a diplomacia das empreiteiras

17
I Seminário Nacional de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Abri Brasília, 12 e 13 de julho de 2012 Painel avulso Política externa brasileira Título do trabalho: A diplomacia das empreiteiras: as empresas nacionais de construção pesada e a política externa brasileira Autor: Pedro Henrique Pedreira Campos Filiação institucional: Professor de Política Externa Brasileira da UFRRJ

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Page 1: A Diplomacia Das Empreiteiras

I Seminário Nacional de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Abri

Brasília, 12 e 13 de julho de 2012

Painel avulso

Política externa brasileira

Título do trabalho: A diplomacia das empreiteiras: as empresas nacionais de

construção pesada e a política externa brasileira

Autor: Pedro Henrique Pedreira Campos

Filiação institucional: Professor de Política Externa Brasileira da UFRRJ

Page 2: A Diplomacia Das Empreiteiras

1

A diplomacia das empreiteiras: as empresas nacionais de construção pesada e a

política externa brasileira

Pedro Henrique Pedreira Campos1

Resumo: Desde fins da década de 1960 as empresas nacionais de construção pesada

iniciaram um vigoroso processo de transnacionalização de suas atividades, com

atuação em diversos países da América Latina, África e Oriente Médio. Desde então, os

donos e dirigentes dessas firmas têm se organizado e agido em conjunto junto ao

aparelho de Estado de modo a obter benefícios, financiamento, acordos bilaterais e

ações que facilitem e possibilitem a intensificação de suas atividades no exterior. Essa

apresentação objetiva examinar esse processo e analisar o quanto as ações desses

empresários influenciaram a política externa brasileira desde então.

1 Professor de Política Externa Brasileira da UFRRJ.

Page 3: A Diplomacia Das Empreiteiras

2

A diplomacia das empreiteiras: as empresas nacionais de construção pesada e a

política externa brasileira

Pedro Henrique Pedreira Campos2

A nós interessa que o país tenha empresas, inclusive, que possam partir para um processo de expansão internacional. Nenhuma empresa hoje pode olhar só para o tamanho do seu mercado local.3

No início de 2011, logo após se afastar da presidência da República, Luís Inácio

Lula da Silva fez uma série de viagens internacionais nas quais proferia palestras a

empresários e líderes políticos dos locais que visitava. Essas missões eram feitas a

países da América Latina, da África e de outras localidades e as conferências foram em

diversas ocasiões pagas em altos valores por empresas brasileiras de construção e

infra-estrutura que tinham atividades nos países visitados. Esse fenômeno suscita

algumas questões: por que e com que interesses essas companhias custearam

palestras do ex-presidente da República? Por que as conferências financiadas eram a

do antigo chefe de Estado brasileiro? Por que as firmas que bancavam esses eventos

eram construtoras? Para responder essas questões, é necessário conhecer o processo

pretérito de formação do setor de construção pesada4 no Brasil, a trajetória de sua

atuação internacional e como esse movimento foi fortemente escorado e incentivado

pelo aparelho de Estado e pelas políticas públicas5. Antes, no entanto, faz-se

necessário realizar uma curta revisão acerca da relação entre interesses empresariais e

política externa.

2 Professor de Política Externa Brasileira da UFRRJ. 3 ROUSSEFF, Dilma. Entrevista. In: Valor Econômico. Edição de 12 de setembro de 1997, p. 12. 4 A indústria da construção pesada diz respeito ao setor da construção civil que produz obras de infra-estrutura, nos setores de transportes, energia, saneamento, obras urbanas, dutos, dentre outros. 5 O presente breve artigo é fruto de uma pesquisa que atualmente está em estado incipiente, sendo aqui apresentadas mais questões, caminhos a serem trilhados e hipóteses de trabalho do que conclusões consolidadas e resultados de estudos anteriores. Muitos dos dados aqui trabalhados foram analisados em nossa tese de doutorado, sendo centrados no período histórico até 1985.

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3

1. Interesses empresariais organizados e política externa:

Um dos pioneiros no estudo das formas associativas de empresários e outros

grupos sociais que tinham interesses na política externa foi René Dreifuss. Em seu livro

A Internacional Capitalista, o autor traça o percurso do Council of Foreign Relations

(CFR), entidade norte-americana surgida em 1919, que reunia homens da política,

imprensa, universidades e, principalmente, do empresariado industrial e financeiro dos

EUA. Tratava-se do encontro de diversos agentes que tinham interesses, estudos ou

projetos voltados para o tema das relações internacionais dos Estados Unidos. Dreifuss

mostra como o CFR desenvolvia seus próprios estudos na área de geopolítica e atuava

junto ao aparelho de Estado norte-americano, pressionando por determinadas diretrizes

e políticas internacionais. Assim, defendeu a contenção do Japão e da Alemanha, nos

anos 30, além de advogar no sentido da reconstrução da Europa no pós-1945. O

governo Nixon contou com 140 membros do CFR dentre os seus escalões e o governo

Carter contou com 282, sendo alguns de seus membros John Foster Dulles, Walt

Whitman Rostow, Robert McNamara e Henry Kissinger, esse tido como um dos

principais intelectuais da instituição. Além deles, sobressai a figura de Nelson

Rockefeller6, que tinha ações e funções no interior do aparelho de Estado norte-

americano voltadas para a América Latina7. Uma das empresas da família Rockefeller,

a Esso (Standard Oil New Jersey), insistiu sistematicamente nos anos 40 junto aos

governos norte-americano e brasileiro para que o setor da indústria de petróleo

brasileiro fosse aberto para empresas estrangeiras. A Esso ficou insatisfeita com o

resultado da lei de 1953, que criava a Petrobrás, pedindo inclusive retaliações ao Brasil

por parte do governo dos EUA8.

