a difracao de raio-x breve introd

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A difração de raios-X 1 3. A Difração de Raios-X A interferência e a difração são fenômenos característicos da natureza ondulatória da luz. Estes fenômenos ocorrem para qualquer tipo de onda eletromagnética, visível ou invisível. Eles ficam melhor caracterizados para fontes monocromáticas, isto é, que emitem luz de um único comprimento de onda, no entanto, também podem ser observados com fontes de luz branca (por exemplo, o sol). A interferência ocorre quando duas ondas luminosas provenientes de duas fontes com uma diferença de fase entre si são superpostas, um aumento da intensidade luminosa indica uma interferência construtiva e a ausência de luz (intensidade zero), resulta de uma interferência destrutiva. A experiência das fendas de Young é uma demonstração clássica do processo de interferência onde as franjas de interferência dependem do comprimento de onda da luz empregada, da separação das fendas e da distância entre o anteparo e as fendas. A difração resulta da incidência de uma onda plana de luz sobre um anteparo contendo uma ou mais fendas pequenas, onde cada fenda dá origem a um sistema de ondas planas difratadas em todas as direções com relação ao anteparo. Se estas ondas difratadas são focalizadas num segundo anteparo, a distribuição de intensidades, ou padrão de difração, pode ser determinado em função das dimensões da abertura, do comprimento de onda do feixe difratado e do ângulo de difração. Um exemplo clássico é a difração de Fraunhoffer, por exemplo, o padrão luminoso formado pela passagem da luz solar através de uma fenda na cortina. Um anteparo contendo um número de fendas muito grande forma uma grade de difração. O conjunto de fendas nos 2002 – Roberto R de Avillez

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introd. difraccion

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  • A difrao de raios-X 1

    3. A Difrao de Raios-X

    A interferncia e a difrao so fenmenos caractersticos da natureza

    ondulatria da luz. Estes fenmenos ocorrem para qualquer tipo de onda

    eletromagntica, visvel ou invisvel. Eles ficam melhor caracterizados para

    fontes monocromticas, isto , que emitem luz de um nico comprimento de

    onda, no entanto, tambm podem ser observados com fontes de luz branca

    (por exemplo, o sol).

    A interferncia ocorre quando duas ondas luminosas provenientes de duas

    fontes com uma diferena de fase entre si so superpostas, um aumento da

    intensidade luminosa indica uma interferncia construtiva e a ausncia de luz

    (intensidade zero), resulta de uma interferncia destrutiva. A experincia das

    fendas de Young uma demonstrao clssica do processo de interferncia

    onde as franjas de interferncia dependem do comprimento de onda da luz

    empregada, da separao das fendas e da distncia entre o anteparo e as

    fendas.

    A difrao resulta da incidncia de uma onda plana de luz sobre um anteparo

    contendo uma ou mais fendas pequenas, onde cada fenda d origem a um

    sistema de ondas planas difratadas em todas as direes com relao ao

    anteparo. Se estas ondas difratadas so focalizadas num segundo anteparo, a

    distribuio de intensidades, ou padro de difrao, pode ser determinado em

    funo das dimenses da abertura, do comprimento de onda do feixe

    difratado e do ngulo de difrao. Um exemplo clssico a difrao de

    Fraunhoffer, por exemplo, o padro luminoso formado pela passagem da luz

    solar atravs de uma fenda na cortina. Um anteparo contendo um nmero de

    fendas muito grande forma uma grade de difrao. O conjunto de fendas nos

    2002 Roberto R de Avillez

  • A difrao de raios-X 2

    antigos discos de msica (long play) ou nos atuais discos de computadores

    (CD) formam redes de difrao capazes de separar um feixe de luz branca

    nos seus diferentes comprimentos de onda.

    A difrao de raios-X possui caractersticas similares, com os planos

    atmicos de um cristal fazendo o papel das fendas. Na realidade a difrao

    de raios-X resulta da combinao de dois fenmenos distintos: (a) o

    espalhamento do feixe incidente de raios-X por cada tomo do cristal, e (b) a

    interferncia entre as ondas espalhadas pelos diferentes tomos. Esta

    interferncia possvel porque as ondas espalhadas so coerentes com a

    onda incidente e, portanto, entre si.

    A primeira demonstrao do fenmeno de difrao foi realizada pelo fsico

    alemo von Laue em 1912 empregando um cristal de sulfato de cobre. No

    entanto, foram os fsicos ingleses, W. H. Bragg e seu filho W. L. Bragg que,

    ainda em 1912, analisaram a experincia de von Laue e apresentaram as

    condies matemticas necessrias para a difrao. W. L. Bragg ainda era

    estudante quando solucionou a estrutura dos sais NaCl, KCl, KBr e KI, todos

    apresentando a mesma estrutura.

