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A DANÇA DA MENTEPINA BAUSCH E PSICANÁLISE

Maria Tereza Furtado Travi

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ChancelerDom Dadeus Grings

ReitorJoaquim Clotet

Vice-ReitorEvilázio Teixeira

Conselho EditorialAna Maria Lisboa de MelloBettina Steren dos SantosEduardo Campos PellandaElaine Turk FariaÉrico João HammesGilberto Keller de Andrade Helenita Rosa FrancoIr. Armando Luiz BortoliniJane Rita Caetano da SilveiraJorge Luis Nicolas Audy – Presidente Jurandir Malerba Lauro Kopper FilhoLuciano KlöcknerMarília Costa Morosini Nuncia Maria S. de ConstantinoRenato Tetelbom Stein Ruth Maria Chittó Gauer

EDIPUCRSJerônimo Carlos Santos Braga – DiretorJorge Campos da Costa – Editor-Chefe

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Maria Tereza Furtado Travi

A DANÇA DA MENTEPINA BAUSCH E PSICANÁLISE

Porto Alegre2012

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© EDIPUCRS, 2012

Rodrigo Valls

Patrícia Aragão

Rodrigo Valls

T782d Travi, Maria Tereza FurtadoA dança da mente : Pina Bausch e psicanálise [recurso

eletrônico] / Maria Tereza Furtado Travi. – Dados eletrônicos – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2011.

69 p.ISBN 978-85-397-0152-0Sistema requerido: Adobe Acrobat ReaderPublicação eletrônicaModo de acesso: World Wide Web: <http://www.pucrs.br/edipucrs>

1. Dança. 2. Psicanálise. 3. Bausch, Pina – Crítica eInterpretação. 4. Freud, Sigmund – Crítica e Interpretação. I. Título.

CDD 793.32

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

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AGRADECIMENTOS

Meus sinceros agradecimentos a:

Cibele Sastre

Cátia Olivier Mello

Minha família, em especial à minha mãe, Nina

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A todos os coautores deste trabalho, que colaboraram para fazer de mim o que sou hoje.

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Minha vida começa pelo meio como eu sempre começo pelo meio, aí vai o meio. Depois o

princípio aparecerá ou não. Clarice Lispector

As coisas mais belas estão quase sempre escondidas. É preciso apanhá-las e cultivá-las e

deixá-las crescer bem devagar. Pina Bausch

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................... 9

1 A DANÇA DE PINA BAUSCH ............................................ 13

1.1 A Dança-teatro Alemã .................................................... 13

1.2 Uma observadora ........................................................... 19

1.3 Wuppertal Tanztheater e o Processo de Criação Bauschiano ............................................................................. 22

1.3.1 As perguntas que buscam o sujeito .......................... 22

1.3.2 A Repetição .................................................................. 27

2 A PSICANÁLISE DE FREUD ......................................... 33

2.1 Freud tenta explicar ........................................................ 33

2.2 O Processo Psicanalítico ................................................ 38

2.3 Outros Conceitos Importantes ....................................... 42

3 METODOLOGIA ................................................................ 46

4 MENTES BRILHANTES ................................................... 49

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................. 61

REFERÊNCIAS ..................................................................... 64

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APRESENTAÇÃO

A arte e o inconsciente sempre foram áreas que despertaram meu interesse. Talvez por isso tenha buscado, inicialmente, na minha vida profissional, a graduação de Comunicação Social, com especialização em Publicidade e Propaganda. Durante toda a faculdade, ouvi que boa propaganda é aquela que busca atingir o inconsciente do consumidor, que surpreende por traduzir seus desejos mais escondidos, ou até mesmo proibidos.

Depois de três anos trabalhando neste meio, deixei a Publicidade e cheguei à Dança. Mais especificamente à Dança Contemporânea. O que me atraiu nessa modalidade de dança foi justamente a possibilidade de o bailarino exteriorizar seus sentimentos de forma mais livre e criativa. A Dança Contemporânea, ao meu olhar, considera o corpo em sua totalidade, trata o bailarino como ser humano complexo, com um conjunto de experiências multidisciplinares, com um corpo híbrido em teorias e vivências.

A concepção de corpo mais comumente encontrada em práticas de dança durante muito tempo foi um reflexo do corpo construído a partir dos valores renascentistas: um corpo técnico, treinado, clássico, individual e virtuoso. O “corpo objeto” era considerado um mero instrumento da arte, o qual era adestrado, através de um treino rigoroso, com a intenção de criar uma imagem de perfeição, de acordo com a vontade do professor e/ou coreógrafo, um corpo engessado ou em uma “camisa de força”.

Desde o surgimento da Dança Moderna e Contemporânea, esse conceito de corpo dançante vem se modificando, e houve mudanças significativas na relação coreógrafo/bailarino. Hoje, o corpo é cada vez mais considerado um retrato de inúmeras influências, sejam elas culturais, sociais, físicas ou emocionais. O bailarino não é mais considerado um mero “objeto”, e sim uma pessoa, com história e valores próprios, com um imaginário e emoções peculiares.

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10 Maria Tereza Furtado TraviA dança da mente Pina Bausch e Psicanálise

Essa concepção de “corpo único”, física e emocionalmente falando, passou a ser uma importante ferramenta para a criação coreográfica. Isto é, os coreógrafos passaram a explorar a história e o imaginário pessoal dos bailarinos, transformando esse material em arte, mais especificamente, em movimento. A dança adquiriu a possibilidade de ser coreografada em conjunto (bailarino e coreógrafo), como uma reconstrução da história dos dois, tendo, nesse processo, uma das fontes de sua riqueza. As vivências cruzam-se, somam-se, dialogam tecendo uma trama que vira dança.

Segundo Mônica Dantas (2005, p. 34), “a arte contemporânea tem por singularidade embaralhar os limites tradicionais das técnicas...”. Penso que a Dança Contemporânea, ao diluir as fronteiras entre as disciplinas artísticas, cria um novo papel para o bailarino. Esse novo papel, conforme afirma Dantas (2005, p. 34), reflete-se, em um primeiro momento, na nomenclatura:

... poderíamos expandir a ideia de dançarino contemporâneo para a de intérprete ou performer, uma vez que esses artistas são solicitados a atuar de maneiras diversas, segundo o contexto de cada coreografia.

Essas diversas formas de atuar solicitadas ao intérprete da Dança Contemporânea trazem a necessidade de uma formação com novas abordagens: teatro, música, canto, artes marciais; além de diferentes técnicas de dança e estudo com diferentes coreógrafos. Todas essas práticas criam o corpo dançante contemporâneo. Um corpo eclético ou “corpos de aluguel” (DANTAS, 2005, p. 35).

Além disso, esse novo papel do intérprete de Dança Contemporânea reflete-se também na situação de cocriador da coreografia. O coreógrafo de vanguarda não considera seus dançarinos apenas como receptáculos de ideias e movimentos, mas sim como colaboradores da composição coreográfica, como coautores.

Cabe ressaltar que a Dança Contemporânea - e esse é outro fator de meu interesse - não separa o bailarino da sua condição de ser humano, impregnado de histórias, conflitos, afetividades e padrões mentais. São esses elementos subjetivos que, manifestados predominantemente em linguagem não verbal, servirão de matéria-prima para a composição coreográfica. O coreógrafo, ao estimular o bailarino a manifestar a sua memória corporal e afetiva, estará acessando a história pessoal daquele intérprete. Coreógrafo e bailarino devem estar sempre atentos a este processo de “tempestade mental e corporal”, para reconhecer

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os movimentos e as imagens que vêm à tona e podem servir para a composição final. Assim, mais do que nunca, a dança assume o papel de representar, de simbolizar o universo do ser humano.

Em 2006, conheci o trabalho da coreógrafa alemã Pina Bausch e de sua companhia, a Wuppertal Tanztheater. Pina é considerada um ícone da dança-teatro, pois criou um processo de composição coreográfica peculiar e possuía uma incrível capacidade de transformar o individual em universal. Líder de uma notável corrente artística, Pina Bausch dirigiu o Wuppertal Tanztheater na Alemanha de 1973 a 2009. A partir do material humano que possuía (seus atores-bailarinos de trinta ou quarenta anos de idade), Pina desenvolveu seus trabalhos desconstruindo pequenos gestos cotidianos, partindo da repetição, transformando em pequenas células de movimento, depois cenas, gerando uma grande composição-espetáculo.

Acompanhando o trabalho da coreógrafa, através de leituras, vídeos e aulas com bailarinos de sua companhia, comecei a investigar se existem semelhanças entre o processo criativo bauschiano e o processo psicanalítico, especialmente no que se refere ao acesso ao inconsciente, através da associação livre. Não foquei o processo de análise dos atos falhos e dos sonhos, formas também consideradas portas ao inconsciente.

Fiz terapia durante seis anos. Meus pais trabalham nesta área. Comecei a perceber uma série de fatores comuns na forma como Pina Bausch trabalhava com seus bailarinos e o terapeuta com seus pacientes. Porém, cada um com finalidades distintas: Pina buscava a arte; o terapeuta, a saúde emocional, através do autoconhecimento. Como bailarina, identifiquei-me com a forma de Pina ver a dança, o corpo dançante, o sujeito que dança. Um estranhamento, um “incômodo” comum que senti na terapia e na dança-teatro despertaram meu interesse em estudar essas duas áreas. Revelo também que, talvez, por identificação com estas figuras importantes do meu desenvolvimento quis buscar afinidades entre o que eu amo - a dança - e o que meus pais fazem. Valorizando suas atividades, aproximo-me deles, usando Pina como parceira desse processo.

A Psicanálise, ciência que estuda o funcionamento da mente e dos problemas mentais, foi criada por Sigmund Freud no início do século XIX. Freud constatou que os fenômenos mentais não poderiam ser explicados somente através da consciência. Havia cadeias de associações repletas de lacunas que, pressupôs, poderiam conter lembranças reprimidas. Essa constatação gerou grandes polêmicas na época, pois a Medicina era quase que exclusivamente voltada aos aspectos orgânicos e biológicos

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12 A dança da mente Pina Bausch e Psicanálise

do ser humano. E principalmente: como aceitar o fato de que não controlamos nossa mente? Que não temos acesso a espaços obscuros, que não sabemos por que sentimos ou fazemos inúmeras coisas em nossas vidas. É como dançar em um palco sem iluminação, ou com pequenos focos no escuro. Daí tantos tombos e saltos que machucam, hematomas na alma.

Este trabalho relaciona duas áreas: a dança e a Psicanálise; sendo a primeira seu foco principal, tendo especificamente como objeto de estudo o processo de criação bauschiano. O problema da presente pesquisa é: existe semelhança entre o processo criativo bauschiano e o processo psicanalítico no que se refere ao acesso ao inconsciente através da associação livre? Procuro, através de conceitos-chave da Psicanálise – como visão de sujeito, repetição e associação livre – investigar o processo criativo de Pina Bausch, estabelecendo relações e traçando possíveis semelhanças entre as duas áreas estudadas.

Inicialmente, faço uma breve abordagem sobre a história da dança e o surgimento da dança-teatro, com a finalidade de contextualizar o período em que Pina Bausch iniciou seus estudos. Em seguida, abordo o processo de criação bauschiano e elementos relacionados ao Wuppertal Tanztheater. No capítulo seguinte, transito na área da Psicanálise, fazendo um breve histórico do seu surgimento e de seus principais conceitos, dando ênfase à associação livre como método de trabalho.

Por fim, busco estabelecer as relações entre as duas áreas estudadas, com o objetivo de investigar se existe semelhança entre o processo criativo bauschiano e o processo psicanalítico no que se refere ao acesso ao inconsciente através da associação livre. No decorrer da pesquisa, percebi que, além da associação livre, outros elementos da Psicanálise podem estar relacionados aos procedimentos de criação de Bausch. Aspectos como transferência, resistência, sublimação, visão de sujeito e repetição são também fatores que aproximam as duas áreas estudadas.

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1 A DANÇA DE PINA BAUSCH

1.1 A DANÇA-TEATRO ALEMÃ

A história do teatro pode ser traçada desde o início da civilização europeia... Ele tem sempre sido parte de, e protegida por, uma cultura baseada na linguagem verbal; uma cultura que por muito tempo estava convencida de que tudo, ou quase tudo, poderia ser dito com palavras. A história da dança é muito mais difícil de se juntar, devido ao fato de que dança não pode ser gravada na escrita. [...] [Hoje] há ainda a tendência de se considerar atores como os intelectuais do palco, e dançarinos como seres espontâneos capazes de entrar em contato com as forças escondidas do universo. Nossas mentes ainda se apegam à ideia de que dentro de cada homem há uma divisão entre mente e corpo... (BAUSCH, apud FERNANDES, 2007, p. 27).

Desde os primórdios da humanidade, a necessidade de comunicação acompanha o desenvolvimento do ser humano. Antes mesmo de pronunciar as primeiras palavras, o homem fazia sons e gestos para expressar ideias e emoções. Segundo Eliana Caminada (1999, p. 21), “a linguagem gestual mimética é a mais antiga forma de comunicação do ser humano, presente há milhares de anos em suas primeiras manifestações”.

A dança, em sua forma mais elementar, era realizada com movimentos que imitavam as forças da natureza, as quais eram consideradas mais poderosas do que os homens. Ao praticar esses movimentos, o homem acreditava tomar posse desses poderes. Dessa forma, pode-se afirmar que a dança, no seu primórdio, foi uma manifestação naturalista. As primeiras manifestações de dança datam do período paleolítico, 1.000.000 anos a.C., com as danças circulares sem contato.

A partir daí, o homem passou a dançar para homenagear a natureza, agradar aos deuses, festejar a colheita, comemorar a caça bem-sucedida, etc. A dança passou a ter inúmeros significados e

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diversas motivações. Surgiram as danças lunares, as danças fúnebres, as danças com máscaras, as danças religiosas, as danças de iniciação, as danças guerreiras, entre outras. Todavia, independentemente do tipo e da época, toda dança nasce da necessidade de expressão, de comunicação, de algo consciente ou inconsciente.

É importante salientar que não é foco desta pesquisa descrever sobre o trabalho de cada coreógrafo ou teórico envolvido na história da dança. Porém, a seguir, irei mencionar alguns nomes que julgo importantes para oferecer um panorama, buscando esclarecer e fundamentar este estudo. Cabe ressaltar ainda que o fato de discorrer mais sobre uns do que sobre outros não tem a intenção de dar mais ou menos valor sobre eles dentro da história da dança.

Para Denise Siqueira, a dança pode ser definida como “um sistema simbólico composto de gestos e movimentos culturalmente construídos que faz parte da vida das sociedades desde os tempos arcaicos” (2006, p. 93). Tal sistema tem o objetivo de transmitir mensagens das mais variadas esferas: artística, estética, religiosa ou militar. Em se tratando da dança como prática social e de diversão, é na Renascença italiana que se pode traçar o início do Ballet Clássico, quando esse ainda era uma dança realizada nos salões da corte, com acompanhamento musical ao vivo e luxuosos figurinos. Na França de Luis XIV, o Ballet passou dos salões para o teatro, desenvolvendo vocabulário e treinamento específicos, bem como coreografias montadas e executadas por bailarinos profissionais. A partir daí, inúmeros artistas, músicos e compositores contribuíram para o crescimento do Ballet, com a criação de passos, acessórios, figurinos, nomenclatura, metodologia de ensino e balés de repertório.