No Brasil, a relação entre interesses econômicos privados e a política externa

também ficou patente historicamente. Amado Cervo e Clodoaldo Bueno ressaltam a

importância dos interesses dos proprietários cafeicultores na política de aproximação

com os Estados Unidos a partir de 1902, com o início da gestão Rio Branco no

6 Ver DREIFUSS, René Armand. A Internacional Capitalista: estratégias e táticas do empresariado transnacional, 1918-1986. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1986. p. 21-52. 7 Para isso, ver, por exemplo, sua ação no chamado ‘Birô’ da política de boa vizinhança nos anos 30 e 40 em MOURA, Gerson. Tio Sam Chega ao Brasil: a penetração cultural americana. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1985 [1984]. p. 13-26, passim. 8 MOURA, Gerson. A Campanha do Petróleo. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 13-29; 76-90.

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4

Ministério de Relações Exteriores (MRE)9. Com o desenvolvimento da economia

brasileira e o processo de implementação dos diversos setores da indústria no país,

novos grupos sociais se interessaram pelos temas do comércio exterior e política

externa. Já em setembro de 1958, o periódico Desenvolvimento & Conjuntura, uma

publicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), defendia que a política

externa brasileira se adequasse aos interesses do desenvolvimento do país, visando

incrementar o comércio exterior e atrair financiamento e tecnologia10. Consoante o

comércio com os países socialistas, desde o período JK a Fiesp (Federação das

Indústria do Estado de São Paulo) defendia o restabelecimento das relações comerciais

com a União Soviética, inclusive coincidindo em perspectiva com o Partido Comunista

Brasileiro (PCB) nesse ponto11.

A própria ‘Política Externa Independente’ de San Tiago Dantas tinha explícita a

presença de certos interesses em seu programa. Referindo-se à Alalc (Associação

Latino-Americana de Livre Comércio), Dantas afirmava que a “integração econômica

dos países deste hemisfério é indispensável para criar, em benefício de suas indústrias,

uma estrutura mais forte de mercado”. Apesar de ser essa a orientação teórica da

Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), inspiradora da área de livre

comércio, parece visível o objetivo de beneficiamento das empresas industriais nessa

passagem de seu texto. Com relação à questão do colonialismo, Dantas destaca que,

para além do aspecto moral da nova posição brasileira, pesavam para o novo

posicionamento do Itamarati outros fatores: “sendo os povos coloniais produtores de

matérias-primas que também exploramos, torna-se essencial eliminar as condições de

prestação do trabalho e de operação econômica, que os colocam em posição de

artificial concorrência no mercado internacional.” Ou melhor, o apoio à descolonização

por parte do governo brasileiro também visava à quebra das políticas imperiais

protecionistas voltadas para certas mercadorias das colônias européias na África e na

9 CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. A Política Externa Brasileira. São Paulo: Ática, 1986. p. 68-75. 10 CNI. Desenvolvimento & Conjuntura. No 9, ano II. Rio de Janeiro: CNI, 1958, p. 31 apud FRAGOSO, João Luiz Ribeiro. “Notas sobre a política externa brasileira nos anos 50-70”. In: Estudos Afro-asiáticos. No 10. Rio de Janeiro: CEAA-UCAM, 1984. p. 16-7. 11 Partido Comunista e Federação das Indústrias também concordariam quando Kubitschek decidiu romper com o FMI. Para isso ver VIZENTINI, Paulo Gilberto Fagundes. Relações Exteriores do Brasil (1945-1964): o nacionalismo e a política externa independente. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 89-121.

Page 6: A Diplomacia Das Empreiteiras

5

Ásia. Enfim, Dantas acrescenta que o estabelecimento de relações diplomáticas com os

países socialistas se devia, em boa medida, ao objetivo de aumentar a quantidade de

parceiros comerciais, principalmente consumidores dos produtos brasileiros12.

De uma maneira geral, a questão da relação entre interesses e política externa é

recorrente nos estudos internacionais e dentre os pesquisadores do tema das relações

exteriores. Letícia Pinheiro destaca que é necessário levar em conta os interesses para

compreender a política externa de um determinado país em um período demarcado13.

No entanto, não devemos nos limitar a uma noção vaga de interesses ou, mais grave

ainda, aludir a um supostamente homogêneo ‘interesse nacional’. É necessário

qualificar esses interesses, mostrar a sua heterogeneidade e quais as demandas

dominantes que são veiculados pelo aparelho de Estado.

