o abismo - r a ranieri

Upload: mnobuo

Post on 09-Apr-2018

658 views

Category:

Documents


37 download

TRANSCRIPT

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    1/79

    1

    1

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    2/79

    R.A. RANIERI

    O ABISMO

    Orientado pelo EspritoANDR LUIZ

    2

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    3/79

    R. A. RANIERI

    O ABISMO

    Obra Medinica

    http://groups.google.com.br/group/digitalsource

    Esta obra foi digitalizada pelo grupo Digital Source para proporcionar, de maneiratotalmente gratuita, o benefcio de sua leitura queles que no podem compra-laou queles que necessitam de meios eletrnicos para ler. Dessa forma, a vendadeste e-book ou at mesmo a sua troca por qualquer contraprestao totalmentecondenvel em qualquer circunstncia. A generosidade e a humildade a marca dadistribuio, portanto distribua este livro livremente.

    Aps sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, poisassim voc estar incentivando o autor e a publicao de novas obras.

    3

    http://groups.google.com.br/group/digitalsourcehttp://groups.google.com.br/group/digitalsource
  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    4/79

    O ABISMO

    (Obra orientada pelo Esprito de Andr Luiz)

    R.A. RANIERI

    Neste livro o autor nos conduz por um mundo diametralmente oposto de tudoaquilo que conhecemos.

    Desespero, dor e angstia assombram, tal a sua narrativa dantesca. proporoque vai revelando os abismos e sub-abismos, novos e indescritveis quadros sedeparam, onde vivem seres horripilantes e com aspectos disformes que perderam aforma humana, degradados pela permanncia no mal, no possuindo "corpoespiritual".

    Perderam o controle da mente consciente e caminham na descida vertiginosa paraos mais recuados abismos, onde vo cumprir as penas impostas pela prtica do malnas suas vrias reencarnaes.

    No entanto, o livro esclarecedor, pois o orientador espiritual desta obra afirmaque o Esprito no retrograda, mas a sua forma perispiritual sim.

    uma advertncia queles que ainda no compreenderam a razo da necessidadeda prtica do amor ao prximo e da caridade.

    O esprito no retrograda mas a forma perispiritual se degrada.

    ANDR LUIZ

    4

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    5/79

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    6/79

    21 - Outras Criaturas...............................................................................40

    22 - As Corujas.......................................................................................45

    23 - Homens-Rs....................................................................................48

    24 - Notaes de Orcus............................................................................5125 - Ensinamentos Novos.........................................................................52

    26 - Na Gelatina......................................................................................54

    27 - Meditaes nas Profundezas..............................................................58

    28 - Na Casa de Netuno...........................................................................59

    29 - As Ovas...........................................................................................60

    30 - Indicaes sobre o Poder Mental........................................................6431 - A Montanha.....................................................................................67

    32 - A Volta de Atafon.............................................................................71

    33 - Buscando a Sada.............................................................................73

    34 - As Portas Libertadoras......................................................................74

    35 - Libertos...........................................................................................77

    FIM..................................................................................................78

    6

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    7/79

    Assim est escrito:

    No fars para ti imagem de escultura, nem alguma semelhana do que h emcima nos cus, nem em baixo na terra, nem nas guas debaixo da terra.

    XODO - Cap. 20, v 4

    E ningum no cu, nem na terra, nem debaixo da terra, podia abrir o livro, nemolhar para ele.

    Apocalipse - Cap. 5 v 3

    E ouvi a toda a criatura que est no cu e na terra, e debaixo da terra, e queest no mar...

    Apocalipse - Cap. 5 v 13

    E vi descer do cu um anjo, que tinha a chave do abismo, e uma grande cadeia nasua mo. E prendeu o drago, a antiga serpente, que o Diabo e Satans, eamarrou-o por mil anos. E lanou-o no abismo, e ali o encerrou, e ps selo sobreele, para que mais no engane as naes, at que os mil anos se acabem. E depoisimporta que seja solto por um pouco de tempo.

    Apocalipse - Cap. 20 v 1, 2, 3

    7

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    8/79

    1 - Estranho Caminho

    Meu pensamento foi assaltado por vibraes violentas vindas do seio da Terra.Senti como se um poderoso aparelho detonador me atingisse as fibras mais ntimase me precipitasse em sintonia com a morte. No era medo o que eu sentia mas erauma sensao quase que de terror. Foras desconhecidas agiam no meusubconsciente e me atraiam para perigoso abismo. A princpio pensei que medesintegraria mas a seguir compreendi que a exploso se dera dentro de mimmesmo. As clulas de meu organismo espiritual entravam em vertiginosomovimento como se uma verdadeira exploso atmica se realizara no meu interior.Tinha a impresso de que tudo girava dentro de mim. As clulas haviam seprecipitado numa corrida louca de libertao. Centenas, milhares, milhes, emcorrida vertiginosa.

    Minha mente tudo observava como que assombrada com o imprio de clulas quese desmoronava. Embora tudo aquilo fosse eu mesmo compreendia a insignificnciaque somos no emaranhado das leis que nos governam. Imensa era a minhaignorncia e grandiosa e infinita a sabedoria de Deus!

    O cosmo interior da minha individualidade se mantinha como um firmamento cheiode estrelas e planetas. Os astros em meio ao conglomerado de clulas dispersadasmarchavam no vrtice acelerado. No perdi a conscincia, contudo senti que giravaem mim mesmo e que minha conscincia estava aparentemente desgovernada.Meu ser crescia, crescia sempre como se eu me tomara de repente enorme bonecode borracha porosa que se dilatasse indefinidamente. Quis gritar algumas vezesmas a voz morria-me na garganta como se sufocada por mo de ferro. Acovardei-me e entreguei-me vontade de Deus. No alto brilharam as estrelas e a tive aimpresso de que caminhava ao encontro dos astros. Mergulhei no Armamento esubi, subi sempre. L embaixo comeou a ficar a Terra, perdida no oceano douniverso. No sabia a que alturas haveria de atingir mas via o mundo fugir de mim

    como a criana que contempla a sua bolinha de vidro perder-se nas guas do mar.2 - Orcus

    De repente, senti que no estava sozinho.

    A meu lado estava Orcus que me contemplava afetuosamente. Olhei-o com atenoe verifiquei que era uma criatura formidvel. Longos cabelos brancos, ligeiramenteenrolados como se fossem cordas desciam-lhe pelos ombros. Rosto enorme,redondo "aquadradado" sobre um pescoo taurino e peito descomunal. A tnicaaberta ao peito dava-lhe ao conjunto a expresso de um dos antigos profetas,talvez Isaas ou Pedro, o apstolo.

    O cu repleto de estrelas parecia conter-nos apenas a ns dois estabilizados noespao por uma fora que equilibrava a lei de gravidade. Aps o delrio vertiginosodas clulas em debandada meu ser comeou a serenar-se e eu me senti como sefosse uma criatura de dimenses despropositadas, imensas.

    Eu estava "cado dentro de mim mesmo".

    Orcus contemplava-me com amor e de seus olhos comearam a partir em minhadireo partculas ou centelhas de luz que vinham me atingir o ser.

    8

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    9/79

    Recebi-as a princpio no corao e fui tomado de uma sensao de confortoretemperado por energias novas. Em seguida estendeu-me o Esprito a destracintilante e ondas esquisitas se desprenderam dela vindo atingir-me a casa mental.

    Aos poucos sob este novo influxo, principiei a diminuir-me lentamente e a voltar aoque poderia chamar de "estado normal".

    Restabeleci-me interiormente sob o domnio espiritual de Orcus que me transfundiapoderosas foras emitidas de seu poderoso organismo. Como um enfermo que selevanta do leito, equilibrei-me no Infinito. Na distncia imensurvel giravam osmundos em turbilho.

    Olhei a Terra: ainda estava l em baixo, perdida na vastido do universo.

    Onde estamos, Orcus? - interroguei.

    Entre as esferas do sistema solar, porm a uma distncia de 325.000 km da Terra -respondeu Orcus.

    Estamos aqui na realidade ou apenas uma impresso que temos dessedeslocamento?

    No, no impresso. Estamos aqui mesmo. Fomos deslocados ao impulso da foramental, que nos arrastou o organismo em direo ao infinito. Voc, meu filho,sofreu um processo de liberao parcial das clulas perispirituais a fim de adquirir"leveza" para a viagem.

    Eu como j estou habituado ao "clima de mais alto" no tive necessidade de passarpor esse sofrimento.

    Tornei a contemplar o Infinito e meu olhar inabituado ao panorama prodigioso demilhes e milhes de astros em carreira alucinante parecia submetidoininterruptamente a detonaes interiores que iriam explodir o globo ocular. Tive aidia que as pupilas estavam sendo dilatadas ao contacto das imagens novas doinfinito portadoras de teor vibratrio diferente da vibrao terrestre.

    E assim, por longo tempo, me embebi na contemplao do Universo.

    3 - A Terra

    - Daqui, meu filho, contemplar a Terra - disse Orcus - O planeta gira no espao amilhes de anos impulsionado pelas foras vivas da Vida. Como ele, trilhes etrilhes de outros giram na marcha ascensional dos mundos. E neles a vida seexpande em todas as formas e em mltiplas manifestaes.

    Contemplei a Terra que semelhava realmente uma laranja de formato irregular eestranho. No era a forma redonda que nos representada nas escolas e ginsiosdo orbe mas sim um corpo repleto de salincias e tocado de luz e sombra naseminncias e nas reentrncias. Vales profundos e picos elevados, superfciebrilhante luz do sol indicando as grandes massas d'gua. De fato, queladistncia, todos os problemas terrestres perdiam o interesse. De que valiam aslutas e guerras humanas? De nada. Vamos a Terra e compreendamos que oHomem gasta imensas energias por nada. Visto de longe, o nosso mundo eramodesto departamento de educao no turbilho do Cosmo.

    9

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    10/79

    - Observe bem, acrescentou Orcus, e poder ver o desenho dos continentes e dospases recortados perfeitamente.

    Busquei ansioso com o olhar o continente Americano e particularmente o Brasil.

    L estavam modelados na Crosta Terrestre acompanhando a marcha do mundo.Ligeiro colorido marrom terroso sob uma nvoa plmbea cobria os continentes.Verifiquei que o meu olhar, agora dilatado, atravessava com relativa facilidade agrande extenso pertencente faixa da atmosfera terrestre.

    No pude me deter melhor na anlise de nossa casa planetria porque Orcus meinformou:

    - Prepare-se para descer. Aqui, meu amigo, iniciaremos a nossa jornada emdemanda das profundidades e dos abismos onde habitam os Gnios da sombra e domal.

    Senti uma espcie de calafrio.Como mergulhadores, abraados comeamos a descer. A mente de Orcus qualpoderoso motor vibrava aceleradamente. Minha mente, porm, no podiaacompanhar-lhe o ritmo na descida vertiginosa e eu, agarrado a ele, precipitei-menaquela estranha aventura ao encontro do Abismo.

    4 - Na Sub-Crosta

    Nossa mente sentia o impacto das vibraes csmicas que nos atingia na descidavertiginosa. O Globo Terrestre aproximava-se no imenso mar do espao etreo.Orcus era um grande pssaro que se precipitava numa velocidade indescritvel.

    Aos poucos percebemos a faixa da atmosfera terrena, de cor plmbea, como um rioque cortasse repentinamente as guas do oceano.

    nossa frente surgiam os continentes enquanto a Casa Terrestre rodava sobre simesma.

    O turbilho da mente em altssima freqncia vibratria atravessava as grandesmassas de radiaes que como vasto cinturo circundavam o Globo.

