a cruz de cristo na terra de santa cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico...

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RENATO PEREIRA BRANDÃO A CRUZ DE CRISTO NA TERRA DE SANTA CRUZ: A Geopolítica dos Descobrimentos e o Domínio Estratégico do Atlântico Sul Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em História na área de concentração em História Social. Orientação: Profa. Dra. Lana Lage da Gama Lima NITERÓI MARÇO 1999

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Esta tese tem como objetivo maior demonstrar que antes do “descobrimento” da América a Coroa de Portugal já possuía precisos conhecimentos de regimes de ventos e correntes marítimas do Atlântico Sul bem como de posicionamento geográfico, tanto da latitude como da longitude, de pontos no litoral brasileiro referenciais na navegação para o Oriente pela rota atlântica

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Page 1: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

RENATO PEREIRA BRANDÃO

A CRUZ DE CRISTO NA TERRA DE SANTA CRUZ: A Geopolítica dos Descobrimentos e o Domínio Estratégico do Atlântico Sul

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em História na área de concentração em História Social.

Orientação: Profa. Dra. Lana Lage da Gama Lima

NITERÓI

MARÇO 1999

Page 2: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

Brandão, Renato Pereira

A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: A

geopolítica dos descobrimentos e o domínio

estratégico do Atlântico Sul / Renato Pereira

Brandão. Niterói, Universidade Federal Fluminense.

Centro de Estudos Gerais/ICHF, 1999. 1v.

1. Descobrimentos ibéricos - Rotas náuticas 2.

Cartografia quinhentista 3. Ordens monásticas

militares - do Templo, do Hospital e de Cristo 4.

Índios 5. Brasil - História - Franceses no Rio de

Janeiro, 1555-1567

Page 3: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

Esta tese é dedicada a Marta, mulher e companheira, e aos nossos filhos

d`áquem – Renato, Leonardo e Clarissa – e d`além mar – Vanessa, Natasha,

Pablo e Luciene. A eles agradeço o afeto e paciência ao ouvir as constantes

reclamações sobre aquele livro não encontrado onde pensava que havia posto

ou sobre o velho computador que, freqüentemente, recusava-se a colaborar.

Page 4: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

AGRADECIMENTOS

A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio institucional do

CNPq, através da concessão de Bolsa de Doutoramento, e da Universidade Estácio de Sá,

através do Programa de Apoio à Qualificação Docente.

Temeroso de algum lapso, agradeço a todos –amigos, professores e alunos da

UFF e UNESA, pesquisadores de outras instituições – que, direta ou indiretamente,

colaboraram com este trabalho.

Agradeço de forma muito especial à Profa. Lana Lage da Gama Lima, mais do

que orientadora amiga sempre preocupada em envolver as críticas mais contundentes em

palavras de reconhecimento de mérito e incentivo, e aos Profs. Vânia Leite Fróes e Nelson

Mello e Sousa, a quem devo imprescindível apoio na realização deste trabalho.

Page 5: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

Sumário

Introdução______________________________________________________________1

O Tema

Orientação Teórico-Metodológica

I-. A Cartografia Renascentista e a Expansão Ibérica :

Conhecer o Céu Para Descobrir a Terra_________________________________26

1. A Cartografia e a Representação da esfera no Plano

2. Breve Histórico da Cartografia Renascentista

3. A Navegação dos Descobrimentos II- . Um Novo Continente na Rota Para o Oriente : As Coordenadas do Novo Mundo

na Conquista do Índico__________________________________________________52

1. O Engano de Colombo na Procura do Oriente

2. Tordesilhas, o Mapa de Cantino e a Capitania de Sant’Ana

3. A Arte de Navegar no Atlântico Sul

III. A Geopolítica dos Descobrimentos s os Cavaleiros do Templo_________________________________________________________________118

1. Os Tupi-Guarani e o Mito de Sumé

2. Os Monges Guerreiros do Templo de Salomão

3. As Ordens Monásticas Militares na Guanabara e o Controle Estratégico do

Atlântico Sul

Considerações Finais___________________________________________________________________175

Referências Bibliográficas__________________________________________________197

Page 6: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

Anexos I- Recursos Náutico nos Descobrimentos:__________________________________214 1 Instrumentos e Unidades de Medidas Náuticas dos Descobrimentos 2 Embarcações II Cartográfico________________________________________________________226 1 Os Regimes de Ventos e Correntes do Atlântico Setentrional 2 As Rotas de Navegação Utilizadas por Colombo 3 O Mapa de Cantino 4 Superposição do Mapa de Cantino a um Mapa Atual 5 Os Regimes de Ventos e Correntes do Atlântico Meridional 6 Limites das Capitanias Hereditárias, Conforme Definidos em Suas Cartas de Doação

Resumo Cronológico_____________________________________e______________234

Page 7: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

RESUMO

Considerando os descobrimentos ibéricos portugueses como desdobramento do

processo medievo cruzadístico de Reconquista ibérica, sustentada por dados cartográficos

expressos no Mapa de Cantino e nas cartas de doação das Capitanias dos irmãos Martim Afonso

e Pero Lopes de Sousa, esta tese propõe-se a demonstrar que, anterior ao feito descobridor de

Colombo, a Coroa de Portugal já possuía precisos conhecimentos de regimes de ventos e

correntes marítimas do Atlântico Sul bem como de posicionamentos, em latitude e longitude, de

pontos referenciais do litoral brasileiro. Propõe-se, então, demonstrar que os descobrimentos

portugueses não são frutos exclusivos dos ímpetos navegador e mercantilista, mas conseqüência

de um projeto articulado entre a Coroa de Portugal e a Ordem de Cristo voltado para construção

de uma nova ordem geopolítica ocidental, a partir do deslocamento do eixo comercial Índico-

Mediterrâneo para o Atlântico-Índico.

Por exigir a presença prolongada de astrólogos doutos, únicos então capazes de

realizar as observações astronômicas, e cálculos, necessárias em tempos medievos, conclui-se

que somente a uma ordem monástica é possível atribuir a responsabilidade por tais

determinações de geoposicionamento. Relacionando o registro da presença destes astrólogos ao

Sumé, personagem mitológica Tupi, discute-se então se esta responsabilidade cabe à Ordem de

Cristo ou se esta herdou este conhecimento da Ordem dos Templários, da qual era legítima

herdeira e sucessora.

Page 8: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

ABSTRACT

Our work aims at demonstrating that before Columbus` discovering America, the Portuguese

Crown was already aware of the course of the wind and maritime streams in South Atlantic as

well as the latitudinal and longitudinal location of reference points on the Brazilian Coast. We

have viewed the Portuguese ultramarine discoveries as a ramification of the Medieval Crusades

aiming at the Iberian Reconquest supported by cartographic data presented in Cantinos`s Map

and in the donations papers of Sao Vicente and Saint Amaro Capitanias, donated to the brothers

Martim Afonso de Sousa e Pero Lopes de Sousa.

Consequently we will attempt do demonstrate that the Portuguese maritime discoveries are not a

mere result of the navigational and mercantilist impulse but rather a consequence of an

articulated project between the Portuguese Crown and the Order of Christ interested in building a

new western geopolitical order.

As the extended presence of experts astrologists, the only ones who were able to perform

astronomical observations and the necessary calculus in Medieval ages, it can be inferred that

one can only attribute the responsibility to a monastic order, for such geodesic determinations.

Relating the presence of these astrologists to Sumé, a mythical Tupi character, one can speculate

if such responsibility is to be given to the Order of Christ or if this Order has inherited such

knowledge form of the Order of Temple, from which it is the legitimate heir and successor.

Page 9: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

1

INTRODUÇÃO

Page 10: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

2

O TEMA:

Esta tese tem como proposta discutir a geopolítica

dos descobrimentos ibéricos tendo como objetivo demonstrar que

o processo expansionista português contextualizava-se num

programa maior de deslocamento do eixo mediterrânico e de

controle da rota oriental a partir do domínio do Atlântico Sul.

Este programa apoiava-se em um plano estratégico elaborado em

parceria com a Ordem de Cristo fundamentado nos conhecimentos,

herdados da Ordem do Templo, de regimes de ventos e correntes

marinhas do Atlântico meridional bem como de precisos

posicionamentos geodésicos de pontos referenciais da costa

brasileira. Considerando a invasão francesa quinhentista à

Guanabara como decorrência dos conflitos que se seguiram ao

deslocamento do eixo mediterrâneo, demonstraremos que esta

operação beligerante externava, mais do que uma disputa por

interesses colonialistas entre Portugal e França, um conflito

intestino da Igreja Católica entre duas importantes ordens

monásticas militares, de um lado a Ordem de Cristo, sucessora da

Ordem do Templo, e de outro a Ordem São João de Jerusalém, ou

Ordem de Malta.

Apesar de recentemente, por ocasião das comemorações de

500 anos do descobrimento do continente americano, ter havido

uma profusão de pesquisas e trabalhos acadêmicos voltados para

Page 11: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

3

os descobrimentos ibéricos, permanecemos ainda na obscuridão

para a questão primeira e fundamental referente ao tema. Dentre

estas, conforme apontado pelo medievalista José Mattoso (1),

destaca-se a questão demográfica: como pode Portugal, que nos

séculos XV e XVI possuía um continente populacional

extremamente reduzido, sendo carente, portanto, de colonos e

soldados, empreender uma ação colonialista que se estendia por

quase as todas as regiões continentais? Decorrente desta

questão geral, perguntamos então como pode Portugal, ao mesmo

tempo, conquistar e defender o imenso litoral brasileiro,

fazendo frente a diversas sublevações indígenas e tentativas de

invasões empreendidas por outras nações européias, bem mais

poderosas do que o pequeno reino Lusitano? Ou seja, como

explicar este processo, dos maiores de expansão espacial

registrados pela história, empreendido sem uma representativa

presença do elemento étnico conquistador.

O senso comum, inclusive entre os acadêmicos, considera

que os portugueses foram movidos notadamente pelo ímpeto

mercantilista, enquanto que os espanhóis pelo conquistador e

os colonos ingleses pelo desejo de fundar uma nova nação. A

partir desta assertiva costuma-se tecer uma série de

considerações sobre os diferentes processos colonizadores e seus

reflexos na formação dos países americanos (2). Contudo, se aos

portugueses coube o papel de mercadores que viam o Brasil, a

princípio, uma terra de passagem e de coleta predatória, deveria

Page 12: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

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a América portuguesa ter pouco se expandido em longitude. Se o

ímpeto conquistador estava reservado ao espanhol, deveria a

América espanhola ter ultrapassado o meridiano divisório de

Tordesilhas, se expandindo em direção ao Atlântico. Se coube,

ao mesmo tempo, aos ingleses o espírito maior de colonização na

América, deveria os Estados-Unidos ter tido a primazia na

construção do seu espaço como nação. Contudo, coube a América

portuguesa conquistar grande parte da América dos

"conquistadores" espanhóis, como também coube a ela definir a

amplitude de seu espaço bem antes que a colônia inglesa assim o

fizesse.

A presente tese, fruto de quase uma década de pesquisa

direta e algumas de estudos e reflexões, tem nestas questões o

seu eixo temático. Teve esta pesquisa início, ainda ao cursar o

bacharelado em Arqueologia, quando a mim despertou especial

atenção a Tradição Tupi-Guarani, particularmente em relação `a

expansão espacial desta Tradição que, considerado o espaço de

tempo necessário para ocupar quase toda a região litorâneo

brasileira, é considerada a mais expressiva registrada pela

pré-história, para uma sociedade ceramista.

Ao ingressar no mestrado em História da Arte, área

de concentração em Antropologia da Arte, apresentei como

projeto de dissertação a análise do espaço tribal Tupinambá

Page 13: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

5

como expressão da estrutura social Tupi-Guarani. Exceção dentro

do padrão de estruturas sociais clânicas e dicotomizadas,

características para as etnias aborígines americanas, tinha como

proposta demonstrar que as construções do espaço nas aldeias

Tupinambás refletiriam seu particular universo social. Ao longo

do curso esta pesquisa adquiriu, porém, uma nova ótica,

ultrapassando os limites da Pré-história, inserindo-se no

contexto histórico dos aldeamentos jesuíticos formados, em sua

maioria, por indígenas Tupi-Guarani. Comungando com a visão

então vigente, preocupava-me, além de analisar sua

espacialidade, denunciar a política genocida da Coroa

portuguesa engendrada contra o contingente aborígine. Contudo,

ao confrontar os dados demográficos, deparei-me com um contexto

desconcertante. Observei que, se esta população nativa tivesse

sido fisicamente exterminada conforme apregoado, levando-se em

conta a expressiva transposição populacional de africanos para o

Brasil e a total incapacidade da Coroa portuguesa em ocupar

grandes espaços através de uma política migratória, a população

brasileira haveria de ser essencialmente negra e a América

portuguesa um verdadeiro prolongamento pós-atlântico do

continente africano.

Após analisar o potencial bélico do português

seiscentista para um confronto com indígenas no ambiente de mata

tropical conclui que dificilmente o resultado seria favorável

ao europeu. Passei então a considerar que a construção do nosso

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espaço colonial apoiou-se numa estratégia de cooptação da força

guerreira indígena, direcionada não só contra os “invasores”

europeus, como também contra outros grupos tribais aborígines

refratários e ao próprio negro escravizado. Assim, os

portugueses dependeram das alianças feitas com diversas “nações”

Tupi-Guarani, extremamente adaptados às condições ambientais e

herdeiros de uma forte tradição guerreira, para a concretização

do seu projeto de conquista, estando esta estratégia

documentalmente expressa no Regimento do Governador Tomé de

Sousa.

Conclui o mestrado com a dissertação voltada para a

análise da espacialidade missioneira jesuítica, optando por

comparar a diferenciação na construção da espacialidade

missioneira da América espanhola em relação aos nossos

aldeamentos, selecionando o aldeamento de São Lourenço como

estudo de caso. Apesar de centrada fortemente no discurso

histórico, dado a área de concentração do mestrado em

Antropologia da Arte, procurei aproximar este discurso ao

enfoque etnológico, discutindo as conseqüências do projeto de

conversão religiosos jesuítico na sociedade indígena e a

expressão espacial deste processo. Procurando melhor entender a

dimensão social da consagração do título de Cavaleiro da Ordem

de Cristo a Araribóia, “principal” deste aldeamento, me deparei

com a questão do Padroado religioso, sob o poder institucional

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7

desta ordem monástica. Passando, então, a estudar a origem desta

Ordem, tomei conhecimento da Ordem dos Templários, da qual era

a Ordem de Cristo sucedânea, cuja tradição exalta a capacidade

expressa nas Cruzadas de construção de alianças, muitas delas

costuradas com forças islâmicas. Tomou-me então a suspeita de

que esta Ordem monástica teria tido uma participação expressiva,

ainda não revelada, nos descobrimentos portugueses.

Ao ingressar no curso de doutoramento, tendo como

proposta a continuidade da pesquisa desenvolvida para a

elaboração da dissertação de mestrado, ao considerar o

aldeamento como gerador de um contexto municipal, o projeto de

tese apresentado volta-se não só para o aprofundamento do

histórico de São Lourenço e da Vila de São Domingos da Praia

Grande como também na análise do contato interétnico e do

processo de aculturação decorrente da implantação, permanência e

convivência deste aldeamento jesuítico com um novo núcleo urbano

colonial, gestado em seu interior. Ao longo da pesquisa, ao

analisar a documentação primária sobre o patrimônio da Companhia

de Jesus na Capitania do Rio de Janeiro, a fim de estudar a

relação dos estabelecimentos jesuíticos mais próximos com o

aldeamento de São Lourenço, deparei-me com uma questão

desconcertante, ao observar que em algumas regiões instaurou-se

o conflito administrativo entre o Governador da Capitania do Rio

de Janeiro e o Capitão-mor de São Vicente, com a concessão de

Page 16: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

8

diferentes sesmarias por estas autoridades para o mesmo local.

Este questão levou-me a pesquisar sobre a origem da Capitania

Real do Rio de Janeiro, constatando que se relacionava com a

importância da Baia de Guanabara como ponto estratégico de

controle da rota marítima para o Oriente. Vi-me, assim,

novamente frente ao processo de descobrimentos e expansão

ultramarina da Coroa portuguesa e a interferência das ordens

militares neste processo, tema que me envolveu definitivamente.

Deste modo, esta tese expressa todo um caminhar onde

não temos a pretensão de “reescrever a História”, mas trazer

novas luzes sob um tema que, apesar de prestes a completar 500

anos, muitas das suas principais questões permanecem ainda na

cercadas de dúvidas e incertezas. Ao considerar este processo

expansionista como elaborador de uma nova contextualidade

geopolítica e conseqüência de uma estratégia previamente

arquitetada, esperamos despertar novas discussões não só sobre

os descobrimentos ibéricos como também sobre o processo de

conquista colonialista adotada pela Coroa de Portugal na

América.

ORIENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA:

Os descobrimentos ibéricos, assim como a queda de

Constantinopla, são considerados como marcos referenciais da

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9

eclosão da modernidade. O encontro de um Novo Mundo juntamente

com o acesso direto às fontes produtoras e distribuidoras de

especiarias no Oriente usualmente são apontadas como as razões

principais que fazem dos descobrimentos marco referencial de um

momento histórico. Morton é um dos poucos estudiosos que destaca

o aspecto geopolítico deste momento de transformação, ao

ressaltar que a chagada da frota portuguesa no Índico resultou

na destruição do poder das cidades comerciais italianas e a

mudança do centro gravitacional da Europa, do Mediterrâneo para

a costa Atlântica (3).

João Marinho dos Santos (4) considera que, neste processo

expansionista, nem tudo fora obra do acaso como nem tudo fora

“cientificamente” programada. Apesar de concordar com o eminente

historiador português, pois é inegável a interferência da

casualidade no processo histórico (5), note-se que as pesquisas

sobre os descobrimentos pouco se volta para o “cientificamente

programado”, normalmente enfocado do ponto de vista dos avanços

tecnológicos que permitiram esta aventura marítima. Consideramos

aqui que uma ação de tamanha envergadura e conseqüência

geopolítica tenha sido fruto, primordialmente, de um projeto

estratégico prévia e cerebralmente arquitetado.

Ao considerar a expansão marítima portuguesa, contudo,

como conseqüência de um planejamento inserido em uma

processualidade histórica, e não dos designes divinos ou do

Page 18: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

10

destino, devemos observar que a sua gestação se deu,

obrigatoriamente, no ventre do medievo ibérico, mesmo que

tardio.

O historiador mexicano Bosch Garcia destaca, no estudo

dos descobrimentos ibéricos, a necessidade de recordar-se o

Medievo espanhol e a Reconquista, observando que enquanto na

porção central da Península Ibérica a Reconquista apresentou-se

como a implantação do sistema feudal tradicional, na Catalunha,

Aragão e Navarra o feudalismo resultou numa mescla de valores

sociais desconhecido para o feudalismo europeu, com a absorção

das populações árabes e judias e de uma superposição do mundo

feudal com o moderno burguês. Apesar de ter tido problemas

idênticos ao de Castela, observa ele que o processo de formação

do Reino português assemelha-se com o de Aragão (4). Contudo, a

influência da cultura islâmica na formação sóciopolítico do

Estado português tem sido um ponto discordante na

historiografia portuguesa. Para Serrão, a ocupação moura legou

uma forte herança cultural.

Os Mouros constituem o elemento não hispânico que deixou influência mais perdurável nas instituições, na língua e nos costumes do País. Com a exepção da marca romana, não existe na formação do nosso povo contributo tão valioso para a definição regional que se obrou ao sul do Tejo e na sedimentação de largos estratos da vida e da mentalidade portuguesa. (...) Um convívio de cinco séculos, que se prolongou após a Reconquista, fez com que muitos vocábulos de origem árabe se introduzissem pela via directa ou hispânica no léxico nacional. Muito desses termos focam a administração e a justiça, o exército e a marinha, a vida social e privada, a natureza e a fauna, a agricultura e a moeda, a vida quotidiana e as profissões. (7)

Page 19: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

11

Diferentemente, Da Silva e Hespanha nega esta

influência e credita à forte identidade católica o motivo da

exclusão do mouro na formação portuguesa.

Negativamente, este sentimento de identidade promovia a recusa de tudo o que fosse estranho ou adverso à comunidade católica, desde os pagãos, ou infiéis, aos judeus ou aos hereges. Primeiro, pela força da idéia de limpeza de sangue, depois, pela idéia de cruzada, constitutiva de toda a mitologia da portugalidade e que se enraizava, justamente, na idéia de que os mouros (mais tarde, os infiéis em geral) eram o "outro". Reflexo dessa posição foi a recusa de integração da herança muçulmana, factor de ruptura no seio da identidade cristã, na construção de uma identidade portuguesa e/ou peninsular (hispânica). O domínio mouro foi invariavelmente descrito como factor de perturbação, inaugurador de tempos de destruição. (8)

Endossamos o ponto de vista de Serrão por considerar que

o discurso de Da Silva e Hespanha encerrar contradições. Ao

contrário do que denotam suas palavras, a ocupação islâmica

antecede à formação da identidade portuguesa, que é construída

no processo da Reconquista. Mais adiante, estes autores afirmam

que os meios de produção da identidade católica eram muito mais

eficazes e abrangentes do que os mecanismos de produção de uma

identidade gentílica. Ora, se assim ocorreu, a cultura islâmica

e a etnicidade berbere-arábica não deveria ser obstáculo à

incorporação das comunidades moçárabes ao nascente Reino

português. Observamos ainda que o conceito de pureza de sangue e

a discriminação a mouros e judeus surgem mais tardiamente na

história da formação deste Reino, não sendo sem motivo "que,

para os estrangeiros (e, desde logo, para os Castelhanos), uma

das marcas da identidade portuguesa era, justamente, a

mestiçagem e a contaminação judaica", conforme mesmo observam

da Silva e Hespanha (9). Indo ainda mais longe, Cortesão destaca

Page 20: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

12

a importância das comunidades islâmicas costeiras incorporadas

ao Reino pela reconquista na origem da tradição marítima

mercantil portuguesa.

Quanto à importância que atribuímos à parte dos moçárabes e muçulmanos nas origens marítimas de Portugal, diremos ainda que o simples bom-senso leva a pensar que a civilização comercial dos sarracenos não se perdera de todo em cidades flúvio-marítimas, como Santarém, Lisboa e Alcácer, tanto mais que os novos senhores tinham o maior interesse em conservá-la. (...) Do Algarve podemos afirmar que, após a reconquista, a maior parte da fruta da província continuou a ir para terra de mouros, donde vinha em retorno notável número de dobras de ouro, as "valedias" de Tunes. Em 1198 naufragou nas costas do Flandres um navio português, que ia com destino a Bruges, e entre os artigos da carga, cujo registro se conservou, figura em primeiro lugar o açúcar, especiaria então extremamente rara e que só poderia ser importada de terras de sarracenos, o que indica da mesma sorte continuidade de tráfico entre os dois povos de religião diferente. Porventura mais eloqüente é o que sucede com Santarém. Documentos relativos a esta cidade, dos séculos XII e XIV, mostram que então as suas relações comerciais eram principalmente com o Algarve e Sevilha, havia poucos libertos do jugo muçulmanos, e com a Berberia. Ainda em 1383, o rei D. Fernando determina que não exijam fiadores ao alcaide dos mouros de Santarém sempre que ele vá a além-mar, a terra de mouros, com mercadorias, para de lá trazer outras. (...) O facto de os negociantes portugueses se fixarem em Tão grande número em Franca, Flandres, Londres e Sevilha supõe não só uma organização comercial no país de origem e um serviço de comunicações certas e próprias, capazes de compensar as despesas e trabalhos da demorada expatriação, mas também uma educação mercantil, que seria ilógico, como dissemos, presumir nascida e formada depois da conquista de Lisboa. (10)

Assim, concordando com Bosch Garcia, julgamos

que, apesar de não poder falar em uma cultura muçulmano-

lusitana, conforme ocorreu na Catalunha (11), os processos de

Reconquista nestas regiões extremas da Península Ibérica, em

maior ou menor grau, assemelham-se. Fruto da superposição de uma

estrutura feudal a um substrato judaico muçulmano, culturalmente

mais avançado, será essa mescla que representará a modernidade

portuguesa, permanecendo na sua essência até o século XVIII. De

Page 21: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

13

forte influência feudal, porém profundamente diferenciado do

feudalismo castelhano e transpirinaico.

Ao comparar o Estado monárquico português, em relação às

outras nações européias, vemos que, apesar da sua formalização

precoce, a permanência de grande autonomia por parte das

câmaras municipais, o que dava a este Estado um caráter bem

menos centralizador. Muita tinta tem se vertido na discussão de

sua origem, se romana, visigótica ou mesmo islâmica. Contudo,

numa perspectiva processualista, podemos dizer que a alternância

do poder político não desemboca, necessariamente, em um processo

de excludência cultural. Se não podemos negar a origem da

tradição municipalista com a implantação por Roma de seu sistema

administrativo nas regiões incorporadas ao Império, igualmente

não podemos negar que a conquista visigótica preservou muito das

instituições romanas na Península, conforme demonstra o Código

Visigótico, permeado de leis originalmente romanas. Ao mesmo

tempo, lembramos que a implantação do sistema administrativa

islâmico na Península dá-se sob a dinastia omíada originária de

Damasco, cidade de tradição bizantina, ou seja, grego-romana. A

denominação de origem árabe para diversos cargos municipais -

alcaide, almotacés, almoxarife- não deixa dúvidas da permanência

de parte da estrutura administrativa islâmica nas novas regiões

incorporadas ao Reino português. Assim, consideramos que nesse

processo de alternância de poder na faixa atlântica da

Península Ibérica, essas "linhagens" culturais contribuíram, se

não de forma igual, certamente confluentemente, na

institucionalização da autonomia municipalista portuguesa.

Page 22: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

14

Também na questão da propriedade da terra, o Estado

português apresenta-se como peculiar em sua formação. Se, de um

lado, a Lei das Sesmarias, ao privilegiar o direito à posse da

terra pelo seu cultivo, conflita-se com o de propriedade,

inquestionável no Estado moderno, de outro possibilita acesso à

terra a colonos que no regime feudal tradicional estariam

relegados à servilidade (13).

Quanto à questão dos exércitos permanentes, a passagem do

exercício da guerra feudal, atividade exclusiva da nobreza, aos

exércitos "nacionais" dos Estados modernos no século XVIII foi

intermediada, na Europa em geral, pela formação dos exércitos

mercenários (14). Portugal, contudo, apesar do seu limitado

contingente populacional, prescinde da formação de um exército

mercenário permanente, optando, desde os primórdios, pela

mobilização da população civil através das "ordenanças". Neste

aspecto, inicialmente Portugal apresenta-se como a vanguarda da

modernidade européia. Contudo, no final do século XVIII, quando

a maioria das noções européias procurava substituir seus

exércitos mercenários por tropas nacionais regulares formadas

por recrutamento, as forças portuguesas eram, paradoxalmente,

constituídas ainda, na sua maioria, pelas milícias de ordenanças

convocadas pelos conselhos das câmaras. (15) Assim, ao estar

frente a esta conjuntura político-social híbrida e, mesmo,

sincrética, precisamos fugir das armadilhas que o termo

modernidade encerra, quando referido ao Estado português.

Page 23: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

15

Deste modo, o Estado absolutista representa um modelo de

Estado antigo e não o único modelo. Apesar da formação inicial

de um estado monárquico absolutista que evoluiria para um Estado

burguês democrático ser um modelo referencial para a

historiografia ocidental, é um engano considera-lo como

universal. Martinière, observando esta diferença do Estado

português em relação ao modelo absolutista, denomina-o de

“hierarquia descentralizada”, considerando a unidade territorial

brasileira demonstrativo de sua eficácia administrativa (16).

Consideramos, portanto que essa "modernidade" que

antecede D. João V, que é a nossa "matriz colonial", refere-se a

um processo de formação de Estado antigo que se difere em gênero

e não em grau das monarquias absolutista centro-européia, onde

podemos identificar aspectos considerados tanto "retrógrados"

como mais “avançados” ou progressistas” em relação a estes

Estados absolutistas. Assim, caso queiramos melhor conhecer a

"modernidade" portuguesa, e portanto, a nossa "modernidade",

devemos deixar de lado os parâmetros históricos transpirinaicos,

que associa todos os projetos coloniais à política absolutista,

e procurar suas raízes fincadas no processo de formação do

Estado português, para então analisar a maneira pela qual esta

"modernidade" foi aqui transplantada, e suas conseqüências na

formação da nossa sociedade colonial.

Page 24: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

16

O grande entrave nas pesquisas voltadas para os

descobrimentos ibéricos deve-se, sem dúvidas, a quase

inexistência de fontes documentais dos séculos XIV e XV nos

arquivos portugueses referentes aos descobrimentos lusitanos.

Cortesão (17) credita esta ausência à política do sigilo adotada

pela Coroa, exemplificando com o minucioso testamento do Infante

D. Henrique, considerado o responsável pelos grandes avanços nas

ciências náuticas que permitiram a expansão marítima portuguesa,

onde não se encontrou um único roteiro, carta náutica ou

informação relevante sobre os descobrimentos portugueses.

Somente a partir do início do século XVI que passa a existir uma

farta documentação sobre as frotas que se dirigiam à América,

África e Ásia, assim como dos acordos comerciais e da política

externa da Coroa portuguesa. Até então, as informações advém,

principalmente, dos relatos parciais e duvidosos de cronistas.

Apesar de muito contestada pela maior parte dos

historiadores portugueses contemporâneos, julgamos como

convincente esta explicação para este hiato documental.

Evidentemente, não propomos resgatar a questionada "teoria das

conspirações" onde, desconsiderando a dinâmica social, o

desenrolar histórico é visto como um joguete de mentes

diabólicas, responsáveis pela arquitetura e realização de

mirabolantes planos e conspirações. Contudo, não devemos cometer

o costumeiro erro de “jogar fora a criança junto com a água

suja da bacia” e assumir a postura ingênua de desconsiderar a

possibilidade de negociações e articulações "subterrâneas",

não registradas em fontes documentais acessíveis. O cotidiano

Page 25: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

17

político está repleto de exemplos que demonstram a importância

do segredo e das informações sigilosas no processo histórico

(18).

Contudo, julgamos não ser a pertinente considerar,

conforme Cortesão, a razão de segredo de estado como única.

Conforme apontamos, a gênese da expansão ultramarina encontra-se

no medievo, onde a transmissão e renovação dos conhecimentos

davam-se também por outras vias além da acadêmica e livresca. Do

mesmo modo que não se encontram os projetos e planos

construtivos dos aperfeiçoamentos arquitetônicos que permitiram

a construção das catedrais góticas, também não se encontram

registros sobre os avanços náuticos até a segunda metade do

século XVI. Porém, sabemos que os princípios construtivos

empregados nestas catedrais eram extremamente sofisticados,

exigindo profundos conhecimentos de, dentre outros, distribuição

de forças e resistência de materiais, o que possibilitou a

transferência do empuxo da cobertura diretamente para o solo,

através dos arcos botantes. Do mesmo modo as caravelas, cujo

surgimento só foi possível graças a um elaborado aperfeiçoamento

na arquitetura náutica que a permitia, seguindo um trajeto em

zig-zag (navegar à bolina ou bordejar) vencer à ação dos ventos

contrários.

Evidentemente, que após o aperfeiçoamento e expansão da

imprensa, a transmissão de conhecimento tornou-se menos

problemática e restrita. Contudo, temos a pretensão de nos

considerar herdeiro de todo o conhecimento adquirido, quando

muito se perdeu ao longo do processo histórico. Julgamos que

Page 26: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

18

esta distorção deve-se, em grande parte, a concepção

evolucionista do aperfeiçoamento constante e linear que tão

fortemente marcou o nosso pensamento historiográfico através do

positivismo (19).

Deste modo, devemos estar atentos que tratar dos

descobrimentos ibéricos nos coloca numa região fronteiriça onde

encontramo-nos com um pé na modernidade e outro no medievo. Se a

utilização de atentos espiões e documentos top secret revela um

sofisticado jogo político caracteristicamente moderno, por outro

lado, esta forma “subterrânea” de transmissão de conhecimentos

revela um contexto caracteristicamente medieval.

Aos olhos de um grande número de historiadores, o fato de

se procurar explicações para determinados acontecimentos

históricos sem estar alicerçado em fontes primárias demonstraria

a falta de cientificidade, até mesmo seriedade, do pesquisador.

Apresenta-nos, então, a seguinte questão: como trabalhar com

hipóteses não respaldadas por um número considerável de

fontes confiáveis, preferencialmente primárias, sem cair no

subjetivismo ou mesmo no delírio? Esta preocupação levou-nos à

procura de caminhos alternativos dentro do viés da

interdisciplinaridade.

Destacamos, assim, a Cartografia como principal

referência do nosso discurso interdisciplinar. Utilizaremos

suas informações, principalmente referentes ao cálculo de

coordenadas geográficas, para questionar o atual modelo

interpretativo para a expansão ultramarina ibérica e procurar

Page 27: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

19

demonstrar que a exploração, por parte de europeus, do

território brasileiro iniciou-se muito antes de seu

“descobrimento”. Assim, o nosso discurso está apoiado não

somente em relatos documentais como também em dados matemáticos.

Por outro lado, ao abordar o contato interétnico entre o

europeu e o nosso aborígine litorâneo, devemos ressaltar,

inicialmente, que a barreira entre a História e a Pré-história é

essencialmente conceptual. Uma concepção que define, a priori,

meios metodológicos diversos de abordar o processo histórico e

não a natureza deste. Se cabe à Arqueologia a análise dos

momentos pré-históricos, numa perspectiva processual constata-se

que inexiste a barreira entre a Pré-história e a História

Social. Ao ultrapassar suas verdadeiras dimensões operacionais,

esta diferenciação mostra-se como extremamente danosa na

reconstrução do processo histórico, especialmente em nossa

historiografia colonial, onde se cruzam diversas etnias,

aborígines, européias e africanas, sendo, porém, somente uma

delas produtora de fontes documentais escritas. O europeu ao

aqui chegar encontra uma sociedade ágrafa, porém agente de um

processo histórico em curso. A presença do europeu representará

uma variante, e não uma "origem", neste processo.

Finalmente destacamos que, do ponto de vista

metodológica, esta pesquisa é fruto do “pensar arqueológico”.

Comparado por diversos autores a investigação detetivesca, onde,

muitas vezes, a contextualização dos vestígios indiretos

Page 28: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

20

reconstitui uma cena totalmente diversa da relatada nos

depoimentos testemunhais, a pesquisa arqueológica procura

primeiramente recuperar o complexo da cultura material, suporte

básico para a reconstituição etnográfica e da processualidade

diacrônica. De maneira semelhante abordamos o nosso tema,

apoiando nossa reflexão sobre o descobrimento e conquista

espacial da América portuguesa no cruzamento dos dados de cunho

tecnológico - instrumental náutico e cartográfico - com

relatos documentais e informações etnográficas.

Page 29: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

21

NOTAS

1- José Mattoso. Breve reflexões sobre o início dos descobrimentos portugueses. In Fragamentos de uma composição medieval. Lisboa, Estampa, 1987, pp. 296/7: Para explicar tal fenômeno, [os descobrimentos] os manuais de história limitam-se normalmente a enumerar um certo conjunto de acontecimentos que se podem considerar como antecedentes. Tais são os contactos históricos do Ocidente europeu com outras civilizações: as cruzadas, o estabelecimento da rede de comércio mediterrânico por mercadores italianos, catalães e andaluzes, as embaixadas enviadas aos mongóis, as viagens de missionários e aventureiros ao Oriente. Ou então, descrevem-se os inventos técnicos que permitiram desenvolver a navegação ao longo curso: a bússola, o leme, os portulanos, o aperfeiçoamento das velas. Em manuais mais detalhados pode-se mesmo falar da transmissão dos conhecimentos geográficos e astronômicos vindos da época clássica e desenvolvidos pelos muçulmanos. Limita-se geralmente a explicação do fenômeno à recolha deste conjunto de factos. (...) Tudo isto é importante, e pode-se considerar como matéria adquirida, mas não satisfaz plenamente. Em termos globais, pode-se perguntar, por exemplo, o seguinte: Se o Ocidente passava, desde meados do século XIV, por um período de crise demográfica e de recessão econômica, como se compreende esta tendência para a expansão ultramarina? Onde estão os excedentes populacionais que alimentam a constante sangria de gente? Se os Europeus se mantiveram durante tantos séculos encerrados dentro dos limites do continente, mesmo numa época de crescimento demográfico, como foi a dos séculos XI e XII, porque é que sentem agora a necessidade de conhecer novos mundos fora da sua área civilizacional? Se até então concebiam a relação com outras culturas de forma agressiva, inconciliável; donde vem agora a curiosidade por costumes diferentes, o ímpecto para comunicar com povos de língua desconhecida, a coragem de navegar através do oceano cheio de perigo?

2- Cf.Roberto da Matta, Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. 18 de agosto de 1996. Caderno B, p.1. Nesta entrevista, o antropólogo Roberto da Matta, ao tecer considerações sobre a influência do processo colonizador na formação da cultura brasileira, exprime de forma precisa este verdadeiro paradigma histórico.

3- A. L, Morton. História do povo inglês. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970, pp. 136/7.

4- João Marinho dos Santos - “A Expansão Pela Espada e Pela Cruz”. Palestra proferida no Seminário Brasil 500

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22

anos Experiência e Destino, Ministério da Cultura - FUNARTE / Divisão de Estudos e Pesquisa, 06/11/97.

5- A discussão da interferência da casualidade no escopo da ciência foi recentemente retomada pela teoria da complexidade que considera a história do universo como determinada tanto por leis fundamentais como por inconcebíveis seqüências de acidentes que surgem de várias maneiras e com várias probabilidades. Gell-Mann apresenta uma interessante e profunda discussão sobre esta polêmica teoria em O quaker e o jaguar. Rio de Janeiro, Rocco, 1997.

6- Carlos Bosch Garcia - La expansión marítima anterior al descubrimiento. In Ideas y presagios del descubrimiento da América. México, Inst. Panamericano de Geografia e História / Fondo de Cultura Económico, 1991, pp.

35/7/9/42: “En Cataluña coincidió el establecimiento del feudalismo y el comienzo de la economía monetaria y de ello resultó una mezcla de valores sociales, desconocidos para el feudalismo europeo. Así se absorbió la población árabe y también la esclava y todos juntos coadyuvaron el desarrollo de la economía, siendo los judíos uno de los grupos más activos en Cataluña, Aragón y Navarra. (...) En las ciudades catalanas se superpuso el mundo feudal con el moderno burgués y ello se reflejó en la economía urbana al reclamar las leyes de excensión que las convertiría en privilegiadas. (...) En la Meseta castellana en cambio, las órdenes militares no abandanaron el ámbito feudal y promovieron los grandes latifundios, sobre todo en las fronteras del sur. (...) Portugal tuvo, por su parte, idénticos problemas que Castilla, pero les opuso un atractivo programa de navegación expansiva que embebió las demandas de su aristocracia, menos rigida que la castellana; convitió Lisboa en lugar de apoyo para la navegación que iba del Mediterráneo al Atlántico y se proyectó a las aventuras de este océano aceptando la contribución de excelentes esfuerzos. De manera similar procedió la corona de Aragón, constituyéndose en vanguardia al principio del siglo XIV.

7- Joaquim Serrão - História de Portugal. Lisboa, Verbo, 1979, p.192, v. 1

8- Ana Cristina Nogueira Da Silva & António Manuel Hespanha - A identidade portuguesa. In História de Portugal, Lisboa, Estampa, 1994, quarto volume. p.21

9- Ibdem, p.22 10- Jaime Cortesão - Os factores democráticos na formação de Portugal. Lisboa, Portugália, 1978, pp.78/9, 87

11- Carlos Bosch Garcia - Opus cit., p. 37: La vida cadémica de los centros importantes acogió a los aljames judíos en Barcelona, Tortosa y gerona. La cultura musulmano-catalana pudo concentrarse así en Tortosa donde se multiplicaron poetas, historiadores, eruditos, insignes en su mayoría, que recibieron a los musulmanes y a los judíos perseguidos por los almohades en el sur.

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12- Cf. José Mattoso. Da comunidade primitiva ao município: o exemplo dos Alfaiates. In Fragmentos de uma composição medieval. Lisboa, Estampa, 1987, pp. 35/48.

13- Cf. Virgínia Rau. Sesmarias medievais portuguesas. Lisboa, Presença, 1982.

14- Perry Anderson - Linhagem do estado absolutista. São

Paulo, Brasiliense, 1995, p.22: Do abismo de agudo caos e turbulência medievais das Guerras das Duas Rosas, da Guerra dos Cem Anos e da segunda Guerra Civil de Castela, as primeiras “novas” monarquias ergueram-se praticamente ao mesmo tempo, durante os reinados de Luís XI, na Franca, Fernando e Isabel, na Espanha, Henrique VII, na Inglaterra, e Maximiliano, na Áustria.

15- José Maria Moreira Guimarães - “Organização da força militar”. Revista do IHGB - Tomo especial consagrado ao Primeiro Congresso de História Nacional, Parte III, Rio

de Janeiro, Imprensa Nacional, 1914, pp.434/5: “Mas é força reconhecer que ainda em 1792 as tropas portuguezas eram exercitos de linha e milicias provinciais (...) Isto é, exercito e milicia, tudo era milicia. Mais tarde, entretanto, desde a promulgação do D. de 7 de agosto de 1796, a palavra milicia indica tão somente a tropa de 2. linha, a qual, até então se achava organizada em terços auxiliares, tanto no Brasil como em Portugal. Em verdade, as milicias comprehendiam as forcas de 1., 2., 3. linhas. E eram milicias as ordenanças creadas nas diversas capitanias do Brasil, ordenanças que nada mais constituiam do que uma especie de “Landsturm”, ao que pensa o General Bardin, -tão certo é que não deviam ser obrigadas a ir a fronteira, excepto no caso de perigo mui notorio, alem dos recursos da propria tropa de linha. A instituição das chamadas ordenanças, “soldados ou gente de guerra dada, e paga pela camaras, e conselhos” - data dos primeiros tempos da Monarchia Portugueza. Nelles até a edade de 60 annos, servia todo portuguez. E em Portugal e no Brasil, eram formados de terços commandados por Capitães-Mores, na terra em que não havia Alcaides-mores, ou pelos mesmos Alcaides-mores nas suas terras; e constavam de companhias compostas de um Capitão, um Alferes, um Sargento, dez (10) cabos de Esquadra e duzentos e cincoenta (250) soldados .

16- Guy Martinière - “A implantação das estruturas de Portugal na América.” Nova história da expansão portuguesa, vol. VII - O Império Luso-Brasileiro 1620-

1750 Editorial Estampa, Lisboa, 1991, pp. 171/2 : “ Convém , assim, pôr fim às comparações entre o modelo administrativo português no Brasil e os modelos espanhóis, franceses ou ... norte-americanos, com o objetivo de concluir pela sua “insuficiente lógica”. A eficácia da gestão administrativa de tal espaço, com fronteiras tão móveis, mede-se pela imensidade e pelo êxito da

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conquista colonial de um território cuja transformação em território nacional aquando da independência, foi surpresa dos contemporâneos. Se o Império do

2,

será de considerar que a luzitanização administrativa, nos séculos XVII e XVIII, algum papel teve nesta questão? Também a aplicação desta administração na conquista mostra a força da sua originalidade. Estudemos, portanto, a administração portuguesa na América em si mesma, sabendo que a análise do funcionamento das administrações centrais da Coroa, encarregada, em Portugal, de regulamentar o Império colonial, é proposta por outra via. E, principalmente, tentemos ver em que medida esta gestão colonial original poderia constituir um modelo que nações rivais teriam interesse em considerar. (...) De facto, as recentes contestações aos modelos das práticas administrativas “absolutistas”, e “jacobina” permitem conceber a eficácia de outros sistemas, por exemplo, o da “hierarquia descentralizada”, onde a imensidade do espaço a administrar não exclui, e mesmo implica a utilização simultânea ou complementar, pela metrópole, de vários subsistemas com dinamismo e até autonomia próprias. Tais sistemas “multipolares” não significa “crise do Estado”, colonial ou não, mas podem ser, pelo contrário, sinal de uma melhor adaptação às realidades...”

17- Jaime Cortesão - “Los Portugueses”. Historia da América y de los pueblos americanos. Barcelona, Savat,1947, pp. 541/2 TIII.

18- Lembrando o caso Irãgate, todos os registros

documentais que os historiadores do futuro teriam acesso mostrariam os Estados Unidos sob a administração de Reagan como o mentor e fiscalizador da política do boicote comercial contra o Irã propondo, inclusive, punições contra países que não respeitasse integralmente este boicote. Todavia, por não ter a secretária do Gal. Oliver North destruído toda a documentação devida, descobriu-se que, enquanto os Estados Unidos pregava o boicote, seus agentes secretos negociavam vendas de armas ao Irã. Evidentemente que seria muita ingenuidade considerar que a prática da destruição de documentos comprometedores inicia-se com a recente invenção da máquina de picotar papéis. Um outro interessante exemplo atual é o do "vazamento" da informação, divulgada "timidamente" pelos meios de comunicação, de que fora a CIA a responsável pela preparação e introdução nas comunidades negras nos Estados Unidos da droga crack, com intuito de desarticulá-las socialmente. Apesar do diretor da CIA ter afirmado que o caso seria investigado com todo rigor, evidentemente que a imprensa e o público em geral, assim como, provavelmente, os futuros historiadores, não terão acesso a estas "investigações". Apesar desta impossibilidade de constatar a veracidade desta informação, não é difícil conjeturar que forças poderosas, preocupadas com a consciência social que emanava de setores marginalizados, utilizaram-se de um braço do Estado para minar este segmento através da

Brasil conseguiu manter esta unidade territorial de sete a oito milhões de Km não

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introdução de uma droga de efeito instantâneo e destruidor, além de, antes de mais nada, de baixo custo, acessível aos marginalizados economicamente. Estaríamos assim frente a um processo social que sofre contraponto e interferência de interesses minoritários, porém poderosos.

19- A Antropologia Biológica incorpora, atualmente, uma nova dimensão conceitual de evolução que se diferencia daquele paradigma que nos remete a um processo axiomático irreversível e homogeneamente ascendente. Nesta nova perspectiva teórica, apesar de não negar a gênese de uma processualidade evolutiva, considera-se que alterações marcantes ocorrem tanto em um curto espaço de tempo, em resposta às profundas mudanças ambientais, conforme ocorrido na emergência bípede, como de forma lenta e progressivamente, como na passagem do estágio habilis para erectus. A noção genérica que até recentemente tínhamos para o processo evolutivo biológico humano era de um lento mas constante desenrolar onde bipedismo, tecnologia e evolução intelectual caminham lado a lado. Contudo, sabe- se agora que bipedismo não foi uma aquisição lenta e gradual mas sim fruto de uma fixação brusca de uma variante mutante em uma espécie de símio arborícola que, isolada por cataclismos geológicos em um ambiente hostil, estaria, a princípio, condenada ao extermínio. A partir do estudo comparativo do código genético humano com o do chimpanzé, bioquímicos calculam que a diferenciação entre estes é de somente 1,4 %, datando em apenas aproximadamente 5 milhões de anos o ponto de irradiação humana a partir de um ancestral comum. Para uma exposição destas novas descobertas e suas conseqüências sobre o pensamento antropológico veja Richard Leakey - A origem da espécie humana, Rio de Janeiro, Rocco, 1995.

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I. A Cartografia Renascentista e a Expansão Ibérica :

Conhecer o Céu Para Descobrir a Terra

Page 35: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

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1 A CARTOGRAFIA E A REPRESENTAÇÃO DA ESFERA NO PLANO. 1.1 As Representações e Projeções Cartográficas

A Cartografia e a Topografia têm como

objetivo representar graficamente parte da superfície

terrestre. Essa representação tem, porém, características

próprias. A área representada é vista de cima, como de um

balão estacionado, guardando uma relação constante de redução

entre as distâncias reais e as suas representações gráficas,

ou seja, dentro de uma escala predeterminada. Além disso, é

preciso que cada forma ou acidente do terreno representado

esteja posicionado exatamente na direção correspondente em

relação a outros pontos.

Contudo, apesar de objetivo comum, a Cartografia e a

Topografia diferem na maneira da elaboração de suas

representações. A Topografia limita-se a reproduzir áreas não

superiores a 50 km de raio do seu centro, desprezando a

esfericidade e simplesmente considerando a Terra como plana.

Contudo, no âmbito da Cartografia, onde são representadas áreas

mais extensas, essa esfericidade não pode ser desprezada (1). O

produto final das representações cartográficas e topográficas

são os mapas, cartas e plantas.

Page 36: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

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Mapas são as representações cartográficas de grandes áreas,

sendo cartas as representações de áreas menores. Já as

representações topográficas são denominadas de plantas. O

elemento diferenciador destas representações são as suas

escalas. Assim, as plantas topográficas são aquelas que possuem

escalas até 1:5 000. Já as cartas têm suas escalas variando de

1:10 000 a 1: 50 000. Representações com escalas menores são

denominadas de mapas (2).

Como não é possível aplainar de forma contínua a

esfera no plano, ou seja, a esfera não é desenvolvível no

plano, a questão central da Cartografia é como representar

parte da superfície esférica da Terra sobre o plano. Resolve-se

este problema lançando mão do artifício da projeção, ou seja,

projeta-se a rede de meridianos e paralelos correspondentes à

superfície a ser representada diretamente sobre o próprio plano

ou sobre o cilindro ou cone, representações geométricas

desenvolvíveis no plano.

Essa passagem do esférico para o plano traz, porém,

necessariamente, deformações. Como os elementos básicos

medidos no local para que se possa representar graficamente

parte da superfície terrestre são distâncias horizontais e

direções, a partir dos quais se formam as áreas, a Cartografia

procura, então, em suas representações, manter a

Page 37: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

29

equivalência para um desses elementos básicos, escolhido em

função da finalidade da carta, deformando os dois outros.

A partir de suas deformações, as representações cartográficas

podem ser classificadas em eqüidistantes (mantém as

distâncias e deformam as direções e áreas), equivalentes

(mantém as áreas e deformam as distâncias e direções) ou

conformes (mantém as direções e deformam as áreas e

distâncias). A projeção que não traz nenhuma destas

propriedades é denominada de arbitrária ou afilática, de valor

unicamente ilustrativo. Assim, em função da finalidade que

terá a carta, é selecionado o elemento que preservará a

sua equivalência e a figura geométrica sobre a qual será

projetada a esfera (3).

Na projeção plana ou azimutal as distorções

são pequenas somente nas áreas muito próximas ao ponto de

tangência do plano sobre a esfera. Já na projeção cilíndrica

normal (cilindro tangente ao equador) as pequenas distorções

ficam limitadas à faixa próxima ao equador, deformando à

medida que dele se afasta e aproxima-se dos pólos, que

não são possíveis de ser representados neste tipo de

projeção. Quanto à projeção cônica, mantém pequenas distorções

na área próxima da tangente do cone a esfera (área de

latitude média), aumentando à medida que se aproxima do

equador ou do pólo.