No final do século XIX, o Ballet começa a sofrer uma queda de sua popularidade. Nos primeiros anos do século XX, surge a Dança Moderna, tendo em Isadora Duncan, (1877-1927) nos Estados Unidos, e Rudolf Laban (1879-1958), na Europa, dois de seus principais representantes. Diante da comoção causada pela Primeira Guerra Mundial e pela crise de 1929 em Nova Iorque, artistas de diferentes áreas buscaram exprimir em suas obras o sofrimento e o caos, bem como os esforços para superar todas essas tragédias. Na dança, essa manifestação deu-se com Duncan, a Denishawnschool (fundada em 1915 em Los Angeles), Martha Graham (1894-1991), Doris Humphrey (1895-1958), entre outros coreógrafos que negaram a dança clássica, em busca de novas significações e linguagens.

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A dança moderna propriamente dita se criou e se desenvolveu, do ponto de vista crítico, rejeitando a indiferença da dança clássica pelas paixões profundas e pela história, rejeitando sua ausência de significação humana e também o código imutável de movimentos que a transformara em uma língua morta (GARAUDY, 1980, p. 136).

Com esse objetivo, a Dança Moderna buscou expressar

intensamente as angústias de sua época, criando novos movimentos, métodos e formas capazes de exprimi-las. Isadora Duncan chegou a se denominar inimiga do Ballet, acreditando ser a verdadeira dança aquela que leva à liberdade. São marcas registradas da Dança Moderna do início do século XX: pés descalços, cabelos soltos, figurinos largos, quedas, torções do tronco, contrações, inspiração e expiração marcadas, braços soltos; enfim, liberdade de movimentação e expressão.

A meu ver, a Dança Moderna representou um primeiro momento de ruptura com uma forma de dança estabelecida e reconhecida socialmente. A partir dela, muitas outras maneiras de entender a dança foram surgindo e, consequentemente, outros modos de construção do corpo dançante. Até mesmo dentro dos criadores da Dança Moderna, existiram distintas vertentes no que se refere à técnica e ao significado da dança. Segundo Carla Lima, “com a dança moderna, foi o modelo do conhecimento do corpo que mudou: nem objeto físico nem corpo biológico, mas um corpo energético, feixe de forças” (2008, p. 89).

E depois da Dança Moderna? Se pensarmos, metaforicamente, o Ballet Clássico como uma gaveta que estava emperrada e foi aberta à força, espalhando tudo que havia dentro, podemos pensar que os artistas da Dança Moderna nada quiseram aproveitar do que havia caído ao chão. Desejavam o contrário daquilo tudo. Na segunda metade do século XX, alguns coreógrafos começaram a olhar para aqueles elementos ali jogados e quebrados de outro modo. Por que não reaproveitá-los, misturar coisas novas, experimentar de forma diferente?

Roger Garaudy afirma que “a dança, como todas as artes, é uma tentativa de resposta às questões colocadas por uma época” (1980, p. 136). Segundo esse autor,

após a Segunda Guerra Mundial, frente a um novo desmoronamento dos valores, surge um questionamento

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fundamental da dança moderna, que se radicaliza durante os anos 50 e 60” (1980, p. 136).

Fenômeno esse liderado nos Estados Unidos por Alwin Nikolais (1910-1993) e Merce Cunningham (1919-2009) e, na Alemanha, por Mary Wigman (1886-1973) e Kurt Jooss (1901-79); além do próprio Laban, conforme abordarei mais adiante.

A partir dos anos 50, começa a surgir a então chamada Dança Contemporânea, apoiada na crescente contaminação da dança por outras esferas da arte, tendo como resultado o surgimento de uma nova linguagem e de um novo conceito de corpo dançante. Os limites impostos por convenções e métodos fechados na dança são esgarçados. Promovem-se rupturas profundas nas concepções da técnica corporal, favorecendo a hibridização entre os mais diversos estilos e gêneros de dança. O movimento “pós-moderno” institui-se definitivamente e seu pluralismo atinge formas cada vez mais ricas como um mosaico que vai sendo construído aos poucos. As fronteiras entre linguagens são abandonadas e a criação anteriormente tão fixa em princípios bem definidos abre-se para uma enorme multiplicidade de experiências, em que inclusive não há a negação de correntes anteriores; mas, sim, releituras, readaptações, reaproveitamentos.

A Dança Contemporânea resulta de apropriações de outras linguagens, outras formas de arte, sem ter compromisso com regras ou métodos específicos. Além disso, há uma mudança na formação do bailarino no sentido de buscar um treinamento diversificado, com base em diferentes técnicas de dança, bem como em outras áreas – como teatro, ioga, pilates, artes marciais, etc. Soma-se a isso o fato de que a Dança Contemporânea estabelece uma democracia no sentido de que o corpo dançante não é obrigado a atender padrões físicos preestabelecidos, considerados ideais para a dança.

No século XX, a dança saiu de um extremo a outro: do engessamento estético e técnico à liberdade estética da dança em si e dos corpos que dançam. Por vezes, a noção de democratização era tão forte – todos podiam dançar e de qualquer forma – que se perdia de vista qualquer tipo de critério de avaliação da performance dos dançarinos; não havia uma “melhor” forma de se fazer nada, tudo era válido e aceitável. Podíamos ver corpos treinados e corpos não treinados em performances que ocorriam em locais inusitados, distantes do tradicional teatro (BARBOSA, 2009, p. 11).

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A cena contemporânea, no que se refere aos processos de criação coreográfica e às coreografias em si, também sofreu mudanças. Houve uma valorização de movimentos cotidianos, naturais, minimalistas, torções, quedas. Não existia mais a necessidade de respeitar um biótipo, uma estética específica. O corpo dançante poderia ser feio, curvado, obeso. O importante passou a ser a expressão, a liberdade de exprimir emoções e anseios através da dança. Todos os corpos eram bem-vindos.

Dessa forma, para melhor compreender o processo criativo de Bausch, julgo importante abordar o contexto do qual a coreógrafa foi “herdeira”. Em janeiro de 1933, Adolf Hitler chega ao poder na Alemanha, que passa a ser dominada pelo Nacional Socialismo. A dança alemã torna-se impopular devido ao Nazismo, tendo no período entreguerras sua principal inspiração, dando origem ao movimento chamado Expressionismo. A dor e o sofrimento causados tornaram-se arte expressionista, tendo na dança-teatro uma das mais importantes formas de representação.

O expressionismo nasceu de uma revolta política, intelectual e moral contra um mundo do qual os artistas pressentiam a agonia. Não era somente um movimento artístico, mas uma visão do mundo. Nesse contexto, a dança alemã ganhou espaço como eco das preocupações expressas na pintura, na literatura e no emergente cinema expressionista (SIQUEIRA, 2006, p. 100).

Neste período, a Alemanha enfrentou uma profunda crise econômica e tornou-se centro de uma febril produção artística, onde emanou uma estética sombria, pesada, com conteúdo pessimista. Segundo Carla Lima (2008, p. 44), “o movimento expressionista buscou uma quebra dos limites rígidos existentes nas diferentes linguagens”, e consequentemente gerou uma aproximação entre as artes de forma crescente. O artista de vanguarda buscava novas poéticas, novas maneiras de mesclar linguagens e se expressar com o corpo, adotando uma posição de ruptura com os valores do século XIX.

As revoluções (Francesa e Industrial) confirmaram tempos melhores para a humanidade, marcados, no século XIX, por um profundo otimismo pedagógico, pela racionalização do Estado, pela dessacralização da natureza pela técnica. Os filósofos brindaram ao ‘Império da razão’ em contraposição ao ‘Império da fé’, visto como obsoleto, arcaico, obscuro (LIMA, 2008, p. 44).

Maria Tereza Furtado Travi

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Na arte, o que se pregava era uma volta para a realidade, no sentido de que o artista deveria retratar a realidade de forma objetiva e verdadeira, na tentativa de uma convergência absoluta entre a representação e a coisa representada. Já o movimento vanguardista do século XX contesta essa arte regida pela semelhança. Ao invés do espelhamento, os artistas de vanguarda apresentam imagens distorcidas, dilatadas, deformadas, não fiéis aos modelos. Segundo Carla Lima, “o modelo sofre o desgaste, a erosão, o retalhamento...” (2008, p. 46).

A dança moderna alemã tem então sua história engajada no movimento expressionista, sendo a dança-teatro uma das especificidades dentro da diversidade deste movimento de vanguarda, que dará origem ao surgimento da dança pós-moderna. Segundo Sayonara Pereira, o fato de a Alemanha não possuir uma tradição muito grande no Ballet Clássico,

e também por ter sido palco de vários movimentos anteriores que refletiam a relação do homem com a natureza, pode ser uma justificativa para o país ter tido a abertura para ser o berço do Tanztheater (2009, p. 2).

Surge assim, nos anos 20 e 30, a dança-teatro alemã a partir dos trabalhos de Rudolf Laban e seus discípulos Mary Wigman e Kurt Jooss.

Laban considerava o dançarino um ser que pensava, sentia e fazia. Segundo ele, a dança deveria ser experienciada e entendida, sentida e percebida pelo indivíduo como um ser completo. Com esse objetivo, Laban desenvolveu seu sistema de movimento, unindo o rigor científico da observação e notação (Laban Notation) com a necessidade expressiva das ações. Trabalhava com a improvisação, e seus alunos muitas vezes dançavam sem música, usavam a voz e recitavam poemas, recorrendo a movimentos cotidianos ou abstratos. A esse método de trabalho, Laban deu o nome de Tanz-Ton-Wort (Dança-Tom-Palavra).

Ainda nesse vértice, na dança-teatro, existe um novo entendimento do corpo cênico, fazendo com que os intérpretes e seus orientadores busquem recursos e métodos não só em outras formas de arte, mas também em abordagens corporais somáticas. Essa mistura de referências sempre esteve presente nas artes orientais, por exemplo. Em países como Japão e Índia, os artistas deveriam, desde pequenos, saber dançar e cantar. Todavia, nos países ocidentais, somente a partir do século XX que as apropriações entre as artes promoveram novas terminologias e houve essa contaminação de maneira crescente.

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Mary Wigman, aluna de Laban, contribuiu de forma relevante para o desenvolvimento da dança-teatro. Criou a Ausdrucktanz (dança expressionista), “no momento em que as artes plásticas viviam o auge do expressionismo na Alemanha” (CYPRIANO, 2005, p. 23). A dança de Wigman representou uma rebelião contra o Ballet Clássico, inspirando-se em lutas e necessidades humanas universais. A coreógrafa buscava retratar estados emocionais primitivos, sendo que sua principal característica era encenar situações que estivessem além da vida cotidiana. Para tanto, “refutou o movimento ‘belo’, procurando a verdade do corpo cênico...” (RODRIGUES, 2008, p. 02).

Kurt Jooss, outro aluno de Laban, compreendia a dança-teatro como uma ação grupal dramática e, em suas coreografias, desenvolvia temas sociopolíticos. O treinamento de seus dançarinos incluía música, educação da fala e dança, mesclando elementos do Ballet Clássico com as teorias de Laban de harmonia espacial e qualidades de movimento. O público viu o estilo de Jooss como uma forma “modernizada de ballet”, em que o mundo era representado de maneira realista. “Mesa Verde” (1932) é considerada sua obra-prima, pois o coreógrafo fez uso da temática de denúncia social de forma inovadora, o que o tornou um pioneiro com muitos seguidores. Um deles foi Pina Bausch.

1.2 UMA OBSERVADORA

Philippine Bausch nasceu no dia 27 de julho de 1940 na cidade de Solingen, sudoeste da Alemanha. Na infância, desfrutou de liberdade e independência, pois seus pais viviam ocupados na luta para sobreviver ao período pós-guerra. “Filha de proprietários de restaurante, desde pequena Bausch estabeleceu uma forma de comunicação com o mundo através do olhar” (CYPRIANO, 2005, p. 24). Ela observava toda aquela gente, entrando e saindo do restaurante, e imaginava o que poderia se passar em suas mentes. Pina era desde cedo uma curiosa que desenvolveu profundo e intuitivo senso de observação sobre o que existia dentro da cabeça das pessoas, sobre suas subjetividades, sobre a humanidade de maneira geral.

“Entretanto, o olhar de Bausch também contempla os arredores; procura o entorno, a paisagem” (CYPRIANO, 2005, p. 24). Ela buscava conhecer o contexto em que as coisas aconteciam, procurava ter contato com tudo que estava à sua volta. Segundo Bausch, o lugar onde o ser

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humano vive é de grande importância para se entender as influências que agem sobre ele e na construção de sua personalidade.

Com 15 anos, Pina Bausch iniciou seus estudos em dança na Folkwang Hochschule, escola fundada por Kurt Jooss em 1926, na cidade de Essen. A jovem bailarina já chamava a atenção dos professores que não lhe poupavam elogios. Seu diferencial rendeu-lhe, em 1958, uma bolsa de estudos na Juilliard School em Nova Iorque, através de um programa de intercâmbio alemão. “Aos vinte anos, Bausch já tinha estreito contato com a Dança Moderna norte-americana e com a escola alemã de Dança-teatro” (CYPRIANO, 2005, p. 25).

Mary Wigman manteve seu estúdio de dança de forma mais intimista, isto é, ensinando basicamente a sua técnica. Já Kurt Jooss, na Folkwang Hochschule, abriu as portas para outras disciplinas, outras linguagens. A escola existe até hoje e reúne aulas de música, teatro, dança, design e ciência em um ensino interdisciplinar. Essa mistura de linguagens, essa pluralidade de técnicas, deve ter favorecido a visão de Bausch sobre a possibilidade de romper fronteiras entre as artes.

Em 1962, Bausch retorna à Alemanha a convite de Jooss para integrar o elenco da Folkwang. Sete anos depois, torna-se diretora da companhia, devido à aposentadoria de seu mestre. Pina conquistou grande prestígio com a Folkwang, realizando turnês internacionais e recebendo prêmios que lhe destacaram na área da dança. “Foi por conta desse sucesso que, em 1973, Arno Wustenhofer, diretor da Ópera de Wuppertal (um teatro público) convidou-a para dirigir a companhia de dança da casa...” (CYPRIANO, 2005, p. 25).

Sobre a influência de Kurt Jooss em sua vida e em sua dança, Pina afirma:

[...] Um dia Kurt Jooss declarou que a característica principal da sua maneira de trabalhar era levar em conta a personalidade individual de cada bailarino. Olha, isso é a coisa mais importante que tenho em comum com Jooss. Esta vontade de trabalhar sempre com o sujeito (BAUSCH apud LIMA, 2008, p. 30).

