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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E O LEGISLATIVO MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE: A RELAÇÃO DOS VEREADORES COM O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO Odilon Araújo Gonçalves Belo Horizonte 2007

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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

E O LEGISLATIVO MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE: A

RELAÇÃO DOS VEREADORES COM O ORÇAMENTO

PARTICIPATIVO

Odilon Araújo Gonçalves

Belo Horizonte

2007

Odilon Araújo Gonçalves

A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

E O LEGISLATIVO MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE: A

RELAÇÃO DOS VEREADORES COM O ORÇAMENTO

PARTICIPATIVO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais: Gestão de Cidades, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto de Vasconcelos Rocha

Belo Horizonte

2007

A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

E O LEGISLATIVO MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE: A

RELAÇÃO DOS VEREADORES COM O ORÇAMENTO

PARTICIPATIVO

Odilon Araújo Gonçalves

Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designada pelo Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como

parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais.

Belo Horizonte, 19 de março de 2007.

Prof. Dr. Carlos Alberto de Vasconcelos Rocha

Orientador - PUC Minas

Prof. Dr. Eduardo Martins de Lima

FUMEC

Profa. Dra. Léa Guimarães Souki

PUC Minas

AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter possibilitado ao “Seu” Vicente e à Dona Araci unirem-se, lá no

Bananalzinho das Tronqueiras, gerar-me e me proporcionar uma criação repleta de carinho,

amor e sabedoria. Aliás, a mesma criação dada aos meus oito irmãos, que foram e têm sido

fundamentais na minha formação. Deus deu ao “Seu” Vicente e à Dona Araci muita

disposição, alegria, perseverança, honestidade e fé, que herdei como legado, o que me

possibilitou trabalhar e estudar, com disposição, sempre olhando para frente. Deus me

presenteou com a Trícia, filha do “Seu” Tavares e da Dona Lúcia, que se orgulha de ouvir

minha mãe dizer que a Trícia é uma estaca fundamental, em que me apóio para seguirmos a

vida juntos. Deus me iluminou no momento de escolher um curso de mestrado no qual tive o

privilégio de desfrutar momentos ímpares, de alegria e sabedoria, ao lado dos colegas que

formaram a melhor turma de todos os tempos. Privilégio também de sugar parte do enorme

conhecimento dos professores, que nos passaram mais do que conhecimentos: sabedoria.

Agradeço a Deus por chegar até aqui e confirmar o que a professora Magda disse no primeiro

dia de aula, quando recepcionou a turma: “Este Mestrado vai mudar a vida de vocês”. E

mudou. A minha, com certeza, para muito melhor.

À Trícia

RESUMO

A presente dissertação trata da relação entre o Legislativo Municipal de Belo

Horizonte e o Orçamento Participativo (OP). Para isto levanta a discussão teórica atual em

torno da democracia representativa e da democracia participativa. Também aborda a relação

entre o Executivo e o Legislativo municipais que aparece como pano de fundo da discussão

central. O trabalho parte da idéia de que a relação entre os vereadores e o OP é conflituosa em

função de que os vereadores perderam recurso de poder com a implantação do Orçamento

Participativo, em Belo Horizonte. Isto porque, antes do OP, os vereadores mantinham uma

relação clientelista com os eleitores, por meio de obras que conseguiam aprovar para as

comunidades que o elegeram. Com o Orçamento Participativo, parte dos recursos para obras

passaram a ser conquistados diretamente pelas comunidades, em votações organizadas pelo

Executivo Municipal. A dissertação apresenta a hipótese de que alguns vereadores continuam

exercendo relações clientelistas com os eleitores, utilizando o próprio OP. A conclusão é que

o Orçamento Participativo, criado para promover a participação, a cidadania e eliminar o

clientelismo, alcança somente parte do objetivo, porque o clientelismo se mantém e perpassa

todo o processo do OP, com envolvimento do Executivo, do Legislativo e da comunidade.

Palavras chave: Orçamento Participativo; Poder Legistivo; Poder Executivo; Democracia

Participativa; Democracia Representativa; Clientelismo.

ABSTRACT

The following work deals with the City Legislative of Belo Horizonte and the

Participative Budget (PB). So, it raises a theorical discussion about the representative

democracy and the participative democracy. It also discusses the relation betwenn the City

Executive and Legislative that shows a backstage scenario for a more central discussion. The

work starts from the idea that the relationship between the city counselors and the

Participative Budget brings out conflicts because of the lost of power when the Participative

Budget was applied in Belo Horizonte. This happens because, before the Participative

Budget, the city counselors kept a relationship with the citizens based on clietelism, through

constructions that were achieved by specific communities that elected the counselors. With

the PB, part of the resources for the constructions are now achieved by elections organized by

the city executives. The work presents a hipothesis that some city counselors keep the

clientelism relationship with the citizens, using the PB itself. The conclusion is that the PB,

created to promote participation, the citizenship and eliminate the clientelism, reaches only

part of its goal, because clientelism over rules the entire process of PB, with the envolvement

of the Executive, the Legislative and the community.

Key-words: Participative Budget, Legislative power, Executive power, participative

democracy, representative democracy, clientelism.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

GRÁFICO 1: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Índio .......................................047

GRÁFICO 2: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Antônio Pinheiro....................049

GRÁFICO 3: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Totó Teixeira..........................050

GRÁFICO 4: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Ronaldo Gontijo.....................052

GRÁFICO 5: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Preto .......................................054

GRÁFICO 6: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Geraldo Félix .........................055

GRÁFICO 7: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Carlão.....................................057

GRÁFICO 8: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Délio Malheiros .....................059

GRÁFICO 9: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Miguel Correa Junior .............061

QUADRO 1: Classificação dos vereadores de Belo Horizonte – Legislatura

2005–2008 ..........................................................................................................................039

LISTA DE SIGLAS

CMBH - Câmara Municipal de Belo Horizonte

CIGU - Centro Internacional de Gestão Urbana

COMFORÇA - Comissões Regionais de Acompanhamento e Fiscalização do Orçamento

Participativo

OP - Orçamento Participativo

PAN – Partido dos Aposentados da Nação

PC do B - Partido Comunista do Brasil

PFL - Partido da Frente Liberal

PMN - Partido da Mobilização Nacional

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira

PRONA - Partido de Reedificação da Ordem Nacional

PDT - Partido Democrático Trabalhista

PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PHS - Partido Humanista da Solidariedade

PL - Partido Liberal

PMB - Partido Municipalista Brasileiro

PPS - Partido Popular Socialista

PSC - Partido Social Cristão

PSB - Partido Socialista Brasileiro

PTB - Partido Trabalhista Brasileiro

PTC - Partido Trabalhista Cristão

PTN - Partido Trabalhista Nacional

PV - Partido Verde

PR – Partido Republicano

PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro

PBH - Prefeitura de Belo Horizonte

TRE - Tribunal Regional Eleitoral

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 011

2. DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E DEMOCRACIA PARTICIPATIV A: O DEBATE ATUAL ................................................................................................................... 014

3. O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: ELOGIOS E CRÍTICAS .................................. 024

4. NOVO CLIENTELISMO: PRÁTICA RENOVADA ....................................................... 031

5. OS VEREADORES E O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO ......................................... 037

6. CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 065

REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 070

ANEXO A - Relação dos bairros de Belo Horizonte – Zonas Eleitorais............................... 072

ANEXO B – Mapa com as Zonas Eleitorais de Belo Horizonte – 2005................................ 078

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1. INTRODUÇÃO

A criação do Orçamento Participativo (OP) em Belo Horizonte, em 1993, assim como

aconteceu em outros municípios, aumentou a possibilidade de atuação popular na escolha de

obras demandadas pela população. A iniciativa tornou-se tema de trabalhos elogiosos sobre as

administrações municipais que o implantaram, principalmente pelo fato de o OP ser um

mecanismo de promoção de democracia participativa. Mas, também, foram apontados

problemas, dentre os quais, a relação dos vereadores com o Executivo Municipal. É que o

Orçamento Participativo retira recursos de poder dos vereadores, na atuação como

intermediários das comunidades para conseguir obras que lhes garantam votos para novos

mandatos.

Antes da implantação do OP, a maneira mais comum de atuação dos vereadores

consistia em solicitar ao Poder Executivo Municipal obras que atendessem às necessidades de

seu eleitorado. Isso, principalmente, no caso de vereadores com votação concentrada em uma

região geograficamente demarcada, que têm contato direto com a comunidade buscam dar

retorno dos votos conseguidos, especialmente com obras demandadas pelos eleitores. O

Orçamento Participativo cria um canal direto da população com o Poder Executivo, na

medida em que obras consideradas prioritárias são escolhidas por meio de votação direta da

população sem intermediação dos vereadores. O OP gerou, então, um dilema para o vereador,

que se vê diante da necessidade de buscar estratégias alternativas para substituir a relação

clientelista que exercia anteriormente e que lhe garantia visibilidade perante sua base eleitoral.

Este trabalho analisa a relação dos vereadores de Belo Horizonte eleitos para a

legislatura 2005/2008, com o Orçamento Participativo. Essa legislatura foi escolhida pelo

interesse de fazer uma verificação direta, por meio de entrevistas, das hipóteses da pesquisa,

com os atores em pleno exercício da função. Além disso, há vários vereadores que não estão

em primeiro mandato e, por isso, têm vivência histórica da relação com o OP. A análise está

centrada na mudança de comportamento dos vereadores em função da implantação deste

mecanismo de promoção da democracia participativa. O estudo parte da idéia de que os

vereadores passaram a buscar uma nova maneira de demonstrar poder a suas bases eleitorais,

desde que se viram privados do benefício de solicitar obras diretamente ao Poder Executivo.

Esta postura poderia ser traduzida como uma nova forma de clientelismo, de apoderamento

das obras conquistadas pela população.

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Alguns vereadores se aproveitam das condições favoráveis que têm para obter

informação e recursos para influenciar o processo de decisão do Orçamento Participativo.

Depois de aprovada, a obra fica como sendo conquistada por aquele vereador. Neste grupo

estão vereadores, tanto da base governista como da oposição, sendo que, no caso dos

vereadores da base governista, alguns se aproveitam de informações privilegiadas pela

proximidade com o Executivo para conseguir aprovação e execução de obras com mais

facilidade.

O estudo, também, busca mostrar que alguns vereadores, devido às suas características

participativas por natureza, usam as informações e recursos que têm para ajudar as

comunidades no processo do OP, assumindo, assim, realmente, o papel de representantes e de

defensores dos seus eleitores. Mostra ainda, que, para alguns vereadores, a existência ou não

do OP não interfere nas atividades deles na Câmara Municipal. Isto, porque eles não têm

votação concentrada em uma região geograficamente definida, cuja população possa lhe

cobrar obras. A base eleitoral deles é pulverizada e, portanto, o Orçamento Participativo não

faz parte de suas prioridades de atuação.

O trabalho, também, apresenta a visão dos vereadores sobre o Orçamento

Participativo. Mostra que não há unanimidade em relação ao OP, que recebe, de alguns, apoio

incondicional, de outros, críticas contundentes ao ponto de negar por completo a eficiência do

mecanismo como promotor da democracia participativa. Entre as duas posições há, tanto do

lado governista, como do oposicionista, os que apóiam a iniciativa, mas fazem críticas ao

modo como ele é conduzido pelo Executivo Municipal.

Por último, ressalta-se a atuação do Poder Executivo, que, se, de um lado, criou e

mantém o Orçamento Participativo, defendendo-o como uma das políticas públicas mais

inovadoras e importantes no País atualmente, de outro, age de maneira clientelista ao

privilegiar determinada obra em detrimento da outra.

Com isso, o mecanismo criado para promover a democracia participativa e eliminar a

relação clientelista historicamente existente entre vereadores, Executivo e população, atinge

somente parte desses objetivos. Assim, o clientelismo, abominado como prática perversa,

segundo Kuschnir (2000), teima em persistir. Ainda persiste a falta de informações para a

população, ao passo que informações privilegiadas são concedidas a membros do Executivo e

a vereadores alinhados com o governo municipal. Esse descompasso em termos da

desigualdade na distribuição de informações causa conflitos na execução deste mecanismo de

promoção da democracia participativa, que se replicam na relação entre o Executivo e o

Legislativo.

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Este trabalho está estruturado em seis capítulos, incluindo esta Introdução.

O segundo capítulo desenvolve-se a partir de uma discussão teórica sobre o conflito

entre democracia representativa e democracia participativa, na esfera mundial, com a

apresentação dos principais autores que defendem as duas linhas, e está recortado para a

esfera local, municipal.

O terceiro capítulo apresenta o Orçamento Participativo: a história de sua criação no

Brasil e em Belo Horizonte, seu processo de funcionamento, alguns problemas surgidos

durante sua implantação e uma introdução sobre conflitos com o Poder Legislativo.

O quarto capítulo desenvolve uma discussão teórica sobre clientelismo, sua

sobrevivência e adaptação aos tempos contemporâneos no Brasil.

O quinto capítulo traz a análise da relação dos vereadores com o Orçamento

Participativo, a partir de entrevistas feitas com estes atores, assessores parlamentares e

membros do Poder Executivo, inclusive o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel

(PT). As entrevistas foram divididas em duas partes. A primeira, realizada no segundo

semestre de 2005, envolveu os assessores dos vereadores e membros do Poder Executivo

diretamente ligados ao Orçamento Participativo, e uma observação da rotina da Câmara

Municipal, com o objetivo de esclarecer a relação dos vereadores com o Executivo e,

especialmente, com o Orçamento Participativo. Essa oportunidade serviu, também, para

revelar o perfil dos vereadores e fazer uma classificação deles em: comunitários,

segmentados, de Igreja e “outros”, como será detalhado mais adiante. A segunda, feita com os

vereadores e com o prefeito de Belo Horizonte, no segundo semestre de 2006, objetivou

analisar a relação dos vereadores com o Orçamento Participativo. A entrevista com o prefeito

revelou-se oportuna, em função de que muitos depoimentos apresentam o Poder Executivo

como principal responsável pelos problemas do Orçamento Participativo e do relacionamento

entre os vereadores e o OP. Além disso, é o Executivo Municipal o responsável pela

elaboração do Orçamento do Município e o responsável pela criação e manutenção do

Orçamento Participativo.

O sexto capítulo exibe os resultados da análise feita no quarto capítulo. De modo

particular, confirma a existência de conflitos significantes entre o Poder Legislativo

Municipal de Belo Horizonte e o Orçamento Participativo, mesmo 14 anos depois de sua

implantação. Destaca, também, a existência de uma relação clientelista no trato do OP, por

parte tanto dos vereadores como do Executivo e da população envolvida nas votações por

obras. Como pano de fundo de toda essa constatação, ressalta a dificuldade de relacionamento

entre os Poderes Executivo e Legislativo em Belo Horizonte.

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2. DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E DEMOCRACIA PARTICIPATIV A: O DEBATE ATUAL

A relação entre os vereadores e o Orçamento Participativo de Belo Horizonte está

longe de ser tranqüila, pelo menos no que se refere àqueles que têm votação concentrada em

regiões geograficamente bem demarcadas. O conflito entre os vereadores e o OP manifestou-

se pelo fato de o OP retirar recursos de poder1 dos vereadores. Antes do OP, os vereadores

tinham a possibilidade de conseguir o repasse de verbas para obras reivindicadas pelo seu

eleitorado, mediante a solicitação ao Executivo Municipal ou a elaboração de emendas ao

Orçamento do Município. Com a implantação do OP, as obras passaram a ser conquistadas

pela população, mediante votação direta, em reuniões promovidas pelo Executivo Municipal.

Isto criou um conflito entre os vereadores, o Orçamento Participativo, que se replica na já

conflituosa relação com o Executivo, pela diferença, em favor do Executivo, em relação ao

poder decisório.

Essa relação reflete, em nível local, a discussão sobre democracia que dominou o

século XX, e entra no século XXI. Porém, não no sentido de debater até que ponto ela é

desejada, mas de definir a melhor forma desta democracia. O debate em favor da

desejabilidade foi resolvido já na primeira metade do século XX, no pós- guerra. No entanto,

criou-se o que alguns autores chamam de “ concepção hegemônica de democracia”, que se

estendeu pela segunda metade do século. (SANTOS; AVRITZER, 2003).

Essa concepção de democracia tem como um de seus principais defensores Joseph

Schumpeter (1942).2 O autor baseia-se na idéia de que a participação do povo no processo

democrático em grandes comunidades se daria somente no momento de eleger uma elite que

comandaria o processo político a partir de então. As justificativas vão desde a impossibilidade

de uma maior participação do povo em comunidades com um grande número de pessoas até o

fato de que o cidadão comum não se interessa por política.

[...] a ignorância persistirá frente às massas de informação, por mais completas e corretas que sejam. Persistirá até mesmo em face dos esforços meritórios feitos no sentido de ir além da apresentação de informações e do ensino de seu uso através de conferências, cursos, grupos de discussão. Os resultados não são nulos. Mas são pequenos. As pessoas não podem ser carregadas escada acima.

1 Recursos de poder entendidos como recursos que se configuram como poder do vereador de agir de maneira a dar retorno às reivindicações feitas pelos seus eleitores. 2 A edição utilizada neste trabalho é da Zahar Editora e não traz data de publicação. No entanto, ao ler a obra, verifica-se que o texto original, de 1942, foi mantido e acrescentado de prefácios às edições seguintes.

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Desse modo, o cidadão típico cai para um nível mais baixo de desempenho mental assim que entra no campo político. Argumenta e analisa de maneira que prontamente reconheceria como infantil, se fosse na esfera de seus interesses reais. Mais uma vez se torna primitivo. Seu pensamento torna-se associativo e afetivo. (SCHUMPETER, 1942, p. 327-328).

No livro Capitalismo, socialismo e democracia, Schumpeter (1942) afirma, de

maneira categórica, que é impossível colocar em prática a democracia participativa, pelo

simples motivo de que o povo não participa e não tem condições de fazê-lo, por simples

ignorância política. A solução, para ele, é o modelo representativo elitista, no qual a

população escolhe uma elite política para governar em nome dos representantes que a

elegeram. A população só se manifestaria no momento de escolher esta elite política. A

alternativa proposta por Schumpeter consiste na competição entre elites políticas pelo voto do

povo. Somente neste momento é que haveria a participação popular. Depois, a

responsabilidade ficaria a cargo da elite eleita, que teria uma espécie de “cheque em branco”

para agir em nome da população.

Será mais conveniente reservar apenas as decisões mais importantes para o pronunciamento dos cidadãos isolados – digamos, por referendo – e tratar do resto através de uma comissão apontada por eles – uma assembléia ou parlamento cujos membros serão selecionados por voto popular. (SCHUMPETER, 1942, p. 314).

A este modelo, autores como Santos e Avritzer (2003) e Pateman (1992) deram o

nome de “concepção hegemônica de democracia”, justamente porque passou a ser a forma

adotada, pelo menos no mundo ocidental. Há variações de diversos tipos, mas, no mundo

atual, quando se fala que em determinado local há democracia, significa dizer que o povo tem

o direito de votar, de tempos em tempos, para escolher os representantes que governarão em

seu nome. Mas, apesar de hegemônico, o modelo não é consensual. Pelo contrário, vem

recebendo apoio e críticas.

Outro autor que defende a democracia representativa é Norberto Bobbio (2000), para

quem o modelo é a saída para a apatia quanto ao excesso de participação. Em sua concepção,

o excesso de democracia pode ser prejudicial para a própria democracia, pois em um sistema

de participação intensa, em que todas as questões relevantes seriam levadas a votação, o

cidadão ficaria cansado de ter que opinar sobre tudo, o que acabaria por levá-lo à apatia. Ou

seja, chegaria o momento em que, de tanto participar, o cidadão não se importaria mais sobre

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que decisões as assembléias estariam tomando, o que, para Bobbio (2000), seria

extremamente prejudicial à democracia.

Ao criticar a chamada “teoria clássica da democracia”, ou seja, a democracia

participativa, Bobbio (2000) aponta três obstáculos que fizeram com que ela não passasse da

dimensão teórica para a empírica. Primeiro, a mudança da sociedade de uma economia

familiar para uma economia de mercado, e daí para uma economia protegida, regulamentada,

o que teria exigido a valorização de competências técnicas de uma multidão cada vez maior e

de pessoal especializado nas administrações. Segundo, o crescimento do aparato burocrático e

hierárquico, oposto ao poder democrático. Terceiro, o crescimento das demandas da

sociedade, fator que, segundo Bobbio (2000), produziria o problema da “ingovernabilidade”

da democracia. Na prática, isso quer dizer que quanto mais se tem, mais se quer. Ou, melhor

ainda, se uma demanda da população é atendida, outra demanda mais complexa é criada, e as

dificuldades de atendimento vão aumentando. “Sinteticamente: a democracia tem a demanda

fácil e a resposta difícil; a autocracia, ao contrário, está em condições de tornar a demanda

mais difícil e dispõe de maior facilidade para dar respostas”. (BOBBIO, 2000, p. 48-49). Em

outras palavras, a participação é mais cara e trabalhosa. É mais fácil, então, eleger pessoas que

possam tomar decisões para toda a população.

A defesa do modelo representativo apóia-se na impossibilidade de se ter em grandes

sociedades a democracia da Grécia antiga, em que os cidadãos eram reunidos em assembléias

para deliberarem sobre os assuntos inerentes à administração das cidades, assim como na

idéia de Rousseau (2004) de que o povo não pode ser representado. Defendia exatamente o

contrário das idéias de Schumpeter (1942) e Bobbio (2000). Para ele, a participação somente

para eleger uma elite política é uma forma de escravizar o povo, porque os representantes não

agirão em defesa dos interesses dos representados, e sim de acordo com a vontade deles

mesmos e em benefício próprio.

Não se pode representar a soberania pela mesma razão que se não pode alienar; consiste ela essencialmente na vontade geral, e a vontade não se representa; ou ela é a mesma, ou outra, e nisso não há meio-termo; logo os deputados do povo não são, nem podem ser, representantes seus; são comissários dele, e nada podem concluir decisivamente. É nula, nem é lei, aquela que o povo em peso não retifica. Julga-se livre o povo inglês, e muito se engana, que o é só durante a eleição dos membros do parlamento, finda a qual, hei-lo na escravidão, hei-lo nada; e como ele emprega os breves momentos de sua liberdade, merece bem que a perca. (ROUSSEAU, 2004, p. 19-20).

