a cultura política da reparação

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    Resumo

    A cultura poltica da reparao: por uma

    histriacomunicativa e uma memria apaziguada1

    The politic culture of the repair: for a communicative History and a pacied memory

    La cultura poltica de reparacin: por una historia comunicativa y una memoria apaciguada

    Johnny Roberto Rosa*

    Recebido em: jun. 2012 - Aprovado em: set. 2012

    http://dx.doi.org/10.5335/hdt. v.12-n.2, 2376

    * Mestre em Histria Cultural (ResponsabilidadeHistrica e Direitos Humanos) pela Universida-de de Braslia UnB.

    1 Este artigo parte de uma pesquisa mais am-pla financiada pela Coordenao de Aperfeio-amento de Pessoal de Nvel Superior (Capes).

    Only under certain historicalcircumstances does frailty

    appear to be the chief characteristicof human affairs.

    Hannah Arendt

    Consideraes iniciais

    Em um contexto de justia de transi-o esforo de pacificao poltico-socialutilizado em sociedades que passaram porum perodo de violao sistemtica dos di-reitos humanos , as polticas de repara-o contribuem para a construo de umsenso comum democrtico, substituindoo arcabouo de valores introduzidos porregimes opressivos e fomentando o esta-

    As reflexes deste trabalho se voltam compreenso de alguns aspectos daspolticas de reparao e responsabi-lizao como uma condio simblicaque possibilita o compartilhamento de

    responsabilidade, culpa e vitimizao.Essa perspectiva fornece uma basepara o dilogo, abrindo espao para areconciliao em direo da histria aservio da reconstruo moral e pol-tica de comunidades injustiadas. Talproposta procura focar as atenesnum horizonte de memria apazigua-da, de polticas de aes humanitriasreconciliadoras, parte de um processo

    que leva compreenso reformulada ecomunicativa do conhecimento histri-co atado s demandas da justia e daresponsabilidade moral.

    Palavras-chave: Memria. Polticas dereparao. Reconhecimento.

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    belecimento de reconciliaes que possamcontribuir para a democracia e para a paz.Karl Jaspers (1979) insistiu que as pesso-as de um Estado devessem se reconciliarcompartilhando uma responsabilidade co-

    letiva por crimes que foram cometidos soba autoridade de seus lderes. O resultadodessa responsabilidade que permite queas memrias das violaes dos direitoshumanos incentivem o acmulo coletivode experincias para a educao social ampliao democrtica almejada por umprocesso de justia transicional, proporcio-nando um importante marco terico para

    se compreender e promover as prticasque envolvem o trabalho da memria pol-tica e da justia histrica fora a necessi-dade de reparao (Wiedergutmachung).

    O direito reparao diz respeito aum princpio do direito internacional quese refere ao fato de que qualquer violaodos direitos humanos deve envolver a in-cumbncia de um reparo adequado, efetivo

    e rpido, destinado a promover a justia.2A reparao deve, deste modo, procurareliminar as consequncias de um ato ile-gal e reestabelecer, tanto quanto poss-vel, uma determinada situao que teriaexistido se o ato de violao no tivessesido cometido. Logo, como advertem osprincpios e diretrizes bsicas das NaesUnidas (ONU) sobre o direito a recurso e

    reparao para vtimas de graves viola-es das normas internacionais de direitoshumanos e do direito internacional huma-nitrio (2005), as reparaes precisam serproporcionais gravidade das violaes edos danos sofridos.

    O art. 31 sobre a responsabilidadecivil dos Estados por atos ilcitos da Co-misso de Direito Internacional da ONU(2001) ressalta que responsabilidade eobrigao dos estados reparar integral-

    mente o dano causado pelo fato internacio-nalmente ilcito.3 J o Pacto Internacio-nal sobre Direitos Civis e Polticos (PIDCP,1992), derivado da Declarao Universaldos Direitos Humanos (DUDH, 1948), emseu art. 2 (3a, b e c), tambm enfatiza queos Estados devem assegurar um reparoefetivo aos indivduos que tiveram os seusdireitos violados.4Do mesmo modo, o art.

    8 da DUDH declara que toda pessoa temdireito a receber dos tributos nacionaiscompetentes remdio efetivo para os atosque violem os direitos fundamentais quelhe sejam reconhecidos pela constituioou pela lei, e a Conveno contra a Tortu-ra e Outros Tratamentos ou Penas Cruis,Desumanas ou Degradantes (1991, art.14.1) afirma que todo Estado signatrio da

    Conveno dever assegurar em seu sis-tema jurdico, para as vtimas de um atode tortura, o direito reparao e a umaindenizao justa e adequada, includos osmeios necessrios para a mais completareabilitao possvel.

    As vtimas de violaes dos direitoshumanos devem obter uma reparao ple-na e efetiva de cinco formas de polticas re-

    paratrias comumente aceitas por Estadosque enfrentam seus legados de injustia.5Tais polticas que tm sido um comple-mento essencial na efetivao de noesde direitos humanos e que tiveram inciono perodo do ps-guerra, sendo intensifi-cadas nas ltimas duas dcadas , foram

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    reconhecidas em 1985 pela Declarao dosPrincpios Bsicos de Justia Relativos s

    Vtimas da Criminalidade e de Abuso dePoder e, em 2005, pela Comisso de Direi-to Internacional e pelos Princpios e Dire-

    trizes Bsicas da ONU mencionado ante-riormente. So elas: I) a restituio, II) acompensao III), a reabilitao, IV) a sa-tisfao e (V) as garantias de no repetiodos crimes praticados no passado.

