribuição de renda no Brasil está

relacionada à escolaridade e que esta favoreça a participação mais plena do cidadão na economia e

na sociedade modernas. Aqui não se discute que num mercado de trabalho competitivo, onde o

número de empregos não acompanha o crescimento da população, a capacitação profissional de alto

nível seja indispensável àqueles que queiram sobreviver. Mas entendemos que ao colocar a “culpa”

do desemprego no indivíduo (que não estudou e não se capacitou como deveria) opera-se com uma

carga ideológica que esconde as debilidades do sistema capitalista que, na verdade, não se apresenta

como democrático. Num artigo escrito em 1972 para a revista The American Economic Review, o

economista estadunidense Albert Fishlow escreve que “o sistema educacional brasileiro é, em si

mesmo, um mecanismo que mantém a estrutura existente, reservando acesso ao diploma àqueles

que têm pais escolarizados e que dispõem de uma renda razoável” [tradução nossa] (FISHLOW,

1972, p. 397).

Na nossa visão, uma das funções da escola pública na sociedade é, sim, formar para o

mercado de trabalho, mas é, principalmente, promover um tipo de formação que propicie o

desenvolvimento de mentes que pensam, e que avaliam, para que os alunos atinjam uma autonomia

que leve o grupo, a sociedade, a uma pluralidade de ideias. Ao se promover uma educação que vise,

majoritariamente, o mercado de trabalho, entendemos que se caminha em sentido oposto. O

objetivo não é conferir autonomia ou pluralidade de pensamento ao indivíduo, mas massificá-lo

dentro da lógica trabalhista da produção em série, automatizada. Estamos longe da época em que

Charles Chaplin retratou o operário robotizado no filme Tempos Modernos (CHAPLIN, 1936),

hoje, mesmo que ainda existam operários deste tipo, espera-se iniciativa, criatividade e raciocínio

do empregado, mas tudo dentro de um sistema pré-estabelecido. O tema nos faz lembrar um artigo

de Anísio Teixeira, publicado originalmente em 1956.

3 ALMEIDA, Ana Maria F. O assalto à educação pelos economistas. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 20, n. 1, 2008.

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A “produção” fundada, assim, em planos uniformes e na repetição indefinida das mesmas fases operatórias faz-se algo de quase automático, reduzindo-se ao mínimo a participação individual do operário e exaltando-se ao máximo a contribuição central no sentido de planejamento e decisão. Toda a organização industrial funciona, então, como um organismo, com as funções centrais de deliberação e as funções automáticas de execução. (TEIXEIRA, 2005, p. 24).

E completando o pensamento,

A concentração de poder na produção industrial seria, principalmente, um resultado da aplicação de métodos uniformes e mecânicos de produção. Os dois fenômenos são diversos, embora, tanto em um quanto em outro caso, se registre a mesma subordinação do indivíduo à organização, com perda conseqüente de independência e liberdade individual […] (Ibidem).

Anísio Teixeira mostra neste artigo como a administração pública do sistema escolar

passou a se espelhar na organização industrial, quando foi unificada e passou a ser dirigida pelo

governador e pelo secretário de educação. A extinção dos antigos Departamentos de Educação fez

com que a administração escolar perdesse a autonomia e passasse a depender das verbas federais a

ela destinada.

Desse jeito, as reformas provocaram praticamente uma perda do espírito profissional na direção das escolas – pois o cargo de secretário não podia e nem pode ser técnico – e ao mesmo tempo, por mais paradoxal que pareça, foram aumentadas terrivelmente as responsabilidades técnicas dessa direção. Com efeito, transformando todas as escolas, com os quadros únicos para todo o Estado, em uma só imensa escola, obrigou o administrador, isto é, o governador com o seu secretário, à tarefa impossível de administrar o sistema escolar, com um todo único, nomeando, removendo e promovendo, não em cada escola, mas em todo o Estado, o seu professorado, o seu pessoal administrativo e o seu pessoal subalterno. (Ibidem, p. 32)

Desta forma, a administração escolar se orienta com base na organização industrial

(espírito de “racionalização”) e forma alunos para a indústria. Contrário a isso, concordamos com as

ideias de Anísio Teixeira que defendia uma escola que promovesse um processo de educação de

cultura individual, com alunos e professores autônomos para conduzir a vida na escola dentro da

realidade de cada comunidade local, em cada momento histórico.

A educação é um cultivo individual, diferente em cada caso. Quem se educa é o aluno e a ele tem o mestre de atender. Se algum serviço jamais terá aspecto mecânico, este será o da educação. Ciência, técnica e filosofia da educação sempre hão de constituir não receitas, mas esclarecimentos para conduzir a experiência única e exclusiva, que é a educação de cada um. […] Todas (as escolas) deverão ter o máximo de autonomia, sendo a sua unidade não imposta, embora resultante e

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resultado de idéias comuns, conhecimentos comuns e práticas comuns. Nessa unidade, haverá todas as diversificações, segundo as circunstâncias de tempo, lugar e pessoa (Ibidem, p. 35).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais trazem um discurso que respeita a diversidade

cultural do país, mas, talvez por terem sido concebidos dentro de uma orientação neoliberal,

também estabelecem nas escolas a interação escola e mercado de trabalho. Embora reconhecendo

esta diversidade, tendem a indicar que elas devem se incorporar à cultura dominante. Seria

ingenuidade pensar diferente já que os Parâmetros tiveram uma versão preliminar em 1995 e foram

publicados entre 1997 e 1998 (1ª a 4ª séries e 5ª a 8ª séries) durante o governo de Fernando

Henrique Cardoso, que defendia a livre concorrência no mercado sob forte influência da economia

do mundo ocidental. As principais críticas aos documentos os acusavam de reacionário, político e

ideológico. Os críticos seguem as ideias de Apolônio Abadio do Carmo (que trabalhava com

inclusão escolar) e que defende que “é contraditório um professor desenvolver um trabalho

pedagógico que parta do respeito às individualidades dos alunos, em escolas organizadas na

perspectiva de que todos os educandos são iguais” (CARMO, 2006, p 57). O problema das políticas

educacionais estaria em propor a transmissão do saber em benefício do aluno e da sociedade, sem

questionar quem é este aluno e que sociedade é essa.

Entendemos que o desenvolvimento do pensamento crítico do aluno é pode levar a

resultados que promovam o desenvolvimento na área da educação. Não podemos negar um avanço

neste sentido dos PCNs que pregam a adoção de temas transversais como ética, orientação sexual,

ambiente, saúde, estudos econômicos e pluralidade cultural – questões altamente pertinentes quando

imaginamos uma educação para a vida num sentido amplo. Podemos dizer que a escola brasileira se

apresenta como um aparelho ideológico de estado mas nós, professores, não precisamos endossar

esta postura. Os professores sabem a autonomia que têm em sala de aula e mesmo que os PCNs

avaliem as escolas e o corpo docente segundo critérios voltados para as estruturas administrativas e

de reforço ao controle burocrático, podemos, criticamente, entender que dentro de uma instituição

escolar estes parâmetros devem concorrer para aquilo que é mais importante dentro de uma escola,

a formação do aluno.

Existe uma tendência uma tendência radical no meio acadêmico que aceita ou rejeita

certas orientações ou teorias. Propomos aqui que temos liberdade de adotar os PCNs naquilo que

têm de melhor: os temas transversais e as propostas humanistas, estas sim válidas para a formação

do aluno. A escola é realmente fruto da sociedade que a produziu, mas pode ser também um local de

ensaio e experimentação conjunta (entre alunos e professores) que possam um dia responder a

alguns problemas sociais. Neste sentido, 14 anos depois da aprovação dos PCNs, e com o governo

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de Dilma Roussef, que deve seguir as linhas básicas do governo Lula, com grande apoio popular,

poderia ser este o momento de fazer uma revisão sobre os Parâmetros no sentido de reforçar-lhes o

cunho de formação intelectual do aluno, que se sobreporia à orientação para o mercado de trabalho.

5.2. A OBSERVAÇÃO E A INTERAÇÃO COM ALUNOS E PROFESSORES.

Conforme colocado no capítulo sobre os referenciais teóricos e metodológicos, fizemos

uma análise através da observação participativa no Colégio Pedro II com uma interpretação de

dados retirados do concreto com uma reanálise a partir da teoria. Neste contato humano com os

indivíduos que participam deste universo escolar, encontramos bases para a denúncia de que a

educação para o consumo, promovida pela mídia, deve ser tratada com seriedade (e não apenas

como mais um fato social). O que está sendo feito com as crianças de hoje e que adultos serão

estes? Que futuro é reservado para uma sociedade que imagina encontrar na aquisição de bens

materiais as respostas para as suas frustrações e o objetivo maior de sua existência? São algumas

perguntas sobre as quais tentaremos refletir.

5.2.1. A criança no mercado midiático de consumo.

Antes de começar nosso trabalho de campo tentamos identificar a influência da mídia e

do consumo na atual geração de crianças e jovens brasileiros. Para tal, nos baseamos em duas

publicações. A primeira leva o título de ‟Classificação indicativa: construindo a cidadania na tela da

tevê”, foi editada numa parceria da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), a Save

the Children Suécia, a Fundação Avina e o Ministério da Justiça com o objetivo de debater, sob

diferentes perspectivas teóricas, a prática da classificação, apresentando uma Nova Classificação

Indicativa, resultado das discussões que o Ministério da Justiça, por meio de sua Secretaria

Nacional de Justiça, realizou entre 2002 e 2006 em parceria com órgãos estatais, com empresas de

comunicação e organizações não-governamentais. A segunda, é uma pesquisa, intitulada “Criança,

televisão e valores morais”, realizada entre 2004 e 2006 e publicada em livro em 2008, com o título

de ‟A televisão pelo olhar das crianças”. O trabalho tem como responsável o Grupo de Pesquisa em

Educação e Mídia (GRUPEM), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-

Rio.

Assumimos como pressuposto que os alunos do Colégio Pedro II apresentam

características similares ao universo abordado nestes dois textos.

5.2.1.1. O texto Classificação indicativa: construindo a cidadania na tela da tevê.

Não acreditamos na eficácia do sistema de classificação indicativa pelos seguintes

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motivos. Ele não garante que a criança e o adolescente deixe de assistir a certos programas porque,

conforme foi colocado anteriormente, a ausência dos pais pelos compromissos impostos pela vida

moderna não lhes dá possibilidade de regular a que tipo de programas os filhos irão ou não assistir.

Em segundo lugar porque não acreditamos que a proibição caseira seja eficaz, uma vez que as

crianças têm acesso à televisão e a mídia em locais fora de casa. Acreditamos sim, que eles devem

aprender a assistir à televisão com possibilidades críticas. Apesar disso, como a classificação

indicativa está voltada para o público infantil e juvenil, nos interessou o capítulo do texto intitulado

‟A relação entre a criança, o adolescente e a mídia”.

No capítulo (VIVARTA, 2006, p. 86), os autores colocam que, enquanto o conceito de

infância (como diferenciação do mundo adulto) surge apenas na Renascença, ‟a adolescência [...]

consolida-se como um grupo social específico no século XX, ao mesmo tempo em que se

fortalecem os principais sistemas de mídia eletrônica – o que não é, no todo, uma mera

coincidência”. O texto coloca a televisão ao lado da escola como instrumentos de socialização de

crianças e adolescentes, reconhece o poder da TV e a desvantagem da audiência infantil frente a

esta situação: “é fato, [...] que, nessa interação, o poder exercido pela tevê sobre sua audiência

infanto-juvenil é muito maior do que ocorre no sentido oposto, ou seja, da audiência sobre as

emissoras. (Ibidem, p. 91).

Em outro momento, encontramos informações sobre o impacto da TV extraídas da

experiência dos Estados Unidos – uma declaração conjunta da sociedade médica do país norte-

americano, que reúne diversas associações, assinada por renomados médicos.

Declaração conjunta sobre o impacto nas crianças da violência veiculada pelos espaços de entretenimento (Cúpula do Congresso sobre Saúde Pública, 26 de julho de 2000). Há atores na indústria de entretenimento que sustentam o seguinte: 1) a programação com conteúdos violentos é inofensiva porque não há estudos que comprovem a relação entre entretenimento violento e comportamento agressivo por parte das crianças, e 2) o público infanto-juvenil sabe que televisão, filmes e videogames são apenas fantasia. Desafortunadamente, eles estão equivocados em ambas as afirmações. Nesse momento, mais de 1.000 estudos – incluindo relatórios do primeiro escalão da área de saúde do governo federal, do Instituto Nacional de Saúde Mental e inúmeros estudos conduzidos por reconhecidas lideranças no campo médico e da saúde pública – nossos próprios membros – apontam incontestavelmente para uma conexão causal entre violência na mídia e comportamento agressivo em algumas crianças. A conclusão da comunidade da saúde pública, baseada em 30 anos de pesquisas, é que consumir violência através dos programas de entretenimento pode levar a um aumento em atitudes, valores e comportamentos agressivos, particularmente nas crianças (VIVARTA, 2006, p. 93).

Entendemos que o documento encara com preocupação a influência que a televisão

exerce sobre o público jovem. E ao propor uma nova classificação indicativa, pretende proteger a

criança deste possível agressor.

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[…] em que pese a relevância dos direitos das diversas minorias políticas na formatação do sistema de Classificação Indicativa, não podemos deixar de reconhecer a centralidade dos direitos das crianças e adolescentes para a configuração final de um modelo de regulação como este. Assim, a fim de salientar as fontes primárias dos direitos aos quais devemos prestar especial atenção é importante mencionar o artigo 3º da Constituição Federal e também o artigo 227. Ressalte-se ainda o texto do artigo 17 da Convenção sobre os Direitos da Criança, documento em que os Estados signatários comprometeram-se a prover a seus meninos e meninas programação de qualidade. A Convenção reconhece claramente o importante papel da comunicação de massa no desenvolvimento integral dos mais jovens (Ibidem, p. 96 e 97).

5.2.1.2. A pesquisa A televisão pelo olhar das crianças.

O segundo texto que elegemos para delinear a relação das crianças com a mídia tem um

cunho menos oficial, por assim dizer. A pesquisa começou em 2004 a partir de um spot televisivo

exibido da antiga TVE (hoje TV Brasil) e TV Cultura de São Paulo com um convite a crianças de 8

a 12 anos dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais para que enviassem a uma caixa

postal textos e desenhos que expressassem a sua opinião a respeito da TV: programação, programas

prediletos, o que gostavam e não gostavam de assistir. Foram enviadas 980 respostas, entre textos e

desenhos, coletados, basicamente, por professores de escolas públicas e privadas. Os organizadores

consideraram o material recebido

[…] extremamente rico e interessante e que demonstra o alto grau de expertise por parte das crianças no que diz respeito ao que veem: elas analisam a televisão com muita competência, demonstrando conhecê-la também pelo lado de dentro […] O texto evidencia que as crianças avaliam que a televisão tem um papel social a cumprir e têm propostas de como ela pode cumpri-lo; apresentam reflexões a respeito do conteúdo do que é exibido e […] mostram-se capazes de estabelecer diálogos criativos com a programação, de analisar criticamente os produtos e, inclusive, de sugerir mudanças (DUARTE, 2008, p. 09 e 12).

A partir do recebimento do material, os membros do Grupo de Pesquisa em Educação e

Mídia (GRUPEM), vinculado à PUC-Rio, fizeram uma análise temática da qual resultaram 9 artigos

publicados em livro. Destacamos alguns destes artigos como os mais relevantes ao nosso trabalho

de pesquisa. Num deles, intitulado Telenovela como porta de entrada para o mundo adulto, a autora

revela que 75% das crianças indicam como seus programas favoritos aqueles que não são

destinados a elas, incluindo as telenovelas do horário noturno (a exceção ficou para ‟Malhação” da

Rede Globo).

A palavra ‟novela” foi citada em 199 dos 577 textos analisados. Deste total, 37 citações ressaltam aspectos negativos das novelas e 127 ressaltam aspectos positivos; 35 crianças enfatizaram em seus textos tanto os aspectos negativos,

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quanto positivos, admitindo, por exemplo, que acompanham as histórias, mas sabem que muitas vezes há cenas impróprias, ou que a novela os induz ao consumo exacerbado (FISCHBERG, 2008, p. 112).

Na visão das crianças, aspectos negativos seriam por exemplo, segundo uma menina de

12 anos (Ibidem, p. 114), porque ‟as novelas estão deixando o seu lado cômico e partindo para as

cenas eróticas; há novelas que sempre mostram o mal vencendo o bem, sem que nunca se mostre a

realidade.” Ou então a indução ao consumo:

‟A TV influencia muitas coisas, principalmente as novelas. As pessoas ficam viciadas em tudo que se fala, em todos os comerciais, e tentam ficar iguais às atrizes”, afirma uma menina de 9 anos. Outra menina de 10 anos escreve sobre a ‟febre consumista”: ‟Gosto de diversas coisas na televisão, como desenhos e novelas, mas às vezes ela nos estimulam a comprar demais. Fazem sempre propaganda do que elas acham que é moda”. Duas outras meninas, estudantes de uma escola particular do Rio de Janeiro, escreveram juntas: ‟As novelas são legais, mas às vezes te enganam demais (Ibidem, p. 115 e 116).

Alguns aspectos positivos ressaltados são as ações sociais como a divulgação do uso de

preservativos em relações sexuais ou, como escreve um menino de 12 anos (Ibidem, p. 115), ‟eu

gosto da televisão porque ela tem programas que ajudam crianças e adolescentes carentes.” Na

conclusão do texto, a autora coloca que as crianças apresentam relativa capacidade crítica em

relação à TV e que as questões colocadas pelas crianças mereceriam uma discussão dentro da

família e da escola.

O artigo intitulado O consumo audiovisual culturalmente ativo na infância ressalta a

importância da televisão para as crianças: Segundo o autor (ALEGRIA, 2008, p. 88), ‟têm noção da

dimensão planetária do sistema de comunicação televisiva, reconhecem a relevância desse meio de

comunicação.” A este respeito, o artigo destaca uma das cartas, enviada Pedro, de 9 anos, habitante

do interior de Minas.

A verdade é que a televisão tem um significado muito grande na vida de um ser humano. Não importa a idade ou posição social, ela veio e tomou conta do planeta, pois é na frente da telinha que a maioria das vezes damos os melhores sorrisos, nos emocionamos com alegrias e deixamos, às vezes sem perceber, rolar uma lágrima no rosto ao ver uma transmissão de um belo jogo numa final de copa do mundo, ou, infelizmente a poder ver do outro lado do mundo aviões se chocando contra as mais belas torres gêmeas, nos Estados Unidos. Esta é a prova de que a TV é sem dúvida uma forma extraordinária de demonstrar ao mundo os mais belos espetáculos ou o mais triste que os nossos olhos já viram. Portanto é a TV o maior meio de comunicação existente (Ibidem).

O artigo revela que os textos enviados pelos alunos mostram ideias de que a TV

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‟interliga o mundo todo”, que ‟a televisão é para todos”, ‟distrai”, ‟alegra”, ‟é criativa”, mas

também ‟vicia”. Também colocam a televisão como uma intrusa que muda a rotina familiar, como

no texto a seguir de uma menina de 10 anos do interior de Minas Gerais (Ibidem, p. 90): ‟Pena que

a TV tomou todo o tempo da família, hoje os pais preferem ver um bom filme do que dialogar com

seus filhos e os filhos por sua vez se prenderam aos desenhos, filme, novelas deixando de lado o

convívio familiar.” O autor coloca que os textos refletem a mediação da família e da escola a

respeito dos conteúdos televisivos. Por outro lado, as crianças também sofrem influência em casa

porque mostram a necessidade de se manter informadas sobre ‟tudo” o que acontece no mundo. Por

fim, o artigo conclui que os textos produzidos dentro das escolas sofreram influências morais dos

professores (e do ambiente escolar) quando condenam a televisão, embora os alunos se sintam

atraídos por ela o que, na visão do autor (Ibidem, p. 93), ‟indica contexto cultural ativo no processo

de recepção que buscamos investigar.”

5.2.1.3. A força da televisão no século XXI.

As duas publicações confirmam que ainda é grande o papel social que a televisão exerce

sobre a sociedade de hoje, ainda que se tenha visto um desenvolvimento extremamente rápido da

internet e que outras possibilidades de divertimento caseiro – como os filmes em DVD e os jogos

em vídeo – não roubaram completamente a atenção deste aparelho, mesmo que os índices de

IBOPE (ainda que falhos e tendenciosos, mas como única forma de medir a audiência) tenham

caído em relação a outras épocas, conforme já colocado neste trabalho.

A classificação indicativa demonstra uma certa preocupação do governo federal em

regular a exibição do conteúdo televisivo, ao tentar proteger as minorias e as crianças, fato que

merece mérito, mas que peca quando vemos que as políticas públicas em relação à mídia se

ausentam das discussões a respeito das concessões públicas – uma vez conseguidas, as emissoras se

colocam numa posição autoritária como se não devessem mais satisfações à sociedade. De qualquer

forma, esta aí o dado de que o Ministério da Justiça faz algum movimento neste sentido e, assim,

demonstra que entende esta influência sobre a população.

A segunda publicação, apesar do empirismo, dá voz às próprias crianças, dificilmente

ouvidas neste tipo de pesquisa. Aí, nos parece claro que a TV, como fruto do capitalismo, mostra

toda a ambiguidade do sistema, fato que é percebido e demonstrado pelos textos destas crianças e

jovens. Sabemos como são difíceis de avaliar os estudos sobre recepção e quantos fatores estão

envolvidos na produção de discursos sociais, permeados pela ideologia, o que faz com que se torne

improvável o reconhecimento da diferença entre o que pensamos como indivíduos autônomos e o

que o senso comum nos induz a pensar. A pesquisa também mostra de que ainda é grande a

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influência da TV na sociedade brasileira.