17

Mas, como exposto anteriormente, a idéia rousseauneana é veementemente contestada

com inúmeras argumentações por diversos autores. Dahl, por exemplo, chega a mostrar

contradição explícita às idéias de Rousseau.

A ‘democracia’, digo em aberta contradição com Rousseau, ‘não é um Estado em que o povo, reunido em assembléia permanente, administra por si mesmo os assuntos públicos... A democracia é um Estado em que o povo soberano, guiado por leis que ele mesmo elaborou, faz por si mesmo o que pode fazer bem, e através de seus delegados, o que não pode.’. (DAHL1989, p. 113).

A idéia é que existem pessoas especializadas para realizar tudo. Ninguém tem de

tomar conta de tudo. As pessoas comuns têm de cuidar de suas vidas e deixar para os

especialistas a administração pública. Dahl chega a fazer metáforas extremas para

exemplificar e defender o sistema de representação por uma elite especializada.

Não gostaria de ser um paciente cirúrgico em uma sala de operações em que se rege o princípio de que a opinião de uma pessoa é tão digna de escutar-se como a de outra. Não quero ser julgado por um tribunal onde cada questão de procedimento possa ser apelada por um voto de juiz, jurado apoderados, jornalistas, espectadores... e o acusado. Não quero um referendo para decidir que drogas e aditivos para os alimentos são suficientemente seguros para o consumo. (DAHL, 1989, p. 42).

Nesse sentido, não há como pensar em democracia plena. Ela não existe e não há

possibilidade de existir. Pensar em democracia direta é pensar em magia, pela impossibilidade

de conciliar o tamanho dos Estados e a ignorância do povo para obter uma maior participação

nas decisões de Estado. (DAHL, 1989). Com esses argumentos e nessa linha de pensamento,

Dahl cria o termo poliarquia3 para definir as formas de governo que existem no mundo atual,

comumente chamadas de “democracia”. Para ele, não existem regimes plenamente

democráticos, e sim poliarquias mais ou menos avançadas. (DAHL, 2005).

Na visão de Dahl, por mais que se fale em participação e em governo democrático, há

sempre a necessidade de haver decisões não democráticas. Trazendo para a realidade dos

governos atuais, significa dizer que os representantes maiores podem ser eleitos pelo povo,

mas a escolha de ministros, secretários, presidentes de autarquias e empresas estatais cabe

sempre ao governante, sem consulta ao povo. Ou seja, nunca haverá uma democracia

3 Robert Dahl afirma que não há no mundo qualquer regime que possa ser considerado plenamente democrático, próximo do ideal. O que existe são poliarquias, regimes caracterizados pela possibilidade de o cidadão estar incorporado ao sistema político (votar e ser votado) e de externar idéias e contestar. Quanto maior a incorporação e a possibilidade de contestação, mais avançada é a poliarquia. (DAHL, 2005).

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absoluta, e o ideal é o sistema de representação. O que há, como exposto por Dahl (2005), é a

possibilidade de se ter um nível maior de incorporação da população na política, traduzido em

um número maior de pessoas que possam votar e ser votadas, sem discriminação de sexo,

credo, idade, escolaridade, etc, e um nível maior de liberdade de contestação, que possibilite

às pessoas expressar sua opinião publicamente, sem punições por parte do Estado. Em outras

palavras, só é possível haver governos regidos pelo regime de representação.

Mas, como exposto anteriormente, o sistema de democracia representativa tornou-se

hegemônico, porém não consensual. As discussões sobre como atingir a melhor forma de

democracia sempre aconteceram, sendo que a partir da década de 1980, especialmente, elas se

acirraram. As críticas à democracia representativa cresceram, principalmente no sentido de

que o sistema vigente já não é capaz de atender às demandas dos representados. A falta de

mecanismos que obriguem o representante a cumprir o que foi prometido em campanha faz

dele um ator autônomo no sistema representativo. Ou seja, depois de eleito, ele, se desejar,

não tem de dar satisfações das decisões políticas que toma. Na verdade, o que acontece é que,

ao assumir o poder, ao invés de representar o povo, os eleitos passam a substituir o povo.

Nessa perspectiva, em contradição às críticas à democracia participativa em grandes

comunidades, o sistema representativo mostra-se cada vez mais ineficiente à medida que

aumenta o número do eleitorado. Isso porque o número de representantes se torna,

proporcionalmente menor em relação aos representados. Com isso, numa sociedade cada vez

mais complexa o volume de interesses que chegam a ser atendidos fica cada vez menor. As

decisões que são tomadas com o objetivo de agradar a maioria acabam desagradando a um

número cada vez maior de pessoas que representam a minoria. Apoiados neste raciocínio é

que começam a surgir as propostas de descentralização das decisões e de implementação de

organizações intermediárias entre os representantes e representados. (SANTOS JUNIOR,

2001, p. 80).

Essa tendência começa a acontecer lentamente, a partir da segunda metade do século

XX, mas com intensidade maior a partir da década de 1980, com a defesa de sistemas mais

participativos. (SANTOS; AVRITZER, 2003; BENEVIDES, 2003; PATEMAN, 1992).

Começam a surgir tanto estudos que apontam novos caminhos possíveis quanto experiências

práticas, revelando que não há uma única forma de se fazer democracia.

Os argumentos a favor da democracia participativa não são aqueles que defendem uma

democracia direta, nos moldes daquela praticada na Grécia antiga. Na verdade, o que se busca

é uma combinação de representação com participação. Não se trata, portanto, da exclusão de

uma ou de outra, e sim de complementaridade. É perfeitamente possível manter a

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representação e criar formas de promover uma maior participação dos cidadãos na política,

como argumentam Santos e Avritzer (2003) por meio de coexistência e complementaridade.

Coexistência implica uma convivência, em níveis diversos, das diferentes formas de procedimentalismo, organização administrativa e variação de desenho institucional. A democracia representativa em nível nacional (domínio exclusivo em nível da constituição de governos; a aceitação da forma vertical burocrática como forma exclusiva da administração pública) coexiste com a democracia participativa em nível local, acentuando determinadas características participativas já existentes em algumas democracias dos países centrais. (MANSBRIDGE, 1990).

A segunda forma de combinação, a que chamamos complementaridade, implica uma articulação mais profunda entre democracia representativa e democracia participativa. Pressupõe o reconhecimento pelo governo de que o procedimentalismo participativo, as formas públicas de monitoramento dos governos e os processos de deliberação pública podem substituir parte do processo de representação e deliberação tais como concebidos no modelo hegemônico de democracia. Ao contrário do que pretende este modelo, o objetivo é associar ao processo de fortalecimento da democracia local formas de renovação cultural ligadas a uma nova institucionalidade política que recoloca na pauta democrática as questões da pluralidade cultural e da necessidade da inclusão social. (SANTOS; AVRITZER, 2003, p. 75-76).

A essa idéia de coexistência e complementaridade é possível agregar o argumento de

que o jogo político é dinâmico, passível de modificações e/ou evoluções constantes, assim

como as sociedades. Pensar num conceito estático e definitivamente pronto de democracia

certamente não é a melhor opção. Cada Estado experimenta modificações e adequações nas

atividades políticas, o que torna a democracia, ou poliarquia, um sistema dinâmico. É o

próprio conceito de poliarquia de Dahl (2005) que é usado por Renato Lessa para reforçar esta

idéia.

[...] a poliarquia é uma combinatória de duas variáveis. Uma delas é a incorporação política – a inclusão da população no processo político, medida pela proporção de cidadãos no conjunto dos habitantes. Quanto mais próxima for a relação, maior é o grau de inclusão. [...] a marcha da extensão dos direitos de cidadania vai se aproximando do limite. Hoje, jovens de 16 anos podem votar no Brasil. Nas Filipinas, o limite é ainda menor: 15 anos. Em breve estaremos discutindo o limiar dos 14 anos. A linha da incorporação é, portanto, contínua. A linha do aperfeiçoamento institucional, que compõe o eixo vertical do modelo dahlsiano, também não tem limite físico. É sempre possível inventar instituições, aperfeiçoar o processo de institucionalidade democrática em um país. Resultado: se a linha horizontal não tem fim e a linha vertical idem, também não tem limite fixo fim o ponto de encontro de ambas. A democracia – ou poliarquia – mais do que um regime ou sistema é um processo, um movimento. Em outros termos, não há definição limite para o que seja democracia. Democracia pode ser um processo de construção institucional que cada vez mais incorpora e cada vez organiza a competição política. (LESSA, 2002, p. 47-48).

20

Nessa linha de raciocínio, se a democracia é dinâmica, mutável, adaptável, pode-se

pensar que a maior participação popular é possível. Que ela não seja como idealizou Rousseau

(2004), mas que também não seja reservada a uma pequena elite privilegiada que tome

decisões que afetam um grande contingente de pessoas.

Um argumento recorrente na defesa da participação é a educação política. Ao contrário

do que afirmou veementemente Schumpeter, o que se defende com a democracia participativa

é que ela tem um caráter educativo; ou seja, a participação estimula uma maior participação.

Em Participação e teoria democrática, Pateman (1992) chama atenção para a importância de

se conhecer as idéias de Schumpeter, porque muitos autores que escreveram sobre democracia

no século XX seguiram suas idéias. No entanto, a autora contra-argumenta em defesa da

democracia participativa, com análise do pensamento de autores como Rousseau, John Stuart

Mill e G. D. H. Cole

A idéia central da obra de Patemam, que está explícita no pensamento de todos os

autores que ela estuda, é o caráter educativo da participação, como é defendido por Rousseau

(2004):

[...] a função central da participação na teoria de Rousseau é educativa, considerando-se o termo educação em seu sentido mais amplo. O sistema ideal de Rousseau é concebido para desenvolver uma ação responsável, individual, social e política como resultado do processo participativo. Durante esse processo o indivíduo aprende que a palavra ‘cada’ aplica-se a ele mesmo; o que vale dizer que ele tem que levar em consideração assuntos bem mais abrangentes do que os seus próprios e imediatos interesses privados, caso queira a cooperação dos outros; e ele aprende que o interesse público e o privado encontram-se ligados. (PATEMAN, 1992, p. 8).

Benevides (2003) também defende a participação como escola de cidadania e política,

já que a democracia deve ser construída constantemente.

Não resta dúvida de que a educação política – entendida como educação para a cidadania ativa – é o ponto nevrálgico da participação popular. Mas como educar sem praticar? É claro que essa questão, pela sua própria natureza especulativa, não tem resposta pronta e acabada. Mas, pelo menos, um ponto pode ser adiantado: a importância dos costumes políticos (enfocados na tradição de Aristóteles, Montesquieu e Tocqueville) para o êxito de qualquer prática e organização nas sociedades. Isso significa que nenhum sistema novo – por mais “perfeito” que seja ou aparente ser – terá garantidos os resultados previstos se afrontar costumes arraigados da cultura política de um povo. Não é por acaso, portanto, que os exemplos mais bem-sucedidos de experiências participatórias do mundo contemporâneo ocorram nos Estados Unidos e na Suíça, países com fortíssima tradição de participação dos cidadãos – ou de “cidadania ativa”.

21

Tais considerações reforçam minha avaliação inicial, referente às vantagens da participação popular como uma “escola de cidadania”, como “educação política” do povo – apesar de toda a argumentação contrária que exagera as condições de apatia e despreparo absoluto do eleitorado, assim considerado incapaz, submisso e “ineducável” -, como a “multidão suína” de que falava Burke, “o rebanho miserável com suas paixões ensandecidas e ignorantes que, se não forem controladas pela lei, justificariam o mais duro despotismo”. O que importa, essencialmente, é que se possam garantir ao povo a informação e a consolidação institucional de canais abertos para a participação – com pluralismo e com liberdade. (BENEVIDES, 2003, p. 20-21).

Nesse sentido, a criação de possibilidades participativas, seja em conselhos,

associações, assembléias ou reuniões, que, efetivamente, resultem em atendimento das

demandas dos cidadãos estimula maior participação. Ou seja, se o cidadão percebe que sua

participação traz resultados positivos para sua vida e para os demais cidadãos, a tendência é

que esta participação aumente e se torne cada vez mais efetiva e qualificada. O

desenvolvimento da democracia vai sendo construído e os custos da participação amenizados,

como chama atenção, Tarso Genro.

Não é desconhecido que ‘a democracia direta caracteriza-se por elevados custos internos’ (mas) ‘tais custos diminuem progressivamente à medida que a própria participação desenvolve e incorpora qualidades ético-cognitivas que melhoram as decisões e produzem uma menor necessidade de tomar outras’. As experiências participativas com o ‘retorno’ das decisões que se integram como conquistas da vida cotidiana, o aprimoramento das técnicas decisórias, a incorporação das novas tecnologias informacionais e a formação de novas elites dirigentes (de extração popular direta) vão, paulatinamente, impondo-se como um aprendizado de longo curso. É um outro estágio do que ocorreu no longo período de formação das atuais elites profissionais que nos governam. Deverá ser um longo aprendizado e um desenvolvimento que permita “uma combinação de estruturas em que as instituições da vida cotidiana sejam organizadas de maneira participativa, os meios de coordenação econômica e política o mais estreita e transparentemente associados a essas instituições, tanto quanto possível, e em que a estrutura legal seja decidida por um organismo o mais representativo possível”. Trata-se de abrir a possibilidade de um futuro indeterminado, que combine a previsibilidade da representação política, com a indeterminação originária da democracia direta. É um futuro paulatinamente constituído pela evolução e por saltos, com formas experimentais e regulações combinantes4. (GENRO, 2003, p. 20-21).

A construção desse futuro a que se refere Genro (2003) passa pela participação, que

começa, necessariamente, na esfera local. Obviamente, é possível participar das decisões

políticas nacionais. A Constituição Federal de 1988 prevê isso quando estabelece a instituição

4 Grifos do autor.

22

dos instrumentos de Iniciativa Popular, Plebiscito e Referendo. Apesar de serem pouco e mal

utilizados, os instrumentos estão aí, e são legítimos. (BENEVIDES, 2003).

Uma melhor e maior utilização desses instrumentos é perfeitamente possível em nível

nacional. Mas é no nível local que o exercício da participação deve encontrar espaço mais

adequado. Isto porque o aprendizado que pode levar a um aprimoramento da democracia em

todos os níveis pode começar nos bairros, estender-se pelas cidades e estados até chegar à

nação, contrariando a idéia de Dahl (1994) de que numa sociedade extremamente grande é

impossível a participação dos cidadãos e de que numa muito pequena pode até haver o

governo do povo, embora com muito pouco a governar.

Mas este “pouco” em uma sociedade pequena pode se transformar, seguindo a idéia de

que “vários poucos podem se tornar um muito”. O hábito de participar de associações de

bairros, agremiações e reuniões para a tomada de decisões que afetam pequenas comunidades

vai construindo, aos poucos, o que Putnam (2002) chamou de “capital social”, fundamental

para estruturar a cidadania e edificar sociedades participativas maiores.

Como defende Santos Junior (2001), apesar de um governo local democrático

depender de um governo nacional democrático, existe um nível razoável de autonomia dos

municípios, o que garante a possibilidade de se desenvolver ações que promovam a cidadania

e a democracia participativa. Isso vai variar de município para município, de acordo com os

recursos disponíveis e as opções dos dirigentes. Além disso, o autor também acrescenta a

idéia de cultura cívica5, nos moldes do que foi apresentado por Putnam (2002), como

condição para a melhoria da democracia local.

Assim como Putnam (2002), Santos Júnior (2001) defende que a organização da

sociedade civil é fundamental para o desenvolvimento da democracia local. No entanto,

ressalta, também, a importância da ação governamental na criação de uma cultura cívica e

defende que a característica institucional da democracia está ligada ao governo nacional, mas

a participação e a cidadania política acontecem, em grande medida, na esfera municipal.

A Constituição Federal de 1988 contribuiu para esta participação ao criar os Conselhos

Gestores, alguns obrigatórios nos municípios, como os de Saúde, Educação, Criança e

Adolescente, Assistência Social e Trabalho. (SANTOS JUNIOR, 2001). Além disso, reviu o

Pacto Federativo e concedeu novos poderes aos municípios, que passaram a elaborar suas

próprias leis orgânicas, a aumentar arrecadação e a administrar as próprias receitas. (DIAS,

5 Refere-se a uma cultura de participação nos assuntos da comunidade, de convivência solidária, com espírito público, que leva a constituir uma comunidade cívica que “se caracteriza por cidadãos atuantes e imbuídos do espírito público, por relações políticas igualitárias, por uma estrutura social firmada na confiança e na colaboração” (PUTNAM, 2002, p.30-31)

23

2002). Nesse novo contexto, surgem outros conselhos não obrigatórios pela legislação federal,

mas que são implantados por meio de leis municipais. Nessa esteira descentralizadora, a

Constituição também possibilitou que os municípios gerissem o próprio orçamento. Com isso

surge o Orçamento Participativo, implantado, em 1989, pelo, então, prefeito Olívio Dutra

(PT), em Porto Alegre (RS). Em Belo Horizonte, a experiência começa em 1993, quando o

Partido dos Trabalhadores (PT) vence as eleições com o prefeito Patrus Ananias e que será

apresentado no capítulo seguinte.

24

3. O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO: ELOGIOS E CRÍTICAS

Com a possibilidade de planejar seus próprios orçamentos, a partir da Constituição de

1988, alguns municípios inovaram na elaboração de políticas públicas. Um dos produtos

dessa nova ordem político-econômica é o Orçamento Participativo (OP), que, em linhas

gerais, é um processo que permite a participação da população na definição do destino dos

recursos públicos.

O Orçamento Participativo, no modelo conhecido hoje, surgiu formalmente em 1989,

primeiramente em Porto Alegre, na administração do prefeito Olívio Dutra (PT). Entre 1989 e

1997, outras cidades brasileiras iniciaram experiências nesse sentido, entre elas Belo

Horizonte, em 1993, com o prefeito Patrus Ananias (PT). Entre 1997 e 2000, essa experiência

expandiu-se pelo Brasil, contabilizando-se cerca de 130 administrações municipais que a

implantaram. A partir de 2000, o OP estendeu-se para fora do Brasil. Segundo levantamento

do Centro Internacional de Gestão Urbana (CIGU), atualmente 300 localidades adotam essa

prática de gestão pública. Além do Brasil, Peru, Equador e, mais recentemente, Bolívia e

Colômbia constituem o grande foco de experiências de Orçamento Participativo, seguidos por

outros países da América, como Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, República Dominicana,

Nicarágua, El Salvador e México. Algumas cidades européias iniciaram práticas afins,

sobretudo na Espanha, Itália, Alemanha e França6. Em Belo Horizonte, assim como em outras

cidades administradas pelo Partido dos trabalhadores (PT), o OP tem sido uma das bandeiras

da administração petista, como exemplo de administração participativa. A iniciativa, que

começou com o prefeito Patrus Ananias, em 1993, passou para os prefeitos que o seguiram:

Célio de Castro (1997/2000 e 2001/2002) e Fernando Pimentel (2002/2004 e 2005/2008). As

administrações municipais de Belo Horizonte foram aprimorando o processo do OP, no

sentido de apresentá-lo como um diferencial de administração pública, voltado para o

atendimento das demandas da população, incluindo-a no processo de decisão, como parte da

ideologia do Partido dos Trabalhadores (PT) em todo o Brasil.

O prefeito Fernando Pimentel, um dos fundadores do PT, assumiu a Prefeitura em

2002, quando era vice de Célio de Castro (PT), que ficou impossibilitado de exercer o cargo

por motivos de saúde. Em 2004, Pimentel reelegeu-se para o mandato 2005/2008, tendo o OP

como política pública muito bem explorada na campanha eleitoral. O cuidado com o OP como

política fundamental na administração de Belo Horizonte pode ser percebido no depoimento 6 www.pbh.gov.br. Consulta feita em 15/02/2007.

25

do prefeito Fernando Pimentel, para quem este instrumento é o maior programa de obras

públicas do Brasil.

O nosso Orçamento, aqui de Belo Horizonte, é, fundamentalmente, um grande programa de obras urbanas, baseado na escolha popular, no acompanhamento pela população e na fiscalização da população. Isso é o que ele é, e não é pouco. Se for isso, mas aí obviamente as pessoas vão avaliar se é ou se não é. Se for isso, já será um enorme avanço. Eu costumo chamar atenção que esse OP de Belo Horizonte é o maior programa de obras públicas do Brasil em funcionamento no período de tempo que ele tem. Não há nenhum outro programa, porque nós temos 15 anos de OP, desde 1993, 1994. Então, é o maior programa em extensão de tempo e em recursos mobilizados. Nós já gastamos mais de 500 milhões de reais na cidade exclusivamente com obras escolhidas, acompanhadas e fiscalizadas pela população. Não tem outro programa com essa dimensão no Brasil. Bem, porque às vezes eu estou dizendo isso para valorizar, porque às vezes o indivíduo diz assim: “Ah, mas o OP de Belo Horizonte é só obra”. Não, meu amigo, não é só obra. Se nós gastarmos o que nós gastamos em obras com esse formato, nós já estamos fazendo um grande avanço, um avanço gigantesco do ponto de vista da qualidade da democracia. Então, para definir, eu diria isso: É um programa de obras urbanas importantes para a população que é o maior do Brasil na sua dimensão de tempo e de valor.7 (Depoimento Verbal).

O processo de Orçamento Participativo de Belo Horizonte funciona da seguinte

maneira8:

• A cada dois anos a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e as lideranças comunitárias

convocam a população dos bairros para a Abertura Municipal do Orçamento

Participativo e para as Rodadas de Assembléias Populares em cada Administração

Regional.9

• Nestas Assembléias, a PBH explica a Metodologia do Orçamento Participativo (OP) e

entrega um formulário para o levantamento das reivindicações de empreendimento

para o representante de cada bairro.

