marx e engels sobre educação

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    S TEXTOS SOBRE

    EDUCAOE ENSINO

    SRIE

    Coord. Jos Claudinei Lombardi

    NAVEGANDOp u b l i c a e s

  • 8/3/2019 Marx e Engels sobre Educao

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    KARL MARX E FRIEDRICH ENGELSKARL MARX E FRIEDRICH ENGELSKARL MARX E FRIEDRICH ENGELSKARL MARX E FRIEDRICH ENGELS

    TEXTOS SOBRETEXTOS SOBRETEXTOS SOBRETEXTOS SOBREEDUCAO E ENSINOEDUCAO E ENSINOEDUCAO E ENSINOEDUCAO E ENSINO

    http://www.navegandopublicacoes.net/
  • 8/3/2019 Marx e Engels sobre Educao

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    Textos sobre Educao e Ensino

    Edio Eletrnica (e-book)

    Autores

    Karl Marx e Friedrich Engels

    Capa

    Karl Marx e Friedrich Engels trabalhando conjuntamente. Autor e

    data da ilustrao desconhecidos.

    Ftima Ferreira da Silva

    Gustavo Bolliger SimesAna Carolina Maluf

    Diagramao e Composio

    Ftima Ferreira da [email protected]

    Gustavo Bolliger Simes

    [email protected]

    Ana Carolina Maluf

    [email protected]

    Srie

    Coordenador

    Jos Claudinei Lombardi

    www.navegandopublicacoes.net

    [email protected]

    Produo Editorial

    Campinas

    Brasil

    2011

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]://www.navegandopublicacoes.net/mailto:[email protected]:[email protected]://www.navegandopublicacoes.net/mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    2011 Navegando Publicaes

    Capa e Editorao: Ftima Ferreira Silva e Gustavo Bolliger Simes

    Produo editorial: Navegando Publicaes

    Ttulo Original:Critique de L'education etde L'enseignement

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP).(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Textos sobre Educao e Ensino / Karl Marx e Friedrich EngelsCampinas, SP: Navegando, 2011

    1. Educao - Filosofia 2. Engels, Friedrich, 1820 - 1895 3. Ensino 4.

    Marx, Karl, 1818 - 1883I. Engels, Friedrich, 1820 - 1895 11. Ttulo.

    04-0863 CDD-370.1

    ndices para catlogo sistemtico:Educao: Filosofia 370.1

    Ensino: Filosofia 370.1

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    SUMRIOSUMRIOSUMRIOSUMRIO

    Introduo

    1. Os textos ........................................................................................................................... 6

    2. Os temas........................................................................................................................... 9

    3. Alguns temas polmicos.......................................................................................... 17

    4. Marx e Engels como ponto de partida ............................................................... 20

    Nota sobre a presente edio ...................................................................................... 23

    I. Sistema de Ensino e Diviso do Trabalho ..................................................25

    II. Educao, Formao e Trabalho ................................................................. 41

    III. Ensino, Cincia e Ideologia .......................................................................... 64

    IV. Educao, Trabalho Infantil e Feminino ................................................. 83

    V. O Ensino e a Educao da Classe Trabalhadora .................................... 111

    Bibliografia ........................................................................................................... 141

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    INTRODUOINTRODUOINTRODUOINTRODUO

    1. OS TEXTOS

    Marx e Engels nunca escreveram um texto - folheto, livro ou

    artigo - dedicado expressamente ao tema do ensino e educao. Suasreferncias sobre estas questes aparecem separadas ao longo de

    sua obra, tanto nos escritos de sua juventude como nos de sua

    maturidade, tanto nos Manuscritos como em O Capital. A partir de

    sua produo no possvel "levantar" um sistema pedaggico ou

    educativo completo e elaborado.

    Isso no quer dizer, no entanto, que as referncias sejamsimples opinies conjunturais, e, enquanto tais, perfeitamente

    desprezveis do ponto de vista terico. certo que muitas vezes

    tratam-se de opinies alfilo dos acontecimentos, porm no toa

    que, no geral, as afirmaes conjunturais de Marx e Engels no

    perdem nunca de vista a generalidade, tanto de seu pensamento

    quanto da circunstncia histrica. Nem um nem outro foram

    polticos pragmticos ou realistas, tal como esses termos so

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    entendidos atualmente. Sua inflexvel no renncia aos princpios

    proverbial e no pode ser ignorada.

    Precisamente por isso, as afirmaes sobre educao eensino, como as que fizeram sobre arte e literatura1, dificilmente

    podem nos servir para a atual polmica em torno dos problemas do

    ensino, convertidas, como costuma acontecer com os argumentos no

    curso das polmicas, em armas audaciosas. Mas nos serviro para

    um eventual debate sobre a ndole e as condies para a

    configurao de um horizonte histrico no qual as relaes de

    dominao tenham desaparecido.

    Muitas destas opinies e anlises breves surgiram como uma

    crtica s situaes que o capitalismo - e concretamente a

    manufatura - tinham produzido. Ora, esta crtica nunca foi uma

    reconveno moral ou uma tentativa de "reajustar" a situao, de

    faz-la mais coerente. Inclusive quando as referncias so

    explicitamente concretas - como o caso da interveno na

    Internacional (24)2 ou as crticas ao sistema escolar ingls ou

    prussiano (31, 32, 33) -, a crtica se desprende do imediato e

    estabelece um marco de referncia bem distinto: uma sociedade sem

    classes, uma sociedade na qual todos os cidados sejam realmente

    iguais e as relaes de dominao brilhem por sua ausncia.

    Pensamos que este o ponto que d razo de um interesse: a leituraatual destes textos.

    Este procedimento no exclusivo de Marx e Engels, e seria

    injusto ignor-lo ou pretender o contrrio. A primeira metade do

    sculo XIX se caracteriza pelo estabelecimento e a traumtica

    1 Marx e Engels, Textos sobre a Produo Artstica, Madrid, Comunicacin,

    1976.2 Os nmeros entre parntesis remetem aos textos antologizados.

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    consolidao de um modo de produo, o capitalismo, e uma

    formao social, burguesa, que vai no s encontrar crticas

    circunstanciais, mas tambm abundantes contestaes globais. Todo

    o movimento utpico - socialista e anarquista, a cuja justa

    reivindicao estamos assistindo - se baseia na construo de

    modelos, alguns terminados at com detalhes excessivos, que

    contestam o que est sendo estabelecido. No seu seio, a educao

    um aspecto prioritrio e acuciante. A falta de ateno s

    necessidades sociais no campo da educao e ensino, que prpria

    dos primeiros anos do capitalismo - e que todavia arrastamos -,unida s dramticas condies de trabalho da populao operria -

    acentuadas no caso do trabalho infantil e feminino - colocam o

    ensino e a educao em primeiro plano.

    Todos os socialistas utpicos, todos os anarquistas

    chamaram ateno sobre estes aspectos e, ainda mais, confiaram no

    ensino e na instruo como instrumentos de transformao. Aemancipao dos indivduos, sua libertao das condies

    opressoras s poderia se dar quando tal emancipao alcanasse

    todos os nveis, e, entre eles, o da conscincia. Somente a educao, a

    cincia e a extenso do conhecimento, o desenvolvimento da razo,

    pode conseguir tal objetivo. Aparecem aqui muitos dos tpicos - os

    melhores - do pensamento ilustrado, que se impuseram no s por

    razes de autoridade ou peso acadmico e intelectual, mas tambm

    diante da efetiva transformao das pessoas a que induziam.