    De acordo com os Princpios e Dire-trizes Bsicas sobre o direito reparaopara vtimas de violaes dos direitos hu-manos da ONU, a restituiocompreende

    a restaurao da liberdade, o gozo dos di-reitos humanos, da identidade, da vida emfamlia e da cidadania, o retorno ao localde residncia, a reintegrao no emprego ea restituio de bens. A compensao, con-sequentemente, deve ser garantida paraqualquer dano economicamente avalivel,para todo dano mental ou fsico, toda opor-tunidade de emprego, educao ou benef-

    cio social debilitados, para danos moraise para todas as despesas com assistnciaespecializada. A reabilitao, logo, deveser compreendida de servios jurdicos esociais, bem como de assistncia mdica epsicolgica.

    No que se refere satisfao, os Prin-cpios e Diretrizes Bsicas afirmam queessa deve incluir medidas efetivas com vis-

    ta suspenso das violaes, verificaodos fatos e revelao pblica da verdade(na medida em essa no cause mais danosnem ameace a segurana e os interessesda vtima). A satisfaotambm deve sercompreendida pela busca do paradeiro eda identidade dos desaparecidos, por uma

    declarao oficial que reestabelea os di-reitos das vtimas e os de pessoas ligadasa ela e por uma declarao pblica do re-conhecimento, junto de um pedido pblicode desculpa, de que violaes dos direitos

    humanos foram cometidas. Alm disso, asatisfaodeve incluir comedimentos quecompreendam medidas judiciais e admi-nistrativas contra os responsveis pelasviolaes dos direitos humanos, comemo-raes e homenagens s vtimas e a inclu-so nos materiais didticos de informaessobre as infraes ocorridas.

    J asgarantias de no repetio dos

    crimes praticados no passado devem as-segurar a garantia de um controle efetivodas foras de segurana, garantindo queos procedimentos civis e militares atentempara as normas relativas s garantias pro-cessuais, equidade e imparcialidade.Concomitantemente, este princpio devefortalecer a independncia do judicirio,proteger os profissionais das reas da jus-

    tia, dos servios de sade, dos meios decomunicao e dos direitos humanos, pres-tar educao com relao aos direitos hu-manos, promover a observncia de normasticas internacionais e de mecanismos queajudem na preveno, monitoramento eresoluo de conflitos sociais, bem como nareviso e alterao de leis que favoreamos direitos humanos.

    Logo, seja projetada sobre uma esferaindividual ou pensada para um plano cole-tivo, v-se que o ato de reparao traz con-sigo a ideia de um esforo de ressarcimen-to s vtimas que tiveram os seus direitosviolados. A extenso dessas medidas nosomente compreende a compensao ma-

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    terial individual (econmica) ou a provisode servios, mas tambm atos simblicos(comemorativos), como o reconhecimentodas injustias que foram cometidas, os pe-didos de desculpa e a criao de memoriais

    e dias comemorativos. Essas aes tm umpropsito preventivo, orientado por um fu-turo compartilhado, que considera que oaprendizado das lies de eventos histri-cos traumticos pode ajudar a prevenir areincidncia das estruturas e padres decomportamento que permitiram que a vio-lncia fosse cometida. Alm disso, tais atosfacilitam o processo de reconciliao em di-

    reo da restaurao dos relacionamentossociais na base de valores fundamentaiscomo os de dignidade humana, respeito edignidade fsica e psicolgica.

    Neste artigo, almeja-se considerar al-guns aspectos do amplo campo de polticasde reparao que compreendem preocupa-es com a construo de uma narrativasatisfatria mtua, como uma condio

    de reparao e reconciliao, de restitui-o moral, que evidencia a ao em dire-o de uma nova orientao com relaoao passado. Essa perspectiva constitu-da fundamentalmente de uma expressode reconhecimento de que uma injustiafora cometida e de que esta no deveriater ocorrido , se assenta em alguns aspec-tos simblicos das polticas de reparao

    compreendidos de projetos de servios quedizem respeito revelao pblica da ver-dade, declarao do reconhecimento deque violaes dos direitos humanos foramcometidas junto de pedidos de desculpae de comemoraes e homenagens s vti-mas (satisfao) e educao com rela-

    o aos direitos humanos (garantia de norepetio).

    Nessa dimenso, a reparao estariadiretamente atrelada s demandas porrestituio, no sentido de que ambas as for-

    mas de lidar com as injustias do passadose referem s possibilidades de compensa-o, com a finalidade de aliviar a privaoe o sofrimento, por um pertencimento quefora confiscado, detido ou roubado, pelacrescente ateno dada aos direitos huma-nos, moralidade pblica, retificao deinjustias histricas e coeso coletiva.Essas questes conjecturam a possibilida-

    de de acordo com relao a acontecimen-tos especficos que de fato compreenderamperdas, de exteriorizao como condio utilizao de padres narrativos que dosentido experincia traumtica, comouma estratgia de superao decorrentedas experincias de violaes dos direitoshumanos.

