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Janaina Fialho Martins
A DIMENSÃO ESPACIAL DO VÍRUS EBOLA, 1976 a 2016
Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao
Programa de Graduação da Universidade
Federal de Santa Catarina para a obtenção do
Grau de Bacharelado em Geografia.
Orientador: Prof.ª Dr.ª Leila Christina Duarte
Dias
Florianópolis
2017
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor
através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária
da UFSC.
Martins, Janaina
A dimensão espacial do vírus Ebola,
1976 a 2016 / Janaina
Martins ; orientadora, Leila Christina Duarte Dias,
2017.
54 p.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) -
Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de
Filosofia e Ciências Humanas, Graduação em
Geografia, Florianópolis, 2017.
Inclui referências.
1. Geografia. 2. Ebola. 3. Difusão Espacial. 4.
África. I. Duarte Dias, Leila Christina. II.
Universidade Federal de Santa Catarina. Graduação em
Geografia. III. Título.
Janaina Fialho Martins
A DIMENSÃO ESPACIAL DO VÍRUS EBOLA, 1976 a 2016
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado para
obtenção do Título de Bacharel em Geografia e aprovado em sua forma
final pelo Programa de Graduação em Geografia da Universidade
Federal de Santa Catarina
Florianópolis, 21 de junho de 2017.
Banca Examinadora:
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço à minha querida e tão atenciosa
Professora Leila Christina Duarte Dias por ter aceito orientar-me para a
confecção deste trabalho e assim o fez de forma tão impecável. Foram
dias de muita conversa, aprendizados e disposição de forma tão
agradáveis que proporcionou toda calma e conhecimento que um
trabalho de conclusão de curso necessita. Nas vezes em que a mesma
disse que eu a lembrava nos tempos de mestrado, me senti
extremamente honrada e satisfeita com a escolha que havia feito ao ter
estendido o convite de orientação a ela.
Aos meus pais que por toda minha vida me proporcionaram
acesso às melhores instituições de ensino e que nunca mediram esforços
para que eu usufruísse de um estudo de qualidade o qual me fizeram
ingressar na UFSC. Um especial agradecimento à minha mãe que me
manteve forte durante toda essa caminhada, dispondo sempre de muitas
palavras de carinho.
Ao Guilherme Schroeder de Lacerda, meu parceiro de vida, que
por muitas tardes e noites esteve ao meu lado, proporcionando apoio e
emprestando seu notebook para que eu pudesse utilizá-lo para a
confecção deste trabalho. Assim como sua imensa compreensão ao
tempo que passei me dedicando à leitura e escrita e também seu doce
amparo nos períodos de ansiedade e medo.
À minha prezada amiga Thuany Nascimento por ceder ao meu
pedido de dar continuidade ao nosso trabalho sobre o tema.
Por fim, aos mestres e amigos que disponibilizaram do seu
tempo ao me ouvir falar incessantemente sobre o Ebola e assim me
deram boas dicas e apoio.
“Faça o que você sente que deve fazer.
Reciprocidade não acontece por obrigação e sim
por sintonia.”
Raissa Sonoda
RESUMO
A maior epidemia de Ebola presenciada desde seu surgimento em 1976
gerou um grande medo. O objetivo do presente trabalho é compreender
a difusão espacial do vírus e sua evolução, a fim de conhecer os motivos
pelos quais o mesmo se tornou um alarmante foco de notícia e
discussões no ano de 2014. Através de referências bibliográficas dos
mais diversos tipos e baseados no viés da geografia, os resultados
mostram a preocupação que a doença representou a nível mundial. A
cultura, a geografia e os fracos sistemas de saúde de Guiné, Libéria e
Serra Leoa foram pontos decisivos do longo período registrado dos
surtos. A mídia foi um fator essencial durante toda essa conjuntura,
proporcionando uma maior atenção para a África e mostrando o apoio
internacional de inúmeros países com a causa.
Palavras-chaves: Ebola, difusão espacial, África.
ABSTRACT
The biggest Ebola epidemic observed since its first observation in 1976
created a wave of terror. The objective of this work is to help understand
the spatial spread of the virus and its evolution, in order to acknowledge
the reasons by which it became an alarming focus of media news and
discussions at year of 2014. Using bibliographic references from many
different sources and based at the perspective of geography, the results
show the apprehension that the disease represented in a global level. The
culture, the geography and the poor health systems of countries like
Guinea, Liberia and Sierra Leone were decisive factors throughout the
long registered period of the disease outbreaks. The media was an
essential factor during this time, providing a greater attention to Africa
and showing the international support of many countries to the cause.
Keywords: Ebola, spatial spread, Africa
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Fluxograma de métodos e procedimentos ............................ 21 Figura 2 – Número de pessoas infectadas pelo vírus Ebola de 1976 a
1986 ....................................................................................................... 29 Figura 3 – Número de pessoas infectadas pelo vírus Ebola de 1987 a
1996 ....................................................................................................... 30 Figura 4 – Número de pessoas infectadas pelo vírus Ebola de 1997 a
2006 ....................................................................................................... 31 Figura 5 – Número de pessoas infectadas pelo vírus Ebola de 2007 a
2016 ....................................................................................................... 32
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Disseminação do vírus Ebola pelo mundo entre seres
humanos de 1976 a 1986. .................................................................... 334 Tabela 2 – Disseminação do vírus Ebola pelo mundo entre seres
humanos de 1987 a 1996. ...................................................................... 34 Tabela 3 – Disseminação do vírus Ebola pelo mundo entre seres
humanos de 1997 a 2006. ...................................................................... 34 Tabela 4 – Disseminação do vírus Ebola pelo mundo entre seres
humanos de 2007 a 2016. ...................................................................... 35 Tabela 5 – Classificação do Índice de Desenvolvimento Humano dos
países já afetados pelo vírus Ebola de 1976 a 2016. ............................. 36
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CDC – Centers for Disease Control and Prevention
FSP – Folha de São Paulo
IFRC – International Federation of Red Cross and Red Crescent
Societies
MSF – Médicos Sem Fronteiras
USAID – United States Agency for International Development
WHO − World Health Organization
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO .......................................................................... 13
2. INTRODUÇÃO ............................................................................... 15
2.1. Objetivos ........................................................................................ 17
2.2. Métodos e Procedimentos .............................................................. 18
3. A DIFUSÃO DO EBOLA PELO MUNDO ................................... 22
3.1. Características Sumárias da Doença ............................................... 23
3.2. Prevenção e Controle ..................................................................... 24
3.3. A Evolução do Vírus ...................................................................... 26
4. A EVOLUÇÃO DOS RECENTES SURTOS DE EBOLA NA
GUINÉ, SERRA LEOA E LIBÉRIA ................................................ 38
4.1. A Rápida Difusão ........................................................................... 40
4.2. A Mobilidade Populacional nas Fronteiras .................................... 43
4.3. O Desfecho dos Surtos ................................................................... 44
4.4. A Construção do Discurso Através da Mídia ................................. 45
4.5. A Ameaça às Grandes Potências .................................................... 46
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................... 48
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................... 50
13
1. APRESENTAÇÃO
O interesse pessoal por pesquisar doenças vem de uma longa
trajetória. Lembro-me desta nova perspectiva nas aulas de ciências no
colégio, fascinada por qualquer assunto que dizia respeito a
enfermidades e epidemias. Por hobby, sempre me motivavam a pesquisa
e descoberta por mais a respeito das enfermidades que tanto se
discutiam. Mal sabia que, naquele momento, uma grande porta se abria.
Por infelicidade, a graduação não me proporcionou muitos
momentos para que eu pudesse colocar em prática o interesse por esse
tema, talvez por não haver qualquer cadeira sobre Geografia da Saúde
no currículo oferecido ou alguma matéria similar. No entanto, no
segundo semestre de 2014, na disciplina do professor Ewerton Machado,
de Teoria Regional, surgiu uma grande oportunidade. O trabalho que o
docente passou aos alunos era de tema livre, no entanto, deveria ocorrer
uma análise regional em relação ao conteúdo escolhido.
Coincidentemente, os veículos de informação, naquele tempo, estavam
bombardeando inúmeros noticiários e sítios eletrônicos sobre os surtos
que estavam ocorrendo no ano sobre o Ebola. Logo, pensei ser um bom
assunto para ser tratado no trabalho que o professor Ewerton Machado
havia passado. Minha dupla e querida amiga, Thuany Nascimento,
gostou logo de início e aceitou o tema proposto por mim. Durante a
jornada de elaboração da pesquisa, as indagações sobre o Ebola cada vez
mais instigavam o interesse em compreender o que estava ocorrendo no
continente africano. Ao mesmo tempo em que o trabalho era um tanto
complicado, por estar sendo um tema tão recente na época, lembro
desses meses com um enorme sorriso no rosto, pois, hoje, sei que ali
estava dando o primeiro passo da minha longa caminhada.