    Marx e Engels no foram, nem poderiam s-lo, alheios a esta

    atmosfera. Seu conflito com o socialismo utpico, pde motivar um

    esquecimento injusto de suas propostas igualmente utpicas. Foi

    necessria uma ampla reviso, uma profunda transformao das

    pautas do debate marxista, para que esses aspectos voltassem a ter a

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    importncia que exigem. Trata-se - e esperamos que seja perceptvel

    para os leitores da presente antologia - de transformar radicalmente

    nosso meio.

    2.OS TEMAS

    Os textos da antologia incidem sobre uma srie de temas,

    alguns dos quais j foram sugeridos. Existe um que se destaca sobre

    os restantes, inclusive pela sua extenso: a diviso do trabalho e seus

    efeitos. A diviso do trabalho (1, 8), consubstancial ao processo de

    implantao do modo de produo capitalista, o eixo sobre o qual

    se articulam as colocaes de Marx e Engels, em tomo do tema da

    educao e do ensino. Estabelece uma diviso, igualmente radical,

    entre os tipos de atividade e os tipos de aprendizagem, prolongando-

    se em uma diviso social e tcnica que interfere no desenvolvimentodo indivduo e constitui o ponto chave dessa trama em que se produz

    a explorao dos trabalhadores.

    A diviso do trabalho , historicamente, exigida pelo

    processo do trabalho manufatureiro ou industrial. O

    desenvolvimento da mquina incorpora a esta a habilidade do oficio

    e os conhecimentos que antes residiam no - e eram possesso do -trabalhador. Desta forma, a cincia e os conhecimentos passam a ser

    propriedade do capital, e o trabalhador se encontra enfrentando-os.

    Tal como indica Engels, "vigiar as mquinas, renovar os fios

    quebrados, no so atividades que exijam do operrio algum esforo

    do pensamento, ainda que, por outro lado, impeam que ocupe seu

    esprito em outra coisa" (7). Este um ponto do qual se deduzem,

    pelo menos, duas consequncias: por um lado, est na base do

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    enfrentamento de classe; por outro, o fundamento de uma

    limitao substancial do desenvolvimento do indivduo. Se a

    primeira alude diretamente explorao - a apropriao dos meios

    produtivos e da cincia e da cultura com eles, permite a explorao -

    a segunda afeta substancialmente a educao e formao dos

    indivduos - a limitao de seu conhecimento mutila e reprime o

    desenvolvimento de suas faculdades criadoras. Eis aqui o "gozno"

    sobre o qual se articulam dois aspectos habitualmente separados do

    pensamento de Marx e Engels: emancipao social e emancipao

    humana.

    Em princpio, parece possvel fazer dois tipos de

    argumentaes e oferecer dois tipos de dificuldades. Existe um

    bastante simples: se certo que com o desenvolvimento do

    maquinismo, a cincia e a tcnica se incorporam mquina, certo

    tambm que o desenvolvimento desta introduz uma srie de

    exigncias de qualificao da fora de trabalho que traz consigo aapario, consolidao e auge do sistema escolar institucionalizado.

    Outra mais complexa: se certo que com o desenvolvimento do

    maquinismo se incorporam mquina todas aquelas habilidades,

    isso no faz mais que afetar a fora de trabalho, e no a capacidade

    criadora do homem.

    Mas parece oportuno fazer frente agora a cada uma destasdificuldades e afirmaes, no tanto por um af polmico, mas

    porque no curso da contestao se esclarecem alguns dos aspectos

    centrais do pensamento de Marx e Engels.

    evidente que a primeira a constatao de um fato

    imbatvel. Longe de introduzir um maior nvel de incultura, o

    capitalismo exigiu uma crescente capacidade intelectual de todos os

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    indivduos, estendendo o sistema escolar, institucionalizando-o e

    aprofundando-o. Os ndices de analfabetismo se reduzem

    drasticamente na medida em que as sociedades agrrias se

    transformam em industriais, a indstria da cultura experimenta um

    auge importante e a fisionomia cultural da sociedade muda

    radicalmente em relao aos sculos anteriores. Neste terreno

    parece que as afirmaes dos utopistas, e de Marx e Engels, se

    movem no vazio. E mais, parece que em todos eles existe uma certa

    nostalgia do arteso perdido.

    Talvez exista alguma nostalgia do arteso perdido nos

    socialistas utpicos, porm, no em Marx e Engels. Sua pretenso

    no retomar a situaes pr-capitalistas nem criar o osis do pr-

    capitalismo e artesanato na sociedade industrial. Sua pretenso no

    terminar com a escola para voltar a uma instruo natural (isto ,

    uma instruo tampouco natural como a proporcionada pela Igreja, a

    famlia tradicional, os meios burgueses de comunicao etc.). Marx eEngels no pretendem voltar atrs, mas sim ir em frente; no

    pretendem voltar ao artesanato, mas sim superar o capitalismo, e

    essa superao s pode se realizar a partir do prprio capitalismo,

    acentuando suas contradies, desenvolvendo suas possibilidades.

    Neste caso, no se trata de voltar situao pr-escolar,

    instruo baseada na leitura bblica ao amor do fogo, muito pelocontrrio. As propostas de Marx e Engels se movem num horizonte

    bem concreto: criticar a atual instituio escolar e mud-la.

    Marx e Engels escreveram num momento em que o

    desenvolvimento das foras produtivas era reduzido. Sabe-se que os

    primeiros tempos da industrializao se caracterizaram pelo

    aumento do trabalho simples - com a perda da capacidade artesanal

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    existente - a extenso do trabalho infantil e feminino em condies

    de vida inferiores s existentes nas formaes sociais agrrias.

    Porm, no ignoraram que, primeiro, esta situao teria de ser

    transitria e, segundo, que o desenvolvimento cultural era

    necessrio para a consolidao e posterior desenvolvimento das

    foras produtivas. Suas referncias s necessidades da burguesia e

    incapacidade de boa parte desta para assumi-la, so um bom

    exemplo desta colocao (31, 34). Sua concepo no se reduz ao

    simplismo de enviar outra vez as pessoas para o campo - como se a

    vida no campo no fosse igualmente miservel -, mas o que pretende corrigir a situao e colocar as bases de um modo diferente.

    Reivindicaes to concretas como "ensino gratuito e obrigatrio"

    para todas as crianas, muito conhecida no Manifesto, tambm

    conhecida em outros textos (41), a delimitao do trabalho das

    crianas, adolescentes e mulheres (24, 27) etc., vo por esse

    caminho. Sua preocupao em introduzir um novo tipo de ensino,

    unindo o trabalho manual ao intelectual, pretende estabelecer as

    bases de um sistema novo que terminar com a ideologizao da

    cincia e as estruturas familiares e educativas estabelecidas.

    Estavam conscientes das necessidades culturais - cientficas

    e tcnicas - das foras produtivas que a sociedade industrial havia

    posto em marcha; isto se manifesta quando lemos suas opinies

    sobre o comportamento da burguesia francesa, inglesa e alem;

    porm, estavam conscientes tambm da incapacidade desta em

    resolver os problemas colocados e da exclusiva capacidade do

    proletariado para lev-los a bom termo (24, 27, 31, 33 e 40). Esta a

    perspectiva com que Marx e Engels abordam o tema do ensino e

    educao: a da classe operria.

