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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSO” PROJETO A VEZ DO MESTRE A EDUCAÇÃO DO NEGRO NO BRASIL COMO FATOR DE MOBILIDADE SOCIAL Autor: MARIO EDSON PAULO DA SILVA Orientador: ANTONIO FERREIRA VIEIRA NEY RIO DE JANEIRO
2005
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSO” PROJETO A VOZ DO MESTRE A EDUCAÇÃO DO NEGRO NO BRASIL COMO FATOR DE MOBILIDADE SOCIAL Autor: MARIO EDSON PAULO DA SILVA
Trabalho de Monografia apresentado ao Projeto A Vez do Mestre – UCM como parte dos requisitos para a obtenção do Grau de Especialista em Docência do Ensino Superior. Turma 2004
Rio de Janeiro
2005
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus mestres do Curso “A Vez do Mestre”
que durante o período de um ano ministraram tantos
conhecimentos, posto que sem os quais não seria
possível a conclusão desse Curso.
Agradeço finalmente à minha esposa pela paciência de
ter suportado a minha ausência nas tardes de sábado
dedicadas ao curso.
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DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho aos meus pais já falecidos que
deram a vida para que eu pudesse fazer dela esse
particular monumento de saber. Monumento significante
para mim e meus familiares em face das circunstâncias
de minha origem humilde.
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RESUMO
Este trabalho tem como objetivo demonstrar num primeiro
momento as condições sociais em que se encontra a população negra no
Brasil em que se enfocará no primeiro capítulo o Senso Comum vivenciado por
todos, negros e brancos, os primeiros que sentem compensados com o
momento presente e os segundos que faz com que esse estado de coisas
permaneça imutável.
Será tratado principalmente a condição atual por meio de
várias situações a partir de observação e vivência pessoal, bem como de
dados estatísticos retirados de mais de uma fonte fidedigna.
Num segundo momento será abordado a ruptura que é a
demonstração da Ação Afirmativa ocorrida nos Estados Unidos da América ,
onde o negro rompeu barreiras com sua luta pelos seus direitos civís em
confronto com que existe aqui, ou melhor dizendo, com o que não existe aqui.
Desenvolvido em dois capítulos em que o 3º capítulo mostra o grande abismo
que há entre a sociedade negra e a sociedade branca no Brasil, mesmo em
presença de dispositivo constitucional que prega no seu artigo 3º a igualdade
social.
Num terceiro e último momento será abordado a própria
mobilidade social com enfoque nas condições sociais atuais do negro. Essa
mobilidade que é tão aparente na sociedade brasileira mas que não atinge o
negro de maneira igual. Aqui será apresentado a possível solução do problema
que seria uma boa educação igual para todos, brancos e negros irmanados
num mesmo sistema educacional desde o mais tenro aprendizado.
E assim esperamos preencher a expectativa em relação
ao que se espera desse trabalho.
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METODOLOGIA
A metodologia utilizada no decorrer dessas páginas que
se seguem foi a pesquisa nos livros recomendados e indicados durante o
curso, bem como pesquisa em diversas leituras esparsas mas que tratam
diretamente do assunto, como por exemplo as obras basilares de Gilberto
Freyre sobre o nascedouro dos afro-descendentes aqui na Terra de Santa Cruz
e ainda os dados estatísticos que servem para dar maior veracidade ao tema
em debate, além de leituras de periódicos e muita vivência pessoal, uma vez
que o autor se depara no seu cotidiano com esta problemática por fazer parte
do contingente aqui explanado e por Ter a oportunidade de sentar em
privilegiadíssimos bancos escolares, adquirindo portanto um conhecimento e
uma visão mais ampla e apurada sobre tal problema para afinal expô-lo nessas
linhas que seguem, a fim de que tal exposição sirva de reflexão para quantos
os que se deleitarem em sua leitura.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................8
CAPÍTULO I – O SENSO COMUM.......................................10
CAPÍTULO II – AÇÃO AFIRMATIVA.....................................18
2.1Exclusão Social Pela Cor ou Condição Econômica .........21
CAPÍTULO III – A DESIGUALDADE SOCIAL VIGENTE......23
CAPÍTULO IV – A MOBILIDADE SOCIAL.............................26
4.1A Mobilidade Social Brasileira.........................................28
CONCLUSÃO........................................................................35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................36
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como pretensão abordar em
primeira mão o modus vivendi de uma parcela da sociedade brasileira que faz
parte da formação do povo brasileiro, da etnia nacional que é formado em sua
plenitude por índios, brancos e negros, precisamente nessa ordem, uma vez
que os brancos ao chegar à nova terra há 500 anos, já encontraram os
indígenas e a seguir aqueles introduziram aqui os negros.
Assim se estabeleceu a tão propalada miscigenação
brasileira, posto que o branco dominador e evoluído, na sua totalidade varão,
explorador e devasso se imiscuiu com as mulheres nativas - conforme registro
histórico sobre a saga de Diogo Álvares Correia, o Caramuru, que casou com a
índia Paraguaçu nos primórdios da colonização - e com as mulheres negras
através dos tempos de dominação escrava.
Com relação às mulheres negras o apego e a miscigenação
se deram mais forte ainda, uma vez que a relação era mais próxima e mais
direta, principalmente pelo fato de o dominador possuir um poder maior em
relação ao dominado.
Segundo relato de Gilberto Freyre em sua obra máxima
Casa-Grande & Senzala, a proximidade entre brancos e negras se fazia muitas
vezes à força mesmo como obrigação de escrava para com seu senhor, nem
existia relação de afeto, daí nascerem, germinarem os mestiços,
eufemísticamente hoje denominados mulatos, pardos, etc.
Quantos prantos, quantas dores, quantas humilhações,
castigos, execuções, trabalhos forçados, sem direito a qualquer tratamento
digno e apesar do rótulo da Lei Áurea, ainda, até hoje estão passando as
mesmas humilhações, agora de forma mais sutil e velada.
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Hoje ainda temos o tronco do desemprego, do sub-emprego,
da marginalização, da menor renda per capta em relação ao branco dominador
e explorador, o qual em sua visão míope avalia tudo como estável e
completamente normal. Isto é, segundo o senso comum o que está está, não
há o que ou porque modificar.
Em que pese o senso comum estabelecido por toda
sociedade de uma maneira geral, há que se demonstrar a possibilidade de uma
ruptura.