    Percebi que centenas de tonalidades de cor misturadas compunham a crostaterrestre, predominando no entanto o amarelo, o marrom e o vermelho. Notei querepentinamente penetrvamos camada mais densa.

    Mas como? A crosta da terra?

    Estamos atravessando a crosta- disse Orcus.

    Sim, a crosta da Terra. Voc no pode compreender bem o problema porque aindav com os olhos de homem do mundo. Eu, porm, vejo com os olhos do esprito.

    Mas a terra no compacta, dura, intransponvel?

    No, no bem isso. A Terra , compacta e oferece resistncia aos corpos de certadensidade como os que existem na sua superfcie. O homem pela sua densidade

    10

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    11/79

    fsica e pela densidade dos objetos que fazem parte de seu mundo encontra a terradura, difcil de ser vencida ou "varada". Mas para a densidade dos espritos a crostaterrestre como voc est vendo, apenas um turbilho de poeira em movimento.

    De fato, ns agora percorramos extensa faixa de poeira em movimento semelhante poeira que se levanta na superfcie do Globo quando este varrido por um fortevento. Na realidade, no encontrvamos ali a terra que ns to bem conhecemos ecom a qual convivemos. No oferecia resistncia nossa passagem e somente noslembrava uma camada mais espessa de atmosfera.

    Fiquei assombrado. Nunca supus que se pudesse penetrar daquela forma o seio daterra!

    - Mas, e o calor? No diz a cincia que a cada trinta e trs metros de descidacorresponde o aumento gradativo de um grau de calor?

    - E o que tem isso? verdadeira a afirmativa cientfica terrestre, mas isso no nosimpede de penetrar terra a dentro nem nos atinge.

    Calei-me, de novo admirado. Enquanto meditava, prosseguia na descida vertiginosasob o controle poderoso de Orcus.

    - Vamos parar - exclamou o Esprito, de repente. Pude observar que nosaproximvamos de imensas cordilheiras que exibiam pinculos inaccessveis sevistos de baixo. Alm deles, nas profundezas, abismos escuros se abriam aosnossos olhos acostumados agora viso panormica das alturas.

    Orcus segurou-me fortemente e compreendi que diminuamos a velocidade comodois torpedos que chegassem ao objetivo.

    Em seguida pousamos na ponta de um penhasco.- Vencemos, felizmente, a "poeira terrestre" - explicou o mensageiro. Aqui, por umpouco, estaremos seguros.

    Ficamos de p. Ventos midos gemiam naquelas regies sombrias. Leve claridadese filtrava atravs da poeira que turbilhonava acima de nossas cabeas. As cristasabruptas encharcadas de estranho lquido escorregadio lanavam-se perigosamentedas alturas. Eu nunca vira na terra coisa igual. Eram centenas e milhares perdidasna vastido do Abismo. A princpio no se via ningum. Tudo silencioso e soturno.Parecia o fim do mundo ou o incio da Criao. Do silncio e das trevas uma espciede terror caminhava para ns. Olhei Orcus: era assim mesmo uma figuraimpressionante.

    No foi por aqui que passou Dante? - perguntei.

    No, ele seguiu outro caminho -esclareceu Orcus. Dante buscava outras regies. Noentanto, se for permitido, passaremos um dia por onde ele passou.

    Senti um arrepio. Estaramos a caminho do Inferno?

    5 - Gabriel

    Orcus passou lentamente a mo espalmada sobre meus olhos. Pensei que ia teruma vertigem. Cintilaes de grande intensidade invadiam-me as pupilas dilatadas.

    11

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    12/79

    Parecia-me que um sol de luz branca penetrava-me a mente e que eu, ofuscado,iria precipitar-me das alturas.

    Sbito, em pleno abismo, estarrecido, divisei formas difanas, puras, cristalinas,que se moviam sobre os rochedos e os penhascos. Formas anglicasmovimentavam-se naquelas vastides. Figuras de pureza lirial transportavam-seatravs do espao.No podia eu ainda perceb-las em toda a sua nitidez mas sabia que eram formassemelhantes s formas humanas, porm transparentes e feitas de luz.

    nossa frente numa distncia indescritvel para o pensamento humano, contempleiuma criatura de grandeza excepcional e de uma perfeio assombrosa. To beloque produzia na minha alma verdadeira vertigem.

    Acreditei enlouquecer.

    Pousado no penhasco mais elevado e pontiagudo, com longas asas descendo-lhe

    sobre as espduas cintilantes um Anjo de Sublime e Divina beleza dominava oabismo.

    - Aquele Gabriel, que assiste diante de Deus, declarou Orcus com acentocarinhoso e profundo.

    Senti que o meu instrutor ao dizer essas palavras falara como quem expressa umsentimento que eu desconhecia. Eram respeito e amor ao mesmo tempo e tambmera uma revelao que me fazia.

    Levantei o olhar para o Anjo e verifiquei que de seu corao poderosas foras jorravam sobre o abismo e pouco a pouco milhares de cintilaes como uma chuva

    de estrelas iluminavam frouxamente as sombras. No fundo formas estranhastocadas pela luz principiavam a mover-se. Gemidos e soluos elevaram-se entodas trevas e contemplei horrorizado hordas inteiras de milhes de criaturas queagarradas ao "solo" ou ocultas nas reentrncias arrastavam-se como animaisnaquelas vastides.

    Lembravam rpteis, ou lagartas que no se animavam a ver a luz.

    - Aquilo que voc v, meu filho, exclamou Orcus, so uma infinidade de seres quepela permanncia no mal conquistaram a infelicidade de vagar nas trevas do seioda Terra. Agarram-se agora desesperados Me Terra como crianas cegas quedesejassem sugar os seus seios fortes e uberosos. Na realidade alimentam-seagora do magnetismo terrestre e vagam inconscientes, paralisadas no interior de simesmos como "lesmas humanas" incapazes de gravitar para Deus.

    Meus olhos encheram-se de lgrimas. No sei dizer por que, estranhos soluosvieram-me garganta e uma espcie de estranha compaixo assaltou-me a almaalastrando-se por todo o meu organismo espiritual. Gabriel sobre o abismo pareciaamoroso pssaro de dimenses indescritveis alimentando o abismo como sol quedo alto do firmamento alimenta a Terra.

    6 - Sob a Luz do Sol Espiritual

    Era claro que no poderamos nos aproximar do Anjo. A luz intensa que explodia desua alma ofuscava os nossos olhos.

    12

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    13/79

    - Estamos a uma distncia incalculvel de Gabriel! - esclareceu Orcus, e mesmoque quisssemos ir at l no poderamos. Lembra-se da "parbola de Lzaro" noEvangelho? A nossa situao quase a mesma.

    Fiquei silencioso. Como somos insignificantes perante grandeza da Vida! - Damisria daquelas criaturas rojadas no solo, de rastos, at a Perfeio daquele Anjopairando sobre o Abismo havia uma distncia de milhes de "anos-evoluo".Gabriel era a Luz e aqueles infelizes representavam as trevas mais intensas. Ns,porm, no ramos nem luz nem sombras.

    Evidentemente, eu pensava tudo isso de mim mesmo, porque Orcus era tambm,em face da minha indigncia espiritual, um Gigante iluminado. O Esprito, por certoacompanhava-me o pensamento, porque carinhosamente me abraou e disse:

    - Meu filho, diante da Grandeza de Deus, todos so infinitamente pequenos. Noentanto, todos ns poderemos marchar ao encontro da Luz, o que j uma bnodivina, no acha?

    Concordei com ele.Sem mais palavra, levando-me pela mo, Orcus iniciou a descida pelosdespenhadeiros de declives.

    - O vo nessas zonas mais baixas no se torna impossvel mas alm de perdermosas melhores oportunidades de aprendizado, levantaramos um clamor intil, poisque essas criaturas que vivem nas trevas acreditariam que somos enviados celestespara salv-las, explicou Orcus. Agora iremos a p. Infelizmente, pouco poderamosfazer em favor delas. Permanecem na mais "rgida inconscincia".

    Orcus calou-se, e foi descendo.

    Os caminhos eram sinuosos e a terra escura, de um marrom fechado eescorregadio. Com imenso cuidado fomos vencendo as imensas distncias que nosseparavam das massas espirituais inferiores de "forma humana" que jaziam nastrevas. proporo que descamos notei que paredes enormes subiam o abismo.

    Pareciam os "cnions" de que nos falam os viajores que passam pelo Mxico.

    Tentei olhar para cima e to grande era a altura que meus olhos de novo sentiramvertigem. Os paredes a prumo projetavam-se como lanas para o alto. Parecamosduas formigas caminhando por entre montanhas.

    De repente, Orcus estacou. nossa frente, numa espcie de furna, um verdadeirogigante completamente nu obstruia-nos o caminho. Tamanho descomunal,espduas nuas, corpo de uma cor semelhante prata, cabelos encaracolados.Velho, de uma velhice moa, porm, que parecia no ter idade. Isto , tinha-se aimpresso que aquela criatura era milenar e que no entanto "parar no tempo".Parecia um deus antigo.

    Quem sois? - perguntou-nos ele.

    Somos humildes viajores em busca de consolo ao nosso sofrimento.

    13

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    14/79

    No sabeis que estais nos infernos e que aqui no h consolo nem esperana?Aqueles que entram no podem mais sair porque se at aqui vieram por terem aalma endurecida no mal.

    Compreendendo, disse Orcus, mas para Deus nada impossvel e todo pecadorarrependido encontrar a oportunidade de salvar-se.

    No, no! No h oportunidade para os maus!

    To forte foi o berro do gigante que a sua voz ecoou por todo o abismo e ao mesmotempo uma onda esfuziante de gritos de desespero levantou-se por toda a parte.

    Desespero e dor. Aquelas formas agarradas ao "solo" gemeram e gritaramassombrosamente. Um verdadeiro turbilho se fez em mim. Pensei que ia perder ossentidos. Mas Orcus delicadamente colocou a mo sobre meus ombros erestabeleci.

    - Voltem, voltem! No ouvem a minha voz? - estertorou o gigante. Daqui ningum

    sair nem voltar! Para trs! Para trs!Senti um grande medo e vi-me pequenino e frgil em face daqueles dois gigantes:Orcus e Palaton. Este era o nome do Guardador do primeiro portal no primeirodeclive por onde entrramos. Coisa estranha, sem saber explicar como, percebi queuma luz de muito alto atingia Palaton. Luz suave, de luar. Olhei e vi que um raiosafirino descia como um fio pela ponta do penhasco onde se postara Gabriel eatingira o Gigante. Este encolheu-se todo, agarrou-se s rochas escondendo o rostoe disse, como uma criana amuada:

    - Podem passar, podem passar protegidos da Luz.

    Ns passamos, silenciosos. Eu tremia. Orcus, sereno, porm rgido e enrgico.Parecia uma esttua. No ousei olh-lo porque ele mesmo me assustava naquelassolides.

    Em breve chegamos a um estreitamento do caminho na rocha que mal dava parapassar um homem.

    As pedras eram quase negras, midas e escorregadias. Um limo pegajoso desciapor elas. Sentamos em nossas pernas e em nossa tnica a umidade viscosa. Ocaminho estreito terminava numa srie infinita e incontvel de pequenos degraus.

    - Desam! Desam o Abismo! - exclamou atrs de ns Palaton. L no fundo estoaqueles que no tm mais esperana!

    Fiquei transido de pavor. Orcus, porm, caminhava sempre como quem sabia o quequeria e o que buscava.