A jornada não foi tão simples: por muitas vezes, deparei-me
com momentos em que os medos se sobressaíam e as incertezas
tomavam conta. No entanto, em momento algum deixei de acreditar que
estava trabalhando com o assunto certo. Durante todo o percurso, a
felicidade de estar lidando com algo tão fascinante e curioso, com
certeza, foi maior que qualquer insegurança de uma escritora de
dissertação “de primeira viagem”.
Atualmente, posso afirmar, com toda a certeza, que os efeitos
de aprendizado que este trabalho de conclusão de curso me
14
proporcionou foram imensos. Hoje, sinto-me um pouco mais humana e,
dessa forma, grata por essa experiência.
A você, leitor, espero, de coração, que a leitura deste presente
trabalho possa proporcionar as mesmas sensações positivas que ele me
proporcionou durante toda essa importante caminhada.
15
2. INTRODUÇÃO
O Ebola chocou o mundo em 2014 e, com sua grande
gravidade, centenas de pessoas faleceram. Levando em consideração a
seriedade do problema e a maneira como o vírus se alastrou com tanta
facilidade pelo continente africano, neste presente trabalho, foi possível
compreender a evolução do Ebola e o porquê de ter se tornado foco da
mídia somente no ano de 2014, já que a doença existe desde 1976
(CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION – CDC,
2016a).
A epidemia de 2014 começou no Sul da Guiné, através de um
menino que fora infectado em dezembro de 2013 (BBC, 2014). Segundo
Santos (2016), mesmo com os avisos dos Médicos Sem Fronteiras sobre
a necessidade de conter os surtos, foi apenas em agosto de 2014 que a
Organização Mundial da Saúde declarou o caso como uma emergência
em saúde pública de importância internacional.
Segundo o CDC (2016b), são conhecidas cinco espécies do
vírus Ebola. São elas: Vírus do Ebola (Zaire ebolavirus), vírus do Sudão
(Sudan ebolavirus), vírus da floresta Tai (Tai Forest ebolavirus,
anteriormente Côte d’Ivoire ebolavirus), vírus Bundibugyo (Bundibugyo
ebolavirus) e vírus Reston (Reston ebolavirus). As quatro primeiras são
provocadas em seres humanos; a última, somente em primatas não
humanos, como macacos, gorilas e chimpanzés. Ainda se desconhece o
reservatório natural, no entanto, acredita-se que o vírus seja veiculado
por animais, sendo o morcego o hospedeiro mais plausível. Quatro das
cinco estirpes do vírus surgem em animais originários do continente
africano (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2016b).
Mesmo não sendo mais uma ameaça global, são necessários
estudos mais profundos para entender de que modo e por que o vírus
teve grande facilidade de dispersão. A partir disso, foi abordado todo o
histórico do Ebola desde seu surgimento, passando por suas formas de
contágio, possíveis causas do seu rápido alastramento, sempre buscando
o olhar geográfico, mais especificamente o da Geografia da Saúde. A
mesma foi institucionalizada em 1949, em um congresso da União
Geográfica Internacional em Lisboa, sendo uma transformação dos
termos Geografia Médica que relacionava três pontos, físico, biológico e
social (LEON, 2003). Essa mudança, segundo a mesma autora, se deu
16
segundo uma alteração do enfoque da Geografia inserido em um
contexto histórico no século XX. No início, a Geografia da Saúde
limitava-se a técnicas cartográficas de doenças. Atualmente, a mesma
tem contribuído vastamente em áreas além de apenas a localização de
epidemias, como no entendimento da relação entre meio, homem e
patologias, das questões ambientais e mudanças ocorridas ao longo da
história.
A inexperiência com o Ebola e a falta de informação acerca do
assunto, em um primeiro momento, abriram brecha para a rápida
disseminação de um vírus com um poder letal muito grande (LOPES;
DUNDA, 2015). Segundo Cardoso e Navarro (2014), o vírus configurou
uma real preocupação em termos mundiais. O fato ocorreu devido aos
agentes etiológicos que, nos anos de surtos, foram considerados novos
ou poucos conhecidos e com grande potencial de se alastrar pelo mundo.
Após agosto de 2014, quando a Organização Mundial da Saúde declarou
tal enfermidade uma emergência de saúde, a manifestação do Ebola
passou a ter um impacto muito grande. Veículos de informação
discutiam e noticiavam o Ebola como uma ameaça à humanidade, assim
criando, na sociedade, medos e apreensões acerca da doença
(CARDOSO; NAVARRO, 2014).
Outro viés pesquisado foi o de analisar de que maneira a
mídia1 esteve atrelada a toda a divulgação do Ebola, o que certamente
contribuiu para a análise de que maneira o mundo olha para África, um
continente por muitas vezes rotulado somente por desgraças.
Bertolli Filho (2014) expressa que, ao ocultar as lacunas do
saber e deixar de problematizar um assunto em torno da saúde humana,
abre-se possibilidade de doenças emergentes tornarem-se as “próximas
pestes”, tão avassaladoras a ponto de serem muito difíceis de controlar.
Contudo, as questões levantadas sobre o fenômeno Ebola não só
possibilitaram o conhecimento dos acontecimentos que estavam
eclodindo nos noticiários de todo planeta, como também propiciaram
que o mundo passasse a olhar mais para os países africanos pobres, uma
grande parte de um continente tão importante, no entanto, por muitas
vezes ignorada. Tal fato permitiu uma abordagem do Ebola por diversos
ângulos. Como Arroz aborda (1979), a questão principal, a partir da
1 Entende-se por mídia todo tipo de informação relacionada à televisão,
revistas e internet.
17
análise da Geografia Médica, dificilmente irá ser considerada completa
se não for elaborada diante de um contexto fundamentado na
interdisciplinaridade. Dessa forma, neste trabalho, procurou-se
apresentar um enfoque geográfico.
2.1. Objetivos
Objetivo Geral
Compreender a difusão espacial do vírus Ebola e sua evolução,
a fim de conhecer os motivos pelos quais o mesmo se tornou
um alarmante foco de notícias e discussões somente no ano de
2014.
Objetivos Específicos
Analisar o histórico do vírus da febre hemorrágica do Ebola
desde seu surgimento até o ano de 2016.
Espacializar a recorrência da doença, através de mapas
utilizando a ferramenta SIG.
Analisar as causas que contribuíram para a rápida difusão do
vírus na Guiné, Libéria e Serra Leoa.
Compreender de que maneira o fenômeno do Ebola está
atrelado às condições materiais e sociais da população da região
escolhida como foco.
Analisar de que maneira a mídia esteve ligada à disseminação
das notícias da doença.
18
2.2. Métodos e Procedimentos2
Os métodos e procedimentos adotados foram inspirados na
abordagem de André Libault (1971). Há cerca de 40 anos, ele ressaltava
a carência de metodologia como sendo a principal causa da baixa
produção de trabalhos geográficos e mostrava a importância de uma
melhor compreensão e adequação das atividades de uma pesquisa,
através da sistematização e organização de um trabalho em níveis
distintos. Hoje, sabe-se que muito disso mudou e as pesquisas
geográficas não possuem tamanha carência. No entanto, o método
trabalhado por Libault auxiliou a organização e o desenvolvimento da
pesquisa.
Será vantajoso acompanhar a clássica
subdivisão em quatro níveis, sabendo que a
demarcação não fica sempre nítida e que haverá
interferências de um nível para outro. Mas a
ordem lógica é essencial. (LIBAULT, 1971, p.
2)
O presente trabalho demandou um grande levantamento de
dados de origens diversas e a contínua atualização do tema, de acordo
com publicações de notícias recentes. Dessa maneira, o método
trabalhado por André Libault possibilitou a imposição de uma dinâmica
de fluidez, facilitando a contemplação de todos os objetivos já citados.
Sendo assim, os níveis compilatório, correlatório, semântico e normativo
foram baseados no sentido de estruturação das etapas da investigação.
De início, temos o nível compilatório, que é baseado em uma
seleção para coleta de dados. Apesar de parecer uma etapa fácil, o autor
ressalta a necessidade de ter cuidado e atenção especiais, pois “nenhuma
ciência pode se apoiar apenas sobre bases imaginárias, e necessita uma
fase inicial de constatação” (LIBAULT, 1971, p. 3). Em um primeiro
momento, foram obtidas informações relativas ao vírus Ebola, como
características, formas de prevenção e controle, sintomatologia, seu
2 Para a realização deste item e melhor compreensão da obra de André
Libault (1971), foi utilizado o artigo da revista Geonorte denominado “Os
quatro níveis da pesquisa geográfica aplicados à organização e
sistematização de atividades envolvidas na compartimentação de terrenos”,
de Oliveira e Riedel (2012).
