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A CRISE DO MOVIMENTO OPERÁRIO E A NECESSIDADE DA OFENSIVA SOCIALISTA Sayonara Fernanda Beltrão de Melo 1 [email protected] Universidade Federal de Alagoas - UFAL GT5 - Movimentos Sociais e Estratégias de Resistência Resumo O presente artigo tem como objetivo investigar alguns dos momentos decisivos da história do movimento operário para que assim possamos compreender características essenciais da crise vivida pelas diversas formas de organização proletária. Além disso, este artigo se propõe a destacar a relação contraditória que se estabelece entre organizações operárias e o Estado em momentos decisivos do desenvolvimento do capitalismo. Para tanto, buscamos utilizar em nosso trabalho obras de autores clássicos e contemporâneos buscando assim destacar a continuidade histórica que deve ser considerada ao tratar desse tema. Palavras-Chave: Movimento operário, Estado, Classe Trabalhadora. 1. Introdução Segundo Mészáros, “Vivemos numa época de crise histórica sem precedentes que afeta todas as formas do sistema do capital” e a chave para a superação dessa condição está nas mãos do movimento dos trabalhadores. Por isso, o autor destaca a necessidade de “definir uma alternativa positiva, corporificada num movimento socialista radicalmente reconstituído.” (2011, p. 21). Para tanto, a proposta apresentada por Mészáros, e que pensamos ser a mais relevante, é a de que uma “reavaliação crítica do passado” é essencial para a “criação da alternativa radical ao modo de reprodução metabólica do capital” (2011, p.21) 1 Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Membro do grupo de pesquisa Lukács e Mészáros Fundamentos Ontológicos da Sociabilidade Burguesa.

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A CRISE DO MOVIMENTO OPERÁRIO E A NECESSIDADE DA OFENSIVA

SOCIALISTA

Sayonara Fernanda Beltrão de Melo1

[email protected]

Universidade Federal de Alagoas - UFAL

GT5 - Movimentos Sociais e Estratégias de Resistência

Resumo O presente artigo tem como objetivo investigar alguns dos momentos decisivos da história do

movimento operário para que assim possamos compreender características essenciais da crise vivida

pelas diversas formas de organização proletária. Além disso, este artigo se propõe a destacar a relação

contraditória que se estabelece entre organizações operárias e o Estado em momentos decisivos do

desenvolvimento do capitalismo. Para tanto, buscamos utilizar em nosso trabalho obras de autores

clássicos e contemporâneos buscando assim destacar a continuidade histórica que deve ser considerada

ao tratar desse tema.

Palavras-Chave: Movimento operário, Estado, Classe Trabalhadora.

1. Introdução

Segundo Mészáros, “Vivemos numa época de crise histórica sem precedentes que

afeta todas as formas do sistema do capital” e a chave para a superação dessa condição está

nas mãos do movimento dos trabalhadores. Por isso, o autor destaca a necessidade de “definir

uma alternativa positiva, corporificada num movimento socialista radicalmente

reconstituído.” (2011, p. 21). Para tanto, a proposta apresentada por Mészáros, e que

pensamos ser a mais relevante, é a de que uma “reavaliação crítica do passado” é essencial

para a “criação da alternativa radical ao modo de reprodução metabólica do capital” (2011,

p.21)

1 Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Membro do grupo de pesquisa

Lukács e Mészáros – Fundamentos Ontológicos da Sociabilidade Burguesa.

O trabalho que apresentamos aqui tem por objetivo destacar momentos importantes da

história do movimento operário desde o século XIX até o período de crise estrutural que se

inicia na década de 1970. Buscamos, através desta análise, investigar alguns dos problemas

mais sérios enfrentados pelas organizações operárias assim como a solução proposta por

alguns pensadores contemporâneos para a crise do movimento operário.

Não poderíamos, em algumas poucas páginas, analisar em detalhes séculos de história

do movimento operário ao redor do mundo. Nosso objetivo, portanto, não é estabelecer

soluções absolutas ou messiânicas, mas apenas problematizar alguns elementos que

consideramos ser fundamentais para compreender os períodos históricos destacados e o

desafio estrutural que se coloca nos dias atuais.