Page 38: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

30

Como em navegação o erro de direção, por

ser cumulativo, é muito mais grave que de distância, e

como as projeções cilíndricas apresentam os meridianos e

paralelos como linhas retas e paralelas, o que facilita a

determinação das coordenadas geográficas e dos rumos a serem

seguidos, o tipo de projeção utilizada na confecção das

cartas náuticas é a cilíndrica conforme.

1.2 As Coordenadas Geográficas e a Declinação Magnética

Os pontos são localizados nas cartas a partir

das coordenadas geográficas, latitudes e longitudes

referenciadas aos meridianos e paralelos projetados. A latitude

é a distância em graus de um determinado ponto ao equador,

contada sobre a meridiana local (a linha que passa por este

local unindo pólo a pólo) variando de 0º a 90º, expressa em

valores positivos para o hemisfério norte, ou seguido de N, e

negativo para o hemisfério sul, ou seguido de S. A longitude é

a distância angular entre um meridiano de referência

(atualmente o de Greenwich) e a meridiana de um local, contada

de 0º a 180º para leste (E) ou oeste (W).

Atualmente as coordenadas geográficas são

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31

obtidas por observações astronômicas ou através de sinais

emitidos por satélites e interpretados por aparelhos

denominados GPS (Global Posicion System). Assim, antes do

advento deste sistema apoiado em satélites artificiais, o

cálculo das coordenadas geográficas de um ponto ainda não

representado cartograficamente era feito a partir de dados

obtidos por observações astronômicas. Deste modo, a

representação da esfera no plano esteve sempre associada ao

posicionamento dos astros em um determinado momento na abóbada

celeste. É importante observar que até hoje a Astronomia de

Posição tem como referencial o modelo geocêntrico, pois,

apesar de incorreto, permite a perfeita correlação da posição

dos astros com os pontos geográficos (4).

No seu movimento de rotação, a Terra cria um

campo magnético cujos pólos estão próximos, mas não

coincidentes, com os pólos geográficos, de modo que a agulha

imantada da bússola aponta, não para o pólo geográfico, mas

para o magnético. Declinação magnética é o ângulo entre a

direção apontada pela agulha da bússola (norte magnético) e a

direção da meridiana local, ou seja, a direção do pólo norte

geográfico. Como o pólo magnético migra em torno do pólo

geográfico, a declinação magnética varia com o tempo

(geralmente considera-se a variação anual) e com o local,

podendo ser para leste (E) ou para oeste (W).

Page 40: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

32

Rumo é o ângulo que uma determinada direção faz com a

meridiana local, contado a partir do norte ou sul, para leste ou

oeste, atingindo assim um valor máximo de 90º. Portanto, além

do valor angular, o rumo é também definido pelo seu

quadrante. Os quadrantes são expressos através das siglas

NE (nordeste), NW (noroeste), SE (sudeste), SW (sudoeste).

Deste modo, o rumo indicado pela bússola é o magnético e não

o geográfico ou verdadeiro. Assim, para seguir-se em um

determinado rumo (em linguagem náutica, uma determinada

derrota) calculado a partir da carta, é necessário

transformar o rumo verdadeiro em magnético através da

declinação magnética local.

De forma sucinta, podemos dizer que o processo de

elaboração de uma carta consiste em, inicialmente,

estabelecer graficamente a rede de meridianos e paralelos em

função da projeção selecionada e posicionar pontos de

referência a partir de suas coordenadas geográficas. A carta

então é completada com as informações advindas dos

levantamentos topográficos que consistem, a grosso modo,

na medição de distâncias, diferenças de nível e rumos

Page 41: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

33

que dimensionem, separem e posicionem os pontos e acidentes a

serem representados.

2. BREVE HISTÓRICO DA CARTOGRAFIA E TÉCNICAS NÁUTICA DOS

DESCOBRIMENTOS.

A medição topográfica surge no Egito Antigo, em

função da constante necessidade de medir, definir e locar

áreas, devido às enchentes periódicas das terras produtivas

pelo Nilo e à conseqüente perda dos limites

anteriormente estabelecidos. Conheciam o cálculo da latitude

em função da altura meridiana do sol e da estrela polar,

importante para o Egito, que se estende praticamente na direção

norte-sul. (5)

Já o sentido de longitude é eminentemente

grego, tendo este termo origem, inclusive, na concepção que no

século V a.C. tinham a respeito do mundo habitável

(Ecúmeno), que consideravam da forma de um cilindro alongado

no sentido leste-oeste. A idéia da esfericidade da Terra surge

na Grécia no início do século IV a.C. Um dos seus

principais defensores foi Aristóteles que em 350 a.C.

Page 42: A cruz de Cristo na Terra de Santa Cruz: a geopolítica dos descobrimentos e o domínio estratégico do Atlântico Sul

34

formulou os seis argumentos demonstrativos da

esfericidade da Terra. Defendia ele a concepção geocêntrica de

universo, onde a Terra estaria imóvel em seu centro, girando

os outros astros ao seu redor. Um discípulo seu, Dicearco

(350-290 A.C.), estabeleceu o "Diafragma", eixo

correspondente ao paralelo + 36º que passava pela ilha de

Rodes, de onde partia um eixo perpendicular.

Contudo, os grandes avanços da Cartografia

na Antigüidade ocorreram durante o período helenístico

em Alexandria, onde a fusão do conhecimento grego e

egípcio permitiu estabelecer as bases da Cartografia atual.

Foi em Alexandria que pela primeira vez se dimensionou

corretamente a Terra. Esse mérito cabe a Erastóstenes (276-196

A.C.), geógrafo da Biblioteca de Alexandria, que calculou a

circunferência da terra em 250 000 estádios (aprox. 45 000 km),

ou seja, com uma precisão de + 14 % (6). Calculou também a

obliqüidade do eixo da Terra em 23º e 51' (o correto é 23º e

27’ ) e afirmava que se podia navegar da Espanha à índia

contornando a África

Foi Hiparco de Nicéia (146-126 A.C.) que trouxe as

mais importantes contribuições para a Cartografia na

Antigüidade, pois desenvolveu o cálculo trigonométrico,

inventou o método de fixar a posição terrestre a partir

de círculos de latitude e longitude, estabeleceu as

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35

determinações astronômicas para as coordenadas geográficas e

o uso das projeções nas cartas geográficas. Calculou

também tabelas de eclipses do sol e da lua por 600 anos.

Interessante observar que foi ele quem restabeleceu o

geocentrismo aristotélico, derrubando as argumentações do

caldeu Seleuco a favor do heliocentrismo.

Porém, foi principalmente através das obras do

geógrafo Cláudio Ptolomeu (c.100-170) que o ocidente herdou os

conhecimentos cartográficos sistematizados pela Escola de

Alexandria. Na Idade Média, latinos, gregos e árabes

veneraram os livros de Ptolomeu como se fossem sagrados. Este

culto à obra de Ptolomeu permaneceu por todo o

Renascimento. De suas obras, a mais famosa é a

Trigonometria que aparece unida a sua Astronomia. Este manual de

princípios trigonométricos e astronômicos foi traduzido

no século IX pelos árabes com o título de Tabrir al

magesthi, do qual procede Almagesto denominação com que

este livro ficou conhecido no ocidente. Descreveu duas novas

projeções a partir de modificações da projeção cônica e foi

defensor da teoria geocêntrica. Traduzida no século XII do

árabe para o latim por Gerardo di Cremona, da Escola de

Toledo, (7) a partir do século XIV as versões latinas desta

obra de Ptolomeu tiveram grande divulgação entre os

eruditos do Ocidente. No intuito de atualizá-la, no

início do século XVI foi editada uma versão de sua Geografia

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36

que incluía desenhos de países nórdicos que não constavam no

original. A partir de então, tornou-se comum à inclusão de

novos mapas nas diversas edições desta obra de Ptolomeu.

As obras de Ptolomeu continuaram a ser editadas no século

XVI, com a inclusão do continente americano.

Segundo a maioria dos historiadores da Cartografia,

foi Marino de Tiro (c. 100) o primeiro a elaborar uma carta

na projeção cilíndrica, formada por uma rede quadrática de

meridianos e paralelos, onde todos os meridianos e o

equador estavam representados com suas verdadeiras dimensões

(8).

No século XIII a Escola de Toledo recebe do rei

Afonso X, de Castela, a incumbência de traduzir as obras de

astrônomos árabes desconhecidas na cristandade. Reunidos no

palácio de Galiana, cedido pelo mestre da Ordem de Calatrava, e

sob a proteção deste rei que recebeu a alcunha de el Sabio,

muçulmanos e judeus se puseram em colaboração para verter estas

obras, não mais para o latim, mas sim para o novo idioma

castelhano. Dentre diversas, destacam-se os Libros alfosíes de

los estrumentos et de las huebras del saber de Astronomía, onde

se trata da fabricação e emprego dos instrumentos astronômicos,

como a esfera armilar, globo celeste, astrolábio e relógios; o

Libro de las tablas alfonsíes, calendário que reúne o resultado

de milhares de observações; o Libro del Saber de Astronomia,

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onde, no tomo III, se encontra o Livro do quadrante, ensinado

com todos os detalhes a construir um quadrante de madeira; o

regimento de la altura del polo a mediodía, onde se ensina a

calcular a latitude pela altura do sol observada ao meio dia.

Logo estas obras passaram e ser conhecidas em Portugal através

de seu rei D. Dinis, neto de especial predileção do monarca

castelhano e a quem cedeu o Algarve em 1268.

A Cartografia é introduzida na navegação do

ocidente com as cartas portulanas. Acredita-se que

tenham sido desenvolvidas por navegadores genoveses na

segunda metade do século XIII, provavelmente por

influência de navegadores islâmicos. Até então, os guias

náuticos eram elaborados sob a forma de manuscritos. Como

não eram feitas a partir de uma projeção, somente as

regiões próximas aos portos eram bem representadas, razão

pela qual são denominadas portulanas. Estavam orientadas em

relação ao norte magnético e apresentavam desenhos da rosa

dos ventos e rumos a serem seguidos. Como não eram

projeções conformes, acredita-se que essas informações

seriam complementadas por documentos escritos (9).

Segundo Manuel de Pimentel, cosmógrafo mor do

Reino, autor da "Arte de Navegar e Roteiro das Viagens e

Costas Marítimas", publicada em Lisboa em 1707, coube ao

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Infante D. Henrique o invento das cartas de marear de

graus iguais e meridianos paralelos (10) correspondente à

projeção cilíndrica eqüidistante em que o equador é o paralelo

principal. Assim, considerando-se correta a informação

de Pimentel, teria sido D. Henrique o responsável pela

introdução da Cartografia na navegação do ocidente, já

que não podemos considerar as cartas portulanas

como representações cartográficas, devido à ausência de um

sistema de projeção.

Apesar das grandes deformações provocadas pela

projeção cilíndrica eqüidistante nas médias e altas

latitudes, a sua utilização na Cartografia náutica

representou um grande avanço, pois o sistema de quadrículas

retangulares em muito facilitava o posicionamento da embarcação

na carta através das coordenadas geográficas (11). Em certo

sentido, podemos dizer que a utilização da projeção cilíndrica

nas cartas náuticas expressa uma visão "transatlântica", já

que esta projeção é a mais adequada para as regiões

equatoriais, conforme argumenta Pimentel.

O toque final na Cartografia náutica foi dado

pelo cartógrafo holandês Gehard Kauffman (1512-1594), conhecido

pelo nome latinizado de Mercartor, que em 1569 publicou um mapa

mundi na projeção cilíndrica conforme. Mercartor obteve

essa conformidade por processo gráfico ao compensar a

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deformação da projeção cilíndrica eqüidistante no sentido E-W

por proporcional alongamento na direção N-S. A aplicação da

projeção cilíndrica conforme foi fundamental para a Cartografia

náutica, pois não só permite obter diretamente na carta as

coordenadas geográficas, como também por representar por linha

reta a curva loxodrômica, ou seja, a curva que o navio descreve

para ir de um ponto a outro da superfície terrestre, conservando

sempre o mesmo rumo.

Posteriormente descobriu-se a fórmula analítica

da projeção cilíndrica conforme, sendo este o principal tipo

de projeção adotada para as cartas náuticas até a atualidade

(12). Contudo, é importante observar que, não obstante sua

importância para as navegações, a projeção cilíndrica de

Mercartor representa as áreas de médias e altas latitudes de

forma mais distorcida do que a projeção cônica ptolomaica (13).

Assim, se desde o período helenístico os cartógrafos

já dominavam os princípio que regem as projeções azimutais e

cônicas e no século XVI a cilíndrica, por que então os mapas dos

séculos XVII e XVIII apresentam, em geral, tamanhas deformações

quando comparados com mapas atuais de mesma projeção? O

obstáculo maior estava na obtenção das coordenadas geográficas

dos pontos atingidos pelos navegadores, principais informantes

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dos cartógrafos, essenciais para a representação destes pontos

na rede de meridianos e paralelos.

3. A NAVEGAÇÃO DOS DESCOBRIMENTOS

Como os primeiros navegantes, à exceção dos nórdicos,

praticavam, unicamente, a navegação costeira o posicionamento

da embarcação era obtido a partir de pontos notáveis litorâneos

adotados como referências. Mesmo com o desenvolvimento da

cartografia náutica e o surgimento das cartas portulanas, esta

prática, contudo, permanecia limitada à navegação em regiões

litorâneas ou em mares fechados, como no Mediterrâneo.

Posteriormente, com a necessidade de navegar em mares abertos,

onde, muitas vezes, o regime de ventos e as correntes obrigavam

aos navegadores a afastarem-se da costa, conforme ocorria no

regresso da Costa da Guiné a Lisboa, desenvolveu-se a navegação

por estima, onde o posicionamento da embarcação é calculado em

função das distâncias e direções percorridas a partir de um

ponto de referência, de coordenadas geográficas conhecidas. A

direção em que se navega é obtida diretamente pela bússola.

Para o cálculo da distância percorrida necessita-se saber a

velocidade da embarcação e o tempo de percurso. Na época dos

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descobrimentos, estes dados eram obtidos de forma pouco precisa,

dado a precariedade dos instrumentos náuticos disponíveis e por

ainda se desconhecer o cálculo da compensação da declinação

magnética local para a correção da variação da bússola. Deste

modo, a navegação por estima adotada pelos navegadores ibéricos

era pouco precisa para as grandes singraduras, pois este

processo sofre constantes interferências das correntes marinhas

e ventos.

Assim, a navegação por estima necessitava ser

complementada, ou ajustada, pelo periódico posicionamento da

embarcação em mar alto. O cálculo da latitude não

constituía grandes dificuldades aos navegadores ibéricos,

principalmente no hemisfério norte, pois a observação da

altura da Estrela Polar sobre o horizonte permite determinar a

latitude local. O processo é simples e direto: a altura da

estrela polar medida em graus, na época pelo astrolábio,

indica diretamente o valor da latitude do ponto de medição (14).

Contudo, ao se chegar à linha do equador, os

portugueses logo observaram que, a partir de então, a Estrela

Polar deixa de ser visível. A primeira solução pensada foi a de

tentar encontrar um ponto fixo no firmamento austral que pudesse

servir de referência. Constatou-se que a constelação que mais se

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aproximava do eixo celeste era o Cruzeiro do Sul. Esta solução

teve se ser abandonada, pois esta se encontra deslocado em

cerca de 14 graus do verdadeiro sul, o que conduzia a erros

apreciáveis na determinação da latitude.

Assim, no hemisfério meridional ficou-se limitado ao

cálculo da latitude a partir da altura meridiana do Sol ao

meio dia, não tão prático quanto o da observação da Estrela

Polar já que, devido ao movimento de translação da Terra em

relação ao Sol, este valor só representa a latitude quando do

equinócio, ou seja, em 23 de setembro ou 21 de março. Fora

destas datas é necessário recorrer-se ao almanaque solar, onde

se encontra registrado a posição (altura) do sol quando este

está no zênite (ponto mais alto) nas várias latitudes e para

todos os dias do ano. Assim, sabendo-se o dia do ano e medida a

altura solar calculava-se a latitude do ponto onde se

encontrava a embarcação. As primeiras cartas de declinação solar

utilizadas pelos navegadores portugueses, compiladas pelo

judeu Abraão Zacutto, datam de 1483. Posteriormente, em torno

de 1530, o matemático português Pedro Nunes inventou o

instrumento de sombras, destinado ao cálculo da latitude por

duas alturas extra meridianas do sol. Como nesta época os

astrônomos já tinham tabulado a declinação de diversas estrelas,

era também possível o cálculo da latitude através da altura

meridiana de uma determinada estrela, cujo valor deve ser

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somado ou subtraído de sua declinação, obtendo-se então esta

coordenada. Contudo, o processo mais utilizado para o cálculo

da latitude pelos navegadores continuo sendo o da altura

meridiana do sol tomada através do astrolábio ou balestilha

(15).

Já a longitude apresentava-se como um problema mais

complexo e delicado para o qual não havia solução para os

navegadores dos descobrimentos. Como a navegação da costa

africana setentrional fazia-se navegando junto ao litoral, este

não foi um problema crucial para os primeiros descobridores

portugueses. Contudo, com a aproximação ao equador os ventos

contrários impeliam as caravelas a entrarem bem dentro de alto

mar, surgindo assim necessidade da determinação da distância na

direção Este Oeste, ou seja, a longitude a um determinado ponto

de referência. No início do século XVI, ao observarem que a

declinação magnética da bússola variava em função da longitude,

os portugueses pensaram ter descoberto um método prático para a

determinação desta coordenada. No seu Livro de Marinharia,

datado de 1514, João de Lisboa afirma que a declinação magnética

crescia para Leste ou Oeste proporcionalmente à diferença de

longitude, indicando numericamente este relação. Coube, porém a

outro português, D. João de Castro, provar, através de inúmeras

observações ao longo das suas viagens, que João de Lisboa estava

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errado. Todavia, o método veio ainda ser retomado por muitos

outros, inclusive pelo o célebre Mercartor (16).

Somente quando se pode contar com relógios

mecânicos e portáteis, nos meados do século XVIII, o

cálculo da diferença de longitude em relação a um meridiano

de referência, ficou reduzido ao cálculo da diferença horária

transformada em graus (17). Cada hora de diferença

corresponde a 15 graus de longitude Este ou Oeste consoante a

hora local for a mais ou a menos que a hora que o relógio de

bordo marca. Porém, antes que isso fosse possível, o seu

cálculo constituía grande dificuldade, sendo impraticável

aos navegadores, por ser determinado, necessariamente por

“astrônomos doutos”, a partir do cálculo da diferença horária

na observação de eclipses ou conjunções de astros (18).

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NOTAS

.

1-a verdadeira forma da Terra não é regular e recebe a denominação de geóide, que corresponde à superfície média dos mares, estendida em forma contínua através dos continentes. Para fins práticos a Cartografia considera a Terra como um elipsóide de revolução (devido o movimento de rotação) e, em mapas de menor precisão ou de grandes escalas, como uma esfera. Os valores aceitos para o elipsóide foram os estabelecidos por Hayford em 1909, que são os seguintes: Raio da Terra no Equador: 6 378,38 km Raio da Terra nos pólos: 6 359,90 km Circunferência equatorial: 40 102, 84 km. Circunferência meridiana: 40 035, 64 km. Elipsidade (achatamento) : 1/297 Utilizamos como referências básicas para este subcapítulo as obras de Erwin Raisz. Cartografia Geral. Rio de Janeiro, Ed. Científica, 1969 e Cêurio de Oliveira: Dicionário de Cartografia . Rio de Janeiro, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1980.

2- Não podemos esquecer que quanto maior for o denominador de uma escala numérica maior será o seu fator de redução e, portanto, menor ela será. Deste modo, 1:100 é uma escala grande enquanto 1:100 000 é uma escala pequena. A fórmula da relação da escala entre a distância medida e sua representação gráfica é assim expressa: E =D/d, onde E é o denominador da escala, D a distância real (no terreno) e d esta mesma distância representada graficamente. Na prática, a equação variante mais utilizada é aquela que nos permite calcular distâncias reais a partir dos mapas - D = E x d. A utilização do escalímetro ou régua escala simplifica esta operação, já que a conversão é feita na própria leitura da régua. Muitos mapas e cartas apresentam uma escala gráfica que permite também uma leitura direta, trazendo porém o inconveniente de ser pouco precisa.

3- Com o avanço da Cartografia surgiram diversas projeções desenvolvidas a partir das planas, cilíndricas e cônicas, como a projeção de Miller, que é cônica conforme oblíqua bipolar.

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4- Geraldo Luis Miranda de Barros - Navegação astronômica: fundamentos e prática. Rio de Janeiro, Brasileira, 1978, p.15: Para usarmos os astros (na navegação astronômica), entretanto, esqueçamos por enquanto, que existe o movimento de translação e, adotando uma visão pré-Copérnico, imaginemos que a Terra parada é o centro do universo". Com o avanço da eletrônica e da informática, atualmente as coordenadas na navegação são obtidas através da utilização de um aparelho denominado GPS, semelhante a uma calculadora portátil, que pode determinar com grande precisão o posicionamento de um ponto a partir de sinais enviados pelos vários satélites do sistema, este aparelho.

5. As informações sem referências neste subcapítulo deverão ser creditados a: Ballesteros y Bareta - “ Genesis del descubrimientos” e Jaime Cortesão - Los Portugueses. In Historia de America y de los pueblos americanos. Barcelo-Buenos Aires, Salvat Editores, 1947, T. III.

6-Considerando Siena ( atual Assuam) sobre o Trópico de Câncer, (observou que um poço neste local ficava sem sobra ao médio de 21 de junho, ou seja no solstício de verão) mediu o angulo de inclinação do sol ao meio-dia deste mesmo dia em Alexandria (norte de Siena), encontrando aprox. 7 g. Considerando este como o ângulo formado no centro da Terra pelo prolongamento das verticais desses lugares e sabendo que a distância entre Siena-Alexandria era de 5.000 estádios, calculou o raio da Terra como lados de um triângulo isósceles. 7- Abdurrahman Badawi - A escola de Toledo. O Correio da Unesco. Al-Andalus: a confluência de três mundos, Rio de Janeiro, ano 20, n. 2, p.34-34, fev. 1992. pp. 34/5: O membro mais importante desse colégio de tradutores (a escola de Toledo) foi sem dúvida Gerardo di Cremona (1114-1187). Graças a uma breve notícia deixada por seus alunos sobre sua vida e sua obra como tradutor, sabemos que Gerardo foi para Toledo, após terminar os estudos na Itália, para conhecer mais sobre o Almageste. Esse tratado de astronomia composto por Cláudio Ptolomeu, o célebre astrônomo, matemático e geógrafo grego (sic) do século II, era uma imensa obra que dispunha de uma versão em árabe. Antes a profusão de livros científicos em árabe que descobriu em Toledo, Cremona começou imediatamente a estudar árabe, a fim de lê-los e traduzi-los para o latim. Em seguida traduziu mais de 70 obras, entre elas o Almageste, cuja a tradução terminou em 1175. Suas traduções abrangem praticamente todo o campo científico daquela época: diversos livros de Aristóteles (Da física, Do céu e do mundo, Da geração e corrupção e Os meteoros), além de al-Kindi, Ptolomeu, Isaak Israeli, Ibn Sina, Galeno e muitos outros. 8- Max Justo Guedes- “A cartografia fazendo história.” Ciência

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Hoje : América Conquista e Civilização. Rio de Janeiro, SPBC, vol. 15, nº 86, nov. / dez. 1992, pp.92-99: Tudo o que se sabe sobre Marino de Tiro (c. 70-130 d. C.) foi deixado por Ptolomeu. Contudo, os especialistas divergem na interpretação da descrição que este fez da carta desenhada (ou imaginada) por Marino. Segundo uma corrente, foi ele o criador da projeção cilíndrica equidistante, usando graus sexagesimais cujo o precursor foi Hiparco de Nicéia (c. 160 a. C. - 125 a. C.). Para outros, Marino teria imaginado uma rede de quadrados - com o que a sua projeção continuaria ser cilíndrica - mas mescla entre equivalente e equidistante, permitindo que nos limites do Mediterrâneo servisse de carta náutica, porque conservava os ângulo9s em qualquer rumo navegado. 9- Luis Albuquerque discorda daqueles que relacionam as cartas portulanas assim como as de projeção cilíndricas (planas quadradas) como descendentes da projeção proposta por Marino de Tiro, acreditando, inclusive, que o advento da projeção cilíndrica relaciona-se com o desenvolvimento da navegação portuguesa. Luis Albuquerque - Ciência e experiência nos descobrimentos portugueses. Lisboa, Instituto de Cultura e Lingua Portuguesa, 1983, pp. 15/7: Muitos historiadores da cartografia, e entre nós com relevo especial para Armando Cortesão, consideraram que a carta-portulana fosse descendente direta da representação que teria sido proposta por Marino de Tiro. A exposição de Marino sobre o caso pode considerar-se irremediavelmente perdida, e só é conhecida através de vagas referências indirectas, entre as quais avulta a de Ptolomeu. Contudo, para os defensores de tal dependência, o conhecimento do texto do cartógrafo e geógrafo de Tiro teria chegado, por vias que nunca foram claramente explicadas, aos marinheiros do Mediterrâneo, supondo alguns que os árabes, e em especial al- Edrisi, fossem intermediários. (...) Em reforço da tese da influência de Marino na Cartografia náutica medieval, publicou recentemente o historiador Rolando Laguarda Trias um desenvolvido estudo em que sustenta existir uma carta portulano desenhada de acordo com os supostos princípios que teriam sido definidos por aquele geógrafo grego. (...) Em minha opinião, os dados estão aqui tomados de maneira inversa. De facto, a carta de Istambul aparenta estar coberta de uma quadrícula, o que a relacionará com Marino, quando se aceitar que este geógrafo imaginou o que abusivamente se chama a “carta plana quadrada”. Esta, de facto, nunca existiu, senão nas teorias de historiadores mais imaginativos, embora tenha uma razão de ser: de facto, em consequencia dos progressos que os Portugueses foram obrigados a introduzir an navegação, em início do século XVI, passaram a ser inseridas escalas de latitude nas cartas, a que correspodiam iguais valores para cada grau em toda a extensão do desenho; e, não muito depois, embora de modo arbitrário, passou também a inscrever-se a mesma graduação no equador. Daqui resulta que, traçando os paralelos e os meridianos, correspondentes às duas escalas, a carta ficaria coberta por uma rede quadricular, tal como se admitia que Marino tivesse feito, e tal como Laguarda Trias encontrou an carta de Istambul.

10- Manuel de Pimentel - A arte de navegar. Lisboa, Junta de Investigação do Ultramar, 1969 [1712], p.136 : (...) E ainda que Ptolomeu reprovou esta fábrica, não querendo que as cartas feitas por esta maneira possam servir das alturas próximas da equinocial, porquanto desviando-se para maior altura as proporções e medidas se alteram, contudo este grande príncipe julgou com bom fundamento que se podia remediar este inconveniente, e que esta espécie

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de carta tinha outras vantagens para o uso da navegação, e foi o primeiro que as introduziu. 11- Mucio Piragibe Ribeiro de Bakker- Cartografia: noções básicas. Rio de Janeiro, Marinha do Brasil -Deptº de Hidrografia e Navegação, 1965, pp. 173/4: A escala (da projeção cilíndrica equidistante) sobre o equador e sobre todos os meridianos é verdadeira; sobre os paralelos, ela é ampliada proporcionalmente a secante da latitude. O pólo é representado por uma linha reta de comprimento igual ao equador ou aos paralelos. Com o afastamento do equador as deformações sobre os paralelos vão se tornando acentuadamente exageradas; na latitude de 60º, por exemplo, a escala é duas vezes aumentada e as áreas ampliadas na mesma proporção. Consequentemente, a forma das áreas é também alterada. A projeção, portanto, só é apropriada para as representações de regiões situadas nas proximidades do equador, isto é, nas baixas latitudes. Essa projeção era muito empregada na navegação marítima, até que foi substituída pela projeção de Mercartor.

12- Idem, ibid., pp. 193/4: Na projeção de Mercartor as distâncias dos

paralelos ao equador, portanto, são ajustadas, de maneira que a escala sobre os meridianos em qualquer ponto da projeção, seja igual a escala sobre os paralelos no mesmo ponto. A propriedade de conformidade é então obtida fazendo-se com que o inevitável alongamento na direção E-W, seja acompanhado por um igual alongamento na direçào N-S, em cada ponto da projeção, embora esses alongamentos variem de uma latitude para outra. Assim, os ângulos são conservados e as formas das áreas, em cada ponto, é preservada. (...) Mercartor não fez nenhum esclarecimento da maneira por que construiu a sua carta, apenas divulgou os resultados simplismente como “um novo arranjo dos meridianos com referência aos paralelos”. Porém, sob o ponto de vista da navegação, o sistema mercatoriano resolveu graficamente os problemas de estima com tal sucesso, que sua popularidade tornou-se inexcedível e seu emprego incomparável.

13- Deste modo, não podemos olhar também para a história da Cartografia através da perspectiva evolucionista linear, pois Mercartor não significa, em termos de representação de áreas, uma evolução frente a Ptolomeu conforme quer Soares, ao dizer: Os Descobrimentos trouxeram imediatamente a revisão do conteúdo de diversas áreas do saber, a começar pela Cartografia e pela Geografia, renovadas no século XV pela autoridade de Claudius Ptolomeu. Foram os mapas e os conhecimentos geográficos inspirados no grande mestre de Alexandria que serviram de inspiração para a grande aventura da expansão marítima européia. Mas, os resultados desta expansão vieram demolir os pressupostos da Cartografia e da Geografia Ptolomaica. Com o conhecimento mais direto das novas regiões descobertas, não só os seus aspectos físicos, econômicos, culturais, eram descritos, como também se verificou a possibilidade de uma representação cartográfica mais próxima da realidade. A construção desta representação foi um processo gradual, durante toda a primeira metade do século XVI, e possibilitou a grande revolução cartográfica empreendida por Gerardus Mercartor e Abrahan Ortelius na ségunda metade do século, que estabeleceu, com aquele primeiro, uma nova metodologia de projeção da grelha de latitude e longitude criada por

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Ptolomeu e, com este segundo, a introdução da coleção articulada de mapas que veio a ser chamada Atlas. Luis Carlos SOARES - Do Novo Mundo ao universo heliocêntrico: os descobrimentos e a revolução copernicana. Dissertação apresentada para o concurso público de Professor Titular na área de História Moderna e Contemporânea do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. Niterói. GHT-ICHF-UFF. 1993, p. 222/3.

14- Na verdade, conforme vieram depois os portugueses a

constatar, a estrela polar encontrava-se na época desviada de 4º do eixo polar da abóbada celeste, sendo atualmente este desvio inferior a 1º. Apesar da maioria dos autores sustentar que desde o século XIV os navegadores portugueses praticavam a navegação astronômica, i. e., determinavam a latitude a partir de observações da Estrela Polar ou do Sol, Luís de Albuquerque acredita que somente na segunda metade do século XIV esta técnica de posicionamento foi adotada pelos navegantes ibéricos. Cf. Luís Albuquerque - Ciência e experiência nos descobrimentos portugueses. Lisboa, Instituto de Cultura e Lingua Portuguesa, 1983, pp. 16-19.

15- Idem, ibidem- pp.: 47, 51: Outras vias, porém, estavam abertas à

determinação de latitudes nos textos tradicionais de Astronomia. Elas fundamentavam-se em observações meridianas do Sol ou de Estrelas facilmente reconhecíveis; a altura do astro no trânsito meridiano e conhecimento da sua declinação permitiam obter aquela coordenada geográfica por simples adições ou subtracções. (...) Todavia, quando percorremos os diários de bordo portugues do final do século XVI e início do século XVII, verifica-se que se contam por centenas as vezes em que a latitude é registrada no texto, mas com excepção de uma meia dúzia de casos, sempre foi obtida pelo Sol.

16- Cf. António Estácio dos Reis & Raúl de Sousa Machado - “Os

instrumentos náuticos dos descobrimentos”. Oceanos nº 10, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, Abril 1922, pp. 89

17- Só em 1761-62 e que o problema da longitude fica praticamente resolvido quando o Inglês John Harrison inventou um relógio com uma precisão de 1 segundo num mês, mesmo mantido dentro dum barco em movimento, ganhando assim o prêmio de 10.000 libras, que tinha sido proposto 30 anos antes. Este relógio era acertado com a hora do ponto de partida da embarcação e a longitude do ponto era calculada comparando a hora local,usualmente medida pela altura solar, com a hora que o relógio marca.

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18-Lancelot Hogben - O Homem e a ciência: o desenvolvimento científico em função das exigências sociais. Globo, Porto Alegre, 1952, p.74: A diferença de longitude é a diferença horária, isto é, de horas reduzidas a graus, entre as passagens do Sol pelos meridianos de dois lugares. Não obstante ser isto tão simples, constituiu grande dificuldade em tempos antigos. Enquanto não existiram relógios movidos por meios de engrenagens não se contou com dispositivos portáteis para comparar o tempo solar em dois lugares diferentes. (...) Não é difícil reconstruir a maneira pela qual êles fugiram a essa limitação, porque conhecemos os métodos que foram usados inicialmente para a determinação da longitude terrestre (...) O cuidado dispensado ao estudo dos eclipses e ocultações (de astros) sobreviveu à credulidade nos efeitos políticos e pessoais que lhes eram atribuídos. (...) O povo observava os citados fenômenos e era capaz de saber quando eles ocorreriam em determinado lugar. Qualquer pessoa de outro lugar, que possuísse uma ampulheta poderia esperar por eles e registrar o intervalo transcorrido entre o eclipse ou ocultação e o meio-dia precedente." Na verdade, o povo não seria capaz de prever os fenômenos de eclipses e conjunção de astros. Somente os astrônomos seriam capaz de preve-los e determinar a diferença horária entre as observações destes fenômenos em locais diferentes. Outra maneira conhecida para determinar aproximadamente a longitude era medir a posição da lua em relação as estrelas. A lua, movendo-se em torno da terra em cerca de 27 dias, é vista em diferentes posições do firmamento consoante a longitude do ponto de observação. As diferenças são muito pequenas, pelo que exige grande precisão nas medições (difíceis realizar a bordo dos navios). Mais importante ainda, não existiam, na época, almanaques lunares rigorosos. O alemão Regiomontanus foi o primeiro a publicar, em 1474, o primeiro almanaque lunar digno de confiança. No entanto, os erros na determinação da longitude podiam ser superiores a 10º. Dava Sobel - Longitude: a verdadeira história de um gênio solitátio que resolveu o maior problema cinetífico do século XVIII. Rio de Janeiro, Ediouro, 1997, pp. 20-21/27-29: Os capitães de longo curso dos séculos XV, XVI e XVII, que se lançavam ao mar com um misto de bravura e ganância, apoiavam-se nos cálculos por aproximação para medir a distância a que se encontravam a leste ou oeste do ponto de partida. (...) As longas viagens se tornavam mais longas devido à falta de conhecimento da longitude, e o tempo extra no mar condenava os marinheiros à temida doença de escorbuto. (...) Além desse potencial para o sofrimento humano, o desconhecimento global da longitude devastou a economia em grandes proporções, limitando os navios de oceano a algumas poucas rotas marítimas que prometiam passagem segura. Forçados a navegar exclusivamente com base na latitude, os navios baleeiros, os navios mercantes, os navios de guerra e os navios piratas se agrupavam ao longo das rotas de tráfego, onde se faziam presa um do outro. Em 1529, por exemplo, uma esquadra formada por seis navios de guerra ingleses na costa dos Açores armou uma emboscada para atacar navios mercantes espanhóis que voltavam do Caribe. O enorme galeão Madre de Deus, de bandeira portuguesa, navegando na sua volta da Índia, caiu em suas garras. (...) O Madre de Deus provou ser um prêmio no valor de meio milhão de libras esterlinas (cerca de US$ 300 milhões atuais) - ou aproximadamente a metade do valor depositado no English Exchequer (Tesouro da Inglaterra) naquela época.(...) Em 1610, decorrido quase um ano da proposta pouco modesta apresentada por Werner, Galileu Galilei descobriu, de sua varanda em Pádua, o que pensou ser o procurado relógio celeste.(...) Galileu não era navegador, porém tinha conhecimento do problema da longitude - como todo filósofo por natureza de sua época. (...) Os eclipses das luas de Júpiter, dizia ele, ocorrem mil vezes ao ano - e de forma previsível. Pode-se-ia ajustar o relógio por eles. Usou essas

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observações para criar tabelas relativas à aparição e desaparição de cada satélite no decurso de muitos meses e se permitiu ter sonhos de glória, prevendo o dia em que todas as marinhas navegariam com base nas suas tabelas de movimentos astronômicos, conhecidos por efemérides. (...) Galileu continuou com suas luas (agora corretamente denominadas satélites de Galileu) pelo resto de sua vida, seguindo-as fielmente até que ficou velho demais e excessivamente cego para enxergá-las. Quando o astrônomo morreu, em 1642, o interesse despertado pelos satélites de Júpiter se manteve. O método empregado por Galileu para encontrar a longitude acabou finalmente por ser aceito após 1650 - porém exclusivamente em terra. Topógrafos e cartógrafos empregaram a técnica de Galileu para redesenhar o mundo.

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II. Um Novo Continente na Rota Para o Oriente : As Coordenadas do Novo Mundo e a

Estratégia de Conquista do Índico

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1. O Delírio de Colombo na Procura do Oriente O feito de Colombo é considerado como definitivo

para a descoberta de todo o continente americano, ficando o

mérito nas mãos exclusivas do navegador genovês e dos reis de

Espanha. Contudo, passa despercebido o fato de que, para os

europeus quinhentistas, a constatação da existência de um

Novo Mundo dá-se somente com a divulgação do feito de Cabral,

já que em nenhum momento Colombo apregoou ter chegado a terras

desconhecidas, mas sim ao continente asiático.

O crucial problema com que os historiadores deparam-se

ao discutir a descoberta da América, é a escassez de fontes

documentais primárias relacionadas a Colombo, e sua viagem

descobridoras, dando margem, assim, para que ao longo do tempo

surgissem diferentes versões para o feito do navegador

genovês.

Passemos, então, a enfocar o feito de Colombo sob a

perspectiva da tese atualmente aceita para a descoberta da

América. O’Gorman assim a sintetiza:

A tese é esta: que Colombo, ao chegar no dia 12 de outubro de 1492 a uma pequena ilha que acreditou pertencer a um arquipélago adjacente ao Japão, descobriu a América. (...) Não há necessidade de se preocupar com citações documentais porque ninguém ignora o que ocorreu: quando Colombo avistou terra, na noite entre os dias 11 e 12 de outubro de 1492,

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teve a certeza de haver chegado à Ásia, ou mais precisamente dizendo, aos litorais do extremo oriente da Ilha da Terra. Tratava-se então, certamente, de apenas uma ilha pequenina, mas uma ilha, imagina, do farto arquipélago junto às costas do orbis terrarum, sobre o qual havia descrito Marco Polo, ilha à qual vinham, segundo se dizia, os servidores do Grande Kan, imperador da China, para adquirir escravos e, certamente, vizinha da celebérrima Cipango (Japão), rica em ouro e pedras preciosas. Colombo se propôs localizar esta última no dia seguinte ao da sua chegada. Em suma, sem necessidade de mais provas do que a de haver encontrado a ilha onde a encontrou e, o que é mais importante, com a circunstância de estar habitada, Colombo acreditou ter chegado à Ásia. (1)

Mollat assim refere-se ao feito de Colombo,

exprimindo, com outras palavras, a mesma tese:

Cristóbal Colón estaba convencido de haber llegado ao Japón (...). Todo hubiera sido más simples para Cristóbal Colón si, durante su primer viaje, no hubiera estado obsesionado por la búsqueda de la isla de Cipango (Japón), da tierra firme de Catay (China) e de las ciudades de Quinsay (Hangcheu) e de Zayton (Sinkiang). Creyó encontrar la primera en la isla llamada Cibao pelo los indios; identificó la segunda con Cuba e se creyó proximo a las terceras, convencido de haber reconocido ciertos lugares de acuerdo con las memorias de Marco Polo. (...) Tomando su deseo como realidad, la víspera de Navidad identifica a Cuba como Cipango, a la que sitúa a diez días del Ganges. Se sabe que conservó esta ilusión hasta la tumba, dando gracias al Señor Todopoderoso por haber descubierto la tierra firme de las Indias. (2)

Apesar de atualmente ter esta tese uma áurea de

incontestabilidade, ela só adquiriu maior importância no

século passado com a publicação por Navarrete de diversas

cartas de Colombo, sustentando a sua convicção de ter chegado

ao Oriente (3). Reafirmada com a publicação, em 1942, da obra

"Christopher Colombus, Mariner", de autoria do Almirante

americano Samuel Eliot Morison, que refez a viagem

descobridora de Colombo, permaneceu como a tese "oficial" das

recentes comemorações do quinto centenário da descoberta da

América. Analisemos então a validade desta tese, a partir,

principalmente, dos discursos paradigmáticos de Heers e

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Mollat, pesquisadores referenciais para a historiografia

atual (4).

Inicialmente, constata-se que a própria origem de

Colombo é desconhecida. A versão da origem genovesa e filho de

um pacato tecelão têm sido aceita, não por haver documentos

que a comprovem, mas por ser considerada a menos "fantasiosa"

(5). Quanto às dúvidas levantadas sobre a possibilidade de, no

século XV, o filho de um humilde tecelão tornar-se um

emérito navegador, Heers responde que este questionamento

fundamenta-se numa visão preconceituosa da sociedade

medieval, como compartimentada e sem possibilidade de ascensão

social (6).

Apesar de reconhecer como pertinente esta crítica,

julgamos que nada haveria de suspeito se Colombo fosse filho

de um humilde pescador, contudo, considerando que na época os

navegantes tinham uma formação essencialmente prática,

iniciada quando ainda bastante jovens, é pelo menos

surpreendente que uma pessoa criada entre fios de lã e teares

tenha se tornado um experiente navegador.

Para alguns historiadores, dentre os quais incluímo-

nos, ele nunca fora um verdadeiro navegador, mas um

comerciante que aprendera os princípios básicos de navegação

por observação em suas viagens de negócio (7). Esta hipótese

encontra respaldo em uma das raras fontes primárias referidas

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à Colombo antes do descobrimento, uma ata notarial, redigida

em Gênova em 1478, tratando de uma negociação com açúcar na

Madeira intermediada por Christoffarus Columbus. Este

documento não deixa dúvidas de que já nesta época Colombo era

um bem sucedido mercador, possuidor de um capital

significativo (8).

Ao mesmo tempo, e principalmente, são igualmente

escassas as fontes primárias que tratam da viagem

descobridora. É desconhecido o paradeiro daquela que seria a

fonte documental principal, o diário de navegação de Colombo

(9). A versão hoje conhecida é um resumo feito por Frei

Bartolomeu de Lãs Casas, que teria tido acesso a uma cópia dos

originais (10). Contudo, não sabemos até que ponto o frei

franciscano foi fidedigno ao original na sua elaboração deste

sumário.

Fernando Colombo, filho dileto de Cristóvão, teria

possuído outra cópia deste diário, publicando-o em parte na

sua obra Historie della vita e dei fatti dell’ammiranglio Don

Cristoforo Colombo. Considerada a principal fonte para a

história de Colombo, a credibilidade das fontes documentais aí

citadas tem sido posta em dúvidas (11).

A questão central que encerra a tese da descoberta

acidental é explicar o erro de navegação que levou Colombo

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a confundir a ilha de Guanaani, atual São Salvador, com uma

das ilhas do arquipélago do Japão (12). Baseando-se em

Morison, Mollat argumenta que o engano de Colombo deve-se a

erros na determinação das latitudes, desculpáveis por não

estar acostumado ao céu tropical:

El almirante S. E. Morison, que tuvo el cuidado y el mérito de verificar en el proprio terreno el desarrollo de los viajes de Colón, haciendo otra vez los miesmos recorridos de isla en isla en el mar de las Antillas, explicó algunos errores, por ejemplo en cuanto a la determinación de la latitud, por una confusión de la estrella Polar con otra estrella, erros excusable en un explorador que todavía, nón estaba habituado al cielo tropical. (13)

Conforme visto, por estar a estrela Polar numa

posição quase coincidente com o pólo norte, a determinação da

latitude no hemisfério setentrional, inclusive na região

tropical, não trazia grandes dificuldades na época, mesmo a um

navegador pouco experiente. Contraditoriamente, Mollat

ressalta que Colombo era um navegador altamente experiente.

Desde que Génova é Génova -escribe (Miguel de Cuneo, participante da segunda viagem)- nón ha visto el día ningún hombre que fuera tan experto en la arte de la navegación. En el mar, una sola mirada a una nube o, durante la noche, a una estrella, le permitían predicir el tiempo y la maniobra a efectuar. (14)

Além disso, a ilha de Guanaani (San Salvador) situa-se

acima do Trópico do Câncer, isto é, fora da zona tropical, não

tendo Colombo, no percurso das Canárias a esta ilha, navegado

em nenhum momento sob céus tropicais (ver mapa em anexo). Ou

seja, é impossível creditar a Colombo um erro desta natureza.

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Contudo, o mais significativo é que não tem nenhum

sentido aludir a tal erro, pois o que levou Colombo confundir

a América com o Japão não era erro de latitude, mas sim de

longitude. Tomando-se as Ilhas das Canárias como ponto de

referência para o início da travessia, temos a seguinte

relação:

Longitude aproximada das Canárias - 20º W

Longitude aproximada da Ilha de San Salvador - 75º W

Longitude média do Japão - 140º E

Distância em graus de longitude a ser percorrido das Canárias

ao Japão, tomando-se a rota para oeste - (180-20) +( 180-140)

= 160 + 40 = 200 º.

Distância em graus de longitude percorrido das Canárias a San

Salvador - 55º para oeste

Deste modo, Colombo tinha percorrido pouco mais de 1/4

da distância que separa as Canárias ao Japão quando, ao

encontrar uma ilha, considerou que tinha chegado ao seu

destino. Mollat, acertadamente, conforme vimos, destaca que a

grande dificuldade da navegação na época era o cálculo da

longitude (15). Contudo, o que não é absolutamente admissível

é a dimensão do erro de Colombo.

Mollat argumenta que a razão deste erro deve-se por ter

Colombo, baseado em Ptolomeu, se enganado sobre a verdadeira

dimensão da Terra, imaginando-a 25% menor:

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Tolomeo reducía en aproximadamente 25 por ciento la longuitud de la circunferencia terrestre calculada por Eratóstenes, y concedía a las tierras emergidas la mitad de la superficie del globo, en lugar de las dos séptimas partes. A esos cálculos se añadia la garantía de Aristóteles, que escribió en el De Caelo: "Aquellos que creen que la región de las Columnas de Hércules es cercana a las Indias, no parecen admitir una cosa demasiado inverosímil". Así, fortalecido con las certidumbres de Aristótels e Tolomeu, Colón se creyó próximo a Europa y Catay, sin lo qual tal vez nunca hubiera partido. Estaríamos tentados, parodiando, a decir: afortunado error que nos permitió un descobrimiento tal! Así pues, Tolomeu indujo a error a los cartógrafos pero permitió la iniciativa de Colón. (16)

Chamamos, porém, a atenção de que Colombo teria

errado ao reduzir a Terra a aproximadamente 25% de sua

verdadeira dimensão, ou seja, existe uma inaceitável diferença

de concepção entre um mundo reduzido em 1/4 para um reduzido

à quarta parte da sua verdadeira dimensão (17). No intuito de

justificar tal erro, Heers, sem nenhum apoio documental,

procura associar todas as deformações possíveis a partir de

informações disponíveis na época, tanto quanto à dimensão da

Terra como também à extensão do continente euro-asiático.

Como a conjunção dos erros de Ptolomeu não justificaria o

engano de Colombo, Heers, de maneira absolutamente ficcional,

considera que Colombo associou o diâmetro terrestre de

Ptolomeu à extensão do continente euro-asiático calculado por

Marino de Tiro. Como, ainda assim, não se justificaria o erro

de Colombo, procura associar a esta já estranha conjunção todo

o tipo de deformações possíveis. Contudo, traindo-se pela

sinceridade, reconhece que sua argumentação sustenta-se em

meras manipulações de dados:

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Además, pensaba Cólon, Marín de Tyr empleó grados demasiados largos para medir la vía terrestre, de manera que la distancia podría redurcirse a 233 grados reales. Una manipulación más (ya que en eso estamos...): a los 233 grados de Marin de Tyr, Colón, en primer lugar, añadió 28, pues pensaba que el geógrafo griego no había conocido el punto extremo de Asia, descubierto en fecha relativamente reciente por los viajes de Marco Polo. Mas aún, calculó en 30º la distancia por Oriente entre Portugal y Japón. (18)

Comungando ainda com esta versão, Pierre Chanu

associa diversas concepções para a dimensão do nosso planeta,

concluindo finalmente que a dimensão da Terra para Colombo é

a menor jamais imaginada:

Ptolomeu concedia 180º al conjunto Europa-Asia, y Marín de Tiro, corroborado por Marco Polo y Toscanelli, 225º Alentado por Toscanelli y empujado por su deseo, Colón eligió a Marín de Tiro contra Ptolomeu.(...) Ptolomeo valoraba el grado terrestre en 50 millas náuticas (60 en realidad): un error de 20% por defecto. Alfayran, geógrafo musulmán del siglo IX, había cometido un error de 10% por excesso (66 milla). Por una razón que se nos escapa, Colombo había leído mal a Alfayran, y le atribuía un grado corto de 45 millas, el mismo grado que eligió contra la evaluación tradicional de Ptolomeu; Colón imaginó, pues, la más pequeña de las tierras que jamás se habían propuesto. Todos estos errores acumulados le llevaron, tal como lo demuestra la carta, a convertir en 2400 millas (en lugar de 10 600) la distancia entre las Canarias y Japón. (19)

Porém, por mais boa vontade que tenhamos em aceitar

todas as conjunções de possíveis erros, lembramos que

Colombo estava sempre atualizado, através de seu irmão

cartógrafo Bartolomeu, das descobertas dos navegadores de

Portugal, (20) onde inclusive viveu durante alguns anos.

Sabemos igualmente que os portugueses, devido às constantes

viagens ao continente africano, conheciam com relativa

exatidão a distância referente ao grau de latitude. Como

Colombo considerava a Terra esférica, obviamente que o

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diâmetro equatorial não poderia ser diferente do polar, de

cuja dimensão tinha ele, necessariamente, conhecimento

relativamente preciso. Ou seja, somente tendo uma concepção

cilíndrica da Terra, Colombo poderia ter cometido um erro de

tal magnitude (21).