19
histórico, entre outros. Nessa parte, foram utilizados artigos,
informações do Ministério da Saúde e principalmente os sítios
eletrônicos do Centers for Disease Control and Prevention e World Health Organization como referências bibliográficas. Além disso, foi
realizada uma revisão bibliográfica, pautada em artigos de seminários e
revistas científicas, livros, dicionários, jornais, revistas, dissertações de
mestrado, trabalhos de conclusão de curso e, por fim, sítios eletrônicos
informativos de uma maneira geral.
O nível correlatório é caracterizado como sendo uma conexão
dos dados já obtidos no primeiro passo com a realidade do tema
trabalhado. A partir disso, Libault (1971) afirma que já é possível
considerar completo o conjunto de dados necessários, no entanto, nem
todos terão o mesmo grau de fidedignidade. Portanto, foram definidas
uma ordem cronológica dos dados coletados e uma separação por áreas.
Primeiramente, ficou estipulada, no primeiro capítulo, a construção da
problemática como sendo base do trabalho e, através dela, a confecção
de introdução, objetivos e métodos e procedimentos adotados. Nesta
parte, foram utilizadas informações de sítios eletrônicos, como o CDC e
o jornal BBC, assim como artigos científicos. Já no segundo capítulo,
ficou estabelecida a correlação do material adquirido no sentido de
explicar o vírus Ebola em sua trajetória pelo mundo. Logo, foram
abordados conceitos relevantes para a dissertação de demais assuntos,
assim como foi feita a descrição das características sumárias do vírus,
concomitantemente ao seu histórico. A revisão bibliográfica ficou
pautada em informações do CDC, WHO, Ministério da Saúde,
previamente citados, e também dissertação de mestrado e artigos. Em
anexo desse segundo capítulo, foram elaborados quatro mapas através
do software QGIS (versão 2.18.7) no intuito de espacializar a doença.
Eles mostram a cronologia do vírus Ebola desde sua origem até o ano de
2016. Para proporcionar uma melhor compreensão da difusão do vírus
nesta parte, também foram elaboradas tabelas. Os dados escolhidos para
realização dessas tarefas partiram do CDC e da United Nations Development Programme. No terceiro capítulo e último capítulo, foi
estipulada a análise da evolução do Ebola, mais especificamente dos
mais recentes surtos ocorridos nos países escolhidos3. Na composição do
capítulo, foram escolhidos essencialmente artigos, mas também uma
3 Entendem-se, como surtos mais recentes, os casos de Ebola ocorridos a
partir de dezembro de 2013.
20
obra de Milton Santos e informações da WHO. Nesta última parte,
também foi abordada a relação do Ebola com a mídia e novamente,
foram utilizados artigos e, para complementar, uma revista e um jornal.
As análises elaboradas no nível correlatório giraram em torno
da formação socioespacial, econômica, condições materiais, cultura,
hábitos locais e processos migratórios dos países mais afetados. Esses
itens foram correlacionados e analisados com os dados levantados
acerca do vírus Ebola.
Posteriormente, no nível semântico, foi feita uma constatação
de todo conteúdo, buscando procurar se o cumprimento e êxito de todos
os objetivos elencados no primeiro capítulo haviam sido realizados.
Segundo Libault (1971), neste nível, é verificada a possibilidade de
utilizar ou não o material já levantado e analisado nas duas primeiras
etapas. “Em outras palavras, trata-se de localizar exatamente os
problemas parciais, de modo a organizar seus elementos dentro de um
problema global” (LIBAULT, 1971, p. 9). Dessa forma, ficou disposto
que: o primeiro objetivo foi contemplado nos capítulos 3 e 4 e os demais
objetivos foram concretizados no capítulo 4.
No último nível, denominado normativo, é onde se conclui, a
partir de todos os outros níveis, a problemática do tema. Conforme o
mesmo autor, nesta etapa, deve-se “considerar que a análise semântica já
realizou uma abordagem racional da concepção do problema”
(LIBAULT, 1971, p. 11). Neste caso, após toda coleta de dados, análise
e constatação dos fatos, espera-se que as relações duvidosas tenham se
transformado em fatores flutuantes. Logo, foi possível afirmar a
contemplação do objetivo geral do trabalho, “compreender a difusão
espacial do vírus Ebola e sua evolução, a fim de conhecer os motivos
pelos quais o mesmo tornou-se um alarmante foco de notícias e
discussões somente no ano de 2014”, assim efetivado nas considerações
finais.
A fim de sintetizar e permitir uma melhor visualização dos
métodos e procedimentos elaborados neste capítulo, segue a Figura 1:
3. A DIFUSÃO DO EBOLA PELO MUNDO
Termos como dispersão, evolução e difusão espacial são
bastante vistos em diversas obras nos mais diferentes temas,
especialmente nos trabalhos elaborados na área da saúde. No entanto,
muitas vezes, não fica clara a diferença semântica entre cada um deles,
eventualmente criando conflitos conceituais.
Segundo o Dicionário Michaelis (2017), dispersão é: “1) Ação
ou efeito de dispersar(-se). 2) Separação de coisas ou pessoas por
diversos lugares e em diferentes direções”. Já evolução é conceituada
como: “1) Ação, processo ou efeito de evoluir. 2) Transformação e
mudança contínua, lenta e gradual em que certas características ou
estados mais simples tornam-se mais complexos, mais desenvolvidos e
aperfeiçoados; desenvolvimento, progresso”. Quanto à difusão espacial,
é pertinente citar Wallace e Wallace (1997) apud Tomazelli et al.
(2003), pelo motivo de os autores abordarem o termo relacionado a
epidemias, debatendo três variações conceituais do mesmo. O autor
refere-se à primeira variação como sendo uma difusão hierárquica que
consiste em agentes infecciosos sendo transmitidos em forma de
“cascatas” de um local dominante para demais lugares. Já a segunda e a
terceira variações são semelhantes às ocorrências dos mais recentes
surtos de Ebola sendo as mesmas descritas como: propagação por
proximidade, em que o contágio acontece a partir de interações de
pessoas. Ou seja, havendo frequência de interação entre vizinhos em
duas determinadas áreas, a difusão espacial de uma epidemia X pode vir
a ocorrer nos dois locais; e difusão por redes que ocorre permitindo a
transmissão de epidemias em comunidade de pessoas que possuem a
mesma rede social.
Para compreender as medidas de frequência de uma doença,
foi importante considerar dois outros conceitos: incidência e
prevalência. Segundo Wagner (1998), “a forma mais básica de se
determinar a frequência de uma doença é através da simples contagem
dos indivíduos afetados”. No entanto, esta informação abre uma lacuna
dentro do conhecimento da epidemiologia, pois não diz muito a respeito
da população atingida pela enfermidade. Dessa maneira, o mesmo autor discute a necessidade de saber o tamanho da população ou grupo que
veio a originar os casos, juntamente com a localização temporal dos
mesmos. A prevalência caracterizada como sendo uma medida estática
em relação a um espaço de tempo, que mede a razão de seres infectados
23
pelo número total de indivíduos escolhidos para estudo; enquanto a
incidência é explicada pelo número de novos casos existentes em um
período de tempo, onde determinado grupo se encontra em risco de
contrair a doença (WAGNER, 1998).
3.1. Características Sumárias da Doença
A doença do vírus Ebola, anteriormente conhecida como febre
hemorrágica do Ebola, se caracteriza como sendo uma doença grave
com uma taxa de letalidade bastante alta e ainda de origem
desconhecida (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND
PREVENTION, 2015). A enfermidade acomete seres humanos e
primatas não humanos, como macacos, gorilas e chimpanzés e ocorre
através do contato direto com sangue, secreções e fluidos corporais de
algum ser contaminado, assim como objetos (como agulhas e seringas)
que estejam contaminados com o vírus, morcegos ou primatas
infectados, bem como também através do sêmen de um homem
infectado ou recentemente recuperado da doença (CENTER FOR
DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2015). Apesar da grande
chance de contaminação, a Associação dos Médicos Sem Fronteiras
(2016) afirma que o Ebola não é transmitido pelo ar. No entanto, o
contato com pessoas infectadas sem que sejam utilizados luvas,
máscaras e óculos propícios para a situação fez com que muitas pessoas
contraíssem a doença. Um corriqueiro exemplo desta contaminação nos
países mais afetados nos anos de 2014 a 2016 foi através de pessoas que
tiveram contato direto com corpos de familiares e amigos que vieram a
óbito por conta do Ebola (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2015).