    Essa nova moralidade de interao

    entre as vtimas e os perpetradores de in-justias histricas, ou entre os seus des-cendentes, entre os direitos individuais eos de grupos e entre os valores universaise os locais, que postula a necessidade dosdireitos dos grupos e dos indivduos, temse configurado como uma forma de nego-ciao poltica que possibilita a reescritada memria e de identidades histricas de

    modo que ambos possam compartilh-las(BARKAN, 2000, p. XVIII). Fundadas emprojetos comemorativos e humansticosque chamam a ateno para a barbaridadeou a humilhao associadas a maus tratosde membros de um determinado grupo, asdemandas por reparao, em sua dimen-

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    so simblica, procuram reconhecer osdestinatrios de vitimizaes passadas,buscando consolidar noes internacionaisde direitos humanos como uma demandaque poderia se voltar contra os abusos do

    poder do Estado. Deste modo, via polticasde reparao, os esforos para se corrigiras injustias podem fundir histrias anta-gnicas polarizadas em direo a um cer-ne de histrias compartilhadas, como umacondio de reparao e reconciliao queevidencia a ao em direo a uma novaorientao com relao ao passado.

    Nessa circunstncia que impacta

    na definio de um arcabouo categorialde interpretaes pela imposio de ter-mos que diz respeito verdade como re-curso que se refere necessidade socialpor reconhecimento a reparao podesimbolizar um compromisso da sociedadede no esquecer ou de reconhecer a ocor-rncia de uma determinada injustia, e derespeitar e ajudar a apoiar um sentido dig-

    no de identidade-memria para as pessoasafligidas. Destarte, mesmo no tendo comomudar a prpria ao do passado, a buscapor reparo simblico constitudo de proje-tos que buscam o reconhecimento de umainjustia, na forma de pedidos de desculpae declaraes de arrependimento, justo decomemoraes e homenagens associadas possibilidade de declarao pblica da ver-

    dade e educao com relao aos direitoshumanos, poderia interferir no curso dosdesdobramentos, ou melhor, poderia possi-bilitar o compartilhamento de um futuroorientado pelo julgamento justo e comuni-cativo das aes que constituem o presen-te.

    Por uma histria comunicativa:

    condio de reparao

    Segundo Jrgen Habermas, nas pa-

    lavras de John Torpey (2001, p. 334 e 348),uma histria comunicativa sugere queuma tica satisfatria implica lograr e agirsob as normas para que todos os partici-pantes a corroborem, indiferentemente deseus interesses. Desse modo, pela institu-cionalizao da memria de crimes come-tidos contra a humanidade, a ordem mun-dial estabelecida aps a Segunda GuerraMundial defende uma determinada formade recordao do passado como um va-lor que precisaria ser protegido. Conse-quentemente, o reconhecimento de certostraumas e a institucionalizao de suasmemrias se tornaram as formas (moral epblica) de se lidar com o passado. A pe-nalizao pela negao desses princpiosparece significar o reconhecimento de quea lei a guardi oficial da memria. Logo,como elucida Antonis Liakos (2010, p. 1-2),na cultura histrica contempornea da de-fesa pela lembrana do trauma vitimizado,a histria considerada uma sintomatolo-gia de sintomas independentes e est co-nectada com as demandas da justia e daresponsabilidade moral.

    Ao retirar o valor exemplar das lem-branas traumatizantes, a justia que

    transforma a memria em projeto, dandoao seu dever a forma do imperativo, do fu-turo. Este dever de memria e, por con-seguinte, de histria enquanto exerccio dopassado e imperativo de justia se proje-ta na juno do trabalho de luto, de mem-ria e de histria, como se este dever se lan-

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    asse frente da conscincia, convergindosobre a memria e a histria, entre a pers-pectiva veritativa e a perspectiva pragm-tica. Esse dever, esclarece Paul Ricoeur(2007,p. 101-102), sustenta o sentimento

    de dever a outros, prioritariamente s vti-mas, submetendoa herana a inventrio.Pelo modo como proclamado, esse deverpode parecer abusivo, mas no se trata demanipulao no sentido ideolgico da rela-o do discurso com o poder, mas, como de-clara Ricoeur, no sentido de uma direode conscincia que [...] se proclama porta--voz da demanda de justia das vtimas.

    Nesse sentido, a histria habilita-secomo produtora de uma cultura polticade responsabilizao e reparao, tam-bm devido ao fato do contexto ideolgicointernacional ter ganhado importnciana formao dos debates nacionais e nasprodues de narrativas historiogrficas.Essas narrativas introduzem o sentido decatarse pessoal pela recuperao da ver-

    dade, do reconhecimento e da educaocom relao aos direitos humanos com opropsito de reconstruo moral da comu-nidade, prevenindo a vingana e consoli-dando democracias, ou ainda possibili-tando que se regule a vingana (LIAKOS,p. 2-6). Logo, a contribuio da histriapara a concretizao dessa verdade, obje-tivada poltica e socialmente, impactando

    de forma negociada na definio de identi-dades histricas, tem sido uma opo cres-centemente demandada em direo de umfuturo democrtico mais pacfico.