Nesse sentido, Williams Gonçalves e Shiguenoli Miyamoto ressaltam que a

questão mais comumente direcionada aos realistas, que muitas vezes trabalham com a

noção de interesses e interesses nacionais, é “quem determina os objetivos

nacionais”14. Os mesmos autores concluíram, em outro texto, que há tantas políticas

externas quantos interesses em jogo na sociedade e lembram que o empresariado, por

exemplo, tem interesse imediato sobre a política de exportação15.

Na área da História das Relações Internacionais, esses interesses, associados a

outros fatores que condicionam a política exterior de um país em determinado contexto,

ficaram celebrados como as chamadas ‘forças profundas’, termo criado por Pierre

Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle no livro Introdução à História das Relações

Internacionais, de 1964. Segundo esses dois autores, as forças profundas são uma

determinação histórica que diz respeito às forças de ordem econômica, social,

demográfica, mental e psicológica que devem ser identificadas empiricamente,

demonstrando-se a sua relação com a política externa do país em questão16.

12 DANTAS, San Tiago. “Política externa independente”. In: MUNTEAL, Oswaldo; VENTAPANE, Jacqueline; FREIXO, Adriano de (org.). O Brasil de João Goulart: um projeto de nação. Rio de Janeiro: Puc-Rio / Contraponto, 2006 [1962]. p. 125; 127. 13 PINHEIRO, Letícia. Política Externa. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 7-11. 14 GONÇALVES, Williams da Silva; MIYAMOTO, Shiguenoli. “Os militares na política externa brasileira”. In: Estudos Históricos. Vol. 6, no 12. Rio de Janeiro: FGV, 1993. p. 211. 15 GONÇALVES, Williams da Silva; MIYAMOTO, Shiguenoli. “Militares, diplomatas e política externa no Brasil pós-64”. In: Primeira Versão. No 36. Campinas: IFCH/Unicamp, 1991. p. 1-3. 16 RENOUVIN, Pierre; DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à História das Relações Internacionais. São Paulo: Difel, 1967 [1964] apud GONÇALVES, Williams da Silva. “História das relações

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6

Nossa proposta de pesquisa caminha no sentido de desnudar e analisar parte do

componente dessas forças profundas, especificamente no que diz respeito às pressões

e atuações por parte do empresariado da construção no sentido da implementação de

certas medidas e diretrizes na área de política externa.

Paulo Vizentini coloca a questão de quem determina a política externa, afirmando que

[...] os rumos e as decisões da política externa, não são definidos pelo conjunto do bloco social de poder que dá suporte a um governo, mas por alguns setores hegemônicos desse bloco. É preciso considerar que graças à porosidade do Estado moderno, lobbies e grupos de interesse conseguem influir em determinadas áreas da política externa. [...] Tal postura deve-se também a uma preocupação mais ampla: em proveito de quem ela é formulada? Tão e mais importante que os meandros e labirintos de determinadas lutas internas para formular a política exterior, talvez seja considerar o conjunto do projeto social e sua articulação com a política externa, para determinar-se em que direção ela é conduzida.17

Esse é o conjunto de indagações que norteiam a atual pesquisa, voltada para elucidar a

parcela e peso do poder de certo empresariado organizado na determinação da política

externa brasileira.

João Fragoso destaca ainda o caráter heterogêneo da sociedade e também dos

próprios grupos e classes sociais, como o empresariado. Nesse sentido, defende o

autor, faz-se necessário realizar um “estudo criterioso das classes e frações sociais

presentes na sociedade brasileira e das suas influências sobre o aparelho de Estado,

entendendo-se este como um bloco não-monolítico”18.

Interessa-nos, da mesma forma, estudar e entender o êxito da inserção

internacional de certas empresas brasileiras e, para tal, consideramos que o estudo das

políticas públicas de defesa da atuação das empresas no exterior parece ser

fundamental. Refletindo sobre a atuação das empresas e dos Estados nacionais em

escala internacional, Dreifuss afirmou:

internacionais”. In: GONÇALVES, Williams da Silva; LESSA, Mônica Leite (org.). História das Relações Internacionais: teoria e processos. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007. p. 26; CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. A Política Externa Brasileira. op. cit. p. 88. 17 VIZENTINI, Paulo Gilberto Fagundes. A Política Externa do Regime Militar Brasileiro: multilaterização, desenvolvimento e construção de uma potência média (1964-1985). 2ª ed. Porto Alegre: EdUFRGS, 2004 [1998]. p. 15. 18 FRAGOSO, João Luiz Ribeiro. “As reformulações na política externa brasileira nos anos 70”. In: Estudos Afro-asiáticos. No 5. Rio de Janeiro: CEAA-UCAM, 1981. p. 49-50.