Em relação à sintomatologia da doença, as reações são
bastante semelhantes a outras enfermidades, como Cólera, o que acaba
dificultando o diagnóstico do Ebola (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2015). Segundo o CDC (2015), tais reações são
caracterizadas por febres, dores no estômago, de cabeça ou musculares,
fraqueza, diarreias, vômitos, hemorragias ou hematomas e fadiga,
podendo surgir entre 2 e 21 dias após a pessoa ter-se exposto ao vírus.
Entretanto, para que a confirmação da doença seja estabelecida, é
necessário realizar testes moleculares em laboratórios, onde nota-se um
extenso risco de contaminação (MÉDICOS SEM FRONTEIRAS, 2016).
24
Quanto ao tratamento da doença, o CDC (2015) confirma que
não existe nada aprovado pela Agência Federal dos Produtos
Alimentares e Farmacêuticos dos EUA – FDA, como medicamentos
antivirais. O que foi feito desde o início dos surtos do vírus Ebola foram
tratamentos de suporte intensivo, através da internação hospitalar das
pessoas acometidas pela enfermidade (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2016). Dentre os cuidados médicos, são utilizadas terapias intravenosas
de fluidos e eletrólitos, tratamentos para a manutenção de oxigênio e
pressão arterial, assim como outras infecções que possam vir a surgir.
No entanto, estes procedimentos, nos anos de surtos, ainda estavam
sendo desenvolvidos, o que não garantia a total segurança de eficácia
(CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2015).
Outro fator importante abordado pelo mesmo autor diz respeito ao fato
de que a recuperação do Ebola também depende de uma boa resposta do
sistema imunológico dos pacientes e não somente de um tratamento
eficaz.
3.2. Prevenção e Controle
As orientações de prevenção proferida pelo CDC (2015) a
todos que fossem se deslocar para zonas afetadas por um surto de Ebola
eram diversas. Para a população em geral, as recomendações giravam
em torno de manter uma higiene cuidadosa, lavando constantemente as
mãos com água e sabonete ou desinfetando-as com álcool; evitar entrar
em contato com sangue e qualquer outro tipo de fluido corporal; não
utilizar objetos que houvessem estado em contato com fluidos de
alguém infectado; evitar funerais ou rituais fúnebres que estivessem
ligados ao cadáver de uma pessoa que veio a óbito devido ao Ebola;
evitar contato direto com morcegos e primatas não humanos, assim
como o consumo de suas carnes; evitar unidades de tratamento de
pacientes com o vírus e, por fim, estar atento à própria saúde em até 21
dias após o regresso e procurar assistência médica caso algum dos
sintomas de Ebola fosse verificado.
Já para os profissionais de saúde que estivessem expostos a
pessoas com qualquer confirmação e até mesmo suspeita de Ebola, o
CDC (2015) recomendou: o uso de equipamento protetor adequado;
tomada de medidas satisfatórias de controle de infecção e esterilização;
isolamento de pessoas com Ebola de demais pacientes; resguardo ao
entrar em contato direto com cadáveres de seres humanos que faleceram
25
de Ebola e aviso aos serviços de saúde caso ocorresse contato com
sangue ou fluidos corporais de alguém infectado.
Como medidas de controle, inúmeras organizações e
instituições de caridade atuaram para conter os casos de Ebola e tratar
pessoas infectadas. Para isso, os Médicos Sem Fronteiras
providenciaram grande parte dos cuidados clínicos desde o início da
epidemia, assim como também cederam seus centros de tratamento e
forneceram financiamentos. O The World Food Programme promoveu,
além de entrega de alimentos, a limpeza de terrenos para novos
cemitérios, assim como a utilização de seus helicópteros para obtenção
de respostas rápidas nas áreas mais remotas dos países afetados. A
instituição de caridade Save The Children assumiu a responsabilidade
pela gestão de um centro de tratamento construído pelo governo do
Reino Unido. A UNICEF trabalhou promovendo a saúde infantil, o
parto seguro e liderou boa parte da mobilização social. E o CDC utilizou
seus funcionários no sentido de apoio, rastreamento, gerenciamento e
testes de qualquer dado acerca do Ebola. A International Federation of
Red Cross and Red Crescent Societies − IFRC e seus voluntários
colaboraram oferecendo às famílias das vítimas enterros seguros e
dignos e, por fim, o The International Medical Corps, International
Rescue Committee e a International Organization for Migration foram
importantes ao lidarem com a administração das instalações de
tratamento estabelecidas (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2015) 4 . Em geral, para controle da epidemia do Ebola, ficou
determinada a promoção de algumas ações nos níveis:
Local: logística para prevenção, diagnóstico e
tratamento da doença, monitoramento do
deslocamento de pessoas para outras cidades;
Nacional: estabelecimento de um centro de
coordenação para questões logísticas, tais como
compartilhamento de informações e uso de
equipamentos pelo pessoal da área de saúde,
finanças e fronteiras; e
Internacional: compartilhamento de informação
entre países e por meio de instituições, como
4 Este parágrafo foi escrito com base na referência do World Health
Organization (2015).
26
OMS, Nações Unidas, ONGs, captação de
recursos financeiros para a contenção da
epidemia e cooperação na área de vacinas e
medicamentos testados contra o vírus (LOPES;
DUNDA, 2015).
3.3. A Evolução do Vírus5
O primeiro registro que se tem conhecimento do vírus Ebola
(Zaire ebolavirus) ocorreu no ano de 1976 em Yambuku, na região do
Zaire, atual República Democrática do Congo. A constatação recebeu
este nome devido ao fato de ter surgido às margens do rio Ebola.
(LOPES; DUNDA, 2015). Neste primeiro ano, a doença chegou a
atingir cerca de 318 pessoas, levando a óbito um total de 280. Neste
caso, a doença foi disseminada por contato pessoal próximo e pelo uso
de agulhas e seringas contaminadas. Ainda em 1976, o segundo caso de
Ebola (Sudan Ebolavirus) identificado ocorreu no Sudão. Segundo
Shears e O’Dempsey (2015), conforme citado por Nunes (2016), o caso
teve início quando um trabalhador de uma fábrica de algodão começou a
apresentar sintomas anormais e logo em seguida foi hospitalizado. Ao
fim deste surto, foram contabilizados 53% de falecimentos das 284
pessoas infectadas, sendo estas, principalmente, profissionais da área
médica. Já nos anos de 1977 e 1979, as mesmas espécies do vírus
voltaram a atingir a vila de Tandala, na República Democrática do
Congo, e a cidade de Nzara, Sudão do Sul, respectivamente, deixando
23 mortes (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND
PREVENTION, 2016a).
Ainda no ano de 1976 e diferentemente do ocorrido no Zaire e
Sudão do Sul, foi constatado um caso de contaminação laboratorial do
vírus Ebola Sudão na Inglaterra. Contudo, não aconteceu nenhuma
morte (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION,
2016a).
Em 1989, um caso advindo da estirpe Reston do vírus Ebola
ocorreu fora do Continente Africano, no estado americano da Virgínia e
na Pensilvânia, onde macacos importados das Filipinas, portadores do
5 O subcapítulo 3.3. A Evolução do Vírus foi escrito fundamentalmente com
base na referência bibliográfica Centers for Disease Control and Prevention
(2016a).
27
vírus, foram introduzidos em quarentena. No ano seguinte, o mesmo
procedimento foi feito e quatro pessoas que obtiveram contato com os
animais foram infectadas, desenvolvendo anticorpos, porém sem
sintomas aparentes (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND
PREVENTION, 1990). Um caso semelhante aconteceu em 1992 na
Itália, todavia, nenhum humano foi infectado (CENTERS FOR
DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2016a).