    3.1. A Lei de Bragg

    A expresso formulada por Bragg relaciona o ngulo de difrao, 2, medido entre o feixe difratado e o feixe transmitido, com o comprimento de

    onda dos raios-X, , e a distancia interplanar, dhkl do conjunto de planos (h k l) que esto participando da difrao:

    n dhkl = 2 sen( ) ,

    2002 Roberto R de Avillez

  • A difrao de raios-X 3

    n a ordem da difrao e n>=1. Esta expresso geomtrica pressupe que o

    feixe incidente, a normal ao plano difratado e o feixe difratado so sempre

    coplanares. Esta expresso tambm determina o maior comprimento de onda

    de um feixe de raios-X capaz de sofrer difrao:

    < 2 , para sen() = 1. Como para a maioria dos planos cristalinos a distancia interplanar menor que 0,3 nm, ento o comprimento de onda precisa ser

    inferior a 0,6 nm.

    3.1.1. As Direes de Difrao: Anlise Estrutural

    Se o comprimento de onda do feixe incidente de raios-X for constante, a lei

    de Bragg pode ser empregada para determinar o espaamento dos planos

    cristalinos de um material desconhecido. Com a distancia interplanar e a

    intensidade correspondente do feixe difratado, pode-se identificar a estrutura

    cristalina por comparao com fichas de padres de difrao (ICDD) ou por

    ajuste por mnimos quadrados do difratograma e clculo terico das

    intensidades difratadas (Rietveld). Desta maneira, o material caracterizado

    e identificado.

    As fichas de padres de difrao ICDD so comercializadas pelo

    International Centre for Diffraction Data e contm dados de difrao tericos

    e experimentais de inmeras substncias, incluindo intensidades relativas

    para amostras na forma de p e ndices dos planos difratados. Estes arquivos

    so atualizados anualmente e distribudos na forma de CD ou livros.

    O mtodo de Rietveld1 um mtodo de refino das estruturas cristalinas que

    inclui efeitos das amostras, do equipamento e da tica de difrao. No

    entanto, deve-se observar que o mtodo no permite indexar um padro de

    2002 Roberto R de Avillez

  • A difrao de raios-X 4

    difrao alocando as intensidades observadas para reflexes de Bragg nem

    resolver reflexes superpostas. O mtodo requer um bom modelo inicial e,

    ento, refina os parmetros que descrevem o modelo com rotinas de ajuste

    por mnimos quadrados. Vrios programas so disponveis pela Internet e

    um bom acesso

    http://www.ccp14.ac.uk/ .

    A intensidade do feixe difratado para cada plano cristalino uma

    caracterstica dos tomos que compem o material e da sua estrutura

    cristalina, determinada principalmente pelo fator de espalhamento. Assim,

    mudanas na estrutura cristalina causam o aparecimento ou o

    desaparecimento de picos de difrao, deslocamentos da posio de difrao

    e mudanas na intensidade do feixe difratado, enquanto mudanas na

    composio, sem alterao da estrutura cristalina), modificam somente a

    intensidade dos feixes difratados e causam eventuais deslocamentos da

    posio de difrao.

    3.1.2. O Comprimento de onda: Espectroscopia de Raio-X

    Se um nico plano cristalino de um material monocristalino for empregado

    para difratar um feixe de raiox-X espalhado por uma amostra, pode-se

    determinar os diferentes comprimentos de onda caractersticos presentes na

    radiao fluorescente e, assim, determinar a composio qumica dos tomos

    que esto emitindo a radiao. Este mtodo denominado espectroscopia

    por disperso de comprimento de onda (WDS, wavelength dispersive

    spectroscopy)

    2002 Roberto R de Avillez

  • A difrao de raios-X 5

    3.2. A Intensidade do Feixe Difratado

    3.2.1. Espalhamento por um eltron

    Um feixe de raios-X uma onda eletromagntica com um campo eltrico e

    um campo magntico oscilando senoidalmente em funo do tempo e em

    qualquer posio do feixe. Em particular, o campo eltrico exerce uma fora

    sobre uma partcula carregada, tal como um eltron, que causa um

    movimento de oscilao ao redor de uma posio mdia. Movimento de

    oscilao resultam em acelerao e desacelerao do eltron, um processo

    que emite ondas eletromagnticas com a mesma freqncia da partcula. Este

    processo espalha as ondas eletromagnticas para todas as direes e

    caracteriza o espalhamento de raios-X. O raios-X produzido por este

    processo possui o mesmo comprimento de onda e coerente com o raios-X

    incidente.