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7

Os dois protagonistas andam juntos: as corporações estratégicas nascem e se desenvolvem dentro dos países cujos estados nacionais sustentam essas redes complexas. Nesses ambientes é que surgem os novos processos de produção e as novas ondas de consumo. Os governos funcionam como pivôs político-estratégicos, a partir de uma visão de conjunto sobre os respectivos espaços societários. Que ninguém tenha dúvida: o governo norte-americano, por exemplo, trabalha junto com as corporações que têm origem e matriz nos Estados Unidos. Ele realiza políticas ativas para preservar a dianteira tecnológica obtida por elas e pelo país. Isso é uma missão nacional, o que mostra que a idéia de espaço nacional não desapareceu. O país é uma plataforma fixa de operações, a partir da qual as corporações decolam para o mundo. [...] Essa possibilidade aponta contra a maré histórica: a coreana Samsung, por exemplo, era um entreposto comercial de arroz em 1938, e hoje é uma indústria aeroespacial. Isso não aconteceu por acaso, nem pelo livre jogo das forças de mercado.19

Nessa perspectiva, o estudo das medidas e políticas estatais na defesa e proteção da

atuação das empresas de origem doméstica no mercado internacional parece ser fator

central para compreender o sucesso de tais incursões e da própria consolidação

dessas firmas como companhias multinacionais.

2. O setor nacional de construção pesada e seu processo de transnacionalização:

O setor de construção pesada nacional se desenvolveu de maneira

correspondente à implantação de um modelo de acumulação com forte atuação estatal

na implantação da infra-estrutura da economia industrial, o que remonta ao Estado

varguista e, de maneira ainda mais pronunciada, ao período pós-1955. Em nossa tese

de doutorado, analisamos a formação histórica desse setor e seu desenvolvimento ao

longo da ditadura civil-militar brasileira, mostrando como esse foi um momento-chave

para a formação dos grandes grupos monopolistas nacionais da construção civil20. A

ditadura também foi o período em que as principais empresas do setor passaram a ter

atuação internacional, arrematando contratos em países vizinhos e em outros

continentes, e firmando-se como grandes multinacionais da engenharia21.

19 DREIFUSS, René Armand. “Corporações estratégicas e estados nacionais: os protagonistas do grande jogo”. In: BENJAMIN, César et al. (org.). Visões da Crise. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998. p. 29. 20 Desenvolvemos essa hipótese em nossa tese de doutorado, que é como uma parte prévia da presente pesquisa. A tese foi defendida no Programa de Pós-Graduação de História Social da UFF em março de 2012 com o título de ‘A Ditadura dos Empreiteiros: as empresas nacionais de construção pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro, 1964-1985’. 21 Sobre os padrões de acumulação no Brasil ao longo do século XX, nos apoiamos em DRAIBE, Sônia. Rumos e Metamorfoses: Estado e industrialização no Brasil, 1930/1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995; OLIVEIRA, Francisco de. A Economia da Dependência Imperfeita. 2ª ed. Rio de Janeiro: Graal,

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8

As principais empreiteiras brasileiras remontam aos anos 30, 40 e 50 do século

XX, quando foram fundadas e iniciaram suas atividades, então, com marca

predominantemente local e regional. Foi através da atuação junto aos aparelhos de

Estado municipais e estaduais que essas construtoras iniciaram sua trajetória,

organizadas em aparelhos privados de hegemonia de alcance regional, como o Clube

de Engenharia carioca (CE, de 1880), o Instituto de Engenharia paulista (IE, de 1917), a

Sociedade Mineira de Engenharia (SME, de 1931) e entidades específicas de

construtoras do ramo da infra-estrutura, como a Associação Paulista dos Empreiteiros

de Obras Públicas (Apeop, de 1947). O período Juscelino Kubitschek foi um momento

marcante da passagem da atuação regional para nacional das principais construtoras

do Sudeste, que se fortaleceram naquele momento com as obras da nova capital

federal e rodovias e hidrelétricas previstas no Plano de Metas. O modelo de amplos

investimentos públicos nesses setores teve continuidade no período inicial da ditadura

brasileira. A atuação em diversas regiões do território brasileiro dessas empreiteiras

permitiu também a formação das suas primeiras entidades nacionais, como o Sindicato

Nacional da Construção Pesada (Sinicon), fundado em 1959 no Rio de Janeiro22.

O crescimento das atividades dessas empresas se deu na mesma escala da

emergência política desses empresários, que, reunidos em aparelhos da sociedade

civil, organizavam projetos de obras, programas de investimentos, além de pautas e

diretrizes para as políticas nacionais de desenvolvimento. Após uma relevante

participação de alguns desses empresários na ação política que derrubou o presidente

João Goulart23, os empreiteiros de obras públicas passaram a ter posição política

privilegiada no arranjo de forças no aparato estatal pós-1964. Depois de um breve

período de escassez de investimentos estatais, a partir de 1967, recursos foram

liberadas e um vasto programa de obras foi posto em prática durante os anos 1970,

levando o setor de construção pesada para o centro dinâmico da economia brasileira

1977 [1977]; MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado e Economia no Brasil: opções de desenvolvimento. Rio de Janeiro: Graal, 1985. 22 Ver CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. A Ditadura... op. cit., em especial capítulos 1 e 2. 23 O que apontamos em nossa tese e também foi analisado anteriormente por DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1981 [1981]. Ver, por exemplo, página 636.