Dois anos depois, segundo o CDC (2016a), a doença voltou a
ser uma preocupação, quando, em Makokou, no Gabão, 49 pacientes
com sintomas hemorrágicos foram hospitalizados. De imediato, os
mesmos foram diagnosticados com Febre Amarela e a enfermidade
instituída como the fall 1994 epidemic (A epidemia de outono de 1994)
acabaria após 6 semanas de tratamento. Todavia, algum tempo depois,
foram identificadas algumas particularidades dos agentes etiológicos,
diferentes das que seriam causadas através de uma infecção por Febre
Amarela, o que acabou levando à verificação do vírus Ebola (Ebola
Zaire) agindo concomitantemente ao vírus da Febre. No mesmo ano,
durante o caso de uma cientista que conduzia uma autópsia em
chimpanzés africanos, foi descoberta a subespécie Tai Forest do vírus
Ebola. Diante disto, a responsável pelo incidente acabou sendo alvo de
uma infecção, no entanto, sendo tratada posteriormente, sem demais
danos (PASSI et al., 2015, apud NUNES, 2016). Em 1996, outros casos
vieram a acontecer no mesmo país. O primeiro foi resultado de um
evento ocorrido na área de Mayibout, onde pessoas haviam encontrado
na floresta um chimpanzé morto e sucessivamente se alimentado da
carne infectada dele. Foram 19 pessoas envolvidas que acabaram
doentes, fora os outros casos de membros da família que também
contraíram a doença. No segundo semestre do mesmo ano, houve outra
ocorrência: um caçador que vivia em um acampamento de uma floresta
local veio a ser infectado, disseminando, dessa maneira, o vírus para
demais pessoas que tiveram contato próximo com o homem. Ao fim
desses anos, foram 149 pessoas infectadas no Gabão, com 97
falecimentos dentre elas. Ainda em decorrência destes surtos, um dos
profissionais de saúde que estavam auxiliando no tratamento de pessoas
infectadas com Ebola acabou sendo exposto à estirpe Zaire. Após ser levado e hospitalizado em Joanesburgo, na África do Sul, a enfermeira
responsável pelo quadro médico do paciente acabou contraindo a doença
e posteriormente veio a falecer (CENTERS FOR DISEASE CONTROL
AND PREVENTION, 2016a).
28
Nos anos 2000, um grande surto em Uganda matou mais da
metade das 425 pessoas contaminadas. Segundo o CDC (2016a), as
principais causas da disseminação do vírus decorreram de contato entre
pessoas da família e médicos sem proteção adequada com aqueles
portadores da doença, assim como dos funerais dos pacientes falecidos.
Os anos foram transcorrendo e os cenários envolvendo o Ebola
passaram a ocorrer com mais frequência. De 2000 a 2013, anteriormente
ao início da última epidemia, foram diversas situações de contaminação
em diferentes países. Durante esses anos, segundo os dados do Centers
for Disease Control and Prevention (2016a), mais de 1200 pessoas
foram infectadas. Como referenciado por Lopes e Dunda (2015), é
possível notar que o vírus possa “ter estado incubado e ter sido
transportado para um dos Estados infectados ou ter sofrido mutação
genética”, devido ao fato de a República Democrática do Congo ser o
berço do Ebola. No entanto, esse país não se encontra entre os afetados
pela epidemia iniciada em 2014. Outro fato bastante relevante de ser
mencionado foi o de não ter ocorrido mortes de seres humanos fora do
continente africano até antes dos surtos mais recentes.
Em todos esses casos relatados do vírus Ebola, foi possível
observar a forte predominância de difusão por propagação de
proximidade e difusão por redes. Como descritos, os casos da epidemia
podem ser inseridos nessas abordagens, posto que a epidemia se alastrou
por meio de interações entre pessoas de áreas adjacentes e entre
comunidades de pessoas com redes sociais incomuns.
A fim de espacializar a evolução do vírus, a seguir temos
mapas e tabelas relatando todos os casos documentados de Ebola desde
seu surgimento até o ano de 2016. Com exceção do primeiro mapa e da
tabela 1, os demais mapas e as tabelas 2, 3 e 4 foram divididos em
décadas para melhor visualização dos casos ocorridos pelo mundo. Dada
a dificuldade para obter bases cartográficas relativas à divisão territorial
da África em cada período estudado, este trabalho utilizou a base de
2016. Isto significa que: a) embora as figuras 2 e 3 nomeiem República
Democrática do Congo, à época o país chamava-se República do Zaire;
b) embora as figuras 2, 3, 4 representem o Sudão do Sul, esse país ainda
não havia sido reconhecido como estado independente, mas já constituía
uma certa autonomia desde 1972 quando ficou marcado o fim de um
histórico conflito entre Sudão do Norte e do Sul (VEJA, 2011).
Barcellos et al. (2002), em Organização Espacial, Saúde e
Qualidade de Vida: Análise Espacial e Uso de Indicadores na
Avaliação de Situações de Saúde, apresentam o conceito de espaço-
geometria como:
Esse espaço-geometria é contínuo e
representado por um conjunto de relações entre
objetos num plano cartesiano e tem como
premissa que os elementos espaciais próximos
(contíguos ou ligados por conexões)
compartilham condições socioambientais
semelhantes (BARCELLOS et al. 2002, p.
130).
Condições socioambientais ou modos de vida distintas
implicam características epidemiológicas diversas. Apesar da notória
letalidade do vírus Ebola, é possível constatar diferenças bastante
significantes entre números de infectados/óbitos em países vizinhos
(vide tabelas 1, 2, 3 e 4). Um possível exemplo de tal abordagem pode
ser vista no ano de 1976, em que a República Democrática do Congo
(antiga República do Zaire) e o Sudão do Sul (antigo Sudão)
apresentaram certa disparidade na percentagem de mortes (tabela 1).
A comparação das tabelas 1, 2, 3 e 4 com a tabela 5 mostra que
há relação entre o número de seres humanos infectados com Ebola entre
o período de 1976 a 2016 e o nível de IDH classificado como baixo.
Dessa maneira, percebe-se que há um vínculo dos surtos com alguns
países que possuem os piores valores do Índice de Desenvolvimento
Humano do mundo (LOPES; DUNDA, 2015).
O Índice de Desenvolvimento Humano, segundo o PNUD
(20--), “é uma medida resumida do progresso a longo prazo em três
dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e
saúde”. O índice foi criado com o intuito de ser um contraponto ao
indicador Produto Interno Bruto, que apenas utiliza o fator econômico
como dimensão.
34
Tabela 1 – Difusão do vírus Ebola pelo mundo entre seres humanos de
1976 a 1986.
Anos País Infectados Mortes Percentagem
de Mortes
1976 e 1977 República
Democrática
do Congo
319 281 88%
1976 e 1979 Sudão do
Sul
318 173 54%
Fonte: Organizada pela autora Janaina Fialho Martins com base em Centers for
Disease Control and Prevention (2016a).
Tabela 2 – Difusão do vírus Ebola pelo mundo entre seres humanos de
1987 a 1996.
Anos País Infectados Mortes Percentagem
de Mortes
1994 e 1996 Gabão 102 97 95%
1994 Costa do
Marfim
1 0 0
1995 República
Democrática
do Congo
315 250 81%
1996 África do
Sul
2 1 50%
Fonte: Organizada pela autora Janaina Fialho Martins com base em Centers for
Disease Control and Prevention (2016a).
Tabela 3 – Difusão do vírus Ebola pelo mundo entre seres humanos de
1997 a 2006.
Anos País Infectados Mortes Porcentagem
de Mortes
2000 Uganda 425 224 53%
35
(conclusão)
Anos País Infectados Mortes Porcentagem
de Mortes
2001 Gabão 65 53 82%
2001, 2002 e
2003
República do
Congo
235 200 85%
Fonte: Organizada pela autora Janaina Fialho Martins com base em Centers for
Disease Control and Prevention (2016a).
Tabela 4 – Difusão do vírus Ebola pelo mundo entre seres humanos de
2007 a 2016.
Anos País Infectados Mortes Percentagem
de Mortes
2007 e 2012 Uganda 160 41 26%
2007, 2008,
2012 e 2014
República
Democrática
do Congo
398 264 66%
2004 Sudão do
Sul
17 7 41%
2013 a 2016 Guiné 3814* 2544 67%
2013 a 2016 Libéria 10678* 4810 45%
2013 a 2016 Serra Leoa 14124* 3956 28%
2013 a 2016 Múltiplos
países6
36* 15 42%
Fonte: Organizada pela autora Janaina Fialho Martins com base em Centers for
Disease Control and Prevention (2016a).
6 Os países afetados entre os anos de 2013 e 2016 foram: Espanha, Estados
Unidos, Itália, Mali, Nigéria, Reino Unido e Senegal.
36
Tabela 5 – Classificação do Índice de Desenvolvimento Humano dos
países já afetados pelo vírus Ebola de 1976 a 2016.