Com esse objetivo, esperamos ao final alcançar uma meta,
que seria a idéia do rompimento desse estado de coisas a que vamos nos
referir, que suscitaria críticas e debates, a fim de que o embate de idéias abra
uma porta para soluções futuras a respeito do problema em pauta.
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CAPÍTULO I
O SENSO COMUM
Há cerca de 500 anos aportaram aqui os navios negreiros
carregados de gente d´África na condição de escravos para trabalharem nas
lavouras de cana de açúcar, na exploração das minas de ouro, nos afazeres
domésticos e tantas outras mais atividades que para as quais servissem.
A partir de então o negro faz parte da cultura nacional. Não existe o Brasil sem
o negro. É o elemento integrativo da etnia brasileira. Qual é o perfil do povo
árabe, do extremo oriental, do africano, do europeu, do latino americano, do
indígena e toda raça humana? Porquanto, qual é o perfil do povo
brasileiro? É assim mesmo, misturado, baixo, alto, magro, gordo, do muito
branco, os sulistas, passando pelos morenos nortistas e nordestinos, ao muito
negro, retinto, espalhado pelo Brasil afora, mais predominante principalmente
na região sudeste.
Esse é o povo brasileiro, de repente, por causa da
miscigenção, não é um povo belo, mas é o que se formou através do tempo, é
o resultado de sua própria formação.
Esse povo não belo, também na sua classificação
econômica não é homogêneo. Pelo contrário, conforme a cor da pele,
qualidade do cabelo, estatura, regionalismos, também é economicamente
heterogêneo. A riqueza da nação está distribuída desigualmente, com uns
poucos muito ricos e uma grande maioria muito pobre. Aí estão os bolsões de
miséria espalhados pela periferia dos grandes centros urbanos e nos mais
diversos rincões do interior.
Contudo, quando tratamos de pobreza já a heterogeneidade
racial começa a desaparecer. No Brasil quase tudo é mistura, é heterogêneo,
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inobstante, no quesito pobreza esta tem perfil delineado. A pobreza no Brasil
tem cara e tem cor. A pobreza no Brasil é preta.
Em observação pessoal, ao passar pelo elevado da Av.
Perimetral no Rio em horário de trânsito intenso, seis horas da tarde, pude
observar os vendedores ambulantes, dos dez que desfilaram a minha frente
nove eram negros e o décimo tinha a fisionomia de nordestino.
Na ocasião de um concurso para gari no Rio de Janeiro, pude observar que a
fila era preta com alguns salpicos claros. Por sinal a fila era enorme e teve
vários dias de duração, sendo, portanto, objeto de observação por esses vários
dias, e, apesar de os candidatos não serem os mesmos dos dias anteriores a
fila continuava preta.
Percorrendo os corredores da UERJ, no sétimo andar onde
está localizada a Faculdade de Direito pude observar que no quadro de
formatura da turma 2002-1 e 2002-2, de 75 formandos de cada turma, havia
apenas um negro em cada quadro. Atente-se para um detalhe – essa
amostragem é apenas uma célula de todo um corpo, é o componente celular
de um todo, uma vez que pelos corredores da Faculdade de Direito existem
outros quadros em situação semelhante e assim em relação a outras
faculdades da mesma UERJ e assim por diante em outras Universidades do
Rio de Janeiro e assim em outras unidades da federação pelo Brasil afora.
Assim vamos identificando a população negra nos catadores
de papel, na população de rua, nas domésticas, nos seus josés das portarias,
etc, etc.
Porquanto, a pobreza no Brasil é preta.
É bom ressaltar que o problema da desigualdade social do
negro em relação ao branco existe mas não por culpa da sociedade atual mas
pela forma com que aqui foram introduzidos, como foram tratados durante os
12
anos de subjugo escravocrático e como foram tratados a partir da extinção da
escravidão. Resgatar tal cidadania desde esses primórdios não é coisa fácil,
nem mesmo considerando o fato de o Brasil Ter se constituído como nação
independente a partir de 1822 tem alguma influência.
Após a independência se estancou a obrigação de sustentar
Portugal com nossas riquezas, significa que o novo estado continuou a se
sustentar com a mão de obra escrava até que uma lei veio abolir tal forma de
sustentação, porém sem devolver ao novo cidadão nenhuma garantia que lhe
proporcionasse sua sobrevivência a partir dessa lei, nem programa de
emprego, nem terras onde pudesse assentar sua
família e nela produzir o sustento, nem qualquer outro tipo de sustentação onde
pudesse pelo menos começar. No entanto, nesse mesmo período o Brasil teve
políticas públicas voltadas para as colônias de imigrantes europeus e demais
estrangeiros que para aqui vieram por volta do início do século
passado. Para ilustrar o acima descrito transcreveremos um trecho da revista
Almanaque da Abril de 2003, pg 160:
Os negros encontram dificuldade para integrar-se à
sociedade brasileira após a abolição da escravatura. A reforma agrária
e a educacional que os abolicionistas pregavam não ocorrem e o
acesso dos negros à escola e à terra se torna difícil. No mercado de
trabalho, há a concorrência com os imigrantes europeus.
Embora estando aqui há muito mais tempo não teve a
mesma sorte os afro-descendentes que os lusos-descendentes, os ítalos-
descendentes, os teutos-descendentes, os nipos-descendentes, que são hoje
uma casta muita mais evoluída economicamente.
Aos negros sobraram as escolas públicas notoriamente de
nível de ensino mais baixo, as quais não dão o conhecimento necessário para
concorrer com a outra casta. As escolas públicas da periferia talvez sejam
propositalmente de nível inferior visto que a classe dominante não demonstra
interesse em Ter como concorrente esta outra classe, estabelecendo-se então
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o conceito ou pré-conceito de que a raça negra tem o quoeficiente de
inteligência inferior, segundo a teoria do tamanho da massa encefálica.
Nessa esteira, sobrou para os negros o subemprego, aí
estão o grosso das oportunidades - as portarias dos prédios, os empregos
domésticos, de baixos salários, indo afunilar-se em um ou outro profissional
liberal, ou micro empresário, não chegando nunca a um grande empresário ou
quem diria um latifundiário, pois muitos desses grandes e astronômicos
empreendimentos vêm de herança, construídos ao longo de muito tempo,
demandando gerações, coisa que o negro está muito distante, muito aquém
disso, posto que herdou de ninguém. Que legado de grande proporção tem o
negro a oferecer aos seus descendentes considerando o momento presente?