Julgo importante mencionar também, como uma das influências no trabalho de Bausch, o teatro de Bertolt Brecht (1898-1956). Segundo Juliana Silveira (2009, p. 46), “o teatro didático de Brecht buscava experimentar diferentes formas de constituição social do sujeito através da arte.” Esse

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é um dos procedimentos que mais se assemelham aos de Bausch. Brecht construiu seu modo de fazer teatro em oposição aos preceitos instaurados pelo drama neoclássico, que buscava a identificação psicológica entre ator, personagem e espectador. O teatro brechtiano buscava questionar aquilo que no teatro burguês era considerado parte da natureza humana.

Brecht aperfeiçoou técnicas de encenação existentes para fundar o Teatro Épico, caracterizado sobretudo como um projeto estético-político, cuja intenção é confrontar o público para fazê-lo questionar-se, ter uma visão crítica sobre a razão de ser das coisas. Conforme afirma Grebler (2010, p. 1), “Brecht deseja que o espectador ‘se estranhe’ em relação à sua própria vida para que seja capaz de produzir atitudes transformadoras para si e para a sociedade.”

A esse estranhamento Brecht deu o nome de distanciamento, o qual tinha no gestus seu elemento concretizador. Para Bonfitto (2002, P. 65): “... Brecht refere-se ao ‘gesto’ não como sendo um recurso ligado somente ao corpo do ator, mas como um conceito aplicável a outros elementos do espetáculo: o “gesto” da música, o “gesto” dos figurinos, do texto...”. Similarmente, Bausch buscava também provocar esse estranhamento no público, bem como em seus bailarinos, durante o processo de criação de suas obras. Brecht e Pina estimulavam o exercício crítico, que pode levar as pessoas a reconhecerem que o homem e a sociedade não são definitivos e imutáveis, mas passíveis de transformações.

Silveira (2009, p. 47) afirma que:

O diretor e dramaturgo alemão propõe um espectador ativo, que consiga olhar criticamente para a sua realidade, pois o homem deve ser visto como um ser em processo, capaz de transformar-se e de transformar o mundo. O procedimento que Brecht usa para gerar a consciência crítica é o efeito de distanciamento: distanciar um acontecimento ou um caráter significa antes de tudo retirar do acontecimento ou do caráter aquilo que parece óbvio, o conhecido, o natural, e lançar o espanto e a curiosidade. A finalidade dessa técnica do efeito de distanciamento consistia em emprestar ao espectador uma atitude crítica, de investigação relativamente aos acontecimentos que deveriam ser apresentados.

Grebler (2010, p. 2) traz-nos alguns fatores semelhantes ao teatro de Brecht e às obras de Bausch. São eles: teatralização e literalização da

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cena (vozes gravadas, uso de microfones, cartazes), uso do cenário anti-ilusionista, que não apoia nem explica a cena (o palco alienado por materiais orgânicos), abordagem do ator distanciado do personagem e interesse pela descrição de pessoas comuns. Segundo Carla Lima (2008, p. 59), “para Bertolt Brecht, o teatro deveria ser a base para a adoção de uma postura crítica e analítica em relação à sociedade e às relações de poder”.

Retomando a trajetória de Pina, o início não foi fácil. A coreógrafa enfrentou a resistência dos bailarinos de Wuppertal. Segundo Wustenhofer,

Pina não era aceita na casa e era criticada por todos os lados [...] Vários bailarinos queriam abandonar a montagem logo nos primeiros meses de trabalho. O público deixava em massa o teatro... (CYPRIANO, 2005, p. 26).

O público da cidade estava acostumado a assistir a obras de Ballet Clássico. O trabalho de Pina representou algo forte, pesado, que talvez tocasse as pessoas de forma incômoda e dolorosa. Bausch relata suas dificuldades iniciais:

Pela primeira vez eu sentia medo dos meus bailarinos. [...] E eu tentava fazer-me entender, mas não conseguia. [...] Tive uma crise tremenda, tinha vontade de parar, de deixar de trabalhar. Decidi nunca mais pôr os pés no teatro. E, assim, comecei a trabalhar algumas horas no estúdio de Jan Minarik (bailarino com quem trabalhou até 2001), com os poucos bailarinos que ainda aceitavam a minha maneira de montar um espetáculo. Foi ali, naquele estúdio, que começamos a experimentar um modo de trabalhar diferente, novo (Pina Bausch apud CYPRIANO, 2005, p. 26).

1.3 WUPPERTAL TANZTHEATER E O PROCESSO DE CRIAÇÃO BAUSCHIANO

1.3.1 As perguntas que buscam o sujeito

Qual seria o motivo desse medo que Pina sentia em relação a seus bailarinos? Por que sua forma de trabalhar incomodava tanto, bailarinos e

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plateia? Pina, com seu talento e sensibilidade, começou a desenvolver um modo muito específico de coreografar, que convidava os bailarinos a se apresentarem enquanto seres humanos, com suas vivências, inseguranças e recordações. Ou seja, aquele corpo dançante que antes era apenas um instrumento da técnica, uma ferramenta para o virtuosismo e a música, começa a se transformar em agente colaborador do processo criativo, bem como a ser considerado enquanto pessoa, com suas fragilidades e virtudes, desejos e medos, fantasias e delírios.

Nesse contexto, os bailarinos, para Pina Bausch, não necessitavam ter um tipo físico atlético, magro, como exige o Ballet Clássico, por exemplo. Para ela, outras qualidades eram mais importantes: a sensibilidade, a expressão, a capacidade de se entregar e se expor. Afirma: “não me parece lógico avaliar bailarinos por padrões de concurso de Miss Universo. Personalidade conta muito mais que balança ou fita métrica” (AZEVEDO, 2009, p. 85). Mas até que ponto os bailarinos estão preparados para essa exposição e doação? No relato de Janusz Subicz, um dos bailarinos de Bausch, tem-se um exemplo da sensibilidade e curiosidade da coreógrafa:

Pina trabalha sempre, até nos momentos aparentemente mais distendidos. Quando estamos sentados à mesa no restaurante, sinto que ela continua a trabalhar, pelo modo como nos olha. Observa a maneira como um de nós mexe o dedo, fixa outro que ri e fala, encanta-se repentinamente com um gesto qualquer. E muitas vezes, escreve, escreve, escreve, escreve... (SUBICZ apud LIMA, 2008, p. 113).

Segundo Carla Lima, Barba Azul foi o divisor de águas na carreira de Pina Bausch, pois foi nesse espetáculo, estreado em 8 de janeiro de 1977, que a coreógrafa começa a delinear seu processo criativo a partir de perguntas a seus bailarinos. A partir de Barba Azul, Pina “demarca o lugar do inconsciente em sua prática, apresentando o sujeito e sua estrutura cindida, no qual coabitam a falta de lógica e a contradição” (LIMA, 2008, p. 35).

As influências na formação de Bausch - Kurt Jooss e os trabalhos norte-americanos de interartes - utilizavam-se das relações humanas, dos movimentos cotidianos e da quebra das fronteiras entre as diferentes formas de arte. A coreógrafa, incorporando essas influências de forma crítica, criou um processo peculiar de trabalho. Segundo Ciane Fernandes, as peças de Bausch “apresentam um caos grupal generalizado, sob certa ordem, favorecendo processo sobre produto e provocando experiências

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inesperadas em dançarinos e plateia” (2007, p. 23). O processo de criação da coreógrafa fundamenta-se em perguntas em que cada intérprete é convidado a reviver cenas e sentimentos da infância, seus medos, suas inseguranças, seus desejos; enfim, cada bailarino é convidado a se apresentar enquanto ser humano.

Lembranças de infância, sonhos, medos, habilidades, amor, como fazer certa coisa, como ensinar outra, memórias de viagens, frases ouvidas em certa situação, frases nunca faladas, enfim, um universo de possibilidades onde a cada intérprete é colocada a necessidade e importância de se revelar enquanto indivíduo capaz de imprimir sua visão pessoal à cena (HOGHE, 1989, p. 08).

Pina explorava a vida privada dos bailarinos transformando-a em material coreográfico. As questões colocadas por Bausch poderiam ser referentes a experiências sensoriais, cinestésicas, das memórias, da mitologia, da religião, do mundo da dança ou da natureza. A intenção era provocar através de um bombardeio de perguntas, suscitando respostas verbais, gestuais ou corporais, que seriam transformadas em sequências coreográficas. Segundo Carla Lima, as perguntas de Pina “lançam os bailarinos no oceano da subjetividade, na pesquisa de si mesmos” (2009, p. 02).

O objetivo da coreógrafa era tocar propositadamente no que amedronta, nas antigas feridas, culpas; nas zonas dolorosas, como chamava Bausch. Segundo Pina, “as coisas mais belas estão quase sempre escondidas. É preciso apanhá-las e cultivá-las e deixá-las crescer bem devagar” (LIMA, 2009, p. 03).

A bailarina Anne Marie Benati relata como se sentiu no início do trabalho com Pina:

Quando principiei a trabalhar nesse gênero de improvisações, era tão duro que às vezes julgava enlouquecer: tinha uma formação clássica, estava habituada a um treino físico cotidiano. Com Pina, pelo contrário, tínhamos que ficar sentados, a pensar e a falar, durante muito tempo que me parecia interminável. Fisicamente, era uma loucura, meu corpo não conseguia aceitar aquela paragem forçada (BENATI apud LIMA, 2009, p. 03).

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O interessante de se comentar em relação ao depoimento dessa bailarina de Bausch é o quanto os intérpretes não estão acostumados a se colocar enquanto pessoas na dança. O “normal” é treinar o físico e não a mente. O Ballet Clássico, por exemplo, é um tipo de dança impessoal, padrão. Não importa o que o bailarino sente ou pensa sobre aquele assunto que está sendo dançado, bem como não existe a participação do bailarino na criação das movimentações. Tudo já vem pronto, definido, é uma dança fechada. Isso, por um lado, é mais fácil, mais seguro, pois o bailarino não precisa se expor, falar a respeito de seus sentimentos.

A dança-teatro de Pina Bausch é um lugar do sujeito, em que o corpo dançante, simultaneamente, reconstrói um passado e inventa um futuro. Essa escrita feita através de movimentos cria uma colcha de retalhos, com presenças e ausências, lembranças e esquecimento, excessos e falta. A coreógrafa elabora suas coreografias sempre considerando “o corpo e o inconsciente como um reservatório de pulsões” (LIMA, 2008, p. 89).

Para Bausch, a consciência corporal aproxima-se mais de uma inconsciência corporal, no sentido de visitar espaços onde o afeto se deu e reviver os sentimentos gerados. Ou seja, elaborar ressignificações. Os caminhos da coreógrafa são sempre pontilhados, abertos, com várias possibilidades de entrada e saída. Nesse processo, os paradoxos, erros, incertezas, experimentações não são sinais de fraqueza, mas sim de que a vida está presente.

Quando lança suas perguntas aos bailarinos, no início de seu processo criativo, raras são as intervenções de Pina. Ela entrega um bom tempo a seus coautores. No início, os bailarinos se perguntavam: “para que perder horas, todos sentados a falar?” (LIMA, 2008, p. 101). Em um segundo momento, o processo centraliza-se na coreógrafa no que se refere à seleção e ordenação do material em cena. Ou seja, Pina faz a composição cênica, definindo o que será apresentado, a ordem, a relação entre as várias imagens, a escolha da trilha, a cenografia e os figurinos.

Dominique Mercy, um dos bailarinos mais antigos da companhia de Bausch, relata:

compreendi que, através desse método, começava a descobrir algo muito importante sobre mim mesmo e sobre minha nova maneira de fazer teatro. Compreendi que, até aí, tinha simplesmente dançado (MERCY apud LIMA, 2008, p. 102).

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Sobre as respostas de seus bailarinos, Pina pensa ser preciso, antes de qualquer coisa, estar em paz com as palavras e, calmamente, deixá-las surgir.

As perguntas feitas pela coreógrafa direcionam-se para aquilo do sujeito que não se mostra com facilidade. Logo, exige trabalho, desprendimento, paciência, insistência; pois existe uma resistência. Segundo Carla Lima, o processo de construção dos espetáculos de Bausch fundamenta-se em “narrativas fragmentadas, apoiadas em associações livres, numa fala aparentemente ilógica” (2008, p. 108).

“O corpo na dança-teatro de Bausch é um corpo carregado de memória e linguagem” (CAMPOS, 2008, p. 02). O passado é trazido à cena através de uma elaboração por parte dos bailarinos. Porém, o que é levado ao público é resultado da criação de Pina, que consegue captar o que há de universal em cada manifestação particular. Daí seu talento em falar do ser humano e de se fazer compreender por diferentes culturas. A coreógrafa preserva a essência dos significados expressos pelos bailarinos no momento de criação dos movimentos, bem como as intensidades pulsionais que geraram aqueles gestos. E capta daquilo, para levar ao palco, o que é comum a todos nós. Sobre Bausch, Laíse Bezerra coloca: “dançarinos como pessoas - esta foi sua maior revolução” (2010, p. 04).

Carla Lima afirma que “o sujeito nasce e é formado, marcado por condições que desconhece, sem nem mesmo saber o fato de estar sendo marcado” (2008, p. 82). Isto é, ele já nasce inserido em um contexto que o precede. Dessa forma, quando se fala em uma dança do sujeito, trata-se de uma dança que carrega influências que existiam antes mesmo desse sujeito. Por essa razão, a dança-teatro de Bausch é considerada um tecer do meio, já que leva em conta o antes, o durante e o depois de cada um.

A dança de Bausch é descodificada, vive em uma zona de indefinição. Tudo pode virar coreografia. Não há o rigor de uma técnica específica, bem como a preocupação em se fazer dança ou teatro. As fronteiras entre as artes é “pontilhada”, permitindo essa interação constante. Segundo Laíse Bezzera (2010, p. 06), “... tudo se passa no entre, assim, não podemos separar o que cabe à dança e o que cabe ao teatro”. O trabalho de Pina consegue articular dança e teatro realizando o imbricamento de ambas as áreas. Mas apesar dessa “deformação”, tanto do teatro como da dança, a coreógrafa consegue preservar a substância inicial dessas artes que não deixam de existir como tal em suas obras.

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Segundo Solange Caldeira:

O Tanztheater de Pina Bausch apresenta uma estética de dança que confronta a significação cultural e histórica de corpos. O corpo é o texto de Bausch. Corpos para ela são documentos com seus assuntos. A escolha de seu elenco é seleção determinante de toda sua produção - pois são os coautores de suas peças. Bausch os escolhe em razão da expressão das histórias de seus corpos individuais e em relação à sua história cultural. Isso talvez explique por que seus vinte e poucos bailarinos são de dezessete nacionalidades diferentes (2008, p. 10).

O que Pina buscava em seus bailarinos, além de disciplina e talento, era personalidade, capacidade de falar de si, de colocar seus sentimentos como matéria-prima de suas criações. Todavia, além da visão de explorar questões da vida de seus intérpretes, havia, nas obras de Pina, outro elemento marcante: a repetição enquanto instrumento estético e construtor de significados.