Para Heers, foi na obra Descrição do Mundo, de Marco

Polo, também conhecido como "Livro das Maravilhas", que

Colombo, motivado pelas riquezas descritas de Cipango,

encontrou os dados e cálculos que o levou a conceber esta

distorcida visão de proximidade entre a Espanha ao Japão.

Ahora bien, de toda esta bibliografía sobre viajes, Colón sólo conoció o retuvo an la memoria de "Descripcion" de Marco Polo. Este libro inspiró todos sus sueños; nutrió sus fantasías y sus esperanzas, e incluso lo guió a veces en sus decisiones. Lo cita constantemente en el "Diario" del primer viaje. Para la elaboración de su gran proyeto, el Almirante buscó en Marco Polo datos y cálculos que, como veremos, lo hicieron computar con excessivo optimismo la distancia que por mar y por el Occidente separa a España del Japón (Cipango). Esta adhesión casi visceral a la enseñanzas del veneciano, sirvieron tambien para siguiera Colón convencido de que había encontrado a las Indias en su camino, y fue lo que impidió que se diera cuenta del descubrimiento de un Nuevo Mundo (22)

Porém, a leitura do livro de Marco Polo não

possibilita inferir nenhum cálculo de navegação oceânica.

Tendo a preocupação de descrever as riquezas do império do

Kublai Khan, a quem serviu e por quem nutria grande admiração,

Marco Polo é extremamente sucinto ao descrever a ilha de

Cipango, obsessão maior de Colombo, por não fazer parte do

império (23).

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Considerando assim como absolutamente inverossímil a

versão do erro Colombo, passemos a observar seu feito do

ponto de vista diametralmente oposto, destacando dados

reveladores do perfeito domínio que tinha da rota a ser

vencida.

Heers destaca que a viagem descobridora, apesar de ter

sido a maior até então realizada a mar aberto, sem cartas nem

pontos de referências, lançando-se, assim, ao desconhecido,

além da compreensível ansiedade da tripulação, transcorreu de

forma tranqüila, não apresentando, em termos de navegação,

nenhuma dificuldade para Colombo.

En resumen, la primera travesía fue fácil, sin más dificultad que unos cuantos días de calma chicha. La aventura, en fin de cuentas, fue un viaje muy reposado. En ningún momento escasearon los víveres y, sin la menor dilación, los marineros su surtieron en San Salvador de agua e algunas frutas. Por otra parte, la larga navegación solitaria a partir de las Canarias, en mar abierto, sin puntos de referencias, en una ruta completamente desconocida, más larga que cualquiera de las que antes se habían recorrido sin escala, los sometió a duras pruebas morales. (...) Una vez superada esa inquietud y esas angustias desaparecieron los problemas. La seguridad de contar en los sucesivos con agua y víveres, de poder reparar algunas averías, de encontrar con facilidad la ruta para el viaje de retorno navegando más hacia el Norte y con la certeza de que era imposible no dar con algunas de las islas atlánticas o tierras continentales europeas o africanas, calmaba a los ansiosos y satisfacía a los descontentos. En cuento al segundo viaje no habría ya problemas: se conocía perfectamente la ruta, y quedaba bien descrita en el Diario y marcada en los mapas (24)

Realmente, é surpreendente a navegação que Colombo

fez não só para atingir a América como dela retornar.

Absolutamente tranqüila, navegando exatamente por sobre as

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rotas definidas pelos regimes de ventos e correntes. Após

atingir a América, navegando na rota dos alísios de nordeste,

entre os paralelos 25 º e 28º N, ao retornar dirigiu-se

exatamente ao paralelo 40º N onde ventos de sudoeste e

correntes os trouxeram em segurança (25). Além de tudo,

Colombo, em sua escala nas Canárias, modificou a aparelhagem

da única caravela, a Nina, trocando seus velais latinos por

redondos que, conforme vimos, permitiriam obter mais

velocidade nos ventos favoráveis, mas que dificultariam, ou

mesmo impossibilitariam, a navegação quando os ventos fossem

contrários (26). Assim, compreender-se-ia a recusa da

tripulação em prosseguir esta viagem que seria ao

desconhecido, não por ignorância ou crença em monstros

marinhos, mas por perceber que, navegando para o oeste sob

ventos favoráveis e constantes, difícil, ou até mesmo

impossível, seria o retorno, principalmente por não mais

contar com única embarcação capaz de navegar “à bolina”. No

entanto, apesar da apreensão inicial, esta tripulação aceitou

em prosseguir numa viagem aparentemente suicida.

Interessante observar que, ao procurar negar tamanhas

contradições, a historiografia atual acabou por traçar um

perfil claramente paranóico para Colombo. Por um lado

apresenta-o como um competente navegador, centrado e

equilibrado, capaz de convencer à temerosa tripulação a

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acompanhá-lo, capitaneando de forma segura e tranqüila uma

viagem ao desconhecido, a primeira transoceânica. De outro

lado, Colombo é visto como um delirante, cuja obsessão pelo

ouro de Cipango, decorrente de interpretações fantasiosas da

leitura de Marco Polo, levou-o a uma imagem totalmente

distorcida da Terra. O'Gorman compara este perfil de Colombo

ao estado patológico de uma cega paixão, ilustrada por um

caso de traição amorosa narrada por Stendhal.

Temos que concluir, portanto, que Colombo postulou sua hipótese, não propriamente como uma idéia, mas como uma crença e nisto consiste o verdadeiro decisivo de sua atitude. Não nos enganemos pensando que se trata de uma explicação desconexa, que nos obrigue a aceitar algo tão inusitado quanto extravagante. Todo e aquele que tenha estado apaixonado passou por uma situação semelhante porque, como todos sabem, principalmente as mulheres, o amor implica uma crença cega em tudo o que diz e o que faz a pessoa por quem se sente amor. Daí o profundo sentido que tem o episódio relatado por Stendhal daquela mulher que, surpreendida por seu amante com outro homem em situação sumamente comprometedora, se escusa, negando o fato. E como o amante não se deixa convencer em razão do que está presenciado, a mulher replica exaltada, dizendo em tom de agravo: "Bem se nota que já não me amas, pois preferes acreditar no que vês do que no que te digo" (27)

Por outro lado, consideramos que essa mesma parábola

aplica-se perfeitamente ao posicionamento da historiografia

atual, ou seja, recusa-se a aceitar os fatos para acreditar

na argumentação inverossímil com que Colombo, assim como a

amante infiel, procura mascarar aquilo que é evidente.

Evidentemente, não somos os primeiros a questionar o

descobrimento da América como conseqüência do “delírio” de um

genovês sonhador. Para alguns, Colombo teria recebido as

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informações necessárias para a sua viagem descobridora através

dos diários e cartas náuticas do navegador português

Bartolomeu Perestrello, pai de sua mulher Filipa (28). No

entanto, sabe-se hoje que Perestrello nunca foi navegador,

sendo, portanto, impossível ter Colombo recebido por

intermédio de sua sogra o acervo cartográfico que permitisse

traçar suas rotas (29).

No início deste século a tese da intencionalidade da

descoberta da América foi defendida pelo historiador americano

Henry Vignaud, causando intenso rebuliço entre os

historiadores (30). Chegando a esta conclusão após

demonstrando que as correspondências de Toscanelli encontrados

Biblioteca Colombina eram apócrifas, ao passar do tempo a

teoria de Vignaud caiu nos esquecimento, principalmente após a

publicação da obra referida de Morison (31). Contudo,

atualmente tem-se demonstrado que as famosas apostilas da

Biblioteca Colombina foram redigidas posteriormente a

primeira viagem de Colombo à América (32), reforçando assim

não só a hipótese de Vignaud como de ter sido o próprio

Colombo o autor da fraude, na necessidade de provar o seu

“engano”.

De onde partiram então as informações sobre as rotas a

serem percorridas por Colombo? Sem dúvidas, todos os indícios

levam a Portugal. É interessante observar que esta suspeita

logo foi levantada por alguns cortesãos de Barcelona, assim do

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retorno de Colombo (33). O curioso processo movido pela Coroa

de Espanha contra os herdeiros de Colombo nos mostra que esta

suspeita logo se estendeu à Castela. Neste processo, segundo

o testemunho de Fernando Valiente, em 1535, a empresa dos

descobrimentos foi planejada por Colombo e Martin Alonso

Pizon, que receberam as informações da existência e

localização das ilhas a serem descobertas através de Pero

Vázques de la Frontera, navegador experiente que teria

participado de um descobrimento com o Infante de Portugal,

tendo a testemunha presenciado estas negociações (34). O fato

de o descobrimento ser um negócio previamente acordado entre

Colombo e Martin Alonso Pinzon, a partir das informações de

Pero Vásquez de la Frontera, é confirmado pelo testemunho de

Alonso Gallego (35). A partir destes testemunhos, o fiscal

representante da Coroa espanhola alegou que as Índias

Ocidentais não foram descobertas só por Colombo e fez intervir

no pleito Juan Martin Pinzon, filho legítimo e herdeiro de

Martin Alonso Pinzon, que recebeu a metade dos direitos dos

herdeiros de Colombo, deles renunciando em favor da Coroa.

Mesmo manipulado e apesar do testemunho forjado,

conforme posteriormente constatado, do obscuro personagem

Pedro Vásquez de la Frontera, este processo é revelador ao

apontar para única possibilidade quanto o local de origem das

informações obtidas por Colombo. Ao longo deste meio milênio,

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a quase totalidade dos estudiosos que questionam a natureza da

“descoberta” colombina, como Vignaud, continuou apontando

para Portugal (36).

Porém, o que desejamos ressaltar neste capítulo

reservado a Colombo é o fato de esta navegação descobridora

demonstrar que ele tinha uma noção bastante precisa do tempo

necessário para esta primeira travessia transoceânica. Saber

unicamente de antemão a existência da rota que o levaria

seguramente a seu destino e sua latitude sem ter a noção do

tempo necessário a ser percorrida muito provavelmente

transformaria esta viagem descobridora numa aventura suicida,

por falta de víveres. Se, contrariando todos os fatos aqui

expostos, Colombo, como quer a versão vigente, fosse um

inconseqüente lunático, as tripulações que o acompanhavam

seguramente não eram. Se ele conseguiu enganar aos marinheiros

registrando uma distância menor do que a realmente percorrida,

certamente não estava a enganar os irmãos Pinzon, navegantes

bem mais experientes que Colombo (37). Por outro lado, se os

Pinzon acompanharam Colombo nesta aventura certamente sabiam

que não era ele um delirante sonhador que se lançava quase às

cegas ao ainda inexplorado.

Contudo, dimensionar tempo numa viagem em latitude

significar conhecer longitude, o que seria então, conforme

vimos, impossível de ser obtido por um navegador. Assim, uma

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questão logo ressalta. Quais foram os responsáveis pelas

observações astronômicas que permitiram a Colombo ter acesso

às informações destas rotas definidas pelas latitudes e

longitudes? Deixemo-nos por enquanto esta questão em aberto,

enquanto analisamos alguns aspectos igualmente intrigantes

referentes ao descobrimento do Brasil.

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NOTAS

1- Edmundo O’Gorman - A invenção da América. São Paulo, UNESP, 1992, pp. 25, 104.

2- Michel Mollat - Los exploradores del siglo XIII al XVI: Primeiras miradas sobre nuevos mundos. México, Fondo de Cultura Económico, 1990

3- Edmundo O'Gorman - Opus Cit. pp. 40,55: (...) um erudito

espanhol, Martín Fernández de Navarrete, divulgou numa coleção imprensa os principais documentos relativos às viagens de Colombo. (Colección de los viajes y descubrimientos, que hicieron por mar los españoles desde fines del siglo XV, con varios documentos inéditos concernientes a la historia de la marina castellana y de los establecimientos españoles en Indias. Madri, 1825-37) (...) tornado-se patente não só que Colombo havia projetado ir à Ásia, mas também que nunca estivera convencido de não ter realizado esse desejo

4- Jacques Heers dedica toda uma obra, Cristóbal Cólon, à vida e ao feito do navegador genovês. Já Michel Mollat dedica a Colombo o capítulo IV, Hacia el descubrimiento de los océanos, do seu livro Los exploradores del siglo XIII al XVI. Quanto à obra de Morison, nossas referências remetem-se à edição portuguesa: Samuel Eliot Morinson - Cristóvão Colombo: Almirante do mar oceano. Lisboa, Editorial Notícias, 1993.

5- Jacques Heers - Cristóbal Colón, México, Fondo de

Cultura Económico, 1992, p.16: Así, Cristóbal Cólon ha sido a veces ligur o a veces simplemente genovés, corso, catalán, portugués y, por último, judío de origen catalán, desterrado, refugiado en Génova y converso. Otros lo hacen venir de Grecia o de algún remoto país oriental: otros, más tímidos, lo suponen francés o inglés, o sabio alemán, astrólogo y cartógrafo. La tesis genovesa llegó a impornerse. Se le puede considerar, si bien con muchas reservas, como la más verosímil, la menos "inventada" (...). Aún así, cualquiera otra interpretación suscinta todavía mayores dudas y se enfrenta, sin remedio, a cuestiones molestamente inverosímiles. Sea como fuere, la tradición genovesa es la primero se afianzó y fue considerada indiscutible durante muchas generaciones

6- Jacques Heers - Idem Ibid., p. 50: Algunos historiadores, siempre

en busca de contradicciones, y otros, preconizandores de la idea de una sociedad “medieval” fraccionada en compartimientos e inmóvil, sin interprenetación de ninguna especie, se han asombrado de este paso tan fácil de la posición más ramplona y sedentaria, la del tejedor que trabaja en un rincón de un taller oscuro -siempre son oscuros los talleres “medievales”- a una carrera de marino. La idea choca aun a hombres de hoy en día, historiadores o sociólogos y sobre todo a los teóricos, que siguen construyendo su universo del Medievo sobre esquemas

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prefabricados y en su mayoría erróneos. (...) A decir verdad, hasta un examen muy rápido de las realidades concretas de aquella época desmiente estos conceptos simplistas y perfectamente delineados

7- Hans Koning - Colombo: O mitos desvendado. Rio de

Janeiro, Jorge Zahar, 1992, p. 19: Os biógrafos de Colombo sempre tiveram dificuldades para determinar o seu posto. Ele navegou como marinheiro comum e, se assim foi, quando e como se tornou um oficial ? De onde vinha seu dinheiro ? Como conseguiu, de acordo com o mostrado pelo seu casamento tardio, trnasformar-se de marinheiro em “cavalheiro” ? As peças não se encaixam. Foi o historiador e geógrafo britânico G. R. Crone quem resolveu este quebra-cabeça para mim. Colombo não sofreu revistas como marinheiro mas como comerciante. Ele viajava como caixeiro-viajante, primeiro trabalhando para terceiros, e depois para si mesmo. Somente assim naquele início de capitalismo no Mediterrânio era possível negociar em rápidas transações. Comerciante, fez ligações com a empresa bancária Spinola e Di Negri, que lhe seriam muito importantes mais tarde. Mas seu prematuro interesse em navegação e geografia fez dele um observador arguto que aprendia enquanto viajava. No tocante a sua últimas funções, era muito comum um comandante de uma expedição não ser ele mesmo um homem do mar

8- José Manuel Garcia - “Colombo em Portugal”. Oceanos:

Portugal e o Mar. Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, abril 1992,

nº 30, pp. 27-30: “O que se pode considerar seguro é que a principal actividade de Cristovão Colombo em Portugal se relacionou com o comércio de açúcar. Tal facto está bem comprovado pelo documento que tem mais interesse para testemunhar e exemplificar as suas ocupações durante o período em que esteve em Portugal. Ele encontra-se na acta do notário Gerolamo Ventimiglia, datada de 25 de Agosto de 1479. Neste precioso documento, descoberto em 1904 por Ugo Assereto, é possível recolher um conjunto de informações valiosas e suguras. A acta foi redigida em Génova, na rua de San Siro, na loja de Ludovico Centurione. Este, na presença do offici Mercantie espôs a questão que teve com Paolo e Casano Dinero (ou Di Nero) em 1478. (...) Paolo Dinero, por comissão de Ludovico, deveria mandar comprar na ilha da Madeira dois mil quatrocentos e mais arrobas de açucar. Para este efeito Ludovico enviou-lhe a quantia de mil duzentos e noventa ducados. Paolo, sendo agente estante em Lisboa de Ludovico, encarregou da operação Cristoffrus Columbus, o qual foi à Madeira efectuar a transacção referida. Cristovão Colombo, convocado em Génova como testemunha do negócio então realizado e tendo de partir em breve para uma viagem longínqua, prestou o seu depoimento, sob juramento, declarando-se cidadão de Génova (civis June). (...) Devido ao dinheiro que não era suficiente para adquirir o peso de açucar pretendido, Colombo teve que partir para Lisboa no dia seguinte pela manhã, que tinha cerca de 27 anos (annorum viginti septem vel circa) e que sua fortuna correspondia a mais de cem florins. Alberto Vieira - Colombo e a Madeira.

http://www.mandifo.pt/organismo/ceha/funchal, p.9: “Aqui terá aportado o navegador no Verão de 1478, quando a safra do açúcar havia terminado, para conduzir as mãos de Ludovico Centurione 2.400 arrobas de açúcar. O pedido fora feito em Lisboa por Paolo di Negro, representante da firma em causa.

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Todavia o negócio não foi bem sucedido pelo que Colombo teve de testemunhar perante um notário genovês das razões do seu incumprimento. E é a partir daí que se sabe da primeira passagem do navegador pela ilha, na condição de mercador de açúcar. Note-se que o navegador no testamento feito em 1506 refere algumas dívidas aos descendentes de Baptista Lomelino, Paolo Dinegro e Luís Centurion, o que poderá ser consequência deste contrato não cumprido ou, então, de outros negócios em torno do açúcar de que não ficou testemunho.”

9- Segundo Mollat - Opus cit., pp. 58/9, é conhecido um único documento do próprio Colombo, atualmente depositado no "Archivo Nacional de Espanha", em Simanca, que trata do descobrimento, sendo este somente um resumo de uma carta destinada aos reis de Espanha onde fez ele um resumo do seu diário.

10- Jacques Heers - Opus cit., p. 14: Bartolomé de las Casas se

impone por su cultura, por su determinación, su evidente buena información y su interés por el Nuevo Mundo. (...) Ahora bien, inició su Historia de las Indias en 1527, pero en realidad la escribió después de su regreso a España, entre 1550 y 1563, en su celda del convento de San Gregorio de Valladolid, repleta de manuscritos, mapas, relaciones y documentos de todo tipo. Esta Historia, con información forzosamente de segunda mano cuando habla de los primeros tiempos del descubrimientos y de la colonización, es a veces trabajo de mero copilador, y, lo que és más, obra de un ecleseástico deseoso de convencer: se trata de un libro de interés muy general, en el cual intervienen toda clase de reflexiones.

11- Ilaria Luzzana Caracci - “Colombo: metas e projectos”. Oceanos: Portugal e o Mar. Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, abril,

1992, nº 30, pp. 38-41: “Atribuídas desde o início ao filho predilecto do Almirante, Fernando Colombo, as Historie tinham sido até então a biografia mais qualificada de Colombo e aquela a que tradicionalmente se fazia recurso em casos duvidosos. Como é sabido, foram publicadas pela primeira vez em 1571, em Veneza, na tradução italiana de Afonso de Ulloa, a mais de trinta anos de distância da morte de seu pressuposto autor. À medida que a historiografia colombina adquiriu maturidade, foi-se dando conta de que esta obra contém muitas informações inexatas. Hoje parece confirmado que, embora derivando de um manuscrito fernandino, as Historie tenham sido profundamente refeitas antes da imprensão. Por isso, perderam muito da sua credibilidade.

12- Christophe Colombo - La decourvert de l’America - II. Ralations de voyage 1493-1504. Paris, François Maspero,

1980, pp.45/6. lettre à Luis de Santagel [1493]: A la primière que jái rencontrée, jái donné le nom de San Salvador, en hommage à Sa Haute Majesté qui merveilleusemente má donné tout ceci. Les Indiens appellent cette île Guanahaani. Jái nommé la deuxième île Santa Maria de Concepcion, la troisième Fernandina, la quatrième Isabela, la cinquième Juana, et ainsi à chacune délles jái donné un nom nouveau. Quand j' arrivai à la Juana, j' en suivis la côte vers le ponant et la trouvai si grande que je pensai que c' était la terre ferme, la province de Catayo.

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13- Michel Mollat - Opus cit., p.58 14- Ibidem., p. 59

15- Ibidem., pp. 89/90: Las necesidades técnicas de la navegación suponían algunos conocimientos científicos y mucha intuición. Tras los cruceros de corta distancia y con frequencia próximos a las costas sobre rutas conocidas, las campañas de larga duración en pleno mar y por lugares desconocidos constituyeron la hazaña colectiva de muchas generaciones sucesivas de marinos. (...); los problemas principales eran determinar y mantener una ruta, lo que supone el conocimiento de su posición. (...) La posición de los barcos era calculada a partir de la observación de la altura del sol al meiodía, o por la de la estrella Polar o de la Cruz del Sur. Gracias a estos cálculos de las latitudes, la navegación, de acuerdo con el trazado de los paralelos, era posible en los recorridos transoceánicos hacia el oeste y vice-versa. La longitud, por el contrario, dio problemas hasta la invención del reloj marítimo en el siglo XVIII.

16- Ibidem., p.106 17- Segundo Antonio Ballesteros y Baretta - “Genesis del descubrimientos”. Historia da America y de los publos

americanos, Barcelona, Savat, 1947, T. III, p. 15 - o erro de Ptolomeu seria para mais e não para menos e, apesar de confirmar o aumento da dimensão de terra emergida, este seria bem menos que a metade da superfície

do globo, conforme afirma Mollat: "Otro manantial de extravíos es el estadio empleado por Tolomeo. Non es el olímpico de los griegos, ni el estadio egipcio de Eratóstenes. El estadio tolemaico es una medida facticia que procede de Posidonio y fué adoptado por Marino de Tiro. Está comprendido quinientas veces en el grado terrestre. (...) Para Tolomeu, la Tierra tiene 180.000 estadios de circunferencia, lo que equivale a 10.000 leguas, equivocándose por excesso en 1.000 leguas. Calculaba que la parte habitada del ecúmeno era de 72.000 estadios de longuitud y 40.000 de latitud. Agrega al Mediterráneo 300 leguas más de las tiene. No hay cifra que se aproxime a la realidad". Herrs - Opus cit., p. 114 - porém, afirma, assim como Mollat, que Ptolomeu reduziu a dimensão do globo terrestre: "Recordemos, en primer lugar, las cifras reales: 60 millas marinas de las actuales para cada grado, o sea 111.12 kilómetros (una milla = 1852), lo cual arroja un total de 21 600 millas o 40 000 kilómetros. (...) Una larga serie de experimentos serios llevados a cabo por la escuela de Alejandría, proporcionó datos divulgados sobre todo por el sabio Ptolomeu (90-168), autor de la célebre Geografía. Estos datos conservaron su autoridad durante mucho tiempo: 500 estadios de 185 m cada uno, o sea grados de 92.5 kim,y soló 33.000 km para la circunferencia terrestre. Assim, segundo os dados apresentados por Heers, a distorção de Ptolomeu seria de somente 17,5% a menos.

18- Jacques Heers, Opus cit., p.117 19-Pierre Chaunu - La expansión europea (siglos XIII al

XV). Nueva Clio 26. Barcelona, Labor,1972, pp. 109/10

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20-Jacques Heers - Opus cit., p. 64. Todos los historiadores no lo

descrieben (Bartolomeu) como proprietario de un estableciemento cartográfico, dibujante de mapas y mapamundis, coleccionista -por supuesto- de toda clase de datos e informaciones, consejero de patrones de navíos.

21- Posteriormente, Colombo observou acertadamente que a Terra não era uma esfera perfeita, imaginando-a, porém, com a forma de uma pera, mas nunca com a de um cilindro.

22- Jacques Heers, Opus cit. p. 98 23-- Marco Polo - O livro das maravilhas, Porto Alegre,

L&PM, 1985, p. 188. Cipango é uma ilha do Levante, que está afastada da terra 1.500 milhas. É uma ilha muito grande. Os indígenas são brancos, de boas maneiras e formosos. São idólatras e livres, têm rei próprio, que não é tributário de nenhum outro. Têm ouro em abundância, mas o rei não deixa levar, e por essa razão há lá poucos mercadores e poucas vezes ali vão as naus.

24- Jacques Heers - Opus cit. pp. 174 25- Michel Mollat - Opus cit. p. 114 : En el Atlántico norte la

experiencia de los vientos que llevan hacia el oeste que, en el siglo XIV, había permitido el reconocimiento de los archipiélagos atlánticos (Canarias, Madera, Azores), había aberto a Colón la ruta de los alisios por los 25º a 28º norte. La facilidad de los regresos navegando en latitud resultó de su experiencia, hacia el paralelo 40, del viento del oeste y de la corriente noratlántica, prolongación de la Corriente del Golfo; al norte Cabot, Verrazano (a su regreso) y Jacques Cartier, utilizaron los etinerarios impuestos por los grandes vientos variables de este para oeste en latitudes más elevadas. Jaime Cortesão - Opus cit. p.558: Mas para dar um ejemplo sobre las condiciones de geografía física que podían influir en el éxito de los descubrimientos marítimos, y para referirnos a uno de los casos más eloquentes, non nos olvidemos de que Colón, durante su primer viaje, pudo mantenerse a la ida casi constantemente en el paralelo 28 º de latitud N., gracias a los alisios del NE., y que a su regreso le empujaron los vientos del SO., que completan en el Atlántico Norte el movimiento de vaivén a que obedecen las corrientes aéreas y marítimas en las diferentes cuencas de este océano. Tales circunstancias permitieron que el viaje se realizase con relativa facilidad (..)

26- Jacques Heers, Opus cit. p. 169. Colón decidió conservar la Pinta

y, en la Gran Canaria, mandó que se modificara el velamen de la Niña, difícil de maniobrar, "para que pueda seguir otras naves". Se suprimió la gran vela latina triangular del palo mayor para replazarla con velas cuadradas de diversos tipos y menores dimensiones, tanto en el palo mayor como en el mástil de proa.

27- Edmundo O'Gorman - Opus cit., p. 107 28-Pierre Chaunu - Opus cit. p.108.Colón se casaba a fines del otoño

de 1479 con doña Felipa Perestrello e Moniz, la hija de Bartolomé Perestrello, fidalgo y héroe del descubrimiento de África, la nieta de Gil Moniz, compañero de

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Enrique el Navegante". (...) Através de su suegra, Colón había recibido sin duda comunicación del tesoro de mapas y observaciones acumuladas por dos grandes familias de la conquista portuguesa en cincuenta años de esfuerzos. Alberto Vieira, Opus cit., p. 8: “No regresso a Lisboa, em 1479, Colombo conheceu Filipa de Moniz. O encontro deu-se no Mosteiro de Santos em Lisboa, onde ela estava recolhida. O casamento ocorreu em data e local que desconhecemos. Os seus biógrafos falam de Lisboa, mas a tradição, ainda que recente, teima em reafirmar o Porto Santo ou Machico. O importante é que ele ocorreu, tendo favorecido o seu posicionamento na sociedade madeirense e possibilitando-lhe o convívio com os marinheiros solitários da gesta descobridora do Novo Mundo Ocidental. Como justificar este enlace. O que atrás foi dito para os compatrícios seus tem agora a sua razão de ser. Todavia não podemos esquecer algumas situações que corporizam uma resposta cabal a esta dúvida. Em primeiro lugar é necessário ter em conta que entre os Perestrelos e Colombos havia pois o navegador se anotam nos seus antecedentes uma origem remota em Piacenza, a terra de origem do pai do sogro. A família Perestrelo era italiana, sendo Bartolomeu Perestrelo filho de Filipo Palastrelli que em 1380 trocou Piacenza por Lisboa. Assim estamos perante mais um italiano a juntar-se à numerosa colónia existente em Lisboa e que privava com a Coroa e príncipes empenhados com o processo político do reino e da expansão. O casamento ocorreu no final de 1479, ou talvez já em 1480. Mas sobre isso pouco ou nada se sabe, pois não era ainda corrente lavrar o registo da cerimónia. De acordo com Frei Bartolomé de Las Casas, após isso, dizem os seus cronistas, foram viver para a Madeira e Porto Santo, onde nasceu Diogo, o único filho legitímo de Colombo.

29- Alberto Vieira - Colombo e a Madeira. Funchal, Centro de Estudo da História do Atlântico -CEHA, Email:

[email protected], p.12: “A curta permanência de Colombo no Porto Santo e, depois, na Madeira possibilitou-lhe um conhecimento das técnicas de navegação usada pelos portugueses e abriu-lhe as portas aos segredos, guardados na memória dos marinheiros, sobre a existência de terra a Ocidente. Bartolomé de Las Casas e Fernando Colombo falam que o mesmo teria recebido das mãos da sogra "escritos e cartas de marear". Ambos os cronistas fazem do sogro um destacado navegador quatrocentista. Tudo isto não passa de criação para enfatizar a ligação de ambas as famílias. Na verdade Bartolomeu Perestrelo, ao contrario de muitos genoveses ou seus descendentes, não é referenciado nas crónicas portuguesas como navegador. Ele apenas é referenciado como capitão do donatário da ilha do Porto Santo, por carta de doação de um de Novembro de 1446, e na condição de povoador da ilha acompanhou Joâo Gonçalves Zarco e Tristão Vaz em 1419 . Mesmo assim em sua casa podia ser possível a presença de tais documentos. Mais importantes foram os elementos que lhe terão fornecido o seu cunhado Pedro Correia, capitão da ilha Graciosa (Açores). Daí ele dava conta de outras notícias das terras açoreanas, sem esquecer os estranhos despojos que aportavam com assiduidade às praias da ilha do Porto Santo. Manuel Lopez Flores - Colón non descubrió América. Madrid, Editorial Clasica,

1964, pp. 143: En lo tocante a los papeles del suegro “prodigioso que hace mapas y en donde pinta nuevos Mundos”, dice que no entendió Perestrello jamás de mapas ni hizo navegación alguna, que Bartolomé Perestrello fue un pobre diablo de hidalgo portugués, confundido con otros de su apellido, pero que nunca fue marino ni cartógrafo.

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30- Carlos Malheiros Dias - “Introdução”. História da colonização portuguesa do Brasil. Porto, Litografia

Nacional, 1921, V. I, p. LXIX: “A correspondêcia de Toscanelli constitui um dos capítulos de mais alto interêsse na questão colombina (...) Em 1871, o historiador americano Henri Harrisse encontrou, num incunábulo da Colombina, de Sevilha, a cópia, aparentemente escrita pelo próprio punho de Cristóvão Colombo, (ou por seu irmão Bartolomeu) da mesma carta de Toscanelli ao cónego Fernão Martins - mas, desta vez, em latim. Esta descoberta imprevista parecia dever concorrer para que se dissipasse quaisquer dúvidas, suscitada pela correspondencia toscaneliana. Atraíndo as atenções dos críticos, essa descoberta provocou os estudos dos membros da Sociedade dos Americanistas de Paris, Gonzalez de La Rosa e Henry Vignaud, o último dos quais, numa obra exaustiva, modêlo de erudição e método analítico, condenou a correspondência de Toscanelli como apócrifa, muito embora declarando-se, com probidade exemplar, detido na prova decisiva da sua hipótese, pela impossibilidade de encontrar a explicação cabal e justificação convincente da fraude. (...) A influência do plano toscaneliano sôbre o projeto de Colombo aparece-nos afirmada por múltiplo indícios. Vignaud, com inatacável probidade, não os nega; mas, na presença de documentos visivelmente truncados e deformados, prefere considerar apócrifa a correspodência do sábio florentino forjada à posteriore. Com que fim ? Para impor um caráter scientífico ao que não passava de uma aventura, ou, peor ainda, de uma expoliação ? Porém ,Colombo nunca aproveitou a fraude, e esta circunstância basta para fazer periclitar qualquer hipótese ( Em nota: Por este forte motivo, Vignaud supõe que a fraude é da autoria do irmão ou dos filhos de Colombo, contra a opinião de Gonzalez de la Rosa, que a atribui ao próprio Colombo). Manuel Lopes Flores - Opus cit. p. 144: “Así, despúes de algunos años de investigaciones, el sabio norteamericano (Henry Vignaud) corrobora definitivamente su afirmación, asentado en su obra, La carta y el mapa de Toscanelli. Pero este hecho, sin embargo, no ha transcedido a la generalidad de las gentes, no se ha vulgarizado aún, no ha llegado a hacerse popular. Hasta ahora se tenía la creencia de que la génesis del Descubrimiento se debió a la carta y el mapa de Toscanelli. En este mapa se habla del Nuevo Mundo, y con él descubre Colón el Nuevo Continente. Vignaud ha probado lo falso de los hecho. No era preciso demostrar que era imposible, que todo ello eran cartas apócrifas. Basta pensar en lo absurdo de la hipótesis.

31- Ilaria Luzzan Caracci - “Colombo: metas e projectos”. Oceanos. Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, abril, 1992, nº 30, pp.

38-41:“Como observou Samuel Eliot Morrison, até ao fim do século passado ninguém pôs em dúvida que o objectivo de Colombo fosse a Ásia oriental. Só no início do nosso século Henry Vignaud pôs a hipótese de que ele se tivesse proposto atingir não a Ásia, mas uma das muitas ilhas que, na Idade Média, se julgava estivessem espalhadas pelo oceano e para as quais já se tinham dirigido, antes de Colombo, vários navegadores da Península ibérica. De alguns deles, como António de Leme, Fernão Dulmo ou Vicente Dias, falam também as Historie della vita e dei fatti dell’ammiraglio Don Cristoforo Colombo provavelmente com base em apontamentos do próprio Colombo. A teoria de Viganud teve vasta ressonância e provocou polémica e discussões acaloradas; com o tempo, porém, perdeu consistência e provou-se que era insustentável. Todavia, teve o mérito de chamar a

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atenção para problemas que anteriormente tinham sido descurados e, em especial, para o das premissas históricas e da génese conceptual da descoberta do Novo Mundo.

32- Ibidem , pp. 38/9 : Num primeiro momento, julgou-se que se podia substituir ( a Histórie, escrita por seu filho Fernando) pelas chamadas apostilas, ou seja aquelas anotações que Colombo escreveu ou mandou escrever em alguns de seus livros que hoje estão na Biblioteca Colombina de Sevilha. De facto, as apostilas tratam essencialmente - mas não só - de problemas geográficos e cosmográficos e, por isso, podem dar indicações úteis sobre as idéias de Colombo sobre a forma e as dimensões do globo terrestre e das terras emersas e à possibilidade de navegar de leste para oeste para chegar às Ìndias. Depois de um primeiro período de entusiasmo na época em que foram publicadas por Cesare de Lollis na Raccolta di Documenti e Studi (Colectânea de Documentos e Estudos) de 1892, o estudo das apostilas colombinas voltou a estar - por assim dizer - na moda, por volta e a partir dos anos 60, quando ainda se julgava, como De Lollis, que a data de 1481 presente na apostila B 858c fosse a da sua redacção. (...) A génese conceptual do projeto de descoberta foi por isso relacionada antes de tudo com estas suas doutas leituras, como, de resto, queria a tradição das Historie, que, entre as “razões que teriam induzido Colombo a perspectiva a sua empresa , citavam precisamente a autoridade dos sábios da Antiguidade e do seu tempo”. Em seguida, demonstrou-se que a data de 1481 não se refere à época da redacção daquela apostila, mas que foi copiada, juntamente com o contexto em que está inserida, de um cálculo hebraico relativo à idade do mundo. (...) Foi posto à luz, de facto, uma estreita relação entre muitas desta anotações e os escritos de Colombo posteriores à segunda e à terceira viagem, uma relação tal, que torna lógica pôr a hipótese de uma redação quase contemporânea. (...) Enfim, tudo faz pensar que pelo menos uma grande parte das apostilas - e entre elas certamente as que contém dados de carácter geográfico ou cosmográfico - tenham sido escritas em época tardia.

33-Demetrio Ramos Pérez - “De Lisboa saiu a Lisboa voltou”. Oceanos. Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, abril, 1992, nº 30, pp.

32-35: Não deixa de ser curioso o facto de que tendo Cristovão Colombo abandonado a corte portuguesa em 1485, pela dificuldade que encontrou para a aceitação do seu projecto, mais tarde, quando finalmente o levou a cabo, tivesse que voltar a Portugal, para oferecer a D. João II as primeiras notícias do seu êxito, antes de aos próprios Reis Católicos. E ainda que o facto tenha sido causado pelas tempestades e por enganos na latitude, não deixou de levantar suspicácia mais tarde entre não poucos dos cortesãos em Barcelona.

34- Jaime Cortesão - “Los portugueses.” Historia da America e de los pueblos ibericos. Barcelona, Salvat, 1947, T III

p.765 - Apendice Documental: Décima pregunta del mismo cuestionario (de 1535): "X. Si saben... quel dicho Martin Alonso Pinzon con el aviso y aparejo que tenia de lo susodicho juntó consigo al dicho D. Cristobal y le dio dinero con que fuese a la Corte a negociar con los Reyes Catholicos que estaban en Santa Fe de la vega de Granada para que capitulase con ellos sobre el dicho descubrimiento para el dicho Martin Alonso Pinzon y para el dicho Colon, e el cual dicho don Cristobal Colon dejo asentado y concertado con el dicho Martin Alonso Pinzon de le dar mitad

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de todo lo que los dichos Reyes Catholicos le prometiesen e diese por el dicho descubrimiento y que todo lo que ansi capitulase con los dichos Reys Catholocos fuese comun entre el dicho Cristobal Colon y el dicho Martin Alonso Pinzon, y que ansi es verdad..." A esta pregunta respondió Fernando Valiente:"Que lo que sabe desta pregunta es que el dicho D. Cristobal Colon antes que fuese a negociar con los Reys Catholicos sobre el dicho descubrimiento vino a esta villa de Palos a buscar favor e ayuda para ir al dicho viaje, e posó en el monasterio de la Rabida, y de allí venia algunas veces a esta villa e hablaba con un Pero Vazquez de la Frontera, que era hombre muy sabio en el arte de la mar, e habia ido una vez a hacer el duscubrimiento con el infante de Portugal; e este Pero Vazquez de la Frontera daba avisos al dicho Colon y a Martin Alonso Pinzon e animaba la gente e les dezia publicamente que todos fuesen aquel viaje, e habian de hallar tierra muy rica, e esto que lo sabe este testigo porque vió a dicho Colón e oyó decir lo que tiene dicho al dicho Pero Vazquez de la Frontera, e lo dezia publicamente por las plazas; y en este tiempo este testigo vio que el dicho Colon se partió e se dijo que iba a la corte a negociar con los Reys Catholicos que le diesen dineros a recabdo para encaminar el armada, e despues vino a esta villa se dijo que traia dineros para el armada e despues de venido de la corte el dicho Cristobal Colon vió este testigo quel dicho Martin Alonso Pinzon e Vicente Yañes su hermano entedían en comprar e veer las cosas necesarias para ir al viaje e asi fizieron e se fueron; e que de lo demas contenido en la pregunta so sabe otra cosa.

35- Ibidem, p. 765 : IX pregtunta del cuestionario de 1535. "IX. Item; si

saben... quel dicho Martín Pinzón era hombre sabio y experto en el arte de navegar por el mar oceano y que tenia navios y cabdal y hermanos, parientes y amigos, y grande aparejo para haber el dicho descubrimiento de las dichas islas Y Indias del mar oceano y mucho mejor quel dicho Cristóbal Colón, porque el dicho Colón ninguna cabdal ni aparejo tenia ni credito, porque no lo conoscian, ni hallaran navios ni gente, ni cabdal para hacer el dicho descubrimiento si no lo pusiera, como lo puso, el dicho Martín Alonso Pinzón, y que los testigos lo saben ansi porque conoscian al uno y al otro, a si otra cosa fuera, los testigos lo supieran, viera y entendieran." A este pregunta respondió Alonso Gallego: "Que conosció muy bien al dicho Martín Alonso Pinzón, que era el mayor hombre e mas determinado por la mar que en aquel tiempo abia por esta tierra e hera hombre rico e muy aparentado y de los más principales de Palos, y tenia siempre navio de suyo y tenia aparejo para fazer qualquier cosa por la mar mucho mejor quel dicho Cristóbal Colón, porque este testigo lo conoscia y le vio harto pobre y necesitado sin ningun credito ni cabdal ni favor, y que si algun cabdal, credito o aparejo toviera no viniera a esta villa a buscar favor e ayuda para ir fazer el dicho descubrimiento, porque desde Portugal se fuera a facer el dicho descubrimiento en nombre del Rey de Portugal, porque este testigo oyo dezir a un Pero Vázquez de la Frontera como persona que habia sido criado del Rey de Portugal y tenia noticia de la tierra de las dichas Indias (...)”

36-. Devido à inevitável associação do navegador genovês com interesses de Portugal, o eminente historiador português Carlos Malheiros Dias critica esta posição por considerá-la movida por interesses nacionalistas ou

panfletários: Recentemente, alguns historiadores e, mais propriamente, alguns polígrafos, téem reclamado para Portugal, como o sr. Faustino da Fonseca (Nota: A Descoberta do Brasil, por Faustino da Fonseca, Lisboa, 1900. História dos

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Descobrimentos Portugueses, deixada inédita pelo mesmo autor. Principiada a imprimir na Imprensa Nacional de Lisboa, em 1917 (...) sendo para lamentar que até hoje não tenha sido dada à publicidade), os direitos de prioridade no descobrimento da América. Essas reclamações assumiram quási todas o tom de um libelo contra Colombo e pretendiam fundar esta reivindicação no debate ocioso dos conhecimentos scientíficos do genovês (Nota: A falta de preparação scientifica de Colombo há muito está estabelecida. Já Humboldt, no Examen Critique e no Cosmos submeteu a sciência cosmográfica de Colombo a uma análise rigorosa, provando que a sua correção de cálculo do diâmetro terrestre não se baseou na observação astronómica, absolutamente fóra das suas capacidades ...) e na sua suposta apropriação de roteiros portugueses para à viagem às Antilhas: ponto inícial da integração da América na história da civilização. O desenvolvimento de tal tese, incapaz de anular o facto incontroverso da heróica viagem, encontrará forçosamente no caminho obstáculos intransponíveis. Os rigorosos métodos da crítica histórica não se lhe podem aplicar. Quaisquer trabalhos assim orientados terão de degenerar numa literatura panfletária ou numa altercação nacionalista, não podendo assumir a gravidade, a forte contextura de uma obra objectiva d imparcial, superior às paixões e às especulações patrióticas e dialécticas. Certamente, Colombo não era, - muito longe estava de ser - na acepção superior da palavra, um homem de sciência. Foi a fé que o inspirou e guiou. Foi mais o Êrro do que a Verdade que o conduziu às Antilhas.” Concordando que esta discussão usualmente peca por arroubos nacionalistas e apologéticos, apontamos a evidente contradição do discurso de Malheiros que, sob a reivindicação dos rigorosos métodos da crítica histórica, procura sustentar o “engano” de Colombo como conseqüência do erro movido pela fé. Diferentemente, reivindicamos os mesmos métodos para, apoiados em um discurso lógico e isento de sentimentos lusófilos, resgatar este questionamento desconsiderado pela historiografia atual, fundamental para a compreensão dos vetores históricos atuantes no descobrimentos cabralino. (Carlos Malheiros Dias - Opus cit., p. LVIII)

37- Parece-nos evidente que a presença destes nautas foi imprescindível para o êxito da travessia, pois dificilmente o desconhecido mercador genovês conseguiria angariar confiança de tripulantes para se lançarem às até então desconhecidas entranhas do Atlântico.

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2. Tordesilhas, o Mapa de Cantino e a Capitania de Sant’Ana

Sem dúvidas, o Tratado de Tordesilhas é um dos episódios

mais nebulosos referente à geopolítica expansionista

portuguesa. Uma questão logo ressalta: por que D. João II

pugnou tão incisivamente para que a linha divisória entre os

domínios de Portugal e Espanha estabelecida, logo após o

retorno de Colombo, a 100 léguas a oeste de Cabo Verde pelo

papa espanhol Alexandre VI, avançasse mais 270 léguas para o

ocidente? Evidente que seu objetivo não era disputar as terras

recém descobertas por Espanha, pois sabia, por informações

concedidas pelo próprio descobridor, que este acréscimo longe

estaria para tal.

Por outro lado, sabemos que, dado a imprecisão dos

termos do Tratado que não definia a extensão da légua a ser

usada, sua origem de contagem e se esta se daria pelo equador

ou pelo paralelo de Cabo Verde, na verdade foi uma faixa o que,

a princípio, foi estabelecido (1). Dependendo, assim, dos

referencias adotados, a discussão sobre a longitude do

meridiano de Tordesilhas variou do estabelecido pelos cálculos

dos cosmógrafos da Junta de Badajoz, que chegara ao valor

correspondente a aproximadamente 45º 30' a oeste de Greenwich,

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ao cálculo do cosmógrafo português Diego Ribeiro que chegou a

longitude correspondente a 49º 45' oeste de Greenwich (2).

Considerando a ponta de Santo Antão como ponto referencial, por

encontrar-se no extremo ocidental do arquipélago de Cabo

Verde, e adotando os valores de 6 600 m. para a légua

(correspondente a 300 braças) e de 110 573 m para o comprimento

de 1º de longitude no equador encontramos as longitudes de

47º 25’ W, contando as 370 léguas sobre o Equador, e 48º 26’

W, contando-as sob o paralelo 17º 05’ N, latitude da ponta

referida (3).

Assim, segundo nossos cálculos o meridiano

divisório, em sua extensão ocidental máxima, após passar

próximo à atual cidade de Belém, interceptaria o nosso litoral

sul na altura do porto de Paranaguá (long. 48º 17’W), seguindo

então tangente à costa brasileira, de onde se afasta, após

atravessar a Ilha de Santa Catarina, na região entre a ponta

de Imbituba (long. 48º 39’W) e Laguna, em Santa Catarina, onde

o litoral flexiona para oeste.

Lembrando que, antes de tudo, esta era uma

discussão entre cosmógrafos, a maioria dos estudiosos tende a

considerar que D. João II, por ter suspeitas ou informações de

terras ainda não descobertas no hemisfério austral,

reivindicou um valor aleatório, mas que certamente lhe

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reservaria parte deste Novo Mundo. Postergava, assim, esta

discussão para gerações posteriores dado à dificuldade, ou

mesmo à impossibilidade, de, em sua época, demarcar esta linha

divisória, por estar estabelecida em função da longitude.

Contudo, ao considerar esta como versão confiável,

uma pergunta logo ressalta: Por que reivindicar para um

valor aproximado, quase aleatório, os exatos 370 e não o triplo

ou quádruplo do valor centesimal inicialmente estabelecido por

Alexandre VI na bula Inter Coetera? Surpreendentemente, ao

analisar o regime de correntes no Atlântico sul encontramos

razão deste exato valor dentro de uma estratégia geopolítica de

controle do comércio marítimo com o Oriente.

Conforme vimos, os veleiros seguem, em suas viagens

transoceânicas, sempre por rotas (derrotas, em linguagem

náutica) determinadas, condicionadas pelos regimes de ventos e

correntes. No Atlântico sul as corrente das Canárias e Guiné

percorrem o litoral ocidental africano no sentido norte-sul

somente até a região equatorial, sendo, a partir de então,

dominante a corrente de Benguela, que corre no sentido

inverso. No outro lado, a corrente do Brasil percorre o nosso

litoral no sentido norte-sul até o encontro da corrente das

Malvinas que, originária da Antártica, muda de direção para

leste na altura do litoral sul do Brasil (ver Anexo

Cartográfico).

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Para as embarcações à vela, os pontos referenciais

básicos da navegação atlântica para o Oriente é, de um lado, o

Cabo de São Roque, a partir do qual a Corrente do Brasil

acompanha o nosso litoral e, de outro lado, e o ponto extremo

meridional do continente africano, o Cabo da Boa Esperança. A

perda da perfeita abordagem da Corrente do Brasil a partir da

extremidade oriental do nosso litoral exigia o reinicio da

viagem, com o retorno aos Açores. Assim, a rota para as Índias

acompanhava o nosso litoral até a altura de Santa Catarina,

quando então se afastava progressivamente para leste, a fim de

vencer o Cabo da Boa Esperança, com a ajuda das correntes das

Malvinas. Deste modo, as naus portuguesas que se dirigiam às

Índias acompanhavam a costa brasileira desde a o litoral do

Rio Grande do Norte até Santa Catarina, afastando-se da costa

coincidentemente no limite meridional determinado pela linha

divisória de Tordesilhas (4).

Assim, a bula papal de Alexandre VI, ao estabelecer

a linha divisória a 100 léguas de Cabo Verde, apesar de

preservar para Portugal todo o litoral africano, tirava-o do

controle da rota marítima para o Oriente. Em contra partida,

como a todo meridiano corresponde um contra meridiano, o

simples deslocamento para oeste do meridiano divisório, tendo

em contra partida o deslocamento para leste do contra

meridiano, implicaria para Portugal na perda de ricos

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empórios orientais. A posterior disputa pela posse das Molucas

não deixa dúvida de que a Coroa portuguesa esteve sempre atenta

a esta questão. Assim, só interessaria a Portugal que este

deslocamento fosse estendido somente a ponto de permitir o

controle da rota atlântica e não mais, o que corresponde às

precisas 370 léguas a oeste de Cabo Verde.

Poderíamos, a princípio, conjeturar que, assim como

para Colombo, a sorte foi benfazeja para D. João II. Ambos,

conforme cita o dito popular, “atiraram no que viam e acertaram

no que não viam”. Contudo, a mais antiga fonte cartográfica,

até o presente conhecida, que traz a representação da linha

divisória de Tordesilhas nos faz suspeitar desta estranha

confluência de sortes e acasos. Esta representação encontra-se

no planisfério conhecido como Mapa de Cantino.

Para o historiador português Alfredo Marques (5)

este mapa é seguramente o mais importante da história da

Cartografia. Encontra-se neste planisfério a primeira

representação cartográfica até hoje conhecida do continente

americano e do meridiano divisório de Tordesilhas. É um belo

mapa quinhentista, medindo 1,05m x 2,20m, encontrando-se

atualmente na Biblioteca Estesense em Módena, na Itália,

havendo uma reprodução em fac-símile na Biblioteca do

Ministério das Relações Exteriores no Rio de Janeiro.

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Encontrava-se este mapa, cuja história mais parece

obra da imaginação fértil de um romancista, na biblioteca dos

Estes em Módena, para lá transferido após a perda do ducado de

Ferrara pela Casa dos Estes. A sua origem era desconhecida, já

que não traz nenhuma indicação do cartógrafo que o elaborou e

do ano de sua execução. Em 1859 esta biblioteca foi saqueada,

por conta de um levante popular, desaparecendo então o mapa.