Classificação
IDH
IDH País Nível do
IDH
NDI
10º 0,920 Estados
Unidos
Muito
alto
4*
16º 0,909 Reino Unido Muito
alto
1*
26º 0,887 Itália Muito
alto
1*
27º 0,884 Espanha Muito
alto
1*
109º 0,697 Gabão Médio 214
119º 0,666 África do
Sul
Médio 2
135º 0,592 República do
Congo
Médio 235
152º 0,527 Nigéria Baixo 20*
162º 0,494 Senegal Baixo 1*
163º 0,493 Uganda Baixo 592
171º 0,474 Costa do
Marfim
Baixo 1
175º 0,442 Mali Baixo 8*
176º 0,435 República
Democrática
do Congo
Baixo 1032
37
(conclusão)
Classificação
IDH
IDH País Nível do
IDH
NDI
177º 0,427 Libéria Baixo 10678*
180º 0,420 Serra Leoa Baixo 14124*
181º 0,418 Sudão do
Sul
Baixo 335
183º 0,414 Guiné Baixo 3814* Fonte: Organizado pela autora Janaina Fialho Martins com base em Centers for
Disease Control and Prevention (2016a), Centers for Disease Control and
Prevention (2016c) e United Nations Development Programme.
* Os números refletem o número total de casos (suspeitos, prováveis e
confirmados).
38
4. A EVOLUÇÃO DOS RECENTES SURTOS DE EBOLA NA
GUINÉ, SERRA LEOA E LIBÉRIA
Como observado nos mapas apresentados no capítulo anterior,
há uma enorme discrepância dos casos relatados do Ebola entre as três
primeiras espacializações e a última, no sentido de difusão do vírus.
Diante disso, entender a distribuição da doença no espaço e no tempo
torna-se tarefa imprescindível para a compreensão de tamanha mudança.
O atual capítulo reserva-se ao entendimento da incidência e prevalência
dos casos mais recentes de Ebola dentro dos países supracitados.
Como afirmou Milton Santos (1985, p. 4), “o espaço deve ser
considerado como uma totalidade, a exemplo da própria sociedade que
lhe dá vida”. Esse conceito, em companhia ao conceito de território,
passou a ser utilizado dentro da epidemiologia na busca por encontrar
instrumentos teóricos e metodológicos que explicassem o processo
saúde-doença como uma manifestação social (FARIA; BORTOLOZZI,
2009). Sendo assim e seguindo a reflexão do geógrafo supracitado, os
elementos do espaço como homens, meio ecológico, instituições, entre
outros, simultaneamente às suas respectivas funções, dão vida à
premissa de serem importantes e fatores condicionantes na saúde de uma
população.
Faria e Bortolozzi (2009) se apropriam do conceito de
território proposto por Milton Santos, chamando a atenção para as
funções e os usos do espaço, e defendendo a ideia de que não se torna
viável compreender esse conceito sem dar atenção às relações políticas e
econômicas estabelecidas no modo de produção capitalista atual.
A abordagem do território nessa perspectiva
permite estabelecer as relações entre os
territórios em diferentes escalas. Assim, é
possível transitar entre as escalas territoriais
locais (acesso aos serviços, qualidade de vida,
moradia, etc.) e sua relação com os mecanismos
territoriais globais (políticas públicas,
infraestrutura, economia, etc.) e, a partir daí,
estabelecer a relação com os processos sociais
como saúde, educação, renda, etc. (FARIA;
BORTOLOZZI, 2009, p. 37 e 38).
39
A partir dessa linha de pensamento, cabe ressaltar que, neste
capítulo, foram trabalhadas questões que se inserem na realidade
sociocultural das populações em destaque, buscando levar em conta
hábitos, fatos históricos, econômicos e infraestruturais dos países
abordados, a fim de interpretar a rápida disseminação do vírus (LOPES;
DUNDA, 2015).
Em segundo lugar, será tratada a relação entre o vírus Ebola e
a mídia7. As mensagens midiáticas contribuem ostensivamente para a
formação do senso comum diante de qualquer assunto. Segundo Silva
(2011), conforme citado por Mattos (2015), o processo de comunicação
e as relações interpessoais vêm se alterando de acordo com a inserção da
mídia na vida das pessoas. A rapidez com que os fatos do mundo todo
são divulgados justifica-se através de fenômenos do mundo
contemporâneo (CARDOSO; NAVARRO, 2014), sendo a globalização
um bom exemplo disso.
Um ponto bastante importante, relatado na obra de Cardoso e
Navarro (2014, p. 261), denominada Ebola e a Mídia, destaca que
“emissores e receptores não partem dos mesmos critérios de
significação, tendo em comum somente os que são impostos pelo
próprio meio”. Ou seja, emissores e receptores que se encontram em
realidades socialmente ou culturalmente distintas podem compreender
as notícias de formas completamente diferentes.
De acordo com os mesmos autores, os fatos e conteúdo de
determinada questão são utilizados pelos mais diversos interesses,
principalmente aqueles de alto impacto, que geram medo na população.
Esse tipo de comunicação é utilizado no sentido de orientação e
divulgação das percepções de risco de uma doença, por exemplo, em
que pessoas, grupos e organizações intercambiam uma gama de
informações em relação ao tema proposto. Após uma seleção dos
assuntos a serem abordados acerca de um principal tema, através de
critérios utilizados de noticiabilidade, a mídia pode induzir a condução
dessas informações no imaginário das pessoas (CARDOSO;
NAVARRO, 2014). Os surtos de Ebola, iniciados no ano de 2014,
foram uma boa amostra de como os veículos de informação, dos mais
7 A introdução do capítulo 5. “O Ebola e a Mídia” foi escrita
fundamentalmente com base na bibliografia de Cardoso e Navarro, 2014.
40
variados tipos, se comportam diante de epidemias devastadoras, como
será tratado neste capítulo.
4.1. A Rápida Difusão8
Segundo Guimarães (2001), o sistema de saúde deve ser visto
como uma rede interconectada que depende da atuação de pessoas,
mercadorias e informações. Apesar da grande abrangência que o tema
possa alcançar, tratar esses atores separadamente pode gerar uma grande
lacuna nos estudos, ocasionando falhas de compreensão.
Um conceito relevante e trazido por Ngoenha (2006) conforme
citado por Nhampoca (2016) é o dos três C’s da África – crises,
catástrofes e conflitos. O mesmo refere-se este conceito como sendo:
C’s que produzem uma má imagem da África, a
destroem, matam o seu povo, pilham recursos
naturais e a tornam cada vez mais pobre
constituem notícias prediletas nas redes
televisivas ocidentais, servindo de justificação
para intervenção em África, perpetuando a sua
dominação (Joaquim Nhampoca, 2016, p. 420).
Esses termos são bastante relacionados às epidemias. O caso do
Ebola, por sua vez, está indiretamente ligado as crises que
caracterizaram e acompanham a história do continente africano, assim
como as catástrofes e os conflitos ocorridos ao longo de sua história.
Termos esses influenciadores de aspectos essenciais que levaram uma
rápida difusão do vírus.
O primeiro fator a ser considerado como explicação para a
rápida difusão do Ebola na região trabalhada diz respeito ao fato de os
profissionais de saúde e até mesmo a população ali existente não
possuírem experiência com surtos de tal vírus. Apesar de o Ebola ter
sido uma doença já bastante conhecida principalmente na África
equatorial, como visto anteriormente, para a parte ocidental do
continente, a enfermidade ainda se caracterizava como algo relativamente novo e em um contexto completamente diferente do que já
8 O subcapítulo 4.1, “A Rápida Difusão”, foi escrito fundamentalmente com
base na referência bibliográfica World Health Organization (2015).
41
havia ocorrido. Contudo, nos casos anteriores registrados, constavam
focos praticamente todos em regiões rurais e, diferentemente do que
estava acontecendo, os governos acabaram se deparando com uma
grande epidemia instalada em centros urbanos e favelas altamente
povoadas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015).
O caos estava instalado. A população, como um todo, não
conseguia compreender o que estava acontecendo, os profissionais de
saúde, inicialmente, não suspeitavam ser um surto de Ebola e nem se
encontravam capazes de realizar exames para diagnosticar a doença de
forma rápida e eficaz (LOPES; DUNDA, 2015). Não obstante, os
sintomas da doença muito se assemelhavam aos de enfermidades que já
haviam se manifestado na região, como era o caso do Cólera. Um fator
adicional percebido foi o fato de que a estirpe que ali estava instalada se
diferenciava da ocorrida na República Democrática do Congo,
conhecida como Ebola Zaire, apesar de isso não afetar características
concernentes ao modo de transmissão, taxa de letalidade e período da
infecção (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015).
De início, as dificuldades foram imensas. O tratamento que as
pessoas infectadas necessitavam era bastante significativo e além do que
os países atingidos podiam suprir. Todavia, ao longo do tempo que a
doença se instalava, alguns auxílios vindos de fora foram surgindo e
prestando suporte, como foi o caso dos Médicos Sem Fronteira,
Organização Mundial da Saúde, entre outros. Antes da epidemia, havia
uma proporção extremamente pequena entre médicos e habitantes:
calculava-se haver apenas um a dois médicos para cada 100.000
habitantes. Com a chegada dessas organizações, o número de
profissionais da saúde na região aumentou expressivamente, assim como
boas e seguras estruturas para tratamentos intensivos foram instaladas
(WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015).