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    Ambos procuraram fugir de colocaes abstratas,

    excessivamente gerais ou excessivamente vagas. A situao que lhes

    interessa a dos trabalhadores e o modelo em que pensam o de

    uma estrutura social onde os trabalhadores tenham a hegemonia,

    onde desaparea a diviso do trabalho e a felicidade substitua a

    necessidade. Para chegar at a, no se deve voltar atrs, deve-se

    caminhar adiante.

    A segunda dificuldade e argumentao a que fizemos

    referncia mais complexa. As afirmaes iniciais pressupunham a

    identificao de fora de trabalho e capacidade criadora,

    identificao que de nenhuma maneira est verificada e que

    dificilmente pode ser aceita.

    Com efeito, Marx e Engels levaram a cabo esta identificao,

    ainda mais, combateram por ela como uma das bases fundamentais

    de suas propostas revolucionrias. Ao longo da histria, e muito

    especialmente depois da instalao definitiva da concepo crist, a

    sociedade veio mantendo uma noo cindida do homem. Cindido

    entre o divino e o humano, o indivduo ia introduzir uma segunda

    ciso (que podia ter ou no justificativa e fundamento naquela

    primeira) entre o trabalho e o gozo. O desenvolvimento da revoluo

    industrial faz desta diviso a base do sistema de trabalho e sua

    organizao social. A diferena entre tempo de trabalho e tempolivre aumenta medida em que a manufatura ocupa todos os

    espaos da produo.

    At certo ponto, cabe dizer que a trajetria intelectual de

    Marx e Engels vai por um caminho crtico que atravessa estas

    mesmas etapas. Nos primeiros textos sobre A Questo Judaica ou A

    Sagrada Famlia se ocupam da crtica da alienao religiosa - no seio

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    do debate ps-hegeliano, que tanta importncia teve na poca e que

    est na base de sua formao filosfica e intelectual em geral3 -,

    chegando, em profundidade crtica, a analisar a alienao produzida

    pela explorao.

    Talvez seja nos Grundrisse4onde Marx explicitou de maneira

    mais clara suas propostas em torno da necessidade de assimilar

    fora de trabalho e capacidade criadora dos homens. O modo de

    produo capitalista se caracteriza pela explorao; isto , pela

    apropriao da fora de trabalho. O capital se apropria da fora de

    trabalho e a objetiva, a realiza a fim de gerar mais-valia. Trabalho

    produtivo aquele que gera mais-valia (35)5. Ora, por ele mesmo o

    capital somente se apropria daquela fora de trabalho que pode

    gerar mais-valia, procurando que toda fora de trabalho esteja em

    condies de ger-la. Esse "estar em condies de" obtido atravs

    da qualificao com um ensino adequado. Mas, como s possvel

    realizar a explorao atravs do mercado, orienta a qualificao paraaquelas atividades ou formas (no seio de uma atividade) que tem

    maior acesso e predicamento no mercado. O sistema de ensino

    entendido, assim, como uma concreta qualificao da fora de

    trabalho que alcanar seu aproveitamento mximo se conseguir

    tambm o ajuste e a integrao dos indivduos no sistema, nica

    maneira de no desperdiar sua fora de trabalho, mas sim,

    aproveit-la. Dito de outra forma: reproduz o sistema dominante,

    tanto a nvel ideolgico quanto tcnico e produtivo.

    3 Cfr. M. Rossi, A Gnese do Materialismo Histrico, especialmente os doisprimeiros volumes, A Esquerda Hegeliana e O Jovem Marx, Madri,Comunicacin, 1971.4 Os Fundamentos da Crtica da Economia Poltica, Madri, Comunicacin, 1972,

    2 vols.5 Cfr., O Capital, I, Mais-valia absoluta e relativa.

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    A qualificao da fora de trabalho encaminha-se para a

    produo; a educao ideolgica, que atura o que explicitamente lhe

    superposto (especialmente nos primeiros nveis do sistema

    escolar), as quais so atacadas duramente por Marx e Engels (42),

    pretende um ajuste ou integrao social. Nada prprio sobra ao

    indivduo e dificilmente suportaria tal presso se no fosse

    compensado por um tempo de cio, seu tempo livre, aquele em que

    pode fazer o que quiser, desenvolver sua capacidade criadora, suas

    inclinaes, suas prticas pessoais... Limitadas sero umas

    inclinaes, que s contam com o autodidatismo, separadas de suafora de trabalho, pobres resduos de uma capacidade criadora

    exausta aps a jornada de trabalho.

    Ainda que tenham surgido algumas das incidncias que esta

    situao produz no sistema de ensino, parte do sistema educativo,

    conveniente que nos estendamos um pouco mais sobre elas.

    Antes de mais nada, necessrio assinalar que o aparato

    escolar levantado pelo modo de produo capitalista se configura

    ideologicamente no s em funo dos componentes explicitamente -

    tematicamente - ideolgicos que comporta, mas tambm porque cria

    - e consolida - um marco de ciso onde a alienao da fora de

    trabalho um fato natural. A educao no se produz somente no

    seio das disciplinas "no teis" que possam dividir-se nas chamadasmatrias humansticas, mas, muito especialmente, na organizao de

    todo o sistema. Da que a luta pela transformao do sistema no se

    leve a cabo contra esta ou aquela ideologia, seno contra o carter

    ideolgico que possui sua prpria estrutura (o que no impede que

    eventualmente se combata esta ou aquela ideologia, precisamente a

    que tematiza e defende aquele carter), tal como Marx e Engels

    colocam em relevo.

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    Tudo isso no faz mais que nos reconduzir ao ponto inicial,

    porm agora com um conhecimento maior: a relao entre a diviso

    do trabalho e a educao e o ensino no uma mera proximidade,

    nem tampouco uma simples consequncia; uma articulao

    profunda que explica com toda clareza os processos educativos e

    manifesta os pontos em que necessrio pressionar para conseguir

    sua transformao, conseguindo no s a emancipao social, mas

    tambm, e de forma muito especial, a emancipao humana.

    Dada sua importncia, este tema se estende praticamente a

    todas as reflexes de Marx e Engels sobre o ensino, sobretudo

    quelas - abundantes - que criticam o trabalho infantil e feminino, o

    trabalho dos adolescentes e as que expem a necessidade de

    introduzir um sistema educativo que elimine a situao dominante.

    Parece-me oportuno assinalar aqui que Marx e Engels vangloriam-se

    de um conhecimento exaustivo da legalidade' existente e da

    realidade concreta que esto denunciando. Tambm neste ponto semovem no mbito prprio dos socialistas utpicos e dos primeiros

    socialistas6.

    Propem uma srie de transformaes dentre as quais

    distinguimos duas perspectivas diferentes: a curto e mdio prazo e a

    longo prazo. A curto e mdio prazo so algumas das propostas que

    Marx faz em sua exposio diante do Conselho Geral da AIT emagosto de 1869, ou em sua Crtica do Programa de Gotha (39);

    enquanto que uma transformao a longo prazo se vislumbra nos

    Princpios do Comunismo, de Engels, j citados, ou nas precises de

    Marx a propsito da Comuna (40).