1.3.2 A Repetição

As coreografias de Pina Bausch mesclam gestos cotidianos e movimentos técnicos. Em vários momentos, os gestos cotidianos, através da incessante repetição, ganham novos significados ou abstrações; não necessariamente relacionados às funções diárias para as quais servem. Isso ocorre não apenas em relação aos gestos utilizados, mas também às palavras eventualmente pronunciadas pelos bailarinos em algumas obras de Bausch. Segundo Ciane Fernandes (2007, p. 28):

Quando um gesto é feito pela primeira vez no palco, ele pode ser (mal) interpretado como uma expressão espontânea. Mas quando o mesmo gesto é repetido várias vezes, ele é claramente exposto como um elemento estético. Nas primeiras repetições, o gesto gradualmente se mostra dissociado de uma fonte emocional espontânea. Eventualmente, as exaustivas repetições provocam sentimentos e experiências em ambos, bailarinos e plateia. Significados são transitórios, emergindo, dissolvendo e sofrendo mutações em meio a repetições.

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A repetição dos gestos é um caminho para a transformação da forma, para a criação de novas e inesperadas sintaxes e para a invenção de novas estéticas. Mas Pina vai além. A coreógrafa faz uso da repetição também como método de inverter os efeitos convencionais atribuídos à mesma. Ou seja: Bausch critica a ideia de que qualquer processo de aprendizagem social formal implique a necessidade de uma disciplina baseada na repetição.

(...) é através da disciplina repetitiva que observamos um disciplinamento dos corpos, e essa disciplinarização é uma das formas sociais que permeiam e dominam maneiras pessoais de percepção e expressão. É através da repetição que há um disciplinamento dos corpos para a utilidade e produtividade (BEZERRA, 2010, p. 06).

No espetáculo Bandoneon (1980), Pina aborda a ideia da “repetição ligada ao erro”, buscando romper com a convenção de que o aprendizado por repetição sempre deve ocorrer para se atingir a perfeição (BEZERRA, 2010, p. 07). Neste mesmo trabalho, a repetição é relacionada “à dor implícita na disciplina e no treinamento corporal”, sendo tratada como dolorosos atos de autocontrole e adestramento (BEZERRA, 2010, p. 07). De acordo com Laise Bezerra, a coreógrafa trata a repetição como algo de natureza controladora sobre corpos reprimidos (2010, p. 07). Ou seja, para Pina, a repetição deveria levar à criação, à transformação, e não ser a simples e mecânica reprodução.

Segundo Ciane Fernandes (2007, p. 30), “através da repetição, a dança-teatro de Bausch contém ambos os interesses: o de Wigman, com a expressão pessoal e psicológica, e o de Jooss, com questões sociais e políticas”. Nas obras de Bausch, o corpo, através da repetição de palavras, gestos e experiências passadas, toma consciência de seu papel enquanto tópico simbólico e social em constante transformação.

Através da repetição, Bausch não apenas expõe a natureza simbólica da dança-teatro, mas também explora o mapa corporal adquirido através da repetição desde a infância. Seus dançarinos frequentemente repetem em cena momentos daquela fase de suas vidas, mostrando como incorporaram padrões sociais. Em outras palavras, eles repetem os momentos nos quais começaram a repetir movimentos e comportamentos de outras pessoas (FERNANDES, 2007, p. 30).

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Recordação e repetição são então dois recursos fundamentais nas obras de Pina Bausch, desde o processo de criação dos trabalhos até a composição da cena final que irá para o palco. Segundo Márcia de Campos, concordando com a proposta de Pina,

a repetição característica da pulsão da vida é a repetição diferencial, que ao contrário da reprodução, da qual resultaria um estereótipo, torna-se uma fonte de constantes transformações (2008, p. 06).

Clarificando, a repetição aparece nas obras de Bausch de diferentes formas:

− No processo de criação, em que as respostas dos bailarinos às questões propostas por Pina são, de certa forma, reconstruções (repetições) de experiências passadas, atualizadas no presente.

− A repetição é um método utilizado pela coreógrafa para transformar esse material fornecido pelos bailarinos em uma forma estética que constrói o produto artístico com base nos registros das singularidades. Segundo Letícia Rodrigues, “o material colhido das improvisações é obsessivamente repetido, gerando sequências que são organizadas através de procedimentos de recortes e colagem, gerando uma interpretação baseada na transitoriedade do significado atribuído aos gestos” (2009, p. 03).

− A repetição é utilizada como recurso cênico, através de cenas que se repetem durante o espetáculo, exatamente iguais ou modificadas, mas remetendo a um momento anterior.

− Por fim, a repetição aparece na escolha dos temas abordados nas obras: relações humanas, masculino e feminino, infância, amor; como se, de certo modo, cada obra fosse uma releitura ou um complemento da peça anterior.

Ciane Fernandes (2007, p. 46) coloca que:

No processo criativo de Bausch, a repetição não confirma nem nega os vocabulários impostos nos corpos dançantes. Ao invés disso, é usada precisamente para desarranjar tais construções gestuais da técnica ou da própria sociedade. A repetição torna-se um instrumento criativo através do qual os dançarinos reconstroem,

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desestabilizam e transformam suas próprias histórias enquanto corpos estéticos e sociais.

Penso ser interessante comentar que o Ballet Clássico é um estilo de dança que também usa muito a repetição: nos movimentos, no treinamento, na construção de enredos. Os movimentos são padronizados, o treinamento tem nomenclatura específica, os exercícios e formatos de aulas são parecidos, as histórias sempre envolvem o bem, com o príncipe, o bom moço e a princesa; e o mal, com bruxas, feitiços, mortes. Porém, parece-me que a repetição, nesse caso, não tem o objetivo de desconstruir padrões estéticos e sociais, mas sim reforçá-los. E soma-se a isso o fato de que as experiências passadas dos bailarinos – vivências, sentimentos e desejos – não fazem parte do processo criativo, bem como do trabalho final.

Entre as razões para a resistência dos bailarinos ao trabalho de Bausch, está justamente este método usado pela coreógrafa, em que há uma valorização não apenas do desempenho técnico, mas principalmente das individualidades e especificidades de cada um.

Segundo Fabio Cypriano (2005, p. 27):

... trabalhar com Bausch é um exercício de autoanálise, algo dificilmente compreendido pelos artistas da época. Estes foram treinados em técnicas como o Ballet Clássico, em que os dançarinos incorporam personagens, geralmente estereotipados. Bausch, ao contrário, expõe no palco os bailarinos em sua fragilidade mais aparente, em suas próprias personalidades, e não como performers que representam tecnicamente um papel.

Além da personalidade e da capacidade de expor seus sentimentos, Pina também provocou um rompimento com o virtuosismo tradicional do corpo na dança. Para ela, não era o mensurável o mais importante. Ou seja, não são quantos giros o bailarino consegue dar, ou o quanto ele eleva a perna ou a altura do seu salto que o torna um intérprete interessante para os trabalhos de Bausch. A coreógrafa valorizava a sensibilidade, a capacidade de doação e coragem de se expor dos bailarinos.

Ainda sobre a repetição, cabe comentar brevemente o que coloca Deleuze. Repetir não é, para este autor, generalidade; ou seja, fazer tudo igual. Quando um conceito estabelece uma generalidade, ele poderá sofrer algumas substituições particulares e não deixará de ser generalidade.

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A repetição, segundo Deleuze, é fundada na ideia de ser uma conduta necessária, insubstituível e singular. A alma entra nesse critério; “não há possibilidade de trocar de alma” (DELEUZE, 2006, p. 20).

Repetir é atuar em relação a algo único, que não tem semelhança. Repete o singular, o original, e esta é uma característica da obra de arte. Nesse sentido, cada vez que se apresenta uma coreografia, é uma repetição, mas única, original, pois esse processo não envolve só a cabeça, mas também a alma, que é o “objeto amoroso da repetição” (DELEUZE, 2006, p. 20). Isso torna a repetição uma transgressão, não uma generalidade. Revela uma realidade mais profunda e artística. A generalidade relaciona-se com as leis e a repetição, com a alma. Não é propósito deste trabalho desenvolver os conceitos desse autor tão complexo e importante dentro das áreas estudadas, mas trazer algumas de suas reflexões tão oportunas.

Nos dicionários de língua portuguesa, a definição de “repetir” ou “repetição” vem associada a “fazer novamente”, “imitar”, “reproduzir”. Mas a pergunta que fica, com base nas reflexões propostas por Deleuze, é: se considerarmos que cada um possui múltiplas vozes que formam seu modo de ser e agir, é possível alguém repetir exatamente o que outro fez? Se pensarmos na ação isolada, sim. Por exemplo: dois bailarinos podem fazer a mesma sequência coreográfica criada por Bausch. O que a coreógrafa quer e valoriza é justamente uma repetição que vai além de simplesmente executar os mesmos passos, mas sim colocar naquilo que outro fez o que é seu. Dessa forma, se pensarmos a repetição em termos de “alma”, considerando que toda ação tem uma parcela de individualidade, de particularidade que é diferente em cada um, penso que seja coerente dizer que não existe a repetição total, mas apenas a parcial, ligada ao ato, à ação em si.

Essa constatação pode servir para qualquer ação. Porém, considerando a prática da dança, no momento que um movimento passa de um corpo para outro, a repetição já está contaminada por toda a bagagem do corpo que vai repetir possui. Essa contaminação é inevitável já que, na dança, o corpo é o instrumento dessa arte. O mesmo corpo que sofre, come, dorme, lê, relaciona-se com as pessoas é o corpo dançante.

Percebo que algumas modalidades de dança tentam anular essa parcela da repetição que é resultado das individualidades. No Ballet Clássico ou no Sapateado Irlandês, existe a busca pela padronização dos corpos a tal ponto que a repetição deve ser ao máximo focada na ação, no movimento de simplesmente reproduzir algo. Não deve aparecer o

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que cada bailarino sente ou pensa sobre o que está fazendo. Na Dança Moderna e Contemporânea, especialmente na dança de Pina Bausch, ocorre justamente o contrário. Os movimentos são meios de expressão das individualidades. O bailarino é convidado a repetir a ação, com suas particularidades não sendo necessariamente deixadas de lado.

Pina desenvolveu, então, sua dança sob dois pilares fundamentais: o sujeito em constante transformação, com fragilidades e sentimentos, resultado de um contexto sociocultural e inúmeras influências; e a repetição, enquanto recurso criativo e estético. Suas perguntas buscavam esse sujeito único, convidando-o a “repetir” sua história através da dança.

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2 A PSICANÁLISE DE FREUD

2.1 FREUD TENTA EXPLICAR

Os problemas mentais sempre foram alvo de curiosidade, medo, magia e mistério dentro das mais diversas culturas e sociedades, desde os primórdios da história humana. Os métodos empregados para entender a mente, a doença ou a loucura percorreram uma longa trajetória, desde as investigações através de trepanações cerebrais, exorcismos, bruxarias, benzeduras e os mais diversos rituais; até tratamentos que incluíam prisões, masmorras, porões, correntes e maus-tratos de todos os tipos.

Em 1789, período marcado por revoluções de pensamentos e condutas, especialmente na França, dois psiquiatras, Pinel e Esquirol, provocaram uma importante reforma na visão do tratamento dos doentes mentais. Retiraram os grilhões e correntes usados para conter a loucura e humanizaram, de uma forma mais ampla, o atendimento hospitalar psiquiátrico.

A Medicina, até meados do século XIX, era quase que exclusivamente voltada aos aspectos orgânicos e biológicos do ser humano. As formas de pensar e sentir a vida ficavam a cargo dos filósofos. Os chamados neuropsiquiatras tentavam o uso de medicações naturais, hidroterapias, choques insulínicos e outros métodos que pudessem auxiliar no alívio do sofrimento de seus pacientes.

A origem da palavra Psicanálise vem de “psi”, do grego, que significa sopro, sopro da vida, alma, sede dos pensamentos, emoções, desejos. Ou seja: a parte “imaterial do ser” (BARROS, 2003, p. 18). A Medicina começa, então, a preocupar-se em tratar também os males que não estão no corpo físico.

Nesse mesmo período, um famoso neurologista francês chamado Charcot iniciou um trabalho novo para controlar as crises de seus pacientes: a hipnose. Suas brilhantes descobertas feitas em Paris chegaram aos ouvidos de um jovem médico austríaco, interessado em pesquisas da área neuropsiquiátrica: Sigmund Freud.

Freud, considerado o criador da Psicanálise, nasceu em Freiberg, hoje Pribor, na República Tcheca, em 6 de maio de 1856. Quando tinha quatro anos, mudou-se com a família para Viena, onde viveu quase toda a sua vida. Seu pai era um comerciante de lã e têxteis. Sua mãe era a segunda esposa do pai, sendo vinte anos mais jovem que o marido.

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Desse casamento, nasceram sete filhos, dos quais Freud era o mais velho e o preferido da mãe.

De acordo com Zimerman (2001, p. 157), “Freud concluiu com brilhantismo seu curso médico, aos 25 anos, na Universidade de Viena, tendo feito um longo aprendizado em neurologia...”. Segundo Greenson (1981, p. 8), Freud

... tinha um dom para o raciocínio teórico e imaginativo: misturava ambos para relacionar a técnica às descobertas clínicas e aos processos terapêuticos. Felizmente, Freud possuía aquela complexa combinação de temperamento e traços de caráter que fizeram dele um conquistador, um “aventureiro” da mente e um pesquisador científico cuidadoso. Ele teve a audácia e a inventividade para explorar, entusiástica e criativamente, regiões novas na mente. Quando a experiência demonstrava estar errada, ele tinha a humildade de mudar sua técnica e teoria.

Freud já havia entrado em contato com o método da hipnose, através de relatos e trocas de experiências feitas com J. Breuer, outro neurologista interessado no estudo da histeria. O relato do caso de Ana O., que ficou famoso na história da investigação psicanalítica, instigou mais ainda a curiosidade e o interesse científico de Freud. Aprendeu a técnica do hipnotismo e tentou utilizá-la durante algum tempo. Mas, como não estava satisfeito com os resultados, começou a tentar, junto com seus pacientes, um acesso ao passado através de uma fala de certa forma induzida por ele.

Um dia, uma paciente, Elisabeth Von R., solicitou que ele a deixasse falar livremente, sem pressões de qualquer tipo nesse momento. Freud percebeu a importância de deixar o paciente falar livremente, de forma espontânea. Chamou esse processo de associação livre e descobriu que a resistência a lembranças do passado provinha de repressões que proibiam a recordação desses fatos. Não poderiam ser lembrados traumas, acontecimentos que realmente tivessem ocorrido, em especial na área da sexualidade, como também era proibido pela repressão lembrar fantasias existentes no passado, que pudessem causar sofrimento.

Tudo isso provocou uma mudança fundamental no estudo da mente, estabelecendo-se os primórdios do conceito de inconsciente, instância em que se instalava a luta entre as pressões instintivas e repressoras, provocando o conflito psíquico e, consequentemente, o sintoma. Em 1900, Freud publica o livro A interpretação dos sonhos,

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em que tenta conferir um tratamento científico à interpretação onírica, aspecto fundamental para a consolidação da teoria psicanalítica.