Nossas crianças estão submetidas dezenas de horas por semana à sua influência, nossas eleições são reguladas por ela, nosso conhecimento sobre a sociedade tem sido mediado pela telinha (como a chamam os franceses) e por várias vezes se tentou até a ‟modernização” da escola através do uso desse aparelho (nos vários sentidos) em salas de aula (ANDRADE, 2010, p. 01).

A pesquisa colocou a televisão na sala de aula e fez com que os alunos tivessem contato

com ela de uma outra maneira, isso nos pareceu relevante. Mas a influência da TV se revela muitas

vezes não exatamente pelo olhar dos alunos, mas por discursos por eles assimilados (de professores,

pais, das ruas etc.) e reproduzidos como um senso comum. Existe aí um exercício crítico?

Acreditamos que sim, mas permeado pela forma como a televisão se vende: informativa, a serviço

do público, ‟uma janela para o mundo” etc. As crianças não conseguem perceber que, segundo

Andrade (Ibidem, p. 02), ‟a ʻrealidadeʼ, que nos é apresentada pela TV [...] não é exatamente a

realidade que veríamos se estivéssemos presentes”.

A primeira conseqüência dessa afirmação é que num discurso assim, a responsabilidade da interpretação caberia a seus autores. O produtor assumiria assim, com suas contradições, as contradições do próprio processo de transmissão. Desse modo, o sentido pernicioso do discurso seria casual, como casual seria o posicionamento político de seu autor. Se assim fosse não seria raro a constatação da individualidade de seus autores ao longo de uma programação às vezes contraditória. No entanto o que podemos testemunhar é a uniformidade do tratamento, variando apenas o nível léxico do discurso. […] Nessa ‟novela telejornalística” a TV não é somente seu autor, mas seu ator principal pois é ela que ‟vai até o local dos acontecimentos” e somente graças a ela o ‟mundo chega até nossas casa em encontros pontualmente marcados” (Ibidem, p. 02 e 03).

Neste estágio da vida, as crianças podem ainda não entender estes conceitos, mas

acreditamos que os textos recolhidos pela segunda publicação apresentada, assim como a reação dos

alunos com que trabalhamos no Colégio Pedro II, sejam reveladores no sentido de demonstrar que a

televisão pode e deve ser discutida com as crianças. E que este é um público receptivo para tal

discussão como veremos mais a frente. Conforme dissemos, nos baseamos no universo desta

pesquisa como forma de comparação em nossa observação participativa.

5.2.2. A sala de aula da professora Tatiana Bukowitz.

Nossa descrição da sala de aula da qual fizemos parte como pesquisador ficaria

incompleta sem fazermos uma abordagem sobre a professora. Nos pareceu claro durante a

observação participativa que a sua postura é fundamental para o desenvolvimento do trabalho na

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disciplina de Sociologia na escola. A docente entrou para o Colégio Pedro II no início de 2009, um

ano depois do começo da experiência como professora de Sociologia, que se deu em uma escola

particular. Com graduação em Ciências Sociais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Tatiana

Bukowitz e, depois de concluir o curso de 2 anos de licenciatura, ingressou no programa de pós-

graduação do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), onde concluiu seu

mestrado. A professora tem experiência em viagens de observação pela Europa e recebeu bolsa de

estudos do Ministério da Educação do Japão para estudar durante 1 ano em Tóquio. Quando voltou

ao Brasil, Tatiana trabalhou na Fiocruz num projeto integrado com o Museu Nacional, com o

cruzamento da história, ciências e saúde. O projeto interdisciplinar sobre a história do Adolf Lutz

lhe deu esta perspectiva que posteriormente seria adotada na sua prática escolar. Tatiana,

(BUKOWITZ, 2010a, p. 01) sempre teve “muita vontade de dar aulas para crianças” e esta

determinação a levou ao Colégio Pedro II.

Segundo (Zeichner, 1993, p. 17), “cada um deve responsabilizar-se pelo seu próprio

desenvolvimento profissional. A universidade pode, quando muito, preparar o professor para

começar a ensinar”. Temos duas considerações a fazer a respeito desta ideia. Defendemos que a

formação do professor é essencial para desenvolver trabalhos como a crítica da mídia ou da

sociedade em sala de aula e, não é apenas num curso universitário que o professor encontrará esta

formação. Assim, entendemos que uma bagagem de experiências, como exibe a professora Tatiana é

fundamental para que possam ser formados sujeitos críticos porque o professor deve ter tido

condições de se transformar em primeiro lugar, ele mesmo um sujeito crítico. Segundo Tardif

(2004, p. 240), como “sujeitos de conhecimento”, os professores “deveriam ter o direito de dizer

algo a respeito da sua própria formação profissional”.

Por outro lado, descordamos das correntes que culpabilizam o professor como principal

responsável do fracasso escolar. O desprestígio e as condições que levaram ao desinteresse pela

carreira de docente no Brasil (pelos baixos salários, por precárias condições de trabalho, por

extensas cargas horárias etc.) desobrigam os indivíduos que, mesmo assim, escolheram a profissão,

de buscar uma formação mais ampla, mesmo porque não teriam condições materiais e tempo para

tal. Por isso, mudanças radicais nas políticas públicas são necessárias para promover uma ampla

formação de professores que leve em consideração modelos que concebam o professor capaz de

realizar, segundo Zeichner (1993, p. 25), “um processo de libertação de sua personalidade que o

ajude a desenvolver-se a si mesmo no seu modo peculiar de ser”.

Este fato marcou muito a nossa pesquisa em sala de aula. A professora Tatiana se

declara marxista e demonstra uma atitude marcante e convincente na defesa do materialismo

histórico. A sua postura crítica em relação à sociedade capitalista (e mesmo à Educação) faz com

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que consiga argumentos incisivos para questionar as incoerências do sistema em sala de aula, fatos

que a incomodavam desde criança.

Eu sentia essas relações de poder. E eu percebia que existiam relações invisíveis entre as pessoas. E essas relações invisíveis não eram explicadas pra mim. Por que essas pessoas tem esse comportamento, por que outras tem outro? Por que minha família é desse jeito, por que outra família de outro? Por que eu gosto disso e outras pessoas não? Eu imaginava que tinha algumas explicações pra isso. (BUKOWITZ, 2010a, p. 03).

Algumas respostas, segundo a professora, começaram a surgir através de mestres que

lhe marcaram definitivamente, docentes que optavam por uma pedagogia libertadora e que pudesse

desenvolver o sentimento crítico nos alunos. Uma classe de professores dedicados ao seu trabalho e

que entendem a importância da sua profissão.

Os saberes docentes são fruto da reflexão crítica que os professores fazem da realidade educacional. Numa situação de diversidade, o professor deve prestar atenção que para leccionar na diversidade cultural, o professor deve saber: 1) trabalhar na incerteza e na complexidade; 2) ser afetivo, mobilizando carinho, atenção, cuidado, diminuindo a tensão e promovendo o relaxamento; 3) respeitar e considerar as diferenças entre os alunos, acompanhando o processo de formação de identidades culturais híbridas; 4) selecionar formas de comunicação e interação durante as aulas que sejam eficazes para o ensino e a aprendizagem. (DIAS e ANDRÉ, 2009, p. 84 e 85).

Apesar de ser uma mulher com 33 anos de idade, Tatiana sabe se aproximar da classe

com uma linguagem jovial que usa termos próprios das crianças e adolescentes de hoje que moram

no Rio de Janeiro. Ele se refere à turma com a gíria “galera”, pergunta se entenderam com um

“sacô?”, além de usar termos como “parada” (“entenderam a parada?”, para se referir a alguma

questão). Desta forma, estreita a comunicação com a turma e, mesmo na postura de professora, que

a destaca dos alunos, consegue se aproximar afetivamente das crianças e adolescentes. Uma postura

que pode ser inserida no socioconstrutivismo, desenvolvido a partir dos estudos de Vigotsky (2003)

que dá grande importância à interação social e à informação linguística para a construção do

conhecimento. O núcleo do processo passa a ser a funcionalidade da linguagem, o discurso e as

condições de produção. Cresce a importância do professor como alguém que interage com os alunos

por meio da linguagem.

Esta proximidade também nos pareceu importante para quebrar a estranheza a respeito

de temas e ideias às quais os alunos não estão acostumados. É uma postura favorável à intenção da

professora de fazer os alunos passarem por um processo de auto-conhecimento tão necessário para a

formação do sujeito crítico que possa alcançar a autonomia. Conforme nos disse a professora

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Tatiana,

O pensamento crítico, na minha visão, é a possibilidade da emergência de uma alteridade original. E da vivência de uma identidade individual singular. Essa alteridade, essa singularidade dependem da autonomia, de um pensamento autônomo. E esse pensamento autônomo só pode existir se houver um espaço para o questionamento. (BUKOWITS, 2010a, p. 08)

Em seu trabalho a respeito do behaviorismo radical, Skinner (1987, p.18) apresenta o

homem como objeto do controle do ambiente, depositário de influências, passivo, mero reflexo de

determinações externas e alheias a ele. Por outro lado, mostra que “o mundo em que nós vivemos é

amplamente uma criação das pessoas”. Vivemos esta ambiguidade de sermos criadores e vítimas de

nossas criações. Ao olharmos com olhos amargos para o mundo, devemos entender que nós,

individualmente, também somos responsáveis por este estado das coisas. Faz parte do trabalho de

auto-reconhecimento de cada um entender como o povo brasileiro tem sido submisso, podemos

dizer, depois do fim da ditadura militar. Esta perspectiva poderia fazer parte de formação do aluno

para afastar a condição de sujeito alienado a que, em larga medida induzida pela mídia, a maioria da

população brasileira parece se encontrar.

Alienação parece se antagonizar com a noção de homem como sujeito, isto é, como agente, como ser ativo, capaz de imprimir direção a suas ações, a sua vida. Se isto for verdade, novos elementos devem ser considerados para constituição deste homem: a variabilidade e o contato com a realidade, pois a condição básica para a construção de um homem assim concebido é a sensibilidade ao mundo e às suas transformações. Talvez o grande problema seja descobrir as condições que possibilitam tal construção. Com certeza entre elas não estará uma sociedade disciplinadora, porque seleção implica sempre variação e os homens para serem sujeitos não podem ser regidos por regras (MICHELETTO, 1993, p. 07 e 08).

Para que os alunos possam alcançar uma visão de mundo em que possam avaliar as

regras impostas socialmente, é fundamental que o professor pode ter atingido um estágio intelectual

que lhe permita exercer o pensamento crítico.

Uma das características das aulas de Sociologia a que assistimos no Colégio Pedro II foi

a proposta de fugir do caráter normativo da educação e oferecer um sentido contextualizado do

programa adotado pela disciplina. Segundo a professora Tatiana Bukowitz, (BUKOWITZ, 2010a, p.

03) “a minha primeira irritação pedagógica é que as coisas são ensinada como se elas fossem assim

e ponto final. E as coisas não são, elas são criadas. Criadas como? Por quê? Pra quê? Em que

contexto? Até quando? Servem para quem? Qualquer tema disciplinar deve ser ensinado desta

maneira”. É esta forma de postura dialética que presenciamos nas aulas que abordavam, entre outros

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tema, a crítica ao capitalismo que nos parece conveniente quando pretendemos desenvolver o

sentido crítico com os alunos. A hegemonia dominante precisa ser questionada em sala de aula

como forma de emancipação do indivíduo.

[…] a concepção de mundo hegemônica é exatamente aquela que, mercê de sua expressão universalizada e seu alto grau de elaboração, logrou a obter consenso das diferentes camadas que integram a sociedade, vale dizer, logrou converter-se em senso comum. É nesta forma, isto é, de modo difuso, que a concepção dominante (hegemônica) atua atua sobre a mentalidade popular articulando-a em torno dos interesses dominantes e impedindo ao mesmo tempo a expressão elaborada dos interesses populares […]. O senso comum é, pois, contraditório, dado que se constitui num amálgama integrado por elementos implícitos na prática transformadora do homem de massa e por elementos superficialmente explícitos caracterizados por conceitos herdados da tradição ou vinculados pela concepção hegemônica e acolhidos sem crítica [tradução nossa] (GRAMSCI, 1977, p. 13).

A crítica nasce, no nosso entender, da desconfiança ou da ideia de que os dados sociais

são construções ideológicas. Para que os alunos tenham a possibilidade de alcançar esta condição, é

conveniente mostrar que tudo pode ser questionado, como entende a professora entrevistada:

“exitem algumas coisas que são muito pertinentes explicar porque são criadas. Como, por exemplo,

o sistema de poder. Como, por exemplo, quem detêm o conhecimento. Como, por exemplo, quem

controla as ideias e define as ideias das pessoas, porque as ideias definem comportamentos”

(BUKOWITZ, 2010a, p. 03). Conforme descrevemos acima, Tatiana não pode ser considerada uma

professora com a formação padrão de outros docentes do Ensino Fundamental. Sua formação,

superior à média dos professores do Ensino Fundamental, lhe dá possibilidades intelectuais para

exercer o senso crítico com embasamento teórico, mas como ela se interessou em chegar a este

nível? Segundo a professora, foi um processo que se desenvolveu deste a infância quando percebia

as relações de poder dentro da sua família. Acreditamos que estas relações de poder podem ser bem

compreendida pelas crianças se for corretamente explicada e colocada com conceitos que estejam

dentro de seu universo de entendimento. Em A Distinção, Pierre Bourdieu coloca que uma classe

social não se define apenas a partir de uma propriedade (volume ou estrutura de capital), nem por

uma soma de propriedades (sexo, origem, etnia etc.) mas por uma estrutura de relações entre todas

as propriedades.

[…] trata-se também de apreender a origem das divisões objetivas, ou seja, incorporadas ou objetivadas em propriedades distintas, com bases nas quais os agentes têm mais possibilidades de se dividirem e de voltarem a agrupar-se realmente em práticas habituais, além de mobilizarem ou serem mobilizados – em função, é claro, da lógica específica, associada a uma história específica, das organizações mobilizadoras – pela e para a ação política, individual ou coletiva

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(BOURDIEU, 2007, p. 101).

Em termos teóricos, acreditamos que seria difícil ensinar uma criança a respeito da

distinção entre classes e as relações de poder entre elas. Mas, desde que nasce, a criança assiste em

casa à disputas de poder (entre seu pai e sua mãe, por exemplo). Estas situações cotidianas fazem

parte de seu universo e, acreditamos, são facilmente reconhecíveis por elas quando explicitadas. Isto

acontece no Colégio Pedro II na disciplina de Sociologia e acreditamos que em parte é possível por

causa da autonomia que os professores têm em sala de aula. No Colégio, esta autonomia é

concedida pela direção, mas, conforme já mencionamos, a autonomia é uma das características do

exercício desta profissão, uma vez que o dia a dia da sala de aula é controlado pelo professor.

A influência da formação inicial assume relevante papel na (re)significação de contextos e práticas culturalmente definidas e defendidas, às vezes sob a aparência libertadora e democratizante, por discursos supostamente renovadores, que se esquecem dos principais protagonistas das mudanças, os professores, e, sobretudo, de sua imprescindível autonomia (Gauche, 2001, p. 37).

5.2.3. A turma do Colégio Pedro II.

Tivemos um contato próximo com participação nas aulas de Sociologia em uma turma

da 7ª série, 8° ano do Ensino Fundamental, com alunos 34 alunos entre 13 e 17 anos de idade. O

programa da disciplina abrange os seguintes temas: juventude, indústria cultural, consumismo,

ideologia, capitalismo, alienação, movimentos sociais e direitos humanos. Nas aulas, a professora

fala, por exemplo, sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e sobre a noção de juventude.

Pergunta o significado de juventude (“é apenas biológico?”). Numa sala de aula com uma faixa

etária bem diversa para esta época de vida, impressiona a atenção de grande parte da turma sobre os

temas expostos. Larissa, com 14 anos, responde, segura, que a juventude é determinada pelo

comportamento, por hábitos e atitudes pessoais, e pelos rituais de cada faixa etária. Tatiana diz que

não são todas as sociedades que definem juventude pela faixa etária. Algumas vezes, a passagem da

infância para a vida adulta ocorre através de um ritual de passagem – que pode durar pouco tempo.

Além disso, aquilo que é considerado um comportamento relativo aos jovens pode mudar com o

tempo e o lugar – a professora diz que em algumas sociedades indígenas não existe a palavra

“juventude”.

As questões relativas à identidade, autonomia e relações de poder têm grande peso

dentro do programa de ensino da disciplina de Sociologia no Colégio. Segundo Tatiana,

[…] isso pode ser ensinado para a faixa etária inferior, para as crianças e elas têm

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sensibilidade para isso. E se você apresenta esse tipo de informação para eles numa idade mais jovem, eles vão ter mais autonomia para pensar de uma forma original, para perceber o que elas são, para perceber em que ambiente elas estão e para poder se posicionar diante da vida de uma forma mais adequada (BUKOWITZa, 2010, p. 3).

Tatiana explicita bem temas como a indústria cultural e traz exemplos da teoria para a

realidade dos alunos. Podemos citar alguns exemplos da fala da professora em sala de aula:

1) os filmes produzidos nos Estados Unidos definem tipos de comportamento. Determinam que as

pessoas devem ser românticas e bonitas. Influenciam na imagem pessoal – o conceito de beleza está

relacionado à magreza, à estatura, por exemplo (boa parte da turma concorda e alguns poucos

discordam). Quanto à beleza feminina, Letícia (uma menina negra) diz que, para ser bonita, a

mulher tem que ter o cabelo liso.

2) A literatura infanto-juvenil também influencia os jovens. Tatiana cita o livro Crepúsculo (best-

seller escrito nos Estados Unidos por Stephenie Meyer, lançado em 2005, em que os protagonistas

são vampiros jovens e charmosos) que também influencia comportamentos – os namorados têm que

ser sempre bons em tudo o que fazem. E “ensinam” o comportamento “adequado” para ser popular

e aceito pelo grupo.

3) A mídia também tem forte influência na maneira de se vestir e mostra o status conferido a quem

usa os produtos “certos”.

Da mesma maneira, as questões que envolvem o consumo podem ser desveladas na

escola. As repostas a alguns dos trabalhos feitos em sala de aula, que serão apresentados mais

adiante, mostra que existe uma propensão ao entendimento dos alunos a respeito da manipulação do

mercado de consumo. Isto pode ser um passo para fazê-los entender que a produção de riqueza no

capitalismo, que deu acesso a tantos bens materiais (mesmo que a custa de um sistema de crédito

que se auto-alimenta), também promoveu a falta de liberdade pessoal. A apresentação de questões

como estas é fundamental para um melhor entendimento de mundo. Segundo Skinner (1978, p. 15)

“os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas

conseqüências de sua ação”. A atuação da mídia no sentido de organizar a sociedade tem forte apelo

entre os jovens e impõe certas atitudes que tentam moldar as gerações. Estas conformações ficam

claras no tipo de consumo e na relação com o consumo que os jovens estabelecem ao atender aos

apelos das campanhas de propaganda e marketing e ao seguir os modelos apresentados na televisão

e em revistas para o público infanto-juvenil. É o mundo criado por aqueles que uma vez foram

jovens e que hoje são os adultos que induzem os “novos” jovens a viver de uma maneira que não

escolheram, mas que se apresenta como forma de comportamento para esta faixa etária que vive no

mundo ocidental.

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Entendemos que o trabalho realizado em sala de aula, na disciplina de Sociologia

apresenta saídas para esta situação porque mostra que o mercado de consumo é mais uma

construção social.

5.3. OS SUPORTES UTILIZADOS NO QUESTIONAMENTO AO CONSUMO.

Além da exposição verbal, o programa curricular da disciplina de Sociologia do Colégio

Pedro II utiliza textos, trabalhos sobre a mídia impressa e vídeos para o desenvolvimento do

trabalho em sala de aula. Os textos levam títulos como “Por que nossa sociedade precisou elaborar e

declarar os direitos humanos?”, “Princípios dos movimentos sociais”, “Avanços tecnológicos na

sociedade capitalista”, “Princípios que viabilizam o bem estar coletivo” ou “Poder e política”. Os

textos são produzidos, em sua maioria, pela própria equipe de professores da disciplina. A princípio,

nos pareceram questões muito complexas para serem abordadas com os alunos. Mas, segundo a

professora Tatiana a ideia é que

O quanto antes o jovem, o adolescente, tem que ter acesso a informações que façam eles perceberem que existem relações de poder, que a cultura é construída, que as informações são construídas, os saberes são construídos e transmitidos, que o sistema de classificação de qualquer coisa é construído. […] Quer dizer, a ideia de que as coisas são criadas e podem ser transformadas não existe dentro do ambiente pedagógico em geral. Didaticamente, as escolas não apresentam o conhecimento como algo construído (BUKOWITZ, 2010a, p. 04).

Para tal, a professora faz muitas referências e busca na mídia (representante do mundo

exterior à escola, criadora de um corolário de significações que atingem diretamente os alunos fora

da escola, onde quer que estejam) tanto em sua exposição verbal, quanto nos temas que propõe para

os trabalhos escolares. Ficou claro no nosso trabalho de observação que a proposta “retira” o aluno

do ambiente escolar formal e o faz olhar para o mundo ao seu redor, àquele que está acostumado a

ver desde criança, antes mesmo de ser matriculado em uma escola. Gostaríamos de salientar que

uma das questões que nos intrigaram, e que acreditamos de difícil resolução, foi a de analisar os

verdadeiros sentidos das respostas aos trabalhos, uma vez que seriam corrigidos e avaliados com

uma nota. Até que ponto as respostas eram aquelas que deveriam ser certas? Voltaremos a esta

questão.

No momento, propomos que o ensino escolar não pode estar desvinculado do cotidiano.