    6 Especialmente as anlises de R. Owen.

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    3.ALGUNS TEMAS POLMICOS

    Alm dos temas resenhados, nos textos de Marx e Engelssobre educao e ensino, aparecem outros que esto na mais

    candente atualidade. Entre todos, o mais interessante me parece ser

    o que se refere ao "ensino estatal".

    O desenvolvimento da revoluo industrial e o triunfo do

    liberalismo trouxeram consigo uma transformao fundamental do

    aparato escolar. At ento, a educao familiar, gremial e religiosa,

    havia sido dominante e suficiente. A instruo nos centros

    especializados estava limitada a poucas disciplinas - medicina,

    direito, gramtica - e era uma atividade claramente minoritria. As

    necessidades tecnolgicas produzidas por mudanas ocorridas nas

    foras produtivas e, por outro lado, as exigncias liberais de

    entender a educao e o conhecimento como condio da igualdade

    entre todos os cidados determinaram a institucionalizao,extenso e profundizao do aparato escolar.

    Nos pases em que isso foi possvel, o ensino passou

    paulatinamente a depender do Estado, posto que se considerou

    como uma necessidade social que os cidados teriam de satisfazer

    pelo simples fato de serem cidados. Porm, esse processo se

    realizou com uma lentido considervel e se foi obtida foi,precisamente, pela presso do movimento operrio, que neste e em

    outros setores, colocou em primeiro lugar reivindicaes que

    conduziram a uma igualdade efetiva de todos os cidados. Somente

    no final do sculo, comea a consolidar-se um aparato escolar de

    dependncia estatal, gratuito e amplo, e somente em alguns pases -

    Frana, por exemplo. Em outros - na Espanha a incapacidade da

    burguesia e do Estado burgus - ou sua especial estrutura - motivou

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    um processo muito mais complexo e quebrado onde amplos setores

    privados se encarregaram de fazer o que os poderes pblicos no

    podiam e/ou no queriam realizar. Desta forma, o aparato escolar

    adquiriu, nos diferentes pases europeus, uma fisionomia muito

    diversa, ainda que no sculo atual a tendncia homogeneidade

    comea a ser mais intensa.

    Desde o princpio viu-se que o ensino podia converter-se em

    um dos meios fundamentais de dominao ideolgica e, portanto, em

    um instrumento essencial para alcanar e consolidar a hegemonia da

    classe no poder. O estado de classe estava intimamente ligado ao

    ensino de classe. Ainda que no sem tenses, o aparato escolar se

    convertia em um apndice da classe dominante. As instituies

    tradicionais da sociedade pr-capitalista europeia, a famlia, o

    grmio, a Igreja, entram em decadncia e algumas - o grmio -

    desaparecem. Ao longo da histria, estas instituies haviam sido o

    instrumento de reproduo ideolgica - alm de ter outras funesque agora no vm ao caso. Sua decadncia acentuou-se pelo auge

    dos meios de comunicao de massas, que se converteram no marco,

    por excelncia, da reproduo. Ora, as condies culturais das

    massas no eram, em princpio, muito adequadas para esse

    crescimento. O analfabetismo, geral no campo e muito extenso nos

    ncleos urbanos, tornava invivel o rpido estabelecimento de tais

    meios. Nestas circunstncias, o aparato escolar apresentava

    vantagens bvias e que foram imediatamente aproveitadas pela

    burguesia.

    Este o contexto em que Marx repudiou a interveno do

    Estado (42). Sua preocupao parece clara: que a burguesia no

    conte, alm de outros poderes, com o de um aparato escolar posto a

    seu servio, diretamente controlado por ela. No entanto, me parece

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    19

    justo fazer algum tipo de preciso a propsito desta argumentao

    de Marx, pelo menos as seguintes:

    Marx e Engels no colocam em dvida a funo deresponsveis que as instituies pblicas tm com respeito

    educao. Neste sentido, assinalam a necessidade de certo grau de

    centralizao para evitar o "taifismo" do sistema escolar.

    O Estado no qual pensam Marx e Engels, o Estado burgus

    do sculo passado, possui uma estrutura e funes que no podem

    ser identificadas com as do atual. O desenvolvimento dos aparatosdo Estado, a presso do movimento operrio e das reivindicaes

    populares, as prprias necessidades da burguesia e, tambm, suas

    reivindicaes, complicaram extraordinariamente a configurao e

    funes do Estado moderno. Seu carter de classe - que no se

    perdeu - no aparece to simples e monoltico como no sculo XIX.

    A crtica da dependncia escolar do Estado no tem somente

    aspectos negativos. A proposta sugerida de sistema de gesto no

    burocrtico, com a interveno direta da populao trabalhadora

    atravs de seus delegados e num marco de democracia direta, tal

    como colocam em relevo suas indicaes, j assinalados a propsito

    da Comuna de Paris.

    Somente este tipo de caracterizao permitir utilizar com

    algum rigor os escritos de Marx e Engels no debate atual sobre a

    problemtica educativa no nosso pas.

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    4.MARX E ENGELS COMO PONTO DE PARTIDA

    Tal como foi assinalado inicialmente, as referncias de Marxe Engels no constituem nenhum sistema pedaggico. Ainda mais,

    muitos autores negam que estes escritos possam reunir-se sob uma

    rubrica de carter estritamente pedaggico, pois em todos os casos

    trata-se de escapar s estritas limitaes que coloca a educao

    entendida como mera prtica escolar. Este , talvez, um dos pontos

    relevantes que convm destacar: se as opinies de Marx e Engels no

    constituem um sistema, estabelecem um marco e abrem vias poronde o sistema pode comear a construir-se. Nesse marco, um dos

    pontos chaves , justamente, a rotunda negativa de reconhecer a

    educao como um fato estritamente escolar e considerar a atividade

    escolar como um fenmeno autossuficiente e independente.

    O leitor da presente antologia ver o grande interesse de

    Marx e Engels em aclarar, em todos os casos, a complexa articulaoque se d, por um lado, entre formas educativas escolares e no

    escolares e, por outro, entre atividade escolar e meio histrico. Esse

    interesse no gratuito nem arbitrrio, tal como foi posto em relevo

    pela evoluo da pedagogia contempornea, propcia a cair em um

    pedagogismo de primeiro grau. Porm, no se trata tampouco, como

    j sugerimos, da mera constatao de uma relao, mas sim de uma

    anlise concreta atravs da diviso do trabalho nas formaes sociais

    capitalistas.

    O marco que estas referncias abriam seria captado por

    autores e prticas muito diversos dentro do marxismo. Alguns (as) j

    se consideram entre os clssicos, outros (as) esto num processo de

    reviso e debate que constitui um poderoso estmulo para a

    formulao de uma teoria marxista da educao e ensino.

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    Entre os primeiros, parece possvel destacar a presena de

    Antnio Gramsci, que introduz uma 'srie importante de novos

    fatores e analisa profundamente o tema da educao com relao a

    um problema sempre presente em seus textos: a hegemonia do

    proletariado. Entre os segundos, no arriscado mencionar prticas

    e escritos to diferentes como os de Proletkult e Makarenko. Em um

    ou no outro caso, a necessidade de atender no s precria situao

    educativa da URSS nos anos imediatamente posteriores Revoluo

    de Outubro, mas tambm de colocar as bases para a construo de

    um novo homem, de uma nova sociedade e uma nova histria, somotivos que desenvolvem esse ponto de partida que foram Marx e

    Engels.