É inegável que as formas de organização dos trabalhadores enfrentam hoje problemas

gravíssimos que se traduzem numa crise do próprio movimento. Porem, não é a primeira vez

na história que os trabalhadores se encontram diante de uma realidade hostil. Acreditamos que

compreender as causas dessa conjuntura seja um primeiro passo imprescindível para que

possamos avançar rumo a uma superação radical dessa situação.

2. As Origens da Organização Operária

A classe trabalhadora, desde sua emergência, têm encontrado as mais variadas

maneiras de responder e se proteger dos ataques do capital e das mudanças nas formas de

organização do trabalho. Essas respostas, por sua vez, são determinadas por diversas

variantes, desde o local em que se encontra um determinado grupo de trabalhadores até o grau

de politização do grupo em questão.

Em seu estudo acerca da Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, Engels

conclui que a consequência natural da situação de exploração a qual é submetida a classe

trabalhadora é a revolta, já que “o operário só pode salvar sua condição humana pelo ódio e

pela rebelião contra a burguesia.” (ENGELS, 2010, p.247). No período de avanço da

Revolução Industrial, ao qual se debruça Engels, a revolta do operário inglês desenvolve-se

conforme a indústria evolui. Na medida em que a situação se desenrolava o trabalhador

industrial buscava se revoltar de acordo com os meios que encontrava. Assim, Engels afirma

que a primeira e mais brutal forma de revolta foi o crime, afinal,

o operário, vivendo na miséria e na indigência, via que os outros

desfrutavam de existência melhor. Não podia compreender racionalmente

porque precisamente ele, fazendo pela sociedade o que não faziam os ricos

ociosos, tinha que suportar condições tão horríveis. E logo a miséria

prevaleceu sobre o respeito inato pela propriedade. (2010, p.248) .

Engels afirma que conforme se expandia a indústria, aumentava a delinquência. No

entanto, não demorou para que os operários percebessem que aquela forma isolada e

individual não traria resultados positivos. Segundo Engels, uma atitude com caráter coletivo

veio em seguida, com a revolta contra as máquinas ou, como ficou conhecido, o ludismo. Para

ele, “a classe dos operários deu início à sua oposição à burguesia quando se rebelou

violentamente contra a introdução das máquinas, nos primeiros passos do movimento

industrial.” (2010, p. 249)

Entretanto, Engels admite que “[...] essa forma de oposição era também isolada,

limitada a determinadas localidades e dirigia-se contra um único aspecto da situação” (2010,

p.249). Portanto, podemos dizer que a quebra das máquinas era uma luta da qual a classe

trabalhadora não poderia sair vitoriosa. A evolução do sistema capitalista deixava claro que

era necessária uma oposição mais eficaz e organizada.

Engels destaca, então, o papel das associações operárias. Sabemos que por muito

tempo tais associações foram proibidas e existiram apenas na clandestinidade, enquanto

sociedades secretas. Contudo, em 1824, foi aprovada na Inglaterra a Reform Bill, uma lei que

permitia aos operários associar-se livremente. Segundo o autor, a partir desse período o

número de associações começa a crescer assim como a intervenção delas em disputas com os

patrões. O autor destaca que as finalidades principais dessas associações eram:

fixar o salário, negociar en masse, como força, com os patrões, regular

salários em relação aos lucros patronais, aumentá-los no momento propício e

mantê-los em todas as partes no mesmo nível para cada ramo de trabalho;

por isso, trataram de negociar com os capitalistas uma escala salarial a ser

cumprida por todos e recusar empregos oferecidos por aqueles que não a

respeitassem. (ENGELS, 2010, p. 250).