    Dessa forma, a recuperao e o res-tabelecimento de uma verdade pretendidamarcam uma mudana do conhecimento

    para o reconhecimento histrico de injus-tias passadas. Tais mudanas, iniciadasno ps-guerra e realadas nas ltimas d-cadas, explica Antonis Liakos (LIAKOS,p. 2-6), conduziram implicao de cum-

    plicidade entre a histria e a poltica, re-sultado de sinergiasque dizem respeito aexperincias de guerras e ambio de sereconstruir um futuro de paz. Como des-dobramentos dessas mudanas, deve-seir alm de conceitos normativos propostospara lidar com os usos e abusos da hist-ria, procurando no somente compreendermelhor o que ocorrera no passado, mas a

    forma como este continua a atuarno pre-sente e a projetar-se no futuro.

    A memria, como categoria funda-mental do conhecimento, converte-se emcmplice do futuro, produzindo (re)conhe-cimento por permitir ver o que sem elaseria invisvel. Sem a memria de injus-tias, no h injustia. O que vale dizer,sem memria e conscincia histrica no

    h condio de reparao e reconciliao,no h justia possvel. Aps a SegundaGuerra Mundial, no so mais as grandesconstituies democrticas que ajudam napreveno da repetio, mas sim a mem-ria. Desse modo, como esclarece Reyes Ru-prez (2009, p. 19-23), repensar o conceitode verdade, poltica e tica a partir dasatrocidades cometidas se torna um novo

    imperativo categrico.Esse o dever da memria coletiva

    como um processo de busca por uma his-trica comunicativa, que implica em umadimenso tica satisfatria compartilhadacomo condio de reparao e reconcilia-o. Desse modo, expressada na demanda

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    de exigncias por reparos que evidenciama ao em direo a uma nova orientaodo passado, a possibilidade de um acordocom relao a utilizao de padres narra-tivos que do sentido s experincias trau-

    mticas leva compreenso reformuladae comunicativa do conhecimento histrico.

    V-se, portanto, que as demandas de re-conhecimento e a institucionalizao dasmemrias de certos traumas via polticade reparao buscam defender uma formade recordao moral e pblica como um va-lor que precisaria ser protegido, como umaestratgia de superao decorrente das ex-

    perincias de violaes dos direitos huma-nos que possibilita a reescrita da memriae de identidades histricas.

    Alm disso, como sugere Jrn Rsen(2009, p. 195-199), os estudos histricos,por sua lgica, so uma prtica culturaldedestraumatizao que transformam otrauma em histria. Haveria aqui a neces-sidade clara de se dizer o que aconteceu

    por meio da impactante expresso da fac-tualidade bruta. Os horrores de episdiostraumticos devem, portanto, ser relem-brados, e no banalizados, e a interpreta-o histrica precisa limitar a moralidade,ao invs de moraliz-la; enfatizar o feio dadesumanizao, a estetiz-la; apresentaro fluxo do tempo como sendo obstrudona relao temporal entre o passado dos

    eventos traumticos e a presena de suacomemorao, ao invs de suavizar pelateleologia experincias traumticas, expli-ca Rsen (p. 200). Assim entendido, a des-continuidade, o rompimento de conexes ea destruio tornaram-se caractersticasde sentido a uma traumatizao secund-

    ria que d voz a um conjunto de desumani-zao. O pensamento histrico, ao lembraras injustias cometidas no passado, possi-bilita, dessa maneira, sua preveno e noshabilita a seguir em frente.

    A transposio dessas categorias aoplano historiogrfico se deve a uma estru-tura fundamental da existncia humana,da histria com a violncia. Como declaraPaul Ricoeur (2007, p. 92-93), em vista dofato das feridas armazenadas na mem-ria coletiva requererem cura, o paradoxodo excesso e da insuficincia de memria(abuso da memria e abuso do esqueci-

    mento, respectivamente) na experinciahistrica se deixa reinterpretar dentrodas categorias da resistncia, da compul-so de repetio e, finalmente, encontra-sesubmetido prova do difcil trabalho derememorao.

    Um ponto determinante dessa dis-cusso diz respeito s especificidades dotrauma histrico, sendo crucial o exame

    de sua representao, da distino entreas vtimas, os perpetradores e os espec-tadores. Segundo LaCapra (p. 723-724),o trauma histrico est relacionado aeventos especficos que de fato envolvemperdas. Esses eventos devem ser vistoscomo possuidores de questes problemti-cas de identidade e como reivindicadoresde formas crticas de acordos com seus le-

    gados e problemas tais como suas ausn-cias e perdas. Os legados das injustiashistricas devem ser elaborados, portanto,para permitir um confronto menos autoen-ganador, e reconciliador, e para posteriorespecificidade histrica, social e poltica,incluindo a elaborao de instituies e

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    prticas sociais e polticas mais humanit-rias e desejveis.