    Entre ns, a necessidade j incontestvel de acabar com uma

    educao e um ensino que se considera como adestramento da fora

    de trabalho, da integrao social, da explorao, coloca em primeiro

    lugar a adequao da leitura de Marx e Engels e de suas propostasem torno da transformao mais radical da atual diviso do trabalho.

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    KARL MARX E FRIEDRICH ENGELSKARL MARX E FRIEDRICH ENGELSKARL MARX E FRIEDRICH ENGELSKARL MARX E FRIEDRICH ENGELS

    TEXTOS SOBRETEXTOS SOBRETEXTOS SOBRETEXTOS SOBREEDUCAO E ENSINOEDUCAO E ENSINOEDUCAO E ENSINOEDUCAO E ENSINO

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    NOTANOTANOTANOTASOBRESOBRESOBRESOBREAAAAPRESENTEPRESENTEPRESENTEPRESENTEEDIOEDIOEDIOEDIO

    Ao realizar esta edio tivemos em conta as antologias e

    estudos existentes sobre o tema. Entre eles, destaca-se M. A.

    Manacorda, Il Marxismo e l'Educazione (Armando, 1971, 3 vols.),

    cujo primeiro volume dedicado a Marx. Mais recentementeapareceram duas antologias que tiveram alguma incidncia na

    Frana e Itlia: Critique de l'Education et de l'Enseignement editada

    por Roger Dangeville (Paris, Maspero, 1976) e L 'Uomo fa l'Uomo,

    preparada por A. Santoni Rugiu (Firenze, La Nuova Italia, 1976). Em

    nosso pas apareceram diversos trabalhos - traduzidos e originais -

    sobre os problemas do ensino e da pedagogia do ponto de vista do

    marxismo; at agora, porm, carecemos de um volume como o

    presente.

    sabido que uma antologia pode estender-se tanto quanto o

    deseje o editor, mais ainda numa questo que, como esta, enlaa os

    temas bsicos do pensamento marxista - a diviso do trabalho, a

    formao e o desenvolvimento do indivduo, as condies de

    trabalho na sociedade capitalista... Por isso procedente dar alguma

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    informao sobre os critrios prticos (posto que os tericos so

    explicitados na Introduo) que empregamos.

    Adotamos um critrio restritivo a fim de oferecer umaedio manejvel. Na extensa obra de Marx e Engels possvel

    encontrar uma enorme quantidade de referncias aos temas

    anteriormente assinalados, tanto que se pretendssemos uma

    antologia exaustiva, a edio teria sido impossvel. Por isso, nos

    pareceu mais adequado reunir textos exclusivamente significativos

    que permitam ter uma ideia, o mais clara possvel, do enfoque com

    que Marx e Engels abordaram estes problemas, dos pontos mais

    relevantes de sua contribuio e dos dados que prestaram mais

    ateno. Porm, procuramos evitar dois riscos que em algumas

    antologias de Marx e Engels so muito perceptveis: fingir que Marx e

    Engels deram a luz a uma meditao completa em sua disperso

    sobre o sistema escolar e a educao ou de, em outra ordem de

    coisas, fornecer nesta antologia o pensamento de Marx e Engels emsua generalidade. Ao contrrio, a edio que oferecemos pretende

    incitar leitura dos textos fundamentais dos autores e crtica e

    problematizao do sistema vigente de ensino.

    Nas ltimas pginas acrescentamos umas referncias

    bibliogrficas mnimas que completam as que aparecem em cada

    texto. Na medida de nossas possibilidades, procuramos utilizaredies acessveis a todos.

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    I.I.I.I. SISTEMA DESISTEMA DESISTEMA DESISTEMA DE ENSINOENSINOENSINOENSINO EEEE

    DIVISO DO TRABALHODIVISO DO TRABALHODIVISO DO TRABALHODIVISO DO TRABALHO

    As relaes entre as diferentes naes dependem do estgio de

    desenvolvimento das foras produtivas, da diviso de trabalho e dasrelaes internas de cada uma delas. Este princpio universalmente

    reconhecido. No entanto, no so apenas as relaes entre uma

    nao e outra que dependem do nvel de desenvolvimento da sua

    produo e das suas relaes internas e externas, o mesmo acontece

    com toda a estrutura interna de cada nao. Reconhece-se facilmente

    o grau de desenvolvimento atingido pelas foras produtivas de uma

    nao a partir do desenvolvimento atingido na sua diviso dotrabalho; na medida em que no constitui apenas uma mera extenso

    quantitativa das foras produtivas j conhecidas (como, por exemplo,

    o aproveitamento de terras incultas), qualquer nova fora de

    produo tem por consequncia um novo aperfeioamento da

    diviso do trabalho.

    (1)(1)(1)(1)

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    A diviso do trabalho numa nao obriga em primeiro lugar

    separao entre o trabalho industrial e comercial e o trabalho

    agrcola; e, como consequncia, a separao entre a cidade e o campo

    e oposio dos seus interesses. O seu desenvolvimento ulterior

    conduz separao do trabalho comercial e do trabalho industrial.

    Simultaneamente, e devido diviso de trabalho no interior dos

    diferentes ramos, assiste-se ao desenvolvimento de diversas

    subdivises entre os indivduos que cooperam em trabalhos

    determinados. A posio de quaisquer destas subdivises

    particulares relativamente s outras condicionada pelo modo deexplorao do trabalho agrcola, industrial e comercial (patriarcado,

    escravatura, ordens e classes). O mesmo acontece quando o

    comrcio se desenvolve entre as diversas naes.

    Os vrios estgios de desenvolvimento da diviso do

    trabalho representam outras tantas formas diferentes de

    propriedade; em outras palavras, cada novo estgio na diviso detrabalho determina igualmente as relaes entre os indivduos no

    que toca matria, aos instrumentos e aos produtos do trabalho.

    (K. Marx, F. Engels, A Ideologia Alem, I. A. "A Ideologia Alem, em

    especial, a filosofia alem".)

    A diviso do trabalho s surge efetivamente, a partir do momento em

    que se opera uma diviso entre o trabalho material e intelectual*. A

    partir deste momento, a conscincia pode supor-se algo mais do que

    a conscincia da prtica existente, que representa de fato qualquer

    coisa sem representar algo de real. E igualmente, a partir deste

    instante ela se encontra em condies de se emancipar do mundo e

    de passar formao da teoria "pura", da teologia, da filosofia, da

    (2)(2)(2)(2)

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    moral etc. Mas mesmo quando essa teoria, essa teologia, essa

    filosofia, essa moral etc., entram em contradio com as relaes

    existentes, isso deve-se apenas ao fato das relaes existentes terem

    entrado em contradio com a fora produtiva existente; alis, o

    mesmo pode acontecer numa determinada esfera nacional porque,

    nesse caso, a contradio produz-se no no interior dessa esfera

    nacional mas entre a conscincia nacional e a prtica das outras

    naes, isto , entre a conscincia nacional de uma determinada

    nao e a sua conscincia universal*. Pouco importa, de resto, aquilo

    que a conscincia empreende isoladamente; toda essa podrido temum nico resultado: os trs momentos, constitudos pela fora

    produtiva, o estado social e a conscincia, podem e devem

    necessariamente entrar em conflito entre si, pois atravs da diviso

    do trabalho torna-se possvel quilo que se verifica efetivamente:

    que a atividade intelectual e material, o gozo e o trabalho, a produo

    e o consumo, caibam a indivduos distintos; ento, a possibilidade de

    que esses elementos no entrem em conflito reside unicamente na

    hiptese de acabar de novo com a diviso do trabalho.