Aceitamos que a escola tem o seu ambiente particular com suas regras próprias, a escola não é a

casa, não é o parque, não é a rua nem a lanhouse. Por outro lado, se a escola se fecha ao seu

formalismo, impede que ali seja criado o verdadeiro espaço para discussão, para o questionamento

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por parte de alunos e professores. Nos estudos de Vygotsky nos deparamos com a ideia de que uma

escola com muros altos demais não pode ir além de “verbalismos vazios”.

Para tornar a escolarização significativa deve-se ir além das paredes da sala de aula, além dos verbalismos vazios. O conhecimento escolar cresce na análise do dia a dia. E, em um sentido quase freireano, Vygotsky propôs que a percepção das crianças e o uso dos conceitos do cotidiano são transformados pela interação com os conceitos escolarizados. Os conceitos do dia-a-dia integram-se, então, a um sistema de conhecimentos, adquirindo conscientização e controle. Ironicamente, muito pouco do que Vygotsky descreveu como as principais características psicológicas da escolarização, do desenvolvimento da atenção consciente e da volição, em vários domínios conceituais da vida, formam parte da escolarização contemporânea. De fato, pouco do que ele chamou de “conhecimento vivido” tem acesso à sala de aula e, ainda menos, forma a base para a aquisição e desenvolvimento de conceitos escolarizados. (MOLL, 1996, p. 219)

Por isso, nos pareceu muito pertinente quando a professora traz os conceitos teóricos

para a realidade do aluno, para as coisas do mundo às quais está acostumado. As relações de poder

estão por todo o lado, não há como escapar das pressões do mercado de consumo tamanha é a

quantidade de imagens comerciais que nos deparamos quando estamos na rua, não há como ficar

indiferente às claras evidências da distinção social na relação entre as pessoas. Nos perguntamos se

isso tudo deve ficar fora da sala de aula e nossa resposta só pode ser um não. Podemos pensar que

as disciplinas de Matemática, Ciências e Educação Física poderiam se ater ao formalismo escolar

(apesar que mesmo estas áreas de conhecimento podem ser amplamente contextualizadas), mas

como se pode pensar em ensinar Língua Portuguesa, História, Geografia ou Sociologia sem

referências do mundo exterior, concreto, aquele em que os aluno vivem todos os dias?

Como dissemos, as questões apresentadas na disciplina eram bem complexas à primeira

vista, mas entendemos que os alunos tinham capacidade de lidar com tais conceitos a partir das

respostas dos trabalhos escritos a que tivemos acesso.

5.3.1. Os trabalhos escritos.

A metodologia de ensino utilizada na disciplina de Sociologia no colégio se apresenta

de forma a ser complementar no sentido que as exposições verbais pudessem ser complementadas e

encontrar pontos de interseção com outros suportes como o vídeo e a dissertação escrita. A partir de

nossos referenciais teóricos encontramos caminhos para entender a aquisição do conhecimento

como uma leitura de mundo não-linear em que cada conceito, remete a conexões com outros

saberes, outros sentidos. Segundo Freire (1997, p. 139), “a leitura de mundo revela, evidentemente,

a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se constituindo. Revela também o trabalho

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individual de cada sujeito no próprio processo de assimilação da inteligência do mundo”. Neste

processo, trabalham, em termos de discurso, a oralidade e a linguagem escrita. Para decodificar as

palavras e a oralizar o texto com fluência, o aluno precisa de treinamento, de estímulo em sala de

aula para que se aproprie do verdadeiro sentido das palavras e não apenas repita os conceitos

prontos que o professor lhe apresenta. Segundo Chartier (1996, p. 115), “é importante multiplicar

no período da aula as oportunidades para que os alunos falem sobre situações da vida, […] os atos

da vida cotidiana, que constituem o pano de fundo de muitos escritos escolares”. É com esta prática

que poderá desenvolver as potencialidades de seu discurso e, ao se apropriar dos conteúdos das

ciências, ser capaz de reproduzi-los em um texto escrito.

Neste sentido, a postura da professora Tatiana, que apresenta exemplos que fazem parte

do cotidiano dos alunos para explicar complexas questões de relações de poder, mercado de

consumo e comportamento social, dá às crianças e adolescentes a possibilidade da expressão oral, a

princípio descompromissada, mas que, ao ver os trabalhos escritos, começam a realmente fazer

parte do seu universo de saber. Não queremos aqui desvalorizar a oralidade, já que entendemos que

o idioma falado é a melhor expressão daquilo que somos como indivíduos, nossa cultura e nossa

origem se expressam verdadeiramente na oralidade. Por outro lado, segundo Stubbs (2002, p. 101),

“o lugar dos textos escritos, da escrita e do letramento sempre foi central, e em alguns contextos

‘letrado’ e ‘culto’ são sinônimos. Mas o alto valor atribuído à língua escrita é uma visão que tem

suas raízes na cultura ocidental de classe média: não é universal”. Apontamos estes conceitos para

fazer entender que não queremos aqui dar um maior valor ao texto escrito sobre a fala. O que

pretendemos colocar é que no texto escrito há maior possibilidade de exercermos a teorização e a

abstração – para escrevermos a respeito dos conceitos, é preciso que eles tenham sido realmente

assimilados.

É por isso que os trabalhos escritos, neste sentido, nos foram reveladores no sentido de

responder a perguntas sobre a verdadeira compreensão dos temas expostos na disciplina. Um dos

trabalhos que nos pareceu mais pertinente e com direta relação com o nosso objeto de estudo – os

hábitos de consumo induzidos pela mídia – leva o título de “Aprofundando o aprendizado sobre

ideologia e alienação”. O objetivo da atividade, conforme escrito nas folhas impressas entregues aos

alunos, “foi a análise e interpretação de programas para entender a importância dos conceitos de

ideologia e alienação”. Para a realização da tarefa, os alunos deveriam selecionar uma publicidade

qualquer impressa que deveria ser analisada a partir de um questionário de perguntas. O seguinte

texto precedia o questionário:

Conforme estamos estudando durante as aulas da segunda certificação (nota: a segunda

certificação equivale à segunda avaliação do ano), a alienação é um fenômeno social que ocorre nas

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sociedades capitalistas e que é fundamental para a manutenção de sua existência. No contexto das

ciências sociais, alienação significa não possuir, estar despojado de..., não ter acesso a...

Relembrando dados já apresentados, na produção capitalista os trabalhadores estão alienados de

diferentes maneiras:

1) Alienados dos meios de produção (sem a posse desses), os assalariados estão materialmente

submetidos e subjugados às regras de funcionamento do regime capitalista. Devem trabalhar para

receber um salário baixo que, na verdade, não inclui todo o valor produzido pelo trabalhador, já que

os capitalistas se apropriam da mais-valia (trabalho não pago ao trabalhador) [grifos do autor].

2) Alienados do entendimento claro e ampliado (sem o conhecimento) de como o regime capitalista

funciona, os assalariados, embora sejam materialmente explorados, muitas vezes não percebem-se

como explorados. Eles não encontram motivos para criticar o sistema em que se encontram, aceitam

a sociedade do modo em que está constituída e acreditam que sua condição sócio-econômica é

reflexo de seus esforços pessoais insuficientes e/ou medíocres [grifos do autor].

3) Alienados dos meios de produção, alienados do entendimento (sem o conhecimento) de como o

regime capitalista funciona, e inebriados e/ou iludidos pela ideologia capitalista, pelos meios de

comunicação de massa, pela indústria cultural etc., os assalariados mantém o capitalismo em

funcionamento, cooperam para a continuidade da desigualdade sócio-econômica, e operam tal como

peças de uma engrenagem mecânica (desumanizados) capazes de produzir lucros cada vez maiores

e de reforçar a ciranda financeira do capitalismo globalizado [grifos do autor].

Gostaríamos de ressaltar que os professores que elaboraram a atividade, que deveria ser

realizada em grupo de 4 componentes, pedem, antes do questionário que se segue, que os alunos

“façam a atividade com calma e trocando ideias. O trabalho em grupo tem o objetivo de fazer com

que os alunos SOMEM suas reflexões e seu conhecimento, deixando a alienação de lado!” [grifo do

autor].

Questionário [grifos do autor]:

1) O que a propaganda quer que vocês pensem?

2) O que a propaganda quer que vocês façam?

3) A propaganda pretende influenciar o comportamento social de que maneira?

4) Conforme estamos estudando, são característica do sistema capitalista o consumo ininterrupto, a

competitividade, a valorização da posse e acumulação de bens materiais e de capital. Assim sendo,

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respondam: a propaganda escolhida por vocês valoriza ou desvaloriza o sistema capitalista?

Expliquem.

5) Expliquem: a propaganda escolhida reforça ou enfraquece a ideologia capitalista? Por quê?

6) Podemos dizer que a propaganda aliena e/ou conscientiza o público alvo? Justifiquem.

Como vemos, as professoras do Colégio Pedro II não “poupam” os alunos, pelo

contrário, as questões propostas na avaliação consideram que os alunos sejam capazes de

desenvolver um raciocínio coerente a partir das noções propostas. Antes de apresentarmos algumas

das respostas dos trabalhos, gostaríamos de enfatizar que estes alunos estavam chegando ao fim do

ano letivo e já haviam tido contato com estes conteúdos previamente em longas exposições verbais

da professora Tatiana. Em sala de aula, a docente diz que os alunos devem pensar sobre a

publicidade, num trabalho que tenta desenvolver o sentido crítico dos alunos, como já dissemos,

aproximando os conceitos ideológicos da realidade dos alunos. Em uma aula no dia 9 de setembro

de 2010, a professora explicou que a propaganda e o marketing têm o foco no controle do

comportamento social. Diz que os cursos de universitários desta área não existem para formar

artistas ou para que os futuros profissionais criem propagandas que despertem o senso crítico do

público. Para isso, utiliza o exemplo das sandálias Havaianas:

Para que esse curso? […] Para pessoa decidir se ela vai comparar Ipanema ou Havaianas? Ou se vai ficar descalça ou se vai fazer um chinelo de palha ecologicamente sustentável? Não. A propaganda das Havaianas fala: compre Havaianas. Você tem que usar Havaianas. Existe uma orientação do que a gente deve fazer, e não estimular o questionamento: será que devo comparar as Havaianas? “Atenção, nós estamos disponibilizando as Havaianas, mas só compre se você não tiver outro calçado, se você tiver ainda Havaianas em casa, por favor, esqueça essa propaganda, porque suas Havaianas ainda vai durar uns três ou quatro anos. E se você tiver uma sandália que não vai ser utilizada, vai demorar muitos anos para ser biodegradada. Ela não é biodegradável, você sabe disso, então, deixa para lá. Olha essa propaganda é apenas para pessoa que nunca teve Havaianas na vida ou que não tenha uma agora porque arrebentou. E se a sua arrebentou por gentileza envie a suas Havaianas para o endereço tal que nós vamos reaproveitar a borracha para fazer uma nova, obrigada.” Essa propaganda não existe, não vai existir nunca (BUKOWITZ, 2010b).

Este tipo de abordagem é fundamental para atingir o universo dos alunos. Produtos com

os quais se identificam – as sandálias Havaianas deixaram de ser um simples produto utilitário, um

calçado nacional confortável e barato, criado no início dos anos 1960, para se tornar um item de

moda que remete à jovialidade – e que criam identidade entre os jovens. Assim, entendemos que

podem se apropriar de conceitos mais complexos.

Nos trabalhos, os alunos escolheram peças publicitárias de revistas que representam o

universo desta faixa etária. Encontramos anúncios de bombons com um casal de namorados,

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salgadinhos, suplementos alimentares, bonecos distribuídos no McDonaldʼs, Coca-Cola, balas,

shopping centers, lojas de roupas, programas para computador, shampoos e cosméticos juvenis,

telefones celular, cadernos escolares. Alguns poucos, escolheram anúncios do mundo adulto como

de cerveja e imobiliária, e outros, que remetem ao lar, como de papel higiênico e purificadores de

água.

Podemos destacar alguns dos trabalhos pela coerência e coesão do texto. Dentre eles,

encontramos o trabalho de Patrick, que tem 13 anos (este trabalho foi feito individualmente). O

aluno escolheu uma publicidade da Coca-Cola – reggae: viva o lado Coca-Cola da música (anexo

II). À primeira pergunta, respondeu que “Coca-cola combina com todo tipo de música” (a

campanha apresentava peças publicitárias com outros gêneros musicais). A reposta para a segunda

questão foi “ouçam música bebendo Coca-Cola.” Para a pergunta número 3, sobre a influência do

comportamento social, escreveu: “ela quer que com esta propaganda as pessoas bebam Coca-Cola

ouvindo músicas em show e fazendo outras coisas também; ou seja, quer aumentar o número de

vendas da bebida para entrar mais dinheiro em seus bolsos.” Para a última pergunta, sobre

alienação, a resposta foi a seguinte: “Aliena, pois o público acha que beber Coca-Cola é bom mas a

empresa não informa o mal que o consumo exagerado faz para o organismo por causa da acidez da

bebida.”

Segundo Koch e Travaglia (2007, p. 107) o texto tem a capacidade de integrar todas

essas possibilidades de trabalho numa “perspectiva textual-interativa, já que os textos são o meio

pelo qual a língua funciona”. Aqui, colocamos um sentido cognitivo e social da língua que revela o

estágio de desenvolvimento da formação intelectual dos jovens a respeito dos temas propostos na

disciplina de Sociologia. O discurso de Patrick revela que o sentimento crítico começa a despertar

no adolescente, principalmente, pela última resposta do trabalho. Mostra que a sua percepção de

mundo começa a avançar no sentido do questionamento e capacidade argumentativa, num processo

de interiorização dos conceitos relativos ao mercado de consumo. Segundo Fairclough (2001, p.

64), “um discurso é um modo particular de construir um assunto, e o conceito difere de seus

predecessores por enfatizar que esses conteúdos ou assuntos – áreas de conhecimento – somente

entram nos textos na forma mediada de construções particulares dos mesmos”. Estas construções

partem de estímulos propostos em sala de aula para que os alunos entendam que podem desenvolver

um pensamento único sobre determinada questão e que não precisam ser induzidos a pensar de uma

forma única, que pertença a todos. Este é um trabalho que é desenvolvido no Colégio Pedro II e que

tem apresentado os resultados que esperamos na formação crítica dos alunos. Nas palavras da

professora Tatiana,

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Esse espaço de questionamento precisa ser criado. No momento não existe, o mercado, a mídia televisiva de massa ela não está exatamente voltada para criação de um pensamento crítico, nem para abrir grandes questionamentos. A força do mercado faz com que a gente tenha um procedimento coletivo, um procedimento de massa voltado para o consumo. Para adequação a certos padrões: moda, comportamento, enfim. Questionar isso é ir um pouco no contra fluxo. Eu acho que é possível sim BUKOWITZ, 2010a, p. 7 e 8).

Em outro trabalho, um grupo de 4 meninas, escolheu o anúncio de uma linha de

cosméticos da Boticário para adolescentes, publicada na revista Capricho e que leva o nome da

publicação (anexo III). A peça publicitária estampa o título: “Dicas Capricho do Boticário para uma

vida mais feliz, segundo o Fiuk (cantor, filho de Fábio Jr. que tem fãs no público jovem)”. Abaixo,

está escrito: “Linha Love: uma linha completa de beleza para você ficar linda e num clima de

romance.” A última frase da publicidade é “Linha Capricho do Boticário. Igual a você: diferente”. À

primeira pergunta, as jovens responderam: “Segundo a análise da propaganda percebemos que a

mesma quer que nós pensemos que só teremos uma vida feliz e linda se comprarmos os produtos do

Boticário”. Na resposta seguinte, escrevem: “A propaganda analisada praticamente ʽmandaʼ nós

comprarmos os produtos por todos queremos ser lindos e felizes e só conseguiremos isso (segundo

a propaganda) se tivermos a linha de cosméticos do Boticário”. A resposta da terceira pergunta: “A

propaganda tende a influenciar as pessoas a comprarem o que o anúncio, bastante atrativo, mostra,

criando uma competitividade entre os seres humanos onde um quer ter mais do que o outro, ou seja,

em uma sociedade capitalista, ser mais do que o outro”. Na quarta pergunta, as meninas

responderam: “A propaganda valoriza o sistema capitalista pois faz com que compremos o produto

cada vez mais e o sistema capitalista vai lançando cada vez mais produtos novos, valorizando assim

o ciclo do sistema.”. Quinta resposta: “A propaganda reforça as ideias do capitalismo porque através

de revistas (propagandas) eles controlam a ideologia das pessoas fazendo com que as pessoas

confundam o que é ter e o que é ser”. Sexta resposta: “Visto que o público alvo são os jovens e que

eles estão em uma fase que podem ser influenciados, dizemos que a propaganda não aliena e nem

conscientiza os mesmos para verem todos os problemas que o capitalismo traz, suas contradições e

poderes de ʽdominarʼ o pensamento daquele que se deixa levar na ideologia capitalista.”

Alguns fatores nos chamaram muito a atenção neste trabalho. Fica claro no

desenvolvimento das respostas, que o grande interesse e dedicação pela atividade. Em segundo

lugar, nos surpreendeu a possibilidade de autorreconhecimento (“visto que o público alvo são os

jovens e que eles estão em uma fase que podem ser influenciados [...]”). As 4 meninas têm idades

entre 13 e 15 anos e mostram um avanço que poderia ser encarado como precoce, mas que,

entendemos, foi fruto do contato que tiveram com os conceitos da disciplina. Elas demonstram

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entender como podem ser manipuladas pela publicidade, ainda que façam parte de um grupo de

faixa etária muito sujeita aos apelos do mercado de consumo.

Durante o nosso trabalho de observação participativa nas aulas, existia alguma

resistência dos alunos aos conceitos apresentados. Sempre levamos em consideração o poder da

mídia na determinação de estilos de vida e escolhas, nós, que vivemos num país capitalista, não

escapamos disso. O mesmo acontece com estas crianças em um período crucial de sua formação

que é a passagem da infância à vida adulta. As campanhas de marketing mantém um olhar

específico nesta faixa etária porque estes serão os consumidores do futuro. Em um artigo publicado

no site da HSM Global, uma empresa especializada em gestão de negócios, encontramos o conceito

de “consumidor do futuro”.

Desde que nasce, o homem busca experiências que o realizem e o satisfaçam. Nessa procura encontra prazer, frustrações e dor. Com o sofrimento é obrigado a tomar consciência de si e da realidade, passa a conhecer sua individualidade e percebe que precisa dominar as rédeas: nasce a necessidade de uma estratégia de vida e dá-se origem ao processo de formação de crenças, valores e hábitos. […] O comportamento do consumidor é previsível, ele procura se elevar na hierarquia de realizações psíquicas (OLIVER, 2010).

Este trabalho da publicidade e marketing que lida com os valores sociais está,

basicamente, relacionado com o imaginário. Conforme já colocamos no referencial teórico, o

imaginário social é que possibilita a relação entre objeto e imagem, sem a qual não haveria reflexo

de nada. É o imaginário que orienta as instituições sociais, os desejos e necessidades, e podemos

dizer que mobiliza as vontades que, muitas vezes, têm caráter emocional. No caso da publicidade de

maquiagem para meninas, os anunciantes transferem os valores dos adultos para as crianças que

agem por pura imitação das mulheres mais velhas de sua convivência – a mãe, tia, vizinhas etc.

Mas, por agirem por imitação, as crianças não conseguem apreender o verdadeiro sentido para o uso

da maquiagem, as meninas ainda não estão numa fase em que a sexualidade tenha se desenvolvido

completamente e não encontram tanto apelo no ato de seduzir o sexo masculino, por exemplo. No

documentário Criança, a alma do negócio (CRIANÇA, 2008) – um dos trabalhos em vídeo

apresentados na sala de aula, sobre o qual teceremos comentários adiante – vemos uma menina na

faixa dos 7, 8 anos que adora se maquiar, mas quando é perguntada do porquê, diz: “isso eu ainda

não descobri”.

As meninas que fizeram a atividade no Colégio Pedro II parecem ter desenvolvido uma

maior capacidade de crítica do que a personagem do documentário e começam entender como os

valores são criados socialmente. Começam a entender que a beleza não está relacionada unicamente

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à aparência física e que a maquiagem, por si só, não tem a real possibilidade de transformar

mulheres em beldades. É, sem dúvida, um trabalho duro porque o mundo social está plenamente

permeado com imagens que remetem a significados, não há como fugir da publicidade, já que ela

está por todo lado. Mesmo para aqueles que tomam conhecimento e que conseguem decifrar este

código, fica difícil não se encontrar por vezes capturado por esta fantasia. Não esperamos a utopia

de que a disciplina de Sociologia, ministrada no Ensino Fundamental, possa fazer com que os

alunos passem a ser consumidores que só comprem o que realmente necessitem, mesmo porque esta

é uma medida muito vaga – o consumo faz parte de nossa cultura. O que entendemos como um

trabalho válido é o questionamento dos valores apresentados pela publicidade. Historicamente, nós

brasileiros temos a característica de povo subserviente e pouco contestador (uma das características

da subserviência). Contestar o sistema e o estado das coisas em sala de aula, é ajudar estas crianças

a desenvolver a capacidade de contestação,

Outras respostas nos pareceram bem reveladoras de que este desenvolvimento pode

estar em processo de construção. Sobre o programa Windows 7, da Microsoft, um aluno escreveu:

‟A propaganda quer que pensemos que só nós não temos o Windows 7 e estamos atrasados por

conta disso em relação à sociedade”. Em outro trabalho, sobre a Coca-Cola, encontramos a

resposta: ‟A propaganda valoriza o sistema capitalista porque lazer hoje em dia é sinônimo de

consumo e não de descanso. Para fugir do estresse do dia a dia as pessoas se distraem comprando,

se tornaram dependentes das invenções das indústrias e dificilmente vivem sem um carro, celular,

chocolate, Coca-Cola, etc.” Outro exemplo: ‟A propaganda quer que nós pensemos que se usarmos

essas roupas no ano todo teremos sorte, amor, dinheiro e paz. Ou seja, teremos tudo o que queremos

apenas usando roupas que a propaganda diz fazer milagres”. Outra resposta sobre reforçar ou não a

ideologia capitalista foi: ‟Reforça. Pois a ideologia capitalista tem como arma principal

propagandas legais para as pessoas terem desejo de consumir, de ter, os produtos destas

propagandas.” Outra reposta interessante se referia a mais um anúncio da Coca-Cola: ‟A

propaganda faz com que as pessoas formem certos grupos com alguma característica ou ideologia

parecida entre seus membros, em que nesses grupos sociais as pessoas excluem os que não têm essa

característica comum e a classificam como rebeldes. Ou seja, se aplicarmos isso na propaganda da

Coca-Cola, pode-se dizer que quem não bebe Coca-Cola não aproveita a vida e tem mau gosto e

pode até mesmo ser excluído de certos grupos”. Apesar do tom ingênuo, as respostas abordam

profundas questões teóricas como a distinção social. Neste sentido, Bourdieu aborda três maneiras

de classe dominante se distinguir.