    Esses legados devem considerar asdeterminaes da ONU que estabeleceramimperativos de responsabilizao e repre-

    sentao, as quais defendem a proteode uma determinada forma de elaboraodo passado. Logo, a histria est atada sdemandas da justia e da responsabilida-de moral que incluem a ao atual parareparao das injustias passadas comopossibilidade reconciliatria. A declaraodo reconhecimento de que violaes dosdireitos humanos foram cometidas uma

    forma de restituio, parte de um proces-so que leva compreenso apaziguada doconhecimento histrico traumtico. E asreivindicaes para polticas de reconcilia-o, mesmo no tendo o poder de mudar aao do passado, talvez possam interferirno curso de seus desdobramentos. Dessemodo, o papel de polticas de reparaosimblica condio elaborao , no

    contexto de possibilitar que as vtimas ex-teriorizem seus traumas, pode aspirar compreenso e ao encorajamento de umacoexistncia pacfica. O argumento em fa-vor da imprescritibilidade histrica e o mo-derado dever de lembrar o passado oferecesuporte para esta discusso e para lidarapropriadamente com o passado traum-tico. Essa perspectiva refora o argumento

    de humanidade e cria condies ao exerc-cio do direito de lembrar, essenciais re-parao simblica de injustias histricas, restaurao da dignidade e para lidarapropriadamente com o passado.

    Por uma memria apaziguada: escusas

    como possibilidade reconciliao

    A defesa de um direito de repara-

    o presume que toda comunidade possuiuma histria que conecta intergeneracio-nalmente seus indivduos. Partindo desseprincpio, a lembrana assume um papelimportante no forjar a identidade e o queocorreu no passado faz toda a diferenapara o bem-estar das pessoas no presente.

    Assim sendo, pode ser apropriado ofereceruma reparao simblica, por exemplo, naforma de um sincero pedido de desculpa,que assumiria a forma de benefcios aosdescendentes, como o reconhecimento dainjustia solenizado em cerimnias pbli-cas, ou ainda a mudana apropriada dahistria oficial da comunidade.

    Janna Thompson (2000, p. 471-474)corrobora o fato de que as desculpas ofi-ciais6procuram sinalizar o comeo de umnovo relacionamento com os descenden-tes dos que sofreram injustias, aliviandoo dano psicolgico sofrido pelos membrosde um grupo com ressentimentos. Sendoassim, o pedido de desculpa uma formade compromisso, de reconhecimento e deinteno em agir de forma mais justa doque as geraes passadas num horizontede memria apaziguada. No obstante,talvez o que se pretende transmitir no

    seja o ressentimento, mas simplesmenteo reconhecimento atual de que certos atosque ocorreram no passado foram de fato in-

    justias que, se convertidas na ausncia deseu reconhecimento, pensando a partir daslies de Dominick LaCapra (1999, p. 698),fariam com que as vtimas enfrentassem

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    os problemas de uma melancolia sem fim,de um luto impossvel, de uma aporia naqual qualquer processo de reparao seriaexcludo.

    Uma das maiores objees possibi-

    lidade de pedidos de desculpa pelas viola-es dos direitos humanos se refere, noscasos de injustias remotas, ao fato de queas pessoas ou os grupos que se desculpamno cometeram tais atos. Apesar de a ge-rao presente poder se desculpar pelasinjustias cometidas h muito tempo, opassado no pode perdoar e o pedido deperdo pelos vivos em nome de seus an-

    cestrais pode no ser satisfatrio. Todavia,vale ressaltar que o longo perodo de tempoentre a injustia e os seus desdobramentosno desqualifica as reaes por reparao,

    j que o significado da injustia cometida,e no a imediatez do relacionamento caus-al, como adverte Janna Thompson (2001,p. 134-135), que faz sentido aos descen-dentes.

    Outro problema se refere ao fato deexistirem muitos acontecimentos do pas-sado aos quais se deve desculpa, o queleva pergunta do por que se escolhe umadeterminada injustia em detrimento deoutras. Alm dessas crticas, existem osque veem tais pedidos de desculpas comouma retrica vazia que preserva a culpadaconscincia moderna (WEYENETH, 2001,

    p. 24-29). Tais crticas parecem concordarque revisitar o passado para se desculpartraz consigo distintos problemas. Contudo,apesar dessas dificuldades, pessoas e gru-pos desculpam-se e esse pedido insinua opotencial poder de declaraes pblicasde remorso e reparao simblica. Se essa

    tentativa reconciliatria bem recebida,feridas histricas comeam a se curar e operdo tem um efeito teraputico similar.Logo, a reao que pedidos de desculpaestimula ilustra a importncia aliada

    tentativa de reconciliao e responsabili-zao. O simbolismo de tal gesto faz todaa diferena para seus beneficirios, quegeralmente encontram em tais pedidos oconforto para as leses sofridas ou herda-das (p. 31).

    Como um ato de reparo simblico,um pedido de desculpa no resolveria, porexemplo, os problemas raciais, mas indi-

    caria que se est comeando a ser um pou-co mais realista e que se est longe de senegar sua existncia. O primeiro passo emdireo reconciliao , portanto, elimi-nar a negao. Como declaraes pblicassobre a histria, os pedidos de desculpasoferecem um espao para se considerar edebater o passado, almejando a reconcil-iao histrica pelo ato de reconhecimento

    e de responsabilizao das injustias pas-sadas (p. 32-36). Como atos simblicos, es-ses pedidos fornecem uma forma de reparomoral que pode mostrar o caminho paraum futuro que reconhece e responsabili-za e, juntamente com uma declarao dearrependimento, parte do processo queleva compreenso reformulada do conhe-cimento histrico.