Posteriormente, o diretor da Biblioteca Esteense, Sr. Giuseppe

Boni, foi reencontrá-lo decorando a parede de uma salsicharia,

recuperando-o e levando-o de volta à biblioteca. Pouco depois,

o historiador americano H. Harrisse, através do estudo das

cartas de Hércules d'Este, duque de Ferrara no início do século

XVI, descobriu a história deste mapa. Foi feito em princípio de

1502, secretamente, por um cartógrafo português que se

manteve no anonimato, por encomenda do representante comercial

do duque em Lisboa, provavelmente seu espião, Alberto Cantino,

a pedido do duque, que queria o mais completo mapa que fosse

possível obter das recentes descobertas de portugueses e

espanhóis, tanto no Novo Mundo como no Velho Mundo. Em 19 de

novembro do mesmo ano, o mapa chegou às mãos do duque de

Ferrara, que pagou por ele a soma de doze ducados de ouro (6).

Nota-se que este planisfério foi feito a partir de

uma composição de diferentes mapas já existentes, apresentado

a particularidade do continente americano estar representado na

projeção cilíndrica, provavelmente até então reservada às

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cartas náuticas portuguesas. Nele o continente africano

encontra-se representado com grande precisão. A Índia, apesar

de estreitada na ponta, já apresenta sua verdadeira forma de

península, e a configuração da costa da Índia à China é

bastante aproximada da verdadeira. Quanto ao continente

americano, mostra um perfil das ilhas das Índias Ocidentais, a

costa das Guianas, da Venezuela e do Brasil e ainda parte da

costa oriental da América do Norte, inclusive a Flórida, onze

anos antes de Ponce de Léon anunciar a sua descoberta.

A costa brasileira aí representada traz já as

indicações das seguintes toponímias: Cabo de São Jorge, São

Miguel, Rio de São Francisco, a baia de Todos os Santos, Porto

Seguro, Rio de Brasil e Cabo de São Marco. Junto também do

litoral brasileiro, encontra-se o seguinte texto:

A vera cruz + chamada de per nome a qual achou pedralvares cabral fidalgo da cassa del Rey de Portugal a elle descobrio indo por capitamoor de quatorze naos que o dito Rey mandava a caliqut y en el caminho indo topou com esta terra a qual terra si cree ser terra firme em a qual a myta gente de descricam andam nuos omes e molheres como suas mais os pario sam mais brancos que bacos e teem os cabellos myntos corredios foi descoberta esta dita terra em a era de quinhentos.

Pereira destaca que as latitudes destes pontos foram

representadas de forma quase correta, como o ponto extremo

oriental de nossa costa, nele identificado como Cabo de São

Jorge, que apresenta no mapa a latitude de 6º 30’, quando a do

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Cabo Branco é de 7º 08’, e de Porto Seguro, representado na

latitude de 16º 0’ quando a latitude correta é de 16º 20’

(6).

Conforme dissemos, através das cartas remetidas por

Cantino ao duque de Ferrara, ficou-se sabendo que a sua feitura

deu-se ao longo do ano 1502, o que ensejou uma dúvida aos

historiadores. Mesmo que tivesse sido a nau que retornou a

Portugal com a notícia da descoberta a responsável pelo

levantamento cartográfico do litoral, como explicar a

identificação de alguns pontos assinalados ao sul de Porto

Seguro, parte da costa desconhecida ainda pela frota de Cabral.

Malheiro Dias credita a uma expedição clandestina comandada por

Duarte Pacheco Pereira, em 1498, a fonte de tais informações

(6). Surpreendentemente, para o historiador inglês John R.

Hale fora Colombo que levara à Espanha as descrições

impressionantemente exatas e detalhadas das novas terras,

inclusive do Brasil, que permitiram ao desconhecido cartógrafo

fazer tal mapa (8).

Contudo, para a maioria dos estudiosos que se debruçaram

sobre este problema, a descoberta da história do mapa de

Cantino trouxe a resposta para a dúvida da existência da

expedição exploradora do litoral brasileiro de 1501. Temos a

informação desta expedição através do relato de Américo

Vespúcio, porém, não existe nenhuma referência de sua

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realização nos arquivos de Portugal, já minucioso para todas as

frotas que de lá partiam, além de também não haver nenhuma

referência de que Vespúcio teria sido contratado como navegador

pela Coroa portuguesa. Apoiado assim nos diversos estudos

feitos, Pereira (9) afirma que "o planisfério da Casa d' Este,

de autor anônimo, constitui assim uma prova incontestável da

vinda à Vera Cruz da Expedição de 1501." Discordando da

assertiva acima, julgamos que a existência deste planisfério

não dê subsídio inconteste para afirmar a veracidade da

expedição de 1501, por razões que passamos a apresentar.

Inicialmente, devemos considerar a natureza do

documento em que se tomou conhecimento da existência desta

expedição. Foi através da publicação em Florença em 1505/6 da

carta remetida por Américo Vespúcio a Pedro Soderini em 1504

onde narra esta viagem que teria tido início em Lisboa em março

de 1501 e finalizando em setembro de 1502. Vespúcio conta que

veio fazer parte desta expedição a convite de D. Manuel, por

ser emérito cosmógrafo, palavra que tinha um significado

equivalente ao de cartógrafo. Este documento já foi alvo de

análise por parte de diversos estudiosos que tendem a

considerá-lo como relato verídico. Lembramos, porém, que

Portugal contava na época com os melhores navegadores e

cartógrafos, o próprio mapa em questão assim o comprova, não

havendo nenhum sentido o rei D. Manuel necessitar recorrer aos

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préstimos de um estrangeiro cuja única referência a seu

respeito era ser agente comercial da casa dos Médicis.

É preciso também considerar o silêncio sobre esta que

teria sido a primeira expedição a ser enviada à nova terra

descoberta, não só nos arquivos portugueses como em todos os

cronistas que narraram a chegada às Índias (10). Observamos que

nada explicaria a necessidade de sigilo, que teria feito

desaparecer todos os documentos referentes e calar todos os

cronistas, em relação não só ao episódio como também a

Vespúcio, pois neste mesmo ano de 1501, D. Manuel tornou

pública a descoberta do Brasil, através de uma carta enviada

aos Reis Católicos.

Todavia, mesmo indo contra estes fatos, e

considerando verídica a participação de Vespúcio como

cosmógrafo nesta expedição, observamos contradições entre

informações narradas por Vespúcio e as contidas no nosso

referido mapa. A mais evidente é que teria ele retornado a

Portugal trazendo as informações necessárias para a elaboração

do mapa em setembro de 1502, ou seja, quando o mapa já estaria

quase, se não totalmente, pronto. Precisamos também

considerar, além do tempo necessário para o cálculo e

desenho das novas informações, o tempo que o cartógrafo

anônimo levou para ser corrompido e ter acesso, certamente por

meios ilícitos, às informações do cartógrafo da expedição,

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Vespúcio, que, segundo suas palavras, era depositário das

maiores informações confinadas do rei. Lembramos ainda que a

pena para o crime de traição era de morte, o que tornava a

empresa arriscada. Julgamos pois absolutamente impossível que a

negociação e execução do mapa tenham se concretizado em tão

curto espaço de tempo.

Continuamos apontando as contradições: Vespúcio faz

referências à descoberta de uma baía em 25 de Dezembro, que por

isso recebeu o nome de Salvador. Porém, esta mesma baía está

indicada no mapa de Cantino como de Todos os Santos. Partindo

da baía de Salvador, Vespúcio só iria fazer posteriores

referências à Ilha Grande e Angra dos Reis (11), contudo o mapa

assinala com precisão Porto Seguro, indica o Rio de Brasil,

provavelmente a baía da Guanabara, e não faz nenhuma referência

à Ilha Grande ou Angra dos Reis.

Referindo-se a esta primeira expedição na carta dirigida

a Lorenzo di Medeci, Vespúcio faz as seguintes considerações,

extremamente significativas dentro deste quadro de

contradições:

Em parte por ignorância do capitão e dos lugares, e em parte pelas tempestades e ventos que nos impediam seguir caminho recto, obrigavam a muitas singraduras; de modo que, a não ser os que entendíamos de cosmographia, não seria o nosso chefe que durante quinhentas leguas soubesse onde estávamos.. Andaríamos vagos e errantes, a não nos valermos dos nossos instrumentos de tomar a altura - o quadrante e o astrolabio - bem conhecidos. E assim, desde então, todos nos fizeram muita honra, e lhes provei que sem conhecimento da carta de navegar, não há disciplina que

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valha para a navegação a não ser pelos mares já pelos mesmos indivíduos muito navegados (12).

Vespúcio observa a dificuldade de localização em função

das constantes alterações dos rumos seguidos devidas as

tempestades e ventos. Como então conseguiram fazer um

levantamento razoavelmente preciso de parte do litoral, se

encontraram dificuldade na sua própria localização? Porém, o

mais relevante, é que Vespúcio chama a atenção da importância

de saber utilizar a carta de navegar em mares desconhecidos.

Como então pode Vespúcio demonstrar essa sapiência se essa

viagem era a primeira exploração destes mares e que teria sido

graças a ela que o primeiro mapa pode ser feito? Evidentemente

que estes absurdos não passaram despercebidos a Lorenzo dei

Medici, para quem Vespúcio trabalhava (13). Através do

documento denominado Fragmento Ridolfi nota-se que Vespúcio

procura defender-se de suspeitas sobre a veracidade de seus

relatos, afirmando ter feito observações de conjunções

planetárias para o cálculo de longitude.

(...) Para comprovar sucintamente o que afirmo e para me defender do que dizem os malévolos, digo tê-lo conhecido durante os eclipses e durante as conjunções da Lua com os planetas; e que perdi muitas noites de sono por querer coincidir com as asserções dos sábios que criaram os instrumentos e escreveram sobre movimentos, conjunções, manifestações e eclipses da duas luminárias e das estrelas errantes (...) é certo que eu me encontrei tanto ao ocidente, não desabitado mas povoadíssimo, distante 150º do meridiano de Alexandria, que são oito horas das horas equinociais. E se algum invejoso ou maligno não o acreditar, venha a mim, que o demonstrarei com a razão, com autoridade e com testemunho. E isto te baste quanto à longitude, que, se não estivesse como estou muito ocupado, te mandaria as declarações de tudo e de muitas conjunções que eu observei, mas não quero entrar em tão profunda matéria, porque isto me parecia dúvida de literato, porém não o

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era nenhuma daquelas que vós havíeis me dirigido. E isto seja suficiente. (14)

Vespúcio comete nesta defesa um erro primário para um

“astrônomo douto”, capacitado para o complexo cálculo das

longitudes, pois 150º de longitude corresponde a uma

diferença de dez horas, e não oito, em relação ao meridiano de

origem, no caso de Alexandria além de ser impossível ter

atingido tal longitude, situada na costa pacífica do

continente americano (15). Resgatado como importante personagem

histórica por Varnhagen no século passado, Vespúcio foi, por

longo tempo, considerado como mentiroso ou mesmo falsário por

diversos estudiosos dos descobrimentos ibéricos (16).

Evidentemente, não é nosso intuito ressuscitar aqui tal

polêmica. Nosso único objetivo é demonstrar não ter fundamentos

considera-lo como o responsável pelas informações que

permitiram as representações de pontos da costa brasileira no

Mapa de Cantino. Contudo, particularmente acreditamos que, após

a leitura do referido manuscrito por Lourenço dei Medici, suas

suspeitas a respeito da veracidade das informações do seu

agente sobre sua participação em tais viagens transformaram-se,

sem dúvidas, em certezas.

Portanto, se as viagens referidas por Vespúcio à costa

brasileira realmente existiram, certamente a sua participação

não se fez como piloto ou cosmógrafo. Contudo, nos parece o

mais provável que tenha redigindo suas cartas a partir de

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informações obtidas diretamente de navegantes portugueses.

Compreende-se assim seu temor diante das procedentes suspeitas

levantadas sobre seus relatos.

Porém, o que de mais importante nos demonstra o Mapa de

Cantino é que já em 1502 cartógrafos portugueses tinham o

conhecimento preciso das coordenadas, tanto de latitude como

de longitude, do ponto extremo oriental do litoral brasileiro,

identificado em Cantino como Cabo de São Jorge. A relação das

distâncias encontradas no mapa quinhentista entre o meridiano

de Tordesilhas e o Cabo de São Jorge e deste à costa da África,

é extremamente próxima a verificada em um planisfério atual, na

projeção cilíndrica, posicionando-se o meridiano de Tordesilhas

na sua extensão máxima para o ocidente (17).

Assim, é absolutamente surpreendente que este ponto

referencial do litoral brasileiro esteja perfeitamente

plotado, principalmente em termos de longitude, em qualquer

mapa quinhentista, inexplicável tratando-se de um planisfério

datado de 1502. Contudo, não é somente a partir do Mapa de

Cantino que podemos constatar o conhecimento preciso, por parte

da Coroa portuguesa, do posicionamento de pontos referenciais

do litoral brasileiro em relação ao meridiano divisório

estabelecido em Tordesilhas.

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Outra fonte de natureza cartográfica que nos permite tal

consideração é a carta de doação de capitanias a Pero Lopes de

Sousa, que diz o seguinte:

Hey por bem, e me apraz de lhe fazer mercê, (...), de 80 legoas de terra na dita Costa do Brazil, repartidas desta maneira: 40 legoas de terra que começaram de 12 legoas ao sul da Ilha de Cananéia, e acabaram na terra de Santa Anna, que está em altura de 28 graos, e hum terço; e na dita altura se porá o Padram, e se lancará huma linha, que se correrá a Loeste: e de 10 legoas, que começaram do Rio de Curparê, e acabaram no Rio de S. Vicente; e no dito de Curparê da banda do Norte se porá Padram, e se lançará huma linha, pelo rumo de Noroeste athe altura de 25 graos, e desta dita altura cortará diretamente a Loeste; e as 30 legoas, que fallecem, começaram no rio, que cerca em redondo a Ilha de Itamaracá, ao qual rio eu ora puz nome, Rio da Santa Cruz, e acabaram na Bahya da traycam, que está em altura de 6 graos, e isto com tal declaraçam, que a 50 passos da Caza da Feitoria , que de principio fez Christovam Jacques (...) (18)

Como, de todas as capitanias inicialmente doadas, esta

carta refere-se àquela situada mais ao sul, este documento

tem a particular importância de identificar o paralelo de

28º 20’ S, na terra de Santa Anna, como o limite meridional

da América portuguesa reconhecido então pela Coroa.

Surpreendentemente, este paralelo atinge a costa brasileira

no litoral de Santa Catarina, entre a Ponta de Imbituba e

Laguna. Conforme vimos, é neste ponto que a linha divisória

de Tordesilhas afasta-se definitivamente da costa brasileira

(18). Desta maneira, o primeiro limite meridional

reconhecido pela Coroa para a América portuguesa coincide

com o limite estabelecido pelo meridiano de Tordesilhas,

tomando-o em sua extensão máxima para o oeste.

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Ao mesmo tempo, a carta de doação da capitania de São

Vicente a Martim Afonso de Sousa, irmão de Pero Lopes, nos

revela dados igualmente surpreendentes. No Translado da doação

da Capitania de São Vicente assim encontra-se definidos os

limites desta Capitania.

(...) segundo irá declarado de cem leguas, que começarão de treze leguas ao Norte de Cabo Frio, e acabarão no Rio de Curpare, e do dito Cabo Frio começarão as ditas treze leguas ao longo da Costa para a banda do Norte, e no cabo dellas se porá um padrão das minhas armas, e se lançará uma linha pelo rumo de Noroeste até altura de vinte e um graus, e desta dita altura se lançará outra linha que corra direitamente a Loeste, e se porá outro padrão da banda do Norte do dito Rio de Curpare, e se lançará uma linha pelo rumo de Noroeste até altura de vinte e tres graus e desta altura cortará a linha direitamente a Loeste, e as quarenta, e cinco leguas, que fallecem começarão do Rio de São Vicente, e acabarão doze leguas ao Sul da Ilha de Cananea. (20)

Assim, os limites da porção setentrional da

Capitania de São Vicente, formadora da Capitania do Rio de

Janeiro, encontravam-se, verdadeiramente, sobre os paralelos de

21º S e 23º S. Vale notar que esta é a única porção de

capitania definida por coordenadas de paralelos. Ora, o

paralelo 21º S passa exatamente pela foz do rio Itapemirim,

acidente estipulado, corretamente, como limite meridional da

Capitania de Vasco Fernandes Coutinho. O simples fato de se

encontrar, com uma pequena margem de erro, as duzentas léguas

correspondentes às capitanias da Baía, Porto Seguro, Ilhéus e

Espírito Santo entre os rios São Francisco e Itapemirim, já é,

de fato, surpreendente (21). Mais surpreendente ainda está o

fato do seu paralelo limite encontrar-se exatamente na foz do

rio Itapemirim, limite, igualmente, das 200 léguas referentes

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às quatros capitanias. Importante observar que no roteiro do

irmão de Martim Afonso, o também donatário Pero Lopes de Sousa

(21), a foz do rio São Francisco está calculada com um erro de

cerca de 1º para sua latitude. Se correta, esta diferença

impediria que coubessem devidamente as quatros capitanias no

espaço previsto.

Ao tomar os casos aqui vistos isoladamente,

podemos até conjeturar que Colombo e D. João II foram

bafejados pela sorte, o Mapa de Cantino e as cartas de doação

das capitanias de Pero Lopes e Martim Afonso de Sousa são

frutos do puro acaso ou mera coincidência. Porém, é preciso

observar que estes fatos interligam-se solidamente, como elos

de uma mesma corrente. Ao descobrimento de Colombo associa-se

diretamente o Tratado de Tordesilhas que, por sua vez,

apresenta-se pela primeira vez em uma representação

cartográfica no Mapa de Cantino, sendo, ao mesmo tempo, o

limite oeste comum às capitanias hereditárias. A probabilidade

de esta conjuntura ser fruto da profusão de sortes e acasos,

é, certamente, bastante reduzida. Esta possibilidade torna-se

definitivamente nula ao inseri-la no contexto expansionista da

Coroa portuguesa.

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NOTAS

1- Tratado de Tordesilhas, segundo o original em português,

existente no Arquivo de Índia de Sevilha. In Jaime Cortesão (org). Paulicea Lusitana Monumenta Histórica. Lisboa, Real Gabinete de Leitura do Rio de Janeiro, 1956,

v 1 (1492-1600, pp. 3/21: “Dom Joham Per Graça de Deus Rey de purtugal e dos alguarves daquem e dalem mar em africa e Señor de guinee. [...] E em testemunho e fee do qual vos mandamos dar esta nosa carta firmada per nos e seelada de nosso seelo dada e nosa cidade de lixboa a biij [8] dias de março. Ruy de pina a fez. Anno do naçimento de noso Señor Jeshu christo de mjl quatrocentos noventa e quatro annos. El Rey. E Logo os ditos procuradores dos ditos Señores Rey e Raynha de castela, de liam, daragam, de cezilia, de grada e etc. E do dito Señor Rey de purtugal e dos algarves e etc. [...] A suas altezas praz e os ditos seos procuradores e seu nome e por virtude dos ditos seus poderes outorgarã e consentirã que se faça e asyne pollo dito mar oceano huma Raya ou linha direita de poolo a poolo, scilicet, do pollo artico ao pollo antartico que he de norte a sul. A qual Raya ou linha se aja de dar e dê direita, como dito he a trezentas e setenta legoas das ilhas do cabo verde pera a parte do ponente por graaos ou por outra maneira que nõ seiam mais E que todo o que the qui he achado e descuberto e daqui adiante se achar e descubrir por o dito Señor Rey de purtugal e por seos navios, asy ilhas como terra firme des a dita raya e levaãte dentro da dita raya aa parte do levãte ou do norte ou do sul della tanto que nõ seja atravesando a dita raya, que esto seja e fique e perteça ao dito Señor Rey de purtugual e a seus socessores pera sempre jamais”.

2- M. D’Oliveira Lima - O descobrimento do Brasil : suas primeiras explorações e negociações diplomáticas a que deu origem. Livro de Centenário (1500-1900). Rio de Janeiro, Associação do Quarto Centenário do Brasil/ Imprensa Nacional, 1900, pp. XV/XVII.

3-Longitude da ponta oeste de Santo Antão: 25º 20’ W Latitude : 17º 04' (Cortesão in opus cit. 1956:LXII) 1 légua = 300 braças = 6,6 Km 370 X 6,6 Km = 2442 km Compr. de 1º long. no Equador = 110,573 km (Raisz, 1972)

2442 / 110,573 = 22.0849 = 22º 05' 22º 05’ / cos 17º 04’ = 23º 06’ 25º 20' W + 22º 05’ = 47º 25' W 25º 20’ W + 23º 06’ = 48º 26’ W 4- Jaime Cortesão - Brasil: de los comiezos a 1799 . Historia de América y de los publos americanos. Barcelona, Salvat, 1965, pp. 8/9,18/19, T. 26 : “Grandpré, que escribía en el siglo XVII, cita el caso de una nave que empló

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once meses en el trayecto desde Francia a Angola, por haberse empenado en realizar el viaje navegando siempre a lo largo de la costa de Africa. (...) Tan grande eran los obstaculos que encontraban los portugueses al atravesar el golfo de Guinea, que, apenas creado el gobierno de Angola en 1575, inmediatamente las travesías de Lisboa hacia la India empezaron a efectuarse por el Sur. (...) Es lo que G. Schott, el especialista contemporáneo mas eminente en la materia, escribe: "Forzados por las condiciones naturales, los navios de vela se ven obligados, al entrar en el Atlántico del Sur, a mantenerse siempre en la proximidad de la costa americana; su objectivo, que es alcanzar el cabo de Buenas Esperanza, está muy desviado hacia el Sudeste y precisamente en la dirección donde soplan los alisios del Sudeste. Por esta razón es preciso atravesar de lado la zona de estos alisios, dejando al Este las pequenas islas de Martín Vaz y Trinidad; y nos es raro que, a causa de la dirección Sudeste del viento, el navío se vea obligado a permanecer en la parte americana del océano, en la latitud de la desembocadura del río de la Plata ..., y la nave debe virar al Este, uma vez se hayan alcanzado con seguridad los vientos del Oeste del hemisferio Sur". Yel mismo oeanógrafo observa que: "La corriente ecuatorial del Sur, situada entre 2º de latitud Norte y 10º de latitud Sur, empuja al velero hacia el Oeste, de tal suerte que es necesario tener mucho cuidado para no topar de muy cerca el cabo San Roque en la punta avanzada de la costa brasileña. Apesar de todas estas precauciones tomadas de un modo minucioso, todavía acontece con frecuenciaen nuestros días que el navio no puede evitar la costa brasileña

5- Alfredo Pinheiro MARQUES - Os exploradores do oceano. O Correio da Unesco. Mapas e cartógrafos, Rio de Janeiro, ano 19 n. 8. p. 22-24, agosto de 1991.

6- Moacyr Soares PEREIRA -A navegação de 1501 ao Brasil e Américo Vespúcio. Rio de Janeiro, ASA Artes

Gráficas, 1984, pp. 36/7: No planisfério da Casa d' Este os topônimos primitivos do litoral de Vera Cruz estão colocados em suas latitudes quase corretas: o Cabo de São Jorge em 6º 30' (correspondente ao Cabo Branco a 7º 8'), a ínsula Quaresma em 9º (Ilha de Santo Aleixo a 8º 36'), Porto Seguro em 16º (contra 16º 20' verdadeiros).

7- Carlos Malheiros Dias - “Introdução”. História da colonização portuguesa no Brasil. Porto, Litografia

Nacional, 1921, V. I, pp. LIV/V: De facto, a América só é descoberta na sua continuidade territorial - embora ainda com limites imprecisos - pela expedição clandestina de um dos consultores técnicos de Portugal em Tordesilhas, Duarte Pacheco Pereira, em 1498, e pelas viagens quási simultâneas de Pedro Álvares Cabral a Vera Cruz e de Gaspar Côrte-Real à Terra Nova. É com a notícia destas últimas viagens, realizadas no último ano do século XV nas Américas setentrional e austral, e de outras misteriosas navegações portuguesas na América central, que o embaixador Alberto Cantino manda compor em Lisboa, em 1502, o planisfério iluminado, remetido ao duque de Ferrara, em cujo pergaminho aparecem traçadas a Groelândia e as terras do Lavrador e dos Bacaláos, prolongando-se até às regiões da América Austral, aonde acostara, na rota da Índia, por 16º 16’,

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aproximadamente, de Latitude S., a expedição de Cabral, como ao depois a de Afonso de Albuquerque, em 1503. (...) O primeiro mapa do novo continente é, pois, português e conseqüência das viagens simultâneas de Côrte-Real e Pedro Álvares, completada esta última por uma série de expedições clandestinas, realizadas entre os anos de 1500 a 1502 boreal e austral do continente americano”. Sobre o Mapa de Cantino, ver também Derby (1914: 335) e Pereira (1984: 33)

8- John R. HALE - Idade das explorações -. Rio de Janeiro, José Olympio, 1970, p. 65

9- Pereira - Opus cit., p. 35

10- Ibidem, idem, pp. 14-17:Surpreendentemente jamais se encontrou nos arquivos oficiais e particulares portugueses qualquer documento relacionado a esta navegação exploratória das costas brasileiras. É conhecida a carta do Visconde de Santarém a Fernadez de Navarrete, que a publicou a seu pedido, sobre as viagens de Américo Vespúcio por ordem da Corte de Lisboa, na qual ele refere a busca que efetuou nas chancelarias originais do Rei D. Manuel I, de 1495 a 1503 inclusive, em dezenas de milhares de documentos do corpo cronológico, do das gavetas, e nos "paquetes" das cartas missivas dos Reis e outros personagens, sem aparecer em nenhum desses documentos o nome de Vespúcio. Sua pesquisa, acrescenta, estende-se à coleção de manuscritos da Biblioteca Real de Paris, na parte relativa aos descobrimentos e viagens lusas, com resultados também negativos. (...) os cronistas portugueses de Quinhentos, em, sua quase totalidade, não escreveram uma só palavra sobre a primeira navegação manuelina ao Brasil. Fernão Lopes de Castanheda e João de Barros nada dizem a respeito do acontecimento: o mesmo ocorrendo com Damião de Góis, Jerônimo Osório e Pedro de Mariz, que apenas se referem à expedição de Gonçalo Coelho à Terra de Santa Cruz, composta de seis velas, das quais perdera quatro no curso da viagem - evidentemente a de 1503." Há uma evidente distorção quando Pereira refere-se a quase totalidade dos cronistas, pois não consegue citar um único que confirme a expedição narrada por Vespúcio.

11-A. Morales DE LOS RIOS -Subsídios para a historia da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro. Revista do IHGB. Tomo Especial Consagrado ao Primeiro Congresso de História Nacional v. I, p. 989-1350, Rio

de Janeiro, 1915 1015: A partir do momento em que a flotilha de 1501, se faz de vela, partindo da Bahia do Salvador, as chrônicas, que eu saiba, nada revelam, até hoje, a respeito dos descobrimentos que ella continuou fazer pela costa, até que no dia 6 de Janeiro de 1502, essa chrônicas tornam a nos dizer que a flotilha lusitana surge defronte de uma ilha e de uma enseada, às quaes deu os nomes de Ilha Grande e Angra dos Reis.

12- Ibidem, idem - p. 1012

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13- Riccardo Fontana - O Brasil de Américo Vespúcio.

Brasília, Ed. UNB, 1975, pp. 123/4: “De uma panorâmica histórico-literária, podemos deduzir que os únicos documentos autênticos, ou seja, verdadeiramente elaborados e remetidos por Vespúcio a Florenca, são assim chamado Fragmento Rodolfi documento importante e em certos aspectos revolucionário, que remonta a 1504 (...); descoberto e ilustrado pelo marquês Roberto Ridolfi em Florenca, no ano de 1937, esteve perdido posteriormente e, por fim, foi reencontrado pelo prof. Luciano Formisano em 1983, que o republicou com tal novidade na Itália. (...) O Framento Ridolfi faz parte do Códice Ginori-Conti, agora em Washington, Library of Congress, Hans Peter Kaus Collection of Hispanic American Manuscript, 118 (cc8v9r). Este raro manuscrito é uma resposta corajosa e ousada, de tom inusitadamente polêmico e ressentido, a uma carta de Lourenço di Piero Francesco dei Medici, na qual se referiam as objeções e as dúvidas que em Florença se colocavam à carta de Vespúcio sobre a viagem portuguesa”. Sobre os Medici, Soares nos diz o seguinte: “O surgimento do Humanismo Neoplatônico se deu na época da Signoria, o regime político tirânico e paternalista instaurado, em 1434, no Estado Toscano por Cosimo I de Medici (ou Cosimo, o Velho), que sufucou o clima de liberdade cívica existente naquela República, e baseou-se no poderio econômico de um “império”comercial e financeiro que tinha ramificações por toda a Europa Ocidental. Com os recursos deste poderio econômico, Cosimo I e depois Pietro, Lorenzo, o “Magnífico”, e outros representantes da dinastia de Medici, puderam se trnasformar em grandes “Mecenas”, protetores de literatos, artistas e filósofos. Cosimo I foi o patrocinador e grande admirador de Marsílio Ficino, que foi o fundador do Humanismo Neopaltônico florentino e se tornou um dos maiores “filósofos - magos”do Quattrocento italiano, como assinalou Eugenio Garin.

14- Américo Vespúcio - Fragmento Ridolfi [1504?] In Fontana, Opus cit. p. 145.

15-Como a Terra leva 24 h para girar em torno de seu eixo, cada hora corresponde a 15 graus.

16-Duarte Leite - “Os falsos precursores de Cabral”. História da colonização portuguesa do Brasil. Porto,

Litografia Nacional, 1921, pp. 109/110 : Teve um patrono ilustre a versão que atribui ao castelhano Alonso de Hojeda e ao seu companheiro Américo Vespúcio a ventura de ter primeiro avistado em 1499 o nordeste do Brasil. Foi Francisco Adolfo de Varhagen que nos meados do século passado exumou do esquecimento e avigorou a pretensão de Vespúcio, o qual no relato da segunda navegação (Lettera di Amerigno Vespucci delle isole nuovamente trovare in quatro suoi viaggi, Florença, 1505 ou 1506) duas vezes assevera ter aproado, por 5º de latitude austral, ao continente depois baptizado com o seu nome. (...) Acolhida com frieza, a reivindicação do fervoroso paladino de Vespúcio não conseguiu o assentimento dos historiadores, a êsse tempo e ainda depois muito desconfiados dos méritos e proezas do enigmático florentino. (...) Os primitivos cronistas espanhois, impressos até o meio do século XVI, não se ocupam dêle, ressalvadas concisas alusões (...). O silêncio dos cronistas só se interrompeu com as acrimoniosas

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censuras que Las Casas, na sua Historia general de las Indias, lança em rosto a Vespúcio, taxando-o de falsário e usurpador das glórias de Colombo. (...) Debalde Bandini e Canovai, em 1745 e 1788, tentarem palavras de elogio e aberta defesa; meio século depois, o infantigável e erudito Navarrete, na esteira do seu predecessor Muñoz, trata Vespúcio muito duramente, e o Visconde de Santarém se encarniçou longamente contra êle, fundado no completo silêncio dos cronistas portugueses e dos arquivos da Tôrre do Tombo. (...) Pouco depois interveio Varnhagen, que tenazmente conduziu, por espaço de vinte e cinco anos, uma ardente campanha em prol de Vespúcio, cuja viagens proclamou verídicas, e a quem atribuia o mérito de haver afirmado, antes de qualquer outro, a continentalidade da chamada terra firme; o que não obstou a uma nova investida, na qual se salientaram o italiano Hughes e o inglês Markham. Com a celebração em 1892 do quarto centenário do descobrimento da América ganhou fôrça o movimento em favor do famigerado navegador; os americanos Harrisse, Fiske e por último Henry Vignaud deram-se mão forte para reabilitar o grande homem, tão discutido quanto caluniado.

17-Segundo nossos cálculos, esta diferença, em termos percentuais, é de aproximadamente 8%. Veja no Anexo Cartográfico a superposição do Mapa de Cantino sobre um mapa atual onde se encontra representado a linha divisória de Tordesilha situada na posição extrema ocidental.

18-“Translado da Carta de Confirmação de D. João V ao marquês de Caiscais”. In Frei Gaspar da Madre de Deus - Memórias para a História da Capitania de São Vicente; Belo Horizonte, Itatiaia / São Paulo, Edusp; 1975, pp. 152/3.

19- Há apenas uma diferença de aproximadamente 15’ em termos de longitude para que esta intercessão fosse perfeita. Esta proximidade demonstra que os responsáveis por estes cálculos trabalhavam com valores para o comprimento do grau de longitude muito próximos os atuais.

20-Documentos Históricos: 1677-1678 Patentes; 1534-1551 Foraes, Doações Regimentos e Mandados. Vol. XIII da série E XI dos documentos da Bibl. Nacional. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1929, p.137

21- Através da escala numérica no Atlas do Brasil ao milionésimo, calculamos em aproximadamente 195 léguas a distância entre os estuários destes dois rios.

22- “Naveguaçam q fez pº lopez de sousa no descobrimento da costa do brasil militamdo na capitania de mati aº de sousa seu irmão : na era de emcarnaçam de 1530”. In Jaime CORTESÃO, (org.)

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Pauliceae Lusitana Monumenta Historica. Lisboa, Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro,

1956, V 1, p. 455: “ Sa fa xj do dito mes ao meo dia tomei o sol em xj . g. e meo faziame de tra dez leguoas fazia o caminho do sudueste cõ ho veto sueste, em que se pondo o sol demos nuã aguaje do Rio de sã frco q fazia muj grãde escarçeo”.

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2.3-. A Arte de Navegar no Atlântico Sul

Luís de Albuquerque observa que existem duas correntes

que procuram explicar a origem dos fundamentos científicos

e técnicos dos conhecimentos náuticos e cartográficos

necessários aos descobrimentos portugueses (1). Uma das

correntes advoga que esta fonte encontrar-se-ia nos

astrólogos judeus que freqüentavam a corte real como

médicos. Já a outra corrente remete aos sábios da

Universidade portuguesa, reformada por D. Henrique com o

propósito de transformá-la na formadora e depositária dos

conhecimentos técnicos e científicos essenciais à expansão

marítima.

Apesar de reconhecer a importância dos

astrólogos judeus na elaboração das mais antigas tábuas

solares náuticas e, talvez, do regimento das léguas,

Albuquerque destaca que estas contribuições parecem não ter

ido muito além disso. Por outro lado, demonstra que a

Universidade não teve, igualmente, uma importância maior

neste processo, pois apesar do Infante D. Henrique ter sido

o responsável pela introdução das matérias de Aritmética,

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Geometria e Astrologia, esta reforma não visava atender às

necessidades dos homens do mar. Além da Astrologia ser

dirigida às práticas médicas e judiciárias, na relação dos

docentes da Universidade de Lisboa no período de 1418 a

1460 consta um único frei como professor de matemática, em

1437. Ao mesmo tempo, não se conhece nenhum navegador dos

descobrimentos que teria recebido esta formação

universitária. Somente a partir do século XVI que os

navegantes se aproximaram dos conhecimentos teóricos dos

sábios, dentre os quais se destaca Pedro Nunes, nascido em

1502, designado mestre do Infante D. Luís, acompanhado

então em suas lições por Martim Afonso de Sousa e D. João

de Castro (2). Contudo, mesmo já neste período após aos

descobrimentos, a relação deste emérito matemático com os

navegantes nem sempre foi de aceitação e reconhecimento por

parte destes, conforme observa Albuquerque:

Pedro Nunes é justamente considerado como um dos primeiros ou o primeiro metemático peninsular do século XVI; e esta fama nem sequer é recente, pois já no último quartel de Quinhentos o seu nome era já freqüentemente referido com admiração que o tempo não diminui, e até porventura engrandece. Diversos cosmógrafos daquele tempo, mesmo entre os que discordavam de algumas das suas opiniões, em livros que escreveram, reconhecem expressamente ter sido muito valiosa a contribuição de Pedro Nunes para a náutica astronómica, ou confessam-se abertamente seus discípulos neste recente capítulo de aplicações de astronomia. (...) Entre as contribuições mais valiosas dadas por Pedro Nunes à marinharia da época contam-se os processo que em 1537 apresentou para a determinação de latitude por alturas extrameridianas do Sol e para a determinação da declinação magnética, também por observações solares. (...) No entanto, Pedro Nunes também foi objecto de críticas bastante violentas. Os marinheiros, segundo ele mesmo diz, não lhe perdoavam que tivesse intervenção nos problemas das náutica sem nunca ter navegado e denegriam a sua acção; mas também alguns

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homens de formação teórica discordavam publicamente de várias das suas opiniões em matérias referentes à arte de navegar. (3)

Se não foram os astrólogos judeus e os sábios da

Universidade de Lisboa os principais responsáveis pelo

subsídio dos fundamentos náuticos e cartográficos aos

descobridores portugueses, qual seria então a origem destes

conhecimentos? Para o referido historiador português a

adoção da prática de determinação da latitude pela altura

meridiana do sol -pesar o sol- pelos navegantes representa

o marco divisório da técnica de navegar. Antes então a

navegação era uma arte, fruto exclusivo da prática e

experiência dos navegantes, acumulada ao longo do tempo

(4).

Esta explicação é convincente e pertinente quando

referente às práticas náuticas na porção africana do

Atlântico sul e do Índico. Realmente, sabemos, e temos este

registro, que a conquista do litoral africano é mérito

quase exclusivo do navegante português que, palmo a palmo,

explorou a costa ocidental da África, observando os regimes

de ventos e correntes ao sul do Bojador.

Quanto ao Índico, sabemos igualmente que a arte de

navegar neste oceano foi aprendida pelos portugueses dos

pilotos mouros. João de Barros narra como Vasco da Gama

dependeu destes para navegar por aquele oceano recém

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atingido (5). Sabemos, do mesmo modo, que os

conhecimentos, recebidos pelos portugueses das rotas,

corrente marítimas e regimes de ventos do Índico fora

resultado do acúmulo da experiência e da arte de diversas

gerações de navegantes orientais.

Por outro lado, a rota percorrida por Vasco da

Gama no Atlântico, seguida logo após por Cabral(6),

evitando corretamente a costa africana para navegar

próximo ao litoral brasileiro, não deixa dúvidas, conforme

observa Viterbo (7) que tenha ele partido conhecedor não

só dos obstáculos que ofereciam à navegação a costa da

Guiné como do percurso correto a ser seguido para vencer o

Cabo da Boa Esperança, e também da difícil abordagem da

Corrente do Brasil no litoral nordestino que, quando não

feita correta e precisamente, impedia o prosseguimento da

viagem ao Índico, exigindo o retorno aos Açores (8).

Contudo, João de Barro, ou algum outro cronista dos

descobrimentos, não nos legou qualquer roteiro ou

informação de como os portugueses aprenderam a arte de

navegar pela rota da corrente do Brasil no Atlântico sul

(9).

Como, estranhamente, após Bartolomeu Dias vencer

o Cabo da Boa Esperança esperou-se por quase uma década

para que os navios portugueses atingissem a costa oriental

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do continente africano, poderíamos supor que o intervalo

entre as duas viagens representaria o período de tempo

necessário para, secretamente, proceder a explorarão do

litoral brasileiro, suas correntes e regimes de vento.

Contudo, este lapso de tempo é insuficiente para um

empreendimento de tal magnitude.

Considerando a navegação de então ainda como

arte, teriam sido necessárias muitas décadas para os

navegantes portugueses aprendessem a fazer corretamente a

abordagem da Corrente do Brasil para só então, após

explorar o litoral brasileiro, de nordeste a sul, descobrir

que a Corrente das Malvinas os levariam a transpor o

continente africano, permitindo assim atingir o Índico.

Contudo, conforme visto, esta questão extrapolar da arte de

navegar para um enigma de ordem técnica, por tratar de

cálculos de latitude e longitude de pontos referenciais da

extensa costa brasílica, quando a navegação ainda não

estava neste âmbito.

O desnudar desta questão traz em seu esteio outra

problematização, não mais de ordem técnico-científica, mas

geopolítica.

Temos conhecimento que até o século XVI o coração

mercantil da Europa pulsava principalmente no Mediterrâneo,

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via principal das rotas mercantis, dentre as quais se

destacam, por sua importância, as rotas de abastecimento das

especiarias orientais. A procura da rota atlântica para as

Índias costuma ser vistos como conseqüência do bloqueio

mediterrânico imposto pelos turcos, após a conquista de

Constantinopla. Deste modo, Portugal, após ter adquirido a

experiência necessária em navegação na exploração do

continente africano, almejaria atingir diretamente os centros

produtores, fugindo assim da custosa intermediação otomana

que estaria praticamente impossibilitando o acesso as tão

procuradas e necessárias especiarias. Restabelecendo assim o

fluxo de especiarias para o ocidente, Portugal, contudo, logo

perderia esta primazia para os negociantes dos Países

Baixos, mais bem organizados e empreendedores.

Sendo fiel a este ponto de vista resta-nos concluir

que toda esta seqüência de fatos inusitados aqui expostos

nada mais representa do que uma incrível conjunção das forças

do destino e sucessão de bem aventuranças. Contudo, um

detalhe até então despercebido, ou desconsiderado, impõe, a

nosso ver, uma mudança radical neste enfoque geopolítico.

Devemos inicialmente observar que o Mediterrâneo

permaneceu como a via principal do comércio com o Oriente

mesmo após a tomada de Constantinopla. Apesar da queda do

Império Bizantino representar um duro golpe à cristandade

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ocidental, o tráfico de especiarias com o Oriente permaneceu

inabalado, pois este passou a fluir pela Síria, abastecida

pela rota do Golfo Pérsico e, primordialmente, por

Alexandria, no Egito, que a partir do século XI ganha

importância cada vez maior como entreposto de especiarias

orientais. Por não ter sido sorvedouro do ouro africano, por

muitos passou despercebido o papel de Alexandria como um dos

mais importantes entrepostos de especiarias. Godinho,

contudo, demonstra que, dada exatamente a sua vitalidade, a

economia egípcia pode prescindir da necessidade do constante

reabastecimento deste metal, já que as especiarias eram

negociadas principalmente em troca de cobre e prata (10).

Assim, abastecida pela rota do Índico e Mar Vermelho,

Alexandria acolhia principalmente as frotas venezianas

que, após derrotar Gênova na batalha de Chioggia em 1380,

passou a deter o quase monopólio do tráfico mediterrânico,

não interrompido pela queda de Constantinopla (11).

Por outro lado, verifica-se que inicialmente a ação da

frota portuguesa no Oriente voltava-se para impedir o fluxo

do Índico para o Mediterrâneo de especiarias, ao bloquear as

entradas do Golfo Pérsico e Mar Vermelho (12). Passada

somente uma década após a descoberta do Brasil, Afonso de

Albuquerque instala-se em Goa, após conquistar, em 1507, a

cidade de Ormuz, estratégica para o controle do Golfo Pérsico

e Francisco de Almeida ter derrota a frota do sultão do Cairo

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na batalha de Diu, em 1509. A conquista de Málaca, em 1511,

sepulta definitivamente a hegemonia das potências

mediterrânicas na economia européia, abrindo uma nova página

na História ocidental (13). Por conseguinte, após Godinho ter

resgatado a importância do Egito na permanência do tráfico de

especiarias para o Ocidente e considerando-se a ação das

frotas portuguesas no Índico, verifica-se que Portugal atinge

o Índico não para fugir do bloqueio ao Mediterrâneo, mas,

contrariamente, para impor este bloqueio.

Levando-se em conta esta rotação de 180º no eixo da

geopolítica dos descobrimentos, concluímos não ser plausível

delegar a uma conjuntura de sortes e acasos a seqüência de

fatos inusitados aqui expostos.

Deste modo, somos levados a considerar que o

“descobrimento” do Brasil foi antecedido não só pela

presença de navegantes como também cosmógrafos doutos,

responsáveis pelas explorações marítimas e observações

astronômicas em terra, necessários para o conhecimento das

rotas marítimas (derrotas) e determinações cartográficos do

Atlântico sul, possibilitando assim o domínio do Índico e o

estrangulamento do Mediterrâneo pelos portugueses já no

alvorecer do século XVI.

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Porém, a presença recente de diversos cosmógrafos

doutos nas “Terras de Pindorama” teria deixado,

necessariamente, registro na memória dos aborígines deste

contato interétnico (14). Todavia, nenhuma sociedade nativa

trazia algum tipo de registro que pudéssemos remeter a um

contato recente com europeus. Contudo, o universo mítico da

etnia Tupi-guarani, primeira contatada, guarda a memória de

uma fabulosa relação interétnica com uma personagem

intitulada sumé.

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NOTAS

1- Cf. Luís de Albuquerque - Náutica e Cartografia em Portugal nos séculos XV e XVI. A universidade e os descobrimentos: Colóquio promovido pela Universidade

de Lisboa. Lisboa, CNCDP/ Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1993, pp. 91-102.

2- Cf. F. R. Dias Agudo - Ambiente sócio-cultural e

criação da matemática - o exemplo de Portugal na época de quinhentos. A universidade e os

descobrimentos: Colóquio promovido pela Universidade

de Lisboa. Lisboa, CNCDP/ Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1993, pp. 103-118

3- Luís de Albuquerque - As navegações e suas projeções

na ciência e na cultura. Lisboa, Gradiva, 1987, p. 57:

4- Idem - “Náutica e Cartografia em Portugal nos

séculos XV e XVI”. A universidade e os

descobrimentos: Colóquio promovido pela Universidade

de Lisboa. Lisboa, CNCDP/ Imprensa Nacional - Casa

da Moeda, 1993, pp. 94,97.: E a tudo isto se reduz o que de mais importante ( e bastante importante) se passou com a arte náutica na segunda metade do século XV; podem-se resumir a esses passos essenciais as transformações pelas quais então passou a navegação quando ela saltou da arte, que até então era, para o início de uma técnica; que passou a ser; e esse início foi a medição de uma coordenada geográfica a bordo: a latitude. Quando na solução destes problemas se procura mostrar que tivesse feito a sua intervenção a Universidade de Lisboa (ou qualquer outra Universidade, porque era o mesmo), parte-se do pressuposto de que se podiam pensar em terra, antes do arranque das viagens para o sul do Bojador, as soluções de todos os problemas que iam aparecer na exploração ao longo da costa atlântica. Desenganemo-nos, porque nada é mais falso! É indiscutivelmente falso porque nunca se podiam ter adivinhado os condicionalismos que os navegadores haviam de enfrentar! Por exemplo: como podiam o infante e os seus conselheiros saber que as correntes e os ventos para o sul do Bojador eram quase sempre contrários a uma torna-viagem? Outro exemplo: como podiam eles adivinhar que acabariam por encontrar a manobra adequada para evitarem umas e outros? Terceiro exemplo: como podiam eles saber que seria por operações astronómicas elementares que se solucionava o problema de saberem o lugar em que se encontravam em latitude em cada viagem de retorno, engolfado no Atlântico? Tudo isso para nós é evidente, porque conhecemos a Geografia física do Atlântico, mas seguramente o não

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era quando se iniciaram essas navegações, isto é, quando ainda nem sequer se sabia que havia de existir uma disciplina chamada Geofísica, para se ocupar de regime de ventos e correntes ou ao menos alguns dados metereológicos. (...) No entanto, não posso deixar de reflectir que D. Henrique não sabia em 1431, que se teria alguma vez de “pesar o Sol”, para se saber localizar um navio no mar; a operação só foi iniciada, o mais cedo possível, meio século depois; é conceder ao infante poderes divinatórios que ele de certeza não teve.

5- João de BARROS - Décadas. Lisboa, Livraria Sá da

Costa, 1945. 2 vols.pp. 47/8 v.1: E se foram contentes dos nossos pelo gasalho que receberam e maneira de sua adoração, também êles ficaram satisfeitos do seu módo, parecendo-lhe ser aquela gente mostra de alguma Cristandade, que haveria na India no tempo de São Tomé, entre os quais vinham um mouro Guzarate de nação chamado Malémo Caná, o qual, assim pelo contentamento que teve de conversação dos nossos, como por comprazer a el-rei que buscava piloto para lhe dar, aceitou querer ir com êles. Do saber do qual, Vasco da Gama depois que praticou com êle ficou muito contente, principalmente quando lhe mostrou uma carta de tôda a costa da India arrumáda ao modo dos mouros, que era em meridianos e paralélos mui miudos sem outros rumos dos ventos. Porque, como o quadrado daqueles meridianos e paralélos era mui pequeno, ficava a costa por aqueles dois rumos de norte sul e leste oeste mui certa, sem ter aquela multiplicação de ventos, de agulha comum da nossa carta, que serve de raiz das outras. (...) Vasco da Gama, com esta e outras praticas que por vezes teve êste piloto, parecia-lhe ter nele um grão tesouro, e por o não perder, o mais em breve que pôde depois que meteu, por consentimento de el-rei, um padrão por nome Espirito Santo na povoação dizendo ser em testemunho da paz e amizade que com êle assentára se fez á vela caminho da India, a vinte quatro dias de Abril.

6- São Gabriel - Vasco da Gama. Lisboa, Associação

Nacional de Cruzeiros, 1997 - [email protected]: A armada partiu da praia do Restelo, em 8 de Julho de 1497, após celebração em procissão na Ermida; sete dias depois chegam às Canárias, para partir daí a alguns dias; os navios perdem-se de vista e apenas se voltam a encontrar no arquipélago de Cabo Verde, onde a armada permaneceu de 27 de Julho a 3 de Agosto. Levantam ferro de S.Tiago em direcção a Oeste a fim de aproveitarem os ventos alíseos favoráveis do Atlântico, e navegaram 3 mêses sem avistar terra; fundearam finalmente em Novembro, numa baía a que deram nome de Sta.Helena, e aí fizeram a aguada. O Cabo da Boa Esperança é dobrado a 22 de Novembro, e alcançaram, em 25 do mesmo mês a Angra de S.Brás, onde foi destruída, como estava previsto, a nau de mantimentos. Retomaram a sua viagem e a 2 de Março chegaram a Moçambique, para proseguirem a Mombaça (7 de Abril), e a Melinde (13 de Abril), onde foram bem recebidos, contrastando com as recepções hostis em Moçambique e Mombaça cheias de episódios atribulados. É em Melinde que o sultão faculta o famoso e experimentado piloto do Índico Ahmed-Ibn-Madjid. Tendo partido de Melinde a 24 de Abril, avistam Calecute a 17 de Maio. Após uma estadia conturbada,

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partem para a ilha de Angediva onde iniciam os preparativos de regresso ao reino, viagem iniciada em 5 de Outubro de 1498. A nau S. Rafael após rombo no casco devido a uns baixios perto da ilha de Moçambique, é abandonada beneficiando assim a S. Gabriel da herança de algumas peças sobresselentes e ainda da imagem do Arcanjo de S. Rafael (santo protector da família de Gama), hoje exposto no Museu de Marinha. Após a sua tripulação distribuída pelos outros dois navios, S. Gabriel e Bérrio já depauperados em termos humanos pelas agruras da viagem, o regresso prossegue; o capitão Paulo da Gama, adoece gravemente vindo a falecer na Ilha Terceira após lenta agonia. Finalmente, no dia 18 de Agosto de 1499 as naus S. Gabriel e Bérrio e os sobreviventes da expedição desembarcam em Lisboa onde foram triunfalmente recebidos - Vasco da Gama nasceu em Sines, talvez em 1468, e veio a falecer na índia, em Dezembro de 1524, quando desempenhava há apenas três meses o cargo de vice-rei. Foi o segundo filho de Estevão da Gama; o primogénito era Paulo da Gama, que acompanhou o irmão na viagem de 1497-1499 e veio a falecer quase no final do regresso, na ilha Terceira. Rezam as crónicas que era Vasco da Gama de meia estatura, de génio cavaleiroso, ousado para qualquer grande feito, no mando áspero, e assáz para temer em qualquer paixão, sofredor de trabalho e mui inflexível no castigo de culpas em cumprimento da justiça. A audácia e a inflexibilidade do temperamento de Vasco da Gama e dos seus homens, que souberam lutar com as fúrias do céu, do mar e da terra, permitiram que se escrevesse uma nova página na História Mundial. Os seus restos mortais foram transportados do Oriente para o convento de Na. Sra das Relíquias, próximo da vila da Vidigueira, onde permaneceram durante três séculos. Em 1880, foram trasladados conjuntamente as ossadas de Vasco da Gama e do poeta Luís de Camões para o Mosteiro dos Jeronimos. Os seus túmulos, da autoria do escultor Costa Mota tio, encontram-se no sob-coro da igreja.