Como destaca Zimerman (1999, p. 44), esse livro representa um marco para a Psicanálise, já que abrange aspectos pioneiros no estudo dos sonhos, permitindo que neles se percebessem os acontecimentos recentes (restos diurnos) e antigos (conteúdo latente dos sonhos). Freud constatou também, pelo exame dos sonhos de seus pacientes, a presença da sexualidade infantil e de manifestações do conflito edípico, definindo o sonho como um caminho precioso de acesso ao inconsciente, através da interpretação, que veio a se tornar um dos mais importantes pilares da técnica psicanalítica.

Freud põe em xeque a noção de consciência. Com ele, postula-se uma nova questão: a da consciência como embuste, ilusão. Até as pesquisas freudianas, o inconsciente era apenas o não consciente. É Freud quem dá provas da existência positiva de um inconsciente dotado de qualidades próprias que permitem defini-lo. Freud fala de três termos quando descreve os fenômenos mentais, como fazendo parte do aparelho psíquico. São eles: o consciente, o pré-consciente e o inconsciente. Denomina de inconsciente o processo psíquico cuja existência, segundo ele, é-se obrigado a supor e que está sendo ativado no momento, embora no momento não se saiba nada a seu respeito. Considera que a maioria dos processos conscientes são conscientes apenas num curto espaço de tempo. Demonstra, por exemplo, que, nos lapsos de língua, há uma intenção inconsciente que não foi levada a cabo. Ao inconsciente que está apenas latente e que, portanto, facilmente pode tornar-se consciente, chama de pré-consciente.

Freud constatou que os fenômenos mentais não poderiam ser explicados somente através da consciência. Havia cadeias de associações repletas de lacunas que, pressupôs, poderiam conter lembranças reprimidas. Empregou pela primeira vez a palavra “inconsciente” em uma nota de rodapé, no caso de Emmy von N. em que tentava entender os problemas mentais através da neurologia.

Freud procura explicar as razões de atitudes ou palavras produzidas, aparentemente, sem sentido. Chama a atenção para as parapraxias, como os lapsos de linguagem, para os sonhos e os sintomas das doenças mentais. Salientou que a consciência contém apenas uma pequena porção do conteúdo mental e que a maioria dos conteúdos se encontra em estado inconsciente. O ponto crucial é que os pensamentos latentes possuem características estranhas à consciência, têm leis próprias e constituem um sistema separado, operando à base de outros princípios que não os dos elementos conscientes.

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A interpretação de uma ideia reprimida proposta pelo analista poderá ser registrada no pré-consciente do paciente, não desencadeando reação emocional alguma. Provavelmente, não remova a repressão existente. Só ocorrerá, segundo Freud, alguma modificação, se houver uma ligação entre os aspectos inconscientes dessa ideia com os pré-conscientes.

Continuando a análise das características do inconsciente, Freud o descreve como o local de impulsos em busca de libertação, que, mesmo contraditórios, não influenciam um ao outro. Acredita não existirem negação, dúvida ou graus de incerteza no inconsciente. A atemporalidade é outra característica do inconsciente que se desloca entre passado, presente e futuro.

Segundo Greenson (1981, p. 9), “não há uma data exata para a descoberta da associação livre”. Para esse autor, o método foi se desenvolvendo aos poucos entre os anos de 1892 e 1896, quando, gradualmente, a hipnose foi sendo abandonada. A associação livre passou a ser um importante meio de permitir que os pensamentos involuntários do paciente entrassem na situação terapêutica.

Freud descreve a aplicação da associação livre da seguinte forma:

Sem exercer qualquer outro tipo de influência, ele convida os pacientes a se deitarem confortavelmente num divã enquanto ele próprio se senta numa cadeira que fica por trás do paciente, fora do seu campo de visão. Ele nem mesmo lhes pede que fechem os olhos e evita tocá-los de qualquer forma evitando também qualquer outro procedimento que pudesse lembrar a hipnose. A sessão então se desenrola como uma conversa entre duas pessoas igualmente acordadas, mas uma delas é poupada de qualquer esforço muscular e de qualquer impressão sensorial, dispersiva que poderia desviar sua atenção de sua própria atividade mental. A fim de assegurar estas ideias e associações, ele pede ao paciente que “se deixe levar” naquilo que está dizendo, “como você faria numa conversa em que estivesse falando casualmente, muito desligado e sem pensar” (FREUD apud GREENSON, 1981, p. 10).

O método de livre associação criado por Freud, e até hoje empregado na terapia psicanalítica, tem a intenção de estimular o paciente a dizer o que lhe vem à mente, escapando da censura - repressão, negação ou projeção, etc. - acionada pelo ego inconsciente, com vistas a impedir

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o acesso do paciente e do analista ao latente doloroso do discurso do analisado. No tratamento, interpretação é a comunicação feita ao paciente pelo terapeuta com vistas a facilitar o seu acesso ao sentido latente, segundo a técnica e o momento do tratamento. Embora a interpretação, como parte da técnica psicanalítica, já esteja presente desde o início da Psicanálise, ela só foi denominada e delimitada mais tarde, quando a técnica começou a se definir e a interpretação assumiu o papel de principal ação terapêutica.

Sobre o conceito de interpretação, Zimerman coloca:

... nos trabalhos de Freud sobre técnica psicanalítica, interpretar aparece como uma forma de o analista explicar o significado de um desejo inconsciente que surja através de sonhos, lapsos, atos falhos, alguma resistência e na associação de idéias contidas no discurso do analisando. (2001, p. 220-221).

Inúmeros artigos, livros e estudos já foram realizados sobre interpretação em Psicanálise. Valeria salientar que o processo de interpretação não abrange o conjunto de intervenções do analista no tratamento, como estímulo para falar, tranquilização, explicações de mecanismos ou símbolos, construções, assinalamentos ou confrontações, apesar da compreensão de que todas essas formas possam assumir, no contexto da situação analítica, um valor interpretativo.

Nesse sentido, o analista passa a ser o leitor do discurso do seu paciente, capaz de, junto com ele, contextualizar o que está sendo dito e de, no decorrer da sessão, retirar do texto apresentado, as hipóteses interpretativas. Após os estudos de Freud, de um século atrás, outros autores psicanalíticos, médicos e fisiologistas acrescentaram importantes descobertas ao processo do sonho, entretanto estes conceitos iniciais foram e são fundamentais para interpretação dos sonhos, durante uma análise, até hoje.

Em síntese, para a Psicanálise, o inconsciente se expressa na fala independentemente da vontade do sujeito e além do seu conhecimento consciente. A pessoa diz mais do que pensa e do que quer dizer. A fala tem a característica de ser inevitavelmente ambígua, sendo um modo da verdade do inconsciente se revelar e se ocultar ao mesmo tempo. É o inconsciente de um paciente sendo decodificado pelo outro, o do terapeuta, através dos registros de seu inconsciente, ambos formados por inúmeras vozes que constituem a história de cada um.

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A função do analista é, sobretudo, permitir que a situação analítica se desenvolva, devendo, para isso, escutar cuidadosamente as associações do paciente, observando sua conduta e percebendo suas próprias reações. Isso não significa que o analista deva permanecer silencioso durante toda a sessão. É importante que transmita, em suas intervenções e interpretações, uma atmosfera de tolerância e um estímulo afetuoso para que o paciente expresse tudo o que lhe vier à mente.

Sabe-se que isso, no entanto, não é o suficiente, já que o paciente, em maior ou menor grau, manifesta alguma resistência em relação à regressão provocada pelo processo analítico. Caso o analista perceba um aumento no nível de resistência como, por exemplo, quando o paciente deixa de falar ou ocupa a análise só com sonhos, ou ainda demonstra qualquer um dos muitos e diferentes signos de resistência reconhecíveis, esse então deve ser o mais importante foco do trabalho analítico, até que se possa interpretar aquele momento da terapia.

2.2 O PROCESSO PSICANALÍTICO

A cura pela palavra, ou seja, a possibilidade de tratar doenças através do diálogo, foi criada, conforme já citei no item anterior, por Sigmund Freud no final do século XIX. Em 1896, Freud utilizou, pela primeira vez, o termo “psico-análise”, isto é, conversas “com alma” (psique). O jovem médico sistematizou o uso do diálogo com o objetivo de minorar sofrimentos e perturbações mentais.

A terapia psicanalítica tem como principal objetivo desfazer as causas da neurose. Em outras palavras: procura descobrir e solucionar os conflitos neuróticos do paciente, de forma que aspectos inconscientes que ficaram excluídos do processo de amadurecimento possam se tornar conscientes. Esse pode ser um processo extremamente doloroso para o paciente, pois é necessário reviver e relembrar sentimentos, sensações e situações traumáticas. Conforme colocado anteriormente, para que o analista tenha acesso a esse conteúdo inconsciente do paciente, faz-se uso da associação livre, considerada o método fundamental da psicanálise, também chamada “regra básica” (GREENSON, 1981, p. 27).

Quando o paciente, sofrendo de uma neurose, procura tratamento psicanalítico com o desejo consciente de mudar alguma coisa, existem forças inconscientes dentro dele que vão contra essa mudança. A essas forças dá-se o nome de resistências. Durante o tratamento, o paciente irá

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repetir as mesmas manobras defensivas que realiza em sua vida. A análise dessas resistências é o que a técnica psicanalítica busca em primeiro lugar.

Segundo GREENSON (1981, p. 40),

O termo “analisar” é uma expressão compacta que abrange aquelas técnicas que aumentam a compreensão interna. Em geral, inclui quatro procedimentos diferentes: confrontação, esclarecimento, interpretação e elaboração (working through). [...] O procedimento analítico mais importante é a interpretação; todos os outros procedimentos estão a ela subordinados, teórica e praticamente. Todos os procedimentos analíticos ou são medidas que levam a uma interpretação ou medidas que tornam eficiente uma interpretação.

A associação livre é, então, um dos métodos fundamentais para se

alcançar uma interpretação eficiente dos conflitos trazidos pelo paciente. Greenson (1981, p. 35) afirma que “a associação livre tem prioridade sobre todos os outros meios de produção de material na situação analítica”. O paciente é convidado a associar livremente durante toda a consulta, mas pode também relatar sonhos e acontecimentos da sua vida cotidiana. O analista pede ao paciente que tente deixar as coisas aparecerem e dizê-las sem preocupação com lógica, ordem, vergonha, censura. A “regra” é deixar as coisas virem à mente. Para conseguir isso, o paciente precisa suportar a incerteza, a ansiedade, a depressão, as frustrações e humilhações que podem surgir no decorrer de sua fala. Porém, é crucial que o paciente se deixe levar por suas emoções durante a sessão psicanalítica para que seu discurso possa ser uma experiência genuína.

Para poder chegar mais perto da associação livre, o paciente deve ser capaz de abandonar seu contato com a realidade, parcial e temporariamente. Mas deve ser capaz de dar informação precisa, de recordar e de ser compreensível. Deve ser capaz de oscilar entre o raciocínio do processo primário. Esperamos que ele se deixe levar pelas suas fantasias, comunicá-las o melhor que puder, com palavras e sentimentos que poderão ser entendidos pelo analista. [...] Exigimos do paciente que seja capaz de ouvir e entender nossas intervenções e também associar livremente sobre o que dissemos (GREENSON, 1981, p. 403).

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O processo psicanalítico, em resumo, através da associação livre e da interpretação, busca produzir modificações duradouras no interior do paciente. Para tanto, busca-se tornar conscientes os conteúdos inconscientes. Porém, apenas essa tomada de consciência não é suficiente para provocar mudanças fundamentais no interior do paciente. É preciso que ocorra a elaboração desses conflitos.

Segundo Sandler, o conceito clínico de elaboração foi introduzido por Freud em um trabalho sobre “Recordar, repetir e elaborar” em 1914. O autor coloca que:

Aí Freud assinalou que o objetivo do tratamento, durante a primeira fase da psicanálise, tinha sido a recordação do acontecimento traumático patogênico [...], e a ab-reação do afeto representado, associado àquele acontecimento. Com o abandono da hipnose, a tarefa terapêutica passou a ser a de recuperar o conteúdo mental esquecido significativo e os afetos a ele ligados mediante as associações livres do paciente, e isso exigia “dispêndio de trabalho” por parte do paciente por causa de suas resistências contra o afloramento daquilo que estava reprimido (SANDLER, 1976, p. 111).

Através da recordação de situações traumáticas, o paciente busca “repetir” lembranças e sensações importantes para o trabalho analítico. E, ao interpretar as resistências que o paciente desenvolveu para efetuar essas recordações, o analista tem por objetivo mostrar como o passado se repete no presente. Porém, cabe salientar que mesmo que o analista traga às claras as resistências e as mostre ao paciente, isso não é suficiente para o tratamento progredir. É necessário que o paciente entenda como essas situações mal resolvidas no passado se repetem no presente de forma semelhante.

Assim, para Freud, a “elaboração” representava o trabalho que se faz necessário (tanto para o analista como para o paciente) a fim de superar as resistências à mudança, devidas estas principalmente à tendência das pulsões instintuais de se apegarem a padrões habituais de descarga. A elaboração representava o trabalho analítico que se somava ao trabalho requerido para desvendar os conflitos e as resistências. A compreensão interna profunda (insight) intelectual sem a elaboração não era considerada

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suficiente para a tarefa terapêutica, pois que persistiria a tendência de os padrões anteriores de funcionamento se repetirem segundo suas formas habituais (SANDLER, 1976, p. 112-113).

O objetivo da elaboração é efetivar a compreensão interna, ou seja, provocar mudanças significativas e duradouras no paciente. O analista tem o papel de estruturar e articular o material produzido pelo paciente, de forma a identificar as resistências que se repetem ao longo dos acontecimentos e que impedem a compreensão interna para gerar mudanças. E, mais importante: fazer com que o paciente identifique essas resistências também e, assim, consiga adotar um novo comportamento.

Freud costumava considerar a elaboração, tanto a realizada espontaneamente como a resultante da análise, como um trabalho psíquico. O trabalho consistia em transformar e transmitir as energias recebidas pelo aparelho psíquico. A forma de dominar a energia psíquica, para Freud, era ligando-a a representações. Nesta forma de ver, a elaboração transforma uma quantidade física de energia psíquica em qualidade psíquica. Ou seja, ligando determinado afeto à outra representação, nova, esse afeto poderá entrar no psiquismo, adquirindo novos sentidos.

Para ilustrar o processo de elaboração, pensemos em uma menina que desenvolveu uma competição inconsciente com a irmã mais velha, que via como preferida da mãe, mais bonita, mais inteligente. Ao entrar para escola de dança sentia-se uma perdedora, incapaz de ser admirada e de também competir. Ela nunca seria a bailarina principal. A convivência com colegas e, pela ação paciente da professora, começou a destacar-se em algumas coreografias, sentindo-se bonita e amada. Em outras, tinha uma posição secundária, como outras colegas, que enfrentavam isso naturalmente. Aos poucos foi percebendo que poderia ser amada e admirada em algumas situações, sendo a fonte de atenção, como poderia ficar em uma posição secundária em outras situações e continuar sentindo-se querida, fazendo parte do grupo. Essa elaboração transformou uma energia psíquica causadora de sofrimento, presente na relação com a irmã, pela ligação em uma nova representação, surgida com “as irmãs” do grupo de dança. Tornou-se mais amigável, mais alegre e criativa. Melhorou a relação com a irmã mais velha e, principalmente, consigo mesma.