• O representante reúne a comunidade, que vai indicar, no formulário, a obra prioritária

do bairro, como construção/reforma de escolas municipais, centros de saúde ou

urbanização de vias. O formulário é enviado para a Administração Regional, com a

Ata da Reunião, contendo as assinaturas dos presentes;

• A PBH recebe o formulário, analisa a reivindicação e o devolve à comunidade, com

um parecer técnico dizendo se a obra é viável ou se será necessária sua substituição.

7 Entrevista concedida por Fernando Pimentel, em 13/11/2006. 8 Fonte: Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – www.pbh.gov.br 9 A administração de Belo Horizonte é, geograficamente, dividida em nove regiões, com tamanho semelhante. Elas são administradas por uma espécie de subprefeituras, denominadas Secretarias de Administrações Regionais.

26

• A Segunda Rodada de Assembléias é realizada por sub-região. Cada uma das nove

regionais é dividida de 3 a 6 sub-regiões, que englobam vários bairros. A PBH

apresenta o recurso financeiro disponível para cada sub-região.

• Quanto mais carente e mais populosa a área, maior é o recurso que ela irá receber,

segundo o IQVU10 (Índice de Qualidade de Vida Urbana).

• As sub-regiões pré-selecionam até 25 empreendimentos por regional, dos quais até 14

serão aprovados nos Fóruns Regionais, de acordo com o recurso disponível. Nesta

Assembléia, cada sub-região elege seus delegados, proporcionais ao número de

presentes. Daí a importância da participação popular.

• Nas Caravanas de Prioridades, os delegados eleitos na Segunda Rodada para o Fórum

Regional visitam os locais das demandas pré-selecionadas. As Caravanas possibilitam

aos(às) delegados(as) conhecerem melhor a realidades.

• A seguir, acontece o Fórum Regional, última etapa do OP, quando a PBH apresenta a

planilha com os custos de cada empreendimento. A plenária de delegados seleciona 14

entre os 25 empreendimentos pré-selecionados para cada regional, de acordo com as

normas, e elegem os representantes das Comissões Regionais de Acompanhamento e

Fiscalização do Orçamento Participativo (COMFORÇA), a qual vai acompanhar e

fiscalizar a realização dos empreendimentos aprovados.

• O encerramento do processo se dá com a realização do Encontro Municipal de

Prioridades Orçamentárias, envolvendo todas as regionais, em que o prefeito recebe

da COMFORÇA eleita o Plano de Empreendimentos definido pelo OP, a ser

executado pela PBH.

O modelo de Orçamento Participativo de Belo Horizonte tem sido tema de estudos

que, na maioria das vezes, o apontam como exemplo de experiência de bom governo.

(BOSCHI, p. 1999). As vantagens apontadas são várias, e aqui se destacam o fomento à

participação da sociedade e a promoção de accountability11.

É fato que o Poder Executivo Municipal de Belo Horizonte promove a democracia

participativa por meio do OP. É fato que uma parcela da população tem acesso ao processo de

10 O índice utilizado para a distribuição de recursos, denominado Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU), é associado ao contingente populacional das regiões, subdivididas em áreas menores para a realização desta aproximação. (Sub-regiões e Unidades de Planejamento), sendo que quanto menor for o IQVU e maior a população, maior a destinação de recursos. No caso das vilas e favelas, é elaborado previamente à realização dos empreendimentos um plano de intervenções visando ao desenvolvimento global do local (Plano Global Específico) (www.pbh.gov.br. Consulta em 15/02/2007). 11 A palavra não tem uma tradução para o português no sentido que se usa em política, mas pode ser entendida como prestação de conta ou responsabilização por parte de pessoas que exerçam cargos públicos. Tem, também, o sentido de transparência das ações governamentais.

27

administração pública municipal no que se refere à execução de obras, mesmo que de

pequeno e médio portes. Também é fato que a participação está aberta a qualquer cidadão. Em

sendo assim, a tentativa de promoção da democracia participativa está manifestada.

Os estudos, também, apontam o caráter educativo e a possibilidade de conhecimento,

por parte dos participantes, das necessidades não só de sua comunidade, como da cidade

como um todo, que o Orçamento Participativo pode propiciar, como apontam Azevedo e

Mares Guia (2005).

Apesar de configurar-se numa arena potencialmente caracterizada por intenso conflito, o formato do Orçamento Participativo joga papel fundamental nos resultados alcançados. Partindo-se de uma participação restrita, motivada por interesses concretos e imediatos do bairro, chega-se a uma participação ampliada onde se discute a cidade. Através de alianças, negociações e barganhas sucessivas parte-se de demandas setoriais de bens públicos negociáveis de primeiro nível e chega-se a uma discussão ampla sobre a cidade como um todo, sobre a Prefeitura e sobre o próprio Poder Legislativo. A participação direta da população na gestão dos recursos municipais, tal como ocorre no OP, favorece ainda a diferenciação entre o público e o privado, desempenhando papel fundamental no enfrentamento do clientelismo e do corporativismo. (AZEVEDO; MARES GUIA, 2005, p. 84).

Mas as críticas e os conflitos também existem. Um dos mais recorrentes refere-se ao

conflito que se cria com o Legislativo Municipal. Antes da criação do Orçamento

Participativo, as obras eram definidas pelo Poder Executivo e pelos vereadores que tinham

como trunfo para agradar suas bases eleitorais a conquista de obras solicitadas pela

comunidade que os elegeu. (VALADARES, 2005). O vereador mostrava prestígio e força ao

negociar com o Poder Executivo e conseguir que a obra solicitada fosse realizada. Com o

Orçamento Participativo, essa relação mudou. As verbas anteriormente reservadas pelo

Executivo aos vereadores para o atendimento de obras nas comunidades onde eles mantinham

suas bases passaram a ser destinadas às obras do OP, que vão ser definidas em discussões

desenvolvidas diretamente entre o Poder Executivo e a Comunidade. O vereador deixa de

contar com uma importante ferramenta de barganhas alocativo-clientelistas na relação com

sua base eleitoral. Essa nova situação afeta, também, a relação entre os vereadores e o

Executivo. (ARAÚJO, p. 2001).

Tal situação não é exclusiva de Belo Horizonte. Estudos recentes exibem o conflito

originado pela perda de espaço dos vereadores na elaboração de políticas públicas,

especialmente no que se refere à execução de obras e manipulação do Orçamento Público.

(COELHO, FILHO; JORGE, 2004; DIAS, 2002). É que o Orçamento Participativo

28

potencializa um conflito já existente entre o Executivo e o Legislativo decorrente do fato de a

Constituição de 1988 ter dado mais poderes legislativos ao Executivo. (FIGUEIREDO;

LIMONGI, 1999). No que se refere ao orçamento, nos níveis federal, estadual e municipal,

apesar de as matérias sobre esse tema terem de ser apreciadas pelo Legislativo, somente o

Executivo pode apresentar propostas de legislação. Cabe ao Legislativo sugerir possíveis

emendas ao projeto original, sem, no entanto, criar mais despesas para o Município, como

aponta Dias (2002):

A partir da Constituição de 1988, os Legislativos em todas as unidades da Federação foram autorizados a alterar autonomamente a previsão orçamentária dos Executivos através de emendas, mas sob a condição de indicar a origem dos recursos necessários à provisão de gastos conseqüentes das emendas. Isto significa dizer que ficou vedado ao poder Legislativo a criação de despesas, podendo apenas transferir recursos dentro da própria planilha orçamentária já definida pelo Executivo. Assim, para que um investimento fosse criado, outro de igual valor deveria ser anulado. (DIAS, 2002, p.126).

As propostas oriundas do Orçamento Participativo, como todas as outras, devem ser

apresentadas para apreciação do Legislativo Municipal, sendo passíveis de serem emendadas

pelos vereadores. Mas, como exposto acima, o vereador tem de apresentar uma fonte de

recursos para a emenda ou, para a criação de um investimento específico, anular um outro já

existente. Em se tratando de Orçamento Participativo, ou seja, de obras que entraram no

Orçamento Geral do Município por meio de votação popular, qualquer mudança por parte do

vereador pode ter um custo político muito elevado, configurado numa indisposição com a

comunidade que se sentisse prejudicada, o que certamente não valeria a pena.

Diante dessa situação, o vereador tem de medir todas as conseqüências de qualquer

intervenção nos projetos do Orçamento Participativo, para não se indispor com esta ou aquela

comunidade. A peça orçamentária é extensa e complexa. Qualquer análise ou intervenção

sobre ela exige conhecimento específico. De maneira geral, o vereador não tem este

conhecimento, e raramente um deles tem um assessor experimentado neste assunto. Além de

ser um assunto complexo do ponto de vista técnico, o Orçamento também se complica no que

diz respeito ao ponto de vista político. Nem sempre é vantajoso para o vereador interferir em

processo tão delicado. Mais ainda quando se refere ao Orçamento Participativo, que vem

carregado com a participação popular. Sendo assim, o procedimento normal é que o

Orçamento passe pelo Legislativo Municipal sem nenhuma emenda. Ou seja, o vereador teria

alguma chance de influenciar algum item do Orçamento Municipal somente antes de ele ser

29

elaborado. Depois que vai para a Câmara, torna-se um processo quase que homologatório. O

que está determinado pelo Executivo Municipal será, quase sempre, aprovado sem restrições,

no que se refere tanto ao Orçamento Participativo quanto a qualquer outra matéria apresentada

em plenário. O que está exposto na literatura sobre o assunto é confirmado, em relação a Belo

Horizonte, no depoimento do vereador Ronaldo Gontijo (PPS)12, que relata, em linhas gerais,

como o OP tramita na Câmara Municipal.

[...] o que é o Orçamento Participativo? É o Executivo abrindo um canal para que a comunidade escolha determinadas obras, coloque em votação a prioridade e encaminhe para o prefeito, para este prefeito colocar no Orçamento Geral do Município. Aí, o prefeito coloca no orçamento como proposta de orçamento e encaminha para a Câmara, que poderia mudar tudo aquilo, votar, tirar. Mas a Câmara Municipal, quase que num todo, sempre aprova o Orçamento. Modifica o orçamento, mas não modifica a decisão tomada em comunidade. A Câmara faz isso, e aquele orçamento, aquela proposta, aquela idéia, porque a comunidade manda uma idéia, o prefeito recepciona e manda como projeto, a Câmara aprova e vira lei. Essa é a coisa13. (Depoimento Verbal).

Qual seria, então, a saída para o Poder Legislativo manter visibilidade com a base

eleitoral diante do surgimento dessa instância de participação política? Como exposto antes, o

Orçamento Participativo alterou a relação clientelista entre os vereadores e suas bases. Ou

seja, o OP diminuiu a possibilidade de troca de obras e benefícios conseguidos com verbas

orçamentárias por apoio político. Diminuiu, mas não eliminou. Apesar de, teoricamente, a

comunidade não precisar mais agir como cliente do vereador nas questões relativas à

destinação de verbas para a execução de obras, na prática, acontece coisa semelhante.

Na verdade, apesar de não ter conhecimentos técnicos específicos, querendo ou não, o

vereador tem acesso a informações privilegiadas, por força da função. Ele tem um cargo

político, gabinete minimamente equipado, estrutura técnica oferecida pela Câmara Municipal

e, de alguma maneira, está envolvido nas discussões políticas da cidade. Os recursos de que

dispõe possibilitam ao vereador conhecer bem as regras do jogo parlamentar, as

possibilidades de relação com o Poder Executivo e o modo como manter um bom

relacionamento com a comunidade que o elegeu. (COELHO, FILHO; JORGE, 2004). Com

isso, encontrou uma nova forma de fazer parte do processo, de minimizar a perda de recurso

de poder e de continuar bem relacionado com sua clientela. O que, a princípio, poderia ser

12 Um pequeno currículo do vereador, assim como o gráfico de votação dele, pode ser conferido no quarto capítulo. 13 Entrevista concedida em 31/08/2006.

30

uma situação sem solução, ao contrário, mostrou-se repleta de oportunidades e de alternativas

de atuação criadas pelos recursos diferenciados a que o vereador tem acesso.

Alguns vereadores de Belo Horizonte resolveram adotar o Orçamento Participativo

como ferramenta para se aproximar de sua base eleitoral. Nesses casos, o que acontece é que

eles participam do processo de alguma forma e, depois, assumem a obra conquistada por uma

comunidade como se fosse promovida por ele, no que pode ser visto como nova forma de

praticar o clientelismo. Mas não são raros os casos em que o vereador se incorpora ao

processo do OP com a convicção de que o mecanismo é bom e auxilia tanto o Executivo

como o Legislativo no atendimento das demandas da população. Há muitos elogios ao

mecanismo, mas há também críticas à forma como ele é conduzido, apontando para um

excessivo poder do Executivo na manipulação do processo, configurando, igualmente, ação

clientelista direta com a população e, mesmo, na relação com o Legislativo. São essas

possibilidades que serão analisadas nos capítulos seguintes.

31

4. NOVO CLIENTELISMO: PRÁTICA RENOVADA

Quando se fala em clientelismo, o que geralmente vem à cabeça é a idéia de práticas

relacionadas a políticas arcaicas ligadas, no Brasil, à época dominada pelos coronéis. No

entanto, como mostra Andrade (1994), a prática clientelista no Brasil não está localizada em

um momento histórico definido. Ao contrário, está entranhada na cultura política brasileira,

sobrevivendo e se adaptando aos novos tempos.

[...] sobrevive e se adapta à modernização e ao desenvolvimento político, porque tem sido, antes de mais nada, uma estratégia política [...] Enquanto a pobreza se constituir em problema social dominante, o clientelismo se reproduzirá, e o interesse pela sua reprodução vai vir, tanto do lado dos dominantes, quanto do lado dos dominados, pela razão que esta é a forma mais rápida de resolver o problema da sobrevivência para a grande massa de despossuídos existente no Brasil. (ANDRADE, 1994 p. 39).

De acordo com Nunes (2003), “o clientelismo repousa num conjunto de redes

personalistas que se estendem aos partidos políticos, burocracias e cliques. Estas redes

envolvem uma pirâmide de relações que atravessam a sociedade de alto a baixo”. (NUNES,

2003, p. 32). Apesar de haver várias maneiras de se conceituar clientelismo, Andrade, (1994),

na obra O clientelismo político e seu poder de ser mutante, chama atenção para a

caracterização do clientelismo “como uma relação política baseada na troca de bens ou

favores caracterizada por quatro elementos que lhe são fundamentais: o caráter desigual da

relação; a reciprocidade; a sua natureza não institucional; a relação interpessoal”.

(ANDRADE, 1994, p. 8-9). A autora elimina o fator tempo para localizar essas práticas e

aponta contextos específicos que servem de alimento para o clientelismo. Os problemas

sociais e a escassez de recursos são exemplos dados por ela como facilitadores das relações de

troca características do clientelismo político. “O clientelismo tende a florescer em contextos

marcados pela escassez e deita raízes quando a grande massa de necessitados está incorporada

politicamente, podendo fazer de seu voto a moeda de troca nesse mercado.”. (ANDRADE,

1994, p. 33).

A centralização dos recursos públicos nas mãos do Poder Executivo, no caso do

Brasil, é outro fator que alimenta o clientelismo como alternativa de sobrevivência para quem

não tem acesso fácil aos recursos.

32

No trabalho Acesso ao poder: clientelismo e democracia participativa desconstruindo

uma dicotomia, Coelho, d’Avila Filho e Alves (2004) fazem uma análise do encontro de

novas práticas democráticas com outras mais antigas, como o clientelismo. A respeito da

dúvida sobre a capacidade de sobrevivência de uma prática considerada característica de uma

época arcaica da política brasileira, os autores apresentam nova designação para ela:

clientelismo moderno, que se “enraíza intrinsecamente na hierarquia inerente a toda

organização, particularmente nos espaços não regidos pela lei. Não constitui, portanto, em um

resíduo da sociedade tradicional, um corpo estranho à modernização”. (COELHO FILHO,

2004, p. 217).

Os autores apresentam uma argumentação interessante sobre um clientelismo adaptado

às condições contemporâneas, com menor impacto no sentido predatório e perverso que o

clientelismo tradicional tem. De acordo com eles:

A convivência de formas tradicionais de clientelismo político com os novos formatos assumidos a partir de processos participativos, sugere a competição entre fórmulas clientelistas distintas. Esta competição oferece maior possibilidade de escolha para os potenciais clientes, em um contexto de baixa institucionalização dos canais de acesso aos centros de decisão e alocação de recursos públicos, o que já significa um benefício considerável. Se, ao mesmo tempo, as externalidades negativas do clientelismo entendidas como apropriação privada de recursos públicos, puderem ser reduzidas em função da publicização do jogo político e de mecanismos de accountability contidos no arranjo, a opção dos clientes pelo novo sistema tenderia a reduzir os impactos predatórios do clientelismo tradicional. Isso significa dizer que sob determinadas condições o clientelismo pode ser encarado como uma alternativa popular legítima para a obtenção de benefícios. (COELHO FILHO, 2004, p. 218).

Em outras palavras, significa dizer que a prática do clientelismo nem sempre deve ser

condenada, especialmente levando-se em conta a realidade política a que o povo brasileiro é

exposta. O encontro das práticas clientelistas com as práticas democráticas poderia, de um

lado, levar a uma diminuição dos resultados negativos que o clientelismo tradicional traz e, de

outro lado, configurar-se em vantagem para os atores envolvidos, a partir de uma

transparência sobre a atuação dos atores políticos neste novo arranjo.

A nova configuração que se apresenta em Belo Horizonte para o relacionamento entre

o Legislativo e o Executivo, com a comunidade no meio, aponta para a disputa entre esses

dois Poderes pelo aumento da capacidade decisória. Na verdade, o que ocorre é que o

Executivo tem a maior carga de poder decisório, e o Orçamento Participativo, além de um

mecanismo de promoção da democracia participativa, também se identifica como uma

33

maneira a mais de o Executivo tirar mais um pouco de força do Legislativo e trazer a

comunidade para mais perto de si.

O trabalho de Neto (2003) O Legislativo e o poder local reforça o que já foi exposto

neste estudo sobre a força que adquiriu o Poder Executivo brasileiro no decorrer dos anos,

especialmente depois da Constituição de 1988, com a conseqüente fragilidade do vereador.

A partir de uma crítica sobre a separação dos poderes Legislativo e Executivo, Neto

(2003) faz uma análise histórica sobre os dois poderes e demonstra que, em nível municipal,

ao contrário do que pode ser hoje senso comum, no Brasil não havia a distinção no governo

das funções legislativa, executiva e judiciária. No Brasil da época da Colônia e do Império, as

decisões em nível municipal eram tomadas nas Câmaras e não havia a figura do prefeito. Com

o tempo, a legislação foi mudando, e o poder que a Câmara tinha foi sendo eliminado,

passando por legislações que davam poderes aos estados de definir o funcionamento dos

municípios, até chegar à Constituição de 1946, que determina expressamente eleições diretas

dos prefeitos. (NETO, 2003, p. 422).

Neto buscou estudar o funcionamento do governo municipal por meio de um survey

nacional e de estudos de casos nas cidades paulistas de Taubaté, Tremembé, São José dos

Campos e São Bento do Sapucaí14. O principal foco do estudo foi

[...] a Câmara Municipal, que tem no governo (ou deveriam ter) papel essencial, com as funções de legislar, fiscalizar e controlar o poder Executivo. A função legislativa, em sentido amplo, permite aos vereadores participar da administração do município. Todavia, esses papéis são desconsiderados pelos vereadores e a submissão da Câmara ao Executivo é quase absoluta. (NETO, 2003, p. 414).

Ao longo do trabalho, o autor mostra que há uma extrema concentração de poder nas

mãos do Poder Executivo municipal, nos moldes do que ocorre nos níveis estadual e federal, e

que os vereadores não assumem a função de legislador ou de fiscalizador do Executivo. “Sua

auto-estima mais freqüente seria a de uma caricatura de assistente social, com poderes

especiais, um padrinho, um intermediário de interesses particulares”. (NETO, 2003, p. 419).

Aliado a isso está o fato de a população não ter conhecimento sobre as atribuições dos

vereadores e não conseguir sequer distingui-las daquelas da Prefeitura. Na pesquisa de Neto

(2003), foi feita a pergunta se a Câmara faz parte da Prefeitura. O resultado foi 67% dos

entrevistados responderam positivamente. (NETO, 2003, p. 424-425). A pesquisa também

14 Para detalhes da metodologia de pesquisa, ler em: NETO, Joffre. O Legislativo e o poder local. In. BENEVIDES, Maria Victoria; VANNUCHI, Paulo; KERCHE, Fábio (Org.) Reforma política e cidadania. São Paulo: Perseu Abramo, 2003, p. 413-448.

34

procurou saber por quais motivos a população procura o vereador. A constatação foi de que

71% não procuram o vereador e que quando o faz é para o atendimento de motivos de

natureza assistencialista/clientelista. A população vai ao vereador para buscar providências

administrativas, de competência exclusiva do Executivo. “A população pede ao vereador o

que ele não pode dar, e o vereador acaba por prometer o que não pode cumprir, ou então há

um caminho: negociar com quem tem a chave do ‘cofre das graças’: o prefeito”. (NETO,

2003, p. 427).

Apesar de a pesquisa de Neto (2003) centrar-se, principalmente em cidades de São

Paulo, os resultados parecem ser um retrato do que acontece em Belo Horizonte. E tais

práticas estão tão arraigadas nos membros do Legislativo Municipal que os próprios

vereadores não a escondem. Eles se elegem com este pensamento, cumprem o mandato com

essas práticas e conseguem se reeleger da mesma maneira.

O que também é comum na escassa literatura que estuda o Legislativo Municipal e que

se mostra claro na Câmara Municipal de Belo Horizonte é o fato de o vereador assumir

funções administrativas de responsabilidade do Executivo. Não é raro, especialmente em

relação aos vereadores eleitos por comunidades bem demarcadas geograficamente, que neste

trabalho são chamados de comunitários, manterem escritórios nessas comunidades. O

escritório, que poderia ser político, transforma-se em uma agência de atendimento de

pequenas necessidades dos cidadãos. Trabalham nestes escritórios, assistentes sociais,

advogados, funcionários treinados para prestar orientação do cidadão sobre demandas ao

Poder Executivo e, até, ambulâncias para atender a comunidade.