7-Francisco Marques de Sousa Viterbo - Trabalhos

náuticos dos portugueses: séculos XVI e XVII - Parte

I Marinharia. Lisboa, Typographia da Real Academia

das Sciencias, 1898, p. 2: A viagem de Vasco da Gama pode-se portanto comparar a uma das modernas expedições, que levam seu fito feito e qaue só se desviam do seu rumo quando a isso as obriga alguma circumstancia imprevista. Não se lhe pode negar o caracter scientifico, embora n’aquella epocha a sciencia tivesse uma feição mais restricta. Tudo se combinou e preparou para que o resultado final correspondesse aos trabalhos preliminares, o que, em nosso entender, não diminue a responsabilidade de Vasco da Gama nem apouca a figura verdadeiramente homerica d’este heroico servidor da patria e da humanidade.

8- José Pinto Peixoto - “Os descobrimentos e o

alargamento do conhecimento do mundo físico". A

universidade e os descobrimentos: Colóquio promovido

pela Universidade de Lisboa. Lisboa, CNCDP/Imprensa

Nacional, 1993, p. 84: Na rota do Brasil, ou na rota da Índia, havia que actuar de forma diferente (em relação à costa africana) na passagem do Equador. A derrota para o Sul tinha que ser feita mais cedo para a rota da Índia e a muito maior distância da costa de África, para a

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rota do Brasil. Mas, mesmo esta, tinha que ser feita na altura devida, porque senão as naus seriam desviadas pela corrente equatorial do norte que as levavas às Caraíbas “[...] Mas hás-de-saber que nesta travessia do Cabo de Santo Agostinho, para o Brasil, correm águas para as Antilhas e portanto não cures de fazer a volta, porque se a fizeres será retornar a caminho de Portugal [...]” (Roteiro da Navegação de Lisboa para a Índia, Diogo Afonso, 1535).

9-Suzanne Daveau - “Os geógrafos portugueses e os

descobrimentos”. A universidade e os descobrimentos: Colóquio promovido pela Universidade de Lisboa.

Lisboa, CNCDP/Imprensa Nacional, 1993, p. 60: A prática das derrotas directas de navegação transoceânica levou forçosamente os pilotos a um conhecimento empírico dos sistemas gerais de ventos e correntes marinhas. Já há muito que se mostrou que os caminhos de ida e volta da Índia implicavam o conhecimento seguro destes grandes sistemas. E existem realmente bastante testemunhos pontuais deste conhecimento. Em relação ao Oceano Índico ocidental, onde este saber parece ter sido herdado dos árabes, a exposição clara e coerente da alternância dos ventos e correntes ao longo do ano está incluída num dos roteiros reunidos pelo piloto Manuel Álvares, provavelmente cerca de 1545. Mas não se conhece nada de semelhante em relação ao Atlântico, quase com certeza por desaparecimento dos textos. (o grifo é nosso).

10- Vitorino Magalhães Godinho - Os descobrimentos e a economia mundial. Lisboa, Editorial Presença, 1981, v. 1, pp. 89/ 90/91: “Se as Casas da Moeda egípcias deixam de emitir espécies de ouro a partir de princípios do século XIII, não é que não possam obtê-la, seja em consequência da invasão hilaliana da Ifríquia, anterior de um século e meio, seja da queda de Ghana e sua substituição por Mali. Não será antes porque a economia egípcia já não sente a mesma necessidade dessas espécies? Esta conclusão, assás lógica, modifica completamente o problema. Há agora, com efeito, que responder à pergunta seguinte: por que é que a economia egípcia pode já não sentir a mesma necessidade de moedas de ouro? Do século XI ao século XIII não se afirma um progresso considerável de comércio das especiarias pela via do mar Roxo? Constatamos a ascensão do mercado egípcio e do mercado sírio. Ora, as especiarias são compradas nos portos do Malabar a troco de prata e nas ilhas da Malásia a troco de cobre, e não, em geral, de ouro. Uma hipótese ocorre desde logo para dar conta da curiosa evolução monetária do Egipto: se este estado passa a caracterizar-se por uma amoedação de prata e cobre, com exclusão do ouro, é provavelmente porque se torna escápula da pimenta, da canela, do gengibre, do cravo, cuja compra se faz precisamente com moedas brancas ou de cobre. (...) Uma carta portuguesa de 1511 documenta a chegada ao Egipto de cobre vindo de Veneza, e a sua reexportação, com as especiarias, panos da Índia e jóias e adornos, para o mundo do Níger. (...) Bautier foi o primeiro a trazer a terreiro as conquistas mongois a fim de explicar o contexto da economia egípcia que a conduziu do ouro à prata. Mas, além de só ter visto este nexo de forma confusa, ligou-o a um pretenso isolamento do Egipto que o teria cortado dos mercados de fornecimentos de

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especiarias. Na realidade, nada disso se deu: o Egipto continua a abastecer-se sempre regularmente pela via marítima do mar Roxo, que os Mongois jamais cortaram.

11-Fernand Braudel - Civilização material, economia e capitalismo : séculos XV-XVIII. São Paulo, Martins

Fontes, 1996, pp. 102/3 : Em 1298, Gênova derrotara a frota veneziana, diante de Curzola. Oitenta anos mais tarde, em agosto de 1379, apoderava-se de Choggia, pequeno porto de pescadores que controla uma das saídas da laguna veneziana para o Adriático. A orgulhosa cidade de S. Marcos parecia perdida, mas, numa prodigiosa reação, inverteu a situação: Vettor Pisani, em junho de 1380, retomava Chioggia e destruía a frota genovesa. No ano seguinte, a paz, assinada em Turim, não dava a Veneza qualquer vantagem formal. No entanto, foi o princípio do recuo dos genoveses - não voltarão a aparecer no Adriático - e da afirmação, a partir daí indiscutível, da proeminência de Veneza. (...) E enquanto o Leste for a principal fonte de riqueza, Veneza, com a facilidade de seu caminho de ilhas para o Oriente, estará em vantagem. Quando a “rota mongol” se rompeu nos anos de 1340, foi ela a primeira a se apresentar, antecipando-se aos seus rivais, já em 1343, à porta da Síria e do Egito, e não a encontrou fechada. Fernand Braudel, apesar de reconhecer a importância de Alexandria no abastecimento da frota veneziana, não relaciona a interrupção deste fluxo a uma ação interventora portuguesa. Em sua alentada obra Civilização material e capitalismo séculos XV -

XVIII reserva umas poucas páginas à expansão portuguesa. Sugestivamente, o assunto é tratado em um subcapítulo intitulado A sorte inesperada de

Portugal ou de Veneza a Antuérpia. Ou seja, entre a decadência de Veneza, e, por conseguinte, da rota mediterrânica, e ascensão da Antuérpia interpõe-se a chegada dos portugueses ao Oriente, fruto, antes de mais nada, de um inesperado golpe de sorte. Opus cit.

pp. 122/126: Os historiadores estudaram mais de mil vezes a sorte de Portugal: o pequeno reino luzitano desempenha um dos principais papéis na enorme reviravolta cósmica introduzida pela expansão geográfica da Europa, no fim do século XV, e por sua explosão para o mundo. Portugal foi o detonador da explosão. Coube-lhe o papel principal. (...) Observe-se, enfim, que o esforço dos portugueses em direção ao oceano Índico custou-lhe simplismente a América. O trunfo esteve por um triz: Cristóvão Colombo propôs sua quimérica viagem a rei de Portugal e a seus conselheiros no momento em que Bartolomeu Dias, de regresso a Lisboa (1488), tinha trazido a certeza de uma ligação marítima entre o Atlântico e o Índico. Os portugueses preferiram a certeza (“científica”, afinal) à quimera. Quando, por sua vez, descobrem a América empurrando os seus pescadores e arpoadores de baleias até a Terra Nova por volta de 1497, desembarcando depois no Brasil em 1501 (sic), estão com anos de atraso. Mas quem poderia calcular o alcance desse erro quando, com o regresso de Vasco da Gama, em 1498, a batalha da pimenta já estava ganha, pronta para ser explorada imediatamente, e a Europa mercantil se apressava em instalar em Lisboa seus mais ativos

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representantes? Ao passo que Veneza, a rainha da véspera, parecia desamparada, golpeada em sua sorte. Em 1504, as galeras venezianas não encontraram um saco de pimenta em Alexandria do Egito. Mas não é Lisboa, por mais importante que seja, que se coloca então no centro do mundo. Tem na mão todos os trunfos, ao que parece. Ora, é outra cidade que ganha, que passa por cima dela: Antuérpia.

12- Fernando A. Novais – Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial

(1777- 1808). São Paulo, Hucitec, 1979, pp. 73/4: # 13- João Ameal - História de Portugal. Porto, Tavares

Martins, 1974, pp. 257/9, 261: “Venezianos e Turcos, alarmados perante o crescente poderio português, firmam aliança para nos expulsar das águas orientais e das embocaduras do Mar Vermelho. (...) Já em 1516 saiu de Lisboa outra armada, com Tristão da Cunha por Capitão-Mor, a bordo da qual vai novo governador, secretamente nomeado: Afonso de Albuquerque. Mas só deve tomar posse em Dezembro de 1508, quando expire o mandato de D. Francisco de Almeida. O primeiro objectivo consiste em impedir a navegação muçulmana entre a Índia e o Mar Vermelho. Para isso toma Tristão da Cunha a fortaleza da Ilha de Socotorá. Tem de abandoná-la ao ver que é Aden a posição dominante; e não se afigura possível conquistar Aden. Afonso de Albuquerque escolhe outro alvo: Ormuz, capital comercial da Pérsia, que centraliza o intercâmbio de todo o Oriente para o norte da Ásia. (...)A eliminação total dos negociantes muçulmanos visa a assegurar-nos o monopólio do tráfico do Índico. A recusa de passaporte aos navios que demandam o Mar Vermelho representa o intuito de estrangular de vez o comércio veneziano e egípcio nessa zona.”

14- Apesar da inexistência deste registro, a carta de Caminha revela, a nosso ver, um comportamento não usual para indígenas que até então desconheciam aqueles estranhos visitantes. Segundo informação do indigianista José Américo Peret, todo o contato com indígenas é antecedido por um período de “namoro” onde, através de oferecimento de presentes, procura-se conquistar a confiança aborígine, só após então se iniciando o contato direto. Apesar do tempo exigido para este “namoro” variar de grupo para grupo, inexiste na literatura etnográfica alguma referência sequer próxima à descrita por Caminha como contato inicial. O comportamento mais inverossímil é o de dois indígenas levados à nau capitânia que, após entrevista com Cabral, placidamente deitaram em sua presença e dormiram. Ora, se sabe que os indígenas nunca dormem na presença daqueles em que não se sentem totalmente seguros. Caminha assim narra este

episódio: E estando Afonso Lopez, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos a mandado do Capitão, por ser homem vivo e competente para isso, meteu-se logo no esquife a sondar o porto por todas as partes; e tomou, então,

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dois daqueles homens da terra, mancebos e de bons corpos, que estavam numa jangada. Um deles trazia um arco e seis ou sete flechas; e na praia andavam muitos com seus arcos e flechas, porém deles não fizeram uso em nenhum momento. Imediatamente, e era já de noite, Afonso Lopez levou os dois mancebos até o Capitão, em cuja nau foram recebidos com muitos agrados e festas. (...) Quando eles vieram a bordo, o Capitão estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar muito grande no pescoço, e tendo aos pés, por estrado, um tapete. (...) E eles entraram sem qualquer sinal de cortesia ou de desejo de dirijir-se ao Capitão ou a qualquer outra pessoa presente, em especial. (...) Então deitaram-se na alcatifa, para dormir, sem nenhuma preocupação de cobrirem suas vergonhas, as quais não eram circuncisadas; e as cabeleiras delas estava raspadas e feitas. O Capitão mandou pôr debaixo da cabeça de cada um deles um travesseiro; enquanto isso, aquele da cabeleira esforçava-se por não a desmanchar. Cobriram-nos com um manto e eles a isso consentiam. Quedaram-se e adormeceram. - Pero Vaz de Caminha - O descobrimento do Brasil A carta de Pero Vaz de Caminha Porto Alegre, L&PM, 1985 [1500], pp. :78/9

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III. A Geopolítica dos Descobrimentos e os Cavaleiros de Cristo

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1- Os Tupi Guarani e o Mito de Sumé

Ao iniciar a exploração territorial da "Terra de

Santa Cruz", o colonizador português logo observou a

predominância de uma língua nativa, que, com certas variações,

era falada por um número maior de aborígines (1). Os indígenas

falantes desta "língua geral", hoje conhecida como Tupi-Guarani

e classificada como pertencente ao Tronco lingüístico Tupi,

ocupavam grande parte da bacia do Paraná -Paraguai-Uruguai e, de

modo quase exclusivo e contínuo, praticamente todo o litoral

brasileiro (2).

De modo geral, os indígenas falantes das línguas do

Tronco Tupi, dentre elas o Tupi-Guarani, ocupavam as regiões de

terras baixas e florestas tropicais, incluindo a região

amazônica. Evitavam, os Tupi em geral, as regiões planálticas e

serranas, que eram ocupadas, principalmente, por indígenas

falantes das línguas pertencentes ao Tronco Macro-Gê. Portanto o

colonizador português encontrou a região litorânea habitada,

quase que exclusivamente, por indígenas falantes do Tupi-

Guarani, habitando os "Tapuia" (3) as regiões interioranas.

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Estudos apontam para uma origem amazônica do tronco

lingüístico Tupi assim como da língua Tupi-Guarani (5). Logo

após um grupo destes migrou em direção à bacia do Paraná-

Paraguai, de onde outro grupo partiu em direção ao litoral.

Apesar de permanecer ainda dúvidas quanto às rotas migratórias

seguidas até atingirem a costa brasileira, sabe-se com certeza,

porém, que após aí chegarem, em torno de 500 d.C., deu-se

início a um grande movimento de expansão, identificado pelos

vestígios cerâmicos dos sítios arqueológicos (5). Quinhentos

anos antes da chegada de Cabral, os Tupi-Guarani já ocupavam o

litoral brasileiro quase que totalmente, estando perfeitamente

adaptados ao ambiente costeiro e a exploração dos recursos

marinhos (6). Alguns arqueólogos, dentre os quais incluímo-nos,

consideram que este foi um dos mais expressivos processo de

expansão espacial de povos ceramistas registrado em toda a pré-

história(7).

Assim, apesar de não nômades, estes indígenas tinham uma

grande mobilidade espacial. De tradição belicosa (8), quando a

guerra lhes era desfavorável, a tendência era do deslocamento da

aldeia para um outro ponto do litoral, ou próximo a este.

Devido a esta dinâmica étnica e espacial torna-se dificultoso

delinear com precisão as fronteiras das diversas "nações".

Acrescenta-se também que termos de significados genéricos, como

"Tupiniquim", "Tupinambá” e “Tabajara”, passaram a ser

utilizados, pelos europeus, como designativos dessas "nações",

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dando margem a grandes equívocos, pois um mesmo termo foi

utilizado para denominar grupos distintos, assim como casos

houve em que uma mesma "nação" recebeu mais de uma denominação.

Baseando-nos então em Gabriel Soares de Sousa e Fernão de

Cardim identificamos as seguintes "nações" Tupi-guarani como

as principais ocupantes do nosso litoral no séc. XVI, lembrando

sempre a facilidade de mobilidade e de tomarem denominações

diversas, que tinham essas estruturas tribais:

Pitiguar ou Potiguar - do Maranhão até o rio Paraíba. Caeté‚ - do rio Paraíba ao rio São Francisco. Tupinambá - do rio São Francisco ao sul da Bahia. Tupiniquim - do sul da Bahia ao Espírito Santo. Temiminó - Espírito Santo Tamoio ou Tupinambá - Rio de Janeiro Tupiniquim e/ou Tupi - São Paulo Carijó - do sul de São Paulo a ilha de Santa Catarina

Considerados como horticultores especializados, modo de

subsistência característico das sociedades tribais,

intermediário entre os caçadores coletores e agricultores,

deveras impressionante é o número de culturas tropicais que

esses indígenas conheciam, antes do contato com o europeu.

Soares de Sousa (8) cita as seguintes: Diversos tubérculos como

a batata-doce e o cará, mas principalmente a mandioca, tanto a

"braba" (tóxica), utilizada no fabrico da farinha, quanto à

"doce", utilizada principalmente para o fabrico de bebida

alcoólica. Milho, pimenta, abóbora, chamada de "gerumús,"

várias leguminosas, como feijões e amendoim, que, segundo este

cronista, (...) não se sabe haver senão no Brasil. Uma grande variedade de

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frutas como a mangaba, o ingá, o caju, o araçá, o jenipapo, a

pitanga, o maracujá, o caju, a banana-da-terra (9) e o abacaxi,

o fruto nativo que mais impressionou aos europeus, levando este

autor a afirmar que o seu sabor é tão suave que nenhuma fruta da Espanha

lhe chega na formosura, no sabor e no cheiro. Além destas culturas de

subsistência, os Tupi-Guarani do litoral cultivavam o algodão e

o tabaco.

Certamente, o domínio dessa horticultura especializada

foi de fundamental importância para o sucesso do intenso

movimento expansionista Tupi-Guarani (10). Desconhecemos ainda,

porém, se alguns destes processos de domesticação vegetal,

fruto de longa e acurada seleção fito genética, foram realizados

exclusivamente pelos Tupi-Guarani ou se foi conseqüência de um

processo difusionista ainda desconhecido.

Contudo, o mais significativo para nós é que os tupi-

guarani atribuíam a um personagem mitológico denominado Meire

Humane, Maire-monan, Mair-Zumane, Sumé ou Zomé, o papel de

transmissor do conhecimento da horticultura especializada.

Thevet assim se refere a este personagem venerado por todos

Tupi litorâneos:

Após termos sido assim recepcionado, levou-nos o chefe a uma laje de cerca de 5 pés de comprimento, na qual se viam umas ranhuras que pareciam ter sido feitas por uma vara ou um bastão, e as marcas de dois pés, que os indígenas afirmam ser de seu grande Caraíba, ao qual reverenciam como os turcos a Mafoma, dizendo que foi ele quem lhes ensinou a fazer e a usar o fogo, e a como plantar raízes, a eles que antes viviam apenas de folhas e ervas, quais animais. (11)

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Hans Staden também se refere a esta personagem mitológica,

de aspecto monástico:

Fazem uma tonsura (os Tupinambá) no alto da cabeça e deixam ficar em torno uma corôa de cabelos, como um monge. Perguntei-lhes muitas vêzes de onde haviam tirado esse penteado, e responderam que seus antepassados o haviam visto em um homem que se chamava Meire Humane, e havia feito muitas maravilhas entre êles. Têm-no por um profeta ou apóstolo. (12)

Contudo, estão nas cartas e crônicas jesuíticas as

principais referências a este mito aborígine. Segundo crença

indígena, Sumé, ao partir inconformado com a relutância dos

nativos em abandonar a prática antropofágica, teria prometido

retornar em tempos futuros. Ao perceberem a similaridade do

discurso do Sumé ao missionário católico, os missionários da

Companhia de Jesus souberam, de forma perspicaz, apropriar-se

deste mito, associando Sumé a São Tomé, que os teria precedido

na missão da conversão católica. Retornavam, assim, os jesuítas

para prosseguimento da obra de Sumé, ou melhor, São Tomé (13).

Como este era um mito comum a todos Tupi-Guarani, em diversas

paragens da costa brasílica estes indígenas veneravam marcas em

rochas que acreditavam serem gravações dos pés de Sumé. Alguns

destes locais receberam o topônimo de São Tomé, como o cabo

situado no norte fluminense, próximo à cidade de Campos dos

Goytacazes, incentivando os jesuítas a peregrinações a estes

locais por considerá-los santificados (14).

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O cronista jesuíta seiscentista Simão de Vasconcelos, assim

como Thevet no século anterior, relata que além das marcas dos

pés Sumé teria sido responsável pelas séries de sucos gravados

em blocos de rochas afloradas no alto de um morro próximo ao

canal de Itajuru, em Cabo Frio, Rio de Janeiro.

(...) Passado eu pela Cidade de Nossa Senhora da Assunção no Cabo Frio, distante da do Rio de Janeiro dezoito léguas em altura de vinte e três graus, e um sesto para o Sul; o Capitão que ali governava me foi mostrar uma paragem chamada Itajuru (nome dos índios) entre a cidade, e uma fonte extraordinária de águas vermelhas, medicinais, especialmente contra o mal de pedra. Nesta paragem me mostrou um penedo grande amoldado de várias bordoadas (devem de ser sete, ou oito para cima) tão impressas na pedra, como se o mesmo bordão dera com força em branda cera; porque todas as moças eram iguais. E a tradição dos índios é, que são do bordão de S. Tomé em ocasião, em que os índios resistiam à doutrina que ali lhes pregava; e lhes quis mostrar com este exemplo, que quando os penedos se deixavam penetrar da palavra de Deus, seus duros corações resistiam, mais obstinados que as duras penas. (15)

Por ser um cronista do século XVII, Simão de Vasconcelos

tem o conhecimento de outros religiosos que também tiveram a

informação sobre este ser mitológico em algumas partes da

América espanhola, concluindo, como prova definitiva, de que a

presença européia no Novo Mundo fora antecedida pelo trabalho

missioneiro de São Tomé:

Não só no Brasil, mas por toda essa Nova Espanha, ha notícias admiráveis: direi as de maior conta. Fr. Joaquim Brulio na Historia do Peru de sua Ordem de S. Agostinho liv. 1º cap. 5º refere, que no mar do Sul, em uma aldeia chamada Guatuleo, tinham aqueles índios seus naturais, não só por tradição aintiquíssima de seus antepassados, mais ainda por escrito em certas pinturas, de que usavam em lugar de letras; que uma Cruz que ali adoravam com suma veneração, fora dada por S. Tomé, cuja a imagem, e o próprio nome tinham esculpido em pedra viva em uma rocha, para memória perpétua de coisa tão santa. (...) Fr. Bartolomeu de las Casas, varão fidedigno, Bispo de Chiapa, depois de tirada grave informação do

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caso, afirma em uma das suas Apologias, que consta por antiquíssima tradição dos índios daquelas partes, que em tempos antigos foram anunciados a seus avós os Mistérios da Santíssima Trindade, do Parto da Virgem, e da Paixão de Cristo, por uns homens brancos, barbados, e vestidos até os artelhos. Condiz com o qua acima dissemos, qua andavam com o Santo Apóstolo Tomé outros discípulos de Cristo. (...) Finalmente, prova-se o assunto que pretendo, de que andou por estas partes o Santo Apóstolo Tomé, por testemunhos infinitos, de todos os Reinos da América, e de todas as gentes, e nações naturais do Brasil, do Paraguai, do Peru, especialmente de Cuzco, Quito, e México . (...) E porque faremos mais caso do que se imprime no papel , que do que se imprime nas memórias dos homens? Pelo que de todo o sobredito discurso tiro por cousa certa, que se deve das créditos à tradição, que afirma haver andado nestas partes o Apóstolo S. Tomé (16)

Concordando com Simão de Vasconcelos, observamos unicamente

não ser este um registro comum a todas as etnias brasílicas,

explicável ao saber que então o contato jesuítico na América

portuguesa restringia-se praticamente aos Tupi-Guarani, e que a

presença européia não fora antecedida por um único religiosos,

mas diversos de uma mesma ordem, conforme denota o relato de Las

Casas.

Assim, consideramos que Sumé seja a memória da passagem de

“astrólogos doutos” responsáveis pelas observações astronômicas

necessárias para os conhecimentos geodésicos pré-colombianos por

nós demonstrados. A representação deste personagem como de

aspecto monástico revela uma relação evidente, pois considerando

estar em momentos, mesmo que tardios, ainda medievos, somente

uma ordem monástica possuiria cosmógrafos necessários para um

trabalho de tamanha envergadura (17).

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NOTAS

1- Pe. Fernão Cardim - Tratado da terra e gente do Brasil. São

Paulo, Ed. Nacional, 1939, p. 170: "Em toda esta província ha muitas e varias naçõees de differentes linguas, porém uma é a principal que compreende algumas dez nações de Indios: estes vivem na costa do mar, e em uma grande corda do sertão porém são todos estes de uma só lingua ainda que em algumas palavras discrepão (...)".

2- Aryon D’allia Rodrigues. Línguas indígenas. In Enciclopédia

Delta Larouse, 1970 p. 4034: "Das duas línguas documentadas no período colonial, o tupi-guarani foi registrado em duas variantes (dialetos), o tupinambá ou tupi antigo, falado nos sécs. XVI e XVII em considerável extensão do litoral brasileiro, de São Paulo ao Maranhão - o que levou os colonizadores portugueses a chama-lo língua geral do Brasil ou, simplesmente e por excelência, língua brasílica; e o guarani antigo, registrado na primeira metade do séc. XVII no Oeste do atual estado do Paraná, onde os jesuítas espanhóis estabeleceram suas famosas reduções de Guairá com índios guaranis, e, um século depois, bem mais ao sul, nas novas missões espanholas que então se estenderam, esquerda do rio Uruguai, no território do atual Est. do Rio Grande do Sul." A nosso ver, a utilização do termo tupinambá para designar, genericamente, os diversos grupos Tupi-Guarani litorâneos tem dado margens a diversos equívocos, pois além dos sentidos genérico e lingüístico, ele também é designativo de algumas "nações" específicas.

3- "Tapuia" é um termo genérico, utilizado pelos falantes do

Tupi-Guarani, e adotado pelos portugueses, para designar, pejorativamente, todo aquele indígena que não compartilhassem de sua língua/cultura.

4- Os lingüistas acreditam que cada superfilo, unidade

abrangente dos troncos lingüísticos, representa uma origem lingüística diferenciada. Na América são registrados cinco superfilos, representando uma leva migratória separada, e em tempos distintos, para o Novo Mundo, estando o tronco Tupi incluído no superfilo Andino-Equatorial. Estudos glotocronológicos sugerem que a diferenciação do Tronco Tupi do seu superfilo de origem se deu antes de 3.000 a.C. na Amazônia. Já o Proto-Tupi-Guarani teria surgido em torno de 500 a.C., tomando uma rota migratória na direção sul, acabando por fixar-se na bacia do Paraná -Paraguai-Uruguai, dando origem aos povos Guarani. Quanto aos Tupi-Guarani do litoral, tradicionalmente estão correlacionado a um ramo disperso dos Guarani que, tendo atingindo o litoral, passou a ocupá-lo no sentido sul-norte, expulsando para o interior as populações Macro-Gê, que os antecediam na ocupaço do litoral, até atingir a foz do Amazonas.

5- A cerâmica feita por estes indígenas é identificadas

arqueologicamente como da Tradição Tupiguarani (neste caso

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escrito junto), sendo dividida em duas subtradições: pintada e corrugada. A primeira (subtradição Pintada), originando-se no alto Paraná, a partir de cerca de a.D. 500-700 teria seguido pela costa Atlântica no sentido sudoeste-nordeste, chegando pelo menos até o extremo nordeste do Brasil; a segunda (subtradição Corrugada) originária também do alto Paraná, a partir de cerca 1.300 teria descida pelo Uruguai, o Paraguai até o rio da Prata. Em função deste registro cerâmico o arqueólogo Alfredo Brochado - A expansão dos tupi e da cerâmica da tradição policrômica amazônica. In Dédalo, São Paulo, Ed. USP, (27), 1989, pp.65-82 - contesta o modelo de ocupação Tupi litorâneo acima referido por acreditar que, além da migração litorânea proveniente da bacia do Paraná - Paraguai, que um outro ramo Tupi teria atingido diretamente o litoral pela desembocadura do Amazonas, tomando então o sentido inverso (norte-sul) da migração Guarani. Esses dois ramos migratórios teriam então se encontrado no sul, resultando na formação de uma fronteira ativa e hostil, em parte ao longo do Tietê. Contudo, de nossa parte, consideramos que as datações dos sítios tupiguarani litorâneos não apontam para uma ocupação linear e seqüencial, seja na direção sul-norte ou inversa. Por outro lado, Gabriel Soares de Sousa - Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo, Ed. nacional, 1938 - em nossa opinião o mais importante cronista quinhentista, nos informa que o primeiro grupo Tupi a atingir o litoral baiano foram os Tupiná, vindos diretamente do sertão, para onde expulsaram os Tapuia. Posteriormente, os Tupinambá dirigiram-se para o litoral vindos "d'além do rio São Francisco", fazendo então guerra aos Tupiná “até‚ que os lançaram fora das vizinhanças do mar". Segundo esse cronista, essas informações foram obtidas diretamente dos Tupinambá e Tupiná, "em cuja memória andam estas histórias de geração em geração". Assim, os Tupinambá teriam atingido o litoral baiano vindo diretamente do sertão e não do litoral norte. Desta maneira, acreditamos que os Tupi atingiram simultaneamente diversas partes do litoral, principalmente através de rios navegáveis, tomando então direção migratória tanto para o norte como para o sul.

6- A arqueóloga americana Betty Meggers - apud Maria Cristina

M. Scatamacchia, Tentativa de caracterização da tradição Tupiguarani. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. São Paulo, Deptº de Ciências Sociais da USP, 1981, pp. 43/4 - considera que a ocorrência fora do comum desta ampla dispersão de estilos cerâmicos tem atraído pouco interesse, provavelmente por ser fácil perder o sentido de perspectiva em relação ao Brasil, e esquecer o fato de que não encontramos em parte alguma da América do Norte ou da Europa, exemplos de culturas ceramistas com grau semelhante de homogeneidade distribuídos por áreas de grandeza equivalente.

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6- Os cronistas são unânimes em afirmar o quanto eram, os

Tupi litorâneos, excelentes nadadores e canoeiros. Segundo Jean de Léry - Viagem à terra do Brasil. São Paulo, Martins Ed., 1960, p. 147: Cabe observar que na América tanto os homens como as mulheres sabem nadar e são capazes de ir buscar a caça ou a pesca dentro d’agua como um cão. Também os meninos apenas começavam a caminhar já se metem pelos rios e pelas praias, mergulhando como patinhos. Thevet nos informa que os frutos do mar forneciam a alimentação básica desses aborígenes: O alimento mais comum desta pobre gente, mais consumido que a própria carne, são os peixes do mar, ostras ecoisas semelhantes. Os que moram loge do mar pescam nos rios. Os selvagens também dispõem da grande variedade de frutas que a natureza lhes proporciona. Nem por isso deixam de viver longamente, com saúde e boa disposição. André Thevet. Opus cit., p. 106. Maria C. Beltrão & Roque B. Laraia - O método arqueológico e a interpretação etnológica. Revista do IPHAN, Rio de Janeiro, MEC, 17, 1971, pp.206/211 - confirmam a importância da coleta de moluscos na subsistência dos Tupi litorâneos: (...) normalmente, como era de esperar, os aldeamentos estão juntos a riachos e próximos a rios; as conchas (gênero Anomalocardia, Ostrea, e representantes da família Mytilidae) estão sempre presentes nos aldeamentos do litoral; (...) a existência de conchas nas aldeias e a localização dos acampamentos junto aos bancos de moluscos‚ uma confirmação, quase supérflua, da informação dos cronistas de que o marisco constituía uma parte importante da dieta alimentar dêsses indígenas.

7- Segundo Florestan Fernandes- A função social da guerra na

sociedade tupinambá. São Paulo, Ed. Pioneira, 1970 a guerra teria uma finalidade definida na organização social, e ecológica, dos tupinambá, interferindo por isso nas condições de competição intercomunitária e no estabelecimento do equilíbrio biótico. Para Fernandes, a guerra tinha funções determinadas e específicas, no sentido de manter o equilíbrio social e biológico das comunidades Tupinambá. Independente destes aspectos sociais levantados por Fernandes, chamamos a atenção para o fato de que a estrutura de poder da sociedade Tupi litorânea propiciava esse constante estado de beligerância. Brochado (Opus cit.) observou, com muita procedência, que a expansão Tupi deve-se, mais do que as migrações, ao processo de "enxamamento" dessas sociedades, que se mantinham coesas só até um certo tamanho da população, quando então famílias extensas se afastavam para formar novos grupos locais. A nosso ver, esse processo de "enxamamento" era intenso e extenso, principalmente porque o poder político desses grupos Tupi era extremamente "fluido", podendo se "atomizar" com relativa facilidade. Ao que parece, a autoridade do "principal" sustentava-se, primordialmente, no seu prestígio pessoal. Uma simples questão familiar poderia ser suficiente para não só deflagrar um desmembramento do corpo social,

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como também dar início a um processo guerreiro que tendia a se perpetuar, devido à prá tica do canibalismo ritual. Soares de Sousa (Opus cit. p. 362) relata que, assim que os Tupinambá atingiram o litoral baiano, expulsando os Tupinaˆ, dividiram-se "(...) em bandos por certas differenças que tiveram uns aos outros, e assentaram suas aldeias apartadas, com o que se inimizaram; (...) e faziam-se cada dia cruel guerra, e comiam-se uns aos outros". Acreditamos que essas guerras, como a maioria das contendas tribais, não tomassem vulto de grandes massacres ou extermínios, pois o seu objetivo maior, a par da disputa por um determinado "nicho" costeiro, era o aprisionamento do "contrário" para que este fosse canibalizado. A nosso ver, a guerra, e o conseqüente sacrifício ritual, mais do que pelo expresso sentimento de vingança, era também motivador para a realização dos grandes festejos copiosamente regados a bebidas alcoólicas feitas a partir da fermentação do milho e da mandioca. Esses festejos, para os quais se dedicavam com grande antecedência, tinham como função social, segundo nos parece, reforçar a coesão social do corpo comunitário e as alianças guerreiras.

8- Gabriel Soares de Sousa, Opus cit. p. 226 9- Alguns estudiosos afirmam que os índios só vieram conhecer a

banana após o contato com o europeu, por ter ela uma origem comprovadamente asiática. Contudo, Soares de Sousa (Opus cit. pp. 207/8/9 ) assim como outros cronistas, não deixa dúvidas a respeito de uma variedade nativa, a "pacoba". Informa ele que as bananeiras foram trazidas de S. Tomé: Pacoba ‚ uma fruta natural d'esta terra, a qual se dá em uma arvore muito molle e facil de cortar,(...) As bananeiras tem arvores, folhas e criação como as pacobeiras, e não ha nas arvores de umas ás outras nenhuma differença, as quaes foram ao Brazil de S. Thomé, aonde ao seu fruto chamam bananas e na India chamam a estes figos de horta as quais são mais curtas que as pacobas (...): e não são tão sadias como as pacobas. André Thevet - As singularidades da França Antártica. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Edusp, 1978, também reafirma a existência de uma espécie nativa de banana, p. 111: Quando voltava de Jerusalém vi, no Egito e em Damasco, uma árvore muito semelhante a esta, mas cujas folhas não alcançavam sequer a metade das dimensões citadas. Além do mais, os frutos de uma eram bastante diferentes dos da outra. Os da pacoveira têm cerca de um pé de comprimento, sendo bem maiores que seus congêneres asiáticos"

10- Acreditamos que a vantagem decorrente do domínio de

técnicas horticultoras, no processo expansionista do Tupi litorâneo, não tenha sido de ordem nutricional, já que as populações litorâneas costumam apresentar um bom padrão alimentar e complexão física robusta. Sabemos que dois problema críticos a serem enfrentado em uma campanha militar, o deslocamento das tropas e o apoio logístico, principalmente quanto ao abastecimento de rações alimentares

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das tropas. Soares de Sousa (opus cit. p.194) nos relata que, ao saírem esses nossos indígenas em suas incursões guerreiras, levavam às costas, em uma espécie de mochila impermeável feita de folhas, uma porção de farinha de mandioca especialmente preparada, conhecida como "farinha de guerra". Ao mesmo tempo, a habilidade canoeira dos Tupi permitia um rápido deslocamento dos guerreiros ao longo do litoral. Thevet (opus cit. p.128) informa que os Tupinambá do litoral fluminense iam guerrear os que viviam no "Morpião", região litorânea compreendida entre sul do Est. de São Paulo ao norte de Santa Catarina. Desta maneira, esta "farinha de guerra", aliada a habilidade de canoeiros possibilitava o deslocamento de um grande número de guerreiros Tupi-Guarani a longas distâncias. Em nossa opinião, essa maior facilidade de deslocamento dos seus guerreiros, dava aos Tupi-Guarani uma grande vantagem, em relação a maioria dos grupos "tapuias, na disputa pelo litoral. O valor da "farinha de guerra" logo foi reconhecido pelos portugueses que passaram a adota-la na matalotagem dos seus navios que partiam para a Metrópole, conforme observa Soares de Sousa (opus cit. p.195).

11- André Thevet, opus cit., p. 90 12-Hans Staden - Duas viagens ao Brasil. Belo Horizonte,

Itatiaia, São Paulo, Edusp, 1974, p. 167 13- Carta do P. Manuel da Nóbrega ao P. Simão Rodrigues, Bahia,

15 de agosto de 1549. In Serafim Leite (org.) Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil, São Paulo, Comissão do quarto centenário da cidade de São Paulo, 1956, p. 117: Tambem me contou pessoa fidedigna que as raízes de que cá se faz ho pão, que S. Thomé as deu, porque cá nom tinhão pão nenhum. E isto se sabe da fama que anda entre elles, quia patres eorum nuntiaverunt eis.

14- Carta do P. Vicente Rodrigues da cidade de São Salvador aos

17 de setembro de 1552. In Cartas jesuíticas, v. 2: cartas avulsas/ Azpilcueta Navarro e outros. Belo Horizonte, Itatiaia ; São Paulo, Edusp, 1988, p. 161/2: Acho-me actualmente em uma terra de Gentios, cinco leguas distante desta cidade do Salvador, onde espero no Senhor, muito fructo se ha de colher. (...) Fizemos ainda uma cruz e a levamos em procissão até ás pegadas de S. Thomé, que estão perto d’aqui.. Simão de Vasconcelos - Crônica da Companhia de Jesus. Petrópoles, Vozes; Brasília, INL, [1663] 1977. p 123: Temos dito em geral quanto à Fé de Deus: quanto à Fé de Cristo em particular, é cousa digna de se saber, a que os índios apontaram em sua resposta acerca da vinda so Apóstolo São Tomé a esta terra, onde diziam, tinham por tradição lhes ensinara cousas da outra vida, mas que não foram recebidos de seus antepassados. Sobre esta dúvida curiosa para maior clareza, direi o que vi, e alcancei de pessoas fidedignas. Jaz naquela parte da praia que vem correndo ao Norte do porto da Vila de S. Vicente, não muito longe dele, um pedaço de arrecife, ou laje,

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que o mar lava cobre, e descobre, com a variedade de suas ordinárias marés. No meio desta são vistas de todos os que àquela parte se chegam (além de outras menos principais) duas pegadas de um homem descalço, direita, e esquerda, ambas em proporção de quem passa para o mar(...) Destas pegadas pois (que foram sempre dos portugueses, desde sua primeira entrada no Brasil, havidas por cousa milagrosa, e respeitadas por cousa santa, até o tempo em que isto escrevemos) tirando informação aqueles primeiros que povoaram esta capitania, e depois deles alguns padres de nossa religião, acharam por tradição antiga de pais a filhos dos naturais da terra, que eram pegadas de um homem branco, barbado e vestido, que em tempos antiquíssimo andara naquelas partes, e tinha por nome Sumé em sua língua, que é o mesmo que na nossa Tomé; e ensinava cousas da outra vida (...) Sobre a verdade desta tradição dos índios, confesso que tive eu em tempos passados alguma dúvida; porém desta me foi livrando o mesmo tempo, e a experiência, de maneira que venho hoje a tê-la por certa.

15-Ibidem, p. 126. Para a maioria dos arqueólogos estes sucos

são obras de populações pré-históricas, conseqüência do prolongado processo de polimentos de gumes de artefatos líticos sendo, por conseqüência, denominados “polidores líticos de Cabo Frio”. O arqueólogo Alfredo Mendonça de Sousa, porém, discorda desta interpretação ao demonstrar que o ato de polir gumes teria resultado em sulcos de perfil diferenciado dos côncavos ali presentes (16). Concordando com Mendonça de Sousa, realizamos uma série de observações locais que nos levaram a considerar que tais sucos, ou canaletas, foram feitos em função do percurso solar solstício-equinócio. Cf. Alfredo A. de Castro Mendonça de Sousa. Pré-história fluminense. Rio de Janeiro, INEPAC, 1982.

16- Simão de Vasconcelos, Opus cit. pp. 127/8

17- Data de 1660 a primeira observação astronômica geodésica feita no Brasil. Registrada por Harley (in Philos. Trans. 1683, p. 211) foi feita para determinar a declinação magnética em Cabo Frio, obtendo-se o valor de 13° 00´ E. Na década seguinte, padres jesuítas realizaram outras observações astronômicas também com a finalidade de determinar declinações magnéticas (cf. Horance E. Willians. Livro de campo contendo azimuth de circumpolares para 1929. São Paulo, L. Schmidt, 1929, p. 17). As primeiras observações geodésicas conhecidas historicamente em solo brasileiros foram realizadas, já no século XVIII, por padres matemáticos da Companhia de Jesus.

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2. Os Monges Guerreiros do Templo de Salomão

Qual seria então esta ordem monástica que, antecedendo

a eclosão dos tempos modernos, esteve em terras americanas

difundindo entre aborígines a religiosidade cristã e

realizando observações astronômicas e cálculos geodésicos?

Segundo relato do cronista dos descobrimentos João de

Barros, Vasco da Gama, quando incumbido por D. Manuel do

périplo africano em direção às Índias, dirige seu juramento de

descobridor de mares e terras do Oriente a uma bandeira, com

uma cruz no meio, identificada como da ordem da cavalaria de

Cristo, da qual o monarca era governador e perpétuo

administrador.

Tornada a casa ao silêncio que tinha antes deste acto de gratificação, assentou-se Vasco da Gama em giolhos ante el-rey, e foi trazida uma bandeira de seda com uma cruz no meio das da ordem da cavalaria de Cristo, de que el-rei era governador e perpetuo administrador, a qual, estendendo o escrivão da puridáde entre os braços em módo de menagem, disse Vasco da Gama em alta voz estas palavras: “- Eu, Vasco da Gama, que óra por mandado de vós, mui alto e muito poderoso rei, meu senhor, vou descobrir os máres e terras do oriente da Índia, juro em o sinal desta cruz, em que ponho as mãos que por serviço de Deos e vosso, eu a ponha astéada e não dobrada, ante a vista de mourosa, gentios, e de todo género de povo onde eu for, e que por todos os perigos de água, fogo e ferro, sempre a guarde e defenda até a morte. E assi juro que na execução e obra deste descobrimento que vós, meu rei e senhor, me mandáes fazer, com toda fé, lealdade, vigia, e diligência eu vos sirva guardando e cumprindo vossos regimentos que para isso me forem dados, até tornar onde óra estou ante a presença de vossa real alteza, mediante a graça de Deos em cujo serviço me enviáes.(1)

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O também cronista quinhentista Pero Magalhães Gandavo,

ao tratar do descobrimento do Brasil, identifica o mestrado da

mesma ordem como o herdeiro patrimonial destas novas terras.

E tornado a Pedralvarez, seu descobridor, passado alguns dias que ali esteve fazendo sua agoada e esperando por tempo que lhe servisse, antes se partir por deixar nome áquella Provincia, por elle novamente descoberta, mandou alçar huma cruz no mais alto lugar de uma arvore, onde foi arvorada com grande solenidade e benção de Sacerdotes que levava em sua companhia, dando á terra este nome de Santa Cruz: cuja festa celebrava naquelle mesmo dia a Santa Madre Egreja, que era aos tres de maio. O que nam parece carecer de Misterio, porque assi como nestes Reinos de Portugal trazem a cruz no peito por insignia da Ordem e Cavallaria de Chritus, assi prouve a elle que esta terra se descobrisse a tempo que tal nome lhe podesse ser dado neste Santo dia, pois havia de ser possuida de Portuguezes, e ficar por herança de patrimonio ao mestrado da mesma Ordem de Christus. (2)

Gustavo Barroso além de observar que esta mesma cruz

estará presente nos primeiros marcos padrão implantado em solo

brasileiro, identifica sua origem institucional:

Êsse padrão (de São Vicente) encimado pela cruz templária da Ordem de Cristo, esguio e solitário, de pedra amorenada pelo sol e alisada pelo vento, projetando-se para o céu e refletindo nas águas assinala o terceiro passo da civilização luso-cristã nas terras brasileiras. O primeiro marco levanto-o Pedro Álvares Cabral nas areias de Porto Seguro; o segundo ergeu-o Cristóvão Jacques em Itamaracá; o terceiro cravou-o Martim Afonso de Sousa perto dum ilhéu rochoso e agreste do litoral paulista. (3)

Deste modo, esta cruz da Ordem de Cristo, referida

como templária, estampada igualmente nos velames das naus e

caravelas portuguesas, tem sido vista como uma mera

simbologia do catolicismo ocidental, que os desbravadores

ibéricos tinham como missão propagar entre pagãos e incrédulos

(4). Contudo, traz também uma representatividade

institucional, até então pouco considerada. Para que possamos

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entender a relação desta ordem com a Coroa de Portugal e seu

processo expansionista, devemos voltar para as origens desta

ordem monástica militar (5).

A fim de proteger os caminhos de peregrinação à

Cidade Santa, principalmente a estrada que ligava o porto de

Jafa à Jerusalém, em 1118 nove cavaleiros francos, sob a égide

de Balduíno II, rei de Jerusalém, formaram uma ordem de

cavalaria sob a denominação de "Soldados Pobres de Jesus

Cristo". Liderados por Hugo de Payens, dentre estes cavaleiros

estava André de Montbard, sobrinho do Frei Bernardo, abade do

mosteiro cisterciense de Clairvaux, posteriormente santificado

como São Bernardo (6).

Esses cavaleiros foram acomodados por Balduíno II

nas ruínas do templo de Salomão, local até hoje conhecido como

o "Monte do Templo". Passou então a Ordem a ser conhecida como

dos Cavaleiros do Templo de Salomão, ou mais simplesmente

Cavaleiros Templários. Apesar do número reduzido de cavaleiros

que inicialmente a formava, a Ordem dos Cavaleiros Templários

logo se destacou dentre os exércitos cristãos que lutavam na

Palestina.

Em 1127 Hugo de Payens viaja à Europa para, no ano

seguinte, estar presente juntamente com o abade de Clairvaux

no Concílio de Troyens. Neste Concílio, a Igreja, por

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interferência direta do ainda abade Bernardes, aprova os

Cavaleiros Pobres do Templo como ordem monástica, colocando-a

sob as Regras beneditinas da reforma de Cister. Torna-se

assim a Ordem dos Cavaleiros Templários um braço militar da

Igreja Católica, formada por monges guerreiros sob a direta

autoridade papal.

Em 1139, a bula papal Omne Datum Optimum de Inocêncio

II não só confirma a Ordem como lhe dá o direito do

incorporar ao seu patrimônio os botins advindo das lutas

contra os "infiéis". A partir de então a Ordem dos Templários

teve uma ascensão meteórica, angariando um grande patrimônio

formado por botins, terras e castelos não só na Palestina

como também por doações de bens, terras e direitos feudais

por quase toda Europa. Contudo, apesar da existência na Europa

de uma rede de castelos templários guarnecidos por monges

cavaleiros, a maior parte do contingente templário nas

comendas européias era constituída por servos e freis

dedicados à agricultura e pecuária. Exceção na Península

Ibérica onde, como na Terra Santa, os templários estavam

primordialmente envolvidos em ações militares.

Dos reinos ibéricos, era com Portugal, devido a

interesses recíprocos, que os templários estavam mais

visceralmente relacionados. O processo de formação desta Ordem

e Reino é praticamente simultâneo e paralelo. A vitória de

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Afonso Henriques em Ouriques dá-se no mesmo ano em que é

promulgada a bula papal de confirmação à Ordem do Templo.

Porém, antes mesmo de formalmente reconhecida a Ordem já

estava presente no Reino ainda também em gestação. Assim, uma

das primeiras doações recebidas na Europa foi a Vila de

Fonte Arcada de Penafiel, doada pela Rainha Teresa em 1126.

Em 1128 fez ela também a doação do castelo de Soure e os

territórios adjacentes na Estremadura, para que os templários

cultivassem e povoassem a região, até então deserta, e

guardassem esta fronteira contra os mouros. Afonso Henrique,

sabedor, não só de seu enfeudamento à Santa Sé, como também

que o território do Condado Portucalense só poderia expandir-

se como reino na conquista do solo peninsular islâmico, teve

na Ordem do Templo o exército aliado que tanto necessitava.

Confirma não só a doação de Soure, importante ponto estratégico

da defesa de Coimbra e da linha do Mondego, como todas outras

recebidas (7).

O primeiro mestre do Templo em Portugal, D.

Guilherme Ricardo, morreu lutando ao lado de Afonso Henriques,

na batalha de Ouriques. Seu sucessor, D. Hugo Martins,

esteve também ao lado do fundador do Reino de Portugal nas

tomadas de Santarém e de Lisboa. O 3º mestre templário, D.

Pedro Arnaldo, foi morto no ataque a Alcácer do Sal, em 1158.

O 4º mestre eleito foi o célebre D. Gualdim Pais que

transferiu a sede da Ordem de Soure para Tomar, onde

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construiu o famoso castelo sede dos templários em Portugal

(8). Fundou também o castelo de Pombal em 1160, dando foral a

vila estabelecida sob a proteção deste castelo em 1186. Morto

em 1195, foi sepultado no panteão dos Templários na Igreja de

Santa Maria do Olival. Sediada em Tomar, a Ordem do Templo

estende seus domínios, vindo então a controlar o coração de

Portugal, a região entre o Douro e o Tejo (9.