    7 - Na Cova

    Estacamos. A nossos ps enorme cova se abria como se fosse uma bacia funda elarga, recoberta de limo e umidade.

    Percebi que o terreno se tornava mais viscoso, escorregadio.

    14

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    15/79

    Estvamos parados borda do novo abismo. Deveria ter uns oitenta metros dedimetro de boca por uns quinze de profundidade, mas era uma cova estranha.Dentro dela "formas esquisitas" se movimentavam.

    Centenas de criaturas arrastavam-se no solo como "lesmas".

    Fiquei atnito. Orcus segurou-me a mo. Andavam unidas aquelas lesmas de formahumana como se um instinto muito forte as ligasse. Verifiquei que formavam comoque uma pasta animada que se movimentava.

    Orcus levantou a destra e fez um sinal. Do alto, Gabriel enviou-nos um novo raio deluz espiritual que clareou a cova.

    Era espantoso contemplar aquela massa que se agarrava desesperadamente terra.

    - So seres que perderam a conscincia - informou o Esprito. Repare que parecemcegos.

    Acompanhei a observao de Orcus e verifiquei que de fato no demonstravamenxergar coisa alguma. Plpebras cadas, fechadas ou semicerradas, peitos,barrigas e rostos colados no cho viscoso caminhavam como serpentes ouminhocas.

    Algumas eram brancas, mas a maioria era da cor do terreno: marrom escuro quasenegro.

    - Poderamos conversar com alguns deles? - perguntei.

    - No, impossvel. No ouvem, no falam e no vem. O pensamento desses

    seres est quase paralisado. Tanto se imantaram s coisas da terra que instalaramem si mesmos o magnetismo terrestre como fonte de vida interior. So aqueles queno acreditaram em Deus nem na existncia da alma embora no tenham praticadogrande mal entre os homens. Mentalizaram o nada e se tornaram inconscientes. Osentimento de Deus e a crena na imortalidade imprimem ao pensamento umavelocidade maior e ao "corpo espiritual" maior intensidade de freqncia celular doorganismo espiritual.

    O homem pedra se tornar pedra. Gravitamos para a superconscincia ouretornamos inconscincia. Ser no universo conquistar graus cada vez maisadiantados de conscincia.

    Fiquei pensativo e silencioso. Orcus, porm, afagou-me a fronte com carinho e vique em mim mesmo intensas vibraes despertavam para percepes diferentes.

    Na cova, aqueles seres rolavam ignorantes do que lhes acontecia. No poderiam,provavelmente, compreender o que se passava com eles. Como era triste asituao dos que se julgando conhecedores de toda a sabedoria perderam-se a simesmos na inconscincia e no mal!

    E agora, o que acontecer com eles? - interroguei aflito.

    Permanecero neste estado at que um dia a fora da lei os arraste de novo para asuperfcie...

    15

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    16/79

    Superfcie?

    Sim, superfcie. Para a crosta terrestre onde voc habita. Eles vieram de l e hode retornar para l. A lei de ascenso descreve um crculo perfeito e ampararnovamente os filhos do seu amor.

    Gabriel desviara o raio luminoso e a sombra do abismo cobrira outra vez osinfelizes.

    Vamos ; convidou-me Orcus, ainda temos muito que descer.

    Olhei. nossa frente, o caminho e a sombra. Prosseguimos descendo.

    8 - Mais Abaixo

    Meu pensamento fervilhava. No podia compreender a situao daquelas criaturasinconscientes que ficaram na cova. Cegas, presas ao solo numa nsia incontida deabraarem-se com a terra...

    Nisto, fomos surpreendidos por enorme serpente de cor escura, que se atravessouem nosso caminho.

    Quis gritar mas Orcus tapou-me delicadamente a boca com a mo. A serpentepassou por ns sem nos perceber. Contudo, de repente, voltou-se para nos ver eento eu soltei um horroroso grito de espanto e terror.

    A serpente possua cara de homem e nos olhava com os olhos chamejantes. A carapresa casca deixava entrever um ser "humano" escravizado a terrvel priso.

    O olhar do "ofdio" era de tristeza e dor. Duas lgrimas rolavam-lhe dos olhos

    tristes...- Piedade .'Piedade! Suplicou-nos com acento tristonho.

    No pude deixar de chorar. Estranha comoo dominou-me o ser.

    Como te chamas? Interroguei.

    Para que desejas saber meu nome? Aqueles que caram tanto no tm mais nome.

    Contemplei-a assombrado e cheio de piedade. Como era dolorosa a sua situao!

    Porque vives assim escravizado roupagem de uma serpente?

    Egosta e mau reduzi meu corpo espiritual forma rastejante que agora vs.Jamais tive um pensamento de amor para quem quer que seja e nunca estendi amo ao pobre e ao sofredor. Como castigo, perdi as mos e rolo nos abismos.

    Orcus apertou-me a mo e um fluxo magntico penetrou-me o ser dando-me novonimo.

    - S o tempo poder arrastar-te das sombras para a luz. Nada poderemos fazerinfelizmente - disse Orcus.

    16

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    17/79

    A serpente, ouvindo isso, deslizou para regio mais escura e perdeu-se em meio fantstica vegetao que crescia junto s rochas. Fitei Orcus frente a frente epercebi que seus olhos tambm se marejaram de lgrimas.

    Meu filho, compreendo o seu espanto mas nada podemos diante da Lei. Quemassume compromissos com a Lei fica obrigado a pagar at o ltimo ceitil. Os seresque se fecham no egosmo e na indiferena ou se precipitam no mal, destroem porsi mesmos os tecidos perispirituais e iniciam a desagregao do organismopsquico. Ningum comete o mal impunemente. Deus em Sua Infinita Bondadepermite que aqueles que caram retornem superfcie aps sofrimentosextraordinrios. Aquela serpente apenas retornou a formas inferiores por que jpassara na escala evolutiva dos seres. Assim, todos aqueles que se desviaram daLei precipitam-se a si mesmos na degradao das formas inferiores.

    E depois - interroguei - estacionam ou a queda no tem fim?

    Todos os seres podem subir ou podem descer. Todavia, como a misericrdia deDeus infinita, cada vez que um esprito "cai" a Providncia Divina o ampara com

    Suas Mos cheias de amor e o ser estaciona no tempo e no espao. O nosso amigo"Serpente" estacionou h seis milnios, no tempo, e desceu a regies inferiores, noespao. Alguns conquistam as altitudes e os cimos, outros estacionam nos abismos.No descem contudo ao desamparo. Em toda parte est a Casa de Deus e labutammos misericordiosas. O escafandro de "casca" que ostenta o nosso amigo amisericrdia divina em forma de vestimenta protetora. Por enquanto perdeu apenasos membros, se continuar "caindo" dentro de si mesmo perder a conscincia...

    E depois?... E depois?...

    Depois? - contemplou-me Orcus tristemente - se prosseguir, se desagregarcompletamente. Ento haver a segunda morte...

    9 - Meditao no Sub-Solo

    Eu ainda estava preocupado com o problema da segunda morte sem compreenderna realidade o que acontecia com os seres que se precipitavam nos "abismosinteriores", quando fomos surpreendidos pelos gritos de fantsticas aves negrasque, em bando, cortavam os espaos abismais.

    Pareciam enormes morcegos de asas sem penas, porm revestidas de leve plo oupenugem.

    Agarrei-me a Orcus, assustado.

    Ele, contudo, disse-me naturalmente:

    - Observe que tambm exibem estranhas fisionomias de criaturas humanas.

    Realmente, as aves eram outros tantos condenados s deformaes das formasperispirituais. Rostos humanos ou ex-humanos saltavam de entre as asas escurasque cindiam as camadas de poeira do abismo.

    Sobrevoavam pncaros pontiagudos e atravessavam zonas levemente dominadaspelos raios de luz irradiada por Gabriel.

    17

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    18/79

    Parecia-nos, todavia, que voavam a quilmetros de distncia do Anjo colocadosobre o Abismo.

    Orcus continuou descendo e eu acompanhei-o silencioso certo de que descamos aregies "pouco freqentadas" pelos seres mais conscientes do mundo.

    Detivemo-nos margem de enorme rio de guas prateadas que em turbilhorolava a nossos ps.

    Nova surpresa se estampara em meus olhos.

    Orcus percebeu porque me disse.

    - As guas deste rio que se chama platino lembra a prata lquida. No fundo da terracorrem diversos rios dessa natureza. Grandes massas lquidas formam o interior donosso mundo, como se v...

    Apontou-me Orcus com o dedo em riste as guas turbilhonantes e exclamou:

    - Contemple! Contemple bem firme essas guas que correm e veja o que elaslevam!

    Abri os olhos desmesurados ao contemplar o rio. Centenas de milhares de criaturasdesgrenhadas e inconscientes rolavam em meio s guas como que arrastadas ebatidas umas contra as outras no turbilho escachoante.

    - Esses so aqueles que se deixaram dominar por todas as paixes e agoradormem na fria das guas desencadeadas sobre si mesmos.

    Ouvi a voz de Orcus como quem escuta um grito lancinante de dor porque minha

    viso agora ampliada sentia que aqueles desgraados lutavam para alcanar asmargens do rio e no o conseguiam. Quanto mais lutavam contra a impetuosidadedas guas mais estas os arrastavam e abraavam em fria incontida.

    s vezes formas feminis se agarravam a formas masculinas na nsia desesperada em.

    No pude contempl-los por muito tempo porque eu tambm comecei a sentir emmim o tumulto de paixes desenfreadas.

    Orcus protegeu-me, no entanto, com a sua serenidade superior e eu voltei paz deesprito.

    -0O0-

    Seguimos por um estreito trilho que margeava o rio at defrontarmos enormerochedo de pedras nuas por onde o caminho, apertado atravessava.

    Sinuosa, escura, estreita, e nauseante era a estrada aberta no rochedo.

    Tnel feito por mos divinas ou diablicas? No sabemos.

    Do outro lado, uma espcie de campina onde algumas rvores esquisitaslevantavam os galhos retorcidos nos esperavam. Aquelas rvores tambm

    18

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    19/79

    pareciam formas vivas de seres que se "vegetalizavam"... Esbocei um pensamentoestranho. Orcus imediatamente, lendo-me as imagens mentais, esclareceu:

    - Realmente, meu caro, h os que se precipitaram nas formas vegetais e vivemagora aprisionados no que se poderia chamar de inrcia aparente... So coraesaflitos e inteligncias que foram caindo, caindo, e atingindo a inconscinciacomearam a percorrer para trs a escala da evoluo... Iro at o mineral edescero um pouco mais. Nessa ocasio podero sofrer uma espcie de explosoatmica que desagregar o prprio ser. Dizemos exploso atmica como quem usaexpresso j inteligvel na Terra. Na realidade uma desagregao intercelular masto distante de uma exploso atmica como a velocidade do som para a velocidadeda luz. Estaquei assombrado.

    - J sei o que est pensando - colaborou Orcus - isso no acontece!

    Eu no dissera nada mas a percepo do Esprito era muito viva.

    - O centro da conscincia que constitui o verdadeiro ser eterno no se desagrega

    mas volta a um estado to grande de inconscincia que como se no existissecomo ser dotado de possibilidades divinas. certo que um dia retornar na viagemde volta como quem cansado da permanncia no quase nada reiniciasse aconquista de Deus. H no Universo correntes de vida que arrastam para baixo oupara cima, para dentro ou para fora, para o ser ou para o no ser. Evoluir conquistar graus cada vez mais adiantados de conscincia. E conquistar graus deconscincia simplesmente conhecer-se a si mesmo. Tinha razo o "VelhoScrates..."