Engels destaca também que várias tentativas para unificar essas associações foram

realizadas, mas com pouco sucesso devido às condições objetivas daquele período, já que o

cotidiano daqueles trabalhadores impossibilitava esse tipo de mobilização. Porém, o autor

afirma que:

Quando foi possível e vantajoso, os operários de um mesmo ramo de

trabalho de diferentes distritos uniram-se numa associação federada,

organizando assembleias de delegados em datas fixas. Em alguns casos,

tentou-se unir numa só organização de toda a Inglaterra os operários de um

mesmo ramo e também houve tentativas – a primeira, em 1830 – de criar

uma única associação geral de operários de todo o reino, com organizações

específicas para cada categoria; mas esses experimentos foram raros e de

curta duração, porque uma organização desse tipo só pode ter vida e eficácia

à base de uma agitação geral de excepcional intensidade. (ENGELS, 2010, p.

250)

A classe trabalhadora parecia, então, reconhecer o poder das associações que logo se

espalharam por todo o país e aos poucos tomavam a forma de sindicatos. Engels destaca

também que mesmo que na maioria das vezes seus objetivos fossem tímidos essas associações

conseguiam representar os interesses da classe trabalhadora e, além de amenizar as condições

de trabalho do proletariado inglês, representavam um tipo de ameaça aos patrões que

entrassem em conflito.

O passo seguinte dado pela classe trabalhadora em seu caminho de luta contra o

sistema do capital é a tomada da via política. O proletariado inglês passou a reivindicar no

parlamento aquilo que não alcançava negociando com o patrão. Esse apelo à política mostrar-

se-á mais claro no final do século XIX, no entanto, ainda na primeira metade desse século é

possível encontrar exemplos de movimentos que recorrem à legislação para proteger os

interesses da classe operaria, o maior dos exemplos é o movimento cartista de 1838. Segundo

o autor,

O cartismo é a forma condensada da oposição à burguesia. Nas associações e

nas greves, a oposição mantinha-se insulada, eram operários ou grupos de

operários isolados a combater burgueses isolados; nos poucos casos em que

a luta se generalizava, na base dessa generalização estava o cartismo – neste,

é toda a classe operária que se insurge contra a burguesia e que ataca, em

primeiro lugar, seu poder político, a muralha legal com que ela se protege.

(ENGELS, 2010, p.262)

Entre as reivindicações desse movimento destacam-se o sufrágio universal, a

instituição do voto secreto e de colégios eleitorais para que fosse garantida uma representação

equitativa dos eleitores. É verdade que o cartismo aprisionava de certa forma a classe

trabalhadora nos limites da política e do Estado burguês, no entanto, Engels justifica esse

movimento de maneira simples. Segundo ele, “uma vez que os operários não respeitam a lei,

mas apenas reconhecem sua força enquanto eles mesmos não dispõem da força para mudá-la,

é mais que natural que avancem propostas para modificá-la, é mais que natural que, no lugar

da lei burguesa, queiram instaurar uma lei proletária.” (ENGELS, 2010, p. 261)

Ao fim do século XIX o sindicalismo toma conta da Inglaterra e a organização da

classe trabalhadora atinge seu ápice quando da Central Sindical Inglesa, a TUC (Trade Union

Congress), origina-se o partido Trabalhista Inglês, o Labor em 1900. Parecia então que o

movimento se fortaleceria ainda mais. Contudo, a ligação entre a central sindical e o partido

rompeu-se rapidamente, seguindo uma tendência que se espalhava a nível mundial. Com o

inicio do século XX, o movimento operário foi tomado por uma grave crise a qual tenta até

hoje superar.

3. Sindicalismo social-democrata e a cooptação dos movimentos operários pelo capital

Ao investigar a situação da organização operária no século XX, o estudioso francês

Alain Bihr afirma que há uma profunda crise de representatividade no movimento europeu

revelando que o movimento iniciado no século XIX parece ter tomado outros rumos ao longo

de seu desenvolvimento. Segundo ele, “organizações (políticas, sindicais, associativas) do

movimento operário experimentam uma grave crise de representatividade, marcada pela

diminuição de interesse por elas: a queda dos efetivos, a fraqueza do militantismo, a

incapacidade de mobilizar os trabalhadores não cessaram de se agravar no curso desses

últimos anos.” (BIHR, 2009, p.11)

Ainda segundo o autor, a chave para compreender esse desenvolvimento está no início

do século e nas decisões tomadas pelo movimento operário nesse período, pois, para Bihr, a

própria organização operaria é responsável pela situação em que se encontra hoje. Além disso,

[...] essa crise de representatividade das organizações do movimento

operário depende de um certo número de transformações mais gerais que

afetaram a sociedade em seu conjunto sob a influência crescente das relações

sociais capitalistas: dissolução de identidades coletivas, ascensão do

individualismo, perda generalizada de direção etc. (2009, p.12).