É certo que na vida pública contam-se alguns
representantes, não obstante, se as estatísticas demonstram um contigente de
40% de negros fazendo parte da população do Brasil, onde está a sua
proporcional representação na política brasileira? Quem são os representantes
destes no parlamento nacional?
Nesse caso a democracia está capenga, pois o cidadão
negro só exerce o direito de votar.
Em suma, o problema social existe, está no inconsciente
de cada um, bem como no inconsciente coletivo da sociedade, não obstante,
só conscientização não basta, há algo a fazer.
No Almanaque da Abril, Brasil 2003, pg 158/159 retiramos
alguns dados atuais, os quais poderão demonstrar com números qual a
situação real hoje do grupo descendente de africano no Brasil.
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O texto afirma que a ascenção econômica do negro e o
exercício de seus direitos são restritos pela dificuldade de acesso à educação,
saúde, melhores salários e inserção no mercado de trabalho: Estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) em 2001 mostrou que, historicamente, as diferenças
entre negros e brancos vêm se mantendo no país. No fim da década
de 1990, os negros representam 45% da população brasileira, que
correspondem a 64% da parcela pobre e a 69% da indigente. Dos
pobres, 35% são pardos e residem na Região Nordeste.
Em grande parte, a diferença na incidência da pobreza entre
brancos e negros está associada à renda média mensal dos dois
grupos, que é, respectivamente, de 401 e de 170 reais. Nas grandes
capitais, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Sócio-Econômicos
(Dieese), o rendimento médio mensal dos brancos é de 828 reais e
dos negros, de 482 reais.
Para o pesquisador Ricardo Henriques, autor do estudo
encomendado pelo governo federal, a desigualdade social, associada
às formas sutis de discriminação racial, impede o desenvolvimento da
população negra no país.
Um jovem branco de 25 anos tem em média 2,3 anos a mais de
estudo que um negro da mesma idade – uma diferença significativa
num país em que a média nacional é de seis anos de estudo. Com
relação à apropriação de renda, a diferença também se mantém: o
Brasil branco é 2,5 vezes mais rico que o Brasil negro.
Quanto à taxa de desemprego: As regiões metropolitanas de São Paulo, Salvador, Porto Alegre,
Recife, Belo Horizonte e Distrito Federal revelam critérios
discriminatórios entre negros e não-negros no mercado de trabalho,
segundo pesquisa do Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade
Racial (Inspir), feita em parceria com o Dieese e a Fundação Seade.
Embora em todas as seis regiões pesquisadas a força de trabalho
negra responda por grande parcela da população economicamente
ativa, é a mais atingida pelo desemprego. Em Salvador, o
desemprego entre negros é 45% maior que entre os não-negros. Em
São Paulo, essa diferença é 41%. Porto Alegre apresenta uma
15 diferença de 35%. Além disso, todas as regiões pesquisadas indicam
um percentual expressivo de negros ocupando postos de trabalho
sem carteira assinada nem vínculo empregatício ou, ainda, como
empregados domésticos.
Quanto ao item Educação e Saúde: Apesar dos avanços alcançados nos níveis de educação e
rendimento da população brasileira na década de 1990, dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostram que
em 1999 as taxas de analfabetismo de pretos e pardos são da ordem
de 20% e as de brancos de 8,3%. Tomados os analfabetos funcionais
– adultos com menos de quatro anos de estudo – a taxa é de 46,9%
entre negros e de 26,4% entre os brancos. Do total de estudantes
brasileiros matriculados no ensino superior, apenas 2% são negros.
Quanto às condições de vida, um elemento em relação ao outro
tem as seguintes diferenças segundo o Almanaque:
Quanto às condições de vida, a Pnad 1997 mostra que 64,7%
das casas com chefe de família negro recebem água tratada e 49,7%
têm esgoto. Nos domicílios com chefe de família branco, esses
índices sobem para 81% e 73%, respectivamente. E, com relação aos
bens duráveis, a proporção de domicílios habitados por negros que
não possuem freezer, máquina de lavar, nem telefone é de 90%, 83%
e 70%, enquanto a proporção de domicílios ocupados por brancos na
mesma situação é de 73%, 56% e 54%, respectivamente.
Estas, porquanto, são várias das situações em que se
encontra a população negra no Brasil em relação aos não negros. As
diferenças estão em todos os parâmetros, e, sempre o negro em condição
inferior. E por tal e fundamental motivo tudo cria a figura do preconceito que faz
com que haja discriminação social que eclode a discriminação pela raça ou
origem , que por sua vez é velada, sutil, mas que presente no consciente e
inconsciente coletivo da nossa sociedade. Nós não temos racismo, é o adágio
nacional, mas não temos enquanto o negro ocupa as posições inferiores da
sociedade. Um negro empresário, um negro turista, um negro socialmente bem
posto, já incomoda.
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Dessarte, vale destacar uma publicação da revista Isto É de
21/01/04, cujo título do editorial: O valor do simbólico, na página 2, assim se
expressa:
“O Brasil é um país onde o preconceito e a discriminação existem, mas
– quase sempre – são velados”.
Esse conceito, ou antes, esse pré-conceito de que o negro é
inferior em todos os sentidos está atrelado a uma imagem histórica, afinal são
500 anos de cultura nacional. Aliás, essa questão da inferioridade intelectual
cientificamente é bastante falsa, posto que se o negro pudesse receber aquela
alimentação básica e necessária na mesma proporção e qualidade que o
branco recebe na sua idade mais tenra e ao mesmo tempo colocar à
disposição dele a mesma bateria de ensinamentos educacionais que o branco
adquire desde a mesma faixa etária tal diferença não se verificaria, ocorrer-se-
iam apenas diferenças individuais e não de gen ou de raça.
Deste modo, assim foi explanada a situação real da população negra no Brasil.
Essa é a situação real, é um problema social que se
arrasta há séculos e que talvez em face dos problemas macro econômicos
mundiais tende a se agravar. O que fazer? Há necessidade de ações
afirmativas para que se estabeleça uma ruptura desse senso comum, desse
conceito predominante de que é assim mesmo. Algo tem que ser feito.