    Percebi que Orcus me fazia grandiosas revelaes e que um impulso novo meconduzia pelos caminhos do Conhecimento.

    10 - O DragoPercebi que proporo que penetrvamos no Imprio Terrestre uma terrvelangstia tentava dominar-nos o corao. Ao mesmo tempo sentia que foras demais alto, talvez as irradiaes de Gabriel, auxiliavam-nos na marcha.

    Ali, no me sentia agora to seguro como antes. Tudo que nos rodeava parecia tervida e dentro de cada pedra ou no interior de cada acidente do caminho estranhasformas sepultadas ansiavam por se comunicar conosco.

    Orcus estava sereno. Eu, porm, submetido quelas impresses desconcertantes,arrastava-me um pouco aturdido como se nvoas esquisitas invadissem-me amente.

    Orcus passou-me a mo delicada sobre a testa e disse:

    Nada tema. O que sente a aproximao cada vez mais intensa dos olhos doDrago.

    Drago? Quem o Drago? Balbuciei.

    Meu filho, em todas as pocas da humanidade, o Drago simbolizou as foras domal ou a legio de seres revoltados que lutam contra Jesus. No se recorda deSatans? o mesmo smbolo. No entanto, aqui ns encontramos realmente figurasque representam o Drago que se ope a Deus. H sempre no fundo da Terra um

    19

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    20/79

    Drago que domina o Imprio dos Drages mas isto no somente na Terra, emtodos os mundos de vibrao semelhante Terra existem os filhos do drago ouseja aqueles que no querem aceitar a lei de Deus e s evoluem sob a foracompulsria da mesma Lei.

    Mas existe ento nesta regio um ser que se diz o Drago?

    Existe, grande, enorme e terrvel. possvel que voc o veja e que tambmconhea os seus filhos.

    Calei-me. Um silncio sem limites tomara conta de minha alma. Olhei para o alto e,estarrecido, verifiquei que Gabriel era apenas um ponto luminoso na distncia,como uma estrela em pleno firmamento.

    Havamos descido centenas ou milhares de quilmetros. Terra a dentro havamospenetrado nas profundezas do Abismo. Onde me levaria ainda Orcus? O amigopareceu compreender-me porque segredou: - Agradea a Deus a oportunidadeporque Jesus tambm desceu a estas regies antes de subir para nosso Pai

    Celestial.11 - Profundidade e Superfcie

    Ainda no andramos muito e defrontamos imenso lago de guas paradas, de umverde muito claro e transparente.

    - Toque-o com o dedo - aconselhou Orcus.

    Abaixei-me e toquei as guas. Assombro e estupor encheram-me a alma ecobriram-me a fisionomia. No havia possibilidade de mergulhar o dedo ou a monaquela gua. Era uma massa gelatinosa e esquisita. Levantei-me assustado e

    afastei-me um pouco. Na massa lquido-gelatinosa eu vira um rosto que me olhava.Ansiosa e doloridamente. E quanto mais eu olhava outros muitos me contemplavamcheios de angstia como me implorassem algo que eu no saberia dizer.

    Devoravam-me com os olhos.

    Lembrei-me de Dante. Seria eu um novo Dante e estaria no inferno? Voltei-me paraOrcus, tambm eu cheio daquela temvel tristeza e pungente angstia queemanava daqueles seres. Quem ramos ns? Seria ele o Alighieri ou seria eu?

    - s tu Virglio e sou eu o Dante ou s o Dante e sou eu Virglio?

    Orcus sorriu tristonho. Meu filho, o Abismo o mesmo, apenas isso. Sairemosdaqui, como entramos, pelo amor de Deus.

    As palavras e os pensamentos de Dante ao mundo foram truncados, modificados,alterados, para satisfazer aqueles que vendem a prpria alma se preciso for.Retornamos ao Abismo para restabelecer a Verdade. Tem medo?

    Olhei-o angustiado e voltei a contemplar na gelatina aqueles que me olhavam comoquem olha velho conhecido. O olhar daquelas criaturas era triste e dolorido epareciam brasas de fogo a queimar-me a alma.

    Porque esto a? - interroguei.

    20

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    21/79

    Perderam a forma humana. Degradados pela permanncia no mal, desceram at omais profundo abismo e no tm mais "corpo espiritual". Por isso, no poderoreencarnar to cedo. A Bondade Divina porm permite que estacionem nessamassa difusa, informe e vaga que os conter por muitos sculos e milnios. Nosbraos amorosos da Terra e em seu seio de me, lentamente, se recuperaro parareiniciar a marcha de volta. Esto na profundidade e anseiam pela superfcie. Asuperfcie para eles a superfcie da Terra onde os homens vivem e representapara essas criaturas uma espcie de cu ou de esfera superior.

    Se os homens l em cima suspiram pelo cu ou lutam por subir as esferassuperiores, estes seres aqui anseiam por renascer na Terra como quem conquistarverdadeiro cu.

    12 - Oportunidade Divina

    Eu bem no me refizera do espanto, quando Orcus apontou-me uma turba sombria,verdadeira multido de criaturas esfarrapadas e tristes, cobertas por mantos oupanos cor terrosa, colocadas no lado oposto do lago. Contemplavam-nos de longecom os olhos voltados para o cho. Temiam talvez contemplar-nos.Compacta multido de seres irreconhecveis aos homens da Terra. Fisionomiaspatibulares e angustiadas. Silenciosos, profundamente silenciosos. Os psmergulhavam no charco formado pelas guas do lago que ali formava uma espciede praia.

    - Aqueles, mais do que estes, disse o Grande Esprito - anseiam por reencarnar naSuperfcie. No esto no Templo da Inconscincia ainda e por isso compreendemque retornar ao mundo em corpo de carne como respirar um pouco de oxigniopuro. A reencarnao, meu filho, bno de Deus e oportunidade divina. Aconquista de um corpo na Terra concesso pouco compreendida pelo homem. A

    permanncia no .seio dessa horda que voc v que levou muita gente a acreditarno Inferno Eterno. Dante foi claro, mas os homens e os frades de seu tempo comas mos do Drago deturparam-lhe a obra.

    Cabe-nos a tarefa de contribuir para o restabelecimento da verdade.

    Eu quero! Eu quero! - bradou uma voz do outro lado do lago, interrompendo-nos ameditao.

    O que queres? - perguntou Orcus.

    Quero voltar! - ajuda-me.

    Eu quero! Eu quero! Eu quero! - gritaram milhares de vozes enchendo o abismo derumor de ondas de oceano que semelhavam quebrar em praias distantes...

    Depois, gritos horrveis e tristonhos de angstia sem fim sucederam-se aosprimeiros berros.

    Gemidos lancinantes, uivos, gargalhadas e choros de verdadeiros loucos.

    - Deixa-nos voltar Superfcie! Deixa-nos, Anjo do Abismo!

    Encheram-se-me os olhos novamente de lgrimas.

    21

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    22/79

    Orcus deteve-se tambm cheio de palidez e tristeza como quem desejasse fazeralguma coisa e no pudesse. Vi-lhe o corao cortado por mil dores e a alma cheiade compaixo.

    De repente, porm, um vozerio diferente sucedeu ao tumulto anterior. Estalosestranhos, como se chicotes de capataz azorragassem escravos na senzala.

    Raios cortaram o espao e a onda "sub-humana" recuou espavorida...

    O que isso? - interroguei assustado.

    So os drages - esclareceu Orcus. Os terrveis drages, perversas entidades quegovernam estes ermos com intensa crueldade. Incapazes de cumprir as leis deDeus, organizam-se para o Mal. Escravizam e fazem sofrer.

    Quedei-me com o corao a bater descompassado.

    O vozerio, ao som da vergasta, desapareceu nas trevas mais profundas. Voltei a

    contemplar o lago. L estavam aquelas caras estranhas a me olharemestranhamente ...

    13 - O Imprio dos Drages

    Comeamos a sentir os primeiros sinais do Imprio dos Drages - disse Orcus.Alm destas zonas mandam eles, por Misericrdia Divina.

    No entendi bem, porque Orcus contemplou-me como um pai a um filho e ensinou:

    Tudo que ocorre no Universo depende da Misericrdia Divina.

    Mesmo o mal?Mesmo o mal. Deus no violenta conscincias nem constrange ningum. Organizouas suas leis que governam os fenmenos naturais de todo o Universo e dentrodelas os seres se movem. O mal a ausncia de bem. No entanto, o mal apenasresultado da inconscincia das criaturas. Os drages vivem porque as leis divinaspermitem que eles vivam e fazem sofrer porque as leis divinas permitem que faamsofrer. Um dia, a fora mesma da lei, os arrastar de novo superfcie para sofrerpor sua vez e viver.

    Como seriam os drages?

    Enquanto Orcus me ensinava, meu pensamento percorria outros caminhos.

    Ele percebeu porque esclareceu logo:

    - So seres maus, perversos, terrveis. Endurecidos por muitos milnios demaldade. Isto aqui um verdadeiro inferno mas no Inferno Eterno. S o Bempode ser eterno. O mal no. O mal ausncia de bem assim como a sombra somente ou simplesmente ausncia da luz.

    Fiquei ouvindo no ntimo de mim mesmo aquelas palavras sbias. O silncioenchera agora as naves do abismo. Parecia que tudo emudecera.

    22

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    23/79

    Voltramos a ser outra vez criaturas solitrias e insignificantes em face daquelaspenhas e daquelas profundidades. L em cima, Gabriel governava silencioso e fiel.

    Olhei-o. Uma espcie de vertigem atingiu-me a alma. Tinha a impresso que oabismo era em cima e no onde estvamos. A distncia esmagava-nos.

    O Anjo cintilava ainda como estrela solitria. Imensa ave de asas espalmadas comum sol de Deus.

    Ouvimos, no entanto, um rugido ensurdecedor. Estremeceu o abismo e todo som,toda palavra ou todo o pensamento silenciara ao estertor daquele grito desumano.Senti o corao esmagado por um terror indizvel. Devo ter empalidecido porqueOrcus me abraou e disse:

    - No se aterrorize. o Drago.

    No pude responder nem interrogar. Parecia-me que outra morte, mais terrvel emais pungente me destruiria a vida. Aquele grito estava cheio de vibraes

    aterrorizantes e penetrara-me as fibras mais ntimas do ser.Contudo, caminhvamos ao seu encontro.

    A princpio uma sombra mais espessa encheu o abismo para logo em seguida umaclaridade maior nos atingir. Gabriel enviava-nos maior soma de luminosidade. Anossos ps seres estranhos exibiam as faces cadavricas e patibulares reunidoscomo crocodilos inofensivos e apalermados.

    Olhei-os estarrecido. Homens-monstros e homens-feras como que magnetizadospela "Luz" arrastaram-se nas reentrncias do caminho solitrio.

    A voz estentrica do Drago talvez lhes tivesse paralizado a ao porque algunsofereciam olhares aterrorizados e tristes como se houvessem recebido em cheio emplena alma, punhaladas de infinita dor.

    Se quisssemos poderamos afag-los com a mo como se fossem animaisdomsticos inofensivos. Mas observei que assim que acabvamos de passar por eles,uma onda de gritos, uivos e expresses de revolta nascia no meio deles.

    Voltando-me para v-los, contemplei-os em luta uns com os outrosentredevorando-se como ces.

    Eram um bando de feras momentaneamente paralizados pela Luz ou imobilizadospelo terror do Drago.