O cidadão é atendido por um assessor do vereador, seja no gabinete ou no escritório do

bairro. O acesso privilegiado que o vereador tem às informações e aos departamentos do

Poder Executivo lhe dão condições de solucionar problemas como um despachante, um

facilitador, como exposto por Kuschnir (2000).

Poder econômico e poder político são de natureza distinta. Os acessos não podem ser comprados. Precisam ser conquistados através de um mandato e das alianças que o envolvem. Se eleito, o maior benefício obtido pelo político não é o dinheiro, mas sua posição de intermediário ou “facilitador” – isto é, alguém que detém os acessos na política. (KUSCHNIR, 2000, p. 88).

As funções específicas do vereador – legislar e fiscalizar o Executivo – ficam em

segundo plano. Há vereadores que não se preocupam em apresentar projetos. A relação direta

com a comunidade lhe garante aquilo que seus próprios assessores reconhecem como a

35

preocupação principal desde o primeiro dia de mandato: a reeleição. Apesar de a relação

direta com a comunidade existir fortemente entre muitos vereadores, ela já foi maior no tempo

em que as obras reivindicadas pelas comunidades podiam ser conquistadas por interferência

direta do vereador.

Naquele tempo, o vereador usava a influência e aceitação que tinha com o Executivo

Municipal para intermediar a liberação de verbas para obras na comunidade em que estava

inserida sua base eleitoral. Não que isso não aconteça mais, porém o Orçamento Participativo

diminuiu essa possibilidade. As relações de troca entre o Legislativo, o Executivo e a

população se alteraram. Ao invés de recorrer ao Executivo para pedir repasse de verbas para

obras na comunidade onde se localiza sua base eleitoral, o vereador procura saber que obras

serão colocadas em votação no OP. Então, por meio de assessores especializados no processo

do Orçamento Participativo, procura intervir de alguma maneira para que a população daquela

região perceba que ele está trabalhando por ela. Essa intervenção pode ser por meio do

aluguel de ônibus para levar pessoas às reuniões, influência na eleição de delegados que vão

representar a comunidade na votação das obras e posterior fiscalização do cumprimento do

cronograma de execução. Enfim, o que for preciso para ficar o mais próximo possível daquela

comunidade e, depois, ter o nome associado à conquista daquele beneficio.

De outro lado, o Executivo também se afastou do vereador, que sabe, pelo menos em

tese, que não adianta procurar o prefeito para reivindicar obras para a comunidade. Ao

contrário do que acontecia antes, quando o prefeito usava os recursos financeiros destinados a

obras para conseguir apoio, por meio de um determinado vereador em uma determinada

comunidade, com o OP, isso acontece de forma direta, sem intermediários. O próprio

processo do Orçamento Participativo aproxima as comunidades das diversas regiões de Belo

Horizonte do prefeito.

Com isso, acontece certo distanciamento entre o vereador e o prefeito, especialmente

se os dois forem de partidos opostos, como afirma o vereador Preto (PFL), que é conhecido

como opositor do prefeito Fernando Pimentel (PT).

[...] acredito que esta Casa deveria ser mais valorizada pelo Poder Executivo. Ela deveria ser mais ouvida. Eu, por exemplo, este ano, não consegui falar com o prefeito. Tem vereador que ainda não conhecia o prefeito... Nosso secretário de governo não ouve a gente, a não ser o grupo dele. Tem um grupo que fala com eles em um mês 3, 4, 5 vezes, mas tem vereadores aqui que não fala hora nenhuma [...]

36

Estou para te falar que, talvez, 50% dos vereadores da Casa não falaram com o prefeito esse ano ainda15. (Depoimento Verbal).

A entrevista foi concedida em agosto de 2006, portanto, já tendo percorridos vinte

meses da legislatura em questão. O depoimento do vereador Preto (PFL) é reforçado pelo do

vereador Henrique Braga (PSDB), também da oposição, mas que mostra ter um

relacionamento próximo do Executivo Municipal. Isso fica claro no depoimento dado no

mesmo dia da entrevista do vereador Preto (PFL). Apesar de confirmar que alguns vereadores

têm dificuldades em falar com o prefeito, afirma que ele não enfrenta obstáculos quando quer

chegar ao Executivo.

[...] esta semana, por exemplo, eu cobrei em plenário o descaso com a praça do Coração Eucarístico, que está desleixada, toda abandonada, e cobrei da praça São Vicente. Fiz duas cobranças. Daí a pouco, o secretário ligou para mim: “Você não precisava ter cobrado isso no microfone, podia ter ligado para mim”. Mas se a população me procurou dizendo que eles estão prejudicados, então, certamente, eles procuraram, eles recorreram. Não tiveram solução, e me procuraram. Eu não sou de nenhuma das regiões, mas, como representante da cidade, eu corri atrás. [...] Tem vereador aqui que reclama que o prefeito não o recebe. Teve um aí que até amarrou uma corrente no pé da mesa da secretária para ser recebido. Eu nunca precisei disso. `Às vezes, é claro, ele não vai me receber na hora que eu preciso. Eu peço com uma semana, e ele vai me receber na outra. Eu tenho que respeitar também, que a agenda dele como chefe do Executivo Municipal é uma agenda muito mais longa do que a minha, que sou simplesmente vereador16. (Depoimento Verbal).

As relações entre vereadores, prefeito e população vão se alterando com o tempo, mas

algumas práticas consideradas arcaicas e próprias de atitudes clientelistas continuam a

acontecer, mesmo em administrações declaradamente populares, como a de Belo Horizonte,

governada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e partidos aliados, desde 1993. O Orçamento

Participativo se apresenta como um novo elemento nesta relação. Os estudos e declarações

dos defensores apontam-no como um mecanismo de promoção de participação política, de

fomento à educação, de promoção da cidadania, de eliminação do clientelismo, de promoção

de accountability. Mas no âmbito do OP, os interesses do Executivo e os do Legislativo de

Belo Horizonte, assim como os das comunidades envolvidas, são complexos e conflituosos.

As diversas possibilidades que este contexto apresenta serão mostradas e analisadas no

capítulo seguinte.

15Entrevista concedida em 28/08/2006. 16Entrevista concedida em 28/08/2006.

37

5. OS VEREADORES E O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

Lidar com as novas formas de participação, que fazem ligação direta da população

com o Poder Executivo, pode se configurar como um problema para os vereadores

acostumados a práticas tradicionais de convivência com a população e com o Executivo. Este,

aliás, foi um dos problemas mais freqüentes enfrentados no processo de implantação do

Orçamento Participativo, não só em Belo Horizonte, mas de uma maneira geral. (AZEVEDO,

2005; DIAS, 2004). A discussão sobre a implantação do Orçamento Participativo não passou

pelo Legislativo. O OP é um projeto do Executivo. É um instrumento para execução de

políticas públicas e promoção da democracia participativa, mas controlado pelo Executivo.

Em muitos casos, então, é visto como uma grande força do Executivo a tirar forças do

Legislativo. É mais um peso forte que pesa na balança para o lado do Executivo e contra o

Legislativo.

Isso coloca alguns vereadores em posições radicalmente contra o OP, os quais não se

preocupam em tornar isso público. Mas, ao mesmo tempo, há vereadores que apóiam o

mecanismo incondicionalmente e outros que o apóiam em parte. Há vereadores que se

elegeram com base em segmentos específicos, sem uma ligação direta com uma comunidade

bem-definida geograficamente. Neste caso, o Orçamento Participativo não interfere

diretamente em sua relação com a base eleitoral. É o caso, por exemplo, de vereadores que

montam suas bases em agremiações esportivas ou ligações em causas específicas, como

defesa do consumidor e combate ao uso de drogas. Geralmente, eles têm uma base eleitoral

pulverizada, tendo que dar resposta a quem os elegeu, com práticas que não têm,

necessariamente, que incluir contato direto com uma comunidade demarcada

geograficamente.

Os vereadores ligados à Igreja também se incluem neste rol, mas merecem

observações especiais, apesar de não muito detalhadas porque, certamente, o assunto tem

potencial para um trabalho específico. Isso pode ser explicado pelo fato de estarem ligados à

Igreja como instituição e de terem visibilidade em diversas regiões, e não em um bairro onde

esteja apenas uma das sedes dessa igreja. Além disso, alguns têm o apelo da mídia, por serem

apresentadores ou participantes de programas religiosos na TV ou no Rádio, o que, da mesma

forma, produz um alcance pulverizado.

Mesmo em relação àqueles que têm votação concentrada, por atuarem em uma única

igreja e serem conhecidos no espaço geográfico que a envolve, o que se percebe em conversas

38

com assessores ou com os próprios vereadores é que o envolvimento com a comunidade se dá

de outras maneiras que não as ligadas a questões de administração da cidade. A eleição de

vereador, neste caso, parece estar mais ligada à importância de se ter no Poder Legislativo um

igual como representante, ou seja, alguém que compartilha de ideologias semelhantes, e não

necessariamente alguém que lhes dará retorno imediato das demandas da vida nas cidades.

As características políticas específicas desses vereadores que não estão atados a uma

comunidade geograficamente demarcada não impedem, obviamente, que eles tenham alguma

influência ou interesse no Orçamento Participativo. Com base na observação do perfil de cada

vereador, um método de classificação foi criado para orientar as análises sobre a sua atuação

em relação ao OP.

O objetivo desta classificação foi identificar aqueles vereadores que teriam mais

motivos para participar do OP e aqueles para os quais a existência deste mecanismo não

interfere na atuação diária deles. Parte-se do pressuposto de que o vereador, cuja votação é

concentrada em uma região geograficamente demarcada, tem mais interesses ligados ao

Orçamento Participativo. Isto porque ele tem contato direto com a comunidade que o elegeu e

está propenso a ouvir dela, a reivindicação de obras de que ela necessita. Por outro lado, o

vereador que tem votação pulverizada, ou ligada a um segmento específico, pode não ter uma

comunidade organizada a lhe fazer reivindicações de obras. Todos, no entanto, podem ter

conhecimento sobre o processo do OP e sobre o relacionamento do Legislativo com este

mecanismo. Por causa disso, para os depoimentos, foram selecionados vereadores das quatro

classificações.

A classificação, então, ficou da seguinte maneira: comunitário, vereador envolvido

com uma comunidade específica; segmentado, vereador ligado a um segmento específico; de

igreja, vereador ligado a uma determinada Igreja; “outros”, vereador que não se enquadra em

nenhuma dessas classificações.

39

QUADRO 1

Classificação dos vereadores de Belo Horizonte – Legislatura 2005 – 2008

Classificação Vereadores

Comunitário

20 vereadores

Ana Paschoal (PT), Anselmo José Domingos (PTC), Gêra Ornelas

(PSB), Geraldo Felix (PMDB), Hugo Thomé (PMN), Valdir Antero

Vieira – Índio (PRTB), Luzia Ferreira (PPS), Miguel Corrêa Júnior

(PT), Neila Batista (PT), Neusinha Santos (PT), Paulo Augusto dos

Santos - Paulão (PC do B), Wagner Messias Silva – Preto (PFL),

Ronaldo Gontijo (PPS), Sérgio Balbino (PAN), Sílvia Helena (PPS),

Silvinho Rezende (PTN), Totó Teixeira (PR), Valdivino Pereira de

Aquino (PTC), Walter Tosta (PMN), Wellington Magalhães (PRONA)

Segmentado

6 vereadores

Alberto Rodrigues (PV), Arnaldo Godoy (PT), Antônio Carlos Pereira

– Carlão (PT), Elaine Matozinhos (PTB), José Reinaldo de Lima(PV),

Tarcísio Caixeta (PT)

Igreja

7 vereadores

Antônio Pinheiro (PSDB), Autair Gomes (PSC), Pastor Carlos (PL),

Henrique Braga (PSDB), Moamed Rachid (PDT), Ricardo

Chambarelle Santos (PRB), Vanderlei Miranda (PMDB)

Outros

8 vereadores

Alexandre José Gomes (Sem Partido), Délio Malheiros (PV), Elias

Murad (PSDB), Frederico Borges da Costa (PSB), Maria Lúcia

Scarpelli (Sem partido), Ovídio Teixeira (PV), Paulo Lamac (PTN),

Sérgio Luis Ferrara (PDT)

Fonte: Elaboração própria

A classificação foi feita com base em entrevistas preliminares com assessores dos

vereadores. A partir daí, procedeu-se a um cruzamento de informações, com base em dados

do mapa eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), para a identificação da concentração

de votos de cada um por Zona Eleitoral17. Isso para saber se ele se identifica com uma

comunidade específica ou se a votação é pulverizada, o que pode indicar a ligação a um

segmento profissional, a uma Igreja ou a uma ideologia mais difusa, como combate a drogas e

defesa do consumidor. Esta classificação pode ser claramente percebida, especialmente no

17 Nas eleições de 2004, Belo Horizonte tinha 14 zonas eleitorais, numeradas de 26 a 39. Em 2005, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) criou mais quatro zonas: 331,332,333 e 334. Na verdade, o TRE desmembrou zonas grandes, criando outras. A 331 fazia parte da 39, a 332 da 34, a 333 da 36 e a 334 da 38. A relação completa pode ser conferida no Anexo A. O mapa da cidade com as zonas eleitorais está no Anexo B.

40

que se refere aos vereadores comunitários, a partir do mapa de votação, que segue o

depoimento dos vereadores entrevistados, e da totalidade, no Anexo B.

De posse dessas informações, as entrevistas foram feitas, num primeiro momento, sem

definição de quantidade exata de vereadores a serem questionados. A tentativa foi de se

entrevistar o máximo de vereadores possível. A preocupação inicial era de contemplar as

quatro categorias criadas: comunitários, segmentados, de Igreja e outros divididos entre os

que compunham a base governista e os de oposição, até que houvesse depoimentos suficientes

para se ter uma amostra satisfatória do total de 41 vereadores da Câmara Municipal de Belo

Horizonte. Ao final, foram entrevistados 14 vereadores ou 34,15% do total. Com isso, foram

entrevistados os seguintes vereadores: Comunitários – Anselmo José Domingos (PTC),

Geraldo Félix (PMDB), Valdir Antero Vieira – Índio (PTB), Miguel Corrêa Junior (PT),

Wagner Messias Silva – Preto (PFL), Ronaldo Gontijo (PPS), Sérgio Balbino (PTC), Sílvia

Helena (PPS), Totó Teixeira (PR); Segmentados – Alberto Rodrigues (PV), Antônio Carlos

Pereira – Carlão (PT); Reliogiosos – Antônio Pinheiro (PSDB), Henrique Braga (PSDB);

Outros – Délio Malheiros (PV). O prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT),

também foi entrevistado. No entanto, na análise das entrevistas, o número de vereadores foi

reduzido para dez, em função de alguns depoimentos mostrarem-se repetitivos. Sendo assim,

permaneceram os depoimentos dos vereadores Geraldo Félix, Índio, Miguel Corrêa Junior,

Preto, Ronaldo Gontijo, Totó Teixeira, Carlão, Antônio Pinheiro, Henrique Braga e Délio

Malheiros. O percentual final em relação aos 41 vereadores de Belo Horizonte ficou em

24,39%.

As entrevistas buscaram colher informações a respeito da relação do vereador de Belo

Horizonte com o Orçamento Participativo, tendo como pano de fundo a relação entre os

poderes Executivo e Legislativo. Por vezes, é possível perceber que quando um vereador fala

sobre o OP, na verdade ele está se referindo à maneira de o Executivo agir com os vereadores

e com a população de Belo Horizonte. O Orçamento Participativo de Belo Horizonte ganhou

projeção internacional, e os vereadores reconhecem isso. Quase que a totalidade dos

entrevistados o apontam como um bom mecanismo de promoção da democracia participativa,

mas quase todos, também, incluindo os da base governista, apontam falhas no processo e na

forma como o Executivo o conduz.

Mas, centrando o olhar às práticas do vereador ligado a uma comunidade determinada

por um espaço geográfico definido e com votos concentrados naquela região, percebe-se que

ele chegou a uma espécie de dilema. O Orçamento Participativo existe e é um instrumento de

execução de políticas públicas do qual o Poder Executivo Municipal de Belo Horizonte não

41

abre mão. O que fazer, então? Como o vereador, especialmente aquele acostumado às

relações clientelistas com a comunidade, vai dar retorno à sua base?

Para alguns vereadores, isso, realmente, configurou-se como um problema. Na

verdade, o Executivo criou o mecanismo e o implantou, tudo sem a participação do

Legislativo em qualquer parte do processo. O espaço para negociações entre os vereadores, a

comunidade e o Executivo estava diminuído. Pelo menos no que se refere à execução de obras

para a cidade, a atuação estava dificultada para o vereador, especialmente para aquele de

votação concentrada em uma região específica.

Inicialmente, houve protestos e, até, propostas de projetos para acabar com o OP. Mas,

com o tempo, talvez percebendo que o Orçamento Participativo veio para ficar e que não

conseguiria neutralizar as ações do OP, o vereador se adaptou. Aprendeu os detalhes do

processo do Orçamento Participativo e, munido de estrutura inerente ao cargo, de

conhecimento privilegiado, começou a tirar proveito do OP, de maneira a continuar a relação

antiga com a comunidade. A estrutura do gabinete do vereador passa a contar com

especialistas acostumados à rotina do Orçamento Participativo, como ressalta Mauro Matias18,

que já foi vereador e que vive o ambiente da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH)

desde o início da década de 1980, sendo que atualmente é chefe de gabinete do vereador

Henrique Braga (PSDB):

É só uma outra maneira de caminhar. O vereador traz para si a estrutura do Orçamento Participativo. Ele vai à comunidade, e elege os delegados, presidentes de associações, e interfere diretamente no processo, e, muitas vezes, traz para o seu gabinete pessoas da comunidade que trabalham diretamente com o OP. Ao ter os envolvidos juntos de si, o vereador trabalha com a comunidade no sentido de aprovar uma determinada obra no Orçamento Participativo, e, depois, a obra fica sendo como conseguida por ele19. (Depoimento Verbal).

Essa relação do vereador com a comunidade é apresentada na dissertação de mestrado

de Dias (2006), que aborda a relação clientelista entre movimentos sociais e o Orçamento

Participativo. As entrevistas com lideranças comunitárias, citadas na dissertação de Dias

(2006), ilustram como funciona a relação deles com os vereadores, no que se refere ao

Orçamento Participativo.

18 Mauro Matias é advogado; foi vereador em Belo Horizonte, de 1989 a 1992 (foi eleito pelo Partido Municipalista Brasileiro – PMB, que deixou de existir, o que o levou a se filiar ao Partido da Mobilização Nacional – PMN); coordenador da Comissão de Orçamento e Finanças Públicas da Lei Orgânica de Belo Horizonte; vice-presidente e presidente da Comissão de Legislação e Justiça da CMBH; assessor parlamentar de diversos vereadores; e atualmente é chefe de Gabinete do vereador Henrique Braga. 19 Entrevista concedida em 20/07/2005.

42

[...] após a aprovação e/ou execução da obra, algumas lideranças estabeleçam uma relação entre a obra conquistada e um vereador. A liderança vincula sua história de vida e, a suposta importância daquele parlamentar, para a conquista da obra (na maioria das vezes um vereador, mas foram relatados alguns casos que deputados também possuem essa prática de apropriar-se das obras aprovadas no OP), conforme indicam alguns trechos dos depoimentos transcritos abaixo:

O vereador dá uma ajuda para dar respaldo para algumas lideranças porque o líder comunitário muitas vezes é desacreditado pela comunidade... atrás da gente tem que ter uma retaguarda. Atrás do vereador tem que ter uma retaguarda que é o deputado. O deputado também tem uma retaguarda é uma hierarquia. (Depoimento Verbal).

a liderança vincula o parlamentar a obra de duas formas. Na primeira delas a liderança afirma para a comunidade que foi com o apoio de fulano que conseguimos a obra. Em todas as obras existe a tentativa de vincular aquilo que foi conquista coletiva a imagem dele. Isso tem na cidade inteira, (...) basta acompanhar a inauguração das obras que isso fica claro. Aparece vereador que nunca esteve na comunidade(...). No segundo caso a vinculação é mais amena, mas dela ninguém escapa. Nós só conseguimos aprovar a obra porque o vereador fulano de tal arrumou ônibus, faixa. (Depoimento Verbal).

Outro ponto destacado por Mauro Matias é confirmado no trabalho de Dias (2006) e

refere-se à contratação de lideranças que vão ajudar o vereador no trabalho com a comunidade

e na participação no processo do Orçamento Participativo. “As entrevistas realizadas com as

lideranças apontam para três formas de vínculos que envolvem o repasse de dinheiro do

vereador (em alguns casos deputados) para as lideranças comunitárias”.

O primeiro caso se dá pela contratação direta aos gabinetes e cargos de recrutamento amplos (conforme demonstrado na tabela acima e nas Tabelas 23 e 24 do Apêndice C). O segundo, pelo pagamento de uma remuneração de caráter não formal mas, que garante renda à liderança para que ela possa “trabalhar a comunidade em tempo integral”. Essa forma de remuneração é denominada por algumas lideranças de “guarda-chuva”. E, por último, o provimento de empregos terceirizados. Existe no interior do executivo e legislativo municipal em função das práticas de terceirização de mão de obra, um número imenso de empregos cuja exigência de qualificação quase sempre é mínima - faxineiros, porteiros, ascensoristas e outras funções afins – e que funciona como um mecanismo que supre as demandas de emprego imediatas das lideranças importantes, mas que também serve para recrutamento para lideranças de menor expressão. (DIAS, 2006, p.91).

Ainda segundo Dias (2006), “pelos depoimentos de algumas lideranças, também,

podemos identificar essa relação”: “O político paga a liderança, ele faz um contrato de

43

trabalho, ele não paga só pela boca de urna. Dessa forma a liderança negocia o voto das

pessoas. Tem lideranças que usa isso para conseguir as coisas20. (Depoimento Verbal).

Essas práticas também estão registradas no texto de Sérgio de Azevedo e Virgínia

Rennó Mares Guia, no livro Orçamento Participativo: Construindo a democraci , publicado

recentemente, em comemoração aos 10 anos de Orçamento Participativo em Belo Horizonte.