    Apesar do raios-X ser espalhado em todas as direes, a intensidade do feixe

    espalhado depende da direo de espalhamento pois o feixe incidente sofre

    um processo de polarizao. O feixe de raios-X proveniente de um tubo de

    raios-X no est polarizado, isto , o vetor campo eltrico aponta

    aleatoriamente em todas as direes. No entanto, depois do espalhamento, a

    intensidade do feixe depende do ngulo que este faz com o feixe incidente.

    Este processo denominado de polarizao de Thompson, que demonstrou a

    relao entre as intensidades do feixe incidente, Io, e de um feixe espalhado,

    Ie, fazendo um ngulo 2 com a direo de incidncia:

    I IKre o

    = +2

    21 22

    cos

    2002 Roberto R de Avillez

  • A difrao de raios-X 6

    onde r a distancia do eltron e a constante K=7,94x10-30 m2. Esta constante

    proporcional a quarta potncia da carga e inversamente proporcional ao

    quadrado da massa da partcula oscilante no campo eltrico. Durante uma

    experincia de difrao somente o fator dentro dos parenteses, fator de

    polarizao, muda e precisa ser considerado. Este fator mostra que a

    intensidade mais intensa ocorre para a direo do feixe incidente, nos

    sentidos transmitido e refletido.

    3.2.2. Espalhamento por um tomo

    O tomo constitudo de vrios eltrons e do ncleo, todos com cargas e,

    portanto, com condies de espalhar a radiao incidente. O ncleo por ter

    massa muito maior que os eltrons incapaz de oscilar e produzir

    espalhamento coerente. Por isso, o espalhamento de um tomo resulta

    somente do somatrio dos espalhamentos de cada eltron que o circunda.

    Este espalhamento a soma simples dos espalhamentos de cada eltron

    somente na direo e sentido da radiao incidente (2 = 0), porque as ondas espalhadas por todos eltrons esto em fase e suas amplitudes podem ser

    somadas diretamente.

    O fator de espalhamento atmico descreve a eficincia do espalhamento de

    um tomo numa dada direo. Este fator definido como a razo entre as

    amplitudes de uma onda espalhada por um tomo e de uma onda espalhada

    por um eltron. Esta definio faz com que o valor mais elevado do fator de

    espalhamento de um tomo seja seu nmero atmico, Z, vlido na direo e

    sentido da radiao incidente. Nas outras direes, o fator de espalhamento

    decai quando a funo sen()/ aumenta. O fator de espalhamento tambm denominado de fator de forma, pois depende do arranjo dos eltrons ao redor

    2002 Roberto R de Avillez

  • A difrao de raios-X 7

    do ncleo atmico. As tabelas dos fatores de espalhamento esto disponveis

    em International Tables for X-Ray Crystallography2.

    3.2.3. Espalhamento por uma clula unitria: o Fator de

    Estrutura

    A organizao peridica dos tomos restringe as regies onde a intensidade

    da radiao espalhada significativamente no nula. Desta maneira, a lei de

    Bragg uma lei negativa, pois se ela no for satisfeita, no pode existir

    difrao. No entanto, mesmo se a lei de Bragg for satisfeita ainda pode no

    ocorrer difrao, resultado de um arranjo espacial especfico dos tomos na

    clula unitria.

    A intensidade do feixe difratado em cada direo determinada pelo Fator

    de Estrutura, F, da clula unitria. A maneira mais simples de calcular o

    fator de estrutura empregar o formalismo de nmeros complexos. Se a

    posio do tomo i-simo da clula unitria for [ui vi wi] e seu fator de

    espalhamento atmico for fi, o fator de estrutura para a reflexo hkl :

    F f e f e f ehkli hu kv lw i hu kv lw i hu kv lwi= + ++ + ++ + + +1 2 2 2 3 21 1 2 2 2 3 3 3 ( ) ( ) ( ...)

    O Fator de Estrutura normalmente um nmero complexo que inclui a

    amplitude e a fase da onda resultante. O valor absoluto de F fornece a

    amplitude da onda resultante em unidades da amplitude da onda espalhada

    por um nico eltron. A intensidade do feixe difratado proporcional a

    norma de F obtida multiplicando F pelo seu complexo conjugado, F*.

    O Fator de Estrutura permite calcular a intensidade do feixe difratado a partir

    da posio que os diferentes tomos ocupam na clula unitria. No entanto,

    ele independe da forma e do tamanho da clula unitria. Ele permite

    identificar as diferentes fases cristalinas e o ponto fundamental para o

    2002 Roberto R de Avillez

  • A difrao de raios-X 8

    refino da estrutura cristalina pelo mtodo de Rietveld. A Tabela 1 mostra as

    regras determinadas pelo fator de estrutura para as quatro redes de Bravais.

    Nesta tabela, no misturado significa que os ndices do plano difratado so

    todos pares, ou todos impares.