Segundo Bihr, nas primeiras décadas do século XX o modelo chamado por ele de

Sindicalismo Social Democrata emerge e torna-se predominante nos países centrais do

capitalismo. O autor define o modelo social democrata como aquele que “propõe ao

proletariado emancipar-se do capitalismo de Estado, emancipando o Estado do capitalismo”

(2009, p.20). Essa é, segundo ele, a fórmula seguida por duas correntes que surgem ao mesmo

tempo, o reformismo social-democrata e o leninismo/bolchevismo “revolucionário”.

O autor admite que, a primeira vista, parece um equivoco colocar essas duas correntes

relacionadas à mesma fonte social-democrata, mas segundo ele ambas apresentam um

“comum fetichismo do Estado” a diferença fundamental é que enquanto a versão reformista

enxerga o Estado como um órgão neutro que pode ser colocado acima das classes, a versão

revolucionaria apresenta o Estado “como transcendente e resolvendo as contradições inerentes

à acumulação do capital (em particular, aquela entre a socialização crescente da produção e a

propriedade privada dos meios de produção.)” (2009, p. 22)

Ao analisar a articulação entre organizações operárias, em especial os sindicatos, e os

partidos políticos Bihr afirma que nessa articulação existe uma hierarquização que prioriza a

ação do partido. Segundo ele,

Os partidários e defensores desse modelo do movimento operário estão de

fato convencidos que, deixado a si próprio, o proletariado é incapaz de

ultrapassar o nível da consciência imediata (a de seus interesses econômicos

e políticos imediatos), que se exprimirá na organização e na prática sindicais

(ou cooperativas mutualistas) (BIHR, 2009, p. 23).

Ele continua afirmando que entre esses militantes há também a ideia de que o

movimento operário carece de uma liderança de intelectuais que dirijam o movimento para o

bem dos trabalhadores que, por sua vez, devem apenas aceitar segui-los sem questionar.

Nesse modelo, o poder de decisão não estaria nas mãos dos trabalhadores, mas de um grupo

qualificado o bastante para mostrar-lhes o caminho a seguir, pois,

Do ponto de vista deles, uma consciência maior e mais profunda de sua

situação e de seus interesses, das necessidades e possibilidades de sua luta de

classe só pode chegar ao proletariado vinda de fora, dos famosos

“intelectuais revolucionários”, os únicos que possuíam a ciência da

sociedade e da história e que, por isso, ao se juntarem as fileiras do

proletariado, podiam legitimamente aspirar à direção de sua luta. Daí

precisamente a necessidade de um partido dirigente [...] E, sobre esse ponto

decisivo, que resulta diretamente de sua opção estratégica e de seu projeto

estatista. (2009, p.24)

Bihr afirma que ambos os modelos social-democratas tiveram que concorrer por um

determinado período com uma outra corrente que se espalhou por alguns países da Europa

(França, Itália, Espanha) e nos EUA, o modelo de sindicalismo revolucionário. O autor

analisa que este modelo de sindicato tem profundas raízes anarquistas e a característica que

mais o afasta do modelo socialdemocrata é a total negação do Estado, pois, “De seu ponto de

vista, o Estado é um órgão parasitário, em relação ao corpo social, que é preciso erradicar e

suprimir, sendo o objetivo da revolução proletária fazer desaparecer definitivamente qualquer

espécie de aparelho de Estado.” (2009, p.26)