Poucos anos antes dos nove cavaleiros francos formarem a

Ordem dos Cavaleiros Pobres de Jesus Cristo, Pascoal II, em

1113, dava a aprovação papal para uma nova ordem

assistencialista originária de uma confraria hospitalar sob

tutela beneditina -sacra domus hospitallis- fundada em cerca

de 1080 em Jerusalém, então sob o domínio dos califas

fatímidas do Egito. Erigida por mercadores de Amalfi para

prestar assistência aos peregrinos, o hospício foi colocado

sob a invocação de S. João Batista. Após aprovação papal a

nova ordem assistencialista adotou como Regra uma variante da

de Santo Agostinho, sendo conhecida então como Ordem do

Hospital de S. João de Jerusalém.

Provavelmente seduzida pelo sucesso da primeira

ordem militar, esta ordem assistencialista, através de bula

papal de Inocêncio II, em 1126 (10), assume também funções

militares com o fim de proteger e defender os peregrinos e os

Lugares Santos dos ataques dos muçulmanos. Conhecida como

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Ordem do Hospital, esta instituição monástica agora também

militar, passa a angariar, como a sua co-irmã, poder e riqueza

não só na Palestina como também na Europa. Assim, a semelhança

da Ordem dos Templários, esta Ordem logo adotou uma estrutura

internacionalista a fim de melhor administrar o vasto

patrimônio que lhe ia sendo doado pelos monarcas do Ocidente e

por particulares. Sendo estas ordens monásticas militares

potentados senhoriais, cabia-lhes exercer, em suas terras e

feudos, os direitos inerentes, tanto cíveis como criminais.

Deste modo, a Ordem do Hospital logo se fez

igualmente presente na Península Ibérica, recebendo carta de

couto e privilégio por Afonso Enriques em 1140. A chefia da

Ordem em Portugal estava a cargo do Prior, sediado no castelo

de Crato, erigido em proteção à vila de mesmo nome doada por

Sancho II em 1232 (11). Contudo, apesar da efetiva presença

hospitalaria no processo de repovoamento, não foi de grande

relevância a participação desta ordem militar nos embates de

conquista do solo português (12).

Uma segunda ordem assistencialista sediada da Terra

Santa, a Ordem dos Hospitalários de Santa Maria dos Alemães,

originária de uma confraria hospitalária fundada por

negociantes de Bremen e Lübeck, foi também reformada, por

intervenção de Frederico da Suábia, como ordem monástica

militar, sob a regra beneditina de Cister, como a dos

Templários, ficando então conhecida como Ordem dos Cavaleiros

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139

Teutônicos. Apesar de receber doações também na Europa, esta

ordem germânica, porém, não se fez presente na Península

Ibérica, onde foram também fundadas outras ordens monásticas

militares, a semelhança das sediadas na Terra Santa sem,

porém, seu caráter internacionalista (13). Estes três corpos

militares da Igreja sediados na Palestina diferenciavam-se

visualmente pelas cores das cruzes que traziam nas suas

bandeiras e hábitos: vermelha dos templários, branca dos

hospitalários e preta dos cavaleiros teutônicos.

Apesar de unidas por um interesse maior comum, libertar a

Terra Santa e a Península Ibérica do julgo islâmico, a aliança

templária-hospitalária logo se rompeu, originando uma profunda

hostilidade que, em não poucas vezes, degenerou-se em

derramamento de sangue cristão. Mas, ao que parece, não só a

disputa por botins, feudos e outros interesses separavam este

corpos militares monásticos. Diferenciavam-se também nas

regras de aceitação em seus quadros, no trato com os islâmicos

e até mesmo do que representaria a essência da religiosidade

católica. Enquanto os hospitalários procuravam preservam a

tradição cavaleiresca medieval, onde somente aqueles de

ascendência nobiliárquica poderiam combater em cavalo de sela

(14), os templários tinham em suas tropas o corpo de freis

sargentos, formados por cavaleiros plebeus. Apesar de

impossibilitados de portar a túnica branca dos fatres milites,

cavaleiros nobres, suas vestes negras apresentavam igualmente

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140

a cruz rubra templária estampada no peito (15). Enquanto os

hospitalários procuravam manter distância em relação aos

islâmicos, os templários sabiam com estes fazer oportunas

alianças que, muitas vezes, resultavam no recrudescimento da

hostilidade entre estas milícias monásticas (16). Esta

proximidade dos templários com os muçulmanos permitiu aos

hospitalários levantar suspeita de que o catolicismo templário

estaria contaminado pela religiosidade islâmica,

principalmente devido ao estreito relacionamento desta

milícia cristã com a seita dos assassinos (17).

Em 1291 cai S. João Acre, última capital latina na

Terra Santa, sendo as ordens monásticas militares compelidas a

abandonar a Palestina. A Ordem dos Cavaleiros Teutônicos

transfere sua sede para Marienburg, no norte da Europa, a

partir de onde empreende um movimento de conquista e expansão

territorial na Europa oriental. A Ordem do Hospital instala-se

em Chipre, na cidade de Limasol, sob a proteção dos reis da

dinastia de Lusignan. Em 1310, a Ordem adquire a ilha de Rodes

tendo nela instalado a sua sede independente de qualquer

soberano, tornado então um potentado naval no Mediterrâneo.

Quanto aos templários, após abandonarem o Castelo dos

Peregrinos, último reduto cristão a cair na Palestina,

transferem a sede da Ordem também para a ilha de Chipre,

mantendo, porém, parte de sua tropa ocupando a ilha de Ruad, a

duas milhas de Tortosa. O abandono deste bastião, em 1303, dá-

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141

se não por razões militares, mas, ao que parece, por

pressentirem a trama em preparo que resultou na extinção da

então mais poderosa ordem monástica militar (18).

No ano seguinte, Felipe, o Belo, rei de França, após

conflitos travados com o papa Bonifácio VIII (1294-1303) e seu

sucessor Bento XI (1303-1304), (19), consegue impor ao trono

papal o cardeal francês Bernard de Goth, que adota o nome de

Clemente V, transferindo a sede papal de Roma para Avignon

(20).

Em 1306, ao mesmo tempo em que Felipe prendia e

expropriava de todos os seus bens os judeus de França,

Clemente V convocava à França o grão-mestre templário e o

hospitalário para tratar da união destas duas milícias

monásticas e de uma nova cruzada em cooperação com os reis da

Armênia e Chipre. A proposta de união tinha sido feita

anteriormente por outros papas, porém nunca concretizada, dada

à profunda rivalidade que os separava. Apesar de o grão-mestre

hospitalário manifestar seu pesar por não poder se deslocar

naquele momento para a Europa, o grão-mestre templário,

Jacques de Molay, deixa então Chipre, acompanhado por uma

pequena escolta.

Pouco após de Jacques de Molay ter demonstrado ao papa

sua discordância da proposta de união entre templários e

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142

hospitalários, no alvorecer de 13 de outubro de 1307, ele e

todos os templários existentes em França foram presos por

ordens do rei. Esta ação, sob o comando de Nogaret, agente de

confiança do rei Felipe, responsável também pelo seqüestro do

papa Bonifácio VIII, extrapolava aos poderes do rei de

França, que não possuía autoridade sobre as ordens monásticas.

Contudo, logo após, o papa Clemente V legitima a arbitrária

atitude monárquica ao autorizar a instauração de um processo

inquisitorial contra a Ordem, sendo então os templários

aprisionados interrogados sob a direção dos dominicanos.

Segundo relatos, logo na primeira semana trinta e

seis templários morreram em conseqüência das torturas em que

foram submetidos para confessar a veracidade das acusações,

que eram as seguintes: considerar a Ordem e seus interesses

mais importantes que os da Igreja Católica e a moral dela;

tomar juramento secreto para defender e enriquecer a Ordem;

manter correspondência com os muçulmanos em segredo; inclusão

nos ritos de iniciação atos como cuspir e pisotear a cruz e a

negação de Jesus Cristo; assassinar os templários que

revelarem segredos da Ordem; profanar os sacramentos; permitir

a absolvição de pecados por laicos; cometer sodomia e outros

atos homossexuais e adorar ídolos zoomorfos, como “Bafomet”.

Apesar da ação de Felipe, o Belo não ter encontrado

a esperada receptividade por outras Coroas européias que

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143

abrigavam em seus reinos contingentes e patrimônios templários

(20), após um tumultuado e nebuloso processo eclesiástico, em

1312 Clemente V promulga a bula Vox in excelso determinando a

extinção da Ordem dos Cavaleiros Templários. Contudo,

provavelmente devido a não adesão monástica a perseguição aos

templários e por pressões internas da Igreja, decidiu o papa

francês que o patrimônio possuído pelos templários nos

diversos reinos fossem incorporados não as respectivas

Coroas, mas à Ordem dos Hospitalários, ao contrário do

esperado pelo rei francês, certamente contando em equilibrar

as combalidas finanças de seu reino (22).

Dois anos depois de decretada a extinção da Ordem

dos Templários, Jacques de Molay, ainda preso em França, é

condenado à morte, juntamente com o preceptor da Normandia,

Godofredo de Charney, sendo queimados vivos em 18 de março de

1314, numa pequena ilha do rio Sena, em frente aos jardins

reais.

Neste meio tempo, entre a dissolução da Ordem e a

execução de seu último grão-mestre, morre estranha e

inexplicavelmente Nogaret. Trinta de três dias após da morte

de Jacques de Molay segue a do papa Clemente V. Em novembro do

mesmo ano é chegada a vez do poderoso rei de França. Seu filho

primogênito assume então o trono de França como Luís X. Reina

somente por dois anos, vindo a falecer em 1316. Seu irmão é

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também coroado como Felipe V, permanecendo no trono somente

seis anos, vindo a falecer em 1322. O terceiro filho de

Felipe, o Belo, é então coroado como Carlos IV, permanecendo

no trono somente seis anos, como seu irmão que o antecedeu.

Assim, catorze anos após o falecimento de Felipe, o Belo, se

encerra a dinastia dos Capetos, ocupante do trono francês por

mais de três séculos. O trono de França é então ocupado em

1328 por Felipe de Valois, dando início a uma nova dinastia.

Contudo, Eduardo III, rei da Inglaterra, neto de Felipe, o

Belo, se considerando legítimo herdeiro de seu avô, invade a

França, dando início à Guerra dos Cem Anos, de graves

conseqüências para o reino de França, que por pouco não teve a

coroa arrebatada pela monarquia inglesa (23).

Dos reinos da Península Ibérica, era o de Portugal e o

de Aragão onde os templários se faziam mais presentes. Neste

último foram eles, inclusive, responsáveis pela educação de um

dos mais importantes reis, Jaime I, o Conquistador (1213-

1276), que os templários receberam, ainda quando criança, das

mãos de seu pai, Pedro II de Aragão. Era D. Dinis rei de

Portugal quando da extinção da Ordem do Templo sendo D. Vasco

Fernandes o mestre principal neste reino. Unidos por um forte

laço de amizade, D. Dinis havia doado o castelo de Penha

Garcia à Ordem do Templo pouco antes de sua dissolução (24).

Apesar de ter recebido a determinação papal para dar início ao

processo investigatório contra os templários em seu reino, D.

Dinis não a cumpriu. Acorbetados por este rei, os templários

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145

em Portugal aguardaram pacificamente o desenrolar dos

acontecimentos. Já em Aragão os templários, entrincheirados no

castelo de Monzón, travaram intensos combates com as forças de

Jaime II (25).

Com a morte de Clemente V, em 1314, o seu sucessor, João

XXII, cria duas novas ordens monásticas militares, herdeiras

da Ordem do Templo, nestes dois reinos ibéricos. A Ordem de

Montesa, em Aragão, e, através da bula Ad ea ex quibus, a

Ordem de Cristo, em Portugal (26). A estas novas ordens

monásticas militares foram então incorporados todo o

patrimônio material e humano templário de Aragão e Portugal

(27).

A princípio, a Ordem de Cristo se encontrava sob a regra

da Ordem de Calatrava, sendo designado para mestre o frei Gil

Martins, mestre da Ordem de Avis, braço português da Ordem de

Calatrava, sendo doado o castelo de Castro Marins para abrigar

a sede da nova Ordem. Como esta era, a princípio, uma nova

ordem monástica militar, a cruz rubra templária ganhou uma

pequena cruz branca no interior, a fim de diferenciá-la do

cruzeiro original. Assim, costuma-se dizer que em Portugal a

Ordem dos Templários não foi extinta, mas simplesmente mudou

de nome (28). Coincidentemente, D. Dinis inicia o processo de

transformação de Portugal de reino agrário à potência

marítima, ao convidar o almirante genovês Pessanho a organizar

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a marinha portuguesa e determinar o plantio dos pinhais de

Leria (29).

Durante a gestão de D. Nuno Rodrigues, sexto mestre da Ordem,

foi transferida a sede da Ordem para o convento de Tomar, sede

templária de Portugal. Com a morte de Nuno Rodrigues em 1372,

o rei D. Fernando, último rei da dinastia de Borgonha, sugere

à Santa Sé o nome de D. Lopo Dias de Sousa, sobrinho de sua

mulher, D. Leonor, como substituto do mestre falecido.

Procurava assim D. Fernando associa o mestrado à Casa Real.

Com o fim da dinastia de Borgonha, assume o trono português D.

João, então mestre da também ordem monástica militar dos Avis.

Com a morte de D. Lopo Dias de Sousa, em 1417, o Infante D.

Henrique, depois conhecido como o Navegador, é nomeado pelo

Papa Pio II governador da Ordem de Cristo (30).

Só a partir de então é reconhecida a participação desta

ordem monástica no processo expansionista português. Ameal,

assim como diversos historiadores, acredita que a participação

da Ordem de Cristo limitou-se a fornecedora dos imensos

recursos despendidos pelo Infante D. Henrique com a preparação

de navegantes e aperfeiçoamentos náuticos necessários para as

explorações marítimas (31). Porém se equivocou ao considerar a

Ordem de Cristo como poderosa e opulentíssima. Ora, assim fora

a Ordem do Templo, da qual era a Ordem de Cristo herdeira de

uma pequena parte do seu patrimônio. A menos que acreditemos

em mirabolantes e fantásticas histórias sobre tesouros

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templários desaparecidos, é evidente que a Ordem de Cristo, a

partir unicamente dos rendimentos de suas comendas

portuguesas, não teria como arcar os custos deste megalômano

projeto expansionista, pesadamente oneroso, inclusive para os

cofres reais. Já Saraiva revela ser mais perspicaz ao observar

que em Portugal os descobrimentos não foram o resultado de

acções isoladas de mercadores ou aventureiros, mas

inscreveram-se, pelo menos desde 1432, num plano de cuja

realização se considerou responsável a Coroa ou, antes dela, a

Ordem de Cristo (32).

Portanto, considerando que esta ordem monástica tinha

unicamente a oferecer, para firmar-se com a Coroa de Portugal

a bem sucedida aliança descobridora, senão saber náutico e

conhecimentos de novas rotas marítimas, concluímos que somente

à Ordem de Cristo, ou a sua antecessora, a Ordem do Templo,

possamos remeter a filiação monástica de Sumé (33), e

conseqüentemente, a responsabilidade pelas explorações

náuticas e determinações geodésicas de pontos referenciais da

costa brasileira feitas no período pré-colonial,

imprescindíveis para o domínio da navegação no Atlântico sul.

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NOTAS 1-. João de Barros, ao tratar do descobrimento de Cabral,

Barros refere-se ao Brasil como uma terra por ele novamente achada.João de Barros. Décadas. Lisboa, Livraria Sá da Costa, 1945, p. 8, v. 1. p.110: (...)Passados alguns dias, enquanto o tempo não servia, e fizeram sua aguáda, quando veio a três de Maio, que Pedro Alvares se quis partir, por dar nome áquela terra por êle novamente achada, mandou arvorar uma cruz mui grande no mais alto lugar de uma árvore e, ao pé dela, se disse missa

2- Pero de Magalhães GANDAVO.Tratado da terra do Brasil -

História da Província de Santa Cruz. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Edusp, 1980, p.80. Importante observar que, assim como João de Barros, Gandavo refere-se ao Brasil como província novamente achada por Cabral.

3- Gustavo Barroso. Segredos e revelações da História do

Brasil. Rio de Janeiro, o Cruzeiro, 1961, p. 13 4- Roberto Gambini -O espelho índio: os jesuítas e a

destruição da alma indígena. Rio de Janerio, Espaço e Tempo, 1988, p. 75, ao tratar do processo missionário jesuítico, considera que esta cruz gravada no marco-padrão implantado por Cabral é, fundamentalmente, denotativa do componente ideológico que irá pautar a política colonial portuguesa, ao considerar que "psicologicamente a cruz já estava presente no nome dado à ilha e na atitude constelada no inconsciente coletivo”

5- Apesar de freqüentemente confundidas, é importante observar

que as ordens monásticas militar diferem-se das de cavalaria. De caráter leigo, as ordens de cavalaria começaram a despontar na Europa no século XIV, inspiradas no ideal da cavalaria da Alta Idade Média. Visando distinguir o mérito ou serviços ao monarca ou ao Estado, a admissão nestas ordens era considerada uma mercê do monarca e constituíam requisitos essenciais - pelo menos, nos estados de confissão Católica - pertencer à nobreza e professar a religião católica apostólica romana. Já as ordens monásticas-militares eram verdadeiras ordens religiosas instituídas sob a iniciativa particular ou régia mas com a aprovação e reconhecimento da Santa Sé como ordem monástica. Os freires das ordens monásticas militar aliavam um modelo de vida evangélico - simbolizados nos três votos de pobreza, castidade e obediência - com a defesa militante da fé cristã e da Igreja, combatendo os infiéis pelas armas. Distinguindo-se

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assim das ordens de cavalaria, mais tardias e seculares, embora confessionais. Deste modo, as ordens monásticas militares, a partir do seu reconhecimento e confirmação pela Santa Sé, passavam a ter a natureza de verdadeiras instituições religiosos da Igreja Católica Romana. Portanto, estas ordens militares estavam diretamente subordinadas à Sé Apostólica, estando no espiritual isentas da jurisdição dos Bispos, à semelhança de Cluny e de Cister. Eram governadas por um Grão-Mestre, seguido hierarquicamente pelos Mestres provinciais, com a assistência do Capítulo Geral que congregava todos os cavaleiros. Os Mestres eram eleitos vitaliciamente, em Capítulo Geral da ordem. Basicamente, os membros destas ordens dividiam-se em três categorias: os freires-cavaleiros, de origem nobre, segundo as regras da cavalaria, que após um período de noviciado recebiam ordens menores e professavam os citados votos; os freires-clérigos que tinham ordens maiores a quem competia assistir os cavaleiros no espiritual; e os irmãos serventes. A partir do século XVII as ordens monásticas e de cavalaria foram aos poucos se transformando em meras ordens honoríficas, constituindo, já no século, XIX, unicamente um galardão de recompensa do Estado ou da Igreja para cidadãos ou instituições considerados de importância relevante, quer no âmbito militar ou civil. Cf. José Vicente Pinheiro de Melo de Bragança. As ordens honoríficas portuguesas. Lisboa, http:// www.chivaricordens. org/vatican/, 1977

6- As informações sobre os Templários sem referências

deverão ser creditadas principalmente a Léon Gorny -Croisés et templiers. Paris, André Bonne Ed., 1974- ou a Stephen Howarth -Os cavaleiros templários. Lisboa, Livros do Brasil, 1986.

7- Fr. Bernardo da Costa. História da Militar Ordem de

Christo dedicada a El-Rey, D. Joseph I. Coimbra, Officina de Pedro Ginicus, 1771, p.21, cap III: O Senhor Rey D. Affonso I nesta Escritura, dizendo que foi obrigado pelo Papa a fazer hum padrão de mercês a Ordem do Templo tão magnifica, : esta obrigação he huma reverente piedade á Igreja; he huma expressão catholica; que nunca lhe podia prejudicar a sua independente soberania; fez a graça a impulsos da sua magnificiencia, toda com a reverencia ao Vigario de Christo. Se não fosse assim, a suna vontade, que poder tinha força para sua obrigação. He tão ampla a doação, que nós lêmos em ella confirmada, não só o domínio da Ordem em as Villas, Fortalezas, Herdades, Igrejas, Rendas, etc., que á Ordem se tinhão feito não só pelo Rey, mas quantas lh tinhão feito os seus vassallos, e quantas elles liberalmente lhe quizessem fazer em todo o tempo.

8- Ibidem, p.22, cap IV: Celebrando assim a Concordata ( com o Bispo de

Lisboa sobre o Eclesiástico de Santarem), largarão os templarios O Convento, A Casa

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de Santarem, em que estavão estabelecidos em S. Maria de Alcaçava, e forão fundar em Ceras, de cujo citio se não agradarão, e passando ao de Thomar, alli fundou D. Gualdim o Castello, e fez convento e habitação aonde ultimamente se estabelecerão e viverão até sua fatal extinção.

9- Joaquim Veríssimo Serrão. História de Portugal. Lisboa,

Verbo, 1979, pp. 167/8, v. I: A Ordem dos templários, assim chamada por ter como sede um edifício junto do Templo de Jerusalém, foi a primeira a fixar-se na Espanha. No período do Condado Portucalenese manifesta-se a sua existência, de maneira fraca, na região do Minho. Teve depois como ponto de partida o território do Mondego, e no ano de 1144 já o Castelo de Soure lhe fora confiado. Mostrando uma cautelosa penetração, numa faixa entre Montemor-o-Velho e Coimbra, os seus cavaleiros caminham para o sul com o alargamento do próprio Reino. Com o mestre Gualdim Pais inicia-se o povoamento de Pombal, Ega e Redinha; no ano de 1160 funda-se Tomar, que seria a cabeça da ordem, e povoam-se as terras de Cera e Asseiceiras. Nessa penetração para o sul, atinge-se em 1170 o Castelo de Almourol e fundam-se os lugares de Golegã e Casével. Os cavaleiros do Templo achavam-se, pois, na vizinhança do couto de Alcobaça, pelo que não podiam fixar-se nessa zona de recente exploração. Por tal motivo, a sua “marcha” inflecte para leste, passando sobre o termo de Belver e dominando a maior parte da linha do Tejo, na entrada deste rio em Portugal. Alpalhão, Nisa, Arês, Ródão, estavam na sua área de defesa e povoamento. Mas sendo a fronteira uma zona insegura, em virtude dos ataques mouros à Estremadura espanhola, já no reinado de D. Sancho I a acção Templária se alargara a Segura, Rosmaninhal, Salvaterra do Extremo, Idanha-a-Velha, Penha Garcia e Monsanto, indo mesmo até Ribacoa.

10- É controvertida a data em que a Ordem do Hospital teria

obtido autorização papal para assumir também as funções militares. Segundo alguns esta aprovação teria sido concedida antes da recebida os templários no Concílio de Troyens e para outros teria ocorrido em data posterior, provavelmente em 1130. Porém, ao que tudo indica, a idealização de um exército própria da Igreja partiu do perspicaz abade de Clairvaux, patrono dos templários.

11- Joaquim Veríssimo Serrão. Opus cit. pp. 171/2: O seu papel

(da Ordem do Hospital) foi apagado até Abril de 1157, quando D. Afonso I mandou renovar a carta de couto e privilégios que concedera à referida ordem em 30 de Março de 1140 e que englobava todos os bens que lhe viessem a pertencer. Nos fins do século XII ja se haviam instalado na zona da Beira Baixa, onde fundaram em 1194 o território de Guindintesta, que veio a ser a povoação de Amieira, porta de entrada da Beira central para o Alto Alentejo. Nessa zona se operou a sua acção de povoamento: Sertã, Oleiros, Pedrógão, foram os primeiros centros povoados. A linha de penetração desceu depois por Proença-a-Nova em direção a Tolosa, Crato e Gavião. Mas, para não vizinharem os domínios da Ordem de Avis, tomaram depois o caminho do Alentejo, onde no tempo de D. Dinis possuíam Moura, Serpa, Mourão e outras terras entre o Chança e o Guadiana, frente ao território mouro da Andaluzia.

12-. Ricardo da Costa. A guerra na Idade Média. Rio de Janeiro,

Paratodos, 1988, pp. 128/9: O repovoamento foi um processo lento, que

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nas mãos das ordens militares transformou-se numa planificação geopolítica consciente. Elas seriam a partir de então as novas protagonistas deste novo tipo de ocupação territorial.(...) Em Portugal, este modelo re repovoamento gerou resultados imediatos. Os templários receberam a região de vila Pombal, Soure, Ega e Redinha (...) Quanto aos hospitalários, o castelode Belver já se encontrava povoado em 1210. Templários e hospitalários ainda ativaram a criação de gado – seu ordenamento senhorial pôs-se a serviço de uma pecuária transumante –pesca e comércio, ajudando assim o aquecimento do comércio com a implantação de um tipo de economia voltada para o mercado no período que compreende os anos 1210-1325.

13- Como exemplo temos a Ordens de Calatrava, fundada em 1158

para a defesa da praça de Calatrava por Sancho II rei de Leão e Castela e a de Santiago. O ramo português desta ordem foi fundado em 1175 em Évora, recebendo inicialmente a denominação de Milícia de Évora da Ordem de Calatrava. A partir de 1211 passou a ser conhecida como Ordem de Avis, por ter a sua sede naquela vila do alto Alentejo.

14- Michael PASTOUREAU. No tempo dos cavaleiros da Távola Redonda: França e Inglaterra nos séculos XII e XIII. São Paulo, Companhia das Letras, 1989, pp. 42/3: A cavalaria é uma instiuição que se implantou no sistema feudal por volta do ano 1000 (...) A partir da metade doo século XII, os cavaleiros tendem a ser recrutados quase exclusivamente entre os filhos de cavaleiros, formando uma casta hereditária. Se não chegam a desaparecer de vez, a sagração de plebeus torna-se um fato excepcional. (...) Por volta de 1200, os cavaleiros são essencialmente os senhores e os filhos de senhores. Na França, o fenômeno se acentua ao longo do século XIII, a ponto de a condição de cavaleiro deixar aos poucos de ser considerada como individual para se tornar uma instituição hereditária reservada aos estratos superiores da aristocracia. Ocorre então a fusão entre cavalaria e nobreza.

15- Stephen Howarth. Os cavaleiros templários. Lisboa, Livros

do Brasil, 1986, p. 58: Em geral ultrapassavam numericamente os cavaleiros na relação de cerca de nove para um, e se os cavaleiros eram a espinha da Ordem, os sergentes eram o seu corpo. Um sergente tinha um só cavalo, ao passo que um cavaleiro tinha três. Mas estavam ao alcance de um sergente certos privilégios a que um cavaleiro não podia aspirar. Por exemplo, o comandante do porto de Acra era sempre um sergente; os sergentes eram guarda-costas dos oficiais superiores; o porta estandarte também era um sergente.

16- Ibidem, pp. 214, 216: A perda de Jerusalém tinha sido meio esperada,

pois segundo os termos do tratado de Frederico ninguém, a não ser ele, podia autorizar a sua refortificação, e -sabendo que os Templários seriam os primeiros a beneficiar- ele recusara repetidamente essa autorização. Assim que o tratado expirou, em 1239, o príncipe muçulmano de Kerak atacou a cidade indefesa e tomou-a sem grande dificuldade, exactamente como os templários tinham previsto. Mas estes também sabiam ser diplomatas, como já haviam demonstrado muitas vezes; e a cedência damascena da Galileia Ocidental, deveu-se menos à intervenção divina do que à diplomacia dos Templários. Oportunistas como sempre, tinham abordado o

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sultão de Damasco com uma proposta de aliança contra o sucessor de al-Kamil no Cairo, e pela sua participação nas negociações receberam o forte castelo de Safed. (...) Desde de 1227 que existia entre Templários e Hospitalários uma aliança desconfortável, baseada na sua desconfiança comum do Imperador Frederico, que ainda tentava interferir no governo do Outremer. Mas a obtenção de Safed tornou-se insuportável aos Hospitalários. De súbito, a rivalidade tradicional entre as duas ordens descambou em guerra aberta.(...) Durante três anos, até essas querelas serem resolvidas, os dois grupos de cavaleiros santos lutaram um contra o outro tão selvaticamente como, em tempos normais, teriam lutado os muçulmanos: nas ruas da cidade, no campo, à volta dos castelos uns dos outros, em toda a parte, em suma.

17- Juan de Garten - Os templários: Soberana Ordem dos

Cavaleiros do Templo de Jerusalém. São Paulo, Traço Ed., 1987, pp. 75/6/7: Os assassinos são ismaelitas, do grupo islâmico que toma seu nome a Ismael, filho do sexto Imã Djafar, quem primeiro o nomeou seu sucessor para depois se retratar, designando outro de seus filhos. (...) Hassan Sabah, vizir do sultão de Ispahan, e um dos homens mais cultos de seu tempo, afastou-se da ortodoxia, atraído pela doutrina ismaelita, o que lhe valeu o ódio e a perseguição por parte de seus antigos confrades. Ao final do século XII, com um grupo de entusiasmados seguidores, refugiou-se na montanha de Alamut, onde erigiu uma cidadela poderosamente defendida. Assim nasceram os Assassinos, uma Ordem religiosa e guerreira cuja similitude com a Templária salta a vista (...) As relações entre templários e os assassinos estão mais do que comprovadas historicamente. Em varias ocasiões, a Ordem atuou como intermediária nas relações entre senhores cristãos e o Sheik ou seus comandantes. Boa prova disso foi a decisiva intervenção do Templo na proposta de troca de Tiro por Damasco, convencendo assim ao rei Balduíno para que a realizasse. Houve também, e como poderia negar isso, o intercâmbio de idéias entre as suas Ordens, como prová-lo é outra história. Sabe-se, entretanto, que muitos templários visitaram a casa reitora dos ismaelitas, localizadas no Cairo e que tinha o sugestivo nome de “Casa da Sabedoria”(Dar ul Hikmet). Esse grande edifício, situado junto ao palácio real, abrigava o ensino da Álgebra, Geometria, Astronomia, entre outras matérias, ao mesmo tempo em que colocava em relevo as contradições existentes entre a ciência e a religião ortodoxa.

18- Tem início aqui uma das páginas mais nebulosas e

controvertidas não só da Igreja como da própria História Ocidental, já que a maior parte da documentação eclesiástica sobre os templários, relativas não só ao processo de extinção como a muito do que se diz a respeito da Ordem, encontra-se inacessível aos pesquisadores, trancafiadas nos arquivos da Santa Sé, como documentação secreta. Limitamo-nos aqui a reproduzir, concisamente, as informações de domínio comum, presente na maioria das obras que tratam deste delicado e controvertido assunto.

19-Peter Partner - O assassinato dos magos. Rio de Janeiro,

Campus, 1991, pp. 59,60: A disputa entre Bonifácio VIII e Felipe, o Belo,

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153

de França envolveu muitos desentendimentos antigos entre a Igreja medieval e o Estado. Apesar de sua natureza tradicional, o conflito foi resolvido de uma maneira estranha, radical, inovadora, que só pode ser definida como de capa e espada. Em 1303 o governo francês enviou uma de suas figuras mais influentes, um alto funcionários chamado Guillaume de Nogaret, em missão secreta à Itália. Nogaret agiu com a orientação e a ajuda da exilada família Colonna, que na Itália recrutou um pequeno exército privado para ele, e permitiu-lhe atacar secretamente o papa, quando este se considerava seguro no centro de seus domínios. A 7 de setembro de 1303 Nogaret conseguiu entrar com suas forças pelas muralhas de Anagni, a pequena cidade pontificial onde estava o papa. A bandeira com os lírios franceses foi hasteada sobre essas muralhas, e o papa, depois de breve luta, sofreu ignominiosa prisão. A intenção era levá-lo de volta para França e submetê-lo a um julgamento por um concílio da Igreja, controlado pelos franceses, mas essa parte do plano fracassou. Bonifácio foi libertado, pouco dias depois, por um contra-ataque de seus partidários, para morrer algumas semanas depois, derrotado e infeliz (12 de outubros de 1303).

20- Ibidem, p. 81: O papa nascera dentro do reino francês. Depois de sua

eleição, mostrou-se demasiado enfermo e tímido para percorrer o longo caminho da França até a cidade de Roma, da qual era bispo. Permaneceu no reino francês, ou perto dele, até sua morte, em 1314. Foi coroado nas cercanias do reino, em Lyon, promoveu um Concílio Geral da Igreja bem próximo da França, em Vienne, e fixou residência ocasional em Avignon, cidade fora da França mas que pertencia à dinastia francesa dos governantes de Nápoles desde 1308.

21- Stephen Howarth, Opus cit., p. 315: Só em Navarra e Nápoles,

governadas por satélites do rei Felipe, e nos estados papais da Itália, a Ordem foi imediatamente considerada culpada; e só nesses países foi usada a tortura desde o princípio.

22- Ibidem, p. 320: Felipe obtivera claramente uma espécie de vitória, mas de

pouco lhe serviu. A sua clara coacção sobre o papa e o seu despotismo fanático tinham-lhe enegrecido o nome em toda a Europa; e quanto ao seu sonho extravagante de governar um império cristão como o “Rei Guerreiro”, a decisão de Clemente de transferir os bens dos Templários para os Hospitalários impediu-o muito mais efizcamente do que de Molay alguma vez teria sido capaz.

23- John Ardagh e Colin Jones. França, uma civilização

essencial. Madrid, Del Prado, 1977, p. 45: A guerra iniciou-se eeem 1337 com uma disputa feudal, quando Felipe IV (1328-1350), o primeiro monarca da Casa de Valois, se apoderou do ducado de Aquitânia que pertencia a Eduardo III da Inglaterra. Eduardo atravessou o canal, comandando o exército,, para defender os seus direitos e o título legal que, através da sua mãe, o tornava pretendente ao trono francês. (...) O poeta e humanista italiano Petrarca comparou a França daquela época a um “montão de ruínas”. Depois de Azincourt (1415), as fortunas francesas tinham voltado a decair e Carlos VI (1386-1422) viu-se obrigado a aceitar como herdeiro Henrique V.

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24- Cf. André Jean Paraschi. História dos templários em

Portugal: a fundação e os mestres da ordem. Lisboa, Sol Invictus, 1990, p. 58. Por ser atribuição exclusiva do grão-mestre templário a nomeação dos mestres provinciais, isenta, portanto, de interferência real, nem sempre eram amistosas as relações monárquicas com os mestres provinciais.

25-Cf. Francisco Castillon Cortada. Los templários de Monzon.

Zurita, 39-40, Zaragosa, 1981. 26- Bulla Ioannis XXII. Fundationis Ordinis Iesu Christi. In

Definições e estatvtos dos cavalleiros & freires da Ordem de N. S. Iesu Christi, com a historia da origem, e& principio della. Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1628, pp. 4-16.

27- A Ordem de Santa Maria de Montesa foi fundada por Jaime

II de Aragão, em 1317, no reino de Valência após a extinção da Ordem dos Templários, num processo semelhante ao que conduziu em Portugal à criação da Ordem de Cristo. Contudo, diferentemente de sua co-irmã portuguesa, foi dotada não só dos bens da extinta Ordem dos Templários, como também com bens da Ordem do Hospital no reino de Valência. A partir de 1400, ao incorporar a Ordem de S. Jorge de Alfama ,de origem Catalã, assume o nome de Santa Maria de Montesa e de S. Jorge de Alfama.

28-João Ameal. História de Portugal.Porto, Tavares Martins,

1974, pp. 107/8: "O mesmo sentido das realidades, a mesma clarividência, o mesmo engenho revela o Monarca no longo e difícil problema dos Templários. Convertem-se estes numa espécie de banqueiros de Reis, de Príncipes e de Nobres dos maiores centros europeus. A Ordem, poderosa e rica, alarga assim a sua influência mas atrai igualmente formidáveis inimizades, entre as quais, no primeiro plano, a de Felipe, o Belo. Após sucessivos e agitados conflitos com os Papas Bonifácio VIII e Bento XI -em que desempenha papel de vulto o Chanceler Guilherme de Nogaret, testa do influente grupo dos legistas- o Rei de França consegue fazer subir ao sólio pontifício Beltrão de Goth, Arcebispo de Bordéus. Sob o nome de Clemente V, mostra-se este inclinado a atender-lhe os desejos. A seu pedido dá como provadas as acusações de heresia, corrupção, desonestidade, usura- e decreta em 1312, pela Bula Vox in excelsis, a supressão da Ordem do Templo, cujos bens revertem à Ordem do Hospital. Não ignora Dom Dinis o que Portugal deve aos Templários. Não ignora também que por vezes cometeram abusos e os Reis se viram forçados a marcar-lhes o seu desagrado, a retirar-lhes a doações e privilégios. Interessa-lhe, porém, conservar no patrimônio nacional os valores de que a Ordem é possuidora. Embora institua contra ela o processo judicial indicado pelo Papa numa Bula de 1308, avisa os seus membros para que se furtem ao castigo; e todos partem a tempo para o estrangeiro. Os procuradores da Coroa apossam-se dos bens da Ordem. Dom Dinis entende-se

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155

com seu genro Fernando de Castela para que tais bens, aqui como no vizinho Reino, não sejam transferidos a senhorio estranhos. Adere a esse entendimento Jaime II de Aragão. Tudo isto se passa antes do decreto de 1312. Frente à aliança dos três Soberanos peninsulares, Clemente V abre excepção para os seus domínios. Os bens dos Templários, aqui, não serão dados aos Hospitalários mas seguirão destino a combinar entre os governantes e a Santa Sé. Ainda há uma tentativa, logo frustada, de entregar ao Cardeal Bertrand a povoação e o castelo de Tomar. Até que em 1319 João XXII, sucessor de Clemente V, cria uma nova Ordem em Portugal, intitulada de Cristo-Ordo Militiae Jesu Christi. Ressurreição velada da Ordem do Templo. Como na Ordem do Templo, o superior espiritual é o Abade de Alcobaça. O Grão-Mestre de Cristo, nomeado pelo Papa, é Gil Martins, Mestre da Ordem de Avis. Todas as possessões da Ordem extinta são adjudicadas à Ordem nova. A Coroa apressa-se a entregar-lhe aquilo de que tomou conta. E Dom Dinis pode legitimamente alegrar-se por ter garantido a manutenção no Reino das importantes riquezas de que esteves para ser desfalcado.

29-João Ameal. Idem, p. 110: Como Lavrador (D. Dinis), enfim alarma-se

ante a ameaça suspensa sobre os férteis campos de Leria pelas deslocações de grandes massas arenosas que os ventos da costa impelem – e desenvolve a plantação dos imensos pinhais que hão-de fixar aquelas terras móveis e mais tarde fornecer a madeira para os barcos em que Portugal se lançarão à descoberta do Universo. Ao mesmo tempo, junta novas unidades à marinha de guerra e à frota comercial, que intensifica as suas relações com a Inglaterra, o norte da França, a Flandres, outros países europeus. Morto o almirante Nuno Fernandes Cogominho, contrata para o comando supremo das esquadras o afamado genovês Manuel Pesagno, ou Peçanha, de grande experiência e competência.

30- Cf. Definições e estatvtos dos cavalleiros & freires da

Ordem de N. S. Iesu Christi, com a historia da origem, e& principio della. Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1628. TITVLO III. Dos Mestres que atè agora ouue nesta Ordem de Christo, pp. 60/6.

31 Ameal. Opus cit., p. 192: Então, Dom Henrique, instalado de novo na

Pátria, investido, pelo falecimento do grão-mestre Lopo Dias de Sousa, na administração da poderosa e opulentíssima Ordem de Cristo, de cujos imensos recursos passa a dispor – ocupa-se em estabelecer o centro propulsor das navegações. Fixa residência em Sagres e faz construir a Vila do Infante, junto ao Cabo de São Vicente.

32- José Hermano Saraiva. História de Portugal. Lisboa,

Europa-América, 1993, p. 138. 33- Interessante observar que os indígenas sempre descreviam

Sumé como personagem de barba, quando não era este um costume nem entre os indígenas nem entre a maioria dos freires das ordens monásticas. Já os monges templários tinham em suas barbas uma tradição, sendo conhecidos por “freires barbudos”. Cf. Stephen Howard, opus cit., p. 51: Os cavaleiros templários eram diferentes de quaisquer outros cavaleiros que os

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156

membros do concílio já tinham visto (...) Em vez de penteados longos e elegantes e barbas aparadas, o cabelo era cortado rigorosamente curto e as barbas cresciam densas e bastas.

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157

3. AS Ordens Monásticas Militares na Guanabara e o Controle

Estratégico do Atlântico Sul.

Apesar de apontá-los, Saraiva silencia-se a respeito do

plano sob a responsabilidade da Ordem de Cristo que teria

antecedido a ação da Coroa de Portugal nos descobrimentos.

Compreende-se a excessiva cautela do eminente historiador

português por ter a extinção da Ordem do Templo dado margem a

uma série de especulações, algumas evidentemente absurdas, como

relaciona-la à formação de um poder paralelo e conspiratório,

presente por toda história contemporânea ocidental. Porém,

apesar de estar envolvido por um emaranhado de fábulas e

fantasias, acreditamos ser possível desvendar o fio da meada

que une o processo de extinção da Ordem do Templo aos

descobrimentos ibéricos na conjuntura política determinada pela

situação adversa que tomou conta do Reino Latino na Terra

Santa, ainda n primeira metade do século XIII.

Segundo Howarth, a partir da terceira década deste

século, os templários, ao perceberem não ser possível conter o

avanço turco, passaram a planejar a reestruturação da Ordem,

após o abandono da Terra Santa (1). Evidentemente, o passo

inicial seria encontrar uma nova base territorial para a sede

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da ordem. Contudo, não só na Palestina o quadro político

mostrava-se adverso às ordens militares palestinas.

Neste momento, encontrava-se já em curso o processo que

séculos após culminaria no absolutismo, de centralização de

poder por parte das principais casas monárquicas européias,

preocupadas em limitar a autonomia dos senhores feudais e das

autoridades eclesiásticas. Excluindo a Península Ibérica, os

contingentes monásticos europeus das ordens militares

palestinas, ou hierosomilitanas, constituíam-se, em sua

maioria, por freires envolvidos em atividades de subsistência e

comerciais, incômodas eram as presenças destas ordens às

cabeças coroadas, devido à autonomia que possuíam nas terras

sob a sua tutela. Assim, sediar o grão mestrado de uma das três

ordens hierosomilitanas significaria, aos olhos monárquicos,

agravar este problema ao abrigar também um forte e experiente

exército monástico cruzadístico, formado por cavaleiros de

nacionalidades diversas e fora do direto controle monárquico.

Assim, ao abandonar a Terra Santa, a Ordem dos

Hospitalários, por sua vez, preferiu trocar os cavalos por

navios, dando continuidade à sua ação cruzadística combatendo

as frotas sarracenas no Mediterrâneo. Sediada e ilhas,

inicialmente em Chipre e posteriormente em Rodes, sua presença

marítima não constituiria ameaça às casas monárquicas européias

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159

sendo, por outro lado, imprescindível para a manutenção do

tráfico comercial mediterrâneo.

A outra ordem co-irmã templária, a Ordem dos Cavaleiros

Teutônicos, preferiu transferir sua sede para Marienburg, nas

planícies pagãs da Europa Setentrional. Conseguiu, assim, ao

mesmo tempo, não só estar longe da presença direta dos tronos

ocidentais centralizadores, como estar frente a um extenso

território a conquistar para seus aguerridos cavaleiros. Após

consolidado seu expansionismo territorial, construíram os

Teutônicos uma importante frota comercial, de ação no Báltico

(2).

Não é possível em curto espaço de tempo uma instituição

de cavalaria se transformar em potência naval, conforme ocorreu

com a Ordem de Malta, pois uma longa distância separa pastos e

estrebarias de estaleiros e portos. Também não é possível

posicionar a sede da Ordem exatamente em um ponto estratégico,

permitindo dar início de imediato a um rápido processo

expansionista, conforme ocorreu com a Ordem dos Teutônicos ao

transferir sua sede para Marienburg, sem uma prévia e acurada

exploração territorial. Claro está que estas ações foram

precedidas por um longo período de estudos e planejamentos

feitos de forma reservada ao âmbito superior destas ordens.

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160

Acreditamos que aquela que era a mais poderosa e

influente das três ordens monásticas militares

internacionalistas tinha também um secreto projeto pós

cruzadístico. Semelhante ao da Ordem Teutônica, seria

empreendido na América do Sul, com a instalação da sede do grão

mestrado em algum ponto estratégico do litoral brasileiro. Nova

terra, não só ainda desconhecida da cristandade ocidental como

posicionada dentro de uma nova rota mercantil, esta costa

atendia a todos os requisitos necessários a um empreendimento,

se diferenciando ao dos teutônicos somente quanto ao espaço a

ser ocupado e na estratégia militar de conquista das etnias

locais.

Assim, dentro então da arquitetura geopolítica desenhada,

não é difícil concluir que, quando da sua extinção, a Ordem se

programava para transformar-se também em um potentado naval,

tendo, porém, como área de atuação o Atlântico Sul,controlado a

partir do litoral brasileiro. Entende-se assim a necessidade

das precisas determinações geodésicas desta costa, dados estes

posteriormente utilizados pela Coroa portuguesa, sob a égide da

herdeira e sucessora templária, a Ordem de Cristo.

Deste modo, acreditamos que não teria sido unicamente o

fato de que a simples extinção dos templários acabaria por

fortalecer, de forma ameaçadora, a posição do mestre

hospitalário em Portugal, o Prior do Crato, que teria levado D.

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161

Dinis a não obedecer, de forma imediata, à determinação papal

(3). Certamente, algum tipo de negociação houve entre o rei

português e a Ordem, contando-se já com a alternância no trono

papal, para, logo após a extinção da Ordem do Templo,

estabelecer uma aliança a fim de dar continuidade a um projeto

comum.

Por outro lado, quais seriam as razões e motivos que

levaram esta ordem monástica militar a negociar estes

conhecimentos com a Coroa em Portugal, aliando-se a esta,

através de sua herdeira e sucessora neste processo

expansionista? A principal, e explícita, razão se refere ao

direito do padroado religiosos das terras a serem descobertas

do Cabo Bojador às Índias, conforme concedido ao mestrado da

Ordem de Cristo pelo papa Calisto III, pela bula Inter Coetera,

em 13 de março de 1456 (4). Além do controle sobre os cargos

eclesiásticos, o poder do padroado religioso dava a esta ordem

o direito de recolher o dízimo eclesiástico das novas terras a

serem conquistadas e colonizadas. Possibilitaria assim, mas só

em tempos futuros, ser novamente uma instituição monástica

militar rica, poderosa e internacionalista.

A outra razão provável se encontra no fato de que o

desvio do tráfico marítimo mercantil com o Oriente, do

Mediterrâneo para o Atlântico, atingiria frontalmente os

interesses da grande rival dos templários – a Ordem do

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Hospital, que tinha como principal função a guarda das rotas

marítimas mediterrâneas.

Assim, ao assumir o governo da Ordem de Cristo, D.

Henrique não estaria somente pondo em curso um projeto

expansionista personalístico, mas intermediando um plano

aliancista entre esta ordem e a Coroa de Portugal. Seu sucessor

foi seu sobrinho dileto, o Infante D. Fernando, a quem

transferiu o governo da Ordem de Cristo, já como um bem

hereditário. Sendo D. Fernando tio de D. João II, assumiu este

rei a responsabilidade de realização do ambicioso projeto de

monopolizar o abastecimento do mercado ocidental de

especiarias orientais. Finalizado no reinado de seu sucessor,

D. Manuel, este projeto veio atingir duramente os interesses da

Ordem do Hospital. Somando-se a isto, pouco depois, em 1552,

Solimão atacou a sede desta ordem em Rodes, expulsando os

hospitalários desta estratégica ilha mediterrânea.

A Ordem do Hospital se transfere para a ilha de Malta a

qual, com as ilhas de Gozo e de Comino e a cidade de Trípoli, lhe

havia sido concedida em feudo pelo imperador Carlos V em 1530,

com a aprovação do papa Clemente VII (1523-1534). A partir de

então, estes freires navegadores passam a ser também conhecidos

como cavaleiros de Malta. Porém, na impossibilidade de defender a

cidade de Trípole frente ao avanço turco, os hospitalários

abandonam esta cidade, em 1551 (5). Assim, ao contrário do

esperado com a extinção da Ordem do Templo, a Ordem do Hospital,

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enquanto amargava sucessivas derrotas, via a cruz templária da

Ordem de Cristo tremular de Ocidente a Oriente.

Pouco após do abandono hospitalário de Trípoli, em 10

de novembro de 1555, entrou na baía da Guanabara uma esquadra de

naus francesas, ocupando uma ilhota próxima à sua barra. Era essa

expedição militar comandada por Nicolas Durand de Villegaignon,

que logo se transfere para uma outra ilha maior e melhor

abrigada, dando início a construção de uma fortificação. Essa

ilha, denominada pelos índios de Serigipe, guarda até hoje o nome

deste comandante francês, Ilha de Villegaignon.

Assim que chegou, Villegaignon estabeleceu uma aliança

guerreira com a referida "nação" Tupinambá, que, após a expulsão

dos Temiminó, dominavam inteiramente a baía da Guanabara (6). Em

1557 Villegaignon recebe reforços de uma frota de três navios

comandada por seu sobrinho Bois-le-Comte (7).

A 30 de abril deste mesmo ano parte de Portugal Mém de

Sá, 3º Governador Geral, nomeado em substituição a Duarte da

Costa (8). Assim que chegou, Mém de Sá defrontou-se com a

eclosão de um grande levante indígena na Capitania do Espírito

Santo. Depois de conseguir pacificar esta Capitania, preparou-

se para dar combate aos franceses na Guanabara, aonde chegou em

1560, acompanhado do jesuíta Provincial do Brasil, Pe. Manoel de

Nóbrega. Villegaignon, porém, tinha partido pouco antes para

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Europa, a fim de procurar apoio ao seu empreendimento, deixando o

comando sob a responsabilidade de Bois-le-Comte. Após intensos

combates o Governador expulsou os franceses de sua fortaleza,

retirando-se para São Vicente. Os franceses, com ajuda dos

aliados Tamoios refugiaram-se nas matas, reconstruindo a

fortaleza, depois da partida de Mém de Sá.

Essa expedição, conhecida como "invasão francesa",

costuma ser considerada como um empreendimento calvinismo

apoiado pelo rei Henrique II, de França, com finalidade de fundar

uma nova colônia na América, a França Antártica (9). Já o

historiador inglês Robert Southey afirma desconhecer a lógica

que fez do Brasil alvo desta expedição. Observa ele que não

seria do interesse de Henrique II criar conflitos com Portugal

(10). Além disso, o comandante da expedição não era protestante,

mas sim católico, passando, inclusive, a hostilizar os

calvinistas, expulsando-os posteriormente do forte que tinha

batizado com o nome de Coligny (11).