    Consequentemente, os "fantasmas", "laos", "ente superior",

    "conceito", "escrpulos", so apenas a expresso mental idealista, a

    representao aparente do indivduo isolado, a representao de

    cadeias e limitaes muito empricas no interior das quais se move o

    modo de troca que este implica.

    Esta diviso do trabalho, que implica todas estas

    contradies e repousa por sua vez sobre a diviso natural do

    trabalho na famlia e sobre a diviso da sociedade em famlias

    isoladas e opostas, implica simultaneamente a repartio do trabalho

    e dos seus produtos, distribuio desigual tanto em qualidade como

    em quantidade; d origem propriedade, cuja primeira forma, o seu

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    germe, reside na famlia, onde a mulher e as crianas so escravas do

    homem. A escravatura, decerto ainda muito rudimentar e latente na

    famlia, a primeira propriedade, que aqui j corresponde, alis,

    definio dos economistas modernos segundo a qual constituda

    pela livre disposio da fora de trabalho de outrem. De resto,

    diviso do trabalho e propriedade privada so expresses idnticas -

    na primeira, enuncia-se relativamente atividade o que na segunda

    se enuncia relativamente ao produto desta atividade.

    A diviso do trabalho implica ainda a contradio entre o

    interesse do indivduo singular ou da famlia singular e o interesse

    coletivo de todos os indivduos que se relacionam entre si; mais

    ainda, esse interesse coletivo no existe apenas, digamos, na ideia

    enquanto "interesse universal", mas sobretudo na realidade como

    dependncia recproca dos indivduos entre os quais partilhado o

    trabalho. Finalmente, a diviso de trabalho oferece-nos o primeiro

    exemplo do seguinte fato: a partir do momento em que os homensvivem na sociedade natural, desde que, portanto, se verifica uma

    ciso entre o interesse particular e o interesse comum, ou seja,

    quando a atividade j no dividida voluntariamente, mas sim de

    forma natural, a ao do homem, transforma-se para ele num poder

    estranho que se lhe ope e o subjuga, em vez de ser ele a domin-la.

    Com efeito, desde o momento em que o trabalho comea a ser

    repartido, cada indivduo tem uma esfera de atividade exclusiva que

    lhe imposta e da qual no pode sair; caador, pescador, pastor ou

    crtico e no pode deixar de o ser se no quiser perder os seus meios

    de subsistncia. Na sociedade comunista, porm, onde cada

    indivduo pode aperfeioar-se no campo que lhe aprouver, no tendo

    por isso uma esfera de atividade exclusiva, a sociedade que regula a

    produo geral e me possibilita fazer hoje uma coisa, amanh outra,

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    caar de manh, pescar tarde, pastorear noite, fazer crtica depois

    da refeio, e tudo isto a meu bel-prazer, sem por isso me tornar

    exclusivamente caador, pescador ou crtico.

    (K. Marx, F. Engels, A Ideologia Alem, I, A, 1, "A Histria".)

    O poder social, isto , a fora produtiva multiplicada que devida

    cooperao dos diversos indivduos, a qual condicionada pela

    diviso do trabalho, no se lhes apresenta como o seu prprio poder

    conjugado, pois essa colaborao no voluntria e sim natural,

    antes lhes surgindo como um poder estranho, situado fora deles e do

    qual no conhecem nem a origem nem o fim que se prope, que no

    podem dominar e que de tal forma atravessa uma srie particular de

    fases e estgios de desenvolvimento to independente da vontade e

    da marcha da humanidade que na verdade ela quem dirige essa

    vontade e essa marcha da humanidade.

    Esta "alienao" - para que a nossa posio seja

    compreensvel para os filsofos - s pode ser abolida mediante duas

    condies prticas. Para que ela se transforme num poder

    "insuportvel", quer dizer, num poder contra o qual se faa uma

    revoluo, necessrio que tenha dado origem a uma massa de

    homens totalmente "privada de propriedade", que se encontresimultaneamente em contradio com um mundo de riqueza e de

    cultura com existncia real; ambas as coisas pressupem um grande

    aumento da fora produtiva, isto , um estgio elevado de

    desenvolvimento. Por outro lado, este desenvolvimento das foras

    produtivas (que implica j que a existncia emprica atual dos

    homens, decorre no mbito da histria mundial e no no da vida

    local) uma condio prtica prvia absolutamente indispensvel,

    (3)(3)(3)(3)

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    pois, sem ele, apenas se generalizar a penria e, com a pobreza,

    recomear paralelamente a luta pelo indispensvel e cair-se-

    fatalmente na imundice anterior. Ele constitui igualmente uma

    condio prtica sine qua non, pois unicamente atravs desse

    desenvolvimento universal das foras produtivas que possvel

    estabelecer um intercmbio universal entre os homens e porque,

    deste modo, o fenmeno da massa "privada de propriedade" pode

    existir simultaneamente em todos os pases (concorrncia

    universal), tornando cada um deles dependente das perturbaes

    dos restantes e fazendo com que finalmente os homensempiricamente universais vivam numa esfera exclusivamente local.

    Sem isto: 1. o comunismo s poderia existir como fenmeno local;

    2. as foras das relaes humanas no poderiam desenvolver-se

    como foras universais e, portanto, insuportveis, continuando a ser

    simples "circunstncias" motivadas por supersties locais; 3.

    qualquer ampliao das trocas aboliria o comunismo local.

    (K. Marx, F. Enge1s, A Ideologia Alem, I, A, 1, "A Histria".)

    A fora de trabalho em ao, o trabalho mesmo, , portanto, a

    atividade vital peculiar ao operrio, seu modo peculiar de manifestar

    a vida. E esta atividade vital que ele vende a um terceiro para

    assegurar-se dos meios de subsistncia necessrios. Sua atividade

    vital no lhe , pois, seno um meio de poder existir. Trabalha para

    viver. Para ele prprio, o trabalho no faz parte de sua vida; antes

    um sacrifcio de sua vida. uma mercadoria que adjudicou a um

    terceiro. Eis porque o produto de sua atividade no tambm o

    objetivo de sua atividade. O que ele produz para si mesmo no a

    seda que tece, no o ouro que extrai das minas, no o palcio que

    (4)(4)(4)(4)

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    constri. O que ele produz para si mesmo o salrio, e a seda, o ouro,

    o palcio reduzem-se, para ele, a uma quantidade determinada de

    meios de subsistncia, talvez uma jaqueta de algodo, alguns cobres

    ou o alojamento no subsolo. O operrio que durante doze horas tece,

    fia, fura, torneia, constri, maneja a p, entalha a pedra, transporta-a

    etc., considera essas suas doze horas de tecelagem, fiao, furao, de

    trabalho de torno e de pedreiro, de manejo da p ou de entalhe da

    pedra como manifestao de sua vida, como sua vida? Muito pelo

    contrrio. A vida para ele principia quando interrompe essa

    atividade, mesa, no albergue, no leito. Em compensao, ele notem a finalidade de tecer, de fiar, de furar etc., nas doze horas de

    trabalho, mas a finalidade de ganhar aquilo que lhe assegura mesa,

    albergue e leito. Se o bicho-da-seda tecesse para suprir sua exigncia

    de lagarta, seria um perfeito assalariado. A fora de trabalho nem

    sempre foi uma mercadoria. O trabalho nem sempre foi trabalho

    assalariado, isto , trabalho livre. O escravo no vendia sua fora de

    trabalho ao possuidor de escravos, assim como o boi no vende o

    produto de seu trabalho ao campons. O escravo vendido, com sua

    fora de trabalho, de uma vez para sempre, a seu proprietrio. uma

    mercadoria que pode passar das mos de um proprietrio para as de

    outro. Ele mesmo uma mercadoria, mas sua fora de trabalho no

    sua mercadoria. O servo no vende seno uma parte de sua fora de

    trabalho. No ele que recebe salrio do proprietrio da terra; antes, o proprietrio da terra que dele recebe tributo.