Nenhum governo da região jamais havia testemunhado uma
reviravolta social e econômica desse porte, acompanhadas de uma
epidemia que parecia não ter fim. Como a própria WHO (2015) referiu-
se em publicação dos seus boletins informativos, a Guiné, a Libéria e
Serra Leoa eram países recém-saídos de exaustivas guerras civis, onde a
pobreza fazia parte da realidade, assim como falidos sistemas de saúde e
transporte, além de populações com nada ou pouquíssima instrução.
Todo esse aparato dificultava muito a comunicação e cautela que a
42
situação pedia. As deficiências eram inúmeras, o transporte de pacientes
acontecia de forma lenta, as campanhas publicitárias e alertas levavam
algum tempo para ocorrer e, quando aconteciam, nem sempre atingiam o
resultado desejado. A resistência da população ao tratamento oferecido e
até mesmo sobre a doença ser real ou não eram mais barreiras a serem
enfrentadas. Toda situação gerada era um tanto estranha para a
população residente, devido à conjuntura que estava se formando. O
medo transcorria diante da entrada de diversos estrangeiros, trajados de
forma suspeita, da necessidade de evacuação das residências
contaminadas e também do árduo trabalho de compreender o porquê da
mudança de hábitos, como os da caça de animais selvagens, já que seus
ancestrais praticavam isso e jamais haviam passado por situação de
enfermidade parecida.
Um ponto marcante de toda essa situação foi o da dúvida entre
os residentes dos países em questão. Devido aos problemas já citados de
falta de estrutura na área da saúde, simultaneamente à força que as
crenças possuem nesses lugares, as pessoas, muitas vezes, acabavam
optando por alternativas de tratamento através de curandeiros e até
mesmo de automedicação nas farmácias locais, especialmente aqueles
habitantes que não possuíam boas condições financeiras. Outra herança
cultural que configurou um fator bastante expressivo para a epidemia
atingir proporções desesperadoras foi referente aos ritos funerários.
Nessa região ocidental da África, havia todo um cerimonial ligado aos
corpos dos entes falecidos, em que as pessoas dormiam próximas aos
cadáveres, chegando ao ponto de se banharem com a água que
utilizavam para lavar os falecidos, acreditando que, assim, haveria uma
transferência de poderes entre eles (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2015). Dessa forma, orientar a população quanto à
maneira correta de lidar com o Ebola era tarefa bastante árdua. Havia
um divisor de águas entre tentar explicar que as práticas culturais não
eram suficientes e, ao mesmo tempo, não ir contra o trabalho que os
curandeiros tradicionais faziam e que os habitantes tanto confiavam.
Ao mesmo tempo em que as mensagens de saúde emitidas ao
público sobre a gravidade do Ebola e sobre não haver vacinas disponíveis possuíam caráter protetor às pessoas, a população passou a
desconfiar dos métodos que estavam sendo oferecidos. Os motivos eram
incontáveis, desde a escassez de leitos no início do surto, incapacidade
de os profissionais responderem rapidamente aos pedidos de ajuda com
43
os cadáveres infectados, greves das equipes dos hospitais e de
sepultamentos, devidas às condições inseguras de trabalho, medo e
percepções errôneas dos mais diversos tipos, falta de informações
disponibilizadas acerca das pessoas doentes, entre muitos outros
obstáculos (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015).
4.2. A Mobilidade Populacional nas Fronteiras
A África ocidental se caracteriza por possuir fronteiras
bastante porosas. Segundo a WHO (2015), algumas pesquisam apontam
que a mobilidade populacional nos países dessa região chega a ser sete
vezes maior do que em qualquer outra parte do mundo. Muito disso se
explica, primeiramente, devido ao fato de as pessoas terem a
necessidade de ir em busca de oportunidades de trabalhos fora de suas
cidades, assim como também de alimentos para sua subsistência. Outro
fator condicionante diz respeito à tradição presente em diversas famílias,
nas quais as pessoas acabavam transitando com os corpos de seus entes
falecidos para que os mesmos fossem enterrados próximos aos túmulos
de seus antepassados.
O grande aumento da movimentação de pessoas
e mercadorias pelo mundo é a força motriz por
trás da globalização das doenças, tornando o
mundo mais rapidamente vulnerável à
propagação tanto de antigas como de novas
enfermidades. As pessoas e as mercadorias
passaram a viajar e circular mais, e com elas
transportam-se micro-organismos a locais onde
antes inexistiam. (FONSÊCA NETO;
PORDEUS, 2014, p. 291).
Esses eventos de movimentação de pessoas faziam aumentar
ainda mais a preocupação sobre a difusão do vírus Ebola não só no
continente africano, mas pelo mundo. Todo cuidado e procedimentos em
relação à vigilância epidemiológica e sanitária nas fronteiras de países e
fundamentalmente na entrada de aeroportos, locais esses onde ocorre grande mobilidade de pessoas, eram de extrema importância para conter
a epidemia (FONSÊCA NETO; PORDEUS, 2014).
As medidas de controle e prevenção de disseminação do vírus
para outros países ficaram estabelecidas no monitoramento de
44
deslocamento de pessoa para outras localidades, no uso de medidas de
saúde como a quarentena e também na cooperação da comunidade
internacional de se unir pela causa do Ebola.
4.3. O Desfecho dos Surtos
A WHO é a responsável por determinar quando um país
encontra-se declarado livre da transmissão do vírus Ebola. Sendo assim,
em 29 de dezembro de 2015, o Centers for Disease Control and
Prevention (2016d) declarou a Guiné como um país livre de uma difusão
do vírus de maneira ampla e passou a implantar medidas de controle
para que não ocorressem mais surtos. Por fim, em 1º de junho de 2016, a
WHO (2016a) decretou o fim da transmissão do Ebola no país
supracitado, desde a realização de dois testes negativos na última pessoa
confirmada com o vírus. A seguir, a Guiné entrou em um período de 90
dias de vigilância intensificada para garantir a identificação rápida de
qualquer novo caso, antes de ser possível a contaminação de demais
pessoas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2016a).
Já Serra Leoa foi declarada livre da transmissão do vírus
Ebola após os 42 dias necessários, no dia 7 de novembro de 2015
(CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVETION, 2016d).
No entanto, o CDC (2016d) relata que, em janeiro de 2016, dois novos
casos foram confirmados e a WHO declarou o fim do surto apenas em
17 de março de 2016.
Na Libéria, a primeira vez que o país foi dito como livre da
transmissão do Ebola ocorreu em 9 de maio de 2015. Contudo,
novamente o CDC (2016d) afirma que ocorreram novos casos de
contaminação, uma em junho e outra em novembro de 2015. Somente
em 9 de junho de 2016, foi declarado o fim do mais recente surto da
doença (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2016b). O setor de
saúde do país reconhece os grandes desafios enfrentados e as fraquezas
inerentes ao sistema de saúde local. Contudo, foi montado um plano
nacional de investimento pós crise (2015 a 2021), onde seja promovido
serviços de saúde seguros e de qualidade (MINISTRY OF HEALTH REPUBLIC OF LIBERIA).
Em relação a alguma vacina a fim de prevenir o Ebola, o
WHO (2016c) afirma que, desde 2015, alguns experimentos vêm sendo
realizados em um estudo envolvendo 11.841 pessoas na Guiné. A
45
mesma se chama rVSV-zEBOV e, durante seu tempo de teste,
apresentou resultados bastante convincentes. Segundo a Subdiretora-
Geral de Sistemas de Saúde e Inovação da WHO, apesar de essa vacina
ter chegado tarde demais para aqueles que perderam sua vida durante os
surtos de Ebola, em um possível próximo caso do vírus, ao menos as
pessoas não estarão indefesas (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2016c).
De acordo com a United States Agency for International
Development − USAID (2016), ao todo, foram gastos mais de 3,6
bilhões de dólares com a epidemia até o fim do ano de 2015. O país que
mais ajudou financeiramente foram os Estados Unidos, com um total de
aproximadamente 2,3 bilhões (USD), isso incluiu doações ao CDC,
Departamento de Defesa e Agência dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional. Outros países e instituições que
também doaram fundos para as operações de emergência na Guiné,
Libéria e Serra Leoa foram a Alemanha, Reino Unido e o Banco
Mundial (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVETION,
2016e).