Contudo, o próprio Southey nos oferece a chave do

enigma por ele apresentado ao identificar o almirante francês

como “cavaleiro de Malta”. Realmente, o padre jesuíta Herbert E.

Wentzel, em tese defendida na Universidade Gregoriana de Roma,

comprova que Villegaignon foi, sem momento algum de sua filiação

monástica, um frei hospitalário, sobrinho do grão-mestre da

Ordem, Villiers de I'Isle Adam (12).

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Em França, Villegagnon convidou os jesuítas a

participarem deste empreendimento, conforme carta do Padre

Nicolau Liétard, de 6 de março de 1560, ao Geral da Companhia

(13). Em 1562, por motivos que nos são ainda desconhecidos, o

Geral da Companhia de Jesus decidiu não aceitar o convite da

aliança com os hospitalários (14). Neste mesmo ano de 1562,

Villegaignon, que não mais voltou ao Brasil, negociou com o

embaixador português em Paris, Pereira Dantas, a renúncia do

empreendimento hospitalário em solo americano, recebendo em troca

uma indenização de 30.000 ducados. Contudo os soldados franceses,

sob o comando de Bois-le-Comte, continuaram resistindo,

obrigando assim a continuidade da guerra.

A 1º de maio de 1563 chegou à Bahia, acompanhado de

mais quatro jesuítas, Estácio de Sá, filho de Diogo de Sá, por

sua vez primo direto do pai do Governador Mém de Sá, o cônego

Mendes de Sá (15). Veio ele com a incumbência de ajudar o

Governador a expulsar da Guanabara os invasores e ocupá-la, em

definitivo, fundando uma povoação. Após organizar uma esquadra,

Estácio de Sá partiu da Bahia em direção ao Espírito Santo e

São Vicente a fim de receber reforços de índios e mamelucos (16).

A 20 de janeiro de 1565 partiu ele de Bertioga para o Rio de

Janeiro acompanhado dos jesuítas Gonçalo de Oliveira, capelão da

expedição, e Anchieta, ainda coadjutor temporal. Acompanhava-o

também uma tropa indígena comandada por Araribóia, "principal"

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Temiminó originário do aldeamento jesuítico de São João, no

Espírito Santo, que, ao ser batizado, adotara o nome cristão de

Martim Afonso de Sousa(17).

Ao chegar à baía da Guanabara, Estácio de Sá

estabeleceu-se próxima a sua barra, entre os morros Cara de Cão e

Pão de Açúcar. Iniciou-se então uma luta de escaramuças entre as

tropas comandadas por Estácio de Sá e Bois-le-Comte, sem vitória

decisiva para nenhum deles. Em maio de 1566, partiu do Tejo uma

armada de três galeões comandada por Cristóvão Cardoso de Barros,

trazendo reforços e com ordens expressas para Mém de Sá ir

pessoalmente ao Rio e expulsar definitivamente os franceses.

Trazia também o comandante da esquadra duas cartas dirigidas a um

cavaleiro professo da Ordem de Cristo, não identificado, com

determinações para lançar o hábito de Frei cavaleiro da Ordem a

Mem de Sá. A outra carta era dirigida ao já Frei Mém de Sá com

instruções para impor o hábito de noviço a Estácio de Sá (18).

Desta maneira, para fazer frente à invasão empreendida pelo frei

hospitalário Villegaignon foi concedido o mesmo título monástico

a Mém de Sá .

Em 18 de janeiro de 1567 Mém de Sá chegou à Guanabara

iniciando logo o ataque às posições francesas. Em um desses

ataques o noviço Estácio de Sá foi atingido por uma flechada no

rosto, vindo a falecer um mês depois. Contudo, as tropas

portuguesas, com o apoio decisivo de Araribóia e seus guerreiros,

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conseguiram tomar todos os bastiões franceses (19), fundando

então a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro na margem

ocidental desta estratégica baía da Guanabara. Batidos na

Guanabara, os franceses dirigiram-se então para Pernambuco

tomando posse de Recife, de onde foram novamente expulsos pelo

comandante da praça de Olinda, então uma das mais importante e

florescente vila do Brasil.

A fim de fixá-lo definitivamente na Guanabara, Mém de Sá

concede a Araribóia uma sesmaria situada no lado oposto da

nascente cidade, para de lá proteger a entrada da barra. Este

chefe indígena Temiminó, com que a aliança guerreira foi decisiva

na expulsão dos franceses, é identificado no Auto de Posse desta

sesmaria, datado de 22 de novembro de 1573, como cavaleiro da

Ordem de Cristo (20).

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NOTAS 1- Stephen Howarth. Os cavaleiros templários. Lisboa, Livros

do Brasil, 1986, pp. 218, 219: A década dos trinta tinha sido difícil para os Templários do Oriente. Pedro de Montaigu morrera em 1232; em 1237, mais de uma centena de irmãos de Antioquia tinham sido mortos numa batalha; al-Kamil, o pacífico sultão egípcio morrera em 1238, e em 1239 Jerusalém voltara a ser perdida. [...] Em 1244 apareceram na Palestina homens do Oriente (...) Nem cristãos do Prestes João, nem sequer mongóis de Gêngis, eram turcos khwarismianos, uma tribo deslocada pelas conquistas dos Mongóis. Tinham-se tornado guerreiros errantes em busca de umaterra e estavam dispostos a vender a sua força a quem quisesse comprar. E encontraram comprador no sultão do Cairo. Em 11 de julho de 1244 – menos de um ano depois do profético aviso de Pergors – os khwarismianos atacaram Jerusalém. Só escaparam trezentas pessoas. Enquanto estas fugiam pela estrada de Jafa, a Cidade Santa e a Igreja do Santo Sepulcro ardiam atrás delas, e os ossos dos reis de Jerusalém eram tirados dos túmulos e espalhados. Nunca mais Jerusalém voltaria a brigar um exército templário (...) Os aliados começaram a marchar para sul em 4 de Outubro [de 1244]. Os khwarismianos, deixando Jerusalém a arder, tinham corrido para um encontro com o patrão, o Sultão do Cairo, e os exércitos unidos esperaram em Gaza. Em 17 de Outubro, as duas forças - os Francos e os muçulmanos do Norte, os Khwarismianos e os muçulmanos do Sul - encontraram-se na planície de la Forbie, alguns quilômetros a nordeste de Gaza. Passadas poucas horas, estava tudo terminado. Os aliados do Norte foram destruídos. Cinco mil francos e muçulmanos jaziam mortos lado a lado. Mais oitocentos foram levados como escravos para o Egipto. Dos trezentos templários, só escaparam trinta e três, que regressaram ao Castelo dos Peregrinos. O seu mestre, Armando de Perargors, jazia cego na areia de Gaza. Lenta e agonicamente, o reino de além-mar morria. Mas nos seus castelos e nas suas casas, nos seus campos e nas suas quintas, em Safed e Athlit e em todas as partes da Europa, os Cavaleiros do Templo estavam decididos a que pelo menos a sua Ordem sobrevivesse”.

2- Jean-Jacques Mourreau. Os Cavaleiros Teutônicos. In Corpos

de elite do passado. Lisboa, Ulisseia, s/d, pp. 17/80. 3- Joaquim Veríssimo Serrão. Opus cit. p. 257, v. I: O processo

da Reconquista podia considerar-se encerrado, mas a presença dos Templários em muitos pontos da fronteira garantia a defesa do Reino e o surto regional que ali se promovia. Os cavaleiros do Templo eram, pois, instrumentos da política de consolidação nacional que o monarca queria levar a efeito; e a acção militar constituía o melhor argumentoo em sua defesa. Pelo mesmo critério se afirmou a posição dos reis de Castela e Aragão que, juntamente com D. Dinis, fizeram diligências para evitar que os bens extintos fossem entregues à Ordem do Hospital. Essa decisão não era aceita pelo nosso monarca, porque seria engrandecer a referida Ordem em prejuízo da coroa, tanto mais que os Hospitalários dominavam a fronteira ao sul do Tejo, o que poderia dar origem a graves conflitos senhoriais.

4- In Hélio da Alcântara Avelar - Preliminares Européias;

História administrativa do Brasil, v. I, t. I, Rio de Janeiro, D.A.S.P.- Serviço de Documentação, p. 173: Entretanto, com as sobreditas autoridade e ciência, para sempre decretamos,

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determinamos e ordenamos que o espiritual e tôda jurisdição ordinária e domínio e poder nas coisas espirituais somente nas ilhas, vilas, portos, terra e lugares, adquiridos e por adquirir desde o cabo Bojador e Não até toda a Guiné, e além daquela plaga meridional até aos Indos, havidos e por haver (...) que digam respeito e pertençam no tempo futuro para sempre à supra mencionada Milícia e Ordem (de Cristo). Esta concessão de padroado foi posteriormente confirmada pela bula Aeterni Regis , de Sisto IV, em 21 de junho de 1481.

5- Cf. José Vicente Pinheiro de Melo e Bragança. As ordens

honorificas portuguesas. Disponível em http://www.terravista.pt/Guincho/1147/index.htm.

6- No início do ano de 1555, os indígenas da "nação" Temiminó

foram expulsos da baía da Guanabara por indígenas de outra "nação" Tupí-Guarani, sua inimiga, denominada de Tamoio pelos portugueses e Tupinambá pelos franceses. Eram os Temiminó liderados por Maracajá-guaçú, ou Gato Grande, aliado dos portugueses, que vieram em seu auxílio. Os Temiminó foram então deslocados para a Capitania do Espírito Santo onde foram abrigados em aldeamentos jesuíticos. O Pe. Luís da Grã, em carta datada de 24 de abril de 1555 do Espírito Santo, assim narra este feito. ( In P. Serafim Leite - Cartas dos primeiros jesuítas no Brasil. São Paulo, Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954, pp. 226/7 V. 1: "(...), chegou aqui hum principal que chamam Maracajagaçu, que quer dizer guato grande, que ee mui conhecido dos christãos e mui temido entre os gentios, e o mais aparentado entre elles. Este vivia no Rio de Janeiro e aa muitos annos que tem guerra com os Tamoios, e tendo dantes muitas vitorias delles, por derradeiro veirão-no pôr en tanto aperto con cercas que puserão sobre a sua aldea e dos seus, que foi constrangido a mandar hum filho seu a esta Capitania a pedir que lhe mandassem embarcação pera se vir pello aperto grande em que estava, porque elle e sua molher e seus filhos e os mais dos seus se queriam fazer christãos. (...) Tirou Vasco Fernandez Coutinho sobre isso testemunhas e mandou 4 navios pera que fossem seguros dos francezes, que sempre aa naquelle Rio, e que lhe dessem todo favor con artelharia e mantimento que levavão, mas que não os trouxessem se não estivessem em extrema necessidade. O Pe. Antonio Franco - A vida do Padre Manuel Nóbrega. In Manuel de Nóbrega. Cartas do Brasil, 1549-1560. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo:Edusp, 1988 [1719], p.49 - informa que a razão da animosidade dos Tamoios de São Vicente contra os portugueses deveu-se ao fato destes terem auxiliado os Temiminós: Quando nós começamos a ter guerra com os Temiminós, gente do Gato Grande, os nossos confiados na multidão de nossos inimigos, que eram muito mais do que nós e juntamente inimigos vossos, que tinham mortos muitos de vós outros, se metteram com elles contra nós; mas Deus ajudou-nos e pudemos mais. Os Temiminó eram conhecidos também por "margaiá", "Margajás" ou "maracajás".

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7- Acompanhando Bois-le-Comte, que tinha ido à Europa buscar reforços, estava o cronista protestante Jean de Léry. O outro cronista francês desta invasão ‚ o frade franciscano André Thevet, que veio acompanhando Villegaignon, mas que não mais se encontrava no Brasil quando da chegada de Léry.

8- Enquanto Mém de Sá dirigia-se ao Brasil, faleceu em

Portugal, a 11 de junho de 1557 D. João III, primeiro soberano português a ostentar o título de Grão-Mestre da Ordem de Cristo. Com a morte de D. João III, assume D. Catarina a Regência do Trono português, devido à minoridade do sucessor, seu neto D. Sebastião. Durante o período final da vida deste soberano, a Companhia de Jesus consegue, por obra de Simão Rodrigues, torna-se poderosa em Portugal. Essa rápida acessão foi motivo de conflitos não só com outras instituições eclesiásticas, que não viam com bons olhos a acessão fulminante desta nova Ordem como também dentro da própria Companhia de Jesus. Em 1552, Inácio de Loyola afastou Simão Rodrigues da direção da Companhia em Portugal, substituindo-o pelo Padre espanhol Diogo Miram. Em 1562, D. Catarina abdicou da Regência em favor do Cardeal-Infante D. Henrique, estreitando este os lanços entre os jesuítas e a família real, sendo inclusive um Padre jesuíta, Luís Gonçalves da Câmara, designado como confessor de D. Sebastião (cf. T. Lino de Assumpção, História geral dos jesuítas, Lisboa, Morais Ed. 1982, pp. 437/8/9,455).

9-Carta de Nóbrega ao Cardeal D. Henrique, de São Vicente

datado de 1º de junho de 1560, in Manuel de Nóbrega, opus cit. pp. 226/7.: (...) Estes Francezes seguiam as heresias da Allemanha, principalmente as de Calvino, que está em Genebra, e segundo soube delles mesmos e pelos livros que lhes acharam muitos, e vinham a esta terra a semear estas heresias pelo Gentio a aprendel-as ao mesmo Calvino e outras partes para depois serem mestres, e destes levou alguns a Villagalhão que era o que fizera aquella fortaleza, e se intitulara Rei do Brazil. Deste se conta que dizia que, quando El-Rei de Fran‡ç o não quizesse favorecer para poder ganhar esta terra, que se havia de ir confederar com os Turcos, promettendo-lhe de lhe dar por esta parte a conquista da India, e as naus dos Portuguezes que de lá viessem, porque poderia aqui fazer o Turco suas armadas com muita madeira da terra; mas o Senhor olhou do alto tanta maldade e houve misericordia da terra e de tanta perdição de almas, e mentita est inquitas sibi, e desfez-lhe o ninho e deu sua fortaleza em mão dos Portuguezes, a qual se destruiu o que della se podia derrubar, por não ter o Governador gente para logo povoar e fortificar como convinha. Essa gente ficou entre os Indios, e esperam gente e socorro de França, maiormente que dizem que por El-Rei de França o mandar, estavam alli para descobrirem os metaes que hovessem na terra; assim ha muito Francezes espalhados por diversas partes, para melhor buscarem.

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10- Robert Southey - História do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1981, p. 200, v.1: Desde os tempos da primeira descoberta haviam os franceses frequentado a costa do Brasil; agora tentavam-se estabelecer-se no Rio de Janeiro, capitaneados por Nicolas Durand de Villegagnon (sic), natural de Provença, e cavaleiro de Malta. Era este aventureiro um atrevido e experimentado marinheiro. Quando os escoceses resolveram mandar para França a sua jovem rainha Maria, e com razão se receava que os ingleses a aprisionassem, Villegagnon, que comandava uma esquadra de galés franceses em Leith, fingiu partir para a sua terra; em lugar disto porém deu volta … Escócia, navegação que para aqueles vasos se reputava impraticável, tomou a rainha na costa ocidental, e a salvo a pôs na Bretanha. Em muitas ocasiões dera provas de valor e habilidade, e para soldado daquelas eras tinha o raro mérito de possuir não pequenas dose de instrução. Este homem, por intermédio de Coligny, representou a Henrique II que era da honra e interesse da França empreender uma expedição … América, que tal tentativa distrairia a atenção e debilitaria a força dos espanhóis, que dali tiravam tão avultada parte de suas riquesas; que os naturais gemiam sob o intolerável jugo e que para eles seria um bem, e para o mundo uma glória libertá-los e abrir à Europa o comércio da América. Não sei por que lógica se podia isto aplicar ao Brasil, país que não era da Espanha, nem aos portugueses, povo que não estava em guerra com a França. Tal era contudo o pretexto público e Coligny deixou-se levar a prestar toda a sua influência a este projeto, por lhe prometer Villegagnon em segredo, que abriria na colônia um asilo aos protestantes.

11-Robert Southey, opus cit., p. 205: Mas Villegagnon era um vil,

traidor, e enganara Coligny. O zelo que inculcava pela religião reformada, mentido era para apanhar ao almirante o seu dinheiros e o seu crédito; conseguindo isto, e parecendo-lhe de maior vantagem seguir a parcialidade oposta, ou comprado como se diz pelo cardeal Guise, tirou a máscara, desaveio-se com os ministros huguenotes, e com tanta tirania e intolerância se houve, que os que tinham emigrado para a França Antártica a gozar de liberdade de consciência, acharam-se sob um jugo mais ferrenhis do que na pátria os oprimia.

12- Hebert Ewaldo Wetzel. Mém de Sá, terceiro Governador-

Geral (1557-1572). Tese de Doutorado na Faculdade de História Eclesiástica da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, 1972 p: 70/78: Antes de chegar ao Brasil, Villegaignon já havia publicado dois livros, mas apesar de sua inclinação à vida intelectual, preferiu a carreira das armas, entrando na ordem militar de S. João de Jerusalém, também chamada Ordem Equestre de Malta. Por sua filiação a essa Ordem, Villegaignon passou a ser chamado por alguns "O cavaleiros de Malta". Ele era sobrinho de Villiers de I'Isle Adam, Grão-Mestre da Ordem.(...) Villegaignon era cavaleiro da Ordem de S. João de Jerusalém (Hospitalário) aos quais pertencia a ilha de Rodes até 1522 quando os Turcos a tomaram. Os Hospitalários retiraram-se então para a ilha de Malta. Por isso Villegaignon ‚ chamado cavaleiro de Rodes ou também de Malta.

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13- Bibl. de Évora, cod. CVIII/2-2, f. 4v-5. 2§ tomo das Cartas da Europa: Quadrimestre de Paris, escrita a seis de março de 1560, por Nicolau Liatrão Paredense. Códice que pertenceu ao Colégio de Coimbra. In Herbert Wetzel, opus cit. pp. 77/8: Por muitas vias se nos vão acrescentando as esperanças de alevantarmos muito cedo Colégio, por meio de um cavaleiro principal de Rodes, homem assim nas letras gregas e latinas como em virtudes assinalado, o qual haver cinco anos que, por mandado do Cristianíssimo Rei, foi à Ilha América para conquistar. 40) E conquistando perto de duzentas léguas, parte com boas obras que fazia, parte à força de armas, haver três meses que chegou, não com outro intento senão buscar Bispo e sacerdotes para cultivar esta Ilha e reduzirem a nossa santa Fé. O Ilustríssimo Cardeal Lotarigiense, lhe prometeu que lhe daria alguma gente da nossa Companhia. 41) Com esta confiança veio este cavaleiro a Paris. (...). Em América há assaz grande lugar, e acomodado, para se exercitarem nossos ministérios. Há perto de duzentas léguas, onde há muitos infiéis, que se podem reduzir ao grêmio da igreja, nem faltam lá mancebos franceses, que entendem já a língua da terra, os quais nos podem servir, na obra do catecismo, de intérpretes, como tenho entendido de um deles que de lá veio. As naus se ficam aviando em um porto daqui perto. 42) O nome deste Cavaleiro é Nicolau Villegaignon. Rogue Vossa Reverência ao Senhor que mande operários para sua messe".Desta maneira não tem nenhum sentido afirmar que Villegaignon teria abraçado o protestantismo quando da invasão à Guanabara, voltando ao catolicismo posteriormente. Devemos observar ainda que quando da sua chegada a América, em 1555, estava não só acompanhado de um frade franciscano, Thevét, como de uma guarda pessoal de soldados escoceses (cf. nota de Milliet, in Lery, opus cit, p. 38) súditos da rainha católica Maria, salva por Villegaignon. Observa também Wetzel (idem, p.78), que o próprio Anchieta não desconhecia a condição de Cavaleiro católico do almirante francês, pois em uma das suas cartas informa que: "De Nicolau de Villegaignon afirmavam todos eles ser católico e muito douto e grande cavaleiro".

14- Herbert Wetzel, opus cit. p. 78: "A proposta de Villegaignon não

foi aceita pelo Pe. Geral. Os fatos vieram a comprovar o acerto de sua decisão, pois a essa data já a armada de Mém de Sá ancorava na Guanabara e com ela o Pe. Nóbrega. De Roma escrevia o Geral Laynez ao Provincial de Portugal, a 18 de abril de 1561: "En lo de aquel cavallero de Rodas, y la empresa de América no hay más que tratar. Émonos consolado no poco con lo que scriven del Brasil acerca de aquella gente que tenia tomado la fortaleza ..." (Archivum Romanum Societatis Jesu, Roma, Hisp. 66, f. 169r".

15- Herbert Wetzel - Opus cit., p. 94. 16- Ibidem, p. 100. 17- Há muitas controvérsias a respeito da origem de

Araribóia. Diversos autores o considera como filho do

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chefe temiminó Maracajá-guassú, o Gato-grande, tendo nascido na atual Ilha do Governador por volta de 1523, sendo então batizado na cap. de São Vicente em 1530, tendo como padrinho o donatário desta capitania, Martins Affonso de Souza, de quem adotou o nome. Porém Serafim Leite (História da Companhia de Jesus no Brasil, 1945, p. 240 t. VI) contesta esta versão, observando que as fontes documentais são omissas em relação ao batismo de Araribóia, inclusive quanto a sua ida à Guanabara em 1560, acompanhando Mém de Sá, afirmando que: mas se estêve, foi como soldado anônimo, não como chefe. Concordamos somente com Serafim Leite somente em relação ao batismo. Porém, constatamos na primeira referência documental feita a Araribóia‚ a carta do Pe. Pedro da Costa, que era ele o chefe da aldeia de São João. Cf. in Azpicueta Navarro. Cartas avulsas. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1988, pp. 482/9), datada de de 27 de julho de 1565: (...); trouxe também o Padre (Braz Lourenço) por companheiros o padre Diogo Jacome e a mim, pera acudirmos as necessidades das almas destes Indios, entre os quaes havia já duas egrejas feitas, scilicet: na aldêa do Gato uma de Nossa Senhora da Conceição, e na aldêa de Arariboi outra de S. João.

18- Herbert Wetzel, opus cit. pp. 123/4: "A condecoração era dada por

expressa vontade real, mesmo se o requerente (Mém de Sá ) talvez não preenchesse todas as exigências: "posto que o Governador não justificasse as calidades que lhe era necessário ter para ser recebido na dita Ordem, porquanto me está ora servindo nas ditas partes do Brasil" (Arq. Nac. da Torre do Tombo, Chancelaria da Ordem de Cristo, livro 1§, f. 16v; publ. por Sousa Viterbo in O Instituto 43, [1986] 342-343). A carta em favor de Estácio ‚ quase do mesmo teor e vem dirigida ao Governador Geral "Frei" Mém de Sá cavaleiro da dita Ordem para lhe impor o hábito de noviço da Ordem de Cristo, em nome do rei. (Arq. Nac. da Torre do Tombo, Chancelaria da Ordem de Cristo, livro 1§, f. 17; publ. por J. Veríssimo Serrão in O Rio de Janeiro II 54) Declara que o interessado não justificava os títulos e qualidades que requeria. Mas atendendo aos serviços prestados à Coroa, e aos que de futuro ainda viesse a prestar, era-lhe concedido a honrosa mercê".

19- Pero Rodrigues. Vida do Padre José de Anchieta da Companhia

de Jesus. São Paulo, Loyola, 1978, p. 68: Sempre em guerras e batalhas, entre os soldados de nome e valor se acha algum mais assinalado e conhecida vantagem, e que mostra seu ânimo em algum feito de armas dificultoso, e alcançava a vitória não esperada. Tal foi um índio cristão em tôdas estas guerras, contra francêses e Tamoios, de cujo esfôrço confessaram os Capitães portuguêses ser tão levantado, que sem êle nunca se tomara o Rio de Janeiro, de modo que se pode chamar honra dos índios cristãos do Brasil. Chamava-se pelo nome português Martim Afonso de Souza, e pelo da terra Ararigboia.

20- Auto de posse da sesmaria de Martim Affonso de Souza. In Joaquim Norberto de

Sousa e Silva. Memória histórica e documentada das aldêas de índios da Província do Rio de Janeiro. Rev. do IHGB. Rio de janeiro, 17 (15), 3º trim. 1854, pp. 307/8: Saibam quantos este publico instrumento de posse de terras de sesmaria dada por

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mandado e autoridade de justiça virem, que no anno do nascimento de nosso senhor Jesus Christo de 1573 annos, aos vinte e dous dias d'este presente mez de Novembro d'esta presente éra da banda d'além d'esta cidade de S. Sebastião d'esta capitania e governação e bahia d'este Rio de Janeiro, terras do Brazil, no termo d'ellas, nas terras que dizem ser a escriptura e carta dada atraz, que o governador o general Mendonça a Martim Affonso de Souza, cavalheiro da ordem de Christo, e logo ahi, por este dito Martim Affonso, foi dito a mim publico tabellião e ao porteiro mestre Vasco, e perante as testemunhas, que ao todo foram presente, que o dito governador lhe deu de sesmaria para elle e para seus ascendentes e descendentes, ahi aonde estava uma legua de terras e duas para o sertão, a qual logo começaria das barreiras vermelhas que estão defronte d'esta dita cidade indo pelo rio e bahia correndo em comprimento da dita legua e duas para o sertão a dentro, conforme a doação e demarcação em elle conteúdo; pelo dito porteiro Mestre Vasco, e ante mim, deu posse da dita legua de terras de comprimento, e para o sertão duas leguas, conforme a dita carta, e que esta dita terra depois se demarcar com quem de direito deva fazer, porquanto o sr. governador capitão Christovam de Barros, que de presente está, manda metter de posse da dita terra conteúda com a dita carta. E logo o dito porteiro mestre Vasco, perante mim tabellião e governador e testemunhas ao diante nomeadas, metteu em a mão do dito Martim Affonso de Souza terra, pedras, arêa e ramos, e lhe deu posse pessoal, actual e realmente da dita legua de terras em comprimento ao longo do dito rio e bahia, e duas para o sertão conforme a dita carta atraz, dentro dos limites d'ella para elle e seus herdeiros ascendentes e descendentes sem contradicção de pessoa alguma que até ahi contradissesse conforme a dita carta actualmente, e o dito Martim Affonso acceitou a dita posse, e se ha por investido n'ella, tomando sobre suas mãos a terra, pedra, arêa e ramos que o dito porteiro deu, e depois de os ter andou passeando pela dita terra e com suas proprias mãos tomou por si a terra, pedras arêas e ramos, se houve por mettido de posse da dita terra conteuda na dita carta, e lhe foi dada a dita posse pacificamente, do que o dito Martim Affonso de Souza requereu a mim tabellião lhe mandasse passar instrumento de posse nas costas da dita carta e dada da dita terra para ele saber como assim lhe fôra dada a dita posse, o qual instrumento della passei para sua conservação e verdade da dita carta atraz de instrumento de dada atraz por verdade do despacho em ella atraz do dito sr. governador, porque manda que seja o dito Martim Affonso de Souza mettido de posse da dita terra. Testemunhas que ao dito foram presentes Miguel Barros Seabra, o dito governador e o reverendo padre Gonçalo de Oliveira, procurador do collegio d'esta cidade, aonde todos assignaram com o dito porteiro em esta dita cidade, aonde este dito instrumento passei aos 27 dias do mez de Outubro da sobredita éra por mandado do dito governador sem causa que duvida faça, e aqui assignei de meu publico signal que tal é, etc.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A partir da análise interdisciplinar de fontes diversas,

demonstramos aqui o conhecimento, ainda em tempos medievos, por

parte da Coroa de Portugal, não só do continente americano, como

também do perfeito posicionamento de pontos do litoral brasileiros,

referenciais para a navegação no Atlântico Sul. Do mesmo modo,

demonstramos que estas determinações geográficas exigiram a

presença de astrólogos doutos, únicos capacitados então, a realizar

as observações astronômicas necessária.

Relacionado à memória indígena da presença destes

astrólogos ao Sumé, personagem mitológico Tupi, e considerando o

histórico das ordens monásticas militares, reputamos a monges

templário a responsabilidade por tais observações e cálculos.

Recebedora destas informações através da Ordem de Cristo, a Coroa

de Portugal pode então dominar a arte de navegar no Atlântico Sul,

imprescindível para a conquista do Índico.

Assim, consideramos que o descobrimento do Brasil foi, na

verdade, um ato de revelação do já há muito conhecido, feito em um

momento preciso dentro de uma estratégia voltada para a construção

de uma nova ordem geopolítica ocidental a partir do deslocamento do

eixo marítimo mercantil Índico-Mediterrâneo para o Índico-Atlântico

Sul.

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Observando que a ação naval portuguesa no Índico dirigia-

se primordialmente para o bloqueio do Mediterrâneo, atingindo

diretamente os interesses de Veneza e da Ordem do Hospital de São

João de Jerusalém, ou Ordem de Malta, concluímos que a invasão

francesa quinhentista à Guanabara foi uma tentativa frustrada do

frei hospitalário Villegaignon de instalar uma base de operação

naval da Ordem de Malta no Atlântico Sul. Assim, consideramos este

embate entre portugueses e franceses na disputa da Guanabara como

desdobramento do conflito iniciado em tempos cruzadísticos entre

as duas mais importantes ordens monásticas militares, a Ordem do

Templo, representada então por sua sucessora, a Ordem de Cristo, e

a Ordem do Hospital.

Procuramos aqui, deste modo, fazer frente à questão do

papel da Ordem de Cristo nos descobrimentos ibéricos. Apesar de

sempre apontada, os historiadores, em geral, tem se esquivado ou

abordado de forma superficial esta questão crucial (1). Por outro

lado, sabemos que ao correlacionar a Ordem de Cristo como

detentora e transmissora à Coroa do conhecimento pré quinhentista

do Novo Mundo estamos entrando em um terreno escorregadio, onde

não é possível encontrar o seguro respaldo das fontes documentas

primárias. Deste modo, apesar de julgar que a comprovação do

prévio conhecimento do Brasil esteja aqui solidamente demonstrada,

reconhecemos que os modelos decorrentes desta hipótese central

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apóiam se, principalmente, no contexto geopolítico que antecede

aos descobrimentos ibéricos, o que os coloca, inevitavelmente mais

vulnerável a críticas e revisões. Por outro lado, recordamos que o

conhecimento acadêmico não se apóia mais nos princípios

positivistas das certezas, mas em uma constante revisão de

pressupostos teóricos hipotéticos (2).

Assim, a contextualidade geopolítica aqui apontada nos leva

ainda a algumas considerações sobre a obscura relação da Ordem de.

Cristo com a Coroa de Portugal. Inicialmente, acreditamos que,

apesar de bem sucedida na aliança com a Coroa de Portugal no

projeto da implantação de uma nova ordem geopolítica ocidental,

a Ordem de Cristo, como instituição monástica militar, acabou

por sucumbir, ainda no século XVI, frente às pressões do

crescente processo de centralismo da Coroa de Portugal, onde

havia espaço para uma ordem militar ressurgir com tamanha

importância e poderio econômico. Aos poucos esta Coroa foi

cerceando e podando a autonomia de origem templária da Ordem de

Cristo, submetendo-a ao poderes monárquicos.

Conforme visto, a relação da Ordem de Cristo com os

descobrimentos portugueses tornar-se explícita ao assumir o

Infante D. Henrique a administração desta ordem monástica que, a

partir de então, passa a ser governada de forma hereditária pela

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Casa Real. Contudo, permanece ainda obscuro o nível de gerência

que os infantes mestres teriam sobre a ordem. Para diversos

historiadores, como Joel Serrão, D. Henrique, por não ter sido

monge, não assumiu o mestrado, mas sim o governo da Ordem de

Cristo (3). Realmente, através da obra Definições e estatvtos dos

cavalleiros & freires da Ordem de N. S. Iesu Christo, com a

historia da origem, & principio della observa-se que, quando o

Infante assume a administração da Ordem de Cristo, esta não tinha

passado ainda por nenhuma reforma na sua estrutura monástica

original que permitisse a um leigo o controle total da ordem.

Inegavelmente, a introdução da Família Real nesta ordem monástica

dá-se de uma forma muita estranha e, para nós, ainda

inexplicável. Por outro lado, parece-nos que houve uma divisão,

mesmo que informal, do poder temporal e espiritual dentro da

Ordem. Apesar da introdução do Infante e seus sucessores na

administração da ordem, os freires estariam vinculados no

religioso, não a estes mestres, mas ao prior do convento de

Tomar.

D. Henrique transfere a administração da Ordem de Cristo de

forma hereditária a seu sobrinho dileto D. Fernando. Este, por sua

vez, era pai de D. Diogo, duque de Viseu, e de D. Manuel, duque de

Beja. Com a morte de D. Fernando e com a menoridade D. Diogo assume

interinamente o mestrado nada menos que sua mãe, D. Beatriz. Apesar

de autorizada por bula papal, a administração feminina e leiga

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desta ordem monástica demonstra claramente que este mestrado vinha

sendo então exercido de forma anômala (4). Após atingir a

maioridade, assume D. Diogo o mestrado da Ordem de Cristo.

Envolvido em uma conspiração contra D. João II, seu primo e

cunhado, D. Diogo é assassinado pelo rei. O mestrado é então

transferido para D. Manuel, Duque de Beija, irmão do finado duque.

Apesar de ter assassinado seu primo D. Diogo, mestre da

Ordem de Cristo, a nosso ver é no reinado de D. João II que a

sucessora templária alcança sua importância maior na aliança com a

Coroa. Mascarenha Barreto, acredita, inclusive, que a chegada de

Colombo, segundo ele um judeu português, "às índias" foi um

estratagema engendrado pela Ordem de Cristo e por D. João II, com

intuito de enganar os reis de Espanha. Ao acreditar ter tido a

primazia na chegado ao Oriente, o rei de Aragão, D. Fernando, na

sofreguidão de obter do papa espanhol Alexandre VI, seu aliado, a

concessão exclusiva do acesso ao Oriente pelo Ocidente, não se

apercebeu que era vítima apenas de um blefe na jogada real de D.

João II (5). Ao considerar as incoerências por nós apontadas, que

cercam a viagem descobridora de Colombo e a conjuntura política na

segunda metade do quatrocento, vemos que a hipótese de Mascarenhas

Barreto não é de toda improcedente.

O problema da concorrência castelhana estaria, a princípio,

resolvido com a aliança matrimonial acordada em 1468 entre o rei de

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181

Portugal, Afonso V, o Africano, e de Castela e Leão, Henrique VI.

Na falta de um sucessor varão, pretendia o rei castelhano casar sua

irmã, D. Isabel, com o rei português Afonso V e sua filha, D.

Joana, a Beltraneja, com D. João, filho e sucessor de Afonso V,

além de primo da princesa castelhana. Deste matrimônio nasceria o

herdeiro do trono unido de Portugal, Castela e Leão. D.Isabel,

contudo, casa secretamente com D. Fernão, herdeiro do trono de

Aragão, e, após a morte de seu irmão, em 1474, reivindica o trono

do maior reino da Península Ibérica. Contando com o apoio de Aragão

e da nobreza castelhana, que acreditava ser D. Joana fruto de uma

relação adulterina de sua rainha, por sua vez irmã do rei de

Portugal, Isabel derrota as pretensões portuguesas à união com

Castela ao assumir o trono deste reino em 1476, após combater as

tropas de Afonso V na Batalha de Toro (6). Em 1479 D.Fernão assume

o trono de Aragão, dando início ao processo formador do reino de

Espanha, fruto da unificação dos reinos de Leão, Castela e Aragão.

Ainda neste mesmo ano de 1479, os reis espanhóis reconhecem,

através do Tratado de Alcáçovas, o direito de Portugal à posse das

terras a serem descobertas ao sul do Bojador, recebendo em troca as

estratégicas Ilhas Canárias, então pertencentes ao reino de Afonso

V. Satisfeitos com a obtenção das Canárias, aparentemente uma

grande vitória diplomática, os Reis Católicos não se aperceberam

que ao Tratado de Alcáçovas se complementava a concessão papal à

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182

Ordem de Cristo do padroado religioso das terras a serem

descobertas, também a partir do cabo Bojador, em 1456. Não se

aperceberam ainda que nem o Tratado nem a bula Inter coetera

limitavam a extensão dos domínios ao sul do Bojador. Como a Terra

tem forma esférica, entregava-se assim aos domínios, agora

associados, de Portugal e da Ordem de Cristo todas as terras e

mares situados em latitudes mais meridionais do que a do Cabo

Bojador. Seja para leste, seja para oeste.

Como as navegações portuguesas estavam inicialmente

voltadas exclusivamente a exploração do continente africano, esta

política expansionista, a princípio, não despertava maiores

temores àqueles que detinham os interesses maiores do tráfico

mediterrâneo. Porém, qualquer suspeita sob a intenção de Portugal

de estender suas conquistas para o Oriente traria, como

conseqüência, ações adversa, engendradas pelas potências

interessadas na manutenção da rota tradicional.

Assim, D. João 11, após o ponto extremo meridional de o

continente africano ter sido atingido, em 1488, necessitou esperar

por uma conjuntura política, mais favorável para a ultrapassagem

este continente. Paralelamente colocou em curso uma nova

política de aliança matrimonial com Espanha, que deveria

resultar na união dos reinos ibéricos sob a égide de Portugal.

Negociou assim o casamento, ocorrido em 1490, de seu filho D.

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183

Afonso, príncipe herdeiro, com D. Isabel, filha dos Reis Católicos

e herdeira do trono de Espanha. Contudo, pouco mais de um ano após

este enlace matrimonial, esta nova tentativa se mostrou

infrutífera devido à morte inesperada do príncipe D. Afonso, sem

gerar herdeiro no ventre de sua jovem esposa, D. Isabel.

Dentro desta conjuntura política desfavorável a Portugal, o

descobrimento de Colombo fez com que os reis de Espanha

acreditassem ter antecedido os portugueses na chegada ao que seria

o Oriente, e, contando com um aliado também espanhol no trono

papal, acreditavam igualmente que a Espanha dominaria o comércio de

especiarias orientais, independente da rota usada, mediterrânea ou

atlântica.

Após tensas e intensas negociações, Portugal torna-se

signatário do Tratado de Tordesilhas, onde Espanha, acreditando ter

já Colombo atingido Cipango e sem atentar para a possibilidade de

ultrapassagem do continente africano, concedia ao rival ibérico o

monopólio do comércio com os principais centros de produção e

distribuição de especiarias orientais (7). Compreende-se, assim, a

razão por que, para alguns de seus contemporâneos, o feito de

Colombo encerrava-se numa atmosfera de dúvidas e suspeitas,

conforme expressa o sábio quinhentista Pedro Mártir de Angletería,

em sua obra "Orbo Novo" (8). Assim, a hipótese de Mascarenhas

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184

Barreto, independente da discussão sobre a origem étnica ou

nacionalidade de Colombo, insere-se perfeitamente dentro da

conjuntura por nós levantada. Por outro lado, não reconhecer a

procedência desta hipótese implica em aceitar uma série de felizes

coincidências. A primeira seria a descoberta, por parte de Colombo,

das correntes que permitiriam a navegação de ida e retorno da

América por mero acaso. Do mesmo modo, por acaso, D. João II, em

conseqüência do descobrimento de Colombo, teria intuído um valor em

longitude que permitiria o perfeito controle do Atlântico sul, ao

mesmo tempo em que o engano de Colombo viria, também por acaso,

facilitar o domínio do Índico, ao desviar a atenção da ação

portuguesa.

Em 1495, pouco mais de um ano após da assinatura do Tratado

de Tordesilhas, D. João II veio a falecer, deixando vago o trono de

sucessor direto, devido à morte inesperada do Príncipe D. Afonso.

Devido a uma série de infortúnios na linha sucessória, a

responsabilidade do trono português caiu então sobre os ombros

daquele ao qual, a princípio, não estava reservado - D. Manuel,

primo de D. João II, Duque de Beja o governador da Ordem de Cristo.

Aquele que seria conhecido posteriormente como o Venturoso

põe em curso a estratégia de conquista do índico e, paralelamente,

inicia um processo de descaracterização da Ordem de Cristo como

instituição monástica. Assim, por sua intervenção, o papa Alexandre

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VI, em 1496, transforma o voto de castidade dos comendadores e

cavaleiros em voto de fidelidade conjugal. Ao mesmo tempo, D.

Manuel negocia com os Reis Católicos seu casamento com D. Isabel,

viúva do malfadado príncipe D. Afonso e herdeira do trono de

Espanha, numa nova tentativa da união dos reinos ibéricos sob a

égide de Portugal.

No ano seguinte, em 8 de julho de 1497, partia de Lisboa uma

pequena frota, sob o comando de Vasco da Gama. Após ter abordado

corretamente as Correntes do Brasil e da Malvinas, em maio de 1498

chegava ao porto de Calicute, na verdadeira índia (9). Enquanto

Vasco da Gama encontra-se a caminho do Oriente, D. Manuel casa com

D. Isabel. Quando o navegante português encontrava-se ainda nas

índias, a rainha de Portugal morre ao dar a luz ao herdeiro dos

reinos ibéricos, D. Miguel.

Somente com a "descoberta" do Brasil por Cabral, o Velho

Mundo constata que Colombo teria chegado não ao Oriente mais sim a

um Novo Mundo. Todavia, dois meses após Cabral ter aportado em

Porto Seguro, o imponderável mais uma vez interfere

desfavoravelmente às pretensões portuguesas de unir a Península

Ibérica sob sua Coroa, ao falecer em Granada o príncipe herdeiro,

D. Miguel da Paz. D. Manuel ca5a então com sua cunhada, D. Maria,

que concebe o príncipe D. João, herdeiro somente do trono de

Portugal, já que os direitos sucessórios do trono de Espanha

passaram então para outra filha dos Reis Católicos, D. Joana, a

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Louca, casada com Felipe I, Habsburgo, filho e sucessor de

Maximiliano, Imperador do Sacro Império Romano Germânico.

Apesar de ter conseguido em 1505, através de bula papal de

Júlio II, que os freires, comendadores e cavaleiros pudessem testar

os seus bens (10), D. Manuel sabia que estas reformas não seriam

ainda suficientes para anular os poderes do prior de Tomar sobre os

freires professos e o Padroado das terras descoberta. Após a

conquista do Oriente, D. Manuel procura junto ao papa Leão X

limitar os poderes do Padroado da Ordem de Cristo. Em 1514 obtém

finalmente, através da bula Pro excellenti praeminetia, a

instituição do Padroado Real, que retirava no ultramar o poder

desta ordem sobre o eclesiástico, colocando-o sob a autoridade

monárquica. Contudo, para frustração do Venturoso, Leão X limitou o

poder real sobre o eclesiástico somente às terras descobertas a

partir de 1512. O Brasil, assim, permanecia sob o poder da Ordem de

Cristo no eclesiástico (11).

Pouco após ascender ao trono, o filho e sucessor de D. Manuel, D.

João III, é elevado ao cargo de Governador e Administrador da Ordem

de Cristo através da bula Eximiae devotionis, datada de 14 de março

de 1522. As duas outras ordens monásticas militares sediadas em

Portugal, Santiago de Espada e Avis, estavam então unidas sob o

mesmo mestrado. Com a morte de Frei Jorge, seu mestre, através da

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187

bula Praeclara charissima in Christo, datada de 4 de janeiro de

1551, o papa Júlio III une os mestrado das ordens de Cristo, Avis e

Santiago, transferindo ao monarca português o controle total das

ordens militares portuguesas (12).

O filho d´ O Venturoso, D. João III, retoma a política de

seus antecessores de alianças matrimoniais com a Coroa de Espanha.

Acorda então casar com a irmã de seu primo, filho e sucessor de

Felipe I. Carlos V, por sua vez, casa com a irmã do monarca

português. Dos nove filhos que teve com D. Joana, a irmã de Carlos

V, nenhum estava ainda vivo quando D. João III morre em 1557. Um

deles, porém, D.João, havia gerado o sucessor do trono português.

Fruto de seu casamento com sua prima, filha de Carlos V, igualmente

chamada Joana, nasce D.Sebastião, em 1554, dias após o falecimento

de seu pai. Após a regência de D. Catarina e o Cardeal D. Henrique,

D. Sebastião assume o trono em 1568, com 14 anos de idade.

Imbuído por um anacrônico espírito cruzadístico, D. Sebastião

lança-se ao combate contra os infiéis no norte da Africa. Alcácer-

Quibir, em 1578, representa o fim desta aventura juvenil e da

Dinastia de Avis, morrendo D. Sebastião sem deixar descendente.

Reassume o trono então seu tio, o Cardeal D. Henrique, já bastante

idoso. Abre-se assim um vácuo sucessório onde seis pretendentes

alegam direitos à sucessão do trono de Portugal, dentre os quais o

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rei de França, Henrique III, que reivindica o direito à Coroa pela

ascendência de sua mãe, Catarina de Médici. Quando da morte do

Cardeal-Rei, em 1580, a disputa sucessória estava restrita a D.

Antonio, filho bastardo do Infante D. Luís, e Felipe 11, rei de

Espanha. D.Antonio, freire-prior dos hospitalários em Portugal,

decide ocupar o trono pela força das armas. Felipe II respondeu

invadindo Portugal. Após derrotar os exércitos de D. Antonio,

Felipe 11, em 1581, assume o trono de Portugal, consagrado rei

pelas Cortes reunidas em Tomar, coração templário deste Reino(13).

D. Antonio procura aliança em França, negociando com Catarina de

Médici o apoio de uma esquadra, em troca da entrega do Brasil à

Coroa de França. Contudo, a força naval francesa é derrotada nos

Açores em 1582, pondo fim a mais esta associação franco

hospitalária de domínio do Brasil (14).

Ainda não foram desvendadas as possíveis implicações da

Ordem de Cristo com o afastamento do prior hospitalário, D.

Antonio, do trono de Portugal e, conseqüentemente, o

estabelecimento da União Ibérica.

Após as reformas referidas, a Ordem de Cristo é

descaracterizada como instituição monástica, passando a abrigar na

só os freires como também leigo, que obtinham o título de cavaleiro

como recompensa a serviços militares prestados à Coroa, conforme

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ocorrido com o índio Araribóia. Contudo, mesmo descaracterizada

como uma ordem exclusivamente monástica, durante a vigência do

padroado da Ordem de Cristo, a Ordem Dominicana se viu impedida de

se estabelecer no Brasil. Certamente, devido ao fato dos

dominicanos na França, sob as ordens de Nogaret, terem submetidos

os templários a terríveis torturas, a fim de obter as confissões de

culpa necessárias para a abertura do processo de extinção da Ordem

do Templo.

Com a independência do Brasil, o Padroado religioso desliga-

se do mestrado da Ordem de Cristo, ficando sob a alçada direta do

Imperador. Pouco depois, em 1834, a Ordem de Cristo é extinta em

Portugal. A comenda da Ordem de Cristo é hoje, simplesmente, uma

condecoração honorífica da República portuguesa.

Já a grande rival templária existe até o presente. Porém,

não mais como Ordem de São João de Jerusalém, mas como Soberana e

Militar Ordem de Malta (SMOM). Após ser expulsa da ilha de Malta

por Napoleão,em 1798, instalou sua sede em Roma, no Palazzo Malta.

Reconhecida como entidade juridicamente soberana não só pela Santa

Sé como por diversos Estados e instituições internacionais, mantém

representações diplomáticas e reconhecidas atividades nas áreas

médica e assistencialista em diversos países. Contudo, algumas

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organizações denunciam que estas atividades humanitárias encobrem

atividade política ligada à extrema direita

Assim, apesar de não pretender aqui fazer ressurgir a"teoria

conspiratória", consideramos como ingenuidade acreditar que o

processo histórico possa ser recuperado pelo explicitamente

registrado e documentado. Em diversas ocasiões, a pesquisa

histórica aproxima-se a investigação detetivesca, onde pequenos

indícios são fundamentais na reconstrução dos momentos onde impera

o silêncio das fontes documentais.

Deste modo, não temos receio em afirmar de ser inconcebível

delegar a uma sucessão de felizes acasos as razões que

possibilitaram ao pequeno reino de Portugal ter realizado não só a

verdadeira epopéia dos descobrimentos como ter construído, em

poucas décadas, um dos maiores impérios coloniais. Se as razões

aqui apresentadas não vierem de todo a satisfazer o arguto espírito

crítico dos notórios historiadores especialistas no tema, que, pelo

menos, seja-nos reconhecido o mérito da demonstração de não ser

mais possível vislumbrar este ponto crucial da história focado na

perspectiva do fortuito e do intuitivo.

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NOTAS 1- A maioria das obras que aborda a relação dos templários com os descobrimentos portugueses segue uma linha mística. Acreditamos que esta forte associação com o esotérico seja uma das principais razões que tem afastado os pesquisadores acadêmico de tal tema. Como os arqueólogos estão normalmente mais acostumados a dividir um campo de estudo comum com os esotéricos, acreditamos que esta nossa formação acadêmica tenha nos ajudado a superar tal barreira. O livro de Antonio Telmo, História secreta de Portugal, Lisboa, Veja, s/d, é um exemplo de obra de cunho místico sobre este tema.

2-John Ziman. Conhecimento público. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Edusp, 1979 pp. 69: Para algumas pessoas, as palavras "científico" e "não-científico" acabaram por significar simplesmente "verdadeiro" e ''falso'' ou "racional" ou "irracional" (...) Para entendermos o conhecimento científico precisamos entender não apenas a ignorância científica como também o erro científico(...) Esse fenômeno, perfeitamente familiar aos cientistas que exercem a par da história da ciência, situa-se fora do escopo da metafísica positivista, cuja fragilidade fica, em conseqüência, exposta em toda a sua nudez. Deste modo, a apresentação de um modelo hipotético não implica em acreditar na sua inquestionalidade, mas exprimir a melhor construção teórica possível em função dos dados então disponíveis. Passível, portanto, de sucessivas revisões, a crítica a um modelo hipotético implica, por sua vez, na apresentação de um outro melhor construído, ou respaldado por dados mais consistentes.

3- Joel Serrão. Dicionário de História de Portugal. Porto, Livr. Figueirinha, 1981, v. 1, p. 236: É bem conhecida a actuação da Ordem de Cristo nos Descobrimentos e nas conquistas, sobretudo por influência do administrador (e não mestre, como se diz correntemente), o infante D. Henrique.

4- Definições e estatvtos dos cavalleiros & freires da Ordem de N. S. Iesu Christo, com a historia da origem, & principio della. Lisboa, Pedro Craesbeeck, impressor de Rey, 1628. TITVLO 111. Dos Mestres que ate agora ouue nesta Ordem de Christo, p. 62: O décimo foy o ditto dom Diogo, &por ser de pouca idade, gouemou por elle o Mestrado a lffanta dona Beatriz sua mãy por Bulla Appostolica, de consentimento de el Rey dom Alfonso o quinto.