A oposição principal entre os gostos de luxo e os gostos de necessidade especifica-

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se em um número de oposições igual às diferentes maneiras de afirmar sua distinção em relação à classe operária e a suas necessidades primárias ou, o que dá no mesmo, igual aos poderes que permitem manter a necessidade à distância. Assim, na classe dominante, pode-se distinguir, simplificando, três estruturas de consumo distribuídas em três itens principais: alimentação, cultura e despesas com apresentação de si e com representação (vestuário, cuidados de beleza, artigos de higiene, pessoal de serviço) (BORDIEU, 2007, p. 174)

Este tipo de distinção parece começar a surgir no ideário dos alunos a partir de seus

discursos em sala de aula que se assemelham à estes textos escritos em trabalhos. Conforme

colocamos anteriormente, é a partir deste discurso que entendemos o quanto os alunos estão

capturados pela ideologia e o quanto conseguem exercer uma postura crítica frente à ordem

dominante. Na escola analisada, como em todas as escolas, encontramos na disciplina de Sociologia

uma proposta pedagógica libertadora. Segundo Freitag (1979, p. 13), “a educação sempre expressa

uma doutrina pedagógica, a qual implícita ou explicitamente se baseia em uma filosofia de vida,

concepção de homem e sociedade […]”. Nas palavras da professora Tatiana, esta forma de encarar a

sociedade brasileira se mostra clara no projeto pedagógico da disciplina.

A gente tem que trabalhar capitalismo, tem que trabalhar cultura de massa porque são pontos moldais. São elementos a serem tratados estão no nosso currículo. A gente pode dizer que capitalismo é ótimo. A gente pode dizer que as indústria cultural é ótima, que a gente tem mais é que aderir a esses padrões. Mas nós apresentamos isso de uma forma crítica. A gente abre uma janelinha para o questionamento. E eles aprendem a questionar. E eles se reobservam (BUKOWITZ, 2010, p. 08).

É claro que as redes de poder são reproduzidas em sala de aula. O professor tem a

palavra e está autorizado pela instituição escolar de ser aquele que sabe, enquanto os alunos,

teoricamente, são aqueles que não sabem e precisam aprender. Mas a nossa experiência com a

turma, o tipo de aula que a professora desenvolve e a sua própria maneira despojada de se

apresentar aos alunos mostraram que existe um espaço maior para o discurso dos alunos. Talvez

esteja aí uma das razões que faz com que, ao tomar contato com conteúdos que questionam o senso

comum, possam começar a desenvolver a sua capacidade crítica.

Nestes discursos, que foram apresentados acima, encontramos elementos do papel da

linguagem como reveladora de cultura e visão de mundo. Na obra de Basil Bernstein, que durante

25 anos estudou a natureza dos processos de transmissão cultural e o papel da linguagem nos

contextos de produção e reprodução, como o trabalho, a família e a Educação. Esta última foi

considerada pelo autor, morto em 2000, é uma das formas em que o processo de transmissão se

constitui num dispositivo de controle, reprodução e troca, configurado pela estrutura social. O

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sociolinguista britânico, pouco traduzido no Brasil, explora a “teoria do código” que afirma que o

privilégio de distribuição de comunicação uma classe social determina uma transmissão de saberes

desigual em outras classes.

[…] indiretamente, afeta a classificação e o posicionamento e a forma do código elaborado transmitido pela escola de maneira a facilitar e perpetuar uma aquisição desigual. A teoria do código […] dirige a sua atenção para as relações entre o macro poder e as micro práticas de transmissão, aquisição e avaliação, além da aprovação e oposição destas práticas [tradução nossa] (BERNSTEIN, 1990, p. 118 e 119)

No nosso caso, podemos entender esta dicotomia em termos de Comunicação Social

quando pensamos na mídia como aquela que exerce um discurso macro, o da classe dominante, e

por outro lado, nosso micro universo da sala de aula do Colégio, onde os alunos reinterpretam este

discurso através do uso da linguagem. Uma das formulações de Bernstein (1977, p. 22) aborda a

questão de “como os fatores de classe regulam a institucionalização dos códigos elaborados em

educação assim como as formas de transmissão e as formas de sua manifestação”. Não pretendemos

aqui fazer uma análise sociolinguista da turma, mas é preciso mencionar que o discurso dos alunos

estão sempre carregados da cultura que trazem de casa, do lugar e das condições onde nasceram e

vivem.

A Sociolinguística, desenvolvida a partir dos estudos de William Labov, nos Estados

Unidos dos anos 1960, procura relacionar língua e sociedade e propõe um campo de estudo onde os

fatores sociais são levados em consideração para a investigação sobre as diferentes maneiras de se

falar o mesmo idioma – as chamadas variações linguísticas. Labov criou um novo paradigma ao

estudar a língua não como elemento isolado, mas em constante transformação, segundo o ambiente

social, observando o que acontece em diferentes sociedades. Assumir o papel da língua como um

mecanismo de expressão que revela quem somos e de onde viemos.

Assim, os fatores de classe regulam a estrutura de comunicação na família e portanto a

orientação do código sociolinguístico inicial das crianças. Como já foi posto, os alunos do Colégio

Pedro II entram para a instituição a partir de um sorteio, conforme as informações num artigo

publicado por uma professora da escola.

Para ingressar no 1º ano do ensino fundamental os alunos participam de um sorteio; no 6º ano e no 1º ano do ensino médio, o ingresso se dá por concurso. Essa forma de acesso faculta à clientela das classes iniciais do ensino fundamental uma caracterização socioeconômica cultural bem diversificada, sendo atendidos desde filhos de desempregados e pescadores a filhos de médicos e militares. As provas de acesso a 6ª série e ao 1º ano do ensino médio são consideradas bem difíceis e a

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maior parte dos alunos frequenta cursinhos preparatórios para aumentar sua chance de ingressar no colégio. Esse processo seletivo privilegia aqueles que têm um maior poder aquisitivo e/ou que tiveram acesso às escolas com um ensino de boa qualidade e que, por suas condições de vida, têm como perspectiva a continuidade dos estudos. Dessa forma, os alunos concursados da 6ª série e do 1º ano do ensino médio apresentam um perfil social e cultural diferente dos alunos que ingressam no colégio pelo sorteio (GALVÃO, 2008, p. 337).

Esta diferenciação de classes determina os diferentes discursos dos alunos que, a partir

das referências individuais, reinterpretam as noções de consumo expostos em sala de aula.

Acreditamos que este seja um quadro favorável ao tipo de trabalho que propomos porque coloca em

convivência crianças que de outro modo teriam pouca chance de se encontrar, uma vez que habitam

ambientes e universos diferentes. Apesar de pretendermos que este trabalho possa servir de

orientação para escolas públicas que hoje no Brasil tem um público majoritariamente de baixa

renda, entendemos que a crítica ao mercado de consumo deve ser ampla. A ideologia capitalista

perpassa toda a sociedade sem distinção e coloca ricos e pobres em lugares opostos – e a mídia

ajuda nesta tarefa com a sua representação de sociedade. Se defendemos que os mais pobres devem

encontrar armas para criar uma barreira contra esta hegemonia dominante, também esperamos que a

classe média tome consciência de que a harmonia social (para todos) só pode ser conseguida no

momento em que aconteça uma redução das diferenças sociais. Segundo Andrade (2011, p. 02),

“muito cedo ficou claro que sem igualdade econômica ou, sem medidas de proteção contra o poder

econômico, alguns se tornariam ʽmais iguais do que os outrosʼ”. E muito destas diferenças são

encontradas hoje nos hábitos de consumo.

Numa das respostas em um trabalho onde a propaganda escolhida era sobre um

brinquedo distribuído no McDonaldʼs, Daniel (14 anos) responde que a publicidade quer “que o

público pense que vai ser feliz por causa de um brinquedo, por isso o nome Mc lanche feliz”.

Brinquedos são objetos semióticos que são produzidos e distribuídos globalmente por poderosas empresas multinacionais. Frequentemente, transmitem mensagens para as crianças sobre o mundo social em que elas vivem. São produzidos como um sistema, que permite distinções quanto ao grau de realismo (ou abstração, ou exagero), com o qual representam elementos de práticas sociais. São, simultaneamente, “objetos” para serem lidos como textos, e objetos para serem manipulados. Parte de seu significado é oferecido pelos designers da indústria. Podem, portanto, ter agendas explícitas e às vezes implícitas; neste sentido, brinquedos são um repositório das ideologias e “sistemas de valores” sociais (CALDAS-COULTHARD; VAN LEEUWEN, 2002, p. 91).

Acreditamos que o aluno nesta faixa etária não teria possibilidade de fazer uma

teorização parecida com a acima apresentada, mas entendemos que, por outro lado, questiona a

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ideia de que os brinquedos podem trazer felicidade por si só. Não tivemos acesso a informações

precisas sobre o nível de renda das famílias dos alunos, porém notamos em todos os trabalhos

procuram analisar o lado maléfico do consumo e como ele opera em termos de mensagens

subliminares. Como sabemos, a formação do sujeito crítico é um processo que exige reflexão e

abstração e precisa de tempo para ser desenvolvido. Vimos, nesta nossa observação, que o trabalho

da disciplina de Sociologia é coerente com esta proposta e se estabelece a partir de sérios

referenciais teóricos. Por isso, atinge uma profundidade e complexidade e, ainda assim, consegue

mobilizar os alunos para as questões relativas à ambiguidade do capitalismo e, por consequência, da

sociedade de consumo. Segundo a professora Tatiana,

[...] o consumo é um elemento que ocupa muito tempo, ocupa os interesses, ocupa os desejos dos jovens. Por conseguinte, a pessoa passa a ter menos espaço para observar outras coisas ou para observar a realidade dela de uma forma mais ampla. Ou perceber porque que ela quer consumir, para que serve aquele objeto que ela vai consumir. Ela quer consumir, ela quer ter. Para quê? Para se sentir bem no grupo, para ficar bonita. O padrão de beleza foi criado por quem? (BUKOWITZ, 2010a, p. 09)

Diferente de outras crianças, estes alunos encontram uma porta de saída através dos

conceitos apresentados das aulas de Sociologia. Gostaríamos de ter a possibilidade de continuar a

manter este trabalho de observação para poder acompanhar a construção de sentido que darão a

estes conceitos.

5.3.2. O trabalho com os vídeos.

Alguns documentários em vídeo dão apoio ao trabalho de questionamento do sistema

capitalista na disciplina de Sociologia. Durante o semestre que acompanhamos as aulas, foram

utilizados 3 filmes. ‟Criança, a alma do negócio” (CRIANÇA, 2008) foi financiado pela ONG

Instituto Alana, que desde 2005 desenvolve o Projeto Criança e Consumo com atividades que

despertam a consciência crítica da sociedade brasileira a respeito das práticas de consumo de

produtos e serviços por crianças e adolescentes. O documentário foi finalizado em em 2008 e está

disponível no site da instituição. Abaixo, descrevemos a apresentação do filme.

Por que meu filho sempre me pede um brinquedo novo? Por que minha filha quer mais uma boneca se ela já tem uma caixa cheia de bonecas? Por que meu filho acha que precisa de mais um tênis? Por que eu comprei maquiagem para minha filha se ela só tem cinco anos? Por que meu filho sofre tanto se ele não tem o último modelo de um celular? Por que eu não consigo dizer não? Ele pede, eu compro e mesmo assim meu filho sempre quer mais. De onde vem este desejo constante de consumo? Este documentário reflete sobre estas questões e mostra como no Brasil

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a criança se tornou a alma do negócio para a publicidade. A indústria descobriu que é mais fácil convencer uma criança do que um adulto, então, as crianças são bombardeadas por propagandas que estimulam o consumo e que falam diretamente com elas. O resultado disso é devastador: crianças que, aos cinco anos, já vão à escola totalmente maquiadas e deixaram de brincar de correr por causa de seus saltos altos; que sabem as marcas de todos os celulares mas não sabem o que é uma minhoca; que reconhecem as marcas de todos os salgadinhos mas não sabem os nomes de frutas e legumes. Num jogo desigual e desumano, os anunciantes ficam com o lucro enquanto as crianças arcam com o prejuízo de sua infância encurtada. Contundente, ousado e real este documentário escancara a perplexidade deste cenário, convidando você a refletir sobre seu papel dentro dele e sobre o futuro da infância (INSTITUTO ALANA, 2010).

No nosso entender, o destaque para este trabalho é que ele foi desenvolvido no Brasil e

fala de nossa realidade, apresentando crianças que falam de seu universo, bem próximo ao universo

dos alunos do Colégio Pedro II. Alguns trechos do documentário revelam claramente a incoerência

do mercado de consumo infantil, como a frequência com que os pais compram brinquedos para os

filhos sem entender exatamente o que isso significa para as crianças. Numa das cenas, o menino

mostra em seu quarto dezenas de brinquedos de todos os tamanhos e estilos – carros, jogos, bonecos

etc. – para no final mostrar para a câmera aquele que mais gosta: um minúsculo boneco de plástico

parecido com um brinde de lanchonete. Em outra cena, um grupo de crianças é reunido e uma

menina, na faixa de 12 anos, diz que quando vai ao shopping center tem vontade de comprar tudo,

até as próprias lojas. Outra menina, ao seu lado diz que tem vontade de morar no shopping center.

Em outro momento do trabalho em grupo, uma mulher que faz perguntas às crianças exibe folhas de

papel com marcas publicitárias, facilmente reconhecidas pelas crianças, mas têm dificuldades em

dizer os nomes de alguns legumes e verduras. Alguns especialistas – professores, psicólogos,

sociólogos etc. – e alguns pais das crianças tecem observações sobre o universo do consumo infantil

durante o documentário.

O segundo vídeo exibido tem o título de “A história das coisas” (The story of stuff) (A

HISTÓRIA, 2010a) produzido nos Estados Unidos sob o patrocínio das instituições de proteção

ambiental Tides Foundation e Funders Workgroup for Sustainable Production and Consumption. O

vídeo, roteirizado e apresentado por Annie Leonard, usa o programa de animação flash e está

disponibilizado na internet em uma versão traduzida para o português do Brasil, patrocinada pela

InfoNature.Org é uma organização internacional independente e sem fins-lucrativos de proteção ao

meio ambiente , cujos fundos e apoios provêm em exclusivo de voluntários. Segundo a organização,

‟A história das coisas” é

Um pequeno documentário educativo que apresenta importantes informações sobre questões ambientais e sociais dentro da temática do consumo de produtos, que

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representa um assunto urgente e de vital importância para a sobrevivência de todo o Planeta e da espécie Humana, para o presente e o futuro. A História das Coisas é um documentário rápido e repleto de factos que olha para o interior dos padrões do nosso sistema de extração, produção, consumo e lixo [...] até à sua venda, uso e disposição […] (A HISTÓRIA, 2010b).

É um trabalho que se aproxima da situação de sala de aula: uma ‟professora” (a

apresentadora), frente a um fundo branco onde surgem as animações sobre o que diz. Basicamente,

começa por explicar o sistema de produção capitalista e os impactos sociais e ambientais

produzidos por este sistema.

O terceiro vídeo é intitulado “Surplus” (SURPLUS, 2008), palavra e inglês para o termo

mais-valia é uma produção sueca de 2003, com 52 minutos de duração, que revela estatísticas

segundo as quais 20% da população mundial absorve 80% dos recursos globais. O documentário foi

filmado ao longo de três anos em oito país e apresenta desde os confrontos explosivos das

manifestações em Gênova, 2001, em protesto contra o encontro dos G8, até as bonecas para uso

sexual de 7.000 dólares. “Surplus” explora a natureza destrutiva da cultura consumista onde

coabitam os líderes mundiais e diretores de grandes empresas (como um fanático empresário da

Microsoft). Um dos personagens principais é o guru da anti-globalização, John Zerzan, cujo apelo à

provocação de danos sobre a propriedade inspirou muitos à intervenção direta nas ruas.

Diferente, dos outros dois filmes, o documentário se utiliza de uma linguagem que, em

produção audiovisual chamamos de “clipada”: sequências de cenas com cortes rápidos, em muitos

momentos se assemelhando a um videoclipe em que as imagens acompanham o ritmo da trilha

sonora. O filme é bem inovador para os padrões atuais de documentário e tem um forte apelo visual.

A escolha dos vídeos nos pareceu bem interessante porque são trabalhos bem diferentes

uns dos outros. No Colégio Pedro II, os vídeos são assistidos em uma sala dedicada à atividade, que

retira os alunos de seu ambiente corriqueiro de sala de aula – o que causa grande excitação na

turma. Durante as exibições, em uma sala com as luzes apagadas, a reação da turma nos pareceu

muito diversa. Alguns prestavam atenção, outros conversavam ou, mesmo assistindo à tela da TV,

pareciam estar muito longe dali. Os documentários foram exibidos na íntegra e, ao final da sessão,

por uma questão de falta de tempo, a professora não teceu qualquer comentário com os alunos –

atividade que seria realizada na aula seguinte, dali a 2 dias. O filme “Criança, a alma do negócio”

foi o que chamou mais atenção dos alunos que se interessavam quando as crianças davam seus

depoimentos, mas perdiam a atenção aos depoimentos de pais e especialistas. Os outros dois vídeos

despertaram menor interesse. Acreditamos que “A história das coisas” possui um bom conteúdo,

mas se apresenta muito didático para este fim, ser apresentado para uma turma de crianças e

adolescentes. Se assemelha demasiadamente a uma sala de aula, sem a presença e o possível

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carisma do professor. Lembra os filmes de peças de teatro que se perdem entre os dois tipos de

dramaturgia e acabam por não ser nem um, nem outro. “Surplus” é um filme inovador e uma boa

proposta de linguagem documental para o público adulto, mas acreditamos que é diferente demais

das produções audiovisuais a que os alunos estão acostumados. Aqui aparece claramente a

influência da televisão que tem uma programação homogeneizada ao extremo e que se configura

não como transmissora de conteúdos mas como uma formatadora de conteúdos. Conforme BUCCI

e KEHL (2004, p. 31), “a televisão é um lugar em si”, exibe um olhar sobre o mundo bem

particular.

[...] esse olhar que no cinema se consagrou na ficção e, portanto no domino do autor (apesar da indústria), exige uma cumplicidade consciente do expectador com a recriação do real. Na TV, esse “olhar sem corpo”, extremamente ativo no seu processo de recortar e recompor a realidade, nos é entregue sob formas diversas de ficção e testemunhos, conjugando-se com o nosso olhar passivo, substituindo nossa intencionalidade pela intenção e interesse do outro (ANDRADE, 2009, p. 01).

O distanciamento da linguagem dos documentários e a profundidade com que os temas

são abordados, coisa pouco vista na televisão, parece um dos fatores que fizeram os alunos não se

interessar pelos vídeos como imaginávamos. Também pareceram pouco interessados nas aulas de

comentários sobres os filmes. Alguns diziam que não se lembravam bem das cenas, as respostas

foram vagas. A professora Tatiana diz: “O capitalismo estabelece uma relação entre as pessoas

muito peculiar e estabelece uma relação de consumo também muito peculiar. Uma relação muito

maléfica. O consumo passa a ser um foco. O ser humano passa a se constituir a partir de elementos

que ele consome, que ele compra.” Os alunos parecem concordar, mas não detectamos o mesmo

tipo de desenvolvimento do pensamento crítico, visto nos trabalhos escritos.

Alguns fatores nos parecem relevantes neste fato. Não nos parece adequado tirar os

alunos da sala de aula para que assistam aos filmes. Este fato cria uma espécie de ‟evento” a parte –

como se fossem ao cinema – o que remete a um clima de diversão e de “hoje não tem aula!”.

Acreditamos que se os alunos pudessem assistir aos filmes em sala de aula, os conteúdos seriam por

eles melhor conectados ao que se diz na classe. Também seria mais eficaz que fossem exibidas

partes dos filmes e que a discussão pudesse ser realizada no mesmo dia. Encaramos que, desta

forma, poderia se tirar mais proveito do audiovisual e, ainda assim, ele poderia servir como um

momento de ruptura do cotidiano da sala de aula.

Ficou claro que os alunos desta faixa etária estão pouco preparados para tomar um

contato produtivo com produções audiovisuais diferentes daquelas que assistem na TV. E a

professora Tatiana concorda com isso.

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Inúmeros recursos audiovisuais podem ser utilizados. O grande diferencial é como o professor vai fazer para que aquele aluno esteja aberto para observar aquele recurso audiovisual. Temos um problema de disciplina muito grande. Muitos alunos em idade pré-adolescente. Todo mundo muito agitado. São adolescentes, mudam de sala, vão para sala de vídeo, ficam animadíssimos. Temos que conseguir fazer com que esses alunos tenham uma calma, uma tranquilidade, que eles possam serenar. É preciso fazer algum tipo de sensibilização para que eles possam capitar aquelas imagens e depois discutir sobre elas ou fazer uma discussão anterior. Algum tipo de sensibilização é preciso para que eles possam ver o filme, para que eles possam ter acesso ao audiovisual (BUKOWITZ, 2010a, p. 01).