4.4. A Construção do Discurso Através da Mídia
A influência da mídia no caso do Ebola pode ser vinculada ao
conceito de securitização, como nos trouxe Santos (2016). Esse termo
foi descrito por Ole Wӕver, em 1995, no sentido de referir-se à
construção da ameaça através do discurso. Primeiro, retira-se
determinado assunto da área do não politizado, inserindo-o em
discussões de caráter emergencial, tornando-o, assim, securitizado
(WILLIAMS, 2013, apud SANTOS, 2016). Como exemplo, cita-se o
Ebola, pois, anteriormente aos surtos mais recentes da doença, esta
dificilmente participava das pautas de discussões de países fora do
continente africano. Quando a enfermidade se agravou, acabou
tornando-se politizada e passou a fazer parte das agendas
governamentais dos mais diversos países. Em suma, assim que o Ebola
foi considerado uma ameaça de cunho biológico, consequentemente,
fizeram deste tema algo securitizado.
Apesar de a taxa de óbitos por Ebola ter alcançado a marca de
quatro mil falecimentos em 2013 e 2014, foi apenas no mês de agosto de
2014, logo após dois missionários norte-americanos terem ficado
enfermos, que a OMS declarou os surtos como “Emergência de Saúde
46
Pública Internacional” (HOLMES, 2014, apud SANTOS, 2016). Tal
episódio mostra que foi preciso o vírus atravessar as fronteiras africanas,
fazendo dois missionários norte-americanos contrair a doença através de
pacientes infectados na Libéria (REVISTA ÉPOCA, 2014) para, dessa
forma, o Ebola receber a atenção merecida.
Segundo Santos (2016), o processo de securitização do Ebola
foi ocorrendo, também, após o presidente da Libéria ter fechado escolas
e mercados devido ao risco de contaminação de Ebola e o Ministro da
Defesa de Serra Leoa, e não o Ministro da Saúde, ter discursado sobre
os surtos. Dessa forma, em setembro de 2014, em reunião do Conselho
de Segurança, foi aprovada a Resolução 2177, que registrou a
solicitação de ajuda dos Estados para conter o maior surto que mundo
estava passando, alegando que a ONU e os países afetados não
conseguiriam resolver a situação sozinhos (JORNAL EL PAÍS, 2014).
4.5. A Ameaça às Grandes Potências
A preocupação a respeito de os surtos do Ebola saírem da
África e se tornarem uma pandemia era imensa, mas, ao mesmo tempo,
pode-se dizer que havia alguns jogos de interesses no meio de tanta
apreensão. Tamanha preocupação em relação a epidemias foi vista
apenas na última década, quando o mundo estava se deparando com uma
grande crise em relação a AIDS (SANTOS, 2016). As ações para
combater a doença eram inúmeras, do mesmo modo que os interesses
que motivavam tais ações também eram muitos. Tal afirmação pode ser
feita, visto que o impacto na economia da Guiné, Libéria e Serra Leoa,
nações afetadas com o Ebola, acabaria gerando problemas para
potências como Estados Unidos e China, que se aproveitam dos recursos
naturais dos países atingidos (MATTOS, 2015). Diante disso, foi
possível observar até certa disputa em alguns discursos do ex-presidente
Barack Obama (primeiro excerto abaixo), e do embaixador chinês na
Libéria (segundo e terceiros excertos):
Os Estados Unidos têm liderado a resposta
internacional para tentar impedir a propagação
da doença, que já matou cerca de 5.000
pessoas, enviando milhares de soldados e
comprometendo cerca de US$ 1 bilhão,
enquanto a China tem recebido críticas por não
47
ter feito o suficiente (FSP, 31 out. 2014, apud
MATTOS, 2015).
A China é o maior parceiro comercial da
África, tirando seu proveito dos recursos
naturais do continente para sustentar seu
próprio crescimento econômico ao longo das
duas últimas décadas. Alguns críticos atacaram
Pequim por não ajudar na hora da necessidade
na África (FSP, 31 out. 2014, apud MATTOS,
2015).
A China é o único país que colabora não só
construindo um centro de tratamento, mas
também com a sua administração (FSP, 16 nov.
2014, apud MATTOS, 2015).
Outro ponto bastante relevante é o fato de que, embora o
mundo nunca tivesse passado por surtos de Ebola tão devastadores
quanto foi entre os anos de 2014 e 2016, sabe-se que a doença esteve
ativa desde 1976. Contudo, antes dos mais recentes surtos, com exceção
dos anos de 1994 e 1995, essa realidade nunca havia sido suficiente para
despertar o interesse da mídia (CARDOSO; NAVARRO, 2014).
Quando se conquistou essa atenção por parte dos meios de
comunicação, a epidemia já se alastrava com bastante força na Guiné,
Libéria e Serra Leoa e, enquanto isso, os principais canais de notícias
americanos, como CNN, Fox News e MSNBC, televisionavam o estilo
de notícia “espetáculo”, mostrando uma ambulância que carregava um
médico infectado por Ebola, chamado Kant Brantly, até o hospital de
Atlanta nos Estados Unidos (CARDOSO; NAVARRO, 2014). Dessa
maneira, ainda que a mídia noticie um fato de forma extensiva, segundo
os autores supracitados, é importante refletir de que maneira ela está se
referindo a este determinado assunto, devido ao papel importante que a
mesma possui na disseminação de informações de doenças.
48
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da história do vírus Ebola, a qual já perdura há cerca
de 40 anos, diversos surtos ocorreram, especialmente no continente
africano. Através de suas características, sintomatologia, formas de
contágio, entre outros dados, foi possível observar a difusão abrangente
que a doença possuí e consequentemente a preocupação no nível
mundial que a mesma representou ao longo desses anos. Além desses
fatores e através dos mapas e tabelas, contemplou-se o primeiro e o
segundo objetivos específicos da problemática, sobre analisar o histórico
do vírus desde seu surgimento até o ano de 2016 e espacializar a
recorrência da doença pelo mundo.
A epidemia gerou um grande medo. Com isso foi possível
destacar as fraquezas de Guiné, Libéria e Serra Leoa, especialmente seus
falidos sistemas de saúde e transporte, assim como a longa duração dos
surtos, e todas as mortes apontaram uma falta de capacidade da
comunidade internacional de lidar com a pobreza e uma crise de saúde
pública grave. Os governos e seus parceiros se viram dependentes de
fatores únicos que por muitas vezes geraram situações não previstas.
Inicialmente, a epidemia se instalou em razão da alta densidade urbana,
da não desconfiança de que a doença em si se tratava de Ebola, e a
resistência e receio da população com os profissionais de saúde. Outros
fatores que contribuiram para a rápida difusão do vírus foram alguns
aspectos culturais, muito presente na população residente, e das
fronteiras porosas com movimentação ampla de pessoas. Tendo em vista
a ocorrência de interações sociais, tanto entre individuos de
comunidades diferentes, como no interior da própria comunidade, é
possível concluir que a difusão espacial do Ebola se deu por propagação
por proximidade e difusão por redes. Posto isto, um elemento
importante de se concluir, é o fato de que muitos desses fatores estão
altamente ligados com a escassez de recursos financeiros, tal quanto aos
IDHs baixíssimos de cada um dos países em questão.
A mídia foi um fator essencial durante toda a conjuntura do
Ebola. Independente de quais tenham sido os reais interesses dos países
que se preocuparam com os surtos da doença, dos discursos de
governantes e até da forma como tudo foi noticiado, o apoio
internacional ao combate do vírus foi imprescindível. Como resultado
disso, foi possível testemunhar diversos países lutando contra o Ebola.
Foram centros de tratamento criados, insumos, equipamentos de saúde e
49
recursos humanos obtidos. Dessa forma, foi possível combater a
epidemia, sua propagação e evitar que mais pessoas viessem a óbito.
Vale a pena também destacar neste momento o papel
importante que o CDC e WHO exerceram na difusão de informações
acerca do Ebola. Este trabalho evidenciou como os mesmos se
mostraram grandes organizações, ativas e fundamentais, qualificando
toda informação utilizada.
Portanto, concluí-se que os motivos pelos quais o Ebola se
tornou um alarmante foco de notícias e discussões somente no ano de
2014, diz respeito à sua veloz disseminação, até mesmo fora do
continente africano, assim como sua alta letalidade. Contudo e acima de
qualquer outro aspecto, o principal ponto resultante de todos os itens
citados, foi o grande medo instalado no nível mundial do vírus se tornar
uma pandemia.
No mais, se há pontos positivos capazes de serem citados, com
certeza um deles diz respeito à disseminação de informações. O cenário
do Ebola proporcinou ao continente africano uma maior atenção do
mundo. Mesmo que esta tenha sido momentânea, a gama de
conhecimento difundido, assim como as portas que se abriram para
futuras pesquisas foram inúmeras, especialmente no âmbito da
Geografia da Saúde.
50
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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