Esse movimento não só se colocava contrário a qualquer participação do Estado na

tomada de decisões dos trabalhadores, mas também se colocava abertamente a favor da

construção de uma nova forma de sociedade sem esse órgão. Opondo-se ao centralismo

presente no bolchevismo, o sindicalismo revolucionário defendia que “Qualquer tentativa que

conduzida fora do proletariado e que pretenda emancipá-lo só pode ser uma enganação e leva,

em ultima análise, a renovar, sob outras formas, as estruturas de sua própria opressão.” (2009,

p. 27)

Esse modelo defendia diversas práticas de ação, desde a greve até o boicote aos

patrões e a sabotagem da produção. A organização espontânea também era incentivada, pois,

desta acreditava-se que emergiria a emancipação do proletariado. A concepção da estrutura

sindical era a mais radical possível, ela seria “o embrião da organização da futura sociedade

anarquista-comunista”(BIRH, 2009, p. 27). O plano político, exaltado pelo modelo social-

democrata, era veementemente rejeitado pelo sindicalismo revolucionário e segundo Bihr,

“por trás dessa recusa do primado político, o que se recusava era a separação entre

organização encarregada dos interesses imediatos e organização com a responsabilidade dos

interesses históricos do proletariado.” (2009, p.28-29)

Resta, portanto, a questão: o que fez com que o modelo social-democrata de sindicato

se impusesse sobre o modelo revolucionário? Bihr responde a essa pergunta de seguinte

forma:

O sucesso do modelo social-democrata do movimento operário é explicado,

em primeiro lugar, pela impregnação do fetichismo do Estado no próprio

seio do proletariado e do movimento operário, fetichismo que, como vimos,

constituiu o princípio diretor do modelo social-democrata. (BIHR, 2009, .31)

Na sociedade capitalista diversas características garantem ao Estado a falsa impressão

de que este é um órgão neutro, defensor de ambas as classes que constituem o sistema,

contrariando a afirmação de Marx e Engels de que “O poder executivo do Estado moderno

não passa de um comitê para gerenciar os assuntos comuns de toda a burguesia” (MARX;

ENGELS, 1998, p. 12). Bihr destaca que até mesmo a legalização do movimento operário,

“destinada a resolver a „questão social‟ por vias pacificas” (2009, p. 31) se traduz numa

importante arma para o Estado.

Segundo Bihr, a conclusão a que chegou a classe trabalhadora neste período foi

simples, a via estatal parecia ser uma saída plausível para os males da sociedade capitalista.

Seria possível, portanto, contornar os males do sistema através do Estado. Assim, difundiu-se

a “ideia de que a solução dos problemas encontrados pela luta de classe do proletariado, e até

a via de sua emancipação, encontravam-se no Estado; e que convinha, então, dar forma

política (ou melhor, estatal) a essa luta.” (BIHR, 2009, p. 32)

Dessa forma, foi firmado, segundo Bihr (2009), um acordo da classe trabalhadora com

o Estado, acordo que o autor intitula de “compromisso fordista” (p. 35) Apesar da

denominação atribuída por Bihr, o autor destaca que o compromisso ao qual se refere não

deve ser compreendido “com base no modelo da relação contratual entre dois indivíduos, tal

como é codificada pelo direito civil”, pois, “ele não é resultado de duas vontades livres, que se

engajam reciprocamente de maneira clara e refletida uma em relação à outra.” (p. 36)

Para Bihr existem três pontos essenciais para que possamos compreender este

compromisso. Primeiro, ambos os lados foram, de certa forma, forçados a aceitar o acordo,

pois este parecia ser o caminho mais seguro para garantia dos objetivos de ambas as partes.

Além disso, “mesmo onde foi oficial e declarado [...] esse compromisso resultou de um

processo muitas vezes cego e, portanto, também ilusório para seus protagonistas” (2009,

p.36). Por ultimo, Bihr afirma que não foram os membros das classes envolvidas que

aceitaram tal acordo, mas seus representantes oficiais ou “intermediários organizacionais e

institucionais” (2009, p.37)

Para o autor a consequência para a classe trabalhadora é que está acabou por renunciar