Ainda a revista Isto É de 21/01/04 no seu editorial
afirma: “Séculos de escravidão e miséria jogaram os negros no alto das favelas
e no fundo das cozinhas. Chegar à Casa Grande pela porta da frente não é só
uma questão de trabalho. É preciso igualdade de oportunidades. E muita ação
afirmativa”
É o que trataremos especificamente no capítulo
seguinte. Ação afirmativa para os negros é criar oportunidades para esta casta
menos favorecida da sociedade brasileira, mas com atitude séria, visando não
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o paliativo mas o conjuntural. Para se resgatar cem anos de injustiça social só
com mais cem anos de uma política apropriada voltada para tal fim, ou no
mínimo o equivalente a uma geração para se atingir a um custo-benefício, em
que toda sociedade ganhe e não só o negro se beneficie, pois aí seria um puro
paternalismo inconsequente.
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CAPÍTULO II
AÇÃO AFIRMATIVA
Ação afirmativa foi um instrumento usado na América do
Norte na década de sessenta pelo governo Lyndon Johnson, a fim de facilitar o
acesso das classes sociais menos favorecidas do país às universidades e
empregos.
A seguir um trecho de autoria de Carmen Lúcia Antunes
Rocha retirado de seu artigo – Ação Afirmativa – O Conteúdo Democrático do
Princípio da Igualdade Jurídica In Curso de Especialização em Direito da
Administração Pública da Faculdade de Direito da Universidade Federal
Fluminense pg 92:
Em nenhum Estado Democrático, até a década de 60, e em
quase nenhum até esta última década do século XX se cuidou de
promover a igualação e venceram-se os preconceitos por
comportamentos estatais e particulares obrigatórios pelos quais se
superassem todas as formas de desigualação injusta. Os negros, os
pobres, os marginalizados pela raça, pelo sexo, por opção religiosa,
por condições econômicas inferiores, por deficiências físicas ou
psíquicas, por idade etc. continuam em estado de desalento jurídico
em grande parte do mundo. Inobstante a garantia constitucional da
dignidade humana igual para todos, de liberdade igual para todos,
não são poucos os homens e mulheres que continuam sem Ter
acesso às iguais oportunidades mínimas de trabalho, de participação
política, de cidadania criativa e comprometida, deixados que são à
margem da convivência social, da experiência democrática na
sociedade política. Do salário à Internet, o mundo ocidental continua
sendo o espaço do homem médio branco. Das prisões às favelas, o
mundo ocidental continua marginalizando os que são fisicamente
desiguais do modelo letrado e chamado civilizado e civilizatório pelos
que assim o criaram. Sem oportunidades sociais, econômicas e
políticas iguais, a competição – pedra de toque da sociedade
19 industrial capitalista – e, principalmente, a convivência são sempre
realizadas em bases e com resultados desiguais.
Muito bem, e aqui no Brasil, que ação afirmativa está se
desenvolvendo para minimizar o problema da desigualdade social do negro em
relação ao branco, qual a política pública em favor das minorias discriminadas?
Distribuição de cestas básicas, restaurante popular? Merenda escolar? A
Seguridade Social pública como patriarca e mantenedora das classes menos
favorecidas? No caso do negro, para o resgate de 116 anos da sua cidadania,
é necessário muito mais e é desse muito mais que é a finalidade para qual está
sendo feito esse trabalho.
Ação afirmativa visa, portanto, diminuir essa situação na
qual à medida que a sociedade evolui, tal situação em relação aos negros não
se modifica, ao contrário, quando a sociedade sofre uma crise econômica, os
negros sofrem mais que os brancos. Se aumenta o desemprego, por exemplo,
o impacto maior é em relação aos negros.
O jornal O Globo noticiou em 5 de junho de 2004 pg 31
matéria sob o título “PAÍS DE ABISMOS” e com subtítulo “A COR DESIGUAL
DO TRABALHO” de Luciana Rodrigues, onde só se confirmam, com poucas
diferenças, os dados apresentados até aqui sobre a situação do negro no
Brasil. Diante de dados estatísticos atualíssimos os números demonstram
indubitavelmente a situação real. Cita a reportagem por exemplo – “o
desemprego, que atinge um décimo (11,1%) dos brancos, é mais frequente
entre os pretos e pardos, grupo no qual a taxa de desocupação chega a 15,3%.
Não obstante, só a constatação do óbvio não resolve.
Urge que se tome atitude concreta por meio de ações afirmativas nesse
sentido.
Uma ação afirmativa que está muito em voga no
momento é a cota de 10% para negros nas universidades públicas, mas como
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o que ocorreu alhures, só isso não basta. Por que não cotas também em
unidades de ensino médio e fundamental de melhor nível educacional, onde o
acesso é obtido por meio de vestibular como nos Colégios de Aplicação,
Colégio Pedro II, Colégio Militar e Escolas Tecnicas? Por que não alíquotas
reduzidas de tributos para empresas privadas que empreguem maior
contingente negro? Por que não cotas em concurso público em níveis federal,
estaduais municipais, a fim de todos participem igualmente do mesmo bolo?
Enfim, por que não reformulação total do ensino fundamental e médio de todo
Brasil, a fim de que tanto o negro, quanto toda população periférica tenham as
mesmas oportunidades que têm os brancos bem nascidos? Que o filho do
negro frequente o mesmo espaço físico educacional dos bons colégios
privados de onde saem os futuros doutores, os futuros juízes, os futuros
líderes, afinal os futuros responsáveis pela diretriz da sociedade vindoura; que
os mesmos compartilhem da mesmo banco escolar,
da mesma sala de aula, se abeberem das mesmas lições e aprendizado, sem
nenhuma segregação. Sim, porque o sistema que existe atual é segregacional.
Os colégios da periferia são de baixo nível para aquela classe social de baixa
renda e os bons colégios dos bairros nobres são para a classe social alta onde
se formam os condutores da sociedade, é segregação pura. Os negros
recebem ensinamentos das escolas públicas, de professores mal preparados,
mal pagos, instalações precárias, carteiras quebradas, banheiros sujos, em
comparação aos colégios tradicionais e caros dos brancos, conforme mesmo
observação do mestre Paulo Freire quando de sua passagem pela
administração do Governo do Município de São Paulo em Pedagogia da
Autonomia, pg 44/45.