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durante o chamado “milagre”24. O poder econômico desses empresários correspondia à

relevância política que eles detinham no bloco de poder, tendo eles farta presença em

comissões e agências governamentais, além de contato direto com os mais

significativos ministros e agentes do poder público25.

O ano de 1968 marca o início do maior ciclo de crescimento histórico da

economia brasileira. Até o ano de 1973, os índices de crescimento anual do produto

interno superariam os dois dígitos e dentre os setores que mais contribuíram para essas

cifras, temos as indústrias de bens de consumo duráveis e as atividades da construção

civil, com peso maior para o ramo da construção pesada, ou melhor, as obras públicas

de infra-estrutura. Nesses seis anos (1968-1973), quando os recursos voltados para as

obras estatais e o faturamento das empresas cresciam anualmente a taxas superiores à

elevação do PIB, foram firmados os primeiros contratos de construtoras brasileiras no

exterior. Em 1968, a primeira tentativa de atuação de uma construtora nacional fora do

território brasileiro se deu com a paulista Tenco em obra no Chile. No ano seguinte, a

mineira Mendes Júnior arrematou a construção da hidrelétrica de Santa Izabel, na

região de Cochabamba, nas selvas bolivianas, onde se desenvolvia uma guerrilha

armada de esquerda relacionada ao grupo de Ernesto Che Guevara. No mesmo ano, a

também mineira Rabello estabeleceu contrato para construção da Universidade de

Constatine, na Argélia, onde o arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer fizera o projeto para

os edifícios do complexo universitário26.

A partir de então, as atividades das empreiteiras brasileiras no exterior se

intensificaram, com presença em países da América do Sul e do Caribe; nos países da

África, em especial nos de língua portuguesa e nos produtores de petróleo; e no Oriente

Médio, com troca de obras de infra-estrutura por petróleo. Até o final de 1984, foram 66

24 Sobre a relevância da construção civil nos anos do “milagre”, ver PRADO, Luiz Carlos Delorme; EARP, Fábio Sá. “O ‘milagre’ brasileiro: crescimento acelerado, integração internacional e concentração de renda (1967-1973)”. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida (org.). O Brasil Republicano. Vol. 4 – O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 209-41. 25 Ver CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. A Ditadura... op. cit., em particular no capítulo 4. 26 Esse processo inicial de expansão internacional das empreiteiras brasileiras foi analisado por FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização da Grande Engenharia Brasileira. Dissertação de mestrado em Economia. Campinas: Unicamp, 1981; CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. “A transnacionalização das empreiteiras e o pensamento de Ruy Mauro Marini”. In: Revista Contra a Corrente: revista marxista de teoria, política e história contemporânea. Ano 2, no 3, 2010. p. 70-7.

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os contratos assinados pelas construtoras nacionais no exterior, sendo que as maiores

empreiteiras brasileiras de então (Mendes Júnior, Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht

e Andrade Gutierrez) lideravam esse processo27. Algumas construtoras passaram a ter

mais de 50% de suas atividades e faturamento oriundos do exterior e a política externa

brasileira acabava se adaptando à atuação dessas empresas, ou então usando as suas

atividades para determinados objetivos, como a obtenção de combustíveis e a busca de

equilíbrio das contas externas.

Após o fim da ditadura civil-militar, a atuação das empreiteiras brasileiras no

exterior prosseguiu, apesar de alguns rearranjos e de um certo recuo nos anos 90.

Outras empresas passaram a liderar o processo, em especial a Odebrecht, e outros

mercados se abriram para as construtoras nacionais, como o europeu e o norte-

americano. Na primeira década do século XXI, o movimento tomou nova força, com

grandes obras de infra-estrutura realizadas nos países vizinhos ao Brasil, além de

projetos audaciosos na América do Sul, Líbia, Moçambique e na Ásia28.

Esse movimento não ocorreu desacompanhado de polêmicas, que são também

uma marca da atuação desses empresários no Brasil. Problemas técnicos, denúncias

de atividades corruptas, protestos locais por conta das condições trabalhistas dos

operários empregados, impactos das obras à população local, desentendimentos com

os organismos contratantes dos empreendimentos e até expulsão das empresas de

determinados países marcaram as operações das empreiteiras brasileiras no exterior

nos últimos anos. Nessas situações, a diplomacia brasileira muitas vezes ia em socorro

dessas empresas, defendendo-as e tentando uma solução que não lesasse seus

ganhos.

Já desde o início do processo de internacionalização dessas empresas durante a

ditadura, algumas novidades no âmbito do aparelho de Estado vinham em favor de

seus interesses. Reestruturações institucionais no Itamarati ao longo do período Médici

deram mais dinamismo às exportações de produtos brasileiros, atendendo à política

oficial de incremento das vendas no exterior e também aos anseios do empresariado,

27 FUNDAÇÃO João Pinheiro. Diagnóstico Nacional da Indústria da Construção. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1984. volume 13. 28 Processo analisado de maneira sumária em CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. “Origens da internacionalização das empresas de engenharia brasileiras”. In: História & Luta de Classes. No 6. Novembro de 2008. p. 61-66.