Neste ponto de nosso trabalho na escola nos demos conta de como é preciso trabalhar

com as crianças para que consigam entender questões fora do senso comum. Mas acreditamos que

este pode ser um dos papéis da escola, porque o mundo imposto pela ideologia dominante deve

sofrer uma resistência. Colocamos anteriormente que a escola pode ser considerada como uma dos

aparelhos repressores do estado e as respostas destas crianças a um trabalho escrito ou a um vídeo

está incluída no ambiente escolar. Bakhtin dizia que sempre escrevemos para alguém:

O simples fato de eu conceder um significado, se bem que infinitamente negativo, ao que me determina, e de questioná-lo, ou seja, de eu tomar consciência de mim mesmo na existência, esse simples fato atesta que não estou sozinho em minha introspecção-confissão que meus valores são refratados em alguém, que há alguém para quem apresento interesse, que há alguém que necessita que eu seja bom. […] O índice substancial (constitutivo) do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para o destinatário. […] Este destinatário pode ser o parceiro e interlocutor direto do diálogo na vida cotidiana, pode ser o conjunto diferenciado de especialistas em alguma área especializada da comunicação cultural, pode ser o auditório diferenciado dos contemporâneos etc.[...] (BAKHTIN, 1981, p. 91 e 180)

Assim, nossos discursos se limitam aos ambientes em que nos inserimos, subjugados

pelas redes de poder através da linguagem. Quando proferimos uma ideia, estamos sujeitos a esta

censura que também é uma auto-censura. Mesmo assim, acreditamos que a liberdade seja o que

mais procuramos: na escola ou em qualquer outro lugar.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

O duro processo de pesquisa para o desenvolvimento de uma tese de doutorado passa

por diversas etapas: (1) a fase inicial marcada pela ansiedade e insegurança do candidato a

pesquisador, fundada na sua falta de experiência, (2) a constante dúvida sobre a validade ou

relevância de sua tese e (3) a real possibilidade de encontrar com olhos limpos uma resposta

afirmativa para aquilo que se imaginou de possível constatar durante os 4 anos de estudo, sua

hipótese. Esta última, talvez a mais cruel, é determinante na contemplação de sentido para o esforço

do doutorando – ela pode levá-lo a um terrível erro na fuga de uma situação de desespero. Podemos

imaginar uma história fictícia de um pesquisador que tente comprovar a eficácia de um

medicamento para humanos, usando ratos como cobaia. Frente à falta de uma resposta positiva à

droga, o pesquisador aumenta progressivamente a dosagem, até que os ratos morrem.

Não pretendo, e nunca pretendi, matar ratos. A utilização dos vídeos em sala de aula não

se mostrou tão eficaz quanto as críticas às propagandas impressas. Acreditamos que a linguagem

audiovisual destes trabalhos difere demais da televisão e não é tão atraente para os alunos como

para o é para o público adulto, que já tem uma formação intelectual e consegue digerir diferentes

formatos. Talvez fosse preciso produzir vídeos com uma linguagem comercial, mas que

apresentassem conteúdos para a formação crítica.

Apesar da esperada receptividade pelos vídeos não ter se concretizada como

imaginávamos, acreditamos ter demonstrado durante este trabalho, que o trabalho de crítica à

sociedade de consumo através de um questionamento da mídia e da publicidade se mostrou eficaz

no sentido de se constituir num início de uma pedagogia que liberte o indivíduo do senso comum

em relação às posses materiais. Ao afirmarmos que o bem estar humano vai além da saciedade de

necessidades materiais impostas por um mercado de consumo, não negamos a necessidade humana

de viver a fantasia, seja qual ela for, até mesmo baseada em bens materiais. Como diz o artista

plástico e fotógrafo Vik Muniz, “ter ilusão é necessário para a sobrevivência”. A questão é como

lidar com nossas ilusões para que elas não nos dominem ao ponto de substituir quase

completamente o concreto.

No trabalho de revisão bibliográfica, nos demos conta da possibilidade que a televisão e

a mídia têm em propor a fantasia como o concreto, seja através da ficção das telenovelas, seja a

partir das reportagens telejornalísticas que reinterpretam os fatos e os apresentam como uma

realidade incontestável através de imagens recortadas do cotidiano. Estas informações

simplesmente ignoram a pluralidade, a diversidade, os diversos pontos de vista, para se

apresentarem como imparciais e acima dos julgamentos. É uma forte carga ideológica que se

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espalha por toda sociedade, principalmente aquelas que enxergam na televisão a principal fonte de

informação e divertimento, como é o caso da nossa, a brasileira.

Este trabalho começou com um enfoque principal na mídia televisiva, mas, ao longo da

pesquisa, e das consultas teóricas, começamos a nos dar conta que a televisão e a mídia impressa

(sem falar na internet) foram se confundindo ao longo da história. Em termos jornalísticos, vemos

hoje como a televisão influencia os meios impressos e também sofre influência destes – algumas

evidências estão na superficialidade, no descaso com a apuração, no excesso de imagens e como

estas imagens ganham espaço do texto informativo. A mídia tem hoje, então, o poder de reformatar

o concreto na sua realidade, e a continua a pautar a sociedade como se aquilo que não estivesse na

sua pauta não mereceria atenção. Foi possível constatar no Colégio Pedro II como este processo de

expansão midiática influencia as crianças e os adolescentes de hoje. Mesmo que pertençam a

classes sociais distintas, agem e se vestem quase de forma idêntica e têm os mesmos interesses.

Mas ao encontrar as crianças e jovens na escola, surge uma percepção de vida em

movimento e a esperança de tentar entender, com a ajuda dos referenciais teóricos, como se poderia

dar um salto qualitativo em termos de uma educação abrangente para este público. Ali estava parte

do futuro brasileiro que crescia a revelia, orientado pela escola, mas também pelo mundo da

informação que se criou ao seu redor, no qual eles nasceram. É fato que a televisão brasileira só

começou a se desenvolver para atingir os padrões atuais nos anos 1970. Nos anos 1980, a

linguagem televisiva começa a tomar uma coesão. Entre os alunos, as pessoas mais jovens com que

tive contato nasceram em 1995, num mundo imagético bem desenvolvido. Não foi fácil entender a

percepção de mundo, os valores destas crianças e adolescentes em comparação com alguém, como

eu, que nasceu no início dos anos 1960.

À tendência de hoje que aponta para o fim dos valores, o fim da história, precisamos

responder que, se for assim, não existe ambiente mais propício para a criação de novos valores,

numa continuação da história. E foi em busca de valores humanos, que envolvam as pessoas

coletivamente, que nos lançamos nesta busca de encontrar uma maneira de combater as ideias

nocivas de um consumo programado pela mídia. No Brasil, o símbolo mais valorizado de uma vida

plena no consumo material são Estados Unidos e, no entanto, assistimos ao que acontece no século

XXI com a economia deste país e, em consequência, com a sua população. O capitalismo pode ter

trazido um maior bem estar para as pessoas, mas a custa do aprisionamento e alienação pelo

trabalho, que tirou a liberdade do indivíduo, e uma instabilidade financeira que não depende do

indivíduo. Propomos a busca de um capitalismo democrático, que talvez possa ser alcançado na

redução dos excedentes de capital que ora se encontram nas mão da classe dominante.

Podemos dizer que encontramos a possibilidade de trabalhar a crítica à sociedade de

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consumo através de uma resposta positiva dos alunos aos temas propostos. Mesmo que eles se

encontrem em um ambiente escolar e sofram pressões do sistema no sentido de conseguirem uma

avaliação positiva, enxergamos que nossa proposta pode ser posta adiante. É um trabalho difícil que

encontra resistência em um público acostumado com a ideia de escola capitalista que visa o trabalho

qualificado e pessoas mais obedientes. Mas acreditamos que a autonomia dos professores possa

levar a um projeto mais efetivo de escolaridade que, além de formar para o mercado de trabalho,

possa originar um cidadão mais consciente de sua posição no mundo. E que eles possam entender

que são complexos os destinos contemporâneos das mercadorias. Consumimos para satisfazer

necessidades fixadas culturalmente, para nos distinguirmos dos demais, para realizar desejos, para

fixar nossa posição no mundo, para controlar o fluxo dos significados, para obter certa constância

ou segurança, para ampliar a tão rebaixada cidadania.

É difícil precisar até que ponto a professora Tatiana (ou qualquer outro professor)

influencia as respostas dos alunos com sua autoridade em sala de aula com a pressão imposta para

que passem de ano. Mas lembremos de sua experiência pessoal, ainda criança, quando alguns dos

seus professores dos primeiros anos de estudo lhe despertaram ideias fundamentais para o

desenvolvimento de sua capacidade crítica – podemos supor que o mesmo possa acontecer com

alguns destes alunos. Num mundo em que a difusão das ideias parece uníssona, qualquer voz que

contraste com esta unidade pode ser seminal. E este trabalho com as crianças nos mostrou uma

porta aberta a implementação de novas ideias e a um possível questionamento efetivo.

Aqui nos vêm à memória o trabalho realizado em Natal, no ano de 2003, com crianças

que habitavam a Vila de Ponta Negra. Através da ONG, MOVACI (Movimento de Valorização da

Arte e Educação para a Cidadania), uma instituição sem recursos de patrocínio, realizamos um

trabalho de constituição de um cineclube a partir da cooperação da Pró-Reitoria de Extensão da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PROEX/UFRN) que, na época, disponibilizou um

aparelho de exibição de DVD. Nas improvisadas “sessões cinematográficas” semanais, numa

modesta casa do bairro que servia de biblioteca e sede da ONG, reuníamos, eu e a professora Carla

Genuncio, menos de uma dezena de crianças que se espalhavam pelo chão para assistir a filmes

brasileiros, exibidos em um aparelho de TV de 20 polegadas para a exibição de filmes brasileiros de

todos os tempos e alguns clássicos do cinema com ‟Tempos Modernos”, de Charles Chaplin. Após

as exibições, promovíamos um debate com as crianças. Nosso empenho não remunerado rendeu

frutos. Os pequenos espectadores começaram a valorizar o cinema nacional, ao qual tinham tão

pouco acesso, e aquelas cenas, tão diferentes das novelas da televisão e dos filmes de ação de

Hollywood, passaram a fazer algum sentido para eles – alguns passaram a procurar filmes

brasileiros em locadoras para assistir em casa. Acreditamos que o público infantil seja preferencial

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na aceitação de novas ideias que os adultos não acreditam mais.

Os ideais de igualdade não morreram, a crise da classe dominante (uma vez chamada de

burguesia) mostra a contradição entre liberdade e igualdade políticas e liberdade e igualdade real

dos homens. Desde o cristianismo, passando pela Revolução Francesa e pelo socialismo teórico, são

estes os requisitos para o verdadeiro desenvolvimento pessoal e coletivo. A crítica à sociedade de

consumo na escola é mais do que uma crítica ao capitalismo pouco democrático. É um

questionamento a respeito das desigualdades sociais, ao descaso com o meio ambiente, às relações

desiguais de poder. Temas que hoje são desenvolvidos na disciplina de Sociologia do Colégio Pedro

II, mas que poderiam estar presentes em História, Geografia e Língua Portuguesa em qualquer

escola brasileira que tenha a honestidade de entender que os alunos devem se formar como

indivíduos conscientes dos destinos que pretendem tomar, abertos para o mundo.

Em muitos trechos deste trabalho, defendemos que as ideias marxistas devem ser

retomadas como contraponto ao capitalismo, único sistema econômico que, teoricamente, promove

o bem estar social. Não queremos ser radicais ao ponto de propor que o Brasil se torne um país

socialista, mas imaginamos que seja possível a instauração de um capitalismo democrático com

uma maior distribuição de renda. A depender do atual estado das coisas, ficamos atentos, na busca

de uma circunstância social que permita que isto aconteça. Somos nós que devemos criar esta

situação. E, com um trabalho crítico, amplo, criativo, original é possível que ela surja em uma

escola pública como o Colégio Pedro II.

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ANEXO I

ENTREVISTA COM A PROFESSORA TATIANA BUKOWITZ

Affonso: Qual a sua formação?

Tatiana: Eu fiz ciências sociais na UERJ, entrei em 1996. Fiz o curso regularmente e me formei

mais rápido do que o normal. Na verdade eu terminei os créditos em 4 anos, mas antes de 4 anos eu

já tinha defendido a monografia. Isso foi na UERJ, eu fiz a licenciatura também em ciências sociais.

Na época a UERJ tinha, eu acho que tem até hoje ainda o curso de licenciatura e o bacharelado,

então eu fiz o bacharelado que são 4 anos e acho que no final, no último semestre do bacharelado eu

comecei a fazer a licenciatura. Eu queria dar aula. Eu tinha muita vontade de dar aula para criança.

Eu achava que as coisas que eu estava estudando na faculdade eram importante para o nível do

ensino fundamental, como a gente chama hoje, mas não existia isso. Até existia uma luta da

reincersão da sociologia no ensino médio. Eu não estava muito ciente dessa luta, dessa discussão,

dessas tentativas, mas achava que tinha me faltado esse tipo de conhecimento. Quando entrei na

faculdade falei que coisa legal, eu devia ter estudado isso na escola. E quando estudei na escola eu

sempre estudava, tudo que eu estudava, eu estudava pensando como é que eu ensinaria isso se eu

fosse dar aula para criança ou para adolescente. Essa foi minha formação na UERJ. Quer dizer, eu

fiz a licenciatura porque realmente queria dar aula. Sempre achei a carreira docente interessante,

importante. Tive vários professores que marcaram minha vida, que fizeram uma diferença enorme.

E a partir do impacto, muito positivo, que eles tiveram na minha vida, eu quis também ser geradora

de um impacto muito positivo na vida de outras pessoas, no sentido de abrir a mente, de transformar

mentalidades, dá uma visão de mundo diferenciada.

Fiz a licenciatura, que na verdade são dois anos complementares. Fiz o primeiro semestre da

licenciatura junto com o final do bacharelado, aí fiz uma viagem para fora do Brasil. Eu fiquei seis

meses na Europa. Enquanto estava na faculdade, trabalhei juntei dinheiro para poder estudar, para ir

aos museus e estudar e ver o que eu tinha estudado na faculdade, eu queria ver. Eu queria ir para

Florença ver onde Maquiavel morou, queria ver o castelo onde ele discutia as questões de poder. Fiz

uma viagem com esse foco. Foi muito enriquecedor. Quando voltei fiz mais um ano da licenciatura

e fui pro Japão.

Ganhei uma bolsa de estudos totalmente financiada pelo governo do Japão, pelo ministério

da educação do Japão. Fiquei um ano no Japão fazendo uma especialização em relações

internacionais uma pós graduação em Tóquio. E eu deixei o último semestre da licenciatura para

fazer no Brasil propositadamente, para poder ter uma reincersão no Brasil. Porque eu sabia que

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quando eu voltasse ia ser difícil para me readaptar. Eu já tinha uma noção do que é choque cultural,

do que é outra vivência cultural.

Voltei pro Brasil fiz esses seis meses que faltavam da licenciatura. E comecei a trabalhar na

Fiocruz, no projeto da Fiocruz integrado com o museu Nacional, história,ciências e saúde. Foi um

projeto inter disciplinar muito bacana sobre a história do Adolf Lutz. Da importância do Adolf Lutz

na história da medicina brasileira, a contribuição dele é muito ampla, não só na área da medicina,

nem na área da descrição das doenças ele fazia um trabalho também de descrição etnográfica,

acabava que ele ia pro meio do Brasil, pro interior encontrava índio, encontrava outras

comunidades,então o trabalho dele é multi interdisciplinar. Isso me enriqueceu muito e fez com que

eu tivesse uma visão mais clara ainda de como a interdisciplinaridade é importante e as ciências

sociais trabalham com a interdisciplinaridade.

Ao longo de toda minha graduação, da minha formação de mestrado tinha uma ideia muito

clara de que eu seria uma professora de ciências sociais, que trabalharia ensinando aquilo para

pessoas mais jovens, não para pessoas no nível universitário. Eu não tinha assim uma vontade de

dar aula no nível universitário. Mas tinha muita vontade de transmitir essas informações que eu

obtive na faculdade para pessoas mais jovens. Achava isso super pertinente. Sempre achei isso.

Sempre achei que me faltou. Sempre achei que seria melhor se eu tivesse tido. Meus professores de

história e geografia eram muito críticos. Eles me deram uma certa abertura, mas não era ciências

sociais.

Entrevista 03

Affonso: Por que você achava tão interessante, tão importante assim essas noções para as crianças?

Tatiana: Primeiro de tudo as crianças, elas aprendem as coisas de uma forma muito normativa.

Acho que o ensino escolar ele é muito normativo. As coisas são ensinadas assim: isso É um

triângulo, isso É um retângulo, aqui É a Rússia,aqui É Portugal, Napoleão FOI não sei o que, este É

um substantivo, nós temos aqui um adjunto adnominal. Não, o adjunto adnominal é uma palavra,é

uma classificação que foi criada para caracterizar um conjunto de palavras associadas assim, na

nossa língua isso existe; em outras línguas isso não existe; algumas línguas, aliás, não tem uma

estrutura gramatical definida,senão analisa os pedaços da frase dando o nome de verbo, sujeito,

adjetivo. Eu acho um absurdo ensinar português dizendo: isso É um artigo; isso É um pronome; isso

É um verbo.

Qualquer assunto acho que tem que ser ensinado de uma forma contextualizada. Então

minha primeira irritação pedagógica é que as coisas são ensinada como se elas fossem e ponto final.

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E as coisas não SÃO, elas são criadas. São criadas como? Por que? Para que? Em que contexto? Até

quando? Serve para quem? Qualquer coisa.

E tem algumas coisas que são muito pertinentes da gente explicar porque são criadas. Como

por exemplo o sistema de poder. Como por exemplo quem detêm o conhecimento. Como por

exemplo quem controla as ideias e define as ideias das pessoas, porque as ideias definem

comportamentos. As pessoas, os seres humanos não se comportam só por um instinto animal. Nós

temos um instinto, nós olhamos uma pessoa e gostamos, nós comemos um pedaço de bolo e

gostamos sem saber qual é a receita. A gente gosta,tem um gosto bom,é instintivo. Mas existem

bolos e bolos. E tem bolos que podem parecer ótimos para mim e horríveis pro outro. Porque esse

gosto é desenvolvido culturalmente. Estou falando de um bolo mas na verdade existem questões. A

minha experiência de vida deixou muito

claro que existiam muitas relações de poder que não eram explicitadas. Eu sentia essas relações de

poder. E eu percebia que existiam relações invisíveis entre as pessoas. E essas relações invisíveis

não eram explicadas para mim. Por que essas pessoas tem esse comportamento,por que outras tem

outro? Por que minha família é desse jeito, por que outra família de outro? Por que eu gosto disso e

outras pessoas não? Imaginava que tinha algumas explicações para isso.

E eu só conseguia muito lentamente entender que relação invisível era essa que conectava

ou distanciava as pessoas, que as segregava em um grupo ou as aglutinava em outro, muito aos

poucos ao longo dos anos de estudo, de faculdade, no mestrado, de reflexão, a vida, a experiência.

Mas isso pode ser ensinado para a faixa etária inferior, para as crianças e elas têm

sensibilidade para isso. E se você apresenta esse tipo de informação para eles numa idade mais

jovem, eles vão ter mais autonomia para pensar de uma forma original, para perceber o que elas são,

para perceber em que ambiente elas estão e para poder se posicionar diante da vida de uma forma

mais adequada.

Eu tive algumas experiências de submissão na minha vida. E essas experiências de

submissão não foram agradáveis. Eu não tinha como lutar contra essas experiências de submissão,

individualmente. Não sabia exatamente o que estava me colocando numa posição submissa. Mas eu

percebia que tinha uma relação de poderes. Que eram coisas pouco perceptíveis. Não era alguém

empurrando, não era alguém me batendo, não era alguém me socando, não era alguém tapando a

minha boca com uma fita crepe. Não era isso.

Então, a gente sabe que as crianças são submetidas, os jovens são submetidos a relações de

poder. E isso tem uma interferência muito grande no futuro deles. O quanto antes o jovem, o

adolescente, tem que ter acesso a informações que façam eles perceberem que existem relações de

poder, que a cultura é construída, que as informações são construídas, os saberes são construídos e

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transmitidos, que o sistema de classificação de qualquer coisa é construído. A palavra mesa para a

classificar mesa, ela foi criada. Não tem que ser mesa, pode ser table, pode ser mil coisas. E pode

nem ter.

Quer dizer, a ideia de que as coisas são criadas e podem ser transformadas não existe dentro

do ambiente pedagógico em geral. Didaticamente as escolas não apresentam o conhecimento como

algo construído. E as ciências sociais mostram que tudo é construído não existe nenhuma

temeridade, mas se tem algo que a gente pode perceber claramente é: existe uma construção de

conhecimento contínua. Se vamos falar sobre o capitalismo, Werber diz A, Marx diz B, Durkheim

diz C, Baudelaire diz D e cada um tem a sua construção do conhecimento e são pertinentes,

algumas se convergem ,outras são divergentes. Reclassificação das bactérias já criaram várias.

Quando eu trabalhei no projeto do Adolf Lutz, eu vi isso exatamente. Eu tive uma visão muito clara

de como a classificação das bactérias, dos fungos, dos sapos, dos grilos foi criada e recriada. De

acordo com o que? Com a observação dos seres humanos.

Affonso: Não das próprias bactérias.

Tatiana: Não das próprias bactérias. Então, assim, acho que as ciências sociais ajudam o aluno a

perceber que o conhecimento é criado. Qualquer um. A linguagem é criada. A linguagem não é, ela

está sendo. Qualquer coisa está sendo. Está sendo por quê? Tem motivos para isso. E devemos

permitir que as crianças percebam uma integração desses campos de saber. As ciências sociais

qualquer estudo, por isso que chama ciências sociais, esse nome plural. É uma pluralidade mesmo é

reconhecer que são campos de saber diferentes, interligados.