    14 - Legio

    amos prosseguir quando ouvimos os sons de uma espcie de batalho quemarchava.

    A cinqenta metros abaixo de ns, numa praa aberta, em formao militar,criaturas que lembravam os soldados egpcios, de saiote e de capacete, marchavamem direo ao fundo da praa. Notei-lhes as fisionomias de cor amarelada terrosa eo olhar fixo como sonmbulos que cumprissem fielmente uma obrigao.

    23

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    24/79

    Bem formados, obedeciam a um chefe e deveriam se constituir de cerca dequinhentos "homens" mais ou menos.

    frente dois deles sopesavam pequeno cofre apoiado em um estrado cujascintilaes metlicas lembravam o ouro, porm avermelhado.

    O que levam naquela caixa? - perguntei.Os pergaminhos da sua lei - informou Orcus. Imitam os Judeus do Templo deJerusalm. Aquilo simboliza a arca. Alis, no Egito Antigo tambm era assim. E pelaLei se dirigem. Mas quem faz essa lei o ser a quem chamamos Drago e que aIgreja denomina Lcifer. No momento, est prisioneiro, acorrentado, no centro dapraa. Olhe l e veja bem que no centro mesmo dessa praa onde se observa umaespcie de "fonte luminosa" existe algum acorrentado.

    Procurei contemplar e observar melhor e quedei-me assombrado.

    Sob pesadas correntes, um ser como jamais foi dado ver a criaturas da superfcie

    da Terra ali se encontrava prisioneiro. Conquanto a fisionomia lembrasse afisionomia de um homem ou de um esprito de forma humana, estava todistanciado de nossa espcie quanto um dinossauro de um homem. Descomunal,perna que lembravam colunas de um edifcio, ps que mediam muitos metros dealtura, braos cabeludos, embora de pele amarelada e ao mesmo tempoesfogueada, rosto enorme e mais de quinze metros onde dois olhos mausavanavam chamas.

    s vezes uivava ou gemia.

    Porque no arrebenta as correntes - indaguei.

    O Senhor no permite. Contudo lhe foi concedido por Deus certo tempo deliberdade e em breve reinar livre das amarras com permisso divina.

    Fiquei paralisado. Aquele monstro libertar-se? Como? Seria possvel?

    - Sim. Deus em Sua Misericrdia lhe dar oportunidade para redimir-se.Segundo estamos informados ter a concesso de subir em breve tempo superfcie da Terra e estabelecer uma luta contra o Bem durante mil dias.Depois, ser vencido. Os homens ficaro nessa poca entregues ao seulivre arbtrio, exclusivamente a ele. Apenas os bons espritos os ampararo distncia. Isto se dar porque nessa ocasio o homem decidir o destinodo Mundo. Os que forem verdadeiramente bons subiro a regies maisaltas de conscincia e os que somente "parecerem bons" rolaro nosabismos da inconscincia.

    Mas isso no uma temeridade, um mal?

    Deus permite o que chamamos o mal para que muitos melhorem. A presena dodrago por em risco apenas aqueles que ainda no consolidaram o bem em simesmos.

    E o Drago o que lucra com isso?

    Sua conscincia culpada ter oportunidade de aproveitar a experincia humanaassim como receber da Terra vibraes transformadoras que h milnios o homem

    24

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    25/79

    lana na superfcie. Os drages tambm fazem parte da criao divina. A partemais embrutecida da Terra. Lembram os mamutes, os brontossauros e os surios.So a natureza primitiva que retm os elementos primrios e embrionrios denosso sistema.

    15 - O Monstro

    Observei que o batalho estacou e que algumas daquelas criaturas foram seprostrar aos ps do monstro. Rendiam ou pareciam render-lhe humildemente cultocomo se ele fosse um Deus.

    Orcus passou-me a destra frente aos olhos e senti que minhas percepes seampliaram grandemente como se eu, de sbito, colocara poderoso binculo. Passeia v-los de perto, como se estivessem ao alcance de minhas mos. Recueiaterrado. Aqueles espritos possuam um s e nico olho em plena testa e afisionomia cansada lembrava animais antediluvianos. A pele terrosa semelhavacouro endurecido e spero. O olho era grande e a pupila fixa exibia raios de sangueem todas as direes.

    O Drago pareceu sorrir satisfeito e acalmou. Tive a impresso que falava-lhes umalngua estranha, talvez por gesto porque todos se curvaram. Logo depois,prorrompeu um alarido ensurdecedor.

    De toda a parte ento, como se sassem das prprias rochas, saltaram criaturasesquisitas, de todas as formas e feies e foram se ajoelhar contritas na praa.

    Vi seres que se arrastavam dolorosamente na nsia de se aproximarem o maispossvel. Cobras e lagartos, macacoides e aves negras que se dirigiam para oDrago a fim de lhe prestar homenagem.

    Acreditei que toda a criao inferior do mundo ali se reunia sob a fora de poderosomagnetismo. O ambiente encheu-se de um medonho mistrio e nvoas atordoanteslevantaram-se do solo como se ali se houvesse aberto um pantanal.

    De repente, por mais estranho que parea, o monstro elevou a voz e eu pudeentend-lo simplesmente pela linguagem do pensamento.

    - Filhos dos Drages! - bradou ele - a nossa hora se aproxima. H sculos espero,acorrentado aqui, prisioneiro e escravo desse que se diz Senhor da Vida esperada libertao. Mas um dia haveremos de vencer. Em breve, liberto, comandareipessoalmente as nossas hostes e ento invadiremos a superfcie.

    Um alarido estentrico sucedeu s suas palavras. Aqueles seres apticos, terrosos eautomatizados grunhiram nas profundezas dos abismos e elevaram vozesdesumanas em frenticos clamores de alegria.

    Venceremos! venceremos! - clamaram eles.

    Sairei para a luz do sol - continuou o Drago e aprisionaremos as almas que nospertencem, pois os filhos do crime por direito divino so propriedade dos Drages!

    Novo clamor de contentamento se elevou da multido. Os espritos militarizadosbatiam com os ps no solo fazendo coro multido oculta por entre as pedras.

    25

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    26/79

    - Aguardem! Aguardem, filhos das Trevas. Combateremos a Luz e haveremos devenc-la!

    Bem no dissera ele isso e uma rajada de luz em catadupas desceu do altoensolarando o Abismo.

    Gritaria ensurdecedora respondeu quela demonstrao do Mundo Superior,todavia espavoridos aqueles milhares de espritos possuidores das mais estranhasformas atiraram-se uns contra os outros em corrida louca para se esconderem naescurido.

    Gabriel talvez ouvindo a arenga do Drago enviara-nos a sua luz e o seu poder.

    E aqueles seres infelizes e inferiores sentiam-se queimar e cegar-se ao contato daluminosidade sublime do Anjo.

    Desesperados chocavam-se nas trevas e mergulhavam nas reentrncias e nasfendas como animais desorientados que houvessem perdido a noo de dignidade e

    de amor prprio.Na praa, em pouco, permanecia somente o Drago, vencido e despeitado, voltadopara o cho, sofrendo a cruel amargura da derrota.

    Assim mesmo murmurou:

    - s forte e poderoso, Anjo do Abismo, mas no te temo. Liberto, subirei para lutar!

    Punhos fechados, fez um gesto de desafio para o Alto.

    Orcus concentrou-se, porm, cheio de humildade no silncio da orao.

    16 - Pelas Trevas mais Densas

    A escurido voltou a dominar o Abismo.

    Embuados nas trevas, prosseguimos nossa jornada no seio da Terra.

    O silncio sucedera ao tumulto.

    Sbito, um ser estranho e terrvel se atravessou em nosso caminho. Possua asaslongas e corpo de lagarto. Enorme e repelente.

    Olhei-o assombrado. Era um verdadeiro Drago com a forma tradicional que amente humana representa na Terra.

    Uma lngua fina e vibrtil saa-lhe da boca e dois olhos chamejantes lanavamchispas.

    Seria um ser inteligente ou era de fato um simples animal sem conscincia?

    Eu estava enganado. Encarou-nos de frente e obstruindo-nos a passagemexclamou, numa linguagem mental semelhante que fora usada pelo "reiacorrentado":

    - O que quereis em nossos domnios? No temeis, criaturas infelizes?

    26

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    27/79

    Orcus olhou e disse:

    - Afasta-te, irmo, ns somos filhos do Cordeiro e buscamos as profundidades paraaprender e progredir!

    O animal afastou-se aterrado e, aps, lanando um grito bestial atirou-se nasprofundezas. Um arrepio percorreu-me a alma. Contemplei os penhascos e senti-me imensamente s.

    Orcus compreendeu-me a indeciso e a luta ntima porque me falou:

    - realmente, esse, um esprito terrvel que exibe a forma tradicional do Dragoconhecido pelos homens. Aqui, encontraremos a cada passo espritos envergandoformas animalescas que vivem no abismo. Aqueles que fogem luz do solencontram ainda assim em Deus a misericrdia e o amparo. Descem aos abismosde sombra metamorfoseando-se na decadncia ou na degenerescncia da forma.Embora o esprito no retrograde, a forma contudo, degrada-se quando amente estaciona no mal ou no pecado. Poder o perisprito at desintegrar

    e a mente, quem sabe, tambm poder atingir os limites da desintegrao?A nossos ps comecei a perceber olhos estranhos que pareciam fincados na terra e"feies patibulares" refletiam-se no solo. De repente, senti que por toda a parteuma legio de seres diablicos acompanhavam nossos passos e o meu coraoencheu-se de temor. Valeria pena descer mais?

    Orcus, paternalmente, beijou-me a fronte e afagou-me carinhosamente.

    - Nada tema. O Senhor est conosco. As trevas no prevalecero contra a luz e oMal no vencer o Bem jamais. Esses seres que habitam o Abismo so de fatocriaturas que "desceram em si mesmas at o fundo dos abismos mais insondveis".

    Perderam o controle da mente consciente e caminham na descida vertiginosa.Passaro numa espcie de retrospecto pela fieira da animalidade atravs da qualum dia ascendero a estgios superiores da conscincia. Cairo, contudo,provavelmente, no se perdero. Nos mais recuados infernos penetra a Bondade deDeus, nosso Pai, para salvar os que esto perdidos...

    Compreendi o quanto estava enganada a Igreja Catlica que embora identificando oVerdadeiro Inferno, errara, considerando eternas as penas e sofrimentos por quehaveriam de passar os seres que se condenaram a si mesmos.

    Jesus tambm um dia descera aos abismos, aps a morte na Cruz, mas ali foragloriosamente numa demonstrao de Suprema humildade. Abracei-me a Orcus. Lem cima numa distncia que se me afigurava sem limites, ficara o mundo.

    Como era bela a superfcie e como era suave a vida humana!

    Estaria ainda l em cima o meu pobre corpo fsico ou eu tambm agora era apenasuma sombra espiritual nos caminhos tenebrosos das quedas humanas ouespirituais?

    Sbito, defrontamos extensa muralha sobre a qual uma espcie de hera gigantescadebruava-se recordando vegetaes seculares existentes na Superfcie da Terra.Folhas grossas e enormes parecendo orelhas de elefantes.

    27

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    28/79

    Silncio sepulcral pairava sobre ela. O que haveria do lado de l? Notamos queestreita porta dava passagem na muralha. Um capim muito verde estendia-se anossos ps.

    Penetramos pela porta a dentro, rvores esparsas punham no ambiente umaestranha nostalgia. Grama e rvores semelhantes s da Terra, embora rvoresesquisitas de cor avermelhada enroscassem-se umas nas outras como se fossemcriaturas abraadas no supremo delrio.