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que tinha interesse em fazer das suas unidades produtivas plataformas de exportação

de certos produtos. A criação do Departamento de Promoção Comercial no ano de

197129 criaria um locus de atuação do empresariado e também uma figura no Ministério

que se especializaria na interlocução com esses empresários com interesses no

exterior, Paulo Tarso Flecha de Lima.

Essa reorganização da estrutura do Itamarati parece ter sido fruto da pressão e

influência de empresários organizados em uma nova associação que estava surgindo

naquele momento. Em 1972, foi criada a Associação de Exportadores do Brasil (AEB),

associação privada sem fins lucrativos que congregava empresas exportadoras de

mercadorias e serviços. Com sede no centro do Rio de Janeiro, a entidade tinha como

alguns de seus objetivos:

[...] colaborar no constante aperfeiçoamento dos sistemas de crédito e de seguro de crédito à exportação; propugnar, junto aos órgãos governamentais, por medidas que contribuam para a expansão das exportações; contribuir para que seja adotada, sempre que possível, legislação que facilite as atividades do comércio exterior; estudar e propor, aos órgãos oficiais competentes, providências que facilitem a implantação de novas empresas dedicadas ao comércio internacional e a ampliação das existentes; [...]30

Vê-se no texto do próprio estatuto da instituição sua perspectiva de atuar junto ao poder

público.

O posicionamento sui generis do Brasil na descolonização de Angola e a

participação pioneira e fundamental do país no sentido de assegurar a independência

da nação africana em 1975 pode ser relacionada com os objetivos do governo nos

recursos naturais do país, em especial o petróleo, e também aos interesses privados na

exploração desses potenciais. Quatro anos após a independência angolana, a

Petrobrás iniciava as suas atividades no país, o que favorecia a posição de seus

fornecedores e das empresas que lhe prestavam serviços. Nesse sentido, em 1984,

chegava em Angola a empresa de engenharia Odebrecht, voltada para construir a infra-

29 GONÇALVES, Williams da Silva; MIYAMOTO, Shiguenoli. “Militares, diplomatas e política externa no Brasil pós-64”. op. cit. p. 3.; VIZENTINI, Paulo Gilberto Fagundes. A Política Externa do Regime Militar Brasileiro. op. cit. p. 131-94. 30 Endereço eletrônico http://www.aeb.org.br/ acessado em 12 de outubro de 2010.

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estrutura do país (incluindo a hidrelétrica de Capanda, a maior do país) e, também,

prestar serviços para a estatal brasileira de petróleo31.

No entanto, possivelmente o caso nacional no qual os interesses privados

tenham se relacionado de forma mais íntima com a política externa estatal no período

ditatorial tenha sido o do Iraque. Um dos principais parceiros comerciais do Brasil em

meados da década de 70 até o final dos anos 80, o Iraque se tornou o principal

fornecedor de petróleo do país, recebendo em troca, muitas vezes, outras formas de

pagamento que não os dólares, escassos naquele momento no Brasil. Assim, a

Petrobrás fez um arranjo no qual tomava petróleo do país e pagava em moeda nacional

às empresas brasileiras que exportavam produtos e serviços para o Iraque. Essa

modalidade de barter trade envolveu, por exemplo, a Volkswagen do Brasil, que

estabeleceu no período o maior contrato para exportação de automóveis já assinado no

mundo até então, no valor de US$ 1,7 bilhão, correspondente a 175 mil Passats e

autopeças. Houve também exportação de produtos primários, armas, equipamentos e

materiais nucleares e serviços de engenharia, através da Mendes Júnior. Esta empresa

passou a cumprir uma importante posição na relação entre os dois países a partir do

momento em que venceu a concorrência internacional no valor de US$ 1,2 bilhão para

construção da ferrovia Bagdá-Akashat, em 1978. O ministro Delfim Netto afirmou o

seguinte sobre a relação Brasil-Iraque:

Não só eu, mas vários ministros estiveram no Iraque para preservar as boas relações com o governo de Saddam Hussein. Essa relação, é importante dizer, tinha como fundação, como um dos pilares principais, a Mendes Júnior. O que Saddam não queria permitir era a interrupção das obras de construção da infra-estrutura do país. Ele estava modernizando o Iraque. A Mendes, que era o cartão de visitas do Brasil no Oriente Médio, ajudava a sustentar a importação de petróleo.32

No mesmo sentido, o ex-presidente da Petrobrás, Carlos Sant’Anna, afirmou que a

empreiteira “[e]ra quase um instrumento do governo”. E também outro presidente da

estatal brasileira, Armando Guedes: “A Mendes Júnior, por exemplo, era uma espécie

31 RAMSEY, Jase; ALMEIDA, André (org.). A Ascensão das Multinacionais Brasileiras. Rio de Janeiro / Belo Horizonte: Elsevier / Fundação Dom Cabral, 2009. p. 65-86. 32 ATTUCH, Leonardo. Saddam, Amigo do Brasil: a história secreta da conexão Bagdá. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003. p. 112.

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de embaixadora do País no Oriente Médio. Numa certa altura, não se fazia nada no

Iraque sem que o setor de engenharia da Mendes não fosse consultado”33.