No Rio de Janeiro há muita favela incrustada na Zona Sul e
outros bairros nobres da cidade e aí existem tantos bons e tradicionais colégios
e por que não inserir nesses templos a população infantil e juvenil do morro
para ombrear com os fidalgos e fidalguinhos que alí estudam? É, afinal de
contas o sistema de cotas a nível fundamental e médio? É utópico? É um
sonho? Então que seja como Martim Lutter King: I have a dream. Entrementes,
21
lá ao longo do tempo o sonho se concretizou e hoje bem se vê naquela nação
muitos líderes, diretores de cinema, artistas, cientistas, doutores.
embaixadores, altos funcionários do governo, da maior potência do planeta,
negros. É certo que durante a luta pelos direitos civís correu sangue e aqui
está muito longe disso, mas é necessário que haja uma ruptura, não à moda de
uma represa que se rompe ou de um temporal que provoca enchente e
catástrofe, mas como uma goteira intermitente que incomoda, que provoca
infiltração e que afinal incomoda tanto que haverá necessidade de sanar o
problema, posto que com a continuidade vai causar um dano bem maior.
2.1 Exclusão Social Pela Cor ou Pela Condição Econômica
A Constituição Federal no seu artigo 5º, inciso XLII diz:
A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena
de reclusão, nos termos da lei.
No entanto, o termo racismo não é apropriado à nossa
cultura nacional. O termo mais adequado é a discriminação racial, uma vez que
a prática do racismo é movida por uma crença, por uma hierarquia de valor
cultuada e engendrada até oficialmente pelo estado. Aqui no Brasil existe o
preconceito pela origem social que é denunciada pela cor da pele. O
preconceito e a discriminação são genéricos, fazendo com que exista
discriminação contra pobres, pretos, homoxessuais, analfabetos, deficientes
físicos, índios, nordestinos, mulheres etc, etc. Nessas circunstâncias o negro
tem arraigado no inconsciente coletivo da sociedade o estigma de classe
inferior. É aquele oriundo das favelas, das periferias, das baixadas, e, vencer
esse pré-conceito é uma barreira quase que intransponível.
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Porquanto, há diferença entre o termo racismo, que não é
prática própria da nossa sociedade, e a discriminação pela cor ou condição
econômica, que é o termo mais adequado ao nosso meio. É certo que diante
das condições econômicas desvantajosas do negro a discriminação se torna
mais forte com suas variáveis. Econômicamente inferior torna-se por sua vez
socialmente inferior, culturalmente inferior, comportamentalmente inferior e
assim por diante, estagnando-se numa condição de vida imutável que tanto
para o oprimido quanto para o opressor parece ser uma situação normal.
23
CAPÍTULO III
A DESIGUALDADE SOCIAL VIGENTE
A nossa Constituição prega, ou melhor, propõe em seu art
3º, inciso III erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais, no entanto, no que tange aos negros, por enquanto, é letra
morta, haja vista que desde a vigência do novo Supremo Diploma, nada se fez
no sentido de reduzir a desigualdade secular do negro brasileiro. Uma
desigualdade que não incomoda, pois até os negros se adaptam à situação
como se fora somente aquilo que estava para ele reservado.
Nesse caso assim comenta Carmen Lucia Antunes Rocha
na pg 92 do mesmo artigo:
O art 3º traz uma declaração, uma afirmação e uma
determinação em seus dizeres. Declara-se, ali, implícita, mas
claramente, que a República Federativa do Brasil não é livre,
porque não se organiza segundo a universalidade desse
pressuposto fundamental para o exercício dos direitos, pelo que,
não dispondo todos de condições para o exercício de sua
liberdade, não pode ser justa.
Não é justa porque plena de desigualdades
antijurídicas e deploráveis para abrigar o mínimo de condições
dignas para todos.
E não é solidária porque fundada em preconceitos de
toda sorte.
A desigualdade está em todos os seguimentos: social,
econômico, educacional. Essa condição de inferioridade é dinossáurica,
astronômica. Uma ação afirmativa primeira é começar por desigualar os
desiguais, um princípio bíblico, para que a igualdade chegue igualmente para
estes.
24
Vejam o que assentou Carmen Lúcia Antunes Rocha sobre
a desigualdade na pg 88:
Assim, a definição jurídica objetiva e nacional das
desigualdades dos desiguais, histórica e culturalmente
discriminados, é concebida como uma forma para se promover a
igualdade daqueles que foram e são marginalizados por
preconceitos encravados na cultura dominante na sociedade. Por
esta desigualação positiva promove-se a igualação jurídica efetiva,
por ela afirma-se uma fórmula jurídica para se provocar uma
efetiva igualação social, política, econômica no e segundo o
Direito, tal como assegurado formal e materialmente no sistema
constitucional democrático. Ação
afirmativa é então, uma forma jurídica para se superar o
isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as
minorias.
A desigualdade ou o abismo social de que estamos falando
não se estancará apenas com medidas de cotas em entidades de ensino
público superior, há que se desenvolver programas tais que a atual geração
não alcançará os benefícios advindos, por exemplo o negro não tem grandes
propriedades para transmitirem aos seus descendentes por herança, o negro
não possui bens de raiz de modo a permitir que sua geração tenha excelente
berço num certo futuro. Aí está a grande diferença. Poderá ser possível ao filho
do negro estudar em escolas particulares tradicionais ou mesmo enviar seus
filhos para estudar no exterior. Poderá o negro manter um bom plano de saúde
para sua família, um bom seguro de vida, obter um título de sócio proprietário
de um clube famoso, viajar, fazer turismo e tantas outras iniciativas que são
facilidades do branco. Todas essas iniciativas, numa visão otimista, não se
estancarão em si mesma, serão devolvidas em forma de maior arrecadação
tributária para o próprio estado, não de imediato, mas numa próxima geração.
Foi o que aconteceu e que se tem notícia, de forma velada, quando da
libertação dos escravos, quando os mesmos, naquela época, uma vez libertos,
tornar-se-iam uma massa de novos consumidores de produtos nacionais e
25
principalmente estrangeiros. Então? Não alcançarão tais medidas uma
melhoria geral para todos? A carga tributária atualmente pesada para tantos
tornar-se-ia mais igualitária, uma vez que mais cidadãos contribuiriam com
mais para o estado no futuro, quando as medidas tomadas hoje atingiriam
efetivamente seu objetivo, isto é, numa próxima geração.