    Habitao rstica, de pedra vulcnica, por onde vegetao luxuriante se agarrava,erguia suas paredes singelas.

    Batemos. Abriu-se uma porta. E um anjo de porte majestoso e fisionomiaimpressionantemente bela estendeu-nos a mo. Era um jovem de augusta beleza.Tnica simples e difana e pele lirial. Seu rosto tambm no demonstrava sexo.Parecia um jovem de idade eterna e parecia ao mesmo tempo um ser do sexofeminino.

    - Eu sou Atafon, falou-nos ele com voz profundamente doce. E controlo oscaminhos do Abismo mais profundo.

    Entramos. L dentro, um verdadeiro lar nos esperava. Fiquei encantado. Jamaispoderia supor que onde Deus em sua Misericrdia colocara os espritos do Mal,colocara por sua vez para ampar-los, anjos do Paraso.

    17 - Atafon

    Contemplei as linhas perfeitas de Atafon.

    Era como se eu visse uma figura irreal que tornara o ambiente j to fantstico

    mais irreal ainda. Perfeio absoluta para os meus olhos de esprito mortal.Olhou-me carinhosamente e perguntou a Orcus:

    O nosso amigo, pelo que vejo, ainda desfruta das alegrias da reencarnao naTerra, no certo?

    Sim. Respondeu Orcus. Permitiu o Senhor que descesse comigo ao fundo dosabismos. Tem compromissos milenares com a esfera fsica e com osabismos.

    Atafon pareceu compreender porque sorriu satisfeito e acrescentou:

    - Terei prazer em facultar a descida sob proteo aos Grandes Abismos. At certoponto, eu mesmo os acompanharei. Contudo, de longe os "Guardas Abismais"vigiaro. Creio que o ltimo mortal que esteve em nossos domnios, tendo entradopela regio de leste foi Dante. Ningum mais veio.

    Senti terrvel choque ao ouvir essas palavras. Parecia-me imensa aresponsabilidade que caa sobre os meus ombros.

    - De fato, completou Orcus, mas a mensagem de Dante foi deturpada pelos padres,seus irmos, que desejavam adaptar o Abismo s suas necessidades maisimediatas. Pretendemos reavivar de maneira gradativa os conhecimentosterrestres sobre as zonas do Abismo.

    28

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    29/79

    Um vento frio comeou a soprar l fora e uma onda imensa de queixumesperpassava neles. Embora as paredes do lar de Atafon abafassem os sons, aindaassim, ouvamos.

    - So os lamentos das almas desesperadas, disse ele, que atravs da acstica dospenhascos vm at ns. Esse vento frio o Teon. Sopra s mesmas horas todos osdias e dessa forma podem os infelizes que habitam estas zonas ter uma idia detempo, como se fosse um relgio.

    Retornando sempre aps o mesmo espao de tempo estabeleceu uma certa medidapara os espritos que aqui habitam de modo a que se consolem. A incapacidadepara medir o tempo uma das provas mais dolorosas destes abismos. A sensaode "eternidade na dor" produz em cada ser uma profunda angstia que despertaneles uma revolta contra Deus...

    - A "fora da Lei" faz com que retornem pouco a pouco superfcie. No hinjustia de Deus nem a perda de "compreenso do tempo" um castigo. Os seresque no acionaram a mente no sentido da meditao e do trabalho cristo

    verdadeiros ou espirituais tendem a estacionar no tempo e a cair no espao. Seprosseguem nesse caminho da inconscincia atingiro um dia a desintegrao doprprio organismo perispiritual...

    Eu j recebera algumas noes esparsas da Segunda Morte, por isso no mesurpreendi, mas fiquei temeroso.

    Atafon bateu-me no ombro com familiaridade e perguntou:

    - Onde est Orcindo?

    Diante dessa pergunta, ento, me surpreendi extraordinariamente. No me

    lembrava mais de Orcindo. Viera conosco ou no? Coisa estranha! Onde odeixramos? Um calafrio percorreu-me o organismo. Estaria eu j sob a influnciado Abismo e estaria perdendo tambm a noo de tempo?

    No saberia mais dizer quando deixara a superfcie. Pareciam-me sculos aquelashoras passadas no Abismo. Seriam horas?

    Orcus percebeu minha luta ntima porque disse:

    - No procure medir o tempo aqui. Para o esprito um minuto poderepresentar uma eternidade.

    Abracei-me a ele agradecido e duas grossas lgrimas rolaram-me dos olhos comose eu repousasse nos braos de meu pai.

    Atafon contemplou-nos carinhosamente e animou:

    - Nada temam. Descerei com vocs at s regies prximas do centro.

    Gabriel protege-nos de mais alto. Contudo, busquem orar sempre porque estamosem pleno domnio do Drago.

    29

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    30/79

    18 - Os "Homens"

    Com Atafon, a situao era diferente e a descida tornou-se mais fcil, apesar doadiantamento inegvel de Orcus.

    As sombras iluminavam-se passagem do Anjo e a luz que se irradiava de seuorganismo era um verdadeiro arco-ris multicolorido. Um silncio profundo sucedia-se proporo que avanvamos. Sbito, comecei a ouvir em mim mesmo a vozdo silncio. Parecia-me que o silncio era feito de sons. Aquilo surpreendeu-memais que tudo. Atafon sorriu.

    Est ouvindo o silncio, meu caro? Se os homens compreendessem as surpresasdo silncio no se riam to barulhentos.

    O que isso que escuto? - perguntei-lhe.

    Nada, meu filho. Na quietude destas profundidades, cessado o barulho exterior,voc passa a ouvir-se a si mesmo. O que voc est ouvindo a vibrao de seuprprio organismo perispiritual. voc que vibra intensamente em voc mesmo.So os sons da sua alma.

    Fiquei pensativo. Aquilo era realmente estranho mas era a verdade. Dentro de mimum som agudo vibrava intensamente.

    Orcus calara-se. A descida conquanto mais fcil, ainda assim oferecia perigos.Havia caminhos gelatinosos e escorregadios. De repente, divisamos na distnciafiguras enormes semelhantes a navios encalhados no fundo do mar.

    Assustei-me.

    Atafon acalmou-nos com carinho.No se assustem. O que pensa voc que aquilo?

    Respondi-lhe:

    Monstros estacionados no tempo e no espao.

    Atafon sorriu e Orcus deu uma risada alegre que retumbou em todo o Abismo.

    - Quando vim aqui pela primeira vez pensei a mesma coisa.

    No, no so monstros, meu amigo. Aquilo uma cidade subterrnea.

    - Uma cidade ? !

    A voz sufocara-se-me na garganta.

    Quer dizer que so prdios?

    Sim. So prdios. Enormes construes de origem espiritual inferior. Envoltas pelasnvoas midas das profundidades, as torres dos prdios escuras, pontiagudas,elevavam-se no meio da neblina. Em torno, porm, um silncio de morte.

    - E l habitam seres?

    30

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    31/79

    - Sim. Semelhantes aos homens, todavia, em pssimas condies espirituais.Prepare-se para ver o pior.

    Um arrepio percorreu-me o organismo. Teria eu foras para suportar essas visesdo Abismo?

    Atafon compreendeu-me a luta interior. De seu organismo, na altura do corao,uma luz azul de maravilhosa pureza aflorou como uma rosa e em breves instantescomecei a receber-lhe os raios em pleno corao e na regio do crebro. Notei queOrcus por sua vez recebia os efeitos da luz. Uma calma divina penetrou-me a almae a mente pacificou-se como por encanto.

    Agora percebamos melhor as construes em estilo medieval em parte. O restoassemelhava-se de alguma forma aos palcios dos doges. Havia, contudo,agrupamentos de habitaes parecidas com as nossas favelas mais sujas. Enfim,uma mistura de estilos e combinaes de arquitetura. Dir-se-ia que a loucura dealgum diablico arquiteto resolvera estabelecer ali a confuso de toda a arte domundo.

    Atafon explicou:

    Ali residem espritos de todas as qualidades e tipos. Artistas, poetas, escritores,pintores, engenheiros, homem comuns - se se poderia ainda hoje classific-los deconformidade com suas atividades da poca em que estiveram na superfcie daTerra. H neles, porm, um sinal de identidade que lhes comum e que osrene no mesmo lugar: - a indiferena Lei de Deus e a permanncia nomal. Isso que os rene.

    E esto a? gaguejei.

    Esto. Vocs os vero.Senti de novo aquele calafrio que me acompanhava desde a superfcie. Comoseriam? - pensei.

    Orcus apertou-me a mo com carinho. O influxo da luz me reajustou. Estvamosagora atravessando os prticos da cidade. Havia um porto enorme em arco e

    julguei por um momento ver ali a inscrio que antes descrevera com tantaperfeio:

    "Deixai aqui toda esperana, vs que entrais".

    Mas no era.

    O que estava escrito era coisa diferente. Dizia apenas:

    "No amamos Deus. Nosso mestre o Drago".

    Atafon sorriu com indulgncia.

    - Esses seres querem demonstrar o seu desprezo a Deus, com essa inscrio. Deus,todavia, h de am-los sempre at que um dia retornem ao domnio da Lei. O queos homens e os espritos pensam de Deus nada representa para Ele que Paiamigo e justo e os aguardar de braos abertos at o final dos sculos. A habitamos espritos maus que ainda pensam que so homens.

    31

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    32/79

    Aquela expresso de Atafon abalou-me profundamente o ser.

    - Porque no so mais "espritos de homens" e algum pode deixar de ser?

    Atafon contemplou-me com profundo amor no olhar.

    - O embrutecimento da criatura espiritual pode lev-la a perder as caractersticasde homens, que uma conquista superior do esprito que sobe. A animalidade caracterstica do esprito que desce, que estaciona ou que est em evoluo.

    O ensinamento calara-me de maneira irrespondvel na mente e trouxera-meprofunda meditao.

    Agarrei com mais fora a mo de Orcus que caminhava junto comigo, amparando-me.

    Havamos chegado na cidade e o calamento das ruas lembraram-me uma das ruasdas velhas cidades coloniais do Imprio Portugus.

    19 - A Cidade do Mal

    As pedras eram escuras, as paredes das casas midas de uma umidade indefinvel.A gua escorria sem cessar e sem que se soubesse de onde vinha. Portascarcomidas, um hlito de morte e terror penetrava todas as coisas.

    Batemos na primeira casa. A porta entreaberta deixou ver uma criaturahorripilante, que nos fitava desesperada. Cabelos desgrenhados e olhosesgazeados. A face descarnada dava-nos a idia de algum dominado pela lepra.Era uma mulher. Desfigurada, s longinquamente nos lembraria um ser humano.Comeamos a perceber porque Atafon nos dissera que eram espritos maus que

    ainda pensam que so homens..."A mulher no nos disse nada.

    Sabamos, no entanto, que havia nela o desespero sem nome.

    A luz de Atafon, provavelmente, deixara-a distncia e garantia-nos a visita.

    Retiramo-nos silenciosos.

    - Viu? - No lhe disse que se preparasse para o pior?

    Eu devia estar terrivelmente plido porque sentia-me tremer intensamente.

    Orcus abraou-me com afeio e dele uma corrente eletro-magntica desprendeu-se alcanando-me todo o esprito.

    Prosseguimos os trs na ruela escura e ftida.

    Se a humanidade soubesse o que existe aqui em baixo! - exclamei com umprofundo suspiro.