A elaboração, segundo Sandler (1976, p. 115), pode ocorrer fora da sessão analítica. O autor coloca que a elaboração “é o tempo necessário ao real experimentar e reexperimentar, em termos intelectuais assim como

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afetivos, de modo a efetuar-se a modificação construtiva”. Em síntese, a elaboração busca “educar” o paciente no sentido de reconhecer onde um determinado conflito ou uma determinada neurose repete-se em diferentes situações de sua vida. E, a partir disso, tentar agir de outra forma.

2.3 OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES

Para falar de Psicanálise, alguns conceitos devem ser esclarecidos visando melhor compreensão do assunto, bem como para posterior relação com a obra de Pina Bausch. Nos itens anteriores deste capítulo, abordei os conceitos de associação livre, interpretação e elaboração. Somam-se a esses elementos, outros pilares que constroem a prática psicanalítica. Inicio trazendo a questão do silêncio na sessão terapêutica. Conforme já comentei, o terapeuta fica em silêncio para deixar o paciente falar. E quando o paciente silencia? O que isso pode representar?

Segundo Zimerman, o silêncio por parte do paciente pode demonstrar uma dificuldade de expressar seus sentimentos com palavras. Para o autor, “ao lado de uma manifestação resistencial, o silêncio também exerce uma importante função de comunicação não verbal na interação analista-analisando” (1999, p. 369). Logo, o paciente silencioso não deve ser simplesmente considerado como resistente à análise, apesar de que um silêncio demasiado extenso pode significar um obstáculo a ser vencido para o desenvolvimento do tratamento.

Outra possível causa do silêncio do paciente trazida por Zimerman é a elaboração dos insights. Segundo ele, em alguns casos, em momentos mais adiantados da análise, “ocorriam pausas silenciosas prolongadas que correspondiam a um movimento interno de elaboração de insights parciais...” (1999, p. 370). Ou seja, o paciente cala para falar por dentro, refletir, compreender o que está sendo tratado.

A comunicação não verbal na situação psicanalítica pode ser considerada tão importante quanto o discurso verbal. Existem emoções que as palavras não expressam. Cabe ao terapeuta saber reconhecer essa outra forma de linguagem, decodificando as mensagens implícitas no que está atrás do verbo ou do silêncio. As expressões faciais, o modo de sentar, os gestos, a roupa; tudo é comunicação. Soma-se a isso a forma de falar, levando em conta alternâncias na intensidade e timbre de voz.

Outro conceito que julgo importante trazer é o de transferência. A relação paciente e analista apresenta uma série de características

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peculiares. Uma delas é o fenômeno da transferência que, segundo Zimerman, representa:

... o conjunto de todas as formas pelas quais o paciente vivencia com a pessoa do psicanalista, na experiência emocional da relação analítica, todas as “representações” que ele tem do seu próprio self, as “relações objetais” que habitam o seu psiquismo e os conteúdos psíquicos que estão organizados como “fantasias inconscientes”, com as respectivas distorções perceptivas, de modo a permitir “interpretações” do psicanalista, as quais possibilitem a integração do presente com o passado, o imaginário com o real, o inconsciente com o consciente” (1999, p. 331).

Na transferência, o paciente coloca no analista sentimentos e situações traumáticas de forma que possa revivê-las e elaborá-las. Para Greenson, a característica principal da relação transferencial é o fato da “vivência de sentimentos - em relação a uma pessoa - que não está endereçada àquela pessoa e que, na verdade, está à outra” (1981, p. 168). Ou seja, uma determinada pessoa no presente, que no caso da situação terapêutica é o analista, é reativada como se fosse uma pessoa do passado, com a qual o paciente possui questões ou conflitos a serem resolvidos. Greenson coloca ainda que “a transferência é uma repetição, uma nova edição de um relacionamento objetal antigo” (1981, p. 168).

Na relação transferencial, o paciente coloca inconscientemente o analista no lugar de alguma outra pessoa, com o objetivo de reviver uma determinada situação traumática e, a partir daí, tentar elaborá-la. Para Sandler, esse fenômeno caracteriza-se por “toda uma série de experiências psicológicas” que são revividas, “não como pertencente ao passado, mas aplicada à pessoa do médico, no momento atual” (1976, p. 34). Por exemplo, o paciente que possui muita raiva do chefe transfere esse sentimento para o terapeuta com a finalidade de elaborar esse conflito ao invés de brigar no trabalho.

Um terceiro conceito que constitui um dos pilares da Psicanálise é o de setting. Para que o tratamento psicanalítico ocorra de maneira adequada e eficiente, é necessária a criação de um ambiente favorável, com regras e combinações claras entre paciente e terapeuta. Para Zimerman, setting pode ser conceituado como “a soma de todos os procedimentos que organizam, normatizam e possibilitam o processo psicanalítico” (1999, p. 301). Isso é, corresponde às atitudes contidas no contrato analítico, bem como àquelas

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definidas durante a evolução da análise, como dias e horários das sessões, valor da consulta e período de férias.

O setting é fundamental para que o paciente sinta-se à vontade para trazer seus conflitos, reproduzir antigas e novas experiências emocionais e, estabelecendo o vínculo transferencial, usar a sua parte adulta para crescer. O setting, de maneira geral, é então o cenário da Psicanálise, o espaço e as condições que permitem a situação analítica.

Cabe salientar que a neutralidade do analista é também um fator crucial no tratamento. Freud comparou o terapeuta a um espelho: “o psicanalista deve ser opaco aos seus pacientes e, como um espelho, não mostrar-lhes nada, exceto o que lhes é mostrado” (ZIMERMAN, 1999, p. 296). O analista deve deixar de lado seus valores e critérios de julgamento, para adotar uma postura imparcial diante do paciente. Além disso, informações sobre a vida pessoal do terapeuta não devem fazer parte da situação analítica, já que as mesmas demonstram preferências e pontos de vista. Zimerman afirma que, apesar da neutralidade, o terapeuta pode desenvolver uma relação de afeto com seus pacientes, “desde que ele não fique envolvido nas malhas da patologia...” (1999, p. 297).

Por fim, trago o conceito definido como a pedra angular da prática psicanalítica: a resistência. Inicialmente, a resistência era considerada qualquer obstáculo ao tratamento psicanalítico. Freud afirmou que tudo que interrompe o trabalho analítico é uma resistência. Hoje, esse conceito foi ampliado, sendo que resistência não se restringe apenas ao bloqueio de lembranças penosas, mas também à censura de impulsos inaceitáveis, de natureza sexual, que surgem distorcidos. Existem vários tipos de resistência, mas, de um modo geral:

... a resistência no analisando é conceituada como a resultante de forças, dentro dele, que se opõem ao analista, ou aos processos e procedimentos da análise, isto é, que obstaculizam as funções de recordar, associar, elaborar, bem como o desejo de mudar” (ZIMERMAN, 1999, p. 310).

Quando resistimos a alguma coisa, estamos nos opondo a ela. No caso da situação terapêutica, a resistência compreende todas aquelas forças dentro do analisando que se opõem aos procedimentos da análise. Segundo Greenson, a resistência também dificulta o paciente de “obter e assimilar a compreensão interna” (1981, p. 64), indo contra seu desejo de mudar. Greenson afirma também que “a resistência pode ser consciente,

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pré-consciente ou inconsciente e pode ser expressa por meio de emoções, atitudes, ideias, impulsos, pensamentos, fantasias ou ações” (1981, p. 64).

O que nos faz resistir a determinadas emoções, a certas lembranças e a outras não? Para Sandler, as ideias reprimidas “eram consideradas como sendo “todas de natureza dolorosa, capazes de despertar os afetos de vergonha, de autocensura e de dor física e o sentimento de ser prejudicado” (1976, p. 65). Em outras palavras, a resistência ocorre diante daquelas lembranças penosas, como também contra impulsos inaceitáveis.

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3 METODOLOGIA

A meu ver, escrever sobre arte é algo extremamente subjetivo. A própria escolha pelo trabalho da coreógrafa Pina Bausch já demonstra minha predileção por uma linha de pensamento e uma forma de fazer dança. Já a Psicanálise entrou nesse trabalho como meio de melhor compreender o método de criação bauschiano. Porém, independentemente disso, falar de Psicanálise é falar da mente humana. E aí também existe um alto grau de subjetividade. Dessa forma, esse trabalho é, antes de tudo, autoral; seja na escolha das referências, seja na escolha das citações ou das palavras. Até porque, como refere Sílvio Zamboni, “a discussão, a aceitação, a elaboração dos princípios em arte não são tão formais e organizadas como ocorre nas comunidades científicas” (2006, p. 32).

O presente trabalho consiste em uma pesquisa científica de ordem qualitativa, com metodologia baseada em referenciais teóricos sobre o tema. Procurei fundamentar minha escrita em diversos autores que estudaram sobre ambas as áreas abordadas: a dança de Pina Bausch e a Psicanálise. Meu principal instrumento de pesquisa foi a revisão bibliográfica, através da qual busquei refletir, confrontar, comparar diferentes pontos de vista. Dentro da área da dança de Pina Bausch, alguns dos autores pesquisados foram: Carla Lima, Ciane Fernandes, Fabio Cypriano, Sayonara Pereira e Solange Caldeira. Já na parte sobre Psicanálise, utilizei as obras completas de Sigmund Freud, Carlos Martins de Barros, David Zimerman, Joseph Sandler e Ralph Greenson.

Busquei conceitos-chave da Psicanálise, como visão de sujeito, repetição, associação livre, setting, transferência, resistência e sublimação, para investigar o processo criativo de Pina Bausch. Para tanto, realizei uma breve abordagem da história da dança, do surgimento da dança-teatro, bem como uma análise do processo de criação bauschiano e elementos relacionados ao Wuppertal Tanztheater. Sobre a Psicanálise, fiz um breve histórico de seu surgimento e de características da situação analítica, dando ênfase à associação livre. Por fim, procurei estabelecer as relações entre os dois campos estudados, comparando métodos, processos, dificuldades e objetivos; com a finalidade de responder ao problema da pesquisa: existe semelhança entre o processo criativo bauschiano e o processo psicanalítico no que se refere ao acesso ao inconsciente através da associação livre?

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A pesquisa qualitativa é aquela que busca investigar um determinado universo de significados, com o objetivo de compreender um fenômeno que acontece na realidade social. Segundo Mirian Goldenberg (2004, p. 63), “... é evidente o valor da pesquisa qualitativa para estudar questões difíceis de quantificar, como sentimentos, motivações, crenças e atitudes individuais”. Uwe Flick (2004, p. 34) traz a ideia de que,

... as diferentes formas com as quais os indivíduos revestem de significado os objetos, os eventos, as experiências, etc. formam o ponto de partida central para a pesquisa qualitativa. A reconstrução desses pontos de vista subjetivos torna-se o instrumento para a análise dos mundos sociais.

Nesse viés, este projeto caracteriza-se por uma pesquisa qualitativa, porque investiguei se existem semelhanças entre dois fenômenos sociais de áreas com teorias e práticas distintas: o processo de criação coreográfica de Bausch e o processo psicanalítico. Ainda segundo Zamboni:

Nas ciências exatas é mais fácil se colocarem questões lógicas pertinentes a uma ou várias teorias compatíveis, e se explicar racionalmente o novo conjunto que compõe o novo paradigma. Em arte, os novos parâmetros não podem ser colocados como teses matemáticas, baseadas em dados racionalizáveis, para convencer os indivíduos a aceitarem os novos padrões. (2006, p. 33)

Entre as fontes documentais, utilizei a observação de vídeos de Pina Bausch, disponíveis na Internet. Segundo Marina de Andrade Marconi (2002, p. 88), “a observação ajuda o pesquisador a obter provas a respeito de objetivos sobre os quais os indivíduos não têm consciência, mas que orientam seu comportamento”. Segundo Uwe Flick (2004, p. 166),

dada a forma como cada vez mais as imagens apresentadas na televisão e nos filmes influenciam as realidades cotidianas, a questão sobre o que esses veículos podem nos dizer a respeito da construção social da realidade está ganhando maior importância”.

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Soma-se a esses veículos a Internet, a qual vem ganhando surpreendente força como meio de comunicação e pesquisa. Ou seja, a presente pesquisa lança mão de diversas formas de aceso ao conhecimento do tema proposto, como só poderia ser no atual momento de desenvolvimento da informação.

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4 MENTES BRILHANTES

Arte e Psicanálise são áreas que já há algum tempo são objetos de estudo e relação. O que existe de semelhante ou atraente entre esses dois campos sempre despertou interesse para pesquisas e questionamentos. O louco é mais criativo? Existe relação entre doença mental e criatividade? Grandes artistas, como Van Gogh e Beethoven, eram talentosos em parte por suas mentes “anormais”? Essas e outras questões vêm acompanhando estudos sobre arte e Psicanálise.

Tania Rivera (2002, p. 14) afirma que a arte é uma “maneira disfarçada, sempre desviada” de expressão do inconsciente. O artista aspira a uma autoliberação e, através de sua obra, ele partilha com outros indivíduos que sofrem com a mesma restrição inevitável a seus desejos. As forças pulsionais em jogo na criação artística são as mesmas, segundo Freud, que levam à psiconeurose e à formação de instituições sociais.

Rivera coloca ainda que, para a Psicanálise, o mais importante (mais do que a abordagem de obras artísticas) é “o processo de criação artística, na medida em que convoca e põe em questão a própria concepção psicanalítica do funcionamento psíquico” (2002, p. 30). A ênfase da Psicanálise na questão do desejo talvez seja, da mesma forma que na arte, um convite à deriva, ao movimento, posto que o desejo não se localiza ou nomeia, mas se esquiva sempre e ressurge em outra parte.

Sigmund Freud e Pina Bausch não se conheceram. Ela nasceu no ano seguinte em que ele faleceu. Porém, percebo que ambos possuíam uma grande curiosidade pelo que se passava na mente humana, pelo comportamento das pessoas. Eram dotados de extrema sensibilidade e imaginação. Tinham o desejo de investigar as relações humanas e tudo o que as envolve. Bausch afirmou:

a única coisa que eu fiz todo o tempo foi assistir às pessoas. Eu tenho apenas visto relações humanas, ou tentado vê-las e falar sobre elas. É nisso que eu estou interessada. Não conheço nada mais importante” (FERNANDES, 2007, p. 75).

Pina recebeu de herança uma Psicanálise mais sólida, uma sociedade que buscava valorizar tanto a mente quanto o corpo. Isto é, uma época em que,

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cada vez menos, acreditava-se na dicotomia entre corpo e mente. Nenhuma doença afeta apenas o corpo ou apenas a mente, mas sempre ambos.