O negro não possui apartamento à beira mar para aluguel
de temporada ou para investimento e em consequência transmitir aos
descendentes. Uma vez que os mesmos não tenham acesso aos bens de raiz,
sejam-lhes dadas oportunidades para desfrute das futuras gerações. Escalar o
muro social e se por do outro lado não é tarefa fácil, que se possa Ter um
resultado imediato. Há que desenvolver condições favoráveis no sentido de
distribuir de maneira mais igualitária as oportunidades para que um dia esse
povo secularmente carente consiga fincar raízes nessa Terra de Santa Cruz,
igualmente, como filhos deste solo.
26
CAPÍTULO IV
A MOBILIDADE SOCIAL
A mobilidade social é o termo que se usa para definir,
identificar ou intitular a transferência de indivíduos de uma para outra posição
social. A mobilidade social se processa no espaço social, conjuminado com
espaço geográfico, como no caso da migração brasileira do campo para os
grandes centros urbanos.
Embora próximos, o industrial e o operário estão
socialmente distantes. Apesar de separados, os professores latinos
encontram-se socialmente próximos. O cientista americano que emigra para a
Europa e aí desenvolve suas pesquisas, mudou sua posição geográfica mas
não mudou sua posição social. Sem abandonar sua cidade natal, um operário
pode se tornar advogado, tornando-se socialmente móvel mas não
geograficamente móvel.
A mobilidade social pode ser vertical ou horizontal. A
horizontal refere-se à mudança entre as posições do mesmo nível. A vertical se
faz em níveis diferentes. Um empresário que muda de ramo e um contínuo que
passa a gerente da empresa ilustram as duas situações.
Conforme a direção assumida a mobilidade social vertical
pode ser ascendente ou descendente, se assumir rumos para níveis superiores
ou inferiores, respectivamente. A mobilidade social ascendente ou descendente
pode ser ainda individual ou grupal. Os exemplos acima demonstram a
mobilidade individual. Quanto à modalidade grupal o exemplo maior que se
tem notícia é a queda da nobreza francesa ocorrida com a eclosão da
Revolução.
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A mobilidade social do tipo horizontal é facilmente percebida
se examinarmos apenas as modificações de filiação a grupos religiosos e
políticos pelo mundo.
A mobilidade como um todo se manifesta, igualmente, ora
lenta, ora intensa, em qualquer época, por isso é um processo permanente.
Verificada a presença de mobilidade vertical em qualquer sociedade, conclui-se
a existência de canais, permitindo o movimento de indivíduos através de seus
níveis. Tais canais variam com o tempo, de sociedade para sociedade e, na
mesma sociedade, de época para época. A escola, a igreja, a família, as forças
armadas, a política, a atividade econômica, as atividades profissionais, entre
outras têm funcionado como canais de ascenção social em todas as
sociedades, praticamente.
A filiação à Igreja Católica foi, durante longo período, a partir
da Idade Média, um dos principais caminhos para ascensão social.
Nas sociedades em rápida transformação como a brasileira,
há, além da variação de canais, o aparecimento de novos grupos de indivíduos
ascendentes.
Entrementes, o fenômeno não se verifica apenas com os
indivíduos. As idéias, utensílios, crenças religiosas, valores, enfim, todo e
qualquer produto humano, de ordem material ou espiritual, são também
socialmente móveis segundo suas formas.
A sociedade brasileira oferece-nos inúmeros exemplos do mobilidade social.
Existem várias atividades em que o indivíduo têm condições de “subir na vida”.
Dentre elas estão as atividades lícitas e ilícitas, onde o sujeito de etnia branca
galga o meio social mais alto.
Quanto ao elemento negro mesmo por meio de práticas
ilibadas há sempre um certo preconceito. A cor da pele não arreda sua
28
condição genérica, ao passo que o branco se limpa através de sua condição
econômica superior. Um negro, quando muito, recebe um tratamento mais
brando, quando adquire um título de doutor ou de posto na carreira militar. Só a
ascenção social não lhe dá, ainda, a liberdade de transitar em qualquer meio
social, irrestritamente. Há sempre uma restrição, um questionamento, uma
justificativa.
4.1 A Mobilidade Social Brasileira
A mobilidade social brasileira é cantada em verso e prosa
conforme reportagem de capa da revista Veja de 13 de agosto de 2003
Retratos do Brasil Que Dá Certo, O BRASIL DAS OPORTUNIDADES pg 66.
A reportagem traça o perfil dos que venceram na vida provenientes de uma
classe pobre. A reportagem fala predominantemente das condições de vida do
branco e aborda a situação do negro de forma sucinta.
Como a própria reportagem discorre na pg 76 “um branco e
um negro com origem social idêntica não tem a mesma oportunidade de
progredir na vida” aqui no Brasil. Como foi visto, várias são circunstâncias, mas
a principal é a baixa escolaridade inerente à população negra, como já foi
sobejamente demonstrado anteriormente.
Há mobilidade social em várias atividades humanas, seja
no esporte, nas artes, nas passarelas, nos negócios, na política, mas a
ascensão social e econômica só se solidifica tendo como base uma boa
educação. Mesmo no esporte mais popular do planeta, o futebol, o astro tem
que Ter um certo traquejo educacional, porque senão não terá ele condições
de gerir seus próprios negócios advindos da riqueza que a bola lhe fornece.
Por isso mesmo muitos caem nas mãos de inescrupulosos
“empresários” e se afundam, posto que lhe faltou o mínimo de entendimento
29
que exigem os negócios extra-campo. Nessas condições encontram-se os
negros atletas.
O futebol não é somente uma grande paixão nacional, é
também um sonho acalentado por milhões de negrinhos pobres, permita a
redundância, que desenvolvem sua arte nos campos de várzea, nos terrenos
baldios até chegarem às escolhinhas de futebol no afã de conquistarem fama,
sucesso, e, afinal a supremacia social e financeira.
Além do futebol, temos no Brasil ascenção social do negro
através da atividades específicas, pela inserção do indivíduo nas Forças
Armadas, atividades artísticas. A política não é um forte caminho, uma vez que
poucos são os que se encontram exercendo esta tão vital atividade, justamente
esta em que os interesses do negro estariam sendo tratados com mais ênfase.