(AZEVEDO, 2005; FERNANDES, 2005)21, De acordo com os autores:

Por vezes, ocorrem tentativas de “aprisionamento” clientelista do OP, tanto oriundos de atores tradicionais (por exemplo, vereadores e técnicos da Prefeitura) quanto por parte de alguns dos chamados “novos atores” (movimentos, associações e lideranças comunitárias). (AZEVEDO; FERNANDES, 2005, p. 84-85).

No entanto, de acordo com a Coordenadora de Participação Popular da Secretaria

municipal da Coordenação de Planejamento, Orçamento e Informação da Prefeitura de Belo

Horizonte, Maria Auxiliadora Gomes, com o passar do tempo e com a experiência adquirida

nos processos de OP, algumas alterações no regulamento têm sido implantadas para diminuir

a influência destes atores no processo. Como exemplo ela cita a exigência de haver, no

máximo, uma indicação de obra para cada bairro. Isso para evitar que bairros e atores que

tenham maior potencial de mobilização conquistem mais obras. Pelo mesmo motivo, cada

sub-região tem de ter pelo menos uma obra indicada. A coordenadora cita exemplos que

justificam a iniciativa “como no caso de uma vereadora que alugava ônibus e enchia as

reuniões do OP com pessoas arregimentadas por ela e que votavam em obras de seu

interesse”22.(Depoimento Verbal).

Mauro Matias aponta outro recurso usado como forma de tirar proveito do Orçamento

Participativo. Os vereadores utilizam-se dos dispositivos de trazer para os gabinetes os

“especialistas” no assunto e ajudam a eleger os delegados de seu convívio. Além disso,

contam com informação privilegiada, que pode fazer toda a diferença na disputa pelas obras a

serem aprovadas e, conseqüentemente, na promoção do melhor relacionamento com a base

eleitoral. De acordo com Mauro Matias,

20 Entrevista concedida por Liderança Comunitária, em 08/03/2006 , retirada da dissertação de mestrado de Carlos Magno Dias. 21 O livro considera 2004, e não 2003, como ano em que se comemora os dez anos do Orçamento Participativo em Belo Horizonte, provavelmente porque foi em 1993 que começaram as primeiras obras do OP na cidade. Na publicação, que é de 2005, não há explicações específicas sobre isso. 22 Entrevista concedida em 11/10/2005.

44

[...] já existe uma previsibilidade das obras que serão disponibilizadas para o Orçamento Participativo. Se o prefeito precisa do voto de um determinado vereador para a aprovação de matérias de interesse do Executivo, ele chama o vereador e passa as informações sobre as obras, e o vereador trabalha com foco naquela obra, por meio dos delegados e representantes que ele já trouxe para o seu gabinete ou estão atuando na comunidade com o apoio daquele vereador23. (Depoimento Verbal).

Essa questão política é apontada por outro assessor de gabinete, que, aliás, pode ser

considerado um “especialista”, pelos vinte anos de atuação em movimentos populares. José

Igídio do Carmo é chefe de gabinete da vereadora Sílvia Helena (PPS), presidente do Núcleo

Popular de Vilas, Favelas e Aglomerados do PPS-BH e Conselheiro Municipal de Habitação.

O assessor diz que um dos objetivos do Núcleo Popular e um dos motivos pelos quais faz

parte do Conselho de Habitação é a luta contra o que ele chama de “critério político” utilizado

para priorizar a execução de determinadas obras em detrimento de outras. O que ele chama de

“critério político” é o mesmo a que Mauro Matias se referiu anteriormente e que corre pelos

corredores da Câmara Municipal, nos diálogos entre assessores parlamentares e entre os

próprios vereadores. Trata-se do “tratamento especial” dado a determinadas obras em votação

no Orçamento Participativo, que conseguem aprovação com facilidade maior e que são

executadas rapidamente, enquanto outras ficam anos paradas, e sem uma explicação técnica

satisfatória por parte do Executivo Municipal. Uma obra seria privilegiada em função da

influência, com o Executivo, de um determinado político que teria interesse naquela obra.

José Igídio diz que há uma dificuldade em explicar para a comunidade como uma obra pode

ser aprovada, ter os recursos garantidos e não ser executada. Segundo ele, está aí o grande

“gargalo” do Orçamento Participativo:

A gente não entende como uma determinada obra numa comunidade acontece e em outra comunidade com o mesmo perfil, sem nenhum impedimento legal, jurídico, burocrático diferente, a obra fica anos sem ser realizada. A gente entende que existe, sim, uma influência política do Legislativo, de alguns membros do Legislativo sobre determinadas obras. Vereadores que acabam, neste critério todo da política brasileira, negociando o adiantamento ou a prioridade do início de obras do Orçamento Participativo, o que o movimento social não aceita. Mas a prática do orçamento está dando a entender é que isto está em voga na cidade. Eu não consigo entender por que uma obra do Cabana, de 2004/2005 inicia e uma obra da Ventosa de 1997 não inicia, não termina. Não tem explicação lógica, a não ser a explicação da influência da política, que está defendendo na base de governo esta situação. Porque não existe nenhum impedimento técnico para que isto esteja acontecendo.24 (Depoimento Verbal).

23 Entrevista concedida em 20/072005. 24Entrevista concedida no dia 19/10/2005.

45

Apesar de fazer críticas à execução do Orçamento Participativo, José Igídio faz parte

dos assessores favoráveis ao mecanismo, desde que haja mais cuidado na forma de conduzir o

processo. Ele vê legitimidade na participação do vereador, desde que seja uma participação

comprometida com a comunidade. “Alguns vereadores não entenderam isto. Os que

entenderam continuam tendo força nas comunidades”. O que o assessor, que vive o

Orçamento Participativo desde a sua implantação, diz com isso é que a convivência do

vereador com o OP é perfeitamente possível e pode ser muito saudável, desde que não queira

assumir papel que não é dele. É legítimo participar junto com a população, usar os recursos

que ele tem para mostrar as vantagens de participar do processo de escolha de obras para a

comunidade. O que não pode acontecer é o vereador se apoderar da obra como sendo uma

conquista somente dele, deixando de lado a participação da comunidade.

As atribuições constitucionais básicas do vereador são: legislar, votar leis e fiscalizar o

Executivo. Em tese, essas atribuições não incluem a organização em comunidades para votar

obras a serem executadas pelo Poder Executivo. O Orçamento Participativo é uma política

pública a cargo do Executivo. Talvez por isso, no momento de sua implantação, o Poder

Legislativo não tenha sido consultado. A elaboração da peça orçamentária é de atribuição

exclusiva do Poder Executivo, e o OP é parte dela. Cabe, sim, ao Legislativo votar o

Orçamento como um todo. Cabe, também, a fiscalização sobre a execução do Orçamento e,

nele incluído, o Orçamento Participativo.

Mas a participação do vereador pode ser entendida como aquela apontada por Coelho,

Filho e Jorge (2004) sobre a convivência de práticas antigas assimétrico/clientelistas, com

procedimentos de democracia participativa, produzindo efeitos menos nocivos à comunidade.

Em outras palavras, em um contexto de necessidades de todos os tipos vividos pela população

aliado ao poder assimétrico exercido pelo Poder Executivo, a busca de apoio em um

representante da comunidade, mesmo que para assuntos não inerentes às suas atribuições

legais, pode ser uma saída para a população e algo que pode não ser condenável por parte do

vereador, desde que o processo seja transparente para as duas partes.

Essa convivência, com vantagem para a comunidade, como “cliente diferenciado”,

também é percebida nas relações da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Mauro Matias dá o

exemplo do vereador Índio (PRTB), que se elegeu com o apoio da comunidade da região onde

mora e da qual recebe constantemente apelos em sua porta.

O vereador atende às demandas, incorporando-se ao processo do Orçamento

Participativo e apresentando as obras à comunidade como uma conquista dele, juntamente

com os eleitores. “Isto é perfeitamente legítimo, porque o Índio, quando abre a janela de casa,

46

dá de cara com o esgoto a céu aberto e os eleitores clamando por providências. Ele foi eleito

por eles e dá a resposta atendendo às demandas por meio do OP”. (Depoimento Verbal)25. O

próprio vereador citado como exemplo pelo assessor Mauro Matias confirma a participação

no processo e, ao invés de mandar representantes, vai pessoalmente às reuniões, nas quais

utiliza a experiência como líder comunitário antes de ser vereador para auxiliar a comunidade

nas tomadas de decisão.

Na realidade, eu prefiro estar presente, porque, como liderança comunitária, eu participei de diversos OPs antes de estar como vereador. Então, eu conquistei diversas obras no OP. Então, nessa situação, eu prefiro eu mesmo estar na frente para participar ativamente e ver como está o andamento do OP. Por quê? O OP, a cada ano que passa, vai diversificando. O OP, quando chegou, era uma criança que estava aprendendo a caminhar. Hoje, ele caminha com as suas pernas próprias, e existe aquele lado onde se chama conchave. A comunidade que não tem representatividade fica de fora do processo, porque tem que se formar delegados, e quanto mais você levar o número de moradores, você consegue fazer o maior número de delegados. E, a partir do momento em que você faz o maior número de delegados, você consegue aliados para poder estar ajudando você a passar sua obra na reta final. Então, olha, dessa vez a nossa comunidade do bairro Maria Goreth, nós fizemos 14 delegados. É uma maravilha. Tem comunidade que não tem representatividade, que faz dois delegados, e acaba ela vai ficando isolada, fora do processo26. (Depoimento Verbal).

Como assinalado no início desta dissertação, as entrevistas foram realizadas em duas

épocas distintas e com objetivos distintos. A primeira foi utilizada como uma pesquisa

exploratória, para se conhecer alguns detalhes do dia-a-dia da Câmara Municipal e verificar se

a relação entre os vereadores e o Orçamento Participativo era um problema que valia a pena

ser estudado. Além disso, serviu para fazer uma classificação prévia do perfil dos vereadores,

para identificar aqueles que têm ligação mais direta e marcada com uma determinada

comunidade, e por isso se envolvem mais em questões ligadas à participação desta

comunidade nas ações de governo.

A relação dos vereadores com o Orçamento Participativo aparece nos depoimentos

colhidos, até aqui, de formas diversas, que podem ser classificadas como velho clientelismo

adaptado a novos tempos e a novo contexto ou como a forma que alguns idealizam para o

casamento da democracia participativa com a representativa. É o que este trabalho enfatiza

com o auxílio das entrevistas diretas com os vereadores, o que é feito a seguir.

A classificação feita no primeiro momento, que gerou o quadro com vereadores

comunitários, de igreja, segmentados e “outros”, será mais bem ilustrada com gráficos de

25 Entrevista concedida em 20/07/2005. 26 Entrevista concedida em 28/08/2006.

47

votação de cada um dos que tiveram os depoimentos destacados, com um breve comentário

que justifique a classificação, além da análise dos depoimentos.

No depoimento anterior, o vereador Índio se mostra, realmente, integrado ao processo

do Orçamento Participativo e confirma o depoimento do assessor parlamentar Mauro Matias,

dado em 2005, sobre a atuação dele no Orçamento Participativo. Ao que tudo indica, ao

contrário de mudar a maneira de agir em função de uma nova realidade imposta pelo

Orçamento Participativo, este é o caso de uma liderança que se elegeu em função da atuação

em prol de uma comunidade geograficamente definida, como mostra o Gráfico 1, inclusive na

conquista de obras no Orçamento Participativo.

ÍNDIO

0500

10001500200025003000350040004500

26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39

Zona Eleitoral

Qu

anti

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e d

e V

oto

s

Gráfico 1: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Indio

Fonte:TRE/MG

De posse de um mandato, Índio dá seqüência ao trabalho, obviamente, agora, com

mais recursos, que o auxiliam na mobilização da comunidade, como: gabinete estruturado

com recursos de comunicação, assessores, verba para postagem de material gráfico e salário

que lhe dá condições de trabalhar exclusivamente neste sentido. Em outras palavras,

anteriormente, a atuação como líder comunitário tinha de ser exercida em horários de folga.

Atualmente, esse exercício é diário e no horário de trabalho. O vereador Índio (PRTB) faz

parte da base governista e pode ser considerado um daqueles que defende o Orçamento

Participativo incondicionalmente.

48

[...] o OP não vem tirar poder de ninguém. O OP vem como uma luz, porque, de um lado, ele faz justiça, porque não tem apadrinhamento, é discutido, é votado, e a comunidade que realmente tiver representatividade ela será beneficiada, ao passo que antes do OP cada vereador se negociava e nem todos eram beneficiados, porque existe aquela questão partidária. Então, o que acontece é que você faz justiça, distribuindo às necessidades, as demandas para a comunidade. [...] O OP é favorável à comunidade. Eu torno a ressaltar: o vereador, ele participa com a comunidade sem ser favorecido em ponto algum, sem tomar partido, mas sim discutindo e dando algumas opiniões sem ferir o OP27. (Depoimento Verbal).

Talvez esteja aqui o exemplo positivo do vereador comprometido com a comunidade,

firme no propósito de continuar trabalhando para aprovar obras no Orçamento Participativo.

Até mesmo porque, como citado anteriormente, tudo indica que a aprovação de obras no OP

contribuiu significativamente para sua eleição e continua mantendo-o na Câmara Municipal.

A atuação do vereador Índio, ao contrário de se apresentar como prática daquele clientelismo

tradicional, pode indicar algo próximo daquilo apontado por Coelho, Filho e Jorge (2004)

sobre a convivência de práticas assimétrico/clientelistas com procedimentos de democracia

participativa, produzindo efeitos menos nocivos à comunidade. Isso porque a relação do

vereador com a comunidade parece ser de transparência e, aparentemente, nem ele nem a

comunidade têm conhecimento de que a atuação do vereador, em princípio, deveria se ater à

produção e votação de leis e à fiscalização do trabalho do Poder Executivo.

Do lado de quem tem posição rigorosamente contra o Orçamento Participativo está o

vereador Antônio Pinheiro (PSDB). Os ataques ao OP são veementes, no sentido de dizer que,

ao contrário de ser um mecanismo de promoção da democracia participativa, apresenta-se

como uma forma criada pelo Executivo Municipal para enganar o povo e tirar a

responsabilidade da administração municipal em relação à realização de obras. Oposição

firme e constante à atual Administração Municipal, Antônio Pinheiro é um daqueles exemplos

que têm votação relativamente concentrada, que poderia classificá-lo como comunitário.

27 Entrevista concedida em 28/08/2006.

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ANTÔNIO PINHEIRO

0

500

1000

1500

2000

2500

26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39

Zona Eleitoral

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Gráfico 2: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Antônio Pinheiro

Fonte:TRE/MG

Mas o vereador, que já foi deputado estadual, sempre se destacou pela atuação na

Igreja Católica. Os ataques ao Executivo Municipal se concentram, preferencialmente, na

distribuição de verbas no Orçamento Municipal. Ao contrário de ter assessores especializados

nos processos do OP e de mobilizar comunidades para as reuniões e votações, Antônio

Pinheiro mantém um economista especializado em Orçamento como assessor, que estuda a

fundo a peça orçamentária enviada à Câmara Municipal pelo Executivo para dar subsídios

para as críticas do vereador em diversos aspectos do Orçamento como um todo. Em relação

ao Orçamento Participativo, Antônio Pinheiro tem muitas críticas. Uma delas é em relação ao

critério de escolha das obras que entram em votação. O vereador chama a atenção para o fato

de que obras que deveriam fazer parte de um programa básico de investimento do Executivo

são colocadas na disputa com outras que não deveriam ter prioridade.

Teve uma reunião sobre o Orçamento Participativo na zona sul, no bairro Anchieta, que ia discutir dois problemas: se a Prefeitura tinha uma verba que poderia ser saneamento na favela do Acaba Mundo ou fazer mais uma pista ao longo da Avenida Bandeirantes, de cooper. Resultado: no caso desses projetos eu acho que o prefeito não tem que consultar ninguém, tem que fazer o saneamento básico, não é verdade? Entretanto, joga para a população decidir e decidiram por mais uma pista de cooper para aqueles que já tem tudo, e aqueles que estão morando em cima do esgoto, com um malcheiro tremendo, esse povo que tinha perdeu para que a famosa classe A ou B ou mais alguns aposentados tenham mais uma pista de lazer enquanto eles vivem em cima do esgoto. Então, o Orçamento Participativo para mim é um engodo, um modo de enganar o povo. Se elege o prefeito e se escolhe o seu secretário competente para zelar pelo bem do povo, mas principalmente daqueles necessitados, e isso não está acontecendo. Eu estive agora na zona leste. Devia ter 12 médicos e tem 1 médico só. O camarada com dor, doente, e não tem médico. Às vezes, o próprio enfermeiro, ele me disse, ele que atende, o enfermeiro. E, apesar disso, o sabão para eu lavar minhas mãos tem que trazer de casa. A prefeitura não

50

fornece nem sabão. Então, eu acho que a prefeitura deveria olhar mais para essa realidade aí, para evitar a violência, essa violência, porque a pessoa é mal atendida no hospital e perde a paciência, com toda a razão. Remédios também faltam muito. E para isso não precisa de Orçamento Participativo; é consciência administrativa28. (Depoimento Verbal).

Este é, sem dúvida, um dos grandes problemas percebidos no processo do Orçamento

Participativo. É um dos motivos que frustram os participantes e ameaçam a idéia de promoção

da educação política por meio da participação. Isso porque, ao ver uma obra, como citado

acima, de uma pista de cooper vencer um encanamento de esgoto ou algo semelhante, a

tendência é que a comunidade se desestimule em participar, por não achar o processo justo.

As críticas se acirram e são recorrentes em relação ao fato de que determinadas obras não

deveriam nem ser sugeridas para o OP, por serem básicas e, portanto, deveriam ser prioridade

imediata da administração pública. Isso leva a depoimentos que apontam para a utilização

exclusivamente política do Orçamento Participativo, com manipulações que perpassam todo o

processo do OP, com a participação de representantes do Executivo, lideranças comunitárias e

membros do Legislativo. A prática não passa despercebida, mas as mudanças nem sempre são

possíveis, principalmente porque há interesse do Executivo que ela continue dessa forma.

O vereador Totó Teixeira (PR) também é um dos que apontam nesta direção. Pelo

gráfico de votação, ele é facilmente identificado como vereador comunitário.

TOTÓ TEIXEIRA

0500

100015002000250030003500400045005000

26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39

Zona Eleitoral

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Gráfico 3: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Totó Teixeira

Fonte: TRE/MG

28 Entrevista concedida em 18/09/2006.

51

A votação do vereador Totó Teixeira é concentrada na região do Barreiro. Seria fácil

concluir que ele tem uma atuação marcante em relação ao Orçamento Participativo. Mas Totó

Teixeira tem se destacado, ao longo dos anos, como defensor da conclusão das obras do

Metrô de Belo Horizonte, o que beneficiaria a comunidade do Barreiro. A possível falta de

ligação direta com o OP não impede que as críticas sejam severas. O vereador chega a

exagerar ao dizer que o OP só seria aplicável em comunidades como as da Suíça e engrossa a

lista dos que criticam o processo por colocar em disputa obras que deveriam estar na base das

prioridades. Por meio das críticas ao OP, Totó Teixeira expõe a relação conflituosa existente

entre o Legislativo e o Executivo, com a força decisória concentrada no Executivo. Ele é

enfático na acusação de manipulação no processo do OP, mas diz que não há muito o que

fazer em razão da força que o Executivo tem e da velha e conhecida fragilidade da oposição.

O OP, por exemplo, é um modelo suíço que funciona muito bem nos rincões da Suíça, porque são muito mais evoluídos politicamente, culturalmente. Então, aquilo ali realmente o que se vai decidir num conselho, na praça, por exemplo, é o que eles têm como decidir, e podem decidir com muita firmeza e acerto. Aqui, já acho o contrário. Eu acho que o Executivo tinha que ter uma visão mais profunda das questões da cidade, tomar decisões incisivas em relação a isso e aquilo que ele achar supérfluo. Se ele achar que pode abrir mão da sua discussão, aí ele discute com a população, porque o que está acontecendo é que o Executivo transforma o povo em massa de manobra. Começa a manipular esses agrupamentos, começa a decidir o que ele queria e fala que isso é uma decisão popular. O PT tem essa prática. Ele usa esse sistema para colocar seus planos em ação, aumentar sua militância, aumentar a dependência da cidade das suas lideranças, e fala que isso ai é um processo participativo, um processo democrático. Eu acho que isso aí, sim, o povo deveria opinar mais sobre as coisas que ele gostaria de ter. Mas, por exemplo, você tem uma obra sanitária, você vai discutir se essa obra sanitária faz ela ou um campo de futebol? É claro que a obra sanitária você tem que fazer mesmo, porque aquilo ali você evita doenças, você faz saúde prevencional. Agora, eles colocam em discussão já decidindo, já sabem o que vai querer. Só põem o povo lá pra discutir. A maior parte desses projetos que são aprovados no OP não são executados, porque o Executivo não consegue colocar em prática. Por exemplo, ele quer que seja aprovada determinada obra. Aí, bobeia um pouquinho, e o povo escolhe outra. Aí, ele pega e não faz. E aí, como é que eu vou cobrar? Não existe cobrança. Aqui, nós ficamos gritando, a oposição, porque você tem 10 de oposição e 30 afinados com o prefeito. Então, é uma democracia entre aspas29. (Depoimento Verbal).

O vereador Ronaldo Gontijo (PPS) também apresenta críticas em relação aos critérios

de escolha das obras que irão para votação. Apesar de dizer que tem um eleitorado ligado à

classe de professores, o que poderia se concretizar em uma votação pulverizada pela cidade, o

vereador tem votação concentrada na região do Barreiro.