à luta revolucionária por uma nova sociedade e aceitou a legitimidade do poder da classe

dominante em troca de garantias de seguridade social. Apesar disso, o autor acredita que “esse

compromisso não acabou com a luta de classes, com o enfretamento entre o proletariado e a

burguesia. No máximo, ele terá circunscrito a disputa à instauração do compromisso, à

definição de seus termos e à delimitação de seu campo de aplicação.” (Bihr, 2009, p. 37)

Em troca, o capital proporcionou à classe trabalhadora concessões2 das mais variadas

que garantiam desde a estabilidade no emprego até o atendimento de necessidades sociais

ligadas à habitação, saúde, educação etc. Como resume Bihr, este acordo tratava-se da

perspectiva de sair da miséria, da instabilidade, da incerteza do futuro e da

opressão desenfreada, que basicamente caracterizam até aquele momento a

condição proletária. É justamente a garantia de adquiri direitos, não só

formais (direitos cívicos e políticos) mas reais (direitos sociais), cujo

respeito seria garantido pelo Estado, e de ter acesso a uma vida se não

agradável, pelo menos suportável (aceitável). (BIHR, 2009, p.38)

Do lado da burguesia, ainda que esta abrisse mão de alguns privilégios, garantia

através dessa barganha o livre desenvolvimento do capital que aquele período necessitava. Do

lado da classe trabalhadora, no entanto, este acordo foi responsável por instaurar uma

verdadeira crise no movimento operário em um momento histórico crítico. As vantagens das

quais a classe trabalhadora pode tirar proveito não podiam durar muito tempo. O período que

ficou conhecido como Estado de Bem-Estar – que representou o ápice desse momento de

prosperidade e conquista de direitos sociais – não podia se manter por muito tempo.

Logo, ainda no século XX, mais especificamente na década de 1970, o sistema do

capital entrou em sua crise estrutural3, que, diferente das crises (cíclicas) anteriores, colocava

em risco a reprodução de seu metabolismo social. Sem alternativas, o capital não hesitou em

retirar a maioria absoluta das concessões que havia feito à classe trabalhadora em seu

momento de prosperidade. Assim, o movimento operário tinha a sua frente um imenso desafio

histórico a superar.

2 No entanto tais concessões representaram apenas soluções parciais para problemas estruturais inerentes ao

sistema do capital. Um estudo mais completo acerca desse tema pode ser encontrado em LESSA, S. CAPITAL E

ESTADO DE BEM-ESTAR: O Caráter das Políticas Públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013. 3 Conceito que Mészáros analisa ao longo de sua mais conhecida obra Para Além do Capital - Rumo a uma teoria

da transição. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.

4. A necessidade da ofensiva socialista

Podemos afirmar que a história do movimento operário evoluiu de maneira complexa

e, em muitos momentos, imprevisível. Segundo Mészáros, graças às próprias condições

objetivas que interferiram em seu desenvolvimento, “o movimento operário não conseguiu

evitar ser setorial nem parcial.” (MÉSZÁROS, 2011, p. 22). Além disso, segundo o autor, “o

caráter setorial e parcial do movimento operário se combinou com sua articulação defensiva.”

Por sua vez, “o aprofundamento da postura defensiva representou, portanto, um avanço

histórico paradoxal. Pois o movimento operário, por meio de seus primeiros sindicatos,

passou a ser o interlocutor do capital, sem deixar de ser objetivamente seu adversário

estrutural.” (2011, p. 22-23)

Mészáros admite que a consequência imediata dessa cadeia de acontecimentos foi que

“desta nova posição defensiva, foi possível ao movimento operário, em condições favoráveis,

obter algumas vantagens para certos setores do movimento.” (2011, p. 23) Porem, o autor

lembra que as vantagens concedidas pelo capital foram superficiais e breves. Em sua análise

do Welfare State, Mészáros afirma que este:

foi limitado, tanto no que se refere às condições favoráveis de expansão

tranquila do capital nos países onde tal ocorreu como precondição para o

surgimento do Estado de bem-estar, quanto no que se refere à escala de

tempo, marcada no final pela pressão da direita radical, ao longo das três

ultimas décadas, pela liquidação completa do Estado de bem-estar, em

virtude da crise estrutural do sistema do capital. (2011, p. 23)