5-Alfredo Mascarenhas Barreto. O português Cristóvão Colombo: agente secreto do rei D. João II. Lisboa, Referendo, 1988, pp. 80/1: Em 1484, declarou-se a guerra civil em Granada. Seria o momento asado (sic) para os Reis Católicos conquistarem todo o sul de Espanha. Dom João II de Portugal teve de tomar uma resolução definitiva: a sua escolha recaiu sobre um mancebo,

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intimamente ligado à Ordem de Cristo e, resumivelmente, à família real; que já navegara da Mina e dos Açores para Ocidente e comparticipara na expedição marítima luso-dinamarquesa; que tivera relações directas com os banqueiros de Génova; que se insinuaria genovês, mas sempre ocultando o nome da terra onde nascera e o dos próprios pais; que, usando um símbolo cabalístico, se assinaria com o seu próprio nome, mas transformado em Cristóbal Colón (...) Cristóbal Colón, maravilhoso actor, gritava aos sete ventos a teoria, atribuída a Toscanelli, de que existia uma passagem praticável, para o Japão e para a Índia e, até o fim da sua vida, mesmo depois de provada a intransponibilidade dessa barreira terrestre - o Panamá- , ainda insistiria, ameaçando de morte quem o contradissesse. (...) Ora, a Cristóbal Colón não faltava inteligência nem o conhecimento geográfico; não enfermava de demência, conquanto às vezes, quando lhe convinha, a simulasse por defesa: apenas se mantinha obstinadamente fiel, ao juramento feito, ao segredo do princípio templário - "Sigillum Militum Christi". O Rei Don Fernando, na sofreguidão de obter do Papa a concessão do acesso ao Oriente, pelo Ocidente, nem sequer se apercebeu de que a apregoada frota, armada em frente de Lisboa Jamais aparelhava para largar do Tejo. Apenas fora um "bluff" na jogada real de Dom João II

6-Cf. João Ameal, História de Portugal. Porto, Tavares

Martins, 1974, pp. 217/21. 7- O que passou despercebido à Coroa de Espanha é que o tratado por ela estabelecido com Portugal definia um limite longitudinal não só no Atlântico como também no índico, pois, dada à esfericidade da Terra, a extensão da área de domínio de cada Coroa estaria assim definido pelo contra meridiano, o que colocava os principais centros distribuidores de especiarias, como as Molucas, nos domínio de Portugal. Assim, a sofreguidão de D. Fernando de querer preservar para Espanha a maior parte das "índias" descobertas por Colombo não o fez perceber que, na realidade, a maior parte da verdadeira Índia estava sendo entregues aos domínios de Portugal e ao padroado da Ordem de Cristo.

8- J. Herrs. Cristóbal Colón. México, Fondo de Cultura Económi co, 1992,

P . 15 : . EI libro de Pedro Mártir de Anglería, italiano septentrional, humanista que sentía curiosidad por infinidad de temas, residente en Espaiía desde 1477, maestro de Ia Universidad de Salamanca a Ia vez que guerrero que luchó contra los moras en Granada, inspira bastante confianza: vivió siempre cerca de los soberenos y de todas Ias fuentes de información; trató íntimamente a grandes personajens de Ia nobleza; más tarde recibió Ias sagradas órdenes y diversos beneficios eclesiásticos, sobre todo en Valladolid Se encontraba en Barcelona, en Ia corte, cuando los monarcas recibieron a Colón, ya de regreso de su primer viaje. En 1494, por 10 tanto mucho antes que todos los demás, comezó a escribir una cuidadosa relación dei descubrimientos. Este "Orbo Novo", en todo caso su primera parte, se publicó en 1511 y fue traducido ai inglés en 1555. No obstante, por temperamento o por razones que no acabamos de comprender, el autor demuestra cierta reserva ante Ia figura dei Almirante, habla poco de él Y ni de lejos se esfuerza por colocarlo a plena luz.

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9- Mais uma vez, reafirmamos a impossibilidade de Vasco da Gama ter realizado corretamente a "volta do Brasil" por mera intuição, seja deste navegador seja de Bartolomeu Dias, conforme acredita. Eduardo Bueno. In O descobrimento das Índias: o diário da viagem de Vasco da Gama. Rio de Janeiro, Objetiva, 1998, p. 26: Embora Vasco da Gama tenha passado à História como descobridor dessa tática genial - que consistia em se afastar do litoral africano, rumo ao oeste, para evitar as correntes contrárias e o calor insalubre do golfo da Guiné e, depois, guinar novamente para o sudeste, contornando o cabo que D. João II rebatizara da "Boa Esperança", a idéia, na verdade, parece de ter sido de Bartolomeu Dias. A obtenção desses direitos de navegação no Atlântico - fundamentais para a realização da "volta do mar" teria sido um dos principais motivos que levaram os negociadores lusos a exigir a imediata revisão do Tratado de Alcáçovas, que fora firmado em 1496, e que garantia a soberania de Portugal apenas sobre as terras e os mares localizados a 100 léguas (cerca de 700 Km) ao oeste dos Açores. Se a vitória em Tordesilhas foi tão festejada, o mais provável é que a "volta do mar” de fato tenha sido obra da admirável intuição de Bartolomeu Dias, embora coubesse a Vasco da Gama a glória de realizá-Ia pela primeira vez. Parece-nos realmente indubitável que o Tratado de Tordesilhas tinha como objetivo primeiro preservar sob o domínio de Portugal a "volta do Brasil", contudo é totalmente inconcebível delegar à intuição de Bartolomeu Dias a descoberta de uma manobra tal complexa onde se exigia não só preciso conhecimento do posicionamento do ponto extremo ocidental do litoral brasileiro, o Cabo de São Roque, e do Cabo de Santo Agostinho como também saber vencer a barreira dos Abrolhos, responsável por diversos naufrágios de naus que faziam a Carreira das Índias. Apesar do Diário de Navegação de Vasco da Gama omitir as dificuldades na realização desta “volta ao mar", ao apresentar, sugestivamente, um lapso de 22 de agosto a 27 de outubro (cf. Opus cit., p. 42), quando a frota estaria realizando o percurso ao longo do litoral brasileiro, os seguintes relatos quinhentistas demonstram claramente as dificuldades a serem enfrentadas pelos navegantes não experientes nesta carreira. Henrique Dias. Relação da viagem,e naufrágio da não S. Paulo que foy para a India no anno de 1560. In Bernardo Gomes de Brito (org.). História trágico marítima. Rio de Janeiro, Lacerda Ed./Contraponto, 1998, p.196: Por ser o nosso piloto novo nesta carreira e ser esta a primeira vez que vinha do Reino neste oficio, por sempre cá na Índia de roteiro e rumo, como cá dizem e todos navegam, receou tanto, e mais do que devera, o sulaventear desta nau, que por ficar, segundo ele dava por razão, bem a barlavento do Cabo de Santo Agostinho, terra do Brasil, por a nau já o ano passado o não pode dobrar e arribar dele ao Reino, meteu-se tanto na terra da costa da Guiné que estivemos muito perto de acabar aqui todos, por ser Inverno nesta paragem neste tempo e partimos tarde de Portugal, e virmos aqui ter na força dele, onde são tudo vento do mar, que co"em a te"a, sul, sudoeste e sul-sudeste, tão rijos e de tantas chuvas e trovoadas que andamos nesta paragem, bordo ao mar, bordo à te"a, bons

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três meses, com nos adoecer toda a gente, com que passamos muitas e mui grandes enfermidades e enfadamentos. Manoel Godinho Cardozo. Relação do naufrágio da não Santiago no anno de 1585. In Opus cit. p.298: Passando a linha três ou quatro graus da banda do sul, lhe deram uns ventos, que os marinheiros chamam gerais porque cursam por ali geralmente quando as naus vão para a Índia, e costumado as mais vezes ser tão escassos que deitam as naus para a costa do Brasil, com grande perigo de se perderem em muitos baixos que ali há, a que chamam Abrolhos; mas livrando-os Deus deste perigo passaram por entre as ilhas de Martim Vaz, que é a melhor navegação que há, por estarem muito afastadas dos Abrolhos do Brasil.

10- Definições e estatvtos dos cavalleiros & freires da Ordem de N. s. Iesu Christo, com a historia da origem, & principio della. Lisboa, Pedro Craesbeeck, impressor deI Rey, 1628, p. 70, Titulo VII - Em que se declaraõ sobre votos substãciaes desta Ordem: J. Da Castidade. Posto que antigamente a Castidade, que se professaua nesta Ordem era pura, &

absoluta, que impedia, & annulava o Matrimonio: com tudo, de algus annos a esta parte, por dispensação da santa See Apostolica podem os Commendadores, & Caualeiros del/a casar, & professaõ castidade conjugal, que hoje hé a da essencia desta Ordem; no que toca aos sobredittos. 2. Da Pobreza. O voto da Pobreza tambem foy puro, & absoluto da essencia desta s'!Jlcta Religião, & assi se guardou algum tempo: depois por justa causa se mudou este precepto per dispensação da santa See Apostolica; pel/o que hoje podem os Freyres, Commendadores, & Caualeiros dispor de seus bes, ass.i dos adquiridos por qualquer via que seja, como dos adquiridos das rendas dos Beneficios, Commendas & tenças, & quaisquer outros bens da Ordem, com tanto, que -dentro em dous annos paguem as tres quartas partes das rendas de hu anno dos Beneficios, Commendas, bes da Ordem, ou tenças que tiuerem com o habito, como adiante se declara.

11- Dom João Evangelista Martins Terra. A motivação religiosa dos descobrimentos. Xerocópia de original datilografado, s/d, p. 2:

Foi Calisto III, pela bula Inter coetera de 13/3/1456, que concedeu à Ordem de Cristo a jurisdição espiritual nas conquistas portuguesas, a ser exercida pelo Vigário do convento de Tomar, que era nulius diocesis (Bul. Patron. I, pp 36-7)0 Convento de Santa Maria de Tomar, da Ordem de Cristo, sob a regra cisterciense, tinha jurisdição canônica por concessão pontifica sobre todas as terras descobertas e por descobrir até a ereção de bispados. O Brasil, por conseguinte, antes de 1514, esteve sob a jurisdição apostólica delegada do Vigário de Tomar.

12- Cf. Definições e estatvtos dos cavalleiros & freires da

Ordem de N. S. Iesu Christo, com a historia da origem, &

principio della. Lisboa, Pedro Craesbeeck, impressor deI Rey, 1628, pp. 60-66.

13- Cf. João Alfredo Libâneo Guedes & Joaquim Ribeiro. História administrativa do Brasil. Rio de Janeiro, Dasp, 1957, v. 111, pp. 36/7.

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14- Joaquim Veríssimo Serrão. Do Brasil filipino ao Brasilde 1640. São Paulo, Comp. Ed. Nacional, 1968, p. 26: Um ponto

talvez convenha destacar: se os fatos houvessem correspondido aos desejos da Rainha-mãe, com a desejada vitória dos Açores, a submissão da Madeira e de Cabo Verde e o domínio do Atlântico pela frota luso-francesa, talvez o rei D. Antonio sentisse o amargor de uma vitória que lhe teria custado demasiado caro. O almirante Strozzi ter-se-ia fixado no Brasil, para ali levando todo o pêso militar e os amplos recursos da Coroa francesa, realizando a tão sonhada França Antártica a sobrepor-se ao Brasil português. Tal não aconteceu então, e a Coroa filipina pôde lançar raízes no Brasil. Infelizmente, não foram desvendadas ainda as possíveis implicações da Ordem de Cristo com o afastamento do prior

hospitalário D. Antonio do trono de Portugal e, conseqüentemente, o estabelecimento da União Ibérica. Parece-nos evidente, porém, que a Ordem de Cristo estava a apoiar, direta ou indiretamente, a coroação de Felipe II de Espanha como rei de Portugal.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS Obs: os anexos estarão disponíveis em arquivo a parte.

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III – RESUMO CRONOLÓGICO

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Da Formação do Reino à União Ibérica 1090- Casamento da filha legítima da Afonso VI, D. Urraca, com D. Raimundo, de

Borgonha. 1094- D. Raimundo recebe o governo da Galiza Casamento da filha bastarda de Afonso VI, D. Teresa, com Henrique de

Borgonha, primo de D. Raimundo. 1095- Concílio de Clermont-Ferrand onde o papa Urbano VI prega a favor da cruzada D. Henrique recebe de Afonso VI o título de "Senhor de Coimbra", com poderes sobre

a região da Galiza entre o Douro e o Minho. 1096- Primeira Cruzada. Os francos tomam a Síria e a Anatólia 1097- D. Henrique recebe o título de "Conde Portucalense" Nascimento de D. Sancho, filho de Afonso VI com Zaida, filha do rei mouro de Sevilha. Os cruzados conquistam Nicéia 1098- Balduíno conquista Edessa, fundando um principado. 1099- Libertação de Jerusalém e fundação do Reino Latino de Jerusalém tendo Godofredo de

Bulhão como chefe Um mosteiro beneditino da cidade de Jerusalém torna-se a sede de uma nova Ordem

assistencialista denominada São João de Jerusalém, conhecida como "Ordem do Hospital”.

1100- Morte de Godofredo. Balduíno é coroado rei de Jerusalém O filho mais novo do rei Guilherme assume o trono da Inglaterra como Henrique I 1107- Morte de D. Raimundo 1108- Morte do filho de Afonso VI e Zaida, D. Sancho. 1109- Morte de Afonso VI. D. Urraca assume o trono O império seljúcida fragmenta-se em diversos sultanatos 1110- Os almorávidas terminam a unificação dos emirados ibéricos, tomando Saragosa. 1111- O almorávida Emir Sir reconquista Évora, Lisboa e Santarém. 1113- A Ordem do Hospital é reconhecida pelo papa como uma nova ordem monástica. 1114- Morte de D. Henrique. D. Teresa, condessa portucalense, passa a intitular-se "Regina

Tarasia de Portugal". 1115- Cúria Regia de Oviedo onde D. Teresa reconhece a autoridade de D. Urraca.

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1118- Com aprovação de Arnouf, patriarca de Jerusalém, e liderados por Hugo de Payens, nove cavaleiros francos fundam a Ordem de cavalaria "Soldados Pobres de Jesus Cristo", com a finalidade de proteger os caminhos dos peregrinos. Balduíno II, rei de Jerusalém, abriga esta nova ordem nas ruínas do templo de Salomão, sendo então esta nova ordem conhecida como dos cavaleiros templários.

. 1119- D. Urraca, viúva de D. Raimundo, casa com Afonso I de Aragão. 1125- O rei Balduíno II de Jerusalém reconhece essa nova Ordem de cavalaria, concedendo o

título de mestre do Templo a Hugo de Payens. O Infante D. Afonso, filho de D. Henrique e D. Teresa, é armado cavaleiro a maneira dos

reis. 1126- Anulação do casamento de D. Urraca e Afonso de Aragão. Afonso de Aragão morre sem deixar herdeiro, legando em testamentos seus reinos às

ordens militares do Templo, do Santo Sepulcro e do Hospital. Contestação do testamento de D. Afonso, assumindo o trono do reino de Aragão seu

irmão como Raimundo III. Morte de D. Urraca, subindo o trono de Castela Afonso Raimundo como Afonso VII. D. Teresa doa aos Templários a vila de Fonte Arcada de Penafiel. 1127- Afonso VII invade Portugal 1128- No Concílio de Troyens e por interferência de São Bernardo, a Igreja reconhece a Ordem dos Templários como uma ordem monástica. D. Teresa doa aos templários o castelo de Soure. Batalha de São Mamede onde o Infante D. Henrique derrota D. Teresa, sua mãe. 1130- A Ordem São João Jerusalém é restauradora como ordem militar. Início da dinastia almôada, berberes dos Montes Atlas, na Espanha. 1135- Cortes de Leão onde Afonso VII é aclamado Imperador Os almôadas controlam a Espanha muçulmana Morte de Henrique I. É sucedido no trono da Inglaterra por Estevão, Conde de Blois,

esposo de sua irmã Matilde. 1137- Morte do rei de França Luís VI, é sucedido por seu filho Luís VII. 1139- A bula papal "Omne Datum Optimum" confirma a Ordem dos Templários, dando direito

a incorporação dos butins ao patrimônio da Ordem. Vitória de Afonso Henriques na batalha de Ouriques contra os mouros. Afonso VII reconhece Portugal como reino 1143- Afonso Henriques afirma seu enfeudamento à Santa Sé 1147- Conquista de Santarém e Lisboa por D. Afonso Fim da dinastia almorávida na Espanha. Afonso VII, de Castela, doa o castelo de Calatrava aos templários para a defesa de

Toledo.

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1149- Através da bula "Milites Templis" os templários obtêm autonomia em relação às autoridades episcopais. Passam a ter suas própria igrejas e sacerdotes, o direito de

recolher o dizimo eclesiástico nas terras de seu patrimônio. 1154- Morte de Estevão, Conde de Blois. É sucedido no trono da Inglaterra por Henrique II,

Conde de Anjou, neto de Henrique I. 1157- Morte de Afonso VII, sendo o império dividido entre seus filhos: Leão para Fernando II

e Castela para Sancho. Devido ao rumor de um cerco mouro, os templários abandonam o castelo de Calatrava.

O abade Ramon Sierra com um grupo de monges ocupa o castelo, dando origem a Ordem de Calatrava.

Luís VII repudia a sua esposa Leonor que casa com Henrique II, Plantageneta, da Inglaterra, que recebe a Aquitânia como dote. Os domínios do rei da Inglaterra em França são bem maiores do que os de Luís VII.

1158- Fernando II conquista Castela Conquista de Álcacer do Sal por Afonso Henriques 1159- Afonso Henriques doa o castelo de Cera, em Tomar, aos templários. 1164- Fernando II casa com a filha de Afonso Henriques 1166- Afonso Henriques conquista a Galiza 1169- Afonso Henriques é derrotado por Fernando II em Badajoz, sendo obrigado devolver a

Galiza. 1170- A Ordem de S. Tiago de Espada é fundada por Afonso VIII para a proteção dos

peregrinos que iam à tumba de São Tiago em Compostela 1171- Fim da dinastia Fatímida no Egito com a tomada do poder pelo curdo Salah al-Din (Saladino), iniciando a dinastia aiúbida. 1172- Afonso Henriques doa o castelo de Arruda à Ordem de S. Tiago de Espada 1174- Saladino anexa Damasco 1175- O califado de Bagdá reconhece Saladino como sultão do Egito e da Síria 1176- O papa Alexandre II reconhece os Caballeros de San Julian de Pereiro, de Leão, como

ordem monástica militar, que passou a ser conhecida como Ordem de Alcântara. 1179- Bula "Manifestis probatum", onde o papa Alexandre II reconhece D. Afonso como rei. 1180- Morre Luís VII, de França, sendo substituído no trono por seu filho Felipe II, Augusto

que adotada o título de rei de França ao invés de rei dos francos. 1183- Saladino conquista Alepo

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1184- O papa Júlio III confirma a Ordem dos Hospitalários 1185- Morte de Afonso Henriques. Sobe ao trono de Portugal seu filho Sancho I 1187- Saladino toma Jerusalém aos cristãos 1189- Morte de Henrique II. É sucedido no trono da Inglaterra por seu filho Ricardo, Coração

de Leão. 1190- Cerco ao castelo de Tomar pelo califa de Marrocos. Os templários resistem ao cerco. 1191- Os cruzados conquistam a cidade Acre. 1193- Morte de Saladino e divisão do império Aiúbida 1198- A Ordem Santa Maria dos Alemães é reformada como ordem militar com o nome de

Cavaleiros da Cruz, passando a ser conhecida como dos Cavaleiros Teutônicos. 1199- Morte de Ricardo I, sendo substituído no trono por seu irmão, João, Sem Terra. 1202- Felipe II Augusto de França convoca rei João da Inglaterra para se apresentar frente a

um tribunal de Paris como seu vassalo. Na recusa desse, o denuncia como traidor, iniciando uma guerra para incorporar os feudos franceses do rei inglês aos domínios da Coroa de França.

1204- Apoiados por Veneza, os cruzados conquistam Constantinopla, dando origem ao Império Latino. Balduíno, de Flandres, é coroado como Imperador. Felipe II conquista a Normandia, domínio do rei João da Inglaterra. 1205- Felipe II anexa os feudos da Coroa inglesa de Turene a Anjou ao reino de França 1206- O chefe mongol Temujin unifica as tribos mongóis, adotando o título de Gengiscan. 1211- Morte de Sancho I. Sobe ao trono de Portugal Afonso II. Cortes de Coimbra (1º documentada) Fundação da Ordem de Avis com a doação desta cidade a monges beneditinos 1212- Derrota dos almóadas da Espanha em Navas de Tolosa. 1214- O rei João, da Inglaterra, é derrotado por Felipe Augusto de França na batalha de

Bouvines. A Normandia é incorporada aos domínios da Coroa de França. 1215- O rei João promulga a Magna Carta 1223- Morte de Afonso II. Sobe ao trono de Portugal Sancho II Morte de Felipe Augusto. Pela primeira vez os domínios do rei de França eram

superiores aos de seus vassalos. Seu filho Luís VIII sobe ao trono de França. 1225- Nasce na Itália S. Tomás de Aquino

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Os Cavaleiros Teutônicos obtém autorização do papa e do príncipe da Polônia de iniciar a conversão dos prussianos.

1226- Morte de Luís VIII de França. Sobe ao trono seu filho Luís IX, que será canonizado

como São Luís. 1227- Morte de Gengiscan. Seu império da Pérsia a Coréia, incluindo a China. 1228- Início da dinastia hafisidas, com capital em Tunis. 1230- Fusão definitiva de Castela e Leão 1232- Sancho II doa a Ordem dos Hospitalários a vila de Crato, que passa a ser a sede do poder hospitalário em Portugal. 1233- A Ordem de Calatrava em Portugal transfere sua sede de Évora para Avis (Montemor-o-Novo) 1242- Os Seljúcidas da Anatólia são derrotados pelos mongóis do Irã, tornando-se seus vassalos. 1245- Sancho II é deposto pelo papa Inocêncio IV, que designa para o trono de Portugal seu irmão D. Afonso, o Bolonhês. 1248- Morte no exílio de Sancho II, assumindo seu irmão o título de Afonso III. 1250- Fim da dinastia aiúbida no Egito com a tomada do poder pelos Mamelucos Bahrí, militares de origem escrava vindos da Ásia Central e Cáucasos 1253- Paz com Afonso X, o Sábio, de Leão e Castela. Ajusta-se o casamento de Afonso III com

D. Beatriz, filha de Afonso X. Afonso III estabelece a fixação de preços para os gêneros (lei da almotaçaria) 1254- Cortes de Leiria com a participação de representantes dos Conselhos 1258- Fim da dinastia abássida com a tomada de Bagdá pelos mongóis 1260- Os mamelucos derrotam os mongóis e passam a controlar a Síria 1261- Com apoio de Gênova, Miguel Paleólogo toma Constantinopla e restabelece o Império

Bizantino. 1263- Nascimento de D. Dinis. Afonso X cede ao neto o domínio de Algarves 1269- Fim da dinastia almôada na Espanha 1270- Morte de Luís IX quando se dirigia em cruzada para a Terra Santa Sobe ao trono de

França seu filho Felipe III. 1272- Morte de Henrique II da Inglaterra. Sobe ao trono seu filho Eduardo I

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1273- O Papa Gregório X tenta fundir as Ordens dos Templários e Hospitalários. Tratado de Badajoz, estabelecendo o rio Guadiana como fronteira meridional entre Portugal e Espanha Rodolfo, conde de Habsburgo, I é coroado Imperador do Sacro Império Romano-

Germano como Rodolfo I. 1274- Morte de S. Tomás de Aquino 1275- Eduardo I convoca o primeiro parlamento composto por lordes, por direitos hereditários,

e cavaleiros e burgueses, por eleição. 1279- Morte de Afonso III, o Bolonhês, subindo ao trono de Portugal seu filho D. Dinis. Kublai Khan completa a conquista da China ao destroçar a frota chinesa perto de Macau.

A dinastia Sung é extinta. 1285- Felipe III, rei de França, morre na campanha de conquista da Catalunha. Seu filho Felipe

IV, o Belo, sobe ao trono da França. 1288- Recém chegados das estepes asiáticas, os turcos otomanos tomam Bursa, na Ásia Menor,

onde instalam a sede de seu sultanato. 1290- Fundação da universidade portuguesa por D. Dinis 1291- Os mamelucos tomam São João Acre. Os templários mudam a sede da Ordem para Chipre, os hospitalários para Rodes e os teutônicos para Marieburg. 1294- Bonifácio VIII assume o trono papal. 1303- Os templários evacuam a ilha de Ruad, na costa palestina. Felipe IV ataca o papa Bonifácio VIII, na cidade papal de Anagni, na Itália. Apesar de

libertado por partidários, Bonifácio VIII morre pouco depois, sendo substituído por Bento XI.

1305- Apoiado por Felipe IV, sobe ao trono papal Clemente V, francês. 1306- Clemente V convoca à França os mestres do Templo e do Hospital para discutir sobre a união das duas Ordens 1307- É decretada por Nogaret, Procurador da Coroa, e a revelia do Papa, a prisão de todos os templários em França, inclusive do mestre Jacques de Molay. O papa Clemente V, através da bula papal "Pastoralis Praeminentiae" autoriza a abertura

de um processo inquisitório contra os templários. 1309- Transferência da sede do papado para Avignoin 1310- 54 templários são queimados vivos na França Os hospitalários instalam-se em Rodes

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1312- Através da bula Vox in Excelso, o Papa Clemente V decreta o fim da Ordem dos Templários, devendo todo o patrimônio da Ordem ser transferido para a Ordem do Hospital.

1314- Jacques de Molay é condenado a morte na fogueira, sendo executado em 18 de março. Morte de Clemente V em 20 de abril Morte de Felipe, o Belo em 29 de novembro. Assume o trono de França seu filho Luis X 1316- Morte de Luis X, sendo substituído no trono por irmão Felipe V. 1317- D. Dinis contrata o navegador genovês Pesagno para organizar a marinha portuguesa 1319- O Papa João XXII, sucessor de Clemente V, através da bula "Ad ea ex quibus", cria a

Ordem de Cristo, transferindo para esta nova Ordem todo o patrimônio templário em Portugal.

1321- Fr. Gil Martins é nomeado o primeiro mestre da Ordem de Cristo, tendo como sede a

fortaleza de Castro Marins. 1322- Morte de Felipe V de França, sendo substituído por seu irmão Carlos IV. 1325- Morte de D. Dinis, assumindo o trono seu filho Afonso IV. 1327- Eduardo II da Inglaterra abdica em favor de seu filho Eduardo III (jan.). Eduardo II é preso e assassinado (setembro) 1328- Morte de Carlos IV, encerrando a dinastia dos Capetos por ser o último filho

sobrevivente de Felipe, o Belo. Assume o trono da França seu primo Felipe VI, primeiro da dinastia Valois.

Eduardo III reconhece a independência da Escócia. 1337-Eduardo III reclama solenemente o trono francês. Felipe VI apodera-se do ducado de

Aquitânia que pertencia ao rei da Inglaterra, dando início a Guerra dos Cem Anos. 1346- Batalha de Crécy, onde Eduardo III derrota as forças de Felipe IV. 1347- Eduardo III incorpora Calais aos seus domínios 1350- Morte de Felipe VI de França. Assume o trono seu filho João II, o Bom. 1354- Eduardo, o Príncipe Negro, filho de Eduardo III, invade a França. 1356- Eduardo derrota João II, levando-o prisioneiro para Londres. 1355- Execução de Inês de Castro, amante do príncipe Pedro, herdeiro do trono português. 1357- Morte de Afonso IV de Portugal, subindo ao trono seu filho Pedro I. 1360- Execução dos executores de Inês de Castro

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Paz de Bretigny, onde Eduardo III abre mão de sua reivindicação ao trono francês em troca de grandes possessões feudais na França. João II volta para França

1361- Cortes de Elvas onde foi instituído o Beneplácito Régio 1364- Morte de João II, assumindo o trono francês seu filho Carlos V, o Astuto. 1367- Morte de D. Pedro I subindo ao trono Fernando I Lisboa torna-se um dos mais importantes portos da Europa 1369- Pedro, o Cruel, rei de Castela é assassinado por seu meio irmão que assume o trono como

Henrique II, dando início a dinastia dos Trastámara. 1372- Casamento de Fernando I com Leonor Teles 1375- D. Fernando promulga a Lei das Sesmarias 1376- Morre Eduardo, o Príncipe Negro, herdeiro do trono da Inglaterra. 1377- A sede do papado retorna para Roma Morte de Eduardo III, rei da Inglaterra. É substituído no trono por seu neto Ricardo II 1378- Início do Cisma do Ocidente. O papado divide-se em dois, com sedes em Roma e Avignon 1380- Batalha naval de Chioggia, onde Veneza obtém o domínio do Mediterrâneo ao derrotar a

frota de Genova. Morte de Carlos V, assumindo o trono francês seu filho Carlos VI. 1383- Morte de D. Fernando I, assumindo Leonor Teles a regência. A Infanta D. Beatriz casa com D. João I de Castela. Dessa união deveria nascer o

sucessor do trono português 1384- Leonor de Teles transfere seus poderes para D. João I, rei de Castela, que invade Portugal 1385- Corte de Coimbra, onde D. João, mestre de Avis, é aclamado rei de Portugal. Batalha de Aljubarrota 1386- Tratado de Windsor entre Portugal e Inglaterra 1387- Casamento de D. João I de Portugal com D. Felipa, filha do duque de Lancaster, tio de

Ricardo II. 1392- O rei francês Carlos VI enlouquece 1399- Abdicação do rei da Inglaterra Ricardo II. É substituído no trono por seu primo Henrique

IV, filho do duque de Lancaster John de Gaunt, irmão de D. Felipa, rainha de Portugal. 1405- A Geografia de Ptolomeu é traduzida do árabe para o latim

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1410- Os Cavaleiros Teutônicos são derrotados pelos poloneses na batalha de Grunwald 1411- Castela reconhece a independência de Portugal 1412- Fernando I, da dinastia Trastámara, assume o trono de Aragão. 1413- Morte do rei da Inglaterra Henrique IV. É substituído por seu filho Henrique V. 1415- Henrique V da Inglaterra invade a Normandia e derrota os franceses na batalha de

Azincourt, estendendo o controle inglês na França até o vale do Loire. Os portugueses conquistam Ceuta, onde os Infantes, primos do rei Henrique V, D.

Duarte, D. Henrique e D. Pedro são armados cavaleiros. 1417- Fim do cisma com a unificação do papado com sede em Roma. O cardeal romano Oton

Colonne assume o trono papal como Martinho V. Morte de D. Lopo Dias de Sousa, mestre da Ordem de Cristo. 1418- Através da bula "Rex Regum", o Papa Martinho V ordena a pregação da Cruzada em

Portugal. 1420- Através da bula In apostolica dignitutis specula, o Papa Martinho V concede a

administração da Ordem de Cristo ao infante D. Henrique. Henrique V é reconhecido como herdeiro da Coroa francesa 1422- D. João I institui em Portugal a Era Cristã, em substituição a Era Hispânica ou de César,

havendo uma diferença entre ambas de 38 anos. Morte dos reis de Inglaterra e França. Henrique V é substituído no trono inglês por seu filho Henrique VI Carlos VI é substituído no trono francês por seu filho Carlos VII 1427- Descobrimento dos Açores, por Diogo de Silves. 1430- Casamento da Infanta D. Isabel, filha de D. João I, com Felipe, o Bom, duque de

Borgonha. Desta união nascerá o duque Carlos, o Temerário, último duque de Borgonha. 1431- Morte de Martinho V, assume o trono papal Eugênio IV. Reforma da Universidade de Portugal patrocinada por D. Henrique 1433- Morte de D. João I, assumindo o trono seu filho D.Duarte I. 1434- Gil Eanes passa o Cabo Bojador 1437- D. Henrique é derrotado em Tanger 1438- Morte de D. Duarte I em Tomar. O Infante D. Pedro assume, como regente, o trono de

Portugal. 1439- Início do povoamento dos Açores

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1442- O infante D. Pedro, então regente, doa a seu meio irmão D. Afonso, conde de Barcelos, a vila de Bragança e com ela o título de duque, constituindo-se a Casa Ducal de Bragança.

1443- Morre o infante D. Fernando, prisioneiro em Fez. Carta régia de 22 de outubro, do regente em nome de D. Afonso V, concedendo ao infante

D. Henrique o monopólio da navegação, guerra e comércio das terras além do Bojador. 1444- O infante D. Henrique manda em caravelas Antão Gonçalves, Diogo Afonso e Gomes

Pires ao Rio do Ouro. O navegador Dinis Dias descobre Cabo Verde 1446- Afonso V atinge a maioridade - 14 anos- e assume o trono de Portugal Publicação das Ordenações Afonsina 1447- Nicolau V assume o trono papal. 1449- Batalha de Alfarrobeiras, onde morre o infante D. Pedro. Sobe ao trono o último basileu, Constantino XI. 1451- Casamento da Infanta D. Leonor, filha de Afonso V, com Frederico III, imperador do

Sacro Império. 1452- Provável descobrimento por Diogo de Teive da ilhas ocidentais dos Açores 1453- Fim da Guerra dos Cem Anos, depois de derrotados por Carlos VII na batalha Castillon,

os ingleses entregam a Normandia, mantendo somente o domínio de Calais em solo francês.

Após um mês e meio de cerco, o exército turco de Maomé II toma Constantinopla. 1455- O cardeal espanhol Afonso Bórgia assume o trono papal como Calisto III Casamento da Infanta Joana, irmã de Afonso V, com Henrique IV, Trastámara, rei de

Castela. Desta união nascerá D. Isabel, a Beltroneja. 1456- Através da bula papal "Inter Coetera", a Ordem de Cristo recebe o Padroado religioso

das terras a serem descobertas do Bojador às Índias. 1457- Gutenberg aperfeiçoa o processo de impressão por tipos móveis metálicos 1458- Pio II assume o trono papal 1460- Testamento do infante D.Henrique (28/10) onde transfere, como herança, para seu

sobrinho D. Fernando os títulos de regedor e governador da Ordem de Cristo, duque de Viseu e senhor da Covilhã. D. Fernando passou assim a deter o maior senhorio de Portugal. (O filho de D. Fernando será rei de Portugal como D.Manuel I).

Morte do infante D.Henrique (13/11). Afonso V doa a seu irmão D. Fernando as ilhas da Madeira, Porto Santo e Desertas e

também as ilhas de S.Miguel e Santa Maria (Açores) que o Infante havia confirmado à Ordem de Cristo.

1461- Morte do rei Carlos VII. Sobe ao trono de França seu filho Luís XI

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O trono da Inglaterra é ocupado por Eduardo IV, filho de Ricardo, duque de York. 1462- Nascimento de Afonso de Albuquerque A Inglaterra mergulha na guerra de sucessão (Guerra das Duas Rosas) 1464- Paulo II é eleito papa 1466- Paz de Torun onde os Cavaleiros Teutônicos reconhecem a susserania polonesa 1467- Revolta dos grandes senhores feudais em França encabeçada pelos duques da

Normandia, Bretanha e Borgonha contra a política centralizadora de Luis XI. 1468- Luís XI é derrotado e feito prisioneiro por Carlos, duque de Borgonha. 1469- Nascimento de D. Manuel, filho do infante D. Fernando. D. Isabel, irmã de Henrique IV de Castela, casa secretamente com D. Fernando, herdeiro

do trono de Aragão. 1471-Tomada de Arzila e ocupação de Tanger. Após então o rei de Portugal passa a intitular-se

D. Afonso, por graça de Deus, rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém-mar em África.

Descobrimento das ilhas São Tomé e Príncipe. O conde Della Dovere assume o trono papal como Sisto IV Henrique VI é assassinado na Torre de Londres. 1473- Contrato matrimonial entre o herdeiro do trono de Portugal, D. João, e sua prima D.

Leonor, filha de D. Fernando, irmã de D. Manuel e do duque de Viseu. 1475- Fernando Gomes atinge o Golfo da Guiné. 1476- Batalha de Toro, com a "vitória" de Isabel e Fernando de Aragão sobre Afonso V de

Portugal e D. Joana, a Beltroneja. 1477- O Duque Carlos, o Temerário, da Borgonha morre na batalha de Nancy, sendo os seus

domínios na França (Borgonha e Picardia) confiscados por Luis XI, ficando o restante das possessões borgonhesas com o Imperador Maximiliano do Sacro Império, casado com a filha de Carlos de Borgonha.

1479- Ascensão de Fernando II ao trono de Aragão, originado assim a Espanha pela união dos

reinos de Castela, Leão e Aragão. Tratado de Alcáçovas, onde Portugal reconhece a posse das Canárias por Castela e esta

reconhece a posse de Portugal das terras a serem descobertas ao sul do Cabo Bojador. 1481- Morte de Afonso V, assumindo o trono de Portugal seu filho D. João II. 1482- Descobrimento do Congo por Diogo Cão 1483- D. João II prende o Duque de Bragança, o nobre mais poderoso do Reino, condenando-o

à morte por traição. Ricardo III assume o trono da Inglaterra

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1484- O cardeal genovês João Batista Cibo assume o trono papal como Inocêncio III D. João II assassina o Duque de Viseu, seu primo e irmão de D. Manuel. 1485- Henrique Tudor assassina Ricardo III e assume o trono da Inglaterra como Henrique VII,

pondo fim a Guerra das Duas Rosas e dando início à dinastia Tudor. 1488- Bartolomeu Dias dobra o Cabo das Tormentas. 1490- Casamento do herdeiro do trono de Portugal, D. Afonso, com D. Isabel, filha dos reis de

Espanha. 1491- Nascimento de Inácio de Loyola Morte do príncipe herdeiro de Portugal, D. Afonso. 1492- Expulsão dos muçulmanos (Násridas) da Espanha com a tomada de Granada. O cardeal espanhol Rodrigo Bórgia assume o trono papal como Alexandre VI Chegada de Cristóvão Colombo à América. Expulsão dos judeus da Espanha 1493- Retorno de Colombo a Palos (15/03) Partida da 2º expedição de Colombo Bula "Inter Coetera", do papa Alexandre VI, estabelecendo o meridiano a 100 léguas de

Cabo Verde como marco divisório entre os domínios de Portugal e Espanha. 1494- Tratado de Tordesilhas. 1496- O Papa Alexandre VI transforma o voto de castidade dos cavaleiros da Ordem de Cristo

em fidelidade conjugal Morte de D. João II, assumindo o trono de Portugal D. Manuel, Duque de Beja, oitavo no

direito de sucessão do trono português. O príncipe João, herdeiro do trono de Espanha, casa com Margaret, filha de Maximiliano

I, do Sacro Império e Maria de Borgonha, herdeira dos Países Baixos. Sua irmã, a infanta Joana, casa com o Felipe, irmão de Margaret e herdeiro do Sacro Império e Países Baixos.

1497- Partida de Lisboa da armada de Vasco da Gama Morte do herdeiro do trono de Espanha, o príncipe D. João. D. Manuel casa com D. Isabel, viúva do príncipe D. Afonso e então herdeira do reino de

Espanha. 1498- Chegada de Vasco da Gama a Calecute Nascimento de D. Miguel, herdeiro das Coroas de Portugal, Leão, Castela e Aragão. A princesa Isabel falece no parto. 24/08 1500- Descoberta do Brasil Falecimento de D. Miguel D. Manuel casa com sua cunhada, a infanta D. Maria. Nascimento do príncipe Carlos, futuro V, filho de Felipe I, príncipe do Sacro Império, e

Joana, a Louca, Infanta de Espanha.

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1501- D. Manuel comunica a Fernando e Isabel a descoberta da "Terra de Santa Cruz". 28/08 1502- Partida da 4º expedição de Colombo. Um cartógrafo português anônimo desenha o "mapa de Cantino" 1503- Partida de Afonso de Albuquerque para as Índias Partida da expedição que teria participado Vespúcio (maio) Júlio III assume o trono papal 1504- Morte da rainha Isabel (26/11). Felipe I, herdeiro do Sacro Império, reclama a Coroa de Castela. Retorno de Colombo à Espanha (7/11) 1505- O Papa Júlio II aboliu o voto de pobreza para os cavaleiros da Ordem de Cristo. Lutero ingressa na Ordem Agostiniana Francisco de Almeida é nomeado primeiro Vice-rei das Índias 1506- A. de Albuquerque conquista a ilha de Socotorá, em posição estratégica na entrada do

mar Vermelho. Morte de Colombo (20/5) Início da dinastia safávida no Irã Fernando de Aragão casa com Germaine de Foix, sobrinha do rei de França Luis XII. Morte de Felipe I. Fernando de Aragão assume a regência de Castela 1507- Afonso de Albuquerque ocupa Ormuz, entrada do Golfo Pérsico. Waldseemueller publica um planisfério onde denomina de América o novo continente 1509- Batalha naval de Diu, onde Francisco de Almeida derrota a frota do Sultão do Cairo.

Casamento de Henrique, herdeiro do trono da Inglaterra, com Catarina, filha dos Reis Católicos e viúva do príncipe Artur, irmão de Henrique.

Morte de Henrique VII da Inglaterra. Seu filho assume o trono como Henrique VIII. 1510- Afonso de Albuquerque conquista Goa, fazendo dela a capital do império no Oriente. 1511- Conquista de Málaca por Afonso de Albuquerque 1512- Fernando de Aragão reconquista a Navarra cispirinaica Jerônimo Marini, em seu mapa, designa por Brasil a terra descoberta por Cabral. 1513- Vasco Nunez de Balboa atravessa o istmo do Panamá Embaixada ao Papa Leão X, tendo como conseqüência a instituição do Padroado Real

nas terras descobertas a partir de 1512. 1514- O Brasil passa a fazer parte da Diocese do Funchal Início da publicação das Ordenações Manuelinas 1515- D. Manuel destitui Afonso de Albuquerque do cargo de Governador das Índias,

nomeando Lopo Soares, o seu maior inimigo. para sucede-lo. Morte de Afonso de Albuquerque

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Morte de Luis XII, rei de França, sendo sucedido por seu sobrinho Francisco I casado com sua filha Claudia.

1516- Parte de Lisboa a esquadra comandada por Cristóvão Jacques, com intuito de fiscalizar

a costa do Brasil. (06) Morte de Fernando de Aragão subindo ao trono de Espanha seu neto Carlos I, filho de

Joana e de Felipe I, Habsburgo. 1517- Nasce em Portugal Manuel da Nóbrega 1518- D. Manuel, novamente viúvo, casa com a Infanta D. Leonor, irmã de Carlos V, a

princípio destinada a ficar noiva de seu filho, o príncipe D. João. 1519- Fernão de Magalhães parte da Espanha para a conquista das Molucas. Lutero rompe com Roma Hernan Cortez chega ao Golfo do México e se dirige ao altiplano, acompanhado de 600

homens. Morte do imperador Maximiliano do Sacro Império Romano Germânico. Seu neto Carlos, rei de Espanha, o substitui como Carlos V, apesar do trono imperial ser também

reivindicado por Francisco I, rei de França. 1520- Início do reinado de Solimão II, o Magnífico, apogeu do Império Otomano. Solimão inicia a invasão Europa. Francisco Pizarro chega ao Peru com 150 homens Fernando de Magalhães atinge o Pacífico Morre em Portugal Pedro Álvares Cabral 1521- Morte de D. Manuel, assume o trono D. João III. Inácio de Loyola é ferido no cerco de Pamplona Dieta de Worms: início da difusão do luteranismo Cortez aprisiona Montezuma e conquista o império Asteca Fundação das duas primeiras universidades na América: em Lima e no México Concluída a impressão das Ordenações Manuelinas 1522- Através da bula "Eximiae devotionis" é concedido o cargo de Governador e Administrador da Ordem de Cristo a D. João III Solimão II expulsa os hospitalários da estratégica ilha de Rodes Retorno à Sevilha da expedição de Magalhães 1524- Última viagem de Vasco da Gama às Índia. D.João III negocia a compra das Molucas 1525- D. João III casa com D. Catarina d` Áustria, sua prima e irmã do imperador Carlos V. Francisco I é derrotado por Carlos V na batalha de Pávia, na Itália. 1526- Carlos V casa com D. Isabel, irmã de D. João III. Fernando, irmão de Carlos V, ganha a sucessão da Boêmia e Hungria. Solimão I, o Magnífico, derrota as forças húngaras de Fernando Habsburgo em Mohács,

ocupando grande parte do sudoeste da Europa.

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O Grão Mestre dos Cavaleiros Teutônicos seculariza a Ordem, tomando o título de Duque da Prússia.

1529- Retorno a Portugal da expedição de Cristóvão Jacques Tratado de Saragoça onde a Espanha reconhece os direitos de Portugal sob as Molucas em troca de 350.000 ducados de ouro. 1530- Os hospitalários se estabelecem na ilha de Malta Parte de Portugal a expedição comandada por Martim Afonso de Souza, capitão-mor com

jurisdição tanto civil como criminal. 1531- Pizarro aprisiona Ataualpa e conquista o império inca Martim A. de Sousa chega a baía de Todos os Santos onde encontra Caramuru (15/03) 1532- Instituída a Mesa de Consciência e Ordem, tribunal específico das Ordens de Cavalaria. 1533- Calvino adere a Reforma protestante Nasce Elisabeth, filha do rei da Inglaterra Henrique VIII e de sua 2º esposa Ana Bolena. 1534- Inácio de Loyola funda a Companhia de Jesus em Paris. Henrique VIII da Inglaterra rompe com Roma e funda a Igreja Anglicana 1535- Morte de Francisco Sforza II de Milão, último da Casa dos Sforza. O ducado é ocupado

por Carlos V Henrique VIII assume o título de Chefe Supremo da Igreja Anglicana 1536- Acusada de adultério, Ana Bolena é decapitada. Henrique VIII casa com Jane Seymour Calvino se estabelece em Genebra 1537- Os portugueses se estabelecem em Macau 1540- Papa Paulo III publica a bula Regimi militantis Ecclesiae instituindo a Companhia de

Jesus Os portugueses estabelecem uma feitoria em Nagasaki, Japão. 1541- Francisco Xavier embarca para as Índias Calvino estabelece um governo teocrático em Genebra Os turcos derrotam a frota de Carlos V em Argel 1543- Publicação da obra de Copérnico De Revolutionibus Orium Coeleste, onde propões o

sistema heliocêntrico. 1544- Nóbrega ingressa na Companhia de Jesus. 1545- Francisco de Borja funda o 1º colégio jesuíta em Gandia Abertura do Concílio de Trento (dez.). 1547- Morte de Francisco I, sendo substituído no trono da França por seu filho Henrique II,

casado com Catarina de Médicis.

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Morte de Henrique VIII. É sucedido por Eduardo VI, seu filho com Jane Seymour. , 1549- Tomé de Souza chega ao Brasil, acompanhado dos primeiros jesuítas, chefiados por P.

Manoel de Nóbrega. 1550- Fundação da cidade de Salvador O Papa Júlio III dá o Título de Grão Mestre da Ordem de Cristo a D. João III. Tem início da obras do claustro de D. João III no mosteiro de Tomar. Júlio III confirma a Companhia de Jesus através da bula Exposcit debitum 1551- Loyola funda o Colégio Romano Júlio III cria o Bispado do Brasil com sede em Salvador 1552- O príncipe herdeiro da Coroa de Portugal, D. João, casa com sua prima Joana, filha de

Carlos V que, por outro lado, casa com a irmã de D.João. 1553- Morte de Eduardo VI, da Inglaterra. É sucedido no trono por Lady Jane Grey. 1554- Muhammada As-Sayh unifica o reino de Marrocos, iniciando a dinastia xafárida. Maria Tudor, irmã católica de Eduardo VI, assume o trono da Inglaterra. Lady Jane Grey, de apenas dezessete anos, é decapitada. Morte do Príncipe de Portugal D. João Manuel alguns dias após o nascimento de seu

filho, D. Sebastião. 1555- Villegaignon invade a baía da Guanabara 1556- Morte de Loyola. Abdicação de Carlos V, internado-se no mosteiro de Yuste. Seu império dividido entre

seu irmão Fernando (Sacro Império) e seu filho Felipe II (Castela, Aragão, Países Baixos e o Ducado de Milão).

1557- Morte de D. João III. A rainha D. Catarina d'Austria assume a regência de Portugal Chegada de Mém de Sá, 3º Governador Geral. 1558 Diogo Laínez é eleito Geral da Companhia Morte de Carlos V no mosteiro de Yuste Morte de Maria Tudor.Sua meia-irmã Elisabeth assume o trono da Inglaterra 1559- Morte de Henrique II de França, sendo substituído por seu filho Francisco II. 1560 Após da morte de seu irmão, Carlos IX assume o trono da França. 1561- Felipe II estabelece o governo permanente me Madri 1562- O cardeal D. Henrique substitui D. Catarina na regência de Portugal 1565- Estácio de Sá ocupa a entrada da baía da Guanabara, fundando aí a vila de São Sebastião

do Rio de Janeiro (março). Felipe II impede que a Ilha de Malta, sede dos hospitalários, fosse tomada pelos turcos.

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1566- Morte de Solimão, o Magnífico. A Holanda se revolta contra o domínio espanhol 1567- Mém de Sá chega a Guanabara e derrota definitivamente os franceses (20/01) A rainha Maria da Escócia é forçada a abdicar em favor de seu filho James, ainda menor. O Duque de Alva chega à Holanda e inicia uma sangrenta repressão 1568- D. Sebastião assume o trono de Portugal, com a idade de quatorze anos. Revolta dos mouros na Espanha. Felipe II condena-os a escravidão 1569- Gerardus Mercartus publica seu primeiro mapa na projeção cilíndrica modificada 1570 D. Sebastião proíbe a remessa de índios escravizados para o Reino 1571- Solimão é derrotado na batalha naval de Lepanto pela Liga Santa, formada por Espanha,

Veneza e a Santa Sé. Os protestantes franceses são massacrados na "Noite de São Bartolomeu" 1572- Henrique de Navarra casa com a irmã de Carlos IX, Margarida de Valois. Guilherme de Orange é eleito como governante de Holanda 1573- Acordo de paz entre os turcos e Veneza, que perde a ilha de Chipre. 1574- Morte de Carlos IX de França, sendo substituído por seu irmão Henrique III. 1578- Morre na batalha de Álcacer Quibir D. Sebastião, reassumindo o trono de Portugal seu

tio, o cardeal D. Henrique (agosto). 1579- Tratado de Ultrecht, formando uma república federativa independente de Espanha

pelas setes províncias calvinistas dos Países-Baixos, sendo Guilherme de Orange o seu governador.

1579- Falecimento do cardeal D. Henrique. 1580- Batalha de Alcântara, onde as forças espanholas comandadas pelo Duque de Alvas

derrotam as forças de D. Antonio, Prior do Crato. 1581- Corte de Tomar, onde Felipe II de Espanha é proclamado rei de Portugal como Felipe I,

formando assim a União Ibérica.