29 Entrevista concedida em 28/08/2006.

52

RONALDO GONTIJO

0100020003000400050006000700080009000

26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39

Zona Eleitoral

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Gráfico 4: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Ronaldo Gontijo

Fonte: TRE/MG

Ronaldo Gontijo tem uma atuação claramente comunitária. Ele se envolve no processo do OP

a ponto de ter dois assessores especialistas em Orçamento Participativo, que ficam em tempo

integral na comunidade. Outras críticas ao OP referem-se a um ponto que a literatura sobre

participação popular destaca sempre, que é o fato de o cidadão precisar ver resultados

positivos conseguidos com o seu ato de participar para se convencer de que vale a pena o

trabalho de continuar participando. A frustração constante em relação à não aprovação de

obras leva, ao contrário, a um desânimo em relação a processos futuros, como aponta o

vereador Ronaldo Gontijo.

Quando vejo no participativo uma disputa entre uma sala de aula contra uma quadra de esportes, a gente sente que uma sala de aula deveria ter o respaldo da Secretaria da Educação. Ela tem conhecimento suficiente para saber que precisa de mais uma escola, que precisa ampliar aquela escola. A diretora, a própria comunidade da escola, vive reclamando. Você bota aquilo no Orçamento Participativo e pode ser que em determinada comunidade o número de desportistas seja superior, e eles vão preferir uma quadra de esportes do que uma sala de aula. Isso me deixa muito confuso. Essas votações, assim contraditórias, os interesses aí, o objetivo é outro e pode acontecer. E comunidades mais organizadas e mais aglomeradas, como as favelas, levam vantagem sobre os bairros. É muito mais fácil você mobilizar moradores de uma favela, quando a união é próxima, do que você tirar pessoas dos bairros para vir discutir uma determinada obra necessária. Então, normalmente perde. Defeitos que a gente vê também: sempre escolhem 25 obras para, depois, os fiscais que eles criam lá na hora diminuem aquilo, vai adaptando aquilo com a verba até chegar em seis, sete obras. Isso frustra demais a comunidade, que vê sua obra aprovada no Orçamento Participativo e depois vê ela retirada, e ele não sabe por que, por que tiraram a obra que foi aprovada lá, porque sempre aprovam mais do que vai fazer, e isso ocasiona aquilo que não deveria acontecer. Faz o cidadão abandonar

53

as reuniões do Orçamento Participativo, por frustração. E uma das coisas mais importantes talvez não seja a obra aprovada; é a pessoa vir discutir interesses coletivos. É essa frustração que acontece com muitos, faz com que muitos se afastem. Então, deveria se aprovar as obras que seriam realizadas ou também aprovar todas à medida que vai fazer 7 de 25 obras aprovadas, as seguintes já deveriam ser consideradas aprovadas para o ano seguinte, e não são. Você vê obra aí que já foi aprovada 3, 4, 5 vezes no Orçamento e não são realizadas, e elas caem, ora normalmente por ultrapassar o valor que se desejava – parece que as pessoas supervalorizam uma determinada obra para que ela não seja aprovada. Porque existe também uma política de interesses dentro do Participativo. Os grupos mais organizados levam vantagens sobre os grupos menos organizados. Grupos políticos também infiltrados, mais organizados, às vezes, eles fazem as composições e congelam, não permitem a população, que permanece inocentemente. Jamais ela consegue obter. São os conchavos políticos. Do contrário, não se leva a vitória.30 (Depoimento Verbal).

Assim como o vereador Índio (PTB), o vereador Ronaldo Gontijo fala de conchavos.

Mas é possível identificar uma diferença de significado que os dois procuram dar à mesma

palavra. O vereador Índio demonstra ser aquela negociação própria da democracia, que

apresenta debates saudáveis, com trocas de apoios que visem a atender necessidades de todos

e distribuição eqüânime de qualquer tipo de recurso. Ronaldo Gontijo, de outro lado, usa a

conotação de negociações mais ligadas a armações, em benefício de determinado grupo, com

prejuízo para outro.

Outro ponto destacado por Ronaldo Gontijo a merecer atenção especial é o critério de

escolha das obras em função do número de pessoas que votam. O critério, que, a princípio, é

básico e natural em qualquer processo democrático, pode esconder uma falha do Orçamento

Participativo como mecanismo de promoção de democracia participativa. É que, neste caso,

vale, então, o critério de mobilização para se conseguir levar às reuniões o maior número

possível de pessoas. Cria-se, então, o problema de favorecer os grupos que têm mais poder de

mobilização em todos os sentidos. Além disso, não adianta a população de um determinado

local ter uma necessidade maior que a outra se a capacidade de mobilização for menor. As

obras não serão aprovadas. Isso equivale a dizer que o critério é, sim, a participação, a

mobilização, embora, às vezes, em detrimento do atendimento a quem realmente tem

necessidade de uma obra pública. O mesmo acontece com a diferença entre um local mais

adensado populacionalmente que outro. O vereador Preto (PFL), opositor do Executivo

Municipal, tem votação concentrada, conseguida com o exercício de liderança comunitária.

30 Entrevista concedida em 31/08/2006

54

PRETO

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

3500

26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39

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Gráfico 5: Quantidade de votos obtidos pelo vereador “Preto”

Fonte: TRE/MG

Pode-se dizer que o próprio vereador é um especialista em Orçamento Participativo.

Ele pode ser apontado como um daqueles que se incorporou ao processo e que sabe tirar

proveito dele. A atuação tipicamente comunitária se revela na manutenção de escritório na

comunidade, com atendimento de diversos tipos, incluindo mobilização para participar das

votações no OP. A região em que atua lhe permite observar o problema citado acima: a

vantagem que leva comunidades mais adensadas na conquista de obras do Orçamento

Participativo.

[...] hoje, nós temos o OP, que é uma idéia boa, temos as plenárias. Eu, principalmente, que sou um vereador de periferia, a gente realmente discute com a nossa comunidade. Mas, infelizmente, chega num certo período de discussões que se elegem delegados, a caravana, etc, que vira uma forma meio estranha, porque você tem que fazer conchavo com outra área, e de repente as pessoas que necessitam de uma obra não têm como aglutinar, agrupar ou conhecer pessoas de outras regiões. Não conseguem nada. Vou dar um exemplo: pessoal do Buritis, do Alto Barroca, do Grajaú, nunca consegue eleger 15, 20 delegados, porque eles não têm interesse. É um pessoal de classe média, onde eles realmente não vão para discutir. Para arrumar um delegado nesses bairros é uma dificuldade. Agora, você anda um pouco mais de mil metros, na região do Morro das Pedras, nós elegemos lá 10, 15 delegados, porque nós levamos lá 400, 500, 700 pessoas no plenário. Então, a forma que está sendo direcionada não encaixou ainda. Então, na hora que você vai votar naquelas obras que serão destinadas naquela rodada do OP, realmente têm dedos de administradores, de gestores. Inclusive, na nossa região, nós queríamos indicar algumas obras. Não foi possível porque já tava tudo já armado para indicar outras obras. O córrego do Cercadinho, hoje, do Buritis, é a principal obra que nós precisamos naquela região, por quê? Você vai desafogar milhares de bairros, mas não passa. Hoje, o Buritis o Estoril, o trânsito é uma coisa de louco. Mas as pessoas não enxergam isso. Por quê? O bairro Buritis hoje não tem representatividade para

55

uma rodada de OP. Então, se fosse no Cabana, no Morro das Pedras, na Ventosa, nós colocaríamos lá 3, 4 mil pessoas se fosse necessário, mas ali pro Buritis nós não conseguimos 200. Então, é uma forma ainda errada; E o valor também alocado para uma rodada de OP é 5%, e isso perto do valor total do orçamento não é nada. Eu acho que para ser um orçamento mesmo, pesado, respeitado, tinha que aumentar o valor da verba, a fórmula de se direcionar. Eu acho que tem dois pesos, duas medidas, porque deveria se colocar Barroca, Prado, Buritis, Estoril num mapeamento e colocar a região de vilas e favelas em outro, para dar condições de todo mundo lutar por alguma coisa, senão nós vamos deixar de atender hoje o Buritis e ter um trânsito caótico que tá hoje em Belo Horizonte na região da Barão Homem de Melo, da Mario Werneck, que é uma região que ninguém sai no horário de pico31. (Depoimento Verbal).

O mesmo tipo de crítica em relação ao OP é feita pelo vereador Geraldo Félix

(PMDB), que, no entanto, acrescenta observações e críticas mais pesadas. Ele é conhecido por

ter posições firmes, de ser daqueles vereadores muito ligados à comunidade e acostumado a ir

ao encontro de representantes do Executivo municipal para reivindicar atendimento aos seus

pedidos. É um vereador comunitário, com atuação na região do bairro Nova Esperança,

Noroeste da cidade.

GERALDO FÉLIX

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39

Zona Eleitoral

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e V

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Gráfico 6: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Geraldo Félix

Fonte: TRE/MG

É difícil dizer se ele é da base governista ou se é oposição, o que pode ser creditado,

em parte, ao partido, o PMDB, que costuma ter este perfil, não só em nível municipal. No que

se refere ao Orçamento Participativo, Geraldo Félix se mostra conhecedor de todo o processo

e participante dele. Ele mesmo costuma dizer que a atuação como administrador da Regional 31 Entrevista concedida em 28/08/2006.

56

Noroeste lhe deu experiência nas questões administrativas. O depoimento apresenta uma

espécie de resumo daquilo que vários outros vereadores apontam, mas toca em questões

políticas importantes, como transferência de responsabilidade do Poder Executivo para a

população, possibilidade de manipulação dos resultados e diferença de tratamento político que

o processo pode conceder em função de qual político está ligado àquela determinada

comunidade:

O cidadão vem procurar o vereador para obra, porque não entra na cabeça do povo que obra é lá, e nem tem que entrar. Se você for esperar, aí são tantas coisas que tem que ser feitas... Muito comum, o cidadão vem e pede. O vereador faz um ofício dizendo que a comunidade, através do cidadão tal, está pedindo determinada obra. Aí, a prefeitura responde se essa obra é uma obra típica para Orçamento Participativo e não consta que ela foi aprovada. Determinados partidos recomendam a comunidade que fique alerta para quando surgir a oportunidade. Então, usa aquilo para dizer 'vocês bobearam', e não aprovaram. Agora, essa obra não sai. Isso fica leve, da mesma forma que ficou leve para o vereador o fato de que a obra é aprovada pelo Participativo, e não por ele. Ele era o responsável: 'Cadê a obra?' Era o responsável porque antigamente o vereador que era da panela do prefeito conseguia a obra, e o povo sabia disso, e o vereador conseguia com o prefeito. Com o participativo ficou claro que a obra é do Executivo. O Executivo teve interesse nisso. O vereador, muitos não entenderam. Para mim foi uma maravilha. Eu tô lá no Participativo. Mas agora ele sabe que eu sou um representante que vai ajudá-lo, e não para fazer. E a gente sente que o Executivo também sente aliviado. Ele vai lá, reúne o povo, fala: 'Vocês que vão aprovar. Nós vamos colocar aqui 25 obras para serem aprovadas, 5 na microrregião'. Sempre tem as microrregiões, né? A Noroeste, por exemplo, é dividida em 5 microregiões, a região 1, a micro 2, micro 3... Cada uma dessa faz o seu participativo, E aí dá um total de 25, que depois é reduzido para um número bem inferior pelos fiscais que são eleitos, e as coisas que não foram aprovadas, muitas não foram nem nas 25. Se ele leva lá 20 pessoas tá fora, outro coloca a obra que ele acha que deve ser tá fora. 25 aprovadas agora selecionadas vão ser 14 para serem realizadas, não naquele ano, porque demora um pouco, mas para prefeitura aquilo é uma beleza. Você pediu, aprovou. 'Ah, mas não a minha não entrou’. Culpa sua. 'Ah, mas nós fomos lá, não entrou'. Culpa sua, não mobilizou. E você? 'A nossa não foi aprovada. Culpa sua. 'Ah, mas ela foi aprovada'. Sim, mas a obra tal é melhor. E fica aquele jogando daqui pra lá, muito pouco. É uma coisa boa, por ser um critério. Por ser um critério, nota 10; por tirar pessoas da televisão, da novela, pra vir debater, nota 10; pela demora em realizar as obras, nota 0; por impossibilitar pequenas obras e grandes obras, nota 0. Às vezes, eles mesmos incentivam aprovar a obra para depois cortar. Te dou um exemplo: tem uma obra lá no bairro Bom Jesus que ela tem uma canalização que já tá podre. Tem mais de 70 anos que tem uma canalização de água. Mas um pedaço lá entrou no Participativo, de trocar a canalização, só que o pessoal do comando, da cúpula, achou que não poderia fazer só aquilo, que nós pegamos uma parte que estava endereçada, que deveria ampliar até o extremo. Então, ampliou tudo. Foi postulado no OP e depois recusado porque o custo ficava além das possibilidades. Então, fez crescer pra não deixar fazer. Isso existe, isso é truque político. Deixa eu explicar: comunidades que têm um político importante, querido, ele tem que ter cuidado, porque tem pessoas que querem fazer de tudo para não deixar ser aprovado naquela comunidade, receoso de que possa refletir numa política local. Então, esses têm que dançar. Embora o sujeito não tá entrando no meio, tá só incentivando o povo a ir, mas se uma política diferente tiver funcionando, você corre riscos. Você entendeu, né? Eu sou do PMDB. No momento em que o PMDB está em choque com o PT, se o PT está mais influente com o Participativo, por ter o prefeito, por ter os regionais, há uma

57

tendência a dificultar obras onde as estrelas políticas são de um outro segmento32. (Depoimento Verbal).

O vereador Geraldo Félix, além de apresentar críticas ao Orçamento Participativo, é

muito claro ao dizer que o ponto positivo se refere à possibilidade de participar da

administração municipal, de verificar como os processos administrativos funcionam e de

interferir nele. Ou seja, retrata o ideal de participação como processo de educação política, de

promoção de cidadania.

É o ponto em que o vereador Carlão (PT) se apóia para defender o OP. Ele é um

daqueles vereadores que têm a votação mais pulverizada e, pelo critério utilizado para

classificação, não teria muita ligação com o Orçamento Participativo.

CARLÃO

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Gráfico 7: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Carlão

Fonte: TRE/MG

De fato, em seu depoimento, ele não entra em detalhes do processo como outros que

têm uma atuação declaradamente ligada ao OP. No entanto, Carlão faz parte da administração

municipal de Belo Horizonte desde que o PT assumiu a prefeitura pela primeira vez, em 1993.

Já exerceu diversos cargos na prefeitura, já foi deputado estadual e candidato a governador.

Apesar de não detalhar os processos do OP, com a experiência, principalmente vivida no

Executivo, o vereador defende o instrumento, concentrando-se mais no aspecto político.

Destaca um dos pontos mais criticados pelos colegas, que se refere à utilização

32 Entrevista concedida em 14/09/2006.

58

exclusivamente política, com apropriação do processo e dos resultados. Ao contrário de

prática clientelista, Carlão vê as ações como naturais no jogo político.

Eu costumo dizer que a parte mais importante do OP é o exercício da tomada de decisão, independente da obra em si. E essa dimensão pode ser diferente. Eu posso me aproximar, eu posso entender um pouco mais disso. Isso tem uma dimensão estética, é bonito. Nós conseguimos dar um salto, sair de pequenas obrinhas e ir para obras grandes que tivessem uma abrangência maior, que tivessem impacto sobre um número maior de pessoas, que não é uma calibragem fácil, porque uma coisa é você falar, em tese, da pequena obra irrelevante, mas se você tem cinco famílias morando num beco com declividades de 60ª, vai você morar lá, o relevante muda completamente. Mas eu acho que nisso aí a Prefeitura tem evoluído. Só que as pessoas também não aprendem, e o jogo do OP tem sido o seguinte: você tem comunidades que negociam com outras comunidades para dizer: “Você aprova a minha aqui que eu aprovo a sua lá”. Algumas têm mais capacidade de mobilização do que as outras, mas isso eu acho que é do jogo político, do jogo democrático. A regra é: quem mobilizar leva. Então, eu negocio o meu poder de fogo com o seu poder de fogo, pronto. Isso significa que sempre vai sair o melhor, não? Não vejo isso como pecado. Mas também nós temos que ter clareza de que isso acontece, sob pena de nós ficarmos idealizando o povo, o povo bonzinho, santo, todo mundo bem intencionado, quer o melhor para todos. Não é isso. Há jogo, há disputa, há um grau de manipulação tolerável nessa história toda. Agora, o grande desafio posto é de que maneira você dá saltos para que experiências como essa não fique à mercê de governos, que eles sejam de fato apropriados pela cidade, sem ser lei. Eu não acho que seja legal ter a lei do OP, por um caminho que a gente tem que descobrir ainda, porque ele não existe. Tem que se tornar uma política pública, sem necessariamente ter uma lei pra isso33. (Depoimento Verbal).

Mas, se há depoimentos favoráveis a todo o processo do OP, há também os que não

mostram somente críticas, mas acusações veementes de uso clientelista do mecanismo por

parte do Executivo Municipal. É o caso do vereador como Délio Malheiros (PV), que se

destacou e se elegeu com a visibilidade conseguida como advogado empenhado na defesa do

consumidor.

33Entrevista concedida em 18/09/2006.

59

DÉLIO MALHEIROS

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Zona Eleitoral

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Gráfico 8: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Délio Malheiros

Fonte: TRE/MG

Quando eleito, em 2004, Délio Malheiros fazia parte da base governista. Chegou a

receber várias propostas para fazer parte do primeiro escalão do governo municipal, mas

recusou todas, preferindo atuar como vereador. Imediatamente, começou a analisar as contas

da Prefeitura, contratos, e se tornou oposição, segundo ele, por perceber que há muitas

irregularidades no Poder Executivo que não são fiscalizadas pelo Legislativo e que acabam

por não ser investigadas nem regularizadas. Durante dois anos de mandato, o vereador se

ocupou de investigar e fiscalizar documentações e contratos do Executivo. A popularidade

que o levou à Câmara Municipal acabou levando-o, dois anos depois, para Assembléia

Legislativa, eleito como deputado estadual. Quando o assunto é Orçamento Participativo,

Délio Malheiros não só afirma que há clientelismo como denuncia que as lideranças são

compradas pela Prefeitura ou são caladas por meio de cargos em órgãos municipais, empresas

e até fundações federais, como é o caso da Fundação de Desenvolvimento de Pesquisa

(Fundep), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG):

O modelo de OP, o regimento interno dele, é interessante. O que está errado é a Prefeitura pagar líderes comunitários, colocar na sua folha de pagamento, ou da Fundep, da UFMG, ou das regionais. Essas pessoas passam a não ter isenção, porque elas são, ali, o braço do Poder Executivo. Elas vão reunir gente para levantar as mãos e dar apoio àquilo que o Executivo interessa, e não ao que a comunidade interessa. Então, elas são altamente manipuladas. A Prefeitura acabou com as organizações sociais, que viraram todas empregadas da Prefeitura. Nós temos em Belo Horizonte mais de 20 mil nessa situação: ou empregada direta do município, ou da Fundep, ou de uma terceirizada, como uma empresa que coleta lixo, ou da Amas, ou através de contratos administrativos. Mas, enfim, todas as lideranças estão contratadas. E são essas as lideranças que arregimentam as pessoas para votar no OP, de acordo com os interesses da prefeitura. Então, ela desvirtuou o objetivo do

60

OP, que era uma coisa popular, uma coisa democrática. Isso virou um terrível engodo34. (Depoimento Verbal).

Juntamente com as graves críticas de Délio Malheiros vêem outras, que podem não

estar respaldadas em documentos pesquisados, mas trazem a experiência de quem vive o

processo do OP na comunidade. É o caso, novamente, do vereador Preto (PFL), que,

abertamente, aponta, da mesma forma que fez o vereador Geraldo Félix (PMDB), os

favorecimentos políticos percebidos no Orçamento Participativo.

É como se diz na gíria popular: a política foi feita para ocupar espaço. Nós temos aqui, na Câmara, vereadores, principalmente da base do PT, que aproveitam do OP para fazer propaganda. Isso nós já vimos, já denunciamos, inclusive ao TRE. Na rodada da eleição de vereador, colegas fazendo panfletagem na entrega de obras, um monte de coisas, uma bandeira de luta deles. Mas eu acho que isso é a forma como é gerida pelo próprio Poder Executivo. O dia que terminar esse tipo de clientelismo, ou de favorecimento, ou de proteção, acho que a cidade vai virar uma cidade de igualdade. Nós não acreditamos nisso. Eu acho que aquilo que a gente ouve, aquilo que é proposto, coisas que a gente vê, às vezes, não é uma coisa igual para todos. Eu acho que possa tá ocorrendo sim, mas principalmente para esse vereador nunca, porque eu nunca fui atendido. Quando você vai para uma rodada de OP, a maioria das obras que vêm alocadas para votar, elas já vem praticamente prontas. Se você pegar a regional Noroeste, que é uma regional sempre administrada por petistas, tenta indicar alguma coisa. Lá você não consegue nada, zero, zero, zero. Então, acredito eu que isso possa estar ocorrendo, mas eu não poderia te informar e te falar como, porque as coisas são muito bem feitas da parte de quem tem o poder. Feitas da seguinte forma: as obras x, x, x, as que os outros encaminharam, simplesmente, não podem ir porque essas já têm preferências. Mas ninguém sabe quem escolheu, quem indicou. É mais ou menos por aí. Você procura ver quais são os candidatos apoiados pelo governo, procura ver as obras nas suas regiões, como elas saem rápido, e as bases de outros colegas vereadores que são candidatos também, mas não são da base do governo, que não tem tanta afinidade com o governo, que não sai nada. E você procura ver no dia da inauguração quem que está indo lá e quem está à frente de um palanque. Sempre pessoas ligadas, principalmente, ao Poder Executivo. Observe para você ver nesses próximos 20, 30 dias o tanto de obra que vai sair nessa cidade e ver quem que estará nos palanques inaugurando essas obras35. (Depoimento Verbal).

A forma como os vereadores mobilizam a comunidade é alvo de crítica por quem diz

que age de maneira diferente. É o caso do vereador Miguel Corrêa Junior (PT), eleito,

principalmente por causa de sua atuação diretamente na comunidade, por meio da ONG

Mudança Já, que trabalha com jovens e idosos, com sede na região de Venda Nova.