    O servo pertence terra e entrega aos proprietrios frutos

    da terra. O operrio livre, pelo contrrio, vende a si mesmo, pedao a

    pedao. Vende, ao correr do martelo, 8, 10, 12, 15 horas de sua vida,

    dia a dia, aos que oferecem mais, aos possuidores de matrias-

    primas, dos instrumentos de trabalho e dos meios de subsistncia,

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    Isto , aos capitalistas. O operrio no pertence nem a um

    proprietrio nem terra, mas 8, 10, 12, 15 horas de sua vida diria

    pertencem a quem as compra. O operrio abandona o capitalista ao

    qual se aluga to logo o queira, e o capitalista o despede quando lhe

    apraz, desde que dele no extraia mais nenhum lucro ou no obtenha

    o lucro almejado. Mas o operrio, cujo nico recurso a venda de sua

    fora de trabalho, no pode abandonar toda a classe dos

    compradores, isto , a classe capitalista, sem renunciar vida. No

    pertence a tal ou qual patro, mas classe capitalista e cabe-lhe

    encontrar quem lhe queira, isto , tem de achar um comprador nessaclasse burguesa.

    (K. Marx, Trabalho Assalariado e Capital, I)

    Como na cooperao, tambm na manufatura a coletividade de

    trabalhadores uma forma de existncia do capital. A foraprodutiva que deriva da combinao dos trabalhadores , pois, a

    fora produtiva do capital. Porm, enquanto a cooperao deixava

    intacto o modo de trabalho individual, a manufatura o transforma e

    mutila o operrio; incapaz de fazer um produto independente,

    converte-se em um simples apndice da oficina do capitalista. Os

    poderes intelectuais do trabalho desaparecem e desembocam no

    outro extremo. A diviso do trabalho manufatureiro produz a

    oposio dos trabalhadores s potncias espirituais do processo de

    trabalho, que so denominadas pela propriedade de outro e pelo seu

    poder. Este processo de separao comea na cooperao,

    desenvolve-se na manufatura e se aperfeioa na grande indstria,

    que separa o trabalho da cincia, enquanto fora produtiva

    autnoma, colocando-a servio do capital.

    (5)(5)(5)(5)

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    Transformado em autmato, o meio de trabalho faz frente,

    durante o processo de trabalho, ao prprio operrio, enquanto

    capital, enquanto trabalho morto, que suga a fora de trabalho vivo e

    a domina.

    (F. Engels, A Propsito de "O Capital" de K. Marx, Werke, 16.)

    O organismo coletivo que trabalha, na cooperao simples ou na

    manufatura, uma forma de existncia do capital. Esse mecanismo

    coletivo de produo composto de numerosos indivduos, os

    trabalhadores parciais, pertence ao capitalista. A produtividade que

    decorre da combinao dos trabalhos aparece, por isso, como

    produtividade do capital. A manufatura propriamente dita no s

    submete ao comando e disciplina do capital o trabalhador antes

    independente, mas tambm cria uma graduao hierrquica entre os

    prprios trabalhadores. Enquanto a cooperao simples, em geral,no modifica o modo de trabalhar do indivduo, a manufatura o

    revoluciona inteiramente e se apodera da fora individual de

    trabalho em suas razes. Deforma o trabalhador monstruosamente,

    levando-o artificialmente a desenvolver uma habilidade parcial

    custa da represso de um mundo de instintos e capacidades

    produtivas, lembrando aquela prtica das regies platinas onde se

    mata um animal apenas para tirar-lhe a pele ou o sebo. No s o

    trabalho dividido e suas diferentes fraes distribudas entre os

    indivduos, mas o prprio indivduo mutilado e transformado no

    aparelho automtico de um trabalho parcial7, tomando-se, assim,

    7 Dugald Stewart chama os operrios da manufatura de "autmatos viventes...

    empregados em trabalhos parciais". Works. Editadas por Sir W. Hamilton,Edimburgo, VIII, 1855, Lectures etc., pg. 318.

    (6)(6)(6)(6)

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    realidade a fbula absurda de Menennius Agrippa que representa um

    ser humano como simples fragmento de seu prprio corpo8.

    Originariamente, o trabalhador vendia sua fora de trabalho ao

    capital por lhe faltarem os meios materiais para produzir uma

    mercadoria. Agora, sua fora individual de trabalho no funciona se

    no estiver vendida ao capital. Ela s opera dentro de uma conexo

    que s existe depois da venda, no interior da oficina do capitalista. O

    trabalhador da manufatura, incapacitado, naturalmente, por sua

    condio, de fazer algo independente, s consegue desenvolver sua

    atividade produtiva como acessrio da oficina do capitalista9. O povoeleito trazia escrito na fronte que era propriedade de Jeov; do

    mesmo modo, a diviso do trabalho ferreteia o trabalhador com a

    marca de seu proprietrio: o capital.

    O campons e o arteso independentes desenvolvem,

    embora modestamente, os conhecimentos, a sagacidade e a vontade,

    como o selvagem que exerce as artes de guerra apurando sua astciapessoal. No perodo manufatureiro, essas faculdades passam a ser

    exigidas apenas pela oficina em seu conjunto. As foras intelectuais

    da produo s se desenvolvem num sentido, por ficarem inibidas

    em relao a tudo que no se enquadre em sua unilateral idade. O

    que perdem os trabalhadores parciais, concentra-se no capital que se

    8 Isto ocorre, com efeito, nas ilhas corais, onde existe sempre um indivduoque atua como estmago de todo o grupo. Porm, sua funo consiste emfornecer ao grupo matria nutritiva, em vez de a arrebatar como faziam ospatrcios romanos.9 "O operrio que domine todo um oficio pode trabalhar e encontrarsustento onde queira. O outro (o operrio manufatureiro) no mais que umacessrio; separado de seus companheiros de trabalho, no encontra sada,nem goza de independncia e no tem, portanto, outro remdio que aceitar a

    lei que se queira impor" (Storch, Cours d'Economie Politique, edio S.Petesburgo, 1815, I, pg. 204).