    Rede de Bravais Reflexes possveis Reflexes sempre ausentes

    Simples, P todas nenhuma

    Base centrada

    A, B, C

    K+L, H+L, K+H par

    K+L, H+L, K+L impar

    Corpo centrado

    I

    H+K+L par

    K+L, H+L, K+H impar

    Face centrada

    F

    H, K e L todos pares ou todos

    impares

    H, K e L pares e impares misturados

    3.3. Fatores que afetam a intensidade do feixe

    3.3.1. Fator de Multiplicidade

    O fator de multiplicidade determina a proporo de planos contribuindo para

    a intensidade de uma mesma reflexo. Este nmero definido como o

    nmero de planos com diferentes ndices de Miller que possuem o mesmo

    espaamento interplanar. Neste caso, planos paralelos com ndices de Miller

    diferentes so contados separadamente como planos diferentes, por exemplo,

    o fator de multiplicidade dos planos {1 0 0} de um cristal cbico 6.

    2002 Roberto R de Avillez

  • A difrao de raios-X 9

    3.3.2. Fator de Lorentz

    O fator de Lorentz inclui trs fatores geomtricos importantes na

    determinao da intensidade integrada de uma reflexo. A intensidade

    integrada uma medida da energia total difratada e dada pela a rea sob o

    pico. Ela uma caracterstica da amostra e mais importante que a

    intensidade mxima, pois esta depende dos ajustes do equipamento de

    difrao.

    O primeiro fator geomtrico a difrao oriunda de planos ligeiramente

    afastados da posio de Bragg que causa um alargamento do pico de

    difrao e simultnea reduo da intensidade mxima. Este fator idntico

    para amostras na forma monocristalina ou em p.

    O segundo fator importante em amostras na forma de p e determina a

    frao de planos capaz de difratar para um determinado ngulo de Bragg

    numa amostra policristalina com orientao aleatria dos gros.

    O ltimo fator determina a intensidade relativa que alcana o detetor. Esta

    intensidade menor para ngulos 2=90o, quando o cone de difrao de uma amostra policristalina apresenta o maior raio.

    Estes trs fatores juntos determinam o fator de Lorentz para amostras

    policristalinas:

    ( )L = =1212

    14 2sen

    cossen sen cos

    3.3.3. Fator de Absoro

    A absoro que ocorre dentro da amostra precisa ser considerada quando se

    calcula a intensidade difratada. O fator de absoro o nmero pelo qual a

    2002 Roberto R de Avillez

  • A difrao de raios-X 10

    intensidade terica precisa ser multiplicada para incluir a absoro. Este

    fator depende da geometria de difrao e da amostra. Para uma amostra na

    forma de uma lmina plana que faz ngulos iguais com o feixe incidente e o

    difratado, o fator de absoro

    A = 12

    independente do ngulo de difrao desde que a amostra possua uma rea

    maior que o feixe incidente e seja efetivamente de espessura infinita. O

    critrio para espessura infinita depende da sensibilidade da medidas de

    intensidade e deve ser arbitrado para cada caso. Por exemplo, uma espessura

    que resulte na reduo da intensidade do feixe para 1/1000 do feixe inicial.

    3.3.4. Fator de Temperatura

    O aumento da temperatura acompanhado pelo aumento da vibrao

    trmica dos tomos e afeta de trs maneiras a difrao:

    1. A clula unitria se expande causando mudanas no espaamento

    interplanar e, portanto, na posio das linhas de difrao. Assim, a medida

    da posio de uma ou mais linhas de difrao permite calcular o

    coeficiente de expanso trmica da amostra.

    2. As intensidades das linhas de difrao sofrem reduo.

    3. A intensidade do espalhamento de fundo entre as linhas aumenta.

    Este efeito considerado pela multiplicao da intensidade terica pelo fator

    de temperatura, e-2M. A quantidade M depende do material, da temperatura,

    da radiao incidente e do ngulo de difrao.

    2002 Roberto R de Avillez

  • A difrao de raios-X 11

    1 R. A. Young (editor), The Rietveld Method, International Union of Crystallography e Oxford

    University Press, Oxford, 1995.

    2 International Tables for X-Ray Crystallography, Kynoch Press, for the International Union

    Crystallography, Birmingham, vol. 3, Physical and Chemical Tables, 1962.

    2002 Roberto R de Avillez

    A Difrao de Raios-XA Lei de BraggAs Direes de Difrao: Anlise EstruturalO Comprimento de onda: Espectroscopia de Raio-X

    A Intensidade do Feixe DifratadoEspalhamento por um eltronEspalhamento por um tomoEspalhamento por uma clula unitria: o Fator de

    Fatores que afetam a intensidade do feixeFator de MultiplicidadeFator de LorentzFator de AbsoroFator de Temperatura