34 Entrevista concedida em 18/09/2006. 35 Entrevista concedida em 18/09/2006.

61

MIGUEL CORREA JÚNIOR

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Gráfico 9: Quantidade de votos obtidos pelo vereador Miguel Correa Junior

Fonte: TRE/MG

Miguel Correa ficou dois anos no mandato e se elegeu deputado federal, com apoio

maciço do partido e do Executivo Municipal de Belo Horizonte. Apesar de fazer parte da base

governista, não vê com bons olhos alguns detalhes do OP. Ele critica a demora na execução

das obras e aponta como problema o fato de o Executivo não trabalhar com o orçamento

garantido para as obras. Depois de aprovadas, algumas obras ficam na dependência de

convênios, que atrasam o processo e frustram a comunidade. Mas o vereador também chama a

atenção para a mobilização da comunidade, que, da forma como é feita por alguns vereadores,

tem a mesma característica do tempo em que não havia Orçamento Participativo e os

vereadores utilizavam o prestígio com o Executivo para aprovar obras ou o faziam por meio

de emendas ao Orçamento.

Eu tenho um processo diferente de participar do OP. Assim, nós não participamos com nenhuma disputa de obras, mas disputas de delegados. Depois, os delegados somam-se às pessoas que estão disputando os projetos para tentar aprovar. Então, é uma maneira que a gente tem de fortalecer ainda mais as ações da comunidade, senão você, defendendo uma obra, acaba ali fazendo o que era antes que é o formato da emenda. Aí, o vereador tem de novo a condição, porque é óbvio: uma pessoa que é vereador tem a capacidade maior de mobilização, ele tem estrutura para mobilizar. Então, vereadores trabalham inclusive nesse formato, o que eu acho inclusive que deveria ser corrigido, não tirando o direito do vereador de participar. Mas eu acho que tinha que criar alguns instrumentos de não deixar que se faça isso, porque aí libera ônibus, faz isso, faz aquilo, então deturpa um pouco o processo da comunidade participar. Então, a nossa opção sempre foi essa, de participar com delegados para que ajudem dentro dos projetos da comunidade36. (Depoimento Verbal).

36 Entrevista concedida em 18/09/2006.

62

A opinião do vereador Miguel Corrêa Junior não é compartilhada pelo prefeito de Belo

Horizonte. Fernando Pimentel (PT) trabalha com o Orçamento Participativo desde sua

implantação, sempre como parte do Executivo Municipal. Foi Secretário da Fazenda no

mandato de Patrus Ananias, a partir de 1993, e não saiu mais do governo. No primeiro

governo de Célio de Castro, continuou na pasta da Fazenda; no segundo, assumiu a vice-

prefeitura. No meio do mandato, assumiu o Governo Municipal, devido ao impedimento do

prefeito, que teve problemas de saúde. Reelegeu-se prefeito de Belo Horizonte em 2004.

Pimentel defende o OP como política pública ímpar no Brasil. Ao contrário da literatura sobre

o assunto e da maioria dos vereadores, não acha que há relação clientelista do vereador com o

Orçamento Participativo. Assim como o vereador Carlão (PT), vê com naturalidade a atuação

dos vereadores.

[...] os vereadores mobilizam sua base para ir para as assembléias para votar nas obras de interesse daquela base. Mas isso eu acho bom. Isso faz parte do jogo. Quem se mobiliza, quem leva mais gente, ganha. Eu não vejo problema nisso e acho que o vereador, mesmo que ele tente apresentar, ele vai ter que compartilhar com quem foi votar na assembléia. Ele não vai falar que é uma obra dele, porque ela foi uma obra obtida por meio de um conjunto grande de pessoas. Você tem que ir lá eleger um delegado. Depois, os delegados votam. Então, eu acho que a apropriação se é feita. Até ser feita, ela valoriza o mecanismo da participação. Não acho que isso é um problema. Eu acho que é um risco do modelo. O nosso modelo é esse. As pessoas vão na assembléia e votam, e se o vereador, e eu acho que a maioria deles se deu conta disso, aluga um ônibus, dois, três, e leva para a assembléia, ótimo. E,le vai passar uma obra que é a obra que aquelas pessoas querem. Não vejo problema nisso, não37. (Depoimento Verbal).

As críticas em relação ao percentual do Orçamento Municipal que é destinado ao OP e

à demora na conclusão das obras são justificadas por Fernando Pimentel no sentido de

mostrar que são feitas por desinformação. O percentual é o que pode ser destinado e o atrasos

na execução das obras são naturais.

Primeiro, de percentual. Quem faz essa crítica não conhece a questão orçamentária. O OP significa a metade do gasto da Prefeitura com obras na cidade. É mais ou menos 10% do Orçamento com obras. Então, o OP é 5% do orçamento. Por que não é todo o orçamento? Não é todo porque a outra metade envolve conservação obrigatória dos espaços da cidade, das vias públicas. Aí, você tem tapa-buraco, recapeamento de ruas, limpeza do sistema de drenagens... Não tem jeito de você colocar isso na escolha popular, porque isso são programas obrigatórios, e você tem as contrapartidas dos grandes financiamentos, dos grandes programas de obras que você tem que dar a contrapartida, como a duplicação da Antônio Carlos. É do

37 Entrevista concedida em 13/11/2006.

63

Governo Federal, mas a Prefeitura tem que botar 10% de dinheiro próprio na obra pra receber os 90 do governo federal. O Vila-viva urbaniza toda aquela região do cafezal. É do BNDS. São mais de 50 milhões de reais. Nós temos que dar 30% de contrapartida. Então, esse conjunto de gastos não entra e não tem como entrar. Fora isso tudo que nós gastamos na cidade, metade é gasto com o OP. É um programa de obras, e o resto do orçamento não tem jeito, porque ele é todo carimbado: 30% é da educação, 19% é da saúde. Do ponto de vista do Orçamento, o que nós fazemos aqui é o máximo que nós poderíamos fazer. Quanto à questão do prazo das obras, também é compartilhar com a população um problema que é de todos os governos. Obra tem umas que vão mais rápidas e outras que vão mais devagar. Por quê? Porque obra é difícil mesmo: tem que desapropriar, aí vai para a Justiça, e a Justiça demora. Nesse sentido o OP também é educativo, porque leva a população a participar, a discutir, fiscalizar aquilo que é feito pelo Executivo. Ai, o cidadão começa a entender que não é tão fácil quanto ele imaginava. Muitas vezes, o cidadão pensa assim: “O prefeito não faz porque ele não quer. Se quisesse, ele fazia”. Não é verdade. O presidente, outro dia, disse: “Eu tento e não consigo fazer”. Por quê? Porque não depende só dele. “É um ministro que não quer fazer?” Mas não depende só do ministro. Você tem uma lei que tem que licitar, e se na licitação alguma empresa se sentir prejudicada, vai pra justiça. Enquanto aquilo não for resolvido, você não pode abrir outra licitação sobre o mesmo objeto. Pensa bem, se depois de tudo resolvido você tiver que desapropriar um terreno pra fazer a obra e o sujeito não concordar com o valor, o dono do terreno vai pra justiça, aquilo leva um ano, dois anos. Assim que é no Brasil. É bom que as pessoas saibam que esse discurso de “basta a vontade política pra resolver” é um discurso falso, induz ao erro38. (Depoimento Verbal).

Como exposto anteriormente, este trabalho procurou estudar a relação entre os

vereadores de Belo Horizonte e o Orçamento Participativo, o que, na verdade, está muito

ligado à relação entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo. O que se percebe pelos

depoimentos dos vereadores é que há, sim, conflitos nesse relacionamento, por causa do poder

decisivo constitucional assimétrico que é dado ao Executivo. E, no que dependesse do prefeito

Fernando Pimentel, esta relação poderia ficar mais assimétrica ainda. Ao contrário das

opiniões e constatações de que os vereadores não cumprem a função constitucional que lhes

cabe, que é criar leis, votar leis e fiscalizar o Executivo, o prefeito de Belo Horizonte acha

sim, que eles cumprem a determinação constitucional, mas o ideal seria que a Constituição

fosse alterada e que a estrutura das Câmaras Municipais desaparecesse, como exposto no

depoimento a seguir.

Olha, eu acho que cumpre bem a função para o que a gente tem na Constituição. As Câmaras, normalmente, cumprem bem a função. Eu acho, mas aí é uma opinião pessoal, que nós devíamos discutir, a médio e longo prazos, uma mudança no modelo do Legislativo, no formato dele, para melhorar, no seguinte sentido: eu acho que o Legislativo devia ter um maior número de representantes, principalmente as cidades grandes, e a função devia não ser remunerada ou, se fosse, deveria ser remunerada apenas por sessão. Ou seja, não ter salário, não ter nada, e você não ter a estrutura que tem hoje, porque o Legislativo tem uma estrutura muito grande de

38 Entrevista concedida em 13/11/2006

64

funcionários, funcionários permanentes, estrutura física muito pesada, e eu não vejo necessidade disso. Não acho que deveria ser assim. Eu acho que nós devíamos caminhar no sentido de que o Poder Legislativo municipal fosse grande no ponto de vista do número de representação e leve no ponto de vista de estrutura. Não precisa ter assessores permanentes. Isso, o vereador que quiser requisita da própriL prefeitura, serviços técnicos necessários para ele avaliar os projetos. Não há necessidade de ter gabinetes enormes e um número estável de servidores no Legislativo. Acho eu, e, ao contrário, nós caminharmos para ter um número bem expressivo de representantes, eleitos diretamente pela população, e que tenham representatividade, a partir da sua condição profissional, ou do seu distrito de moradia. Isso é uma idéia a longo prazo. Não necessariamente precisa ser implementada a curto prazo. Para o que nós temos, hoje, no Brasil, o Legislativo responde bem às exigências da sociedade. Pode demorar, mas eu acho que responde bem. [...] Eu acho que nós devíamos pensar é o seguinte: talvez fosse possível cumprir essas atribuições de maneira melhor, mais representativa e mais barata para sociedade, se você ampliasse o número de representantes e reduzisse o corpo estável. Hoje, pela lei de responsabilidade fiscal, a Câmara tem direito de, no caso de Belo Horizonte, gastar 5% do orçamento do município. É muita coisa, é muito dinheiro, numa cidade como Belo Horizonte, como São Paulo, como Rio de Janeiro, é muito dinheiro, é expressivo. Será que é necessário isso? A pergunta é esta: Numa sociedade hoje tão ágil como é, como hoje são as sociedades contemporâneas, que você pode fazer consultas rápidas à população utilizando os meios como a Internet, como os próprios veículos de comunicação, não seria melhor você ter um corpo legislativo maior de 200, 300, 500 pessoas, ele funcionar num estilo mais de grandes assembléias, discutindo os grandes temas da cidade, e deixar que o aprofundamento técnico das questões fosse feito pelo próprio Executivo? Eu acho que seria uma coisa que mesclaria mais a democracia representativa, que é o que nós temos hoje, na Constituição e nas Câmaras hoje do Poder Legislativo, com a democracia participativa, que, ao fim, acaba que a gente que tem que construir, meio que improvisadamente nesses mecanismos como Orçamento Participativo, Conselhos Populares, enfim, mas eu acho que, guardadas essas observações, o que tá na Constituição o vereador cumpre, desempenha sua função.Não tenho reparo a fazer nessa questão. O que eu acho é que podia ser feito de forma mais participativa e mais barata com um modelo diferente39. (Depoimento Verbal).

A exposição dos depoimentos neste capítulo revela uma realidade ainda pouco

estudada, que é a relação dos vereadores de Belo Horizonte com o Orçamento Participativo. O

que pode parecer simplesmente um desencontro de opiniões próprio da discussão e da disputa

natural que envolve o jogo político configura-se como assunto mais delicado e complexo. Isso

porque não é só a relação entre os vereadores e o OP que se mostra conflituosa, mas toda a

relação política da cidade, entre Legislativo e o Executivo, com a comunidade de Belo

Horizonte no meio, em condições inferiorizadas de participação, principalmente por deter

menos recurso de informação e poder de pressão. A disputa por mais poder decisório existe e

se mostra nas ações do Legislativo e do Executivo, que, no modelo de democracia exercido no

Brasil, concentra força descomunalmente maior.

39 Entrevista concedida em 13/11/2006.

65

6. CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho foi mostrar a relação entre os vereadores de Belo Horizonte

com uma política pública implantada pelo governo municipal em 1993 e que se mantém até os

dias atuais: o Orçamento Participativo (OP). A idéia de estudar este assunto veio do fato de

que, com a implantação do OP, os vereadores perderam recursos de poder em função de parte

dos recursos financeiros destinados a obras em Belo Horizonte ter passado para a esfera de

decisão dos próprios moradores na escolha das obras que deverão ser executadas pelo

Executivo. Antes do OP, o vereador negociava diretamente com o Executivo as obras que

deveriam atender à comunidade que o elegeu ou propunha emendas ao Orçamento do

Município, determinando verbas para uma obra em uma determinada comunidade, numa

relação reconhecidamente clientenlista. Com o OP, esta prática não acabou, mas diminuiu. A

própria comunidade escolhe as obras, por meio de votação, e o Executivo Municipal inclui as

propostas no Orçamento do Município. Em tese, a relação que o eleitor tinha que ter com o

vereador para pedir obras para sua comunidade deixa de existir ou diminui, na medida em que

o processo todo acontece entre a comunidade e o Executivo Municipal.

O trabalho foi organizado no sentido de mostrar como o vereador passou a agir em

Belo Horizonte a partir deste novo arranjo político, que dificulta sua atuação clientelista com

a comunidade e o Executivo. Isso para ter visibilidade e respeito pela comunidade que o

elegeu e alcançar o objetivo que o norteia desde o primeiro dia de mandato: a conquista de um

novo mandato. A pesquisa mostra que as relações clientelistas não deixaram de existir e que o

vereador encontrou várias maneiras de adaptar-se à nova realidade, incorporando-se ao

processo do OP. Alguns vereadores, especialmente os eleitos por comunidades

geograficamente demarcadas, aqui chamados de “comunitários”, alugam ônibus para levar a

comunidade aos locais de votação, contratam assessores especializados nos processos do

Orçamento Participativo, elegem delegados e ajudam a comunidade na escolha das obras,

para depois apoderarem-se delas como se fossem conquistas exclusivamente deles. Mostra,

também, que as relações clientelistas não são desenvolvidas somente pelos vereadores, mas

estão em todo o processo, envolvendo a comunidade, técnicos da Prefeitura, o Executivo, de

uma maneira geral, e os vereadores.

A análise dos depoimentos e da bibliografia permitiu concluir que, de fato, o que

ocorre é que a relação dos vereadores com o OP, após cerca de 13 anos da implantação desta

66

política pública, é conflituosa e se mostra como um resumo dos conflitos existentes entre os

poderes Executivo e Legislativo.

O Poder Executivo Municipal de Belo Horizonte não se cansa de divulgar o

Orçamento Participativo como exemplo de política pública ímpar no Brasil e referência

mundial, como também exaltam os elogios que tem recebido de estudiosos do assunto. De

fato, o OP pode ser considerado um mecanismo de promoção da democracia participativa,

tem o mérito de aproximar a população da administração municipal e, conseqüentemente, do

dia-a-dia da política. A capacidade de educação política do OP é inegável, no sentido de que

as pessoas participam e acabam aprendendo que fazem parte do funcionamento político da

administração municipal.

Todavia, o mecanismo tem defeitos, os quais nem sempre são reconhecidos pelo

Executivo Municipal, que insiste em dizer, por exemplo, que a demora na execução das obras

aprovadas no OP decorrem de razões naturais, inerentes a qualquer processo de

desenvolvimento de obras públicas. São licitações que demoram, desapropriações que se

complicam e que fazem uma obra ser mais lenta do que a outra. No entanto, há algo mais

grave do que isso, e um dos motivos é que o Orçamento Municipal é uma previsão. Nem

sempre os recursos previstos estão garantidos no momento em que a peça orçamentária é

criada e aprovada na Câmara Municipal. Isso, aliás, ocorre não só em relação ao OP, mas ao

Orçamento Geral do Município, o que gera críticas constantes de que o Orçamento é uma

peça de ficção, porque o Governo Municipal cria, consegue aprovação na Câmara Municipal e

garante grande publicidade aos projetos incluídos na Peça Orçamentária. No entanto, os

recursos não estão garantidos. Muitas vezes, são necessários convênios e parcerias que nem

sempre são realizados. O resultado é que o projeto para o qual estaria destinado aquele

recurso financeiro não será realizado. Em relação ao Orçamento Participativo ainda pesam as

acusações de que obras apadrinhadas por alguns políticos ligados à base governista têm

prioridade na execução.

Na verdade, uma das conclusões deste trabalho é que parte dos vereadores utiliza, sim,

o Orçamento Participativo de forma clientelista e alguns chegam a se apoderar das obras

como se fossem conquistadas por ele. Os gabinetes têm assessores especializados, que ficam

por conta de atender a comunidade no que se refere ao Orçamento Participativo. Eles

conhecem todo o processo e sabem como captar o maior número de representantes para lograr

êxito nas votações das obras. Se não é possível conseguir verbas diretamente com o Executivo

para atender a comunidade, trabalha-se no sentido de aprovar as obras para aquela

comunidade no Orçamento Participativo, numa ação fora das atribuições do vereador, que

67

deveria se ater ao acompanhamento e fiscalização de todo o processo, desde as primeiras

propostas até a execução das obras. Sendo assim, aquela prática considerada clientelista antes

da criação do Orçamento Participativo continua a existir, de outra maneira.

De outro lado, existem os pontos positivos dessa relação, em que o vereador auxilia a

comunidade na escolha de obras que atendam a seus interesses, e que ficou exposto na figura

do vereador Índio (PTB), que, como líder comunitário, trabalhou com sua comunidade no

sentido de aprovar obras no OP e que, provavelmente, foi eleito com boa parte dos votos em

função dessa atuação. Neste caso, o que acontece é o que Coelho Filho e Jorge (2004)

apontam como a convivência de práticas antigas assimétrico/clientelistas com procedimentos

de democracia participativa, que produz efeitos menos nocivos à comunidade. O vereador sai

de suas funções, mas com o intuito de ajudar a comunidade na qual vive, recebendo dela o

voto de confiança. Como os recursos de informação são extremamente assimétricos e como

quem tem menos é a comunidade, o vereador assume o papel de despachante e de tutor da

população, em um processo que deveria ser encaminhado somente pela comunidade. Mas,

neste caso, há o mínimo de transparência no processo, o que garante algum benefício para a

comunidade, que é a parte mais importante.

Do lado do Executivo, por meio dos depoimentos, é possível inferir que existem sim,

as formas de priorizar uma obra em detrimento de outra. Todo o processo é conduzido pelo

Executivo, que pode alterar os procedimentos de ano para ano, já que o OP é uma política

pública dependente do Orçamento do Município. Como se sabe, a elaboração do Orçamento é

prerrogativa do Executivo. Os técnicos da Prefeitura têm as fórmulas para possibilitar o

controle do processo do OP, como foi exposto pelo vereador Geraldo Félix (PMDB) em

depoimento carregado de detalhes conhecidos por quem realmente está envolvido no processo

em todas as etapas e já vivenciou o lado do Executivo, por ter sido Administrador da Regional

onde mantém sua base eleitoral. O aproveitamento político do OP é uma realidade, não só no

sentido natural do jogo político, como apontaram o vereador Carlão (PT) e o prefeito

Fernando Pimentel (PT), como no sentido do favorecimento de determinados grupos,

priorizando obras de interesse deles, como declararam os vereadores Geraldo Félix (PMDB) e

Preto (PFL).

Na verdade, o Orçamento Participativo é uma política pública do Poder Executivo

Municipal de Belo Horizonte, com um forte apelo participativo. Mas, se foi criado com o

objetivo de promover a democracia participativa, promover inclusão e educação política e

combater práticas clientelistas, atinge somente parte dos objetivos. O clientelismo está

entranhado em todo o processo do OP. Apesar de os administradores do instrumento dizerem

68

que isso aconteceu no passado e que mecanismos de proteção foram criados para evitar tais

práticas, elas persistem, com parte dos vereadores diretamente envolvida. O OP não foi capaz

de eliminar as práticas clientelistas entre os vereadores e a população que, apesar de ter a

oportunidade de participar diretamente do processo de escolha de obras, ainda leva

desvantagem no que se refere aos recursos disponíveis, principalmente em se tratando de

poder de mobilização e de acesso a informação.

Mas, a relação dos vereadores de Belo Horizonte com o Orçamento Participativo não

se resume nas práticas clientelistas adotadas por aqueles que fazem uso do processo do OP.

Não existe unanimidade entre os vereadores em relação ao OP. Mesmo os vereadores que não

estão ligados a uma comunidade específica e, por isso, em tese, não teriam motivos para se

incomodar com o mecanismo, às vezes mostram-se contra determinados procedimentos

usados pelo Executivo na condução do OP ou até radicalmente contra todo o processo. Os

totalmente a favor são alguns dos que compõem a base de sustentação do governo municipal.

Alguns, porque, mesmo na base governista o OP encontra críticas e resistências. A relação

dos vereadores com o Orçamento Participativo, então, mostra muito da relação entre o

Legislativo e o Executivo. O OP incomoda alguns vereadores, outros nem tanto e alguns em

nada, principalmente pelo tipo de linha de atuação de cada um, como ficou demonstrado na

classificação deles em comunitário, segmentado, de igreja e outros, e pelo alinhamento ou

não com o Executivo Municipal.

O conflito entre o OP, e o Legislativo, refletindo a relação conflituosa entre o

Executivo e o Legislativo revela-se claro a partir dos depoimentos dos vereadores, que se

queixam de terem pouco poder decisório, e das declarações do prefeito Fernando Pimentel

(PT), que, surpreendentemente, sugere a eliminação das Câmaras Municipais e a mudança na

atuação dos vereadores, que se reuniriam apenas para discutir assuntos pontuais, em

intervalos maiores dos que existem hoje. Ou seja, se o Executivo já tem mais força de decisão

que o Legislativo, teria ainda mais.