Hoje muito se fala em cota para negros nas universidades.
É um projeto bem vindo na medida em que o diploma superior vem alçar o
negro numa parcela elitizada da sociedade, mas não é uma panacéia, uma vez
que, uma vez formado, o que fazer com seu diploma? Concorrer ao mercado
de trabalho com o branco é um desequilíbrio, posto que quem oferece, ou
melhor, quem detém o mercado de emprego é o elemento branco.
É corriqueiro o candidato a emprego negro apresentar-se
para uma vaga da oferta de trabalho, principalmente aquele de nível superior e
após longas entrevistas receber como resposta que o mesmo não corresponde
ao perfil daquela empresa. Isso acontece atualmente. Acredita-se que com os
formados pelo sistema de cotas tenderá a ser muito pior, pois aí o branco se
põe numa condição realmente superior, absorvendo toda oportunidade de
emprego.
O sistema ideal seria aquele em que o negro tivesse
cotas em colégios tradicionais com a oportunidade de aprender as mesmas
30
coisas que o branco vencedor aprende. O ideal seria que antes de se
estabelecer cotas para o ensino superior, os bons colégios de aplicação se
deslocassem para a periferia onde o negro está. O ideal seria os governos
estaduais e municipais estabelecerem melhores níveis salariais para os
profissionais de ensino e toda espécie de incentivo à carreira dos educadores.
Sem esses fatores de melhoria jamais se alcançará uma
igualdade social entre o elemento negro e o elemento branco de nossa
sociedade.
Sem uma educação a altura essa propalada mobilidade
social só terá acesso a ela o elemento branco com todas as suas vantagens de
berço e o elemento negro continuará indefinidamente engrossando as
estatísticas dos bolsões de miséria que atinge o contingente maior desse Brasil
afora. Embora existam outras vias esporádicas, a educação ainda é a via mais
consistente para se atingir patamares sociais superiores, principalmente porque
o negro não tem com que iniciar, pois o mesmo continua nas mesmas
condições quando aqui chegou nos navios negreiros, sem nada para começar.
Começar do que? Pelo menos com alguma bagagem educacional.
Recentemente foi noticiado um litígio a respeito do depósito de lixo do Aterro
Sanitário de Gramacho. O que mais chamou a atenção foram as condições dos
catadores de lixo que dependiam daqueles dejetos para garantirem suas
sobrevivências. Dejetos constituídos dos mais variados produtos, os quais
servem aos maiores interesses daquela população de baixa renda que dalí
retiram seu sustento até mesmo para lhes servir de alimento, como no caso
extremo daquela família de Recife que se alimentou de uma mama humana
pensando tratar-se de carne, conforme relato de Paulo Freire em sua obra
Pedagogia da Autonomia. Muito bom que os catadores de lixo sejam
regularizados. Muito bem que sejam cadastrados, no entanto quem são esses
catadores de lixo? Qual o seu perfil? Na sua maioria negros. Aquelas mesmas
caras retorcidas, sofridas, cuja a sujeira, a foligem se confunde com a pele, a
ponto de não se saber se aquela negrura exposta é de sujeira ou de melanina.
31
Lá estavam eles diante da câmara de televisão reivindicando seus
direitos. É necessário que se continue despejando lixo no Gramacho, é
necessário para sua sobrevivência. É uma situação estável, permanente, sobre
a qual a sociedade não se incomoda, como a posição dos astros, como o
movimento de rotação da Terra. Não se deve mudar. Quando um catador de
lixo poderá mudar seu status social? E os catadores de lixo na sua maioria são
negros.
Isto posto, a mobilidade social em relação ao negro no
Brasil praticamente não existe.
Visto por outro ângulo há o preconceito arraigado em
nossa sociedade, não muito explícito, velado, mas presente, consciente e
inconsciente de que se o negro, mesmo estudado, pretender abrir um negócio,
não será fácil ao mesmo Ter acesso a financiamento. Haverá sempre por parte
do representante da instituição financeira desconfiança em depositar nas mãos
do negro uma certa quantia, mesmo
apresentando as mesmas garantias que o empresário branco oferece. Em
suma, tudo é muito difícil para ascender essa tal mobilidade social. Não se
descortina outro caminho para se emergir dessa secular situação, a não ser por
meio de uma boa educação, isto é, de um bom aprendizado escolar.
Porquanto, a mobilidade social do negro no Brasil só se dará pela educação.
Nunca houve um patamar, o único oferecido desde aqui chegou foi garantia de
comida e roupa e como complemento o castigo que traduz nos três pês: pão,
pano e pau.
Em assim sendo, com a abolição da escravatura tiraram-
lhe a garantia de comida e roupa e o contingente de ex-escravos caiu na
informalidade e de acordo com a conjuntura desorganizada da sociedade da
época do fim de século e início do século passado caiu, em consequência na
marginalidade. Mesmo assim, o negro sobreviveu como chefe de família,
assumindo suas crias à moda do branco, sabe-se lá como, garantindo a
32
unidade familiar em sua maioria, o que permanece até nossos dias, apesar dos
guetos, das favelas, dos mucambos.
Nesse caso, a famosa Lei Áurea foi crudelíssima, se
assemelha a um novo embarque nos navios negreiros, lei curtíssima, lacônica,
de apenas dois artigos, que simplesmente põe os recém cidadãos na rua, sem
nenhum amparo social do Estado ou de quem quer que seja.
Assim se expressa a dita Lei Áurea:
Lei 3.353 de 13 de maio de 1888:
Artigo 1º - É declarada extinta a escravidão no Brasil.
Artigo 2º - Revogam-se as disposições em contrário.
Nada mais constando, nem sequer um regulamento da lei,
a fim de fazer com que a mesma fosse cumprida.
Em vista disso os negros foram relegados à complacência
dos seus ex-senhores para dar-lhes emprego remunerado, sabe-se lá em que
condições de contrato de trabalho, sem formação escolar, sem nenhuma
qualificação profissional, sem nenhum amparo estatal.
Aliás, o amparo estatal já não seria possível pelas
próprias circunstâncias da abolição da escravatura em que os senhores
escravagistas também eram passivos de receberem indenizações pela perda
de patrimônio, uma vez que a mão de obra escrava fora adquirida com
dispêndio pecuniário. Ambos os lados tiveram perdas e o Estado, como sempre
não se preparou para as consequências do cumprimento da referida lei. Daí
por diante foi só dificuldade social que perdura até nosso dias.