Para Mészáros, a constituição dos partidos trabalhistas em várias partes do mundo

“assumiu a forma da separação do „braço industrial‟ do movimento operário (os sindicatos) de

seu braço político (os partidos social-democratas e de vanguarda)” (2011, p.23) e essa

separação, por sua vez, representou também a tomada de uma postura defensiva. O autor

explica:

[...] esses dois tipos de braços se apropriam do direito exclusivo de tomada

de decisão, o que já podia ser antevisto na setorialidade centralizada dos

próprios movimentos sindicais. Esta atitude defensiva tornou-se ainda pior

em razão do modo de operação adotado pelos partidos políticos, que

obtinham algumas vantagens ao custo do afastamento do movimento

socialista de seus objetivos originais. (MÉSZÁROS, 2011, p.23)

Para Mészáros, grande parte da ineficácia da ação dos partidos políticos está no fato de

que eles jogam segundo as regras do capital. O parlamento não pode representar o trabalho e

para que um partido seja aceito pelo capital precisa abrir mão de suas reivindicações mais

radicais. A classe trabalhadora passa assim, a representar uma moeda de barganha dos

partidos trabalhistas. Segundo o autor,

na estrutura parlamentar do capitalismo, a aceitação pelo capital da

legitimidade dos partidos políticos operários foi conquistada em troca da

declaração da completa ilegalidade do uso do „braço industrial‟ para fins

políticos, o que representou uma severa restrição aceita pelos partidos

trabalhistas, e que condenou à total impotência o imenso potencial

combativo do trabalho produtivo materialmente enraizado e potencialmente

e politicamente mais eficaz. (MÉSZÁROS, 2011, p.23)

Parte da solução para a crise em que o movimento dos trabalhadores se encontra está,

segundo Mészáros, na rearticulação entre braço sindical e braço político do movimento

operário que, segundo ele, deve se dar:

mediante, de uma lado, a atribuição aos sindicatos de tomada de decisão

significativa (incentivando-os a serem diretamente políticos) e, de outro, e

pela transformação dos próprios partidos políticos em participantes

desafiadoramente ativos nos conflitos industriais, como antagonistas

incansáveis do capital, assumindo a responsabilidade pela luta dentro e fora

do parlamento. (MÉSZÁROS, 2011, p. 23)

Podemos destacar algumas similaridades na crítica de Mészáros com a análise

apresentada por Alain Bihr. Entendemos que, de fato, o movimento operário parece ter

estabelecido uma espécie de pacto com o Estado. Um pacto que parecia justo, afinal, os frutos

do Welfare State pareciam legitimá-lo e consagrar sua eficácia. No entanto, a realidade que se

apresenta para aqueles que analisam dos fundamentos dessa condição é que esse compromisso

representou uma espécie de “autocensura entorpecente, que resultou numa inatividade

estratégica que continua até hoje a paralisar até mesmo os remanescente mais radicais da

esquerda histórica organizada.” (MÉSZÁROS, 2011, p. 24)

Ao analisar o movimento dos trabalhadores na Inglaterra, movimento este entrelaçado

com o Novo Trabalhismo, ou o New Labour inaugurado por Tony Blair, Mészáros afirma que

este “é hoje em dia, em todas as suas variedades europeias, o grande facilitador de resultados

apenas para os interesses arraigados do capital, seja no domínio do capital financeiro [...] ou

em algumas de suas seções comerciais e industriais quase completamente monopolistas.”

(MÉSZÁROS, 2011, p. 25)

Entretanto, apesar de Mészáros, assim como Bihr, reconhecer que o movimento

operário vive, desde meados do século XX, uma profunda crise de representatividade, o autor

defende que a ofensiva socialista pode e deve se impor ao capital representando uma saída

radical em favor do trabalho.

O autor chama também atenção para o momento delicado que vivemos atualmente e

afirma que é preciso se manter atento. Soluções antigas voltam a ecoar nos momentos críticos,

em especial em um momento de crise estrutural. A classe trabalhadora precisa então se

organizar e resistir às soluções propostas pelo capital que se assemelham tanto àquelas

encontradas pelo Estado de Bem-Estar. De fato, as concessões que foram dadas naquele

período não podem ser oferecidas novamente pelo capital ou por seu interlocutor, o Estado.