Como exposto no início deste trabalho, as discussões sobre a democracia começam a

se intensificar, e as práticas de administrações públicas democráticas se multiplicam de

maneira diferenciada. O Orçamento Participativo é um bom exemplo de que a democracia

participativa pode ser aprimorada, constituindo-se em estratégia complementar à democracia

representativa. O OP pode se configurar em uma maneira de fazer essa junção, mas é preciso

solucionar, antes, os vários conflitos que existem entre os poderes Legislativo e Executivo

para que a população seja beneficiada com a possibilidade de maior participação na

administração pública municipal. A relação assimétrica no que se refere ao poder decisório é

69

clara entre o Executivo e o Legislativo. O Executivo detém maior força e parece exercê-la

com a intenção de se fortalecer ainda mais, sem dar chance de fortalecimento para o

Legislativo. Ao mesmo tempo, o Legislativo busca alternativas para aumentar seus recursos

de poder e partem para ações que não dizem respeito às atribuições que lhes são determinadas

pela Constituição Federal. O resultado é que a população continua sendo utilizada de forma

clientelista, tanto por parte do Legislativo quanto do Executivo.

No momento em que se fala em reforma política no Brasil, em que se clama pela

elaboração de estudos que ressaltem a importância do poder local, representado por um

Legislativo e um Executivo fortes, pois é no âmbito dos municípios que tudo acontece, este

trabalho procurou representar uma contribuição ao enriquecimento da bibliografia e uma

proposta para que novos estudos sejam desenvolvidos sobre o tema.

70

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BAIRRO ZONA

CONFISCO – PARTE CONTAG

EM

DURVAL DE BARROS CONTAG

EM

DURVAL DE BARROS IBIRITE

FLAMENGO CONTAG

EM GUADALAJARA NEVES

INDUSTRIAL CONTAG

EM

JARDIM INDUSTRIAL CONTAG

EM LAGOA - PARTE NEVES MARIA HELENA - PARTE NEVES

NOVA PAMPULHA – PARTE CONTAG

EM NOVA PAMPULHA – PARTE NEVES VILA SANTA BRANCA - PARTE NEVES CID. NOVA-AV. JOSÉ CANDIDO DA SILVEIRA DO Nº PAR ATÉ Nº 1500

26ª

COLÉGIO BATISTA 26ª DA GRAÇA – AV. CRISTIANO MACHADO – NºS PARES DE 02 A 1440 E NºS ÍMPARES DE 515 A 2.959 (SENTIDO CENTRO / BAIRRO)

26ª

FLORESTA- FORA CONTORNO 26ª HORTO 26ª INSTITUTO AGRONÔMICO 26ª IPIRANGA - RESTANTE 26ª NOVA FLORESTA 26ª RENASCENÇA – PARTE 26ª SAGRADA FAMÍLIA 26ª

SANTA INÊS 26ª SANTA TEREZA 26ª SILVEIRA 26ª CIDADE NOVA – RESTANTE 27ª DOM JOAQUIM 27ª EYMARD 27ª FERNÃO DIAS 27ª GOIÂNIA 27ª IPÊ 27ª JARDIM VITÓRIA 27ª MARIA GORETTI 27ª NOSSA S. DA PENHA 27ª NOVO SÃO MARCOS 27ª PENHA 27ª PIRAJÁ 27ª POUSADA SANTO ANTONIO 27ª SÃO MARCOS 27ª SÃO PAULO 27ª UNIÃO 27ª VILA MARIA 27ª VITÓRIA 27ª ALTO VERA CRUZ 28ª BOA VISTA 28ª CAETANO FURQUIM 28ª CASA BRANCA 28ª CASTANHEIRAS (TAQUARIL) 28ª ESPLANADA 28ª GRANJA DOS FREITAS 28ª JONAS VEIGA - PARTE 28ª MARIANO DE ABREU 28ª NOVA VISTA 28ª POMPÉIA 28ª SÃO GERALDO 28ª

SAUDADE – PARTE 28ª TAQUARIL 28ª VERA CRUZ 28ª ALTO DOS PINHEIROS - PARTE 29ª ÁLVARO CAMARGO 29ª BELA VISTA 29ª BELÉM 29ª BENEDITO VALADARES 29ª CALIFÓRNIA - PARTE I E II 29ª CARLOTA DE ASSIS 29ª CARLOS PRATES - PARTE 29ª CELESTE IMPERIO 29ª CICOBE 29ª COQUEIROS 29ª CORAÇÃO EUCARISTICO 29ª DOM BOSCO 29ª DOM CABRAL 29ª FREI EUSTÁQUIO 29ª GLÓRIA 29ª INCONFIDÊNCIA 29ª IPANEMA 29ª JARDIM FILADÉLFIA 29ª JOÃO PINHEIRO - PARTE 29ª MARAVILHAS 29ª MARIA EMÍLIA 29ª MARIA MADALENA 29ª MARMITEIRO 29ª MINAS BRASIL 29ª NOSSA S.DA GLÓRIA 29ª NOVA CELESTE 29ª NOVO GLÓRIA 29ª OESTE 29ª PADRE EUSTÁQUIO – PARTE 29ª

ANEXO A - Relação dos Bairros de Belo Horizonte – Zonas Eleitorais 72

PATROCÍNIO – GLÓRIA 29ª PINDORAMA 29ª PIO XII 29ª PRIMAVERA 29ª PROGRESSO – PARTE 29ª RESSAQUINHA 29ª SÃO SALVADOR 29ª SÃO VICENTE DE PAULA 29ª URÂNIO 29ª VILA BELÉM 29ª VILA SÃO VICENTE 29ª ADELAIDE 30ª ALTO CAIÇARA 30ª APARECIDA 30ª BOM JESUS 30ª BONFIM 30ª CACHOEIRINHA – LADO ESQUERDO DA AV.ANTONIO CARLOS/CENTRO BAIRRO

30ª

CAIÇARA 30ª CAPARAÓ 30ª CARLOS PRATES - PARTE 30ª ERMELINDA 30ª JARDIM MONTANHÊS 30ª LAGOINHA - ESQUERDA AV.ANT.CARLOS ATE VIADUTO SÃO FRANCISCO

30ª

MONSENHOR MESSIAS 30ª NOVA CACHOEIRINHA 30ª NOVA ESPERANÇA 30ª NOVO SÃO FRANCISCO 30ª PADRE EUSTÁQUIO – PARTE 30ª PARQUE RIACHUELO 30ª PEDRO II 30ª

PROGRESSO – PARTE 30ª RIACHUELO 30ª SANTO ANDRÉ 30ª SÃO CRISTOVÃO – PARTE 30ª SENHOR BOM JESUS 30ª ALÍPIO DE MELO 31ª BANDEIRANTES - PAMPULHA 31ª BRAÚNAS 31ª CASTELO 31ª CONFISCO – PARTE 31ª CONJ. HAB. CELSO MACHADO 31ª ENGENHO NOGUEIRA 31ª ENSEADA DAS GARÇAS 31ª ITATIAIA 31ª JARDIM ALVORADA 31ª JARDIM INCONFIDÊNCIA 31ª JARDIM PAQUETÁ 31ª MANACÁS 31ª NOVA PAMPULHA – PARTE 31ª OURO PRETO 31ª PAQUETÁ 31ª SANTA TEREZINHA – PAQUETÁ 31ª SÃO FRANCISCO – PARTE 31ª SÃO JOSÉ – PAMPULHA 31ª SÃO JOSÉ – FINAL AV. PEDRO II 31ª SÃO LUIZ - PAMPULHA 31ª SARANDI 31ª SERRANO 31ª TREVO 31ª URCA 31ª ZOOLÓGICO 31ª AEROPORTO 32ª CACHOEIRINHA – LADO DIREITO 32ª

DA AV.ANTONIO CARLOS/CENTRO BAIRRO CONCÓRDIA (INCLUSIVE RUA JACUI Nº IMPAR DE 1131 A 2029 E Nº 2031 AO FIM)

32ª

CONCÓRDIA (INCLUSIVE AV. CRISTIANO MACHADO – NºS ÍMPARES DE 01 A 515)

32ª

DONA CLARA 32ª HUMAITA 32ª IPIRANGA – (INCLUSIVE RUA JACUI Nº IMPAR DE 1131 A 2029 E Nº 2031 AO FIM – TODA A ESQUERDA DA JACUÍ)

32ª

JARAGUÁ 32ª LAGOINHA - DIREITA ANTONIO CARLOS

32ª

LIBERDADE 32ª PALMARES (INCLUSIVE AV.CRISTIANO MACHADO NOS ÍMPARES DE 4001 A 9201)

32ª

PARQUE S.JOÃO BATISTA 32ª RENASCENÇA ESQUERDA RUA JACUÍ

32ª

SANTA CRUZ-SÃO FRANCISCO 32ª SANTA ROSA – JARAGUÁ 32ª SÃO BERNARDO – (LADO DIREITO DAS AVs. DR. CRISTIANO GUIMARÃES, MARIA AMÉLIA E WALDOMIRO LOBO – SENTIDO CENTRO/BAIRRO, INDO PELA AV. ANTÔNIO CARLOS)

32ª

SÃO CRISTOVÃO - LADO DIREITO DA AV.ANTONIO CARLOS/CENTRO

32ª

73

BAIRRO SÃO FRANCISCO – LADO DIREITO DA AV.ANTONIO CARLOS/CENTRO BAIRRO

32ª

SUZANA 32ª UNIVERSITÁRIO 32ª VILA CANADÁ 32ª VILA INDAIÁ 32ª VILA MARIA VIRGÍNIA 32ª VILA MAURA 32ª VILA MODELO 32ª VILA SÃO TOMAS 32ª BARRO PRETO 33ª CALAFATE 33ª CENTRO 33ª COLÉGIO ARNALDO 33ª FLORESTA- DENTRO CONTORNO 33ª FUNCIONÁRIOS 33ª LOURDES 33ª PRADO 33ª SANTA EFIGENIA - DENTRO CONTORNO À ESQUERDA NIQUELINA

33ª

SANTO AGOSTINHO 33ª ALTO BARROCA 34ª BARROCA 34ª BELVEDERE 34ª CIDADE JARDIM 34ª CONJ. SANTA MARIA 34ª CORAÇÃO DE JESUS 34ª GRAJAÚ - PARTE 34ª GUTIERREZ 34ª LUXEMBURGO 34ª MORRO DO PAPAGAIO 34ª

SANTA LÚCIA 34ª SANTA MARIA – CONJUNTO 34 SANTO ANTONIO 34ª SÃO BENTO 34ª SÃO PEDRO – SANTO ANTONIO 34ª SION – DIREITA AV. URUGUAI ATÉ AV. BANDEIRANTES 34ª

VILA PARIS 34ª ACABAMUNDO 35ª ANCHIETA 35ª BALEIA 35ª CAFEZAL 35ª CARMO SION 35ª COMITECO 35ª CRUZEIRO 35ª FAZENDINHA – SANTA EFIGENIA 35ª JARDIM PIRINEUS 35ª JARDIM TAQUARIL 35ª JONAS VEIGA - PARTE 35ª MANGABEIRAS 35ª NOSSA S.DO ROSÁRIO 35ª NOVO SÃO LUCAS 35ª PARAÍSO 35ª PARQUE NOSSA SENHORA ROSÁRIO

35ª

SANTA EFIGENIA - FORA CONTORNO À DIREITA NIQUELINA

35ª

SÃO LUCAS 35ª SAUDADE – PARTE 35ª SERRA 35ª SION - RESTANTE 35ª VILA CONCEIÇÃO 35ª VILA DO ACABAMUNDO 35ª

VILA FAZENDINHA 35ª

VILA MARÇOLA 35ª

VILA N.S.APARECIDA 35ª VILA N.SRª DE FÁTIMA - STA EFIGENIA

35ª

VILA SANTANA DO CAFEZAL 35ª ADEMAR MALDONADO 36ª BAIRRO DAS INDÚSTRIAS 36ª BARREIRO DE BAIXO 36ª COLINA 36ª COLINA CLUBE 36ª CONJ. HAB. ADEMAR MALDONADO

36ª

CONJ. HAB. ÁTILA DE PAIVA 36ª CONJ. HAB. BARREIRO 36ª CONJ. HAB. TIROL 36ª CONJ. HAB. TUNEL DE IBIRITÉ 36ª DIAMANTE 36ª DURVAL DE BARROS - PARTE 36ª INDUSTRIAS 36ª ITAIPU 36ª JATOBÁ 36ª LINDÉIA 36ª MARILÂNDIA - TIROL 36ª NOVO B. DAS INDÚSTRIAS-PARTE 36ª OLARIA 36ª PIRATININGA – BARREIRO 36ª PRESIDENTE 36ª REGINA 36ª SANTA HELENA – BARREIRO 36ª SANTA MARGARIDA 36ª TEIXEIRA DIAS 36ª

74

TIROL 36ª TÚNEL DE IBIRITÉ 36ª VILA RESPLENDOR 36ª WASHINGTON PIRES 36ª ALTO DOS PINHEIROS - PARTE 37ª BETÂNIA 37ª CABANA DO PAI TOMÁS 37ª CALIFÓRNIA - PARTE 37ª CAMARGOS 37ª CERCADINHO 37ª CONJ. HAB. BETÂNIA 37ª CONJ. HAB. BOM SUCESSO 37ª ESTRELA DO ORIENTE 37ª GAMELEIRA – PARTE 37ª GLALIJÁ 37ª JARDINÓPOLIS 37ª JOÃO PINHEIRO - PARTE 37ª MADRE GERTRUDES 37ª NOVA CINTRA 37ª NOVA GAMELEIRA 37ª NOVO B. DAS INDÚSTRIAS-PARTE 37ª PALMEIRAS – PARTE 37ª PARQUE SÃO JOSÉ 37ª SANTA MARIA - CAMARGO 37ª SÃO JOSÉ - BETÂNIA 37ª VILA MAGNESITA 37ª

VILA MARAVILHAS 37ª

VILA OESTE 37ª VILA PATROCINIO 37ª VILA VIRGINIA 37ª VISTA ALEGRE 37ª CANDELÁRIA 38ª

CENÁCULO 38ª ESPLENDOR - MANTIQUEIRA 38ª ESTRELA 38ª EUROPA 38ª JARDIM ANA LÚCIA 38ª JARDIM COMERCIÁRIOS 38ª JARDIM EUROPA 38ª JARDIM FLORÊNCIA 38ª JARDIM ITAMARATI 38ª JOQUEI CLUBE 38ª LAGOINHA – JARDIM FLORÊNCIA 38ª LETÍCIA – PARTE 38ª MANTIQUEIRA 38ª MARIA HELENA - PARTE 38ª MINASCAIXA 38ª NOVA AMÉRICA – VENDA NOVA 38ª NOVA YORK 38ª NOVO LETICIA – SESC 38ª PARAÚNA 38ª PARQUE ARIZONA 38ª PARQUE STO ANTONIO 38ª PARQUE SÃO PEDRO 38ª PEDRA BRANCA 38ª SÃO JOÃO BATISTA – PARTE 38ª SÃO PEDRO – VENDA NOVA 38ª SATÉLITE – PARTE 38ª SERRA VERDE 38ª SESC 38ª VENDA NOVA 38ª VILA CAPRI 38ª VILA SANTO ANTONIO 38ª ANTONIO DINIZ 39ª AVIAÇÃO 39ª

CAMPO ALEGRE 39ª CANÃA 39ª CELESTINO 39ª CHÁCARA FREI LEOPOLDO 39ª CHÁCARA SANTA INÊS 39ª CLEMENTINA 39ª CLORIS 39ª CONJ. HAB. CAMPO ALEGRE 39ª CONJ. HAB. FELICIDADE 39ª CONJ. HAB. MARILENE 39ª CONJ. HAB. RIBEIRO DE ABREU-PARTE

39ª

ETELVINA CARNEIRO 39ª FAZENDA TAMBORIL 39ª FELICIDADE 39ª FLORAMAR 39ª FREI LEOPOLDO 39ª GRANJA WERNECK 39ª HELIÓPOLIS 39ª ISABEL 39ª ITAPOÃ 39ª JAQUELINE 39ª JARDIM GUANABARA 39ª JARDIM PAMPULHA 39ª JULIANA 39ª JULIO MARIA 39ª LARANJEIRAS 39ª MARIZE 39ª MONTE AZUL 39ª NOVO AARÃO REIS – PARTE 39ª NOVO PLANALTO 39ª PADRE JÚLIO MARIA 39ª PARAIBUNA 39ª

75

PARQUE AVIAÇÃO 39ª PLANALTO 39ª RIBEIRO DE ABREU - PARTE 39ª RODRIGUES DA CUNHA 39ª SANTA ISABEL 39ª SÃO GONÇALO 39ª SÃO VICENTE 39ª SATÉLITE – PARTE 39ª SOLIMÕES 39ª TUPI 39ª VILA CLORIS 39ª XODÓ 39ª AARÃO REIS 331ª BEIJA FLOR 331ª BELMONTE 331ª CAPITÃO EDUARDO 331ª CONJ. HAB. MARISTELA 331ª CONJ. HAB. PAULO VI 331ª CONJ. HAB. RIBEIRO DE ABREU-PARTE

331ª

DOM SILVÉRIO 331ª GUARANI 331ª JARDIM BELMONTE 331ª MINASLÂNDIA 331ª NAZARÉ 331ª NOVO AARÃO REIS – PARTE 331ª NOVO BELMONTE 331ª OURO MINAS 331ª PARQUE BELMONTE 331ª PAULO VI 331ª PRIMEIRO DE MAIO 331ª PROVIDÊNCIA 331ª RIBEIRO DE ABREU – PARTE 331ª

SÃO GABRIEL 331ª VISTA DO SOL 331ª ALPES (MORRO DAS PEDRAS) 332ª BURITIS 332ª CINQUENTENÁRIO 332ª DAS MANSÕES 332ª ESTORIL 332ª ESTRELA DALVA 332ª GAMELEIRA – PARTE 332ª GRAJAÚ - PARTE 332ª HAVAÍ 332ª JARDIM AMÉRICA 332ª MANSÕES 332ª MARAJÓ 332ª MARINGÁ (HAVAÍ) 332ª MORRO DAS PEDRAS 332ª NOVA BARROCA 332ª NOVA GRANADA 332ª NOVA SUIÇA 332ª PALMEIRAS – PARTE 332ª SALGADO FILHO 332ª VILA ANTENA (MORRO DAS PEDRAS)

332ª

VILA LEONINA 332ª VILA SÃO JORGE (MORRO DAS PEDRAS)

332ª

ARAGUAIA 333ª BOM SUCESSO 333ª BRASIL INDUSTRIAL 333ª CARDOSO 333ª CASTANHEIRA I 333ª CASTANHEIRA II 333ª CHÁCARA DAS FLORES 333ª

CHÁCARA NOVA ESPERANÇA 333ª CHÁCARAS CAMPONESAS 333ª CONJ. HAB. CRISTO REDENTOR 333ª CONJ. HAB. ERNESTO NASCIMENTO

333ª

CONJ. HAB. ESPERANÇA 333ª CONJ. HAB. GETÚLIO VARGAS 333ª CONJ. HAB. JATOBÁ IV 333ª CONJ. HAB. PONGELUPE 333ª CONJ. HAB. RENATO ERNESTO

NASCIMENTO 333ª

CONJ. HAB. VALE JATOBÁ 333ª CONJ. HAB. VILA BOM SUCESSO 333ª CONJ. HAB. VILA SANTA RITA 333ª CRISTO REDENTOR 333ª CRUZ DE MALTA-INDEPENDÊNCIA 333ª DISTRITO INDUST. VALE DO JATOBÁ

333ª

FLÁVIO M.ARQUES LISBOA 333ª INDEPENDÊNCIA 333ª JARDIM LIBERDADE - BONSUCESSO

333ª

JARDIM VALE DO JATOBÁ 333ª JATOBÁ IV 333ª LIBERDADE – BARREIRO 333ª MANGUEIRAS – BARREIRO 333ª MILIONÁRIOS 333ª MINEIRÃO 333ª MIRAMAR 333ª NOVO B. DAS INDÚSTRIAS-PARTE 333ª NOVO STA. CECILIA-V. JATOBÁ 333ª OLHOS D’AGUA 333ª PARQUE FERREIRA CARDOSO 333ª PETRÓPOLIS – V. DO JATOBÁ 333ª

76

PILAR 333ª SANTA CECILIA – V. JATOBÁ 333ª

SANTA CRUZ – BARREIRO 333ª SOLAR DO BARREIRO 333ª

URUCUIA 333ª VALE DO JATOBÁ 333ª VILA BERNADETE 333ª

VILA CASTANHEIRA 333ª VILA CEMIG 333ª

VILA CORUMBIARA 333ª VILA ESPERANÇA 333ª

VILA FORMOSA – V. JATOBÁ 333ª VILA PINHO 333ª VILA SALES 333ª

VILA SANTA RITA – V. JATOBÁ 333ª CÉU AZUL 334ª

CONJ. HELENA ANTIPOFF/SANTA AMÉLIA

334ª

CONJ. MONTE CARMELO/SANTA AMÉLIA

334ª

COPACABANA 334ª JARDIM ATLÂNTICO 334ª

JARDIM DAS NAÇÕES/SANTA MÔNICA

334ª

JARDIM LEBLON 334ª LAGOA - PARTE 334ª

LEBLON 334ª LETÍCIA – PARTE 334ª

MANGUEIRAS – CÉU AZUL 334ª NOVO SANTA MÔNICA 334ª PARQUE COPACABANA 334ª

PARQUE JARDIM LEBLON 334ª PARQUE SÃO SEBASTIÃO/STA.

MÔNICA 334ª

PIRATININGA – STA. MÔNICA 334ª RIO BRANCO 334ª

SANTA AMÉLIA 334ª SANTA BRANCA 334ª SANTA MÔNICA 334ª

SÃO JOÃO BATISTA – PARTE 334ª SÃO PAULO – V.

NOVA/PIRATININGA 334ª

SINIMBU 334ª VILA MONTE CARMELO 334ª

VILA PALMAS – STA. MÔNICA 334ª VILA SANTA BRANCA - PARTE 334ª

VISCONDE RIO BRANCO 334ª

77

78

ANEXO B – Mapa com as Zonas Eleitorais de Belo Horizonte-2005

Fonte: Site do TRE/MG