Segundo Giselle de Brito:

A dança moderna na Alemanha se desenvolveu principalmente como uma busca por essências que respondessem à grande ansiedade e inquietude características do contexto histórico da Primeira Guerra Mundial e das então recentes elaborações da Psicanálise de Freud. A resposta a esses fatos foi um movimento para dentro. Para os dançarinos, como para toda uma geração de artistas expressionistas, a única verdade viria das emoções internas, já que a realidade não se mostrava confiável (2006, p. 21).

Ferenczi, psicanalista húngaro, associava a cura à devolução ao paciente da capacidade de pensar com originalidade. Segundo Carlos Alberto de Barros, “paciente e terapeuta devem estar disponíveis para a improvisação, abertos para o não pensado e dispostos a criar novas alternativas e possibilidades” (2003, p. 33). Ou seja, a criatividade nos pensamentos e ações era considerada fator importante para a cura dos transtornos mentais. A doença mental vem sempre acompanhada da dificuldade de “fazer diferente”, havendo um fechamento do indivíduo a novas alternativas. Passa a existir um obstáculo entre a pessoa e seu processo criativo.

Uma das principais diferenças entre os homens e os animais é a capacidade de emocionar-se. Essa característica permite aos seres humanos sentir, identificar, negar, expressar as emoções ou defender-se delas. Através das “conversas com alma”, buscava-se a cura pela palavra. Freud demonstrou que o sofrimento psíquico é, de certa forma, criado pela pessoa, mantido por ela, e cultivado como se fosse necessário. E que pode ser curado ou amenizado no ato de conversar.

Freud, em seu artigo O inconsciente, assinala que

é nas lacunas das manifestações conscientes que temos que procurar o caminho do inconsciente, isto é, onde a construção lógica falha é que a verdade do sujeito inconsciente aparece e diz algo sobre o seu desejo (LIMA, 2008, p. 21).

Tanto a Psicanálise como a dança-teatro de Pina Bausch consideram o sujeito não como o sujeito cartesiano, do “penso, logo existo”, mas o

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sujeito que não detém total conhecimento de si, portador de uma verdade inacabada. Freud e Pina consideravam o ser humano como resultado de múltiplas experiências e sentimentos, conscientes ou não. Segundo Carla Lima (2008, p. 41), “o sujeito cartesiano é também produtor de ideias cujo sentido é inequívoco e seguro...”. Ou seja, é um sujeito de certeza.

A Psicanálise, enquanto saber que postula a existência de um sujeito do inconsciente, traz-nos a ideia de que não temos total controle do que pensamos e sentimos. Esse é o sujeito da dúvida, em permanente transformação. E é esse o sujeito convocado por Bausch, o qual “nada no lago obscuro de um saber que não se sabe” (LIMA, 2008, p. 72). É nesse lugar do não saber que Pina busca suas inspirações; no lugar do esquecido, do recalcado, do jogado fora do saber consciente.

Ainda sobre o sujeito comum à Psicanálise e à dança-teatro de Bausch, é importante salientar que o mesmo é considerado como resultado do meio onde nasce, cresce e vive. Todos nós nascemos já inseridos em uma ordem simbólica que antecede a nossa chegada. Ordem essa que já cria meios e possibilidades para a nossa inserção. Desse modo, o sujeito nasce e cresce assujeitado ao contexto. Logo, sua formação, seus valores e experiências terão sempre uma estreita ligação com tudo que o cerca. Segundo Kazuo Ohno, um dos criadores da dança Butoh, “nós carregamos os mortos em nossas costas e eles nos guiam” (LIMA, 2008, p. 83). Somos então um paradoxo, portador do passado e do futuro ao mesmo tempo.

Com base nas características desse sujeito, a dança-teatro de Bausch é chamada de um fazer do meio, pois considera o antes, o durante e o depois; passado, presente e futuro. A meu ver, é possível dizer que o mesmo faz a Psicanálise. O paciente é analisado levando em conta todo o caminho percorrido até então, onde ele está hoje e para onde quer ir.

A dança, enquanto arte, pode ser um meio de expressão dessas experiências e sentimentos do sujeito. Laban afirmou que:

o homem se movimenta a fim de satisfazer uma necessidade. Com sua movimentação tem por objetivo atingir algo que lhe é valioso. Entretanto, há também valores intangíveis que inspiram os movimentos (ALMEIDA, 2009, p. 20).

Pina, assim como a Psicanálise, buscava “extrair” do sujeito esses sentimentos inconscientes, aquelas emoções que residem na falha da consciência. Para conseguir tal tarefa árdua e dolorosa, a coreógrafa, como

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já citei no segundo capítulo deste trabalho, instigava seus bailarinos com perguntas a respeito de suas vidas. Diferentemente da Psicanálise, em que o terapeuta não inicia lançando perguntas, mas deixando o paciente falar o que deseja. No tratamento terapêutico, a “pergunta” encontra-se no ambiente analítico, mas é o paciente que escolhe o assunto a ser abordado.

A associação livre, principal técnica psicanalítica, pode ser considerada também um método utilizado por Pina Bausch no seu processo de criação coreográfica. Apesar de Pina iniciar perguntando e do terapeuta iniciar escutando, tanto em um processo quanto em outro, a busca pelo acesso ao inconsciente ocorre através de uma fala dos bailarinos e do paciente com características comuns: ausência de censura, julgamentos, relações lógicas, ordem cronológica, regras, fórmulas. É uma fala, dentro do possível, sem filtros, é o deixar-se levar. Segundo Márcia de Campos:

A associação livre proposta pela Psicanálise abre caminho para um inconsciente que é estruturado por contiguidade, de forma que, se prestarmos mais atenção, concluiremos que as associações não são tão livres assim, pois percorrem o caminho das representações que foram previamente conectadas e que juntas adquirem um sentido (2008, p. 4).

A Psicanálise apropria-se dessa fala com o objetivo de transformá-la em novos comportamentos, em elaboração. A dança de Pina Bausch quer transformá-la em movimento, em arte. Segundo Hoghe (1989, p 14), Bausch, quando formulava suas perguntas aos bailarinos, salientava que “critérios como certo ou errado não têm agora nenhuma importância”. A coreógrafa dizia aos seus intérpretes: “pense sem preocupações, um pouco assim... como vem” (HOGHE, 1989, p. 14). A meu ver, essa busca pela ausência de restrições na fala dos bailarinos assemelha-se ao discurso do paciente na sessão terapêutica, quando esse coloca em palavras emoções, conflitos e situações diversas. E me parece que Pina concordaria com Freud quando o mesmo afirma que a autocrítica pode impedir que determinados sentimentos se manifestem.

Sendo assim, possivelmente muitos desejos da pessoa poderiam ser sufocados em função de um senso crítico exagerado, o que provavelmente poderia limitar no intérprete a experiência da potencialidade expressiva e criativa (BRITO, 2006, p. 59).

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Julgo interessante comentar que a Psicanálise procura colocar em palavras o que “não pode ser dito”, enquanto que a dança-teatro de Bausch deseja representar imagens, histórias, sentimentos que transcendem as palavras. Isto é: a Psicanálise apropria-se do abstrato para verbalizá-lo, e a dança-teatro de Pina apropria-se da palavra para abstraí-la em movimento, com o objetivo de ampliar o leque de interpretações que podem ser feitas a respeito. A Psicanálise, ao verbalizar a doença mental, o conflito emocional busca selecionar as interpretações que mais servem à melhora do paciente.

Segundo Giselle de Brito, na dança:

O exercício da associação livre parece descolar o sujeito da sua lógica de pensamento deliberada e intencional, jogando-o numa possibilidade de lógica aleatória, sem uma ordem definida. As ideias podem fluir sem a tentativa de se moldar a um raciocínio específico, causando no sujeito um estranhamento em relação à construção de sua lógica mental, pois mesmo não possuindo uma lógica coerente imediata, algum tipo de lógica vai se estabelecendo pelas conexões de aleatoriedade e pela interpretação que se tem delas (2006, p. 55).

A associação livre traz a repetição de emoções e sentimentos vividos em situações passadas. Isso ocorre dentro da sessão analítica, bem como no processo criativo bauschiano quando os bailarinos revivem suas histórias pessoais ao responderem as perguntas da coreógrafa. Dessa forma, penso ser coerente dizer que a repetição é um outro aspecto, além da associação livre, que está presente tanto na Psicanálise quanto na dança-teatro de Bausch.

Segundo Ciane Fernandes (2007, p. 127-128):

Nas obras de Bausch, o futuro não repete nem se afasta do passado, mas segue “trabalhando retroativamente através” dele, transformando-o ao repeti-lo. O conceito de “trabalhando através” foi inicialmente colocado por Sigmund Freud, em contraste aos de “repetição” e de “lembrança”. A repetição ocorre quando o paciente reproduz em suas ações, não em sua memória nem consciência, o passado reprimido e esquecido. Tal comportamento apenas traz mais de si mesmo, mantendo os traumas passados e esquecidos no inconsciente. “Lembrança” é a reprodução de uma situação passada na memória do paciente, o qual sabe que se trata de algo distinto de sua vida atual, sem

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interferir em suas resistências. “Trabalhando através” refere-se a um contínuo processo de viver através das resistências e repressões como num playground, recuperando memórias perdidas e transformando as reações repetitivas em consciência quanto às resistências e seu poder.

Apesar de possuir uma finalidade distinta da Psicanálise, a dança-teatro de Pina Bausch utiliza-se desse mesmo princípio de reconstrução simbólica de experiências dos bailarinos. Segundo Ciane Fernandes, as questões propostas por Pina “instigam a memória emocional e sua transformação em linguagem simbólica” (2007, p. 49). Freud, em seu texto Construções em análise, comparou o trabalho do psicanalista ao do arqueólogo, pois ambos procuram reconstruir algo que se perdeu. “Assim, o analista edifica uma história do sujeito a partir dos restos e lacunas, efetivando a construção do infantil ali onde a rememoração falha” (LIMA, 2009, p. 5).

Percebo que os espetáculos de Pina Bausch também se constroem a partir dessas narrativas fragmentadas, resultantes das associações livres dos bailarinos. Segundo Carla Lima, o processo de criação das obras de Bausch também

se dá a partir dessa estranha urdidura do esquecimento. Assim, a lei do esquecimento se exerce no interior da tessitura de seus espetáculos, construindo narrativas, em torno de algo que escapa (2009, p. 6).

A coreógrafa inicia sua caminhada pelas bordas, delineando o inatingível, dentro do campo das sensações, dos afetos; fazendo uso, não só do movimento, mas também da mesma isca usada na Psicanálise: a palavra.

A associação livre, nas obras de Pina, não se encontra apenas no processo criativo da coreógrafa. O formato dos espetáculos, as temáticas escolhidas e a ordem das cenas demonstram uma nova forma de encenação, caracterizada, muitas vezes, por ações fragmentadas e enredos paralelos. Segundo Patrícia Spindler, Bausch

trabalha com a técnica da colagem com associação livre, em que pequenas cenas ou sequências de movimento são fragmentadas, repetidas, alternadas ou realizadas simultaneamente, sem um definido desenvolvimento na direção de uma conclusão resolutiva (2007, p. 83).

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Eliana Rodrigues Silva afirma que, na obra de Pina, é possível perceber uma “estrutura episódica” aparentemente sem um fio condutor comum, que se encaixa “com a definição da nova narrativa da dança pós-moderna...” (2005, p. 123). A autora acrescenta ainda, indo ao encontro de Spindler, que “estratégias de associação livre entre as cenas, de montagem aleatória, de fragmentação e muita repetição são usadas continuamente” (2005, p. 124).

Dessa mesma forma, acontece a fala do paciente: fragmentada, repetida, alternada. Essa escrita do inconsciente encontra-se então na Psicanálise e na dança-teatro de Pina, elaborada através das associações livres e da repetição de sentimentos e situações passadas. Porém, além do método da associação livre como forma de acesso ao inconsciente, percebo outros fatores comuns na situação psicanalítica e no processo de criação bauschiano. Um deles é a criação de um espaço e combinações que privilegiam e induzem o desenvolvimento do tratamento terapêutico, no caso da Psicanálise; e da criação de movimentos, no caso de Pina. Em ambas as áreas, existe um ambiente facilitador para que o sujeito se entregue como tal, com suas peculiaridades e conflitos. Forma-se o setting ou o palco com características semelhantes para que isso aconteça.

Hoghe (1989, p. 28) afirma que “Pina Bausch cria uma situação de trabalho na qual é possível o ser humano poder reconhecer-se também em seus receios”. Ou seja, como a Psicanálise, a coreógrafa busca um entorno que colabora para que o sujeito apresente-se de forma mais autêntica. Percebo que o “incômodo” provocado pelo setting também é comum tanto na dança-teatro de Bausch quanto na Psicanálise. Da mesma forma que o paciente pode sentir-se constrangido, estranho, temeroso em colocar-se abertamente no tratamento, os bailarinos de Pina sentiam-se, muitas vezes, tensos e incomodados pelo processo de criação da coreógrafa.

Julgo interessante colocar alguns relatos de bailarinos da companhia de Pina Bausch, sobre a dificuldade de trabalhar com a coreógrafa nos primeiros momentos. Dominique Mercy coloca que:

Às vezes, não respondemos porque a pergunta nos toca demasiado, perturba-nos, emociona-nos. Mas sabemos que há sempre uma maneira de ir mais além, mais longe, sabemos que temos que lutar contra esse pudor. Tenho a certeza de que, se Pina nos faz a mesma pergunta mais do que uma vez, em períodos diferentes, é porque intui tudo isso: sabe que nas nossas respostas há sempre uma possibilidade de ir mais fundo, de obter algo que

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anteriormente nos escapou, ou que, por medo de nós próprios, quisemos deixar escapar (MERCY apud LIMA, 2008, p. 104).

O treinamento em dança, comumente feito por exercícios práticos e virtuosismos, acompanhados de suor e fadiga física, no caso de Bausch, são aliados a horas e horas de conversa, escuta, espera, reflexão, silêncio. Mas, de início, como em um tratamento psicanalítico, novos modos de trabalho que exigem um alto grau de exposição do sujeito causam resistências. Quando a coreógrafa começou a criar seus espetáculos a partir de perguntas, Dominique Mercy, bailarino de Pina, questionou: “para que perder horas, todos sentados a falar?” (LIMA, 2008, p. 101).

Do mesmo modo que o analista faz perguntas e conduz uma reflexão dolorosa para o paciente, Bausch provocava seus bailarinos. Suas perguntas direcionam-se para aquilo que do sujeito não se mostra com facilidade; exige trabalho, desprendimento, insistência e coragem. E, como afirma Carla Lima, exige tudo isso “porque há resistência” (2008, p. 104), como existe na situação analítica.

A bailarina Anne Marie Benati coloca:

Durante os ensaios, responder é por vezes difícil, mesmo impossível. É preciso dizer a verdade e não se consegue. Então, o que dizemos soa falso. Quando chega a minha vez, dou por isso, porque sinto logo o entulho no estômago. Sinto a exigência profunda de dizer a verdade, mas escondo-me por detrás de gestos e palavras que não me pertencem. Experimento uma sensação de mal-estar. Isto é, receio que todos deem por isso, Pina em primeiro lugar (Anne Marie Benati apud LIMA, 2008, p. 104).