    A humanidade j foi informada do que existe - esclareceu Orcus, o que ela acreditaporm que isso constitui um inferno eterno. No h eternidade no Mal. A Lei deDeus no fez o inferno eterno. O que existe so zonas infernais onde as

    32

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    33/79

    conscincias culpadas se renem atradas por imposio inexorvel da Lei deAfinidade. O esprito sob o impulso da Lei de evoluo aperfeioa-se, adquire levezae sobe. Da mesma forma, se estaciona no mal, embrutece-se, torna-se pesado edesce. Essa uma lei ainda desconhecida dos homens mas que funcionarigorosamente nos planos espirituais e tanto atinge o esprito encarnado quanto odesencarnado. o que poderamos chamar peso especfico do perisprito. Oresponsvel, no entanto, por isso a mente. Quando a mente abriga pensamentosde baixa vibrao determinam eles o nascimento de sentimentos inferiores denatureza materializante que agem diretamente sobre os fios que constituem a redevibratria do perisprito produzindo correntes mais lentas o que o tornar maispesado e mais grosseiro. O fenmeno contrrio, isto , quando a mente abrigapensamentos de ordem superior ou de alta vibrao, nascem os sentimentos deprojeo superior que produzem correntes vibratrias mais velozes trazendo comoconseqncia direta maior leveza do perisprito. Como um balo, o esprito buscaento, as alturas espirituais ou desce s profundezas do abismo...

    Orcus calou-se. Uma interrogao pairava, contudo, no meu esprito. E depois... ?

    - Depois, continuou Orcus - a lei da maternidade terrestre determina que o espritoque desceu s profundidades estacione nas trevas enquanto que a Terra em seuseio amoroso e amigo, como um enorme tero, lhe d novamente o impulso davida que no cessa. E o esprito "cado" recomea a marcha de asceno paraalcanar um dia a luz da superfcie...

    As palavras de Orcus repercutiam ainda no meu ser como estranha sinfonia deensinamentos profundos.

    Minha mente lutava desesperada para compreender tudo aquilo que me parecia umsonho fantstico e mau.

    Na sombra, percebamos que medida que avanvamos, seres esquisitos seescondiam nos ngulos mais escuros dos caminhos. Evidentemente, a cidadeinteira era habitada. Atafon conduziu-nos por estreitos e terrveis caminhos. Umaabertura em rocha viva deu-nos passagem para extenso corredor mais midoainda. Onde iramos ns?

    Orcus manteve-se silencioso e Atafon ganhando um pouco nossa frente deixou quede sbito suave luz de luar se lhe irradiasse do ser. Branda e pura, a luminosidadederramava-se-lhe dos tecidos como tnue claridade atravs de lmpadafluorescente.

    O caminho iluminou-se francamente mas de modo a permitir-nos a marcha emperfeita segurana.

    Orcus cochichou-me paternalmente:

    - Atafon est usando apenas um pouco mais de sua vibrao com o objetivo nicode facilitar nossa caminhada. Os seres inferiores, todavia, que habitam as trevas jsabem que estamos por aqui. Se Atafon usasse mais luz causaria enormeperturbao nestes domnios porque essas criaturas sentem-se queimar incidncia da luz. De resto, voc j viu isso...

    Compreendi o que Orcus me dizia. Realmente, era um fato impressionante aquele.Os espritos que vivem nas trevas e tm a treva em si mesmos no suportam a luz.Ofuscam-se e sofrem ao mesmo tempo queimaduras dolorosas. Por isso, imenso

    33

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    34/79

    cuidado mantm as entidades mais elevadas a fim de no surpreend-los com oseu poder. Assim como Deus, oculto no Infinito, no exibe escandalosamente a suafora e o seu poder, tambm os espritos superiores envolvem na humildade o seuconhecimento e as suas conquistas. Ningum pode ou tem o direito der estabelecera desordem na "Casa do Pai".

    Jesus ensinou-nos a humildade de tal forma que o homem ainda no descobriu quenos mais longnquos recantos do Universo a humildade Lei.

    Lei de vida e evoluo, progresso e asceno espiritual. Sem ela nada se conquistanas esferas da vida imortal.

    Continuamos penetrando atravs da rocha com Atafon frente.

    De repente, enorme salo, todo de rocha avermelhada como imensa fogueiradescortinou-se-nos aos olhos. Uma figura estranha de ano com um s olho natesta, segurando nas mos poderosas enorme molho de chaves de mais de doispalmos de tamanho cada uma, veio at ns. Aterrorizei-me e senti um apavorante

    impulso para fugir mas Atafon conteve-me com um gesto.A criatura aproximou-se-lhe humildemente.

    - Que quereis Anjo do Abismo? aqui estou para servir-vos.

    O ano vestia roupa de tecido semelhante ao couro. A cabea grande demacrocfalo, balanava-lhe nos ombros como um globo oscilante e os braosexcessivamente longos contrastavam-lhe com o corpo curto. As pernas grossas, noentanto, suportavam-lhe a esquisita estrutura.

    - Venho em visita de inspeo - disse Atafon - e trago amigos.

    No pude conter um grito de terror. Pelos cantos da gruta mida, frouxamenteiluminada por uma lanterna esverdeada, seres patibulares jaziam acorrentados. Oano mantinha as chaves daquelas correntes. Orcus abafou-me os soluosabraando-me com paternal amor. As lgrimas insopitveis saltavam-me dos olhosincontrolados. Era insuportvel aquela viso. Meus sentimentos ainda nosubmetidos a uma disciplina que capaz de nos dar a compaixo sem odesvairamento traiam-me a condio inferior.

    O ano contemplou-me por um minuto como se estivesse em dvida mas apresena de Orcus e Atafon salvaram-me.

    Enquanto Atafon se adiantava para os seres horripilantes que estavam na sombra,Orcus murmurou:

    - Se por ventura voc pudesse ter chegado aqui sozinho, as suas lgrimas que nasuperfcie so prova de sublimidade e amor, aqui seriam motivo para que voctambm fosse acorrentado junto com aquelas criaturas ali.

    Acompanhei com os olhos o gesto de Orcus expresso em sua mo estendida, erecebi em todo o meu organismo um arrepio medonho de pavor. Compreendi quenaquelas regies s duas condies credenciavam o esprito: ou imensa elevaoespiritual ou prodigioso atraso prximo da inconscincia. Os espritos de sublimeposio eram respeitados e os espritos maus que governavam as trevas podiam semover. O resto era impiedosamente escravizado. Uma lgrima nos olhos era um

    34

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    35/79

    sinal de perigo. Poderamos ser arrastados a sofrimentos inauditos. A serenasuperioridade dos que sabiam amar sem se perder mantinha os verdugos distncia. A fraqueza dos simplesmente bem intencionados no os amedrontava.Quo difcil me era aproximar daquelas criaturas acorrentadas! Um cheironauseabundo tresandava-lhes do organismo. Os membros pareciam putrefatos e osolhos injetados perdidos na face semelhavam duas plidas e pequeninas luas.

    Chamei a ateno de Orcus para o fato de possurem dois olhos. Orcus esclareceu:

    - Estes so espritos que desceram recentemente s profundezas deste abismo.Todavia, repare bem que trazem os olhos vidrados ou opacos. No possuem viso.

    Gastaram os olhos na "Terra" naquilo que os homens poderiam denominar de"hipnotismo sensual".

    O desejo e a sensualidade exercida pelas vistas na nsia do desejo da mulher doprximo ou a aplicao do magnetismo visual para a conquista e amor de baixopadro desgastam as fibras do perisprito e cega a criatura por muitos milnios.

    So cegos de amor e paixo.Quedei-me pensativo e silencioso. Nunca havia suposto l na superfcie que osolhos que ardem na paixo desenfreada dos sentidos estavam condenados destruio.

    O amor cheio de maldade destri o prprio veculo pelo qual se transmite.

    Orcus demonstrou com um olhar compreender minhas profundas reflexes e aduziuao meu pensamento:

    - O que voc est pensando, meu filho, corresponde mais exata realidade, todavia

    bom esclarecer que o olhar carinhoso e amigo, verdadeiramente sincero, aplicadono amor verdadeiro que obedece ao cumprimento da Lei, constri pupilasluminosas para a imortalidade. a mesma lei que estabelece as probabilidades desubida e descida que estudamos anteriormente. O amor ao mal e s coisas damatria materializa. O amor ao bem e s coisas do esprito, espiritualiza.

    Tudo em toda a parte, toca-se de luz e sombra. A mesma energia depende apenasde direo. por isso que o Evangelho bssola...

    A observao judiciosa de Orcus calou-me fundo.

    Atafon dirigia-se mais para o interior e notei que se aproximava daquelas criaturas"descarnadas", expresso que usamos a fim de dar uma idia da condio delas.Verificamos que os seus perispritos, conquanto organismos de natureza eletro-magntica e infinitamente distanciados daquilo que chamamos carneapresentavam-se dilacerados exibindo membros onde faltavam pedaos enormes. Amaioria exibia rbitas vazias. E dizemos a maioria porque ali se alinhavam emverdadeira multido de alguns milhares. O salo como imenso plat lembravaprodigiosa laje sobre a qual as criaturas inconscientes ou semi-conscientespermaneciam abandonadas em um estado que se no era a morte tambm no eraa vida.

    Uma mulher cujos membros dilacerados e enfraquecidos lembravam rvore seca,desgalhada, batida pela fria da tempestade, falou-nos ininteligivelmente. Paramostentando ouvi-la.

    35

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    36/79

    - Sabe quem essa? - interrogou Orcus.

    Olhei a mulher como quem contempla uma runa inimaginvel e no pude merecordar daquelas feies monstruosas. Quem seria?

    - A mulher de Csar...

    Meu olhar ansioso buscou Orcus. Quis saber mais. Ele compreendeu mas no medisse nada. Vi que no lhe convinha me revelar mais. Uma estranha fora, contudo,desde aquela hora me atraiu para aquela mulher. Teria sido eu aquele Csar? Qualdeles?

    Tomei-me de compaixo. Orcus, porm, alertou-me.

    - Por mais tenhamos amado algum algumas vezes a criatura se lana emprecipcios to profundos que nada podemos fazer em seu favor. S a Lei de Deus,inexorvel, dura, mas misericordiosa, salva os que esto aparentemente perdidos.Cada um se salva por si mesmo ao influxo da misericrdia do Pai. "Descer e subir"

    so foras da vida.Caminhei olhando para trs. Orcus arrastava-me pela mo. Entre os molambos e ohorror daquela forma cada no mal eu sentia um corao que no me amara mas aquem eu sempre amei.

    - Voc no foi Csar - acrescentou Orcus - mas apenas algum que a amou. Ela quesempre sonhou com o esplendor das cortes e dos reinados, renunciando aoverdadeiro amor foi caindo, de queda em queda at o ponto que voc viu. Naquelesolhos vidrados e na sua inconscincia ainda sonha com as multides e com ospalcios dos csares. Est coberta de ouro e prpura. Para ns, no entanto, sexibe podrido e lama. Contudo, um dia, retornar ao Paraso. O Reino de Deus,

    meu filho, feito de simplicidade e amor. Os tesouros desse reino so apenas aafeio verdadeira e o amor imortal.

    Orcus cessou de falar. Atafon que se distanciara fez um aceno com a mo.Apressamo-nos.

    Um grupo de "homens" amontoados uns sobre os outros como uma pilha de capimou palha aguardava-nos para estudo. Pareciam esqueletos de formas patibulares.Embora no exibissem revestimento na ossada lisa, gemiam como se possussemgarganta e lngua. Estranhos gemidos saiam do monturo!