O próprio presidente da República em 1982 enviaria carta advogando na causa

da empresa brasileira, ao “grande e bom amigo” Saddam Hussein:

[...] desejo apresentar-lhe a idéia de que a implementação dos projetos das ferrovias Bagdá-Kut-Nassiriah, Basra-Um Qasr e do anel ferroviário de Bagdá sejam objeto de tratamento bilateral entre os governos do Brasil e do Iraque, de maneira a firmar-se – nos planos comercial, industrial e tecnológico – o caráter de complementação das duas economias.34

A Mendes Júnior era a empresa que concorria à construção dessa estrada de ferro e o

presidente Figueiredo atuou em defesa da companhia brasileira, tal como faria em outro

episódio envolvendo empreiteiras nacionais, no caso a Camargo Corrêa e a Cetenco,

com problemas na construção da hidrelétrica de Guri, na Venezuela.

No caso desta obra, empreiteiras norte-americanas e o próprio Departamento de

Estado pressionaram o governo venezuelano no sentido de anular o resultado da

licitação internacional que havia consagrado como vitorioso o consórcio liderado pelas

construtoras brasileiras. O resultado final foi a vitória norte-americana com a inclusão da

empreiteira Morrisen Knudsen e outras firmas dos EUA como líderes do novo

consórcio35.

A atuação das empreiteiras no exterior foi um dos vetores de inserção mundial

do Brasil naquele momento, sendo objeto de medidas e políticas governamentais que

protegiam a internacionalização dessas empresas. Essas empreiteiras passaram a

demandar uma política favorável às suas incursões fora do país. Um importante

empresário do setor, Eduardo Celestino Rodrigues, desenvolveu uma proposta de

política para a atuação das empreiteiras fora do Brasil. Principal acionista da Cetenco,

assessor do ministro de Minas e Energia César Cals e ex-presidente do Instituto de

Engenharia de São Paulo, Celestino Rodrigues fez com que sua empresa elaborasse

um ‘memorial’ para política de amparo às empresas de engenharia nacionais que

tinham obras no exterior e a enviasse ao então ministro da Fazenda, Delfim Netto. As

propostas de política por ele desenvolvidas foram as seguintes:

33 ATTUCH, Leonardo. Saddam, Amigo do Brasil. op. cit. p. 25; 139. 34 ATTUCH, Leonardo. Saddam, Amigo do Brasil. op. cit. p. 16. 35 CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. “A transnacionalização...” op. cit. p. 70-7.

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1) Necessidade de fornecimento, através de órgão do governo brasileiro, Banco do Brasil, BNDE e outros, do ‘Bid-Bond’ e ‘Performance-Bond’ e de outras garantias a serem prestadas na apresentação da proposta e na assinatura do contrato; 2) Concessão de facilidades para envio de equipamentos e materiais de construção para obras no exterior; 3) Solução de problemas de imposto de renda, sobre os resultados da empresa lá fora e sobre a remuneração dos empregados que trabalham no exterior; 4) Solução do problema da continuidade da vinculação dos mesmos empregados, à Previdência Social no Brasil; 5) Ajuda para capital de giro das empresas; 6) Melhoramento nas condições de competição, no sentido de forçar projetos também brasileiros, com o que haveria melhora das condições para as empresas nacionais; 7) Estabelecimento de empresas tipo ‘overseas’ para o trabalho exclusivo no exterior, às quais seriam atribuídos todos os tratamentos administrativos e fiscais incentivadores da exportação de serviços; 8) Apoio diplomático das embaixadas brasileiras nos respectivos países.36

Como se vê, trata-se de uma proposta completa de política de beneficiamento dos

empresários que empregam suas companhias para realizar obras no exterior, sendo

importante também destacar que o financiamento e a isenção tributária correspondiam

a algumas das propostas elaboradas pela empresa de Celestino Rodrigues e que a

ação diplomática estava inserida dentre as demandas empresariais.

A materialização de parte dessas propostas em uma política de Estado veio em

1975 com o Decreto-lei no 141-8/75 que estabelecia estímulo às exportações de

serviços de engenharia para empresas nacionais, que teriam o direito de reduzir de seu

lucro tributável os resultados com a venda de serviços no exterior. Trata-se de um

período – o governo Geisel, após o primeiro choque do petróleo – em que as

exportações, em especial as de manufaturados e serviços, passaram a ser incentivadas

também em função dos crescentes déficits comerciais auferidos com a elevação do

preço do petróleo no mercado internacional, correspondendo às diretrizes da política

econômica estabelecidas a partir de 1974. Além disso, outra reivindicação de Celestino

Rodrigues e dos demais empreiteiros que atuavam no exterior foi atendida pela Estado

ditatorial. A Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex), que contava com

representantes da Abdib (Associação Brasileiro para o Desenvolvimento da Indústria de

36 “Exportação de serviços de engenharia – a experiência da Cetenco Engenharia S.A.” In: FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 257-8.

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Base) e de outras entidades37, passou a financiar a maior parte das exportações de

serviços de engenharia por parte de empresas nacionais38.