Josephine Ann Endicott, também bailarina da companhia, relata:

Às vezes temos a impressão que Pina faz sempre as mesmas perguntas. E parece-nos que não aguentamos mais. Um tema proposto frequentemente, por exemplo: “o que se faz quando se está sozinho?”. Depois, no final, percebemos que a formulação é sempre diferente. As respostas variam: de acordo com a atmosfera do espetáculo que se está a ensaiar, segundo o estado de alma de cada um de nós, segundo o nosso grau de disponibilidade,

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segundo o nível de relação que nos liga nesse momento a Pina, aos outros bailarinos e, sobretudo, a nós próprios (Josephine Ann Endicott apud LIMA, 2008, p. 104).

A partir dos depoimentos dos bailarinos, percebo que existia uma resistência dentro deles semelhante à sentida pelo paciente na situação terapêutica. O exercício de recordar momentos dolorosos a partir das perguntas de Bausch era algo penoso e difícil, como acontece na análise. Além disso, Pina apresentava a seus intérpretes um modo de fazer diferente, uma outra forma de criar dança. De certa maneira, é o mesmo papel do terapeuta: descobrir junto com o paciente um novo modo de sentir e fazer as coisas. Esse tipo de mudança, profunda e de valores por demasia enraizados, gera insegurança e medo diante do desconhecido, do novo. E sobre essa busca pelo que surpreende, pelo novo, Pina coloca:

Às vezes só podemos esclarecer algo encarando o que não sabemos. E às vezes as perguntas que fazemos levam a coisas muito antigas, que não procedem só em nossa cultura nem só tratam do aqui e agora. É como se recuperássemos um saber que sempre tivemos, mas que nem sempre é consciente e presente (BAUSCH apud LIMA, 2008, p. 120).

Para José Gil, o método de criação bauschiano faz,

vir à superfície camadas soterradas de emoções e sentimentos que nenhum outro tipo de movimento (Ballet, Dança Moderna: os dois campos de onde em geral vêm os bailarinos de Wuppertal) - consegue alcançar (2009, p. 173).

Pergunto se, possivelmente, os bailarinos estabeleciam com Pina uma relação transferencial, como o paciente com seu analista. Isso, a meu ver, é algo muito particular de cada intérprete e variável conforme o tipo de relação que cada um possuía com a coreógrafa. Todavia, julgo interessante comentar que o fenômeno da transferência, característico da Psicanálise, possui estreita ligação com o ato de repetir, tão utilizado por Pina como método de criação coreográfica. Segundo Sandler, o paciente, na análise, “é obrigado a repetir o material reprimido como uma vivência contemporânea, ao invés de [...] recordá-lo como algo pertencente ao passado” (1976, p. 36). A repetição do passado, sob forma de transferências contemporâneas, era,

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para Freud, consequência da “compulsão a repetir” (SANDLER, 1976, p. 36), como uma tentativa de ressignificar, para chegar a uma nova elaboração.

Se não posso saber o quanto existia de transferência por parte dos bailarinos para a figura de Pina, penso, então, ser coerente dizer que o ato de dançar, de exteriorizar sentimentos passados, de reviver essas emoções no presente através de movimentos são formas de relações transferenciais; não com uma pessoa, mas com uma ação. Ação na qual o intérprete de dança dialoga simultaneamente com três consciências (ou inconsciências): a do coreógrafo, a do público e a sua própria.

Segundo Márcia de Campos:

Uma das marcas da representação é a capacidade de presentificar o passado. A recordação coloca o fato no passado, propõe um distanciamento, enquanto que a repetição atualiza estratos da vida psíquica que não podem ser lembrados, daí serem atuados. A ação é, portanto, uma maneira de lembrar sem se dar conta ou, visto de outra maneira, uma repetição para não esquecer. A memória da infância já não é mais a infância, mas o presente da análise, algo que se apresenta no atual como um nó a ser desatado (2008, p. 4).

Se a transferência não se estabelece somente com a figura de Pina, a ação de transformar sentimentos passados em dança pode ser, de certa forma, um caminho para reviver esses sentimentos. A possibilidade de que isso ocorra se deve ao fato de Pina conceber ao gesto o estatuto de palavra, utilizando-o “com seu potencial de comunicação, conferindo às imagens sensoriais diversas capacidade de gerar significados” (CAMPOS, 2008, p. 4).

Outra possibilidade é a ocorrência do fenômeno da sublimação. Segundo Zimerman,

Freud utilizou esse termo para designar alguma atividade humana bem-sucedida, principalmente no campo artístico, [...] que aparentemente não teria nenhuma relação direta com a sexualidade (2001, p. 396).

A pessoa retira a energia e a capacidade criativa da pulsão sexual e coloca em outra atividade. A arte, no caso da dança para os bailarinos de Bausch, assim como para todos os artistas, pode ser um ato sublimatório. Para Márcia de Campos, a dança é

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entre as manifestações artísticas a que mais se aproxima da satisfação pela via sexual, já que, por utilizar como instrumento o próprio corpo, acaba por encontrar meios de comover a corporeidade (2008, p. 8).

O corpo fala dançando. A questão da neutralidade, da imparcialidade, também é fato

comum no papel de Pina e do analista. Ambos precisam abandonar seus valores e pontos de vista para observar sem vícios e censuras. O terapeuta, de início, escuta; Pina provoca, lança a pergunta-chave. Na situação analítica, é o paciente que fornece a direção do discurso, sendo conduzido pelo analista. É interessante notar que tanto a coreógrafa quanto o terapeuta não sabem exatamente aonde irão chegar. No caso da coreógrafa, segundo José Gil, ela:

tem uma ideia, mas limitada, reduzida quase exclusivamente a significações abstratas. A “hipótese” só se tornará uma ideia (de movimento) quando se desenvolver em associações de sentido, quando se ligar a gestos, quando os gestos e o movimento se exprimirem desde o começo em emoções (2009, p. 174).

Pina não escolhe as perguntas aleatoriamente. Mas quando as lança a seus bailarinos não sabe que caminho irão percorrer. O início da criação de um novo espetáculo sempre é o mais fatigante, pois um território desconhecido começa a ser desvendado. Segundo Hoghe, “mesmo quando ainda não se pode delinear a direção em que a peça irá desenvolver-se, as perguntas buscam - giram em torno de uma coisa determinada” (1989, p. 15). Acredito que a situação analítica tenha um começo semelhante. O terapeuta pode ter uma vaga ideia do diagnóstico do paciente, levantar consigo mesmo algumas suposições, hipóteses interpretativas. Porém, nem ele, nem o próprio paciente sabem ao certo aonde irão chegar com o tratamento.

Mesmo com muitos aspectos semelhantes entre o processo psicanalítico e o processo de criação bauschiano no que se refere ao acesso ao inconsciente - uso da associação livre, resistência, transferência, sublimação e setting - penso que não podemos dizer que a dança-teatro de Pina Bausch possua fim terapêutico. Não só pelo fato de a coreógrafa não possuir formação para tal procedimento, mas também porque sua principal busca é pela arte, pelo movimento que emociona. Todavia, pode acontecer

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de seu modo de trabalhar gerar algum nível de elaboração de um conflito emocional de um de seus bailarinos, por todos esses aspectos comuns à situação terapêutica.

Ilustro esse pensamento com a história, citada por Carlos Vieira (2009), de Olivier Messien, compositor francês, preso em um campo de concentração nazista, no verão de 1940. Frente à morte eminente, forma um quarteto de músicos dentro do campo e compõe uma sinfonia. A estreia ocorre dentro do próprio campo. A música possui notas repletas de agonia e dor, e Messien, dessa maneira, sublima, elabora, converte sua dor em expressão artística, musical. Ele “re-presenta”, torna presente e ressignificado o trauma. Predominam as pulsões de vida, gerando criatividade. É nesse espaço que Pina cria e dança.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que me fez ter vontade de iniciar esta pesquisa foi um incômodo comum. Uma sensação estranha que senti na terapia e na dança-teatro. Um sentimento, ao mesmo tempo, difícil e interessante. Então, resolvi investigar se a Psicanálise e a dança-teatro de Pina Bausch possuíam alguma semelhança no que se refere ao processo criativo bauschiano e o processo psicanalítico, mais especificamente em relação ao acesso ao inconsciente através da associação livre. A meu ver, por sua riqueza e criatividade, a obra de Pina Bausch poderia ser investigada por inúmeras óticas. Escolhi a Psicanálise pelos motivos pessoais já citados e por ser essa uma área também rica e criativa.

Como escreve o filósofo historiador Michel Foucault, “o saber não serve para consolar, ele decepciona, inquieta, secciona, fere” (SPINDLER, 2007, p. 13). E é isso que a Psicanálise e a dança-teatro de Bausch buscam: desmanchar o corpo organizado, a mente quieta. E conseguem. Quando iniciei esta pesquisa, conforme citei, meu problema era investigar se existia semelhança no processo criativo bauschiano e o processo psicanalítico, no que se refere ao acesso ao inconsciente através da associação livre. No decorrer do trabalho, percebi que essa semelhança existe não só na aplicação do exercício da associação livre, mas também em outros aspectos.

O processo de montagem das obras de Pina assemelha-se à situação analítica em questões como criação de setting, resistência, transferência, sublimação, repetição; além da própria associação livre. Evidentemente, não se pode afirmar que a dança-teatro de Pina Bausch seja terapêutica, pois essa não é a área de estudo e formação da coreógrafa, nem é esse o seu objetivo. Mas percebo nos relatos dos bailarinos da companhia que eles tinham sentimentos bastante parecidos com os do paciente em análise. Também se sentiam aliviados e criativos durante o processo desenvolvido e dançado.

A dança-teatro de Pina Bausch buscava o sujeito da dúvida, da interrogação. Esse mesmo sujeito da Psicanálise, que se apresenta vulnerável, com falhas e disposto a se conhecer. Pina procurava bailarinos experientes na dança e na vida, pois o mais importante para ela era a personalidade de cada um. A Psicanálise trabalha com isto: vida e personalidade, com a busca da saúde mental.

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Já é sabido que doença mental e criatividade possuem uma estreita relação. Segundo o psicólogo Eugen Bleuler, contemporâneo de Freud, o elo entre genialidade e doença mental justifica-se no fato das “idéias fluírem com mais rapidez e, sobretudo, de as inibições desaparecerem”, o que “estimula as capacidades artísticas” (KRAFT, 2004). Artistas cujas obras são referências mundiais possuíram uma conturbada vida emocional. Entre eles, posso citar Nietzsche, que enlouqueceu; Fernando Pessoa, que tinha problemas relacionados à bebida; Van Gogh, que se suicidou; Cecília Meirelles, que sofria de depressão crônica; e Maiakoviski, que também se matou. Mas então, grosso modo, para ser criativo, é preciso ser louco? Nesses casos citados, o célebre dom criativo caminhava lado a lado com uma “instabilidade psíquica claramente dotada de traços patológicos”, que incluíam alterações extremas de humor, dependência de álcool e drogas, manias e depressão severa (KRAFT, 2004).

O que é saúde mental? Essa é uma pergunta feita desde que o homem passou a prestar atenção em si mesmo e nos outros. O conceito que implica uma ideia de “normalidade” é extremamente complexo. Envolve aspectos culturais, sociais, religiosos, época e história. Por inúmeras vezes, autores tentaram unificar a ideia de saúde mental. Penso que seja difícil fazer isso sem contextualizar o sujeito. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), citada por Sadock (2007, p. 31): saúde mental é o “estado de completo bem-estar físico, mental e social”. Porém, o próprio autor ressalta que essa definição é limitada, pois define saúde física e mental simplesmente como a ausência de doenças físicas e mentais. Na mesma obra, consta a definição do Mental health: a report of the surgeon general: saúde mental é

a realização bem-sucedida das funções mentais, em termos de raciocínio, humor e comportamento, que resulta em atividades produtivas, relacionamentos satisfatórios e capacidade de se adaptar a mudanças e enfrentar adversidades (SADOCK, 2007, p. 31).

A partir dessas ideias, penso que a imagem excessivamente utilizada e romantizada do gênio maluco desacredita, em certa medida, o trabalho, o caráter e o estado mental dos que lidam com arte. O fato de muitos artistas com enfermidades psíquicas terem recusado tratamento no passado talvez tenha contribuído para essa visão distorcida. Sem ajuda terapêutica, corre-se o risco de que os transtornos acentuem-se. O sujeito ultrapassa uma

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fronteira que acaba gerando uma incapacidade de produzir e criar. A doença toma conta da sua vida, impedindo-o de ser e fazer diferente.

Acredito que a obra de Pina possua essa estreita relação com a Psicanálise, no que se refere a aspectos semelhantes de métodos e processos, principalmente porque ambas têm a mesma visão de sujeito. E a criatividade de Bausch, a meu ver, vem justamente dessa capacidade da coreógrafa de observar e perceber esse sujeito, com seu pensamento flexível e sua sensibilidade, com o dom de unir coisas que, à primeira vista, não apresentam qualquer conexão entre si. O trabalho de Pina, assim como a Psicanálise, contempla dois eixos fundamentais: o eixo vertical, que é o da subjetividade enquanto fonte de estudo e análise; e o eixo horizontal, que representa o contexto no qual o sujeito localiza-se, relaciona-se.

Conforme mencionei anteriormente, a Psicanálise procura colocar em palavras o que “não pode ser dito”, enquanto que a dança-teatro de Bausch deseja representar o que transcende as palavras. Enquanto o processo psicanalítico busca apropriar-se do abstrato para verbalizá-lo, a dança-teatro de Pina apropria-se da palavra para abstraí-la em movimento, com o objetivo de ampliar o leque de interpretações que podem ser feitas a respeito. Já Psicanálise, ao colocar em palavras a doença mental, busca selecionar as interpretações que mais servem à melhora do paciente. A Psicanálise elabora com palavras, e Pina, com estética e dança-teatro.

Por fim, julgo importante comentar que Pina, assim como o terapeuta, reconhecia, na tênue linha que divide a loucura e a normalidade, um campo fértil para expressão dos sentimentos. É nesse espaço do entre, do desconhecido, do quase que Pina transita. Porém, a coreógrafa, de forma semelhante ao analista, com sua sensibilidade e autoconhecimento, tinha a capacidade de visitar o terreno dos conflitos psíquicos e sair dele, trazendo a matéria-prima para sua obra. Isto é, Pina tinha a clara ideia de que não poderia se deixar contaminar totalmente pelas emoções, traumas e situações penosas relatadas pelos bailarinos. Ela caminhava no campo que divide e une, simultaneamente, consciente e inconsciente; ligando, sobrepondo, brincando, jogando e ressignificando os dois lados, sempre com o objetivo de transgredir, questionar conceitos socialmente preestabelecidos. Propôs, através da dança, surpreender, trabalhar com o estranhamento e, aí, modificar o olhar.

Sem pretensão de esgotar o assunto pesquisado, este trabalho é o primeiro passo para um estudo mais amplo, instigante e rico. É um salto em um palco que começa a se iluminar.

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