E todos os grandes autores das ciências sociais são interdisciplinares. Tenho uma visão meio

oriental das coisas. Acho que a mão não é mão. A mão está conectada com o pulso, está conectada

com o braço. Se meu coração não está batendo direito eu vou ter um problema de circulação na

mão. Se eu só como besteira, minhas veias vão ficar entupidas, a mão pode se ferrar. Assim a mão,

o coração são o meu corpo. E as disciplinas escolares são a mesma coisa. São campos de saber

interligados. E as Ciências Sociais assumem essa interdisciplinaridade. E a integração do saber é

algo que eu acho que deveria ser intrínseco a qualquer ambiente educacional.

Entrevista 04

Affonso: Você tinha comentado comigo uma vez que você achava que dentro da disciplina história

por exemplo, não exatamente uma crítica ao Colégio Pedro II, mas no geral, que a disciplina de

história estivesse talvez desconectada da sociedade, que era muito normativa. Nomeando coisas ou

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dando significados já prontos, acabados como se eles sempre existissem. Sem discutir uma possível

historicidade das coisas ou o que significa ou a história, o indivíduo como ser histórico. O que você

acha? Porque me parece que história é uma disciplina muito importante nesse sentido. Você está

falando de cultura, de passado. Coisas que a princípio já passaram mas que continuam presentes.

Tatiana: Para começar, história é narrativa. Quem é o narrador? É um narrador. Não dá para deixar

o Walter Benjamin de lado, não dá mesmo. Não é só o Walter Benjamin, têm outros autores por aí.

Eu sou apaixonada pelo Walter Benjamin. Não dá para deixar Walter Benjamin de lado para falar de

uma coisa como essa. O que é história?

Mesmo dentro da história oficial, da carreira acadêmica de história, se tem uma coisa que é

importante são as narrativas. E nas universidades contemporâneas a gente sabe que existem várias

narrativas. Que as narrativas são plurais. Isso são dentro de algumas universidades em que você tem

uma abertura maior. Você tem possibilidade de uma discussão mais contemporânea, mais de

vanguarda. Têm lugares que até hoje discutem a história, há uma narrativa oficial e ponto final. A

minha compreensão de história, não é minha compreensão, minha, Tatiana, é a compreensão

profissional, acadêmica que eu tenho, defendo do que é história. A história é um espaço de

narrativas. Quais são as narrativas possíveis para um fato? Inúmeras. Então você ensinar a

Revolução Francesa a partir da narrativa do rei ou da burguesia ou do sans culottes? Não, você

ensina história do Brasil a partir da narrativa da carta do Pero Vaz de Caminha, pelo amor de Deus.

Vamos estudar aquela carta e vamos estudar também o que que foram. Não sei outros registros

históricos. Vamos estudar a percepção que os indígenas tiveram disso. Vamos estudar a percepção

que outros grupos de jesuítas tiveram ou vamos estudar a percepção de que os ingleses estavam

achando dos portugueses que estavam vindo. Isso é uma coisa muito interessante.

Quando estudei história tive a felicidade de ter dois professores fantásticos, que foram Léa e

Ferreira. Isso foi na quinta série, eu tive essa professora Léa até o sexto ano. E o Ferreira me pegou

nos anos subsequentes, sétimo, que seriam sexto, sétimo e oitavo atualmente sétimo, oitavo e nono

anos. E eu estudei em Petrópolis e a escola adotava um livro que acabava de ser lançado e foi uma

grande discussão nacional, o livro se chama Construindo a História. Não apresenta uma narrativa. O

livro é constituído de documentos históricos, ele não tem nenhuma linearidade. Ele tem temas. Você

vai trabalhar lá o livro 1, aí tem as Américas, existe um parágrafo apresentando o tema de uma

forma geral mas não é uma narrativa: vamos estudar o que aconteceu nesta região geográfica. Ele

traz dez documentos históricos e cada um apresenta uma versão, uma narrativa bastante

diferenciada.

Para uma criança da quinta série, para todos nós crianças da quinta série, era muito difícil

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entender aquilo porque a gente não estava acostumado a ver a ausência de linearidade. Nossa vida

tem linearidade? A gente faz um esforço colossal para dar linearidade para nossa vida, para a gente

não surtar. Mas na verdade, acho que a linearidade é construída, falando em construção. Então o

livro apresentava narrativas, a partir daquelas diferentes narrativas a gente via ali já as redes de

poder. A gente via quem tinha poder, quem mandava em quem. Quem tinha escolha, quem não

tinha. A gente via que cada situação, cada fato histórico, cada grande momento histórico podia ser

narrado sobre prismas diferentes.

Então essa experiência que eu tive lá no Ensino Fundamental 2 como nós chamamos hoje

em dia, é a base para o meu trabalho hoje. E fez uma diferença gigantesca dentro da faculdade e no

meu mestrado e está fazendo agora que eu estou fazendo o doutorado. Eu tenho isso com uma

clareza muito grande, muitos colegas não têm. E aqui, também os professores que trabalham

comigo, professores de história em geral, eu vejo que eles não têm, porque acham que é muito

trabalhoso fazer dessa forma, ensinar dessa forma. É mais trabalhoso mas implica em um ganho

muito grande para os alunos. Esse livro que citei ainda existe, ainda está disponível para comparar.

Inclusive recentemente eu comprei toda a coleção Construindo a história.

Tenho muita vontade de empregar nas aulas porque acho que as vezes pode ser pertinente.

Agora, a maioria dos livros de história apresentam uma narrativa muito definida. Na minha opinião,

isso empobrece muito, porque conta: a história do Brasil foi assim. Houve um período de ditadura

militar em que o fulano de tal ficou no poder e tirou não sei quem do poder. E a história dos

vencidos? A história dos vencidos não é contada, mas eles também participaram, eles também

tentaram.

Se você vai falar do período militar, não foram só os militares que estavam presentes e não

dá para dizer: o povo foi oprimido e ponto, houve a censura ponto, as pessoas precisavam e ponto,

quem não estava de acordo tinha que calar a boca e ponto. Não é só isso. O que aconteceu com os

vencidos? Hoje em dia a gente tem uma abertura maravilhosa, a gente não está mais em período

militar nem ditadura, nem temos mais a censura. Acabou de sair aí o filme do Simonal, resgata uma

série de elementos que aconteceram naquele período, ali aparece a história dos vencidos.

Mas é que os livros de história, pelo que eu tenho conhecimento, ainda apresentam uma

meta narrativa como sendo a correta. Então isso reforça o saber pouco crítico. Isso reforça a ideia de

que a coisa é aquilo, foi. Não, eu posso olhar para história da Revolução Francesa de uma forma

completamente diferenciada. Qualquer coisa, sei lá, a gente pode rever tudo.

Entrevista 05

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Affonso:Você acha que o pensamento crítico pode ser criado,estimulado ou ensinado?

Tatiana: Pode. Claro. Facilmente. Não assim facilmente, a ideologia é dominante, o pensamento

crítico não está na pauta do dia. Não está nas primeira página do Globo. O pensamento crítico é

algo a ser desenvolvido a partir da subjetividade de cada um e coletivamente. Não é o que vem

pronto. Assim como as ideias, o consumismo, racismo, a descriminação. É um conjunto de ideias a

ser desenvolvido.

É preciso um conjunto de pessoas intelectuais, não necessariamente intelectuais, é preciso

um conjunto de pessoas interessadas em desenvolver uma visão crítica e de aperfeiçoar e de aguçar

e de desenvolver uma sensibilidade. Apresentar sensibilidade para as pessoas. Acho que a gente

vive num momento de massificação muito grande. O ritmo nas cidades contemporâneas é muito

veloz. A gente está submetido a uma série de exigências com relação ao nosso padrão de vida, nosso

padrão de consumo padrão de moradia, comportamento. São imperativos, muito fortes, que trazem

um impacto muito grande para todos nós.

Eu estou submetida a isso. Eu sinto isso. Tenho que me vestir de uma forma correta, tenho

que manter minha pele limpa, preciso manter um peso adequado, preciso manter um corte de

cabelo, preciso manter minhas unhas feitas e assim vai. Para um homem é a barba feita, é não sei o

que, qualquer coisa. Isso é criado. O pensamento crítico está na contramão dessas exigências

massificantes, massificadas. O pensamento crítico na minha visão é a possibilidade da emergência

de uma alteridade original e da vivência de uma identidade individual singular. Essa alteridade, essa

singularidade dependem da autonomia, de um pensamento autônomo. E esse pensamento autônomo

só pode existir se houver um espaço para o questionamento. Esse espaço de questionamento precisa

ser criado. No momento não existe, o mercado, a mídia televisiva de massa ela não está exatamente

voltada para criação de um pensamento crítico, nem para abrir grandes questionamentos. A força do

mercado faz com que a gente tenha um procedimento coletivo, um procedimento de massa voltado

para o consumo. Para adequação a certos padrões: moda, comportamento, enfim. Questionar isso é

ir um pouco no contra fluxo. Eu acho que é possível sim.

Eu tenho feito isso aqui. A gente encontra um pouco de resistência dos próprios alunos. Aqui

na escola a gente não encontra resistência da direção. A minha direção direta aqui, a minha diretora

não é contra. Ela sabe o que a gente faz. A minha chefe de sociologia do departamento também não

é contra, pelo contrário, valoriza, acha bom. Ela não obriga que a gente faça isso, ela dá liberdade.

A gente tem que trabalhar capitalismo, tem que trabalhar cultura de massa porque são pontos

moldais. São elementos a serem tratados estão no nosso currículo. A gente pode dizer que

capitalismo é ótimo. A gente pode dizer que as indústria cultural é ótima, que a gente tem mais é

que aderir a esses padrões. Mas nós apresentamos isso de uma forma crítica. A gente abre uma

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janelinha para o questionamento. E eles aprendem a questionar. E eles se reobservam. É um espaço

que a gente que cria para que eles se reobservem. É possível. Não é simples mas é possível.

Entrevista 06

Affonso: Você acredita que hoje o consumo seja a principal forma de alienação dos alunos?

Tatiana: Consumo? A gente tem que definir o que que é consumo. A principal forma de alienação...

A gente tem que definir o que que é consumo. Qual é o ponto de vista que a gente está entendendo.

Consumo e alienação. Se eu entender que alienação é um desconhecimento da realidade de uma

forma mais completa. Então, primeiro eu tenho que assumir que esses jovens não estão, não são

capazes de compreender a realidade de uma forma completa. Inclusive não são capazes de

compreender a si mesmo de uma forma completa.

Ninguém vai se entender de uma forma completa, eu estou fazendo terapia não sei há

quantos anos, eu não sei de nada sobre isso. Imagina essas crianças. É muita pretensão a gente achar

que vai conseguir entender tudo de uma forma completa. É uma limitação da compreensão da

realidade social em que se vive. Uma alienação como uma limitação dessa compreensão. Alienação

do ponto de vista subjetivo.

A televisão hoje em dia funciona de uma forma muito forte. Ela intervem muito e ela define

hábitos de consumo. Sobre isso, existem muitas relações a serem estabelecidas. O fato da pessoa

ficar vidrada, querer consumir. Ficar focada no consumo faz com que ela tenha o foco no objeto e

perca o foco de outros objetos. Inclusive perca o foco de si mesma. Então fazendo um exercício

reflexivo, todas as pessoas que estão focadas em apenas uma coisa, diminuem bastante o foco para

qualquer outra coisa. E no caso o consumo, o consumismo, o desejo de consumir é algo que ocupa

um espaço muito grande dentro das nossas preocupações contemporâneas e muito do jovem.

Acho que o consumo é um elemento que ocupa muito tempo, ocupa os interesses, ocupa os

desejos dos jovens. Por conseguinte, a pessoa passa a ter menos espaço para observar outras coisas

ou para observar a realidade dela de uma forma mais ampla. Ou perceber porque que ela quer

consumir, para que serve aquele objeto que ela vai consumir. Ela quer consumir, ela quer ter. Para

quê? Para se sentir bem no grupo, para ficar bonita. O padrão de beleza foi criado por quem?

Mas será que eu vou conseguir um padrão de beleza? A menina pode até querer consumir,

mas se souber que vai consumir e não necessariamente vai ser mais feliz, e vai estar, isso sim, se

adequando a um padrão de beleza que foi criado socialmente, talvez ela nem queira consumir tanto.

Se ela entender que o consumo está relacionado a outras coisas. Dá para dizer que consumo é um

dos motivos do jovem estar alienado.

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E o consumo é estimulado de uma forma sagaz. Os cursos de propaganda e marketing que

existem aí são legítimos, as pessoas pagam para fazer esses cursos e saem formadas em marketing.

E nesses cursos as pessoas aprendem, os professores ensinam a vender. Como vender de forma

eficaz. Eu já trabalhei com vendas. Eu fui para a Europa por seis meses porque eu fui vendedora. Eu

fiz alguns cursos rápidos de venda e de técnica de venda e eu sei como é convencer a pessoa a fazer

alguma coisa. Você induz a pessoa. Os cursos de marketing, as faculdades de propagandas e

marketing elas são focadas em controlar o comportamento social, induzir a pessoa. Eu não estou

inventando nada. Isso é a verdade, os cursos estão aí, quase toda faculdade tem um curso de

propaganda e marketing. Para que esse curso? Para as pessoas fazerem um quadro original, para

fazerem uma propaganda bem bolada e crítica. Para pessoa decidir se ela vai comprar Ipanema ou

Havaianas? Ou se vai ficar descalça ou se vai fazer um chinelo de palha ecologicamente

sustentável? Não. Propaganda das Havaianas fala compre Havaianas. Você tem que usar Havaianas.

Existe uma força social racionalmente pensada e estruturada, livros. Existe toda uma rede de saber

voltada para o consumo. Preocupada em fazer com que o consumo seja cada vez maior. Fazer com

que as pessoas consumam cada vez mais. E este campo de conhecimento está sendo embasado pela

psicologia. É verdade, não estou inventando nada, é só entrar num curso de marketing, de

propaganda e marketing. E ver que não estou inventando nada. Mas as pessoas precisam saber que a

propaganda é criada. Que o curso de propaganda e marketing foi criado. E que é criado para servir

aos interesses de vender cada vez maiores. Que não necessariamente está associado a

biodiversidade, à manutenção do sistema ecológico razoavelmente estável, à manutenção de

padrões de sociabilidade razoáveis, porque há muita competição envolvida nesse movimento de

consumo.

Affonso: Me lembro do filme “Criança, a alma do negócio”, daquela menina que adorava

maquiagem. E aí perguntavam: “Mas por que que você se maquia?” E aí ela diz: “Bom isso até

agora eu não descobri.”

Tatiana: É mas ela não está se maquiando. Tudo bem a criança pode receber um estojinho de

maquiagem, se ela nunca teve referência, se ela não tem a menor noção do que que é aquilo, ela vai

meter o dedo, vai experimentar, vai ver que faz cor. Ela pode pintar o braço, a parede, o vizinho,

pode pintar o sete. Ela só vai saber que ela tem que maquiar se tiver algum elemento social que faça

com que ela perceba que aquelas tintas são para ela colocar no olho de uma forma específica, na

bochecha de uma forma específica, nos lábios de uma forma específica. Em que ocasião, que cores

vai usar. Isso é socialmente construído. O desejo dela estar pintada e maquiada gerado socialmente.

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Affonso: E, geralmente, para mulheres numa faixa etária que queiram atrair homens, ou se achar

bonita, que já tenha uma sexualidade desenvolvida. Mas nada disso funciona numa menina de nove

ou dez.

Tatiana: Mais ou menos. A partir do momento que as propagandas definem. O Boticário tem uma

linha de maquiagem para crianças que tem batom, rímel, tudo para adolescente. O Boticário tem, eu

não sei outras, não posso lhe dizer com certeza. Mas sei que o Boticário tem uma linha de

maquiagem para crianças e adolescentes.

Affonso: Esta propaganda está em um dos trabalhos feitos pelos alunos.

Tatiana: Então quer dizer que existe uma linha de cosméticos voltada para a criança. E o estímulo

para que essas crianças utilizem maquiagem está sendo feita através de propaganda em revistas

como Capricho, revista da Mônica, revista em quadrinhos. Não brota da cabeça de uma criança se

maquiar. A mãe pode até maquiar a filha, brincar de maquiar. Sei lá, o problema não é se maquiar.

Cada cultura se pinta. As culturas do mundo inteiro se pintam. Aliás o Boticário fez uma

propaganda muito inteligente mostrando pessoas do mundo inteiro se pintando. Então a gente se

pinta do nosso jeito. Mostra lá um aborígene tacando argila na cara; as japonesas, as gueixas com

aquela maquiagem, o rosto quase porcelanizado. E mostra umas meninas da Tailândia. A Índia num

ritual de casamento. E aí o Boticário. O contexto de maquiagem na Índia, o contexto de maquiagem

no Japão, contexto de maquiagem nos povos aborígenes cria uma linha de cosméticos voltada para

o consumo infanto juvenil.

Acho que é muito diferente. Embora a gente possa dizer inclusive que o uso desses

cosméticos é ritualizado. A criança acha que a partir do uso desses cosmético ela está mais velha,

ela está mais isso, ela está mais visível, ela está mais amadurecida. Mas o objetivo é gerar o lucro.

Não é melhorar a pele. Estão sendo criados milhões de produtos. Cada vez mais produtos. As linhas

de produtos vão se diferenciar cada vez mais. E o objetivo é o que? Gerar o bem estar? Se fosse

assim a gente não estava tendo aquecimento global, não estava tendo problema de lixo e outros.

Affonso: E numa crítica à maquiagem precoce das meninas, a Rede Globo, no Fantástico, só falou

de possíveis problemas de pele.

Tatiana: É profundo demais, porque se você for criticar de verdade o motivo de haver uma série de

produtos cosméticos de maquiagem, se você for criticar isso você não vai só criticar a maquiagem

que é feita para criança, vai criticar todas as linhas de todas as empresas de cosméticos do mundo.

E isso é uma crítica que a Rede Globo não pode bancar. Porque muitas linhas de cosméticos

mantém a existência da Rede Globo. Então ela não pode pegar e fazer uma crítica ampla. Ela tem

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que fazer uma crítica pequena e localizada que dois ou três produtos podem, quem sabe ,afetar a

negativamente a pele daquela criança. Se ela criticar a estrutura da construção de todos os produtos

cosméticos, a Natura por exemplo patrocina novelas, toda hora aparecem os produtos nas novelas

da Rede Globo. Imagina se ela vai fizer isso. Ela vai tirar o próprio tapete? Ela não vai fazer isso. A

Rede Globo está diretamente vinculada a produção de lucro. Ela é uma divulgadora de produtos.

Ela é mantida pela propaganda dos produtos que são divulgados nos intervalos comerciais. Uma

crítica da emissora sempre vai ser superficial, vai ser uma crítica parcimoniosa. E não pode ser

diferente disso.

Entrevista 07

Affonso: Com todos esses atrativos que hoje em dia que as crianças e os adolescentes têm, que

antes nós não tínhamos, que seria vídeo game super poderoso, DVD em casa, Blue Ray, MP3, você

acha que a televisão ainda exerce influência no comportamento?

Tatiana: No Brasil, a gente tem uma realidade ainda de exclusão digital muito grande. Não é muita

gente que tem o acesso contínuo à internet. A leitura ainda não é amplamente divulgada. Os jornais

e revistas não atingem uma parcela representativa da nossa sociedade. Mas a televisão está presente

em quase todos os domicílios. Não tenho os números aqui para lhe dar mas se a gente for fazer um

levantamento lá no IBGE, quase toda a população tem acesso à televisão mas não tem acesso à

leitura, nem também à internet. Então acho que a televisão no Brasil ainda é, na realidade brasileira,

o principal veículo de informação e o principal agente motivador para o consumo.

Affonso: E a influência da televisão?

Tatiana: Na minha época por exemplo era muito forte a influência da Xuxa, dos produtos da Xuxa

para as meninas. A loja de roupas da Xuxa, a loja O Bicho Comeu só existia em um shopping do

Rio. Não era tão massificado. As pessoas até podiam tentar imitar mas não era massificado. Só tinha

uma loja da Xuxa, somente no Rio de Janeiro. O Brasil inteiro desejava ter roupa da Xuxa. Então

você tinha um horizonte de desejo muito bem fomentado, mas o acesso àquele produto era restrito –

além de ser caríssimo, só havia uma loja e não eram produzidos em grande escala.

A indústria, produção em larga escala aumentou muito de vinte anos para cá. A

produtividade em massa é crescente. Eu me lembro que eu tinha mais tempo para outras coisas, as

brincadeiras eram mais entre pessoas do que é pessoas e objetos. Sempre houve brinquedos, a gente

tinha brinquedos. Mas a gente brincava muito junto. Os jogos eram de uma interação muito direta

entre os participantes. Hoje em dia muitos brinquedos são para os jovens, as crianças, brincarem

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individualmente. Ou elas estão interagindo com uma realidade em que elas não estão exatamente

interagindo uma com a outra, mas as duas estão se relacionando com uma realidade virtual, tem

duas ou três pessoas jogando um jogo virtual,tá. Tem cada uma numa casa, elas estão jogando um

jogo, elas estão interligadas por aquela realidade virtual mas uma não está exatamente falando com

a outra olhando no olho. Estão jogando com o Avatar.