É importante ressaltar que até hoje existem pelo interior
do Brasil fazendas que mantém o trabalho escravo, sendo alvo de fiscalização
33
do aparato estatal cujos membros correm até risco de vida quando detectam e
cerceiam tal prática, isto posto avalie a situação há um século atrás.
Inserido nesse contexto, o negro sobreviveu, constituiu
família, à moda do branco, sim porque a cultura do núcleo familial é herança do
elemento branco civilizado e educado na religião cristã e que os negros
copiaram por convivência, e, assim chegou aos nossos dias até certo ponto
organizado em família e fazendo por onde se manter, organizando-se em
sociedade, à moda do branco, apesar de haver consenso geral que o negro
tende para a marginalização por sua própria índole e não por sua secular
subcondição de vida herdada desde há quinhentos anos atrás, isto é, desde
seu desembarque dos navios negreiros em terras de Santa Cruz.
Aqui vale um comentário comparativo à situação das
duas etnias. È questionável se o negro tivesse
sido proprietário de grandes latifúndios, usinas de açúcar, etc, haveria tanta
gente da raça tendendo para a criminalidade, talvez cometesse
outros tipos de crime, não os costumeiramente, os estatísticamente atribuídos
ao negro propriamente, se o problema for realmente de índole e também por
aqueles crimes não estariam lotando tantos presídios.
Por fim, quanto à mobilidade social do negro que se tem
notícias, são os talentos do negro com relação à música e ao futebol,
principalmente quanto à evidencia de um negrinho pobre que se tornou rico e
famoso devido sua habilidade com a bola nos pés, de resto se contam aqueles
que deram certo, a considerar os mais de 50 milhões existentes nesse
território, segundo a estatística, sua representatividade é muito pouca. É
necessário mais gente no topo, principalmente no ramo político para que as
benesses não venham em forma de paternalismo piedoso, mas em forma de
conquistas, como aconteceu nos Estados Unidos da América, como aconteceu
mais recentemente na África do Sul.
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Em assim sendo, há que se desenvolver políticas públicas
no sentido de reparar o problema social em questão. A iniciativa não deve partir
só dos governantes mas de toda sociedade. Há que se mobilizar toda
sociedade para esse fim, através de debates, sensibilizando as lideranças.
Claro que o movimento não deve partir nunca para um confronto, mesmo
porque nossa mistura semi milenar não permitiria um choque social grave. Há
muita convivência em comum. O caminho a tomar deve ser sempre o da
confabulação e do entendimento para se chegar a um fim que seja de interesse
e bem estar de todos.
Pelo até aqui demonstrado só há um caminho seguro para
a classe negra secularmente oprimida, emergir dessa situação – uma
educação de igual qualidade do elemento branco. Todos exemplos de
ascensão social demonstrados na reportagem da revista citada foram
conquistados tendo como base os estudos que os agraciados receberam na
época própria. Espera-se que num futuro próximo isto já possa estar
acontecendo, mas como já foi assentado, é necessário mobilização
principalmente por parte da classe oprimida. Se na época da abolição da
escravidão existiam movimentos e personalidades negros que se imbuíram na
luta, por que não nesses tempos hodiernos? Onde estão aqueles negros que
se posicionam melhor na sociedade? Contentaram-se com o que conquistaram
não se importando com os demais? Mesmo com toda vitória particular o
preconceito se estende a todos, com seus tentáculos invisíveis mas poderoso.
É necessário levantar bandeiras e agora.
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CONCLUSÃO
Esse nosso trabalho tem a pretensão de, uma vez tomado
conhecimento do seu conteúdo por quem de direito e de fato, suscitar debates
e controvérsias, para que o mesmo rompa barreiras e por que não esperar que
a partir dele se dê início a fatos transformadores da sociedade na qual
vivemos.
São vários séculos de subjugo, aproxima-se de mil
gerações que se transcorre e pouco ocorre de melhoria. Temos a pecha de
povo ordeiro e pacífico que infelizmente nos dá governantes omissos e pouco
competentes para resolver questões sociais graves com as quais estamos
vivendo, pois são de interesse destes demonstrar que os movimentos sociais
não têm muita importância ou que as lutas de classes são movimentos isolados
e que suas vindicações não vão contribuir em nada para nada, assim estão
incluídos os sem-terras, os sem-tetos, os índios, os pobres de maneira geral
que nem voz e vez têm e os negros sempre pacíficos e ordeiros, conformados
com o espaço que lhe concederam.
Está na hora, de a nação tomar grandes atitudes, mudar o
status quo, mostrar às outras nações que temos condições intelectuais de virar
a mesa, de mostrar que o progresso ou o desenvolvimento nem sempre vem
de fora para dentro. Estatísticas nos enchem de orgulho quando se mencionam
que somos a 8ª ou 10ª economia do mundo, entretanto essa grande economia
não chega ao total de 170 milhões de nacionais que fazem parte dessa rica
nação. Onde está essa riqueza, que poucos alcançam?
É esse o intuito deste trabalho, estimular o crescimento da
população negra, que com criatividade certamente fará com que o Brasil
também cresça. Porquanto, muito se tem para realizar mas exige-se
principalmente, além de inteligência, coragem.
36
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Ação Afirmativa – O Conteúdo
Democrático do Princípio da Igualdade Jurídica In Curso de Especialização
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RODRIGUES, Luciana. PAÍS DE ABISMOS. In O Globo. Rio de Janeiro, 5 de
junho de 2004.
WEINBERG, Monica. O BRASIL DAS OPORTUNIDADES. In revista Veja. 13
de agosto de 2003. P 66.
37
ÍNDICE
RESUMO....................................................................................5
METODOLOGIA.........................................................................6
INTRODUÇÃO............................................................................7
CAPÍTULO I - O SENSO COMUM............................................10
CAPÍTULO II - AÇÃO AFIRMATIVA.........................................18
2.1 Exclusão Social pela Cor ou Pela Condição Econômica..21
CAPÍTULO III – A DESIGUALDADE SOCIAL VIGENTE..........23
CAPÍTULO IV - MOBILIDADE SOCIAL.....................................26
4.1 A Mobilidade Social Brasileira...........................................28
CONCLUSÃO............................................................................35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................36
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