As empreiteiras com atividades fora do Brasil também se organizaram em sua

própria associação, o Conselho Nacional de Exportação de Serviços de Engenharia

(Conese) e passaram depois a integrar a Associação de Exportadores do Brasil (AEB),

formando ali o Fórum de Exportação de Serviços de Engenharia, no âmbito da

Coordenação de Exportação de Serviços da entidade39.

Além desses benefícios, muitos acordos bilaterais realizados a partir do governo

Geisel incluíam obras realizadas pelas empreiteiras brasileiras, sendo essas muitas

vezes feitas por convite, sem concorrências. O Tratado de Amizade, Cooperação e

Comércio entre Brasil e Uruguai, assinado em junho de 1975, incluía a construção da

usina hidrelétrica de Palmar, que ficou a cargo da Mendes Júnior40. Da mesma forma, o

protocolo comercial estabelecido entre o Brasil e a Mauritânia possibilitou a construção

no país da rodovia Transmauritânia, também pela Mendes Júnior a partir de 197641.

As empreiteiras acabariam por ser grandes interessadas na política externa

brasileira, o que tem continuidade até os dias atuais. Nesse sentido, a Odebrecht

financia livros sobre as relações do Brasil com outros países42 e, juntamente com a

Andrade Gutierrez, patrocina a edição da revista Diplomacia, Estratégia e Política, uma

publicação da Fundação Alexandre Gusmão, pertencente ao Ministério de Relações

Exteriores43.

3. Em busca de um método para explicar o problema:

37 Como lembram CERQUEIRA, Eli Diniz; BOSCHI, Renato Raul. Empresariado Nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1978. p. 170-85. 38 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização... op. cit. p. 111-228; 315-22. 39 CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. “A transnacionalização...” op. cit. p. 70-7; http://www.aeb.org.br/ acessado em 12 de outubro de 2010. 40 SCHILLING, Paulo R. O Expansionismo Brasileiro: a geopolítica do general Golbery e a diplomacia do Itamarati. São Paulo: Global, 1981. p. 234-6; CAMPOS, P. H. P. “A transnacionalização...” op. cit. p. 70-7. 41 FRAGOSO, João Luiz Ribeiro. “Notas sobre a política externa brasileira...” op. cit. p. 7; CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. “A transnacionalização...” op. cit. p. 70-7. 42 Um exemplo é o livro CERVO, Amado Luiz; MAGALHÃES, José Calvet de. Depois das Caravelas: as relações entre Portugal e Brasil, 1808-2000. Brasília: EdUnb, 2000. 43 BRETAS, Daniel Lopes. “Por um esboço da interação entre empresariado e diplomacia: o caso brasileiro”. In: Anais do VII Workshop Empresas, Empresários e Sociedade. Florianópolis: UFSC, 2010. p. 1-8.

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René Dreifuss defendeu o estudo de associações, sindicatos, federações e

confederações de empresários como meio para compreender melhor as classes

dominantes, suas divisões e frações, e a própria dinâmica social44. O estudo desses

interesses organizados é pré-condição para compreensão do Estado, entendido aqui

como condensação de relações sociais. Sonia Mendonça ressaltou que, para

compreender o aparelho estatal e as políticas públicas, é necessário antes estudar e

entender a sociedade, seus conflitos e suas formas de organizações das classes e

frações de classes45.

Pensamos que, no que se refere às políticas públicas voltadas para o âmbito

externo, o procedimento deve ser o mesmo. Para entender a política externa, é

necessário antes conhecer a sociedade e os interesses dos grupos sociais organizados

em entidades e associações voltadas para a implementação de certas políticas e para a

difusão de uma certa concepção de mundo para toda sociedade. Assim, como afirmou

Gramsci, as relações internacionais seguem e não precedem as relações sociais

fundamentais dentro de uma dada formação social46. Essa citação nos parece

elucidativa de que, para estudar a política externa, deve-se analisar as formas de

organização dos grupos sociais interessados na política externa, em especial nas

políticas de exportação, importação, financiamentos, empréstimos e investimentos

diretos no exterior. Pesquisando esses grupos, suas organizações, idéias e propostas,

pensamos que podemos ajudar a desvendar e entender uma certa parcela do que

Renouvin e Duroselle chamaram de forças profundas que agem para determinar as

relações internacionais.

Assim, enquanto na pesquisa de doutorado, focamos o desenvolvimento

econômico das empresas de construção pesada no Brasil e como elas, organizadas em

aparelhos privados da sociedade civil, pautavam e ditavam parte expressiva da agenda

da política nacional naquele período, intentamos através da presente pesquisa verificar

como essas firmas se expandiram e se fortaleceram internacionalmente e em que

medida elas determinaram a agenda internacional da política externa brasileira.

44 DREIFUSS, René Armand. A Internacional Capitalista. op. cit. p. 21-31. 45 MENDONÇA, Sônia Regina de. “Estado e sociedade”. In: MATTOS, Marcelo Badaró de (org.). História: pensar & fazer. Rio de Janeiro: Laboratório de Dimensões da História, 1998. p. 14-24. 46 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. vol. 3. p. 19-20.