Ou se dois meninos ou duas meninas estão em casa brincando de um joguinho qualquer no

computador, mas os olhos delas estão vidrados na tela do computador. E elas estão focadas no que

está dentro da tela do computador. A comunicação entre elas é bem empobrecida e a conexão entre

elas e o vídeo game, o jogo é muito forte. A gente está sentado aqui numa mesa de xadrez. Como

funciona um jogo de xadrez? Você tem as peças, você tem a mesa, você tem objetos. Mas eu olho

para você o tempo todo, você olha para mim. A forma como você me olha e a forma como eu olho

para você,os gestos que eu faço minhas jogadas, tudo isso conta para você saber como vai ser a

partida. A interação é entre eu e você. Tem uma mesa com as peças aqui. Se você jogar xadrez aqui

e jogar xadrez são completamente diferentes. Os jogadores de xadrez poderão fazer uma

comparação muito interessante sobre o que é jogar xadrez diante do parceiro e o que é jogar xadrez

virtualmente, ou com seu próprio computador. Faz muita diferença. A interação quando tem duas

pessoas jogando xadrez cara a cara é uma. A adrenalina, o nervoso, você percebe os sinais, antecipa

a jogada. Você tira a atenção do outro. Isso se perde com os jogos de computador, que geram lucro,

alimentam uma indústria e que desnutrem um tipo de relação social que eu acho muito saudável.

Affonso: De certa forma a relação da criança com a televisão se dá dessa forma? Sem uma troca?

Você percebe isso? Quando eles falam?

Tatiana: Existem programas de televisão hoje em dia que você pode pegar o telefone ligar fazer

uma pergunta para o fulano de tal que está sendo entrevistado. Ou eles falam lá: Vocês acham que

as mulheres estão de calcinhas verdes ou vermelhas no dia do jogo? Você liga ou responde pela

internet. Aí vinte por cento diz que é verde não sei quanto diz que e vermelho. Isso é interação?

Porque dizem televisão interativa. Isso é interação? Se isso é interação que maravilha. Estamos com

tudo resolvido. Não acho que isso seja interação não. Acho que isso é uma forma extremamente

empobrecida e mentirosa de dizer que existe integração entre as pessoas.

Habermas fala muito no trabalho da importância da ação comunicativa. Ação comunicativa

predispõe uma troca, uma interação. Uma interação imediata e não mediada. Eu falo para você,

você ouve, gostou, responde, não gostou, responde. Isso é interação. Eu ligo a televisão, vou

escolher a programação. Eu posso escolher qual é o canal. É a interação? Eu não acho que isso é

interação. Acho que interação é outra coisa.

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A influência da televisão é muito grande, as crianças estão cada vez mais em contato com a

televisão. Passam cada vez mais horas diante da TV ou do computador. E menos horas em contato

dialogal com seus pais, parentes e irmãos. A diminuição de horas de contato, de conversação, de

convívio humanizado e o aumento de horas em contato de objetos tecnológicos, seja ele um

joguinho de computador, no celular ou a televisão, internet. Isso estabelece objetivamente que as

pessoas estão se relacionando menos umas com as outras e mais através de objetos ou apenas com

objetos. Acho que isso significa que no mínimo há uma grande diferenciação no modo de

construção da subjetividades. Existe uma diferenciação na importância das relações sociais. Existe

uma dificuldade de lidar com o outro, quando você está diante do outro, real, de carne e osso. Existe

toda uma série de mudanças que acontecem pelo fato da pessoa estar muito acostumada a ficar

muitas horas com o objeto e estar pouco acostumada de estar horas conversando ou trocando ideias.

Quando você está no computador jogando um joguinho não está fazendo uma troca de ideias, você

não está estabelecendo uma relação. Acho que empobrece do ponto de vista a construção das

relações sociais.

Entrevista 08

Affonso: Sobre o possível trabalho de crítica à televisão, vista como representante do sistema

capitalista, que não visa o bem estar geral, pode-se provocar uma postura crítica que também seria

crítica contra ao sistema? Você acha possível que as crianças vejam a TV de uma outra forma?

Tatiana: Primeiro de tudo. Quando eu estava na faculdade eu fui tão sensibilizada pela leitura.

Quando eu li a Dialética do Esclarecimento, eu fiquei tão impactada e levei tão em consideração o

que eles disseram que eu decidi ficar três anos sem ver televisão. A partir do momento que eu

terminei a leitura eu fiz essa experiência. Eu realmente fiquei três anos sem ver televisão.

Eu não via, me recusava absolutamente. Eu não via nada. E sabia de tudo. E sabia de tudo o

que? Sabia qual era a novela, quem eram os atores,o que que estava acontecendo na novela,qual era

o jogo que estava sendo transmitido.

Quais eram as notícias do Jornal Nacional, que o Jornal Nacional mudou de formato. Que o

programa Fantástico está apresentando isso ou aquilo outro. Que o Faustão não sei o que. Que o

Gugu saiu da emissora tal e foi para outra. Eu sabia de tudo. Eu não via televisão e não lia jornal

nem revista. As pessoas falam o tempo todo sobre o que está sendo colocado na televisão. Não é

preciso ver televisão para saber o que que a televisão está divulgando tamanha é a influência da

televisão.

A gente tem de ser crítico sobre o que é a televisão. A televisão é um meio de comunicação.

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Quem está por trás da televisão? Quais são as redes, as emissoras que estão vinculadas e sendo

transmitidas por esse aparelho? Quantas são as emissoras? Quem é o dono dessas emissoras? O que

esses programas estão vinculando? Existe muita propaganda comercial? Quais são as propagandas

que estão sendo vinculadas? Elas estão colocando quem no poder? Estão tirando quem do poder?

Estão alimentando que tipo de indústria? É isso que a gente tem de pensar.

Hoje em dia eu vejo televisão, um pouco. Quando eu vi Caminho para as Índias, eu pratico

yoga há alguns anos, mas quando eu vi a novela tive vontade de comprar roupas indianas. Eu já

tinha algumas porque eu gosto. Eu fiquei com muito mais vontade de ir para a Índia. Eu fiquei

com muito mais vontade de ouvir mantras. Por quê? Porque eu sou um ser humano e como ser

humano eu fui fisgada por aquelas coisas que estavam sendo colocadas na novela.

Agora, ao mesmo tempo, eu sabia que aquilo estava sendo colocado numa novela, que

aquilo não era real. Mas eu também passei a ter muito mais informações sobre a Índia, eu vi como

funciona um casamento indiano. A Rede Globo fez um pesquisa fantástica, inclusive com

sociólogos, antropólogos, etnógrafos que foram á Índia, que fizeram um levantamento, que

constituíram toda aquela cena maravilhosa do casamento dos indianos. Quando isso aconteceu eu

estava dando aula aqui e eu falei com meus alunos sobre isso. E eles tinham uma visão muito

ampliada sobre o que era a Índia e jamais teriam se não fosse a televisão.

Não acho que a televisão seja um demônio. Quando eu falei em Índia eu não falei em

etnocentrismo. Eles já não tinham mais preconceito contra a vaca. Eles achavam o máximo uma

vaca no meio do caminho. Porque a Rede Globo mostrou a vaca de uma forma relativista, ela

trabalhou a partir do relativismo cultural. Então ela desnaturalizou, fez um trabalho de apresentação

da cultura de uma forma positiva. Dizer que a televisão é um demônio? Ela pode ser usada de várias

formas.

Agora também aumentou a venda de produtos indianos, de rena para pintar o olho, das

roupas. O CD da música da novela. Ampliou a noção de mundo dessas crianças. Essas crianças

dessa escola não sabem o que que é Índia. De repente, no mapa, sabiam um pouco o que era a Índia,

que existiam os dalit. Isso é incrível! Eu não precisei falar nada. Eu falei, galera, vamos pensar num

exemplo de outra cultura? Índia. O que vocês sabem sobre a Índia ? E pá pá pá. Fantástico! Vou

dizer que é um demônio a televisão? A televisão não é um demônio. Aliás nada é um demônio.

Nada é um anjo. Tudo é bom e ruim. Ying e yang.

Nós somos bons e ruins. Nós temos o bem e o mal. Nós sabemos e não sabemos. Erramos e

acertamos. Isso é ser crítico. Isso é ter uma noção mais ampla. Agora, achar que eu quero casar com

aquele ator que está namorando com a fulana na novela. Isso é o que a novela propõe. Cria um

padrão de beleza e todo mundo tem de ser daquele jeito. É ruim isso. Mas também tem coisas boas.

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Então eu acho que o espaço da educação pode desmistificar, é muito importante

desmistificar o que a televisão representa. Eu não acho legal dizer que televisão é um demônio.

Aliás eu não acho legal dizer que nada é um demônio. Qualquer coisa pode ter um lado positivo. O

tsunami que teve lá não é um demônio. Você aprendeu sobre o tsunami? para que serve? Faz parte

do sistema de acoplamento das placas tectônicas não sei oque, a gente pode prever o próximo?

Demônio? Tudo pode ser reapropriado. Agora, vamos começar reconstruir, pronto. Eu acredito

muito na força do agora. O momento da autonomia, o momento da crítica, o momento da

construção é o agora. O momento da virada é o agora. É agora que a gente vai medir outro ângulo,

pode mudar. É agora que a gente olha para o passado de uma outra forma. E planeja o futuro de um

outro jeito. E daqui a uma semana gente vai planejar o futuro de um jeito totalmente diferente,

porque já vai ter um outro agora, com outra circunstância.

Visão crítica é isso. É saber que as coisas estão em movimento. São resultado de

movimento. E ciências sociais mostram, podem mostrar isso. Se um professor de ciências sociais

não fizer isso, que lástima! Porque não leu Weber, não leu Marx, não leu Durkheim, não entendeu

nada do que eles falaram. Coitada da pessoa que não vê as ciências sociais como o movimento,

porque se tem algo que é, é o movimento. Movimento é sempre. Daqui a uma semana já vou dizer

tudo diferente.

Entrevista 09

Affonso: Esse trabalho que eu estou tentando fazer, de pensar no consumo como algo que pode ser

trabalhado na escola, as questões relativas de consumo. Eu fiquei pensando, o consumo talvez

envolva duas coisas que acho fundamentais na sociedade: disputa de classe e as questões

ambientais. Quanto mais consumo mais lixo, mais problemas. Sob estas duas perspectivas, você

entende que seria válido discutir essas questões na sala de aula?

Tatiana: Antropologicamente falando consumir é pegar uma coisa e fazer uso dela. Transformá-la

em alimento sei lá. Eu vou consumir uma maçã, eu vou pegar a maçã e comer a maçã. Eu vou

consumir aquele bicho que matei ali para comer, eu estou consumindo. O consumo não

necessariamente precisa ser visto e associado à sociedade capitalista. Mas pelo que eu estou vendo

você está diretamente associando consumo à sociedade capitalista.

Então, primeiro de tudo a gente tem que contextualizar o que que você está levando em

consideração como consumo. Consumo na sociedade capitalista atual. Ótimo. O consumo na

sociedade capitalista atual está diretamente relacionado a questões ambientais e está direcionado,

não sei se é disputa de classes, mas uma relação antagônica entre classes é uma relação de

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complementariedade entre classes sociais.

A estrutura do capitalismo é algo que dentro da leitura marxista é algo que existe uns

elementos bem claros. Existe uma divisão, não são todos que são donos dos meios de produção.

Então o primeiro elemento que diferencia uma classe da outra é quem é dono dos meios de

produção, quem são os proprietários e quem não é proprietário dos meios de produção e precisa

vender sua força de trabalho para poder ter uma subsistência, para poder consumir o que precisa

para se manter vivo. Então existem as pessoas que são os donos do pasto, e existem as pessoas que

trabalham cuidando das vacas, recebendo um salário para poder pagar pelo leite que ele faz com

que a vaca produza. Bem elementarmente falando, para que aquele leite seja vendido, é preciso uma

pessoa que receba salário. Esse modo de produção capitalista que é baseado numa divisão entre

donos do meio de produção e os que não são donos, os que são alienados dos meios de produção.

Entendo consumo quase como um sinônimo de compra. Porque nem tudo que você compra

você consome, essa é uma das contradições que está presente dentro de sistema capitalista. Você

compara duzentas blusas mas você não usa as duzentas, você usa as quatro que você gosta. Você

tem trinta maquiagem, e as mulheres de alta sociedade tem muitos e muitos estojos de maquiagem,

mas elas não usam aquilo tudo eles estragam antes da validade, rapidamente eles perdem o uso.

Então, o consumo dentro dessa circunscrição, dentro do contexto do capitalismo globalizado

é um sinônimo de comércio, de compara. Compara e venda. E essa compara e venda não

necessariamente é feita para o consumo. Talvez se a gente for pensar o que significa a palavra

consumo, consumo é uso. Então vamos produzir maçãs para o consumo? Vamos. Que beleza não

vai ter mais fome no planeta. Vamos produzir algodão para que todos possam se vestir com roupas

comportáveis,para que todos possam consumir algodão? Vamos! Que legal vamos produzir algodão

para o consumo generalizado. Mas o consumo está sendo atravessado por uma lógica da

competitividade, do lucro, concentração renda, da exploração da mão de obra. Então não dá para

pensar consumo consumo.

O consumo na sociedade capitalista, focada na produção de lucro, interessada na

manutenção da desigualdades sociais, na exploração da mão de obra do trabalhador que é

assalariado, que não é dono dos meios de produção, que perde sua autonomia, que é alienado, que

não tem uma visão de mundo, que tem baixa escolaridade, que não tem conforto nas suas

residências. E que nem sabe disso tudo e que nem se percebe como é alienado, e nem se percebe

como um coitado, e nem se percebe como tendo que comprar e vai ter que comprar e ficar

parcelando em duzentas vezes e não consegue fazer um tratamento dentário. Consumo, desta forma,

é um horror! Ele não é democratizado, não é disponibilizado para todos.

Às vezes, fico achando que liberalismo é maravilhoso, se a gente pega aquelas ideias liberais

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e coloca na como são pregadas e dá oportunidade para todo mundo fazer. Mas o liberalismo não é

isso. Poderia existir produção e consumo com respeito às questões ambientais. Os indígenas

poluíam o rio? Os povos indígenas ancestrais poluíam os rios? Eles pegavam folha da mandioca

para fazer saiote, pegavam o rabo da arara para pendurar na cabeça, para fazer um cocar. Estavam

consumindo. Precisavam de dinheiro? Não precisa de dinheiro mas eles estavam consumindo a

arara, estavam consumindo a pena, o javali que eles mataram.

Agora, a lógica do consumo dentro da sociedade de produção, o consumo intermediado por

compra e venda, visando o lucro, a questão ambiental está sendo colocada agora porque está

chegando num ponto alarmante. Porque o lixo enterrado não tem mais onde enterrar. As empresas

têm de comprar terrenos para poder aterrar o lixo que produzem. Está batendo no bolso e aí vão

fazer uma produção que tenha um impacto menor para poder jogar o lixo em qualquer lugar.

Quando a gente pensa em consumo tem de pensar em qual é o objetivo. Esse consumo visa o

que? É para quem? E é feito por quem? E o que é produzido, produção e consumo tem de ser vista

de forma indissociada. A produção e o consumo podem ser feitas de milhares formas. Agora, nesse

ambiente em que estamos, dá para falar sobre isso na sala de aula? Dá lógico que dá. É preciso falar.

Acho que se a gente fala isso na sala de aula as pessoas vão escolher outras carreiras. Quando

entrarem na faculdade vão ter uma outra visão. Se forem médicos, dentistas, engenheiros, o que for,

vão ter uma outra consciência. Vão ter uma outra percepção de mundo.

Não que eu queira que todo mundo seja socialista. Nem sei se o socialismo, o comunismo

seja o caminho, mas acho que pensar sobre o que se faz, pensar a relação de causa e efeito, ação e

reação, que são construídas socialmente, coletivamente, conscientemente. A pessoa ter uma noção

sobre isso. Claro que é possível falar para esses jovens. E é preciso, eu acho isso extremamente

necessário. Quase uma questão de sobrevivência. Não é imediato, na maioria dos casos não é uma

questões de sobrevivência imediata. Mas em pouco tempo a gente já está tendo um impacto

ambiental. O impacto ambiental negativo do modelo de produção e consumo que nós temos hoje é

muito nítido. É só pegar os lixões e os aterros sanitários. Ah, mas tem tecnologia para lidar com o

lixão. Tem mesmo?

Entrevista 10

Affonso: A gente ainda vê na televisão brasileira a referência dos Estados Unidos como grande

potência, grande país, grande desenvolvimento. Dono de uma produção magnífica. Mas por lado, os

Estados Unidos são o povo que mais consome no mundo, o que gera mais poluição, mais lixo e

tudo mais. E na verdade muitos países que não consomem estão pagando esse preço. Então essa

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questão do grande país progressista, grande potência vista pelos olhos desses meninos, mas que ao

mesmo tempo não enxergam que o grande fabricante de produtos maravilhosos é, na verdade, um

grande vilão.

Tatiana: Lá nos livros de geografia política está escrito assim: os Estados Unidos são a grande

potência, os Estados Unidos são o país mais rico do mundo, a desigualdade nos Estados Unidos não

existe. Lá é uma maravilha, o livro diz isso. O livro diz: existem dois blocos econômicos: os países

desenvolvidos e os países subdesenvolvidos. Está lá nos livros. Você quer ser de onde? Você quer

ser dos desenvolvidos ou dos subdesenvolvidos? No desenvolvido as pessoas podem comer o que

querem, têm salários razoáveis, podem ter televisão, ar condicionado e muitos joguinhos. No

subdesenvolvido, as pessoas morrem de fome e ficam que nem na Somália, um povo miserável que

não tem nada. Qual que você quer? A criança pensa assim, "eu queria tanto ser do Estados Unidos,

eu queria tanto ir à Disney". Por que que as pessoas querem tanto ir à Disney? É um mito.

Tá os Estados Unidos produzem (2:19). Quando eles ligam na sessão da tarde... quantos

filmes franceses uma criança já assistiu? Uma criança brasileira. Porque na televisão, o cinema

brasileiro, cinema alemão não existe, italiano, a “Vida é Bela”. Desenhos animados tem, japonês

mas a maioria é americano. A imagem que a televisão divulga é daquilo que é bom nos Estados

Unidos, ela é divulgada de muitas maneiras inclusive os filmes que passam, em geral na tevê são

filmes, que valorizam a realidade americana. Ah, mais tem “Beleza Americana”. Tá, tem “Beleza

Americana”. Mas os Estados Unidos são apresentados como horizonte de desejo, as pessoas querem

ser americanas. Elas desejam estar lá, desejam comparar o que vende lá. Isso foi socialmente criado,

isso está cristalizado nos nossos livros didáticos quando eles apresentam a palavra

desenvolvimento, desenvolvidos e subdesenvolvidos. Ao empregar esta nomenclatura, existe uma

definição do que é melhor e o que é pior, e os livros adotam isso. Se eu fosse escrever um livro eu

não ia escrever desenvolvido, subdesenvolvido. Eu não ia colocar desenvolvido, nem civilizado ou

talvez dissesse mercantilizado. Altamente mercantilizado e competitivo. Sociedades altamente

mercantilizadas e competitivas como os Estados Unidos. Sociedades que enfrentam problemas

como o Brasil e a África ainda não estão mercantilizados.

A palavra desenvolvido mostra uma benesse. Uma idéia ampla, superficial de que está tudo

bem. Obviamente escondendo as mazelas. Obviamente com o objetivo de manutenção das redes de

poder, aquelas conexões de poder que eu ficava querendo desvendar. Tem um monte de conexão

invisível aí.

Afonso: Ainda mais que essa nomenclatura foi criada pelos países ricos.

Tatiana: Pois é. Por quem que foi criada? O racismo científico: brancos, como é que chamavam?

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Caucasianos somos superiores arianos e os inferiores, negros, mestiços, amarelos,ou qualquer outra

cor. Quem cria a classificação se coloca numa posição superior. Então as redes de poder precisam

ser observadas. Se eu vou dar uma aula sobre desenvolvimento ou subdesenvolvimento a primeira

coisa que vou fazer é desconstruir a palavra. Ora isso sou eu, os professores de história e geografia

colocam lá: qual país é desenvolvido? Está no vestibular, está lá no ENEM, está lá nas

enciclopédias do mundo inteiro. Eu estou errada? Lógico que eu estou errada. Estou erradíssima. Eu

não acho que estou errada, eu acho que eu estou certa, mas assim,com relação a todo o

conhecimento estabilizado, estabelecido à meta narrativa que impõem uma visão única de mundo, a

certa, eu estou errada.

Só que a ciência não é feita de uma única visão de mundo. O homem chegou à lua porque

houve uma construção, desconstrução do conhecimento constante. Não existe linha reta na

construção de nenhum conhecimento, em nada. As sociedades humanas não funcionam de forma

linear. É uma outra geometria que caracteriza o procedimento para a articulação do conhecimento.

Certamente não é uma linha com pontos alinhados em uma única direção. Isso é um absurdo. As

pessoas acharem que é assim.

As ciências sociais vão na direção contrária. É um desafio? É um desafio. É pertinente? Ah,

é pertinente com certeza. Aí a gente pega esse caras incríveis, não me lembro agora o nome do cara

que escreveu a “Teia da vida” por exemplo. Esses grandes físicos, químicos que trabalham com um

nível de elaboração bastante aprimorado, eles apresentam isso. Inclusive falam sobre o universo

dessa forma, o processo de construção e de reconstrução. Linearidade, manutenção de padrões isso

é muito restrito. Existem alguns padrões a gente nasce, cresce e morre. A planta precisa de água.

Tudo bem, existem alguns padrões. Esses padrões existem em situações específicas, não

necessariamente sempre.

Isso ajuda a abrir essa visada e perceber que existem vários padrões possíveis. Podemos

recriar alguns padrões. Isso é ciência. Ciência não é, é. Ciência é descoberta. É questionamento. A

própria concepção de ciência tem que ser revisitada porque os conhecimentos científicos,

supostamente científicos divulgado nas escolas, são fechados, mas a ciência não é fechada. A

ciência é o espaço das pesquisas, das descobertas, do questionamento. Isso que é o legal. E como as

ciências sociais são feitas a partir do que os seres humanos fazem e a gente está sempre

reinventando tudo, é uma boa forma de se começar a pensar que as coisas não são estáticas.