    Assim sendo, um pedido de desculpano significa a resoluo de uma contro-vrsia, mas parte do processo de nego-ciao. A carncia, a demanda e a recusade pedidos de desculpa so partes desseprocesso. A admisso de responsabilidadee de culpa pelas violaes dos direitos

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    humanos cometidas no passado, adverteElazar Barkan (2000, p. XXIX-XXX), ,em parte, um resultado da relativa forade vozes polticas e um esforo para recon-hecer que as naes precisam chegar a um

    acordo com seu passado, sobretudo se re-sponsabilizando por suas vtimas. As dife-rentes partes que aprovam a reparao ea restituio deveriam se beneficiar dessaretrica que fornece modelos possveispara negociaes de paz, tendo suas nar-rativas histricas e identidades validadasao custo da admisso de que suas histriasesto contaminadas de injustias.

    contra a falta de habilidade dacomunidade internacional em preveniros desastres humanos que a reparaofornece um guia de moralidade. Suaatratividade resulta da apresentao desolues em prol de uma moralidade quereconhece um conjunto de direitos huma-nos para alm dos individuais, colaboran-do com os esforos para que determinados

    grupos adquiram, reconheam e superemconflitos de identidade histrica atravsda construo de um passado compartil-hado. Esse discurso destaca a funo dareparao simblica como configuradorade restabelecimento e de reconhecimentoda identidade de grupos historicamentevitimizados. Atravs de um dilogo quedestaca o reconhecimento mtuo, a dis-

    cusso em torno de polticas de reparaoe reconciliao transcende identidades quese excluem, fornecendo uma forma pru-dente de fortalecer ambos os princpios dedireitos humanos individuais e de grupo(p. 316-319).

    Esse argumento no presume queh consenso sobre uma moralidade espe-cfica, mas que os padres de determina-das comunidades no devem conflitar comprincpios globais imprecisos assegurados

    pelos direitos humanos. A justia dependeda negociao e do reconhecimento de seusprotagonistas, um reconhecimento quetransforma o trauma da vitimizao emum processo de luto que permite a recon-struo. Os compromissos dessa propostapodem ajudar a fundir histrias polariza-das na direo de um ncleo de histriascompartilhadas e podem fornecer um me-

    canismo pelo qual os grupos podem re-solver suas diferenas. Assim sendo, essaperspectiva pende em favor de se rejeitara opresso e validar tradies sem umposicionamento crtico. Sendo assim, astradies permanecem importantes comouma fora cultural, mas no como umadesculpa para a injustia (p. 319-329).

    Tal perspectiva procura dar respos-

    tas a identidades e ideologias conflitantes,focando as atenes no reconhecimentorecproco e no consentimento, procurade um meio caminho, medida em que ospercursos do esquecimento e do perdo secruzam num horizonte de uma memriaapaziguada.Essa discusso sugere que osdireitos individuais, apesar de serem cul-turais e historicamente especficos, pre-

    cisam agregar padres contemporneosglobais. Os pedidos de desculpa, quandoapresentados com uma declarao sincerade arrependimento, so uma forma derestituio e substrato de uma poltica deaes humanitrias reconciliadoras, partede um processo que leva compreenso

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    reformulada apaziguada do conheci-mento histrico.

    Consideraes nais

    Em oposio a ars oblivionis, a mem-ria parece articular uma tica da lembran-a na forma de um chamado para a justiaque marca os esforos do sculo passadode realizar um trabalho de responsabili-zao pelos abusos dos direitos humanos.Dessa forma, um axioma determinantedessa discusso diz respeito ao fato de queo imperativo para responder s necessida-

    des das vtimas tem sido frequentementeentendido como um dever que insiste narestaurao da justia contra a amnsia doesquecimento das injustias. Tais razespara que as injustias cometidas no pas-sado sejam julgadas referem-se, portanto,segundo James Booth (2001, p. 779-780),aos propsitos preventivos orientados porum futuro compartilhado, e suas reivindi-

    caes repousam nos julgamentos de seuspostulados empricos sobre os efeitos detais medidas.

    No trazer as injustias do passa-do para o santurio da memria, de umanova verdade e da justia, esquec-las,seria uma nova injustia: o que no lem-bramos como se nunca tivesse aconteci-do, pronuncia Booth. Desse modo, temos

    um vnculo no declarado que nos nega odireito ao silncio. Essa reivindicao decura e catarse o mesmo que dizer que amemria e as polticas de reparao soduas faces da justia e sua relao com opassado possibilidade de reconciliao.

    A lembrana como representao que pro-

    cura preservar a verdade do passado, dasvtimas e dos perpetradores liberta o fe-nmeno do esquecimento e preenche umadvida de fidelidade e reparao com as v-timas (p. 782).