No entanto, Mészáros atenta que “não é de surpreender que, nas atuais condições de crise, o

canto de sereia do keynesianismo seja ouvido novamente como um remédio milagroso, como

um apelo ao antigo espírito do „consenso expansionista‟ a serviço do „desenvolvimento‟”.

(MÉSZÁROS, 2011, p. 25)

Para o autor, é inegável que “A reconstituição da unidade da esfera política e

reprodutiva material é a característica essencial definidora do modo socialista de controle

sociometabólico.” No entanto, a esfera política não pode, de forma alguma, estar confinada ao

parlamento – legitimado pelo capital, afinal “não se podem esperar bons resultados do

confinamento da dimensão abrangente da alternativa radical hegemônica ao modo de controle

sociometabólico do capital à esfera política.” (MÉSZÁROS, 2011, p. 30)

A proposta de Mészáros é, portanto, a de uma verdadeira ofensiva socialista4, ou seja,

um movimento que deixe de lado as características negativas e defensivas que herdou das

negociações enganosas que empreendeu com o capital, para que a radicalidade das

organizações dos trabalhadores possa ser recuperada e ultrapasse os limites impostos por este

sistema. Somente assim, para o autor, uma alternativa fundamentalmente nova e disposta a

superar essa sociedade poderia ser construída.

5. Considerações Finais

Alain Bihr alerta na introdução de seu livro que “tudo que tange ao movimento

operário, à sua situação atual ou à sua história recente suscita, hoje, na melhor das hipóteses,

um desinteresse educado, quando não uma hostilidade declarada” (2009, p. 9). De fato, no

momento em que nos encontramos, no qual buscamos incessantemente uma saída para a

situação atual, olhar para trás pode parecer uma perda de tempo.

A investigação que realizamos, no entanto, nos mostra algo diferente. Acreditamos

que somente ao compreender as decisões precipitadas tomadas no passado podemos garantir

que estas não se repitam no futuro. Queremos, portanto, destacar a importância de conhecer a

história do movimento operário para a realização de uma crítica fundamentalmente radical

deste nos dias atuais.

Através do estudo aqui apresentado tentamos demonstrar como as relações e acordos

realizados entre as organizações operárias e o capital, tendo como intermediário o Estado,

colocou o movimento operário em uma situação complicada, que se traduz hoje em uma grave

4 O autor discorre em detalhes acerca do que defende ser a ofensiva socialista no capítulo 18 de sua obra Para

Além do Capital.

crise. Aqui também destacamos que as concessões que o capital garantiu a classe

trabalhadora, e que por algum momento pareceram vantajosas, não puderam ser mantidas por

muito tempo. Assim, fica comprovado que a contradição radical entre capital e trabalho não

pode ser amenizada por muito tempo.

Ao analisarmos a situação atual do movimento dos trabalhadores, concluímos que,

diante de uma crise estrutural que ameaça todas as bases do sistema do capital, a necessidade

de uma ofensiva socialista é inegável. Essa ofensiva, por sua vez, não pode ser construída até

que os erros do passado sejam corrigidos e a crise do movimento seja superada. Por último,

destacamos que apesar da tarefa para o futuro ser clara esta não é simples, e muitos erros

podem ser cometidos novamente. Contudo, a reconstituição do movimento operário não só é

possível como é necessária, pois, uma alternativa viável ao sistema do capital só pode ser

construída pela ofensiva do movimento organizado dos trabalhadores.

Referências Bibliográficas

BIHR, A. Da Grande Noite à Alternativa: o movimento operário europeu em crise São

Paulo: boitempo, 2009.

ENGELS, F. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo

Editorial, 2013.

MARX, K; ENGELS, F. O manifesto do partido comunista. São Paulo: Cortez, 1998.

MÉSZÁROS, I. Para Além do Capital - Rumo a uma teoria da transição. São Paulo:

Boitempo Editorial, 2011.