Entrevista 11

Affonso: Vocês trabalham questões relativas aos direitos humanos. Gostaria de saber se os alunos

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entendem o respeito aos direitos humanos em termos de acesso ao bem estar social como uma de

atitude na sociedade. Que pouco adianta uma carta de declaração formal sem que a sociedade

avance para uma compreensão da igualdade de direitos. Essa questão dos direitos humanos parece

receber pouca atenção da televisão que sempre define lugares sociais. Você vê como o negro

aparece na televisão, como o pobre aparece, como que o branco aparece.

Tatiana: Uma narrativa.

A :Como se fosse a narrativa. Como trabalhar com direitos humanos nesse momento em que se

você ouve as pessoas falarem isso, eu pensei? Não pode ser assim, essas pessoas têm direitos, como

todos nós temos direitos. “Ah, eles não tem direito nenhum”, disseram. Aí eu perguntei, mas a

justiça existe por que? “Que justiça?! Tem que metralhar todo mundo”, foi a resposta.

T: São coisas assim que nós procuramos apresentar pros alunos. Primeiro, nós procuramos

apresentar a ideia de que os direitos humanos foram criados porque havia um ambiente que era

necessário criar esses direitos. Porque existia uma situação de absoluta de destruição, barbárie, fim

da Segunda Guerra Mundial, que caracterizou o ápice de barbárie da humanidade. Para que aquilo

fosse evitado em proporções maiores ainda, foram estabelecidos esses princípios. Essas regras são

criadas porque existe um ambiente de desrespeito total.

Há a necessidade de estabilização de um outro tipo de comportamento. As regras são criadas

para criar uma ordem. Se é criada para criar uma ordem é porque não tinha ordem ou para manter

uma ordem que acabou de ser criada, mas é para ordenar. Senão há a necessidade de ordenar, não há

esse conjunto de regras. A primeira coisa que a Declaração Universal dos Direitos Humanos

caracteriza é a ausência de ordenamento, de respeito etc. A necessidade dessas regras eu acho que é

legitima. Acho que essas regras realmente são necessárias. Colocá-las em prática é um desafio

muito grande. Agora não são as únicas regras e não é a única forma de regrar a sociedade. Não sei

se são as melhores, francamente falando.

Existe um outro conjunto de regras chamado de Código de Amurali, que foi o primeiro

conjunto de regras sistematicamente criado lá atrás na Mesopotânea. Esse conjunto de regras era um

conjunto que tinha o objetivo de padronizar o comportamento e era muito severo. Você rouba, perde

o dedo, perde a mão, se arranca um olho, tiram o seu olho. É um conjunto, uma estrutura normativa

baseada na relação de ação e reação direta. Numa conexão direta e imediata daquele que viola os

princípios considerados respeitosos,considerados o bem comum. Então, você deve respeitar a

mulher do próximo, a propriedade do próximo, o filho do próximo, o escravo do outro, a terra do

outro. Se você desrespeita esses elementos você vai ser punido. A punição é uma coisa muito

complicada mas ela existe nas sociedades humanas desde muitos milhares de anos. Ela tem várias

funções.

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O problema que acontece com a questão dos direitos humanos, acho que são dois. Primeiro

ele complica um pouco a questão da punição. Não que eu ache que a punição deva ser feita de

qualquer forma, mas a minha visão é que existem punições que devem ser realizadas. E realmente

os direitos humanos, o conjunto dos direitos humanos, impede que algumas punições necessárias

que, na minha forma de ver, sejam realizadas. Não estou querendo dizer que tinha que metralhar

aquela galera toda.

Outro problema é que os direitos humanos criam é uma ideia falsa de que os direitos

humanos vão resolver os problemas causados por uma outra coisa. O sistema capitalista é desigual,

alimenta a desigualdade, explora, desqualifica as pessoas humanas, faz com elas sejam entendidas e

tratadas como robôs, como coisas. E os direitos humanos? Os direitos humanos não vão resolver

tudo, nem para os criminosos. A exploração, a desumanização, o desrespeito aos seres humanos não

acontecem só nessas atividades de criminalização absoluta. Nessas situações de criminalização

absoluta o cara dá um tiro na minha filha, aí vem os direitos humanos ah coitado do cara que deu

um tiro na minha filha, porque ele não teve direito social. O cara deu um tiro na minha filha! Ele

tem que ser preso. Ele não gostou da minha filha, ele tentou transar com minha filha ela não quis, aí

ele deu tiro na minha filha porque ela resistiu ao ato de estrupo. Vamos dar direitos a essa pessoa

porque ele tem o direito de se defender? Essa criatura que quis estuparar minha filha e deu um tiro

na cabeça dela porque ela resistiu ao ato de estrupo tem que ser punido sim. Viram, filmaram que o

cara tentou, e ele vai ser solto em cinco anos? Liberdade condicional daqui a dois anos. Visita

íntima toda semana? Ah, é um dos direitos humanos.

Eu acho que o conjunto dos direitos humanos vem sendo usado para coisas inapropriadas.

Ele é usado para escamotear uma série de abusos, extorsões, explorações, violações humanas que

estão aí todos os dias diante da nossa cara. Mas aí não vem ninguém dos direitos humanos não. Por

que os direitos humanos não aparecem numa fábrica em que os trabalhadores ganham salário

mínimo, trabalham oito horas por dia, fazendo um trabalho hercúleo, saem de lá exaustos, têm que

pegar três horas de ônibus para chegar em casa. Por que os direitos humanos não vão lá? Que

negócio é esse? Porque tem os artigos que que falam das questões trabalhistas, do lazer, do

descanso, das oportunidades justas. Cadê os direitos humanos? Por que os direitos humanos não são

usados para isso? Porque o foco não é pegar os direitos humanos e humanizar a sociedade. Os

direitos humanos são uma coisa linda que eu posso usar de várias formas. Inclusive apenas para

tentar proteger criminosos. É o uso mais recorrente que se faz dos direitos humanos. Não concordo

com esse uso.

O conjunto dos direitos humanos tem sido usado muito mais para a proteção criminal do que

para a construção de uma sociedade em que os valores sejam humanos ,humanizados, de

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cooperação, de coparticipação, de corresponsabilidade. O conjunto dos artigos presentes nos

direitos humanos traz a tona uma estrutura de participação responsável, de coabitação do planeta, de

corresponsabilidade, colaboração. Eu vou dizer que eu sou contra os direitos humanos? Não, sou

contra o uso que tem se feito dos direitos humanos. Acho que é preciso esclarecer as pessoas sobre

isso. É difícil falar sobre isso em sala de aula. A gente tem muito pouco tempo para falar, têm

algumas discussões como essas que são discussões muito tensas, polêmicas, que levariam muito

tempo dentro de sala de aula. Eu gostaria de ter feito, mas eu não fiz uma discussão como essa. Eu

estou qualificada para fazer, eu gostaria de fazer. Mas não tive tempo nem nesse ano nem no ano

passado. Embora ache pertinente.

Entrevista 12

Affonso: Você acha que esse material que vocês usam em sala de aula, audiovisual, como os filmes

que você mostrou sensibilizam mais as crianças do que o texto? O audiovisual normalmente é usado

para vender, para apoiar o sistema, como forma de poder. Se você pudesse usar esse audiovisual

contra, mas com aquela linguagem talvez você pudesse ter uma efetiva resposta ou um

entendimento maior, uma sensibilização maior. Como eles veem isso?

Tatiana: Eu acho que o principal não é qual é o filme, é como você vai trabalhar o recurso

audiovisual. Pode botar Rambo e a partir do Rambo discutir o sistema competitivo, porque que se

valoriza a guerra, não sei o quê. Aí vai quebrar o pau, e se a gente conseguir chegar ao ponto da

desconstrução da industria bélica, ninguém nunca mais vai querer saber do Rambo. Talvez.

Eu acho que inúmeros recursos audiovisuais podem ser utilizados. O grande diferencial é

como o professor vai fazer para que aquele aluno esteja aberto para observar aquele recurso

audiovisual. Temos um problema de disciplina muito grande. Muitos alunos em idade pré-

adolescente. Todo mundo muito agitado. São adolescentes, mudam de sala, vão para sala de vídeo,

ficam animadíssimos. Conseguir fazer com que esses alunos tenham uma calma, uma tranquilidade,

que eles possam serenar. É preciso fazer algum tipo de sensibilização para que eles possam capitar

aquelas imagens e depois discutir sobre aquelas imagens ou fazer uma discussão anterior. Algum

tipo de sensibilização é preciso para que eles possam ver o filme, para que eles possam ter acesso ao

audiovisual.

Posterior ao audiovisual é preciso ter um momento dialogal. Não adianta botar o filme é

preciso sistematizar e entender esse filme. Qual é o contexto, qual é o objetivo, ter um

planejamento. Sensibilizar o aluno. Pode ser qualquer filme. Pode ser Chaplin, pode ser Rambo,

pode ser Quero Ser Barbie, sei lá, poder ser Pequeno Pônei. Pode ser qualquer coisa. Pode ser um

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capítulo da novela, pode ser o Jornal Nacional. Se você já fez uma discussão anterior sobre qual é a

mídia, quem são os donos dos canais de televisão e aí você põem aquilo eles vão ficar assim: cara

nossa! Eles vão.

Pode ser qualquer coisa, mais ou menos assim qualquer coisa. Mas eu acho que não é tão

importante assim saber se é o Michael Moore ou se vai ser um filme do Truffaut ou um filme do

Godot, do Chaplin, ou se vai ser um filme do Spilberg. O negócio é como você vai fazer para eles

pensarem sobre aquilo. Vamos fazê-los pensar. Porque aquilo já faz parte da vida deles, o grande

diferencial é pensar sobre, pensar sobre nós.

A gente vai para terapia, vai fazer análise, vai na psicóloga. Eu estou comigo desde que

nasci, chego na psicóloga, ela me faz três pergunta e eu me enrolo. Nossa, quase que não sei nem

para onde que eu vou. Mas é sobre mim mesmo? Mas é uma outra forma de se olhar. Esta outra

forma de se olhar que é o pulo do gato. Ela não precisa ter recurso audiovisual pode ser essas pilhas

de papel aqui. Eu dou umas aulas assim sobre qualquer coisa. Clipes, como faz para produzir o

clipes. Quem sabe? Pronto, viu? Vocês são alienados, não sabem como se produz um clipes. Fechou

a aula sobre alienação. Quem ganha com clipes? Todo mundo ganha? Será que as pessoas que

trabalham na empresa de clipes têm onde botar clipes? Porque clipes é um negócio de papel, papel é

relacionado ao conhecimento, será que quem trabalha numa fábrica que produz clipes tem acesso a

conhecimento? Ou está trabalhando numa fábrica de clipes porque não teve conhecimento, não têm

informações impressas num papel para poder acoplar? Ah, professora. Aí pronto acabou a aula de

alienação.

Acho que o que vai revolucionar geral são as pessoas sentarem juntas, pensarem juntas.

Revolucionar é três pessoas sentarem e uma escreve uma música, o outro toca violão e o outro faz

um arranjo e fica uma coisa linda. Mozart é revolucionário. Bach é revolucionário. Compuseram

coisas incríveis. Todo mundo ouve até hoje Vivaldi. Não acho que tecnologia, filme, super-

produção seja o pulo do gato.

Affonso: Mas um documentário por exemplo como aquele Criança a Alma do Negócio seria talvez

uma forma deles verem a relação do consumo de outras crianças da idade deles...

Tatiana: É mas não adianta pegar aquilo e botar para criança assistir. Não adianta. Você pega uma

criança qualquer, um adolescente, ele não vai nem olhar. Não vai nem ouvir. Ele não quer nem saber

daquilo, ele quer é conversar com o coleguinha, vai dar um beijo na garota sentada ao lado. Não vai

assistir. Ele vai assistir aquilo vai ser útil. Aquilo ou qualquer outra coisa se houver um trabalho de

sensibilização, sistematização do conteúdo, discutir depois, fazer uma troca.

Não adianta pegar e jogar o filme . Do ponto de vista educacional eu, você, nós que já somos

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formados, que já temos uma formação acadêmica temos um entendimento da televisão. Agora uma

criança dessas que está completamente envolvida com o ambiente de consumo, que quer saber de

joguinho, quer saber de beijo na boca, as primeiras experiências sexuais, você vai botar um filme

que não tem muitos efeitos especiais, que é um cara falando. Não é automático.

Você tem que criar um motivo para aquela criança, aquele adolescente assistir aquele

documentário. Tem que fazer com que ele perceba que aquele documentário é importante. Educação

é uma coisa continuada, uma coisa que envolve a sensibilidade, envolve tratar o conhecimento. Não

acho que é só apresentar. Ajuda? É claro que ajuda. É claro que eu vou escolher coisas que sejam

pertinentes. Mas não adianta simplesmente aquele documentário para qualquer pessoa. Tem que ser

um aluno que já tenha a capacidade de observar e absolver alguma coisa daquilo.

Têm pessoas que não tem conteúdo necessário para decodificar aquelas informações, para

apreciar, para absorver algo que tenha ali de bom. Também tem isso, tem que ter alguma base para

poder entender aquilo. Senão você fica muito perdido, você não entende os códigos, os símbolos, a

linguagem, a temporariedade. É muita informação, é muito rápido, não vai conseguir. Então você

tem que preparar. Todas essas coisas tem que ser levadas em conta. Chaplin é genial,vamos botar o

Chaplin para qualquer um? Não. Tem explicar que naquela época... Eu acho importante preparar o

terreno. Eu insisto, é útil? É útil, mas tem que preparar o terreno.

Entrevista 13

Affonso: Quando você fala sobre movimentos sociais na sala de aula, os alunos se dão conta da

atual apatia da juventude?

Tatiana: Não. Eles não se dão conta do que é um movimento social. Eles só vão saber o que é

movimento social quando vivenciarem isto. É a minha opinião. Eles só estão repetindo o que eu

falei, que movimento social é um grupo de pessoas fazendo isso e aquilo outro.

Existem certas coisas que você pode até falar, mas a vivência é ímpar. Eu posso lhe falar

sobre o que é sexo. Eu já li sobre sexo. Sei que tem uma penetração do pênis na vagina. Fale sobre

sua experiência sexual. Ah, agora eu vou contar, eu tive um namorado assim assado. Movimentos

sociais. Movimento social é um monte de gente que faz isso e aquilo outro, tem um monte de

interesses comuns, tem objetivo de alterar alguma coisa, de fazer alguma reivindicação. Isso é um

conhecimento muito distanciado.

Para eles saberem mesmo o que é movimento social, eles tinham que conversar com líder

sindical, tinham que ir a um lugar ou observar na escola o você que está faltando e fazer uma

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reivindicação com a direção. Acho que é o tipo de coisa que você tem que vivenciar para você

realmente entender. Se eles se dão conta da atual apatia da juventude? Eu acho que eles nem

percebem o movimento social como uma hipótese de atuação politica. Eles respondem na prova:

para reivindicar seus direitos as pessoas podem se reunirem. Eles respondem e a gente dá certo. Isso

é um problema porque isso não resolve nada. Isso são coisas que você aprende na prática.

Têm certos tipos de conhecimento que precisam ser vivenciados. Eu acho. Acho fantástico

que a gente possa falar de movimento social, que não seja proibido, que não seja censurado e que eu

não vá para forca ou para o exílio porque eu estou falando de movimento social. Mas eles não

percebem isso como uma possibilidade para eles. Eles não estão incomodados com nada. Eles estão

muito saciados pela possibilidade de consumo. O consumo faz com que eles se sintam rapidamente

confortados pela possibilidade de compara, pelo parazer que uma compara pode trazer a eles. Eles

estão muito inebriados pelas possibilidades que o mercado oferece, que o consumo oferece. Eles

estão percebendo que existe uma aparente situação de bem estar ou que o bem estar é muito

possível se você tiver dinheiro e puder comparar coisas para si.

Como a gente vive num ambiente em que a compara de produtos que pode gerar o nosso

bem estar e o nosso conforto, a compara desses produtos vai ser o resultado em geral de um salário,

de um ganho financeiro, então se você quer comparar você tem que trabalhar. Você vai escolher

uma carreira em que você compre a solução pro seu desejo individual. E quem não tem, não

comprou. As soluções hoje em dia para os problemas são vistas de forma muito individualizada. E

eu acho que a solução, a satisfação dos desejos passa muito pelo âmbito do consumo e o consumo

ocorre de forma individual.

Movimento social é uma movimentação intrinsecamente coletiva, é uma articulação coletiva

mas as pessoas estão mais voltadas para a resolução de seus desejos e anseios forma individual. E a

grande parte de seus anseios está associada ao consumo individual. Para que movimento social? Eu

acho que eles nem acham que exista movimento social. O movimento social lá atrás onde o jovem

não tinha acesso à educação fazia sentido, agora está cheio de colégio público, não precisa nada

não. Eles não se percebem alienados, eles não se percebem submissos. Não percebem essas forças

que estão atuando sobre eles fazendo com que eles sejam submissos. Então para que fazer um

movimento libertário? Para que se associar para resolver um problema? Eles nem percebem muito o

problema. Estou falando dos jovens aqui, do meu cotidiano, do meu trabalho.

Eu não sei de onde vem isso, mas eu vejo um conformismo muito grande. As pessoas não se

incomodam com nada? Eu acho que em outros momentos as pessoas não ficariam assim tão

submissas não. Eu vejo uma apatia preocupante. Porque que as pessoas não se perguntam? Não tem

espaço para a pergunta. As pessoas não estão mais educadas, não estão treinadas a ter um espaço

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para se perguntar: está bom, não está bom? Por que ocorreu? Qual a causa? Estou sendo controlada?

Não tem, então vão aceitando. A gente está sendo educado para aceitar. Educação para o consenso,

educação para apatia. Porque o consumismo não educa a gente para reivindicar nada. Ele educa a

gente para se conformar ao sistema, arranjar o dinheiro ir lá e comparar o que eles mandam a gente

comparar.

O que eles orientam, o que eles sugerem, o que eles demonstram através das propagandas, o

que eles mandam a gente a comparar. Existe uma orientação do que a gente deve fazer e não

estimular o questionamento: será que devo comparar as Havaianas? Atenção, nós estamos

disponibilizando as Havaianas mas só compre se você não tiver outro calçado, se você tiver ainda

Havaianas em casa por favor esqueça essa propaganda porque suas Havaianas ainda vai durar uns

três ou quatro anos e você tiver a sandália que não vai ser utilizada, vai demorar muitos anos para

ser biodegradada. Ela não é biodegradável você sabe disso, então, deixa para lá. Olha essa

propaganda é apenas para pessoa que nunca teve Havaianas na vida ou que não tenha uma agora

porque arrebentou e se a sua arrebentou por gentileza envie a suas Havaianas para o endereço tal

que nós vamos reaproveitar a borracha para fazer uma nova, obrigada. Essa propaganda não existe,

não vai existir nunca.

Sobre movimento social, acontece quando subentende-se que a pessoa está incomodada com

algo. Para estar incomodado tem que estar sensibilizado. Para estra sensibilizado precisa saber se

perguntar: ih, percebi! Nossa! As pessoas parecem que estar bloqueadas, anestesiadas. Tem que ter a

sensibilidade para perceber, perguntar. Não tem isso, não vejo muito isso.

Affonso: Você acha que isso pode ser um dos trabalhos da escola ou não?

Tatiana: Certamente. Mas a escola pode funcionar com consenso ou não. Eu não trabalho com

consenso não, eu, Tatiana. Eu Tatiana professora de ciências sociais, pessoa, professora, educadora,

pesquisadora, não trabalho para o consenso. Trabalho para a descoberta, a crítica, a inovação. Eu

acho que a escola é um espaço de... Olha quantas coisas diferentes. A gente está vendo aqui do lado

um mural, cada um tem uma cor diferente, não tem consenso, um vai gostar de um, outro vai gostar

de outro. A escola serve para isso. A escola também podia mandar todo mundo pintar um quadrado

azul, todos iguais, mas o professor mandou cada um fazer o que quisesse, que maravilha. Isso é uma

maravilha. Eu acho isso uma maravilha a escola pode fazer isso.

Pode sensibilizar através da arte, através da literatura, através do ensino de história,

geografia, ciências de tudo. Ou pode utilizar todas essas disciplinas, todos esse recursos cognitivos

para o consenso. Depende do modo como você vai usar. O Colégio Pedro II, apesar de ser uma

instituição do governo, é uma escola muito aberta, crítica e humanizada. Eu tenho apoio. Tenho tido

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muito apoio. Os professores em geral podem... eles conseguem bastante apoio.

Não é tudo que é permitido, mas a gente tem muitas possibilidades aqui dentro. Existe um

currículo? Sim, mas você pode dar uma aula de uma forma ou de outra, ninguém vai levar você na

polícia se você criticar o capitalismo. Eu acho que a escola pode ser e deve ser. Porque a

humanidade não é uma coisa só. Os seres humanos não são iguais. A criatividade, a plasticidade

humana. Eu avalio que a coisa mais bacana dos seres humanos é a plasticidade humana, você poder

se tornar diferente, você criar o diferente. Eu acho isso tão incrível, tão maravilhoso. Então porque

você vai fazer todo mundo preencher o quadradinho e escrever do mesmo jeito? É ir contra o

consenso. É apostar numa nova humanidade. Numa humanidade como unidade, com pluralidade,

com respeito à diversidade. Eu acredito muito nisso. Todos os dias eu acredito nisso, desde que eu

era bem pequena até hoje. E tem muitas pessoas aqui que acreditam nisso também, não sou só eu

não. Eu me sinto muito fortalecida porque eu estou num ambiente em que muitas pessoas partilham

desse mesmo espirito que eu tenho. Isso é muito importante.

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ANEXO II

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ANEXO III