    No obstante, a possibilidade dereconciliao permanece em uma relaodesconfortvel com o perdo (que muda aatitude de como nos sentimos em relaoaos perpetradores de injustias cometidasno passado). O perdo a superao do sen-timento de ressentimento e, sendo assim, particularmente importante para permitirque relaes humanas deem continuidade

    ao que seria transtornado pelo ressen-timento e pela melancolia. Alm disso, alembrana nos leva ao irreversvel, sendonostlgica e exigindo vingana, sacrifi-cando o presente e o futuro para o bem dopassado. Desse modo, esquecer ou deixar opassado passar, adverte Booth (p. 783-785),talvez seja essencial para minimizar oefeito de um trauma.Assim entendida, a

    anistia como uma amnsia comandadaque previne trazer lembrana aes deperpetradores de injustias passadas particularmente til para finalizar confli-tos civis, quando a necessidade de restau-rar a unidade de maior importncia.

    Contudo, o mago da vulnerabilidadede tais estratgias de esquecimento que ademanda de no lembrar as injustias colo-

    ca os crimes para alm da possibilidade dejulgamento. Desse modo, James Booth elu-cida (p. 785), citando Jorge Semprn, queapesar dos desvios, da censura deliberadaou involuntria, da estratgia de se exorci-zar as experincias, de se esquecer, nenhu-ma sociedade pode viver todo o tempo na

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    amnsia. Se esse esquecimento, como ori-entado s demandas de uma justia tran-sicional, no pode apagar o que foi feito, aanistia e a amnsia so provisrias ao lidarcom o passado. Essa perspectiva defende o

    ponto de vista de que as pessoas, logo apsa mudana de um regime, ainda no estoaptas a confrontarem seu recente passado.Do mesmo modo, Hermann Lbbe, justi-fica Nenad Dimitrijevi(2006, p. 377-378),identifica o perodo de transio democ-racia como um tempo que deveria ser desilncio comunicativo. Sua reivindicao a de que o lidar com o passado logo aps

    uma mudana de regime resulta em foraras pessoas a exercerem o ritual poltico doremorso, o que criaria uma base para umtipo de cultura poltica de culpa. O defeitodeste argumento, explica o autor, est nofato de que o que aconteceu no passado re-cente seria relegado ao esquecimento, aocusto de uma imagem preparada ideologi-camente de passado que se recusa a recon-

    hecer elementos importantes de continui-dade entre as culturas polticas antes edepois da mudana de um regime poltico.

    Dessa forma, a linha entre a mentirae a verdade sobre o passado permanece ob-scurecida e as mentiras seriam, portanto,mais fceis de serem traduzidas em umdiscurso poltico manipulador. Ao invsde reconhecer as vtimas, tais sociedades

    tendem a preservar antigas narrativas deautovitimizao. Desse modo, um examecom um pouco mais de estima entre osperpetradores e um pouco menos de in-sensibilidade moral entre os espectado-res faria toda a diferena para as vtimas.Esse posicionamento, adverte Dimitrijevi

    (p. 379-380), no de mera indignaomoral, mas uma postura de moralidadeprtica concernente orientao futura.

    As polticas de reparao assentadasem aspectos que abarcam projetos de ser-

    vios de revelao pblica da verdade, depedidos de desculpa, de comemoraes ehomenagens s vtimas, da declarao doreconhecimento de que violaes dos direi-tos humanos foram cometidas e de educa-o social em direitos humanos com vistas ampliao democrtica almejada por umprocesso de justia de transio, tm comofinalidade preencher funes simblicas

    e psicolgicas que visam reconciliaoentre os perpetradores e as vtimas de in-

    justias cometidas no passado. Portanto,corrobora-se com lio de Lawrie Balfour(2005, p. 789-790) no que se refere pos-sibilidade de juntar elementos para for-mular caractersticas gerais de uma formaadequada que no diz respeito somente aum reconhecimento de culpa, mas sim

    expresso de uma responsabilizao cole-tiva. Tais reparaes do suporte aos es-foros da histria objetivando educaosobre as conexes entre as injustias dopassado e os resduos dessa nos dias at-uais, alm de produzirem mudanas sub-stanciais nas condies dos afligidos porinjustias histricas.

    Desta forma, as polticas que condu-

    zem reparao simblica parecem dar si-nais de que podem redimir o passado atra-vs de uma prtica de justia especfica econtempornea, que fornece um discursocrtico, o qual serve como um contrapesopara a linguagem do ofuscamento de in-

    justias histricas. Aparentemente incor-

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    porando o reconhecimento dos males pas-sados nas prticas presentes, tais polticasde memria parecem oferecer um caminhopara mudana social. A reivindicao poruma histria comunicativa e por uma me-

    mria apaziguada que considera as deter-minaes da ONU cria uma base para umtipo de cultura poltica de responsabiliza-o histrica, de exteriorizao e elabora-o, de destraumatizao das experinciastraumticas, que corrobora com a utiliza-o de padres narrativos de significnciaque do sentido s experincias de injusti-as histricas e voz desumanizao.