    Contemplamos o espetculo inaudito! Em meio ossada vozes murmuravampalavras de paixo e dor.

    Que criaturas so essas? - perguntei profundamente surpreendido.

    So os espritos daqueles que acreditaram firmemente que aps a morte nadarestaria deles e seriam apenas esqueletos abandonados. To grande foi amentalizao nesse sentido que adquiriram a forma que voc v.

    A resposta de Orcus de uma certa maneira deixou-me aterrorizado. Jamaisimaginara to grande a fora do pensamento.

    - Sentem-se eles realmente como se fossem esqueletos. O perisprito moldou-se nova forma e provavelmente se andassem pelo mundo seriam vistos por alguns

    36

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    37/79

    como assombraes em formas esquelticas. Muitos tm sado assim nasuperfcie...

    Um calafrio percorreu-me a coluna... Estava diante de fatos novos para mim. NuncaDante me surgiu to respeitvel na conscincia. Compreendi o verdadeiro sentidode sua histria e fiquei imaginando quo enorme foi o seu sofrimento por no sercompreendido na superfcie da Terra. Acreditaram no mundo que ele houvesse sidosomente um artista. certo que ningum sups que o assunto de seus poemasfosse verdadeiro, real. Provavelmente, eu encontraria resistncia maior ousemelhante na Crosta. Valeria pena?

    - Quem serve por amor ao servio e tem a Deus por Pai e Jesus por irmo, nopode deter-se para informar-se se o que pensam os homens a seu respeito... -falou-me Orcus mansamente como que respondendo s minhas angustiosasinterrogaes mentais.

    Palavras sbias que eu no tentaria sequer discutir.

    Atafon prosseguia percorrendo o imenso rochedo onde os espritos infelizes fizerampor desgraa o seu ninho de sofrimento. Seres estranhos entremeavam-se quelasformas. Alguns pareciam serpentes, lagartos e drages menores. Outros exibiamto horrorosa fisionomia que os enfermos da superfcie ao lado deles seriamcriaturas de sublime beleza.

    Defrontramos agora uma infinidade de espritos que exibiam formasdilaceradas.

    Espantou-me o fato. Nem sempre possuam as pernas e os braos. Havia os queapenas apresentavam a cabea e o tronco.

    Estranho reunirem-se eles numa espcie de panela aberta no vasto rochedo emforma de prato. Aninhavam-se uns aos outros como crianas, dominados por umsono inquieto. Misturavam-se, aconchegavam-se uns nos outros como queprocurando calor. A maioria ostentava um crnio limpo, brilhante, sem cabelos;outros, apenas recoberto por uma penugem rala. A maioria lembrava crianas coma fisionomia de velhos milenares cuja boca adquiria a feio de meninos que estochupando bico. Os olhos fundos absolutamente fechados.

    Na realidade, eram seres voltados para dentro de si mesmos num esquisitomovimento mental interior. O exterior no lhes fazia conta e para eles deixara deexistir.

    Semelhavam fetos amontoados no tero materno.

    No era a primeira vez que eu contemplava criaturas s quais faltavam membros,mas eram sempre homens da Terra. O fato de existirem espritos mutiladosimpressionava-me profundamente.

    Orcus no deixou de perceber-me as dificuldades internas e a luta do pensamentopara adaptar-se quela realidade nova.

    - De fato, meu caro, sempre chocante a observao detalhada da degradao daforma em qualquer reino da criatura no universo. O esprito no retrograda, todaviaa forma tem possibilidade de desgastar-se, dilacerar-se e degradar-se atdissolver-se. Voc no se lembra do ensinamento relativamente Segunda Morte?

    37

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    38/79

    O princpio no novo, como vemos, e foi expresso pessoalmente por nossoExcelso Mestre.

    Senti como terrvel impacto mental o lembrete de Orcus. No havia por onde fugir.

    E isso a segunda morte? - interroguei visivelmente assustado.

    No, esta ainda no a segunda morte mas poder ser encarada como a agonia...

    Compreendi a profundidade da observao.

    Quer dizer que esses so enfermos a caminho da dissoluo perispiritual?

    Se no reagirem a tempo, iro decaindo em si mesmos cada vez mais at atingiremos limites marcados pela Lei para a garantia da unio celular. A desintegrao doperisprito pode ocorrer tanto quanto ocorre no mundo a desintegrao do corpofsico. A lei que rege a unio celular perispiritual a mesma, apenas funciona demaneira diferente. Enquanto que o corpo fsico vive submetido ao equilbrio

    da alimentao constituda por alimentos comuns e oxignio e a suamanuteno depende somente de um processo da vida, o perisprito que o intermedirio na aglutinao celular do corpo fsico que o garante, porsua vez mantm-se unicamente pelo poder da mente. O desvario mentalinicia a destruio do perisprito assim como a elevao da mente d incio jornada de construo no s do prprio perisprito mas tambm deveculos mais elevados. A criatura constri ou destri-se a si mesma...

    Orcus fitou-me amoroso e o meu pensamento sob o influxo do poder de suapalavra sbia galopou no terreno da meditao pura.

    As formas ali estavam a nossos ps, dilaceradas, mutiladas, horrveis...

    E haviam sido "homens" talvez belos e venturosos, um dia, na superfcie!

    Na realidade em nosso mundo, os homens sonhavam com o cu, mas aqueles aliseriam imensamente felizes se pudessem simplesmente atingir a superfcie dacrosta terrestre. Todavia, ainda estavam descendo. E quantos no mundo, distradose insensatos estavam iniciando a descida para a destruio total ou parcial?

    Descer e subir so problemas de direo... - dissera Orcus. De fato, compreendiaeu agora a sabedoria da assertiva.

    S descendo sombra mais espessa que poderemos entender a luz. Atafon, noentanto, prosseguia, e por isso no pudemos nos deter.

    20 - A Ave

    Enquanto caminhvamos na plataforma de pedra, observamos que uma sombraesquisita parecia nos acompanhar. Atafon fez-nos um gesto discreto indicando-nosa necessidade de manter silncio e prosseguir com coragem. Confesso que no mesentia muito seguro e que minhas pernas tremiam.

    Contornvamos extenso lago de guas prateadas. O rochedo alto, projetava-sesobre o lago assustadoramente. Provavelmente, deveramos parecer na distnciainfinitamente pequenos.

    38

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    39/79

    ramos trs criaturas insignificantes sobre imenso rochedo, apesar da enormeestatura de Atafon e de Orcus. Os seres respeitavam-nos mas a natureza ali,sombria e fantstica, criava tudo de modo descomunal. Precipcios sem fim,escarpas perigosas, umidade capaz de arrastar a despenhadeiros. S aluminosidade de Atafon e Orcus clareava as sombras. O ano seguia-nosconduzindo uma espcie de lanterna semelhante quelas que os lanterneiros usamnas estaes de estrada de ferro. Marchava arrastado, porm respeitoso. Via-seque estava submetido e escravizado ao magnetismo de Atafon que exercia sobreele enorme poder. Era uma criatura apavorante. Fcies que lembrava o gorilaantropide, ancestral do homem. Olhar vidrado, parado, face terrosa.

    A luz de sua lanterna mal daria para clarear-lhe os passos. Parecia, no entantoenxergar perfeitamente nas trevas.

    - Essas criaturas - falou-nos Atafon - acostumaram-se s trevas e enxergam comfacilidade nos abismos. Vivem, na sombra e amam a sombra. Por isso, no osinquieta aquilo que para os mortais seria o pavor e a morte.

    O vulto, do outro lado do lago, acompanhva-nos silenciosamente. De sbito,ouvimos um grito medonho que reboou multiplicado muitas vezes pelo eco naimensido dos penhascos. Parei estarrecido. Era uma voz de ave e de animal ante-diluviano. Sufocado pelo terror no pude andar um passo. Um frio intensopercorreu-me todo o organismo. Orcus amparou-me carinhoso e Atafon estendeu amo espalmada em direo ao lago. Vibraes magnticas partiram-lhe dos dedosdistendidos como fagulhas eltricas de um prodigioso maarico. As sombras sobre olago iluminaram-se e ns vimos quela luz verde-azulada um enorme monstro queatravs de dois olhos de fogo nos contemplava. Deveria ter mais de cem metros dealtura minha viso assombrada. No sabia eu se o seu tamanho era natural assimou se minhas pupilas dilatadas causavam-me angustiosa alucinao. Preto, maispreto que todas as noites. Era uma ave gigantesca. Asas negras enormes, peito

    descomunal, bico como duas ps de moinho, olhos qual duas fogueiras. Uma pelecascorenta semelhante pele que recobre o bico dos perus recobria-lhe o bico edescia-lhe pelo pescoo semi-pelado. Lembrava um enorme corvo. Em suafisionomia, no entanto, estarrecedoramente, percebiam-se os traos de um serhumano. Os ps de grandes dimenses por sua vez recordavam longinquamente asmos humanas. Crescia a minha angstia sem limites.

    A distncia, porm, entre ns e ele era extensssima. O lago garantia-nos aimunidade mesmo se ali no estivesse Atafon.

    As centelhas precipitadas e projetadas pelas mos do Grande Esprito atravessavama extenso do lago e atingiam a criatura em pleno peito na regio do corao eentravam-lhe pelos olhos maus. Recebendo-as, aquietou-se silencioso ao nossoolhar.

    - Esse que vocs vm foi na Terra um monstro sem entranhas que destruiu milhesde criaturas na conquista do poder - explicou Atafon. As civilizaes antigasguardaram o seu nome como o de uma fera indomvel. Nasceu e renasceuenquanto a misericrdia divina lhe permitiu as maravilhosas oportunidades dereingresso na carne abenoada. Depois, comeou a, cair por fora da lei at que aprpria forma lhe tomou as feies do pensamento tenebroso. Manteve a fora dosconquistadores e das feras, e o porte da ave que sonha voar e governar de cima. terrivelmente temido nestas regies. Todavia, se a forma que a lei lhe permitiuagora no o despertar para a ascenso continuar caindo mais, de forma em formadegradada at o fim...

    39

  • 8/7/2019 O Abismo - R A Ranieri

    40/79

    As palavras do anjo vibraram com estranhos acentos em minha alma. Contemplei omonstro numa nsia sem limites de saber quem fora ele na Terra, Orcus contudosegredou-me:

    - No temos permisso da Lei para revelar essas criaturas, to grande atransformao que apresentam. A revelao simples e pura das personalidades queanimaram na superfcie causaria tal impacto mental ao homem que vo seria onosso servio. A prudncia nessas regies a melhor garantia para o cado. Se oshomens soubessem o seu nome sintonizar-se-iam com ele no campo da vibrao,emitindo e recebendo, e em breve o monstro tambm vibraria em direo superfcie, de tal maneira que- no demoraria o mundo a sentir-lhe as imensasperturbaes em forma de terremotos, guerras e desordens sem nome. Noaterrorizou-se voc apenas com o seu grito?

    A interrogao de Orcus calou-me fundo no esprito j to abalado. Seria eu capazde prosseguir em marcha?

    Orcus identificando-me as indagaes, acrescentou: - No se esquea, meu filho,

    que estamos somente no limiar dos abismos...No pretendemos de uma s vez sobrecarregar-lhe a mente desacostumada simagens pouco comuns.

    21 - Outras Criaturas

    A grande ave abria e fechava o bico enorme como se deglutisse alguma coisa.

    Tnhamos a impresso de que o cansao dominava-lhe o organismo. Todavia, Orcusesclareceu:

    Nestas profundezas, os seres que aqui residem quase sempre sentem-se ansiadospela atmosfera a