    Abstract

    The considerations addressed in thispaper consider some aspects of repa-rations and accountability politics asa symbolic condition in which sharingresponsibility, guilt and victimizationcreates a common identity. This per-spective provides a fundament for dia-

    logue, making room for the reconcilia-tion towards history while working forthe moral and political reconstructionof harmed communities. Such proposi-tion focus on a horizon of apologizedmemory, of policies of reconciliatoryhumanitarian deeds, part of a processthat leads to a reformulated and com-municative understanding of historicalknowledge attached to justice claimsand to moral responsibility.

    Keywords: Recognition. Reparationspolitics. Memory.

    Resumen

    Las reflexiones de este trabajo se vuel-ven a la comprensin de algunos as-pectos de las polticas de reparacin y

    responsabilizacin como una condicinsimblica que posibilita el compartirde responsabilidad, culpa y vitimi-zacin. Esta perspectiva fornece unabase para el dilogo, abriendo espaciopara la reconciliacin en direccin dela historia al servicio de la reconstruc-cin moral y polticas de comunidadesagraviadas. Tal propuesta procura en-focar las tensiones en un horizonte de

    memoria apaciguada, de polticas deacciones humanitarias reconciliado-ras, parte de un proceso que lleva a lacomprensin reformulada y comunica-tiva del conocimiento histrico atadoa las demandas de la justicia y de laresponsabilidad moral.

    Palabras clave: Memoria. Polticas dereparacin. Reconocimiento.

    Notas

    2 Elasar Barkan (2000, p. XXII-XXIII) explicaque a memria pblica da humilhao e dosseveros tributos compensatrios impostos peloTratado de Versalhes Alemanha pela respon-sabilizao pela Primeira Guerra Mundial con-tribuiu, de certa forma, para a Segunda Guer-ra Mundial. Desse modo, segundo o autor, ostermos impostos pelo Tratado fizeram com que

    os aliados de 1945 no impusessem reparaespara a Alemanha. Ao invs disso, os EstadosUnidos aceitaram reconstruir a Europa e o Ja-po e iniciaram o Plano Marshall, que introdu-ziu um novo elemento para as relaes inter-nacionais. Dessa forma, ao invs de ater-se aodireito moral de humilhar e explorar as fontesinimigas, o lado vencedor realou o relaciona-mento futuro e compensou os seus inimigoscom o propsito de restaur-los. Nesse contexto

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    no vingativo (nonvindictiveness), o conceitomoderno de restituio e, concomitantemente,de reparao, tem sido estabelecido. Logo, aoinvs de pagarem por reparos aos vencedores,a Alemanha, necessitando de estabilidade pol-tica e legitimidade moral, admitiu a responsa-bilidade pelo holocausto e, em 1952, comeou

    a compensar voluntariamente suas vtimas.Essa dinmica se traduziu em novas possibili-dades de relacionamento internacional.

    3 Artigo 31 sobre a Responsabilidade Civil dosEstados por Atos Ilcitos da Comisso de Direi-to Internacional das Naes Unidas (2005): 1.The responsible State is under an obligation tomake full reparation for the injury caused bythe internationally wrogful act. 2. Injury inclu-des any damage, whether material or moral,caused by the internationally wrongful act of aState.

    4 Artigo 2 (3) do PIDCP (1992): Os EstadosPartes do presente pacto comprometem-se a:a) garantir que toda pessoa, cujos direitos eliberdades reconhecidos no presente pacto te-nham sido violados, possa dispor de um recur-so efetivo, mesmo que a violncia tenha sidoperpetrada por pessoa que agiam no exercciode funes oficiais; b) garantir que toda pes-soa que interpuser tal recurso ter seu direitodeterminado pela competente autoridade judi-cial, administrativa ou legislativa ou por qual-quer outra autoridade competente prevista noordenamento jurdico do Estado em questo; ea desenvolver as possibilidades de recurso ju-dicial; c) garantir o cumprimento, pelas auto-ridades competentes, de qualquer deciso quejulgar procedente tal recurso.

    5 Os princpios e diretrizes bsicas sobre o direi-to reparao das Naes Unidas (2005) definevtima como pessoas que, individual ou cole-tivamente, tenham sofrido um dano, incluindoum dano fsico ou mental, um sofrimento emo-cional, um prejuso econmico ou um atentadosubstancial aos seus direitos fundamentais, emconsequncia de atos ou omisses que consti-tuam violaes graves das normas internacio-nal dos direitos humanos, ou violaes gravesdo direito internacional humanitrio. Quandoapropriado, e de acordo com o direito doms-tico, o termo vtima tambm compreende osfamiliares prximos ou os dependentes diretose as pessoas que tenham sofrido danos por in-tervir para prestar assistncia s vtimas emperigo ou para previnir a vitimao.

    6 Como, por exemplo, quando Bill Clinton se des-culpou pela escravido, Tony Blair pela poltica

    britnica durante a Grande Fome na Irlanda,o governo canadense por destruir as famliasde comunidades indgenas e por colocar as fa-mlias dos japoneses canadenses em campos deconcentrao durante a Segunda Guerra Mun-dial, o Vaticano por suas falhas em condenar aforma com que os nazistas trataram os judeus,a Rainha Elizabeth pela explorao britnicados Maoris, o governo japons por sujeitar asmulheres coreanas prostituio durante a Se-gunda Guerra Mundial, e alguns governos sul--africanos por seus comportamentos durante oApartheid.

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