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    confronta com eles10. A diviso manufatureira do trabalho ope-lhes

    as foras intelectuais do processo material de produo como

    propriedade de outrem e como poder que os domina. Esse processo

    de dissociao comea com a cooperao simples em que o

    capitalista representa diante do trabalhador isolado a unidade e a

    vontade do trabalhador coletivo. Esse processo desenvolve-se na

    manufatura, que mutila o trabalhador, reduzindo-o a uma frao de

    si mesmo, e completa-se na indstria moderna, que faz da cincia

    uma fora produtiva independente de trabalho, recrutando-o para

    servir ao capital11.

    Na manufatura, o enriquecimento do trabalhador coletivo e,

    por isso, do capital, em foras produtivas sociais, realiza-se s custas

    do empobrecimento do trabalhador em foras produtivas

    individuais. "A ignorncia" a me da indstria e da superstio. O

    raciocnio e a imaginao esto sujeitos a erros; mas independente

    de ambos um modo habitual de mover a mo ou o p. Por isso, asmanufaturas prosperam mais onde a manufatura pode ser

    considerada uma mquina cujas partes so seres humanos12.

    Realmente, em meados do sculo XVIII, algumas manufaturas

    empregavam de preferncia indivduos meio idiotas em certas

    operaes simples que constituam segredos de fabricao13.

    10 A. Ferguson, History of Civil Society, pg. 281: "Pode ser que uns ganhem oque os outros perdem".11 "Entre o homem culto e o operrio produtor existe um abismo; e a cinciaque, posta nas mos do operrio, serviria para intensificar suas prpriasforas produtivas, coloca-se quase sempre frente a ele... A cultura seconverte num instrumento suscetvel de viver separada do trabalho e emluta com ele". (W. Thompson,An Inquiry into the Principles of the Distributionof Wealth, London, 1824, 1. 274).12 A. Ferguson, History of Civil Society, pg. 280.

    13 J. D. Tuckett, A History of the Past and Present State of the LaboringPopulation; London, 1856, I, pg 148.

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    "A compreenso da maior parte das pessoas", diz Adam

    Smith, "se forma necessariamente atravs de suas ocupaes

    ordinrias. Um homem que despende toda sua vida na execuo de

    algumas operaes simples... no tem oportunidade de exercitar sua

    inteligncia... Geralmente ele se torna estpido e ignorante quando

    se tornar uma criatura humana". Depois de descrever a imbecilidade

    do trabalhador parcial, prossegue Smith: "A uniformidade de sua

    vida estacionria corrompe naturalmente seu mbito... Destri

    mesmo a energia de seu corpo e torna-o incapaz de empregar suas

    foras com vigor e perseverana em qualquer outra tarefa que noseja aquela para que foi adestrado. Assim, sua habilidade em seu

    ofcio particular parece adquirida com o sacrifcio de suas virtudes

    intelectuais, sociais e guerreiras. E em toda sociedade desenvolvida e

    civilizada, esta a condio a que ficam necessariamente reduzidos

    os pobres que trabalham (the labouringpoor), isto , a grande massa

    do povo14.

    Para evitar a degenerao completa do povo em geral,

    oriunda da diviso do trabalho, recomenda A. Smith o ensino popular

    pelo Estado, embora em doses prudentemente homeopticas.

    Coerente, combate contra essa ideia seu tradutor e comendador

    francs, G. Garnier, que, no primeiro imprio francs, encontrou as

    14 A. Smith, Wealth of Nations, livro V, capo I, a11. II, Como discpulo de A.Ferguson, que exps os efeitos nocivos da diviso do trabalho, A. Smith viaisto muito claramente. Na introduo de sua obra, onde se festeja exprofesso diviso do trabalho, limita-se a assinal-la acidentalmente comofonte das desigualdades sociais. E no livro V, quando trata da renda doEstado, onde reproduz a doutrina de Ferguson. Em minha obra Misre de laPhilosophie eu disse o quanto achava necessrio a relao terica que existiaentre Ferguson, A. Smith, Lemontey e Say, em sua crtica diviso dotrabalho, ao mesmo tempo que estudou a diviso manufatureira do trabalho

    como forma especfica do regime capitalista de produo. (K. Marx, Misre dela Philosophie, Paris, 1847, pp. 122 s.).

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    condies naturais para se transformar em senador. Segundo ele, a

    instruo popular contraria as leis da diviso do trabalho e adot-la

    "seria proscrever todo o nosso sistema social". "Como todas as

    outras divises do trabalho", diz ele, "a que existe entre o trabalho

    manual e o trabalho intelectual"15 se torna mais acentuada e mais

    evidente medida que a sociedade" (refere-se naturalmente ao

    capital, propriedade das terras e ao estado que de ambos) "se

    torna mais rica". Como qualquer outra diviso do trabalho esta

    consequncia de progressos passados e causa de progressos

    futuros... Deve, ento, o governo contrariar essa diviso e retardarsua marcha natural? Deve empregar uma parte da receita pblica

    para confundir e misturar duas espcies de trabalho que tendem por

    si mesmas a se separar?"16.

    Certa deformao fsica e espiritual inseparvel mesmo da

    diviso do trabalho na sociedade. Mas, como o perodo

    manufatureiro leva muito mais adiante a diviso social do trabalho etambm, ele que primeiro fornece o material e o impulso para a

    patologia industrial"17.

    15 "E a prpria inteligncia pode erguer-se em profisso especial nesta pocade divises de trabalho (of separations)", diz Ferguson em sua History of CivilSociety, pg. 281.16 G. Garnier, no tomo V de sua traduo, pgs, 2-5.

    17 Rarnazzini, professor de medicina prtica em Pdua, publicou em 1713sua obra De Morbis Artificicum, traduzida para o francs em 1761, ereeditada em 1841 na Encyclopdie de Sciences Mdicales. 7me. Discours:

    Auteuers classiques. O perodo da grande indstria enriqueceuconsideravelmente, como lgico, seu catlogo de doenas operrias. Leia-se, entre outras obras, a intitulada "Hygiene phisique et morale de l'ouvrierdans les grandes villes en gnral, et dans la ville de Lyon en particular. Par de

    Dr. A. M. Fonteret, Paris, 1858, e as Krankheiten, welche verchiedenen Staden,

    Altern und Geschlechtern cigentmlich, sind, 6 tomos. Ulma, 1860. Em 1854, aSociety of Arts nomeou uma comisso investigadora de patologia industrial.

    A .lista dos documentos reunidos por esta comisso figura no Catlogo doTwickenham Economic Museum. So importantssimos os "Reports on Public

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    Subdividir um homem execut-lo, se merece a pena de

    morte, e se no a merece, assassin-lo...A subdiviso do trabalho o

    assassinato de um povo18.

    (K. Marx, O Capital, I, 4, c.12, "Diviso do trabalho e

    manufaturas", 5, "Carter capitalista da manufatura")

    Vigiar mquinas, reatar fios quebrados, no so atividades que

    exijam do operrio um esforo de pensamento mas, alm disso,

    impedem-no de ocupar o esprito com outros pensamentos. J vimos,

    igualmente, que este trabalho somente deixa lugar atividade fsica,

    ao exerccio dos msculos. Assim, a bem dizer, no se trata de um

    trabalho mas de um aborrecimento total, o aborrecimento mais

    paralisante, mais deprimente possvel - o operrio de fbrica est

    condenado a deixar enfraquecer todas as foras fsicas e morais

    neste aborrecimento e o seu trabalho consiste em aborrecer-sedurante todo o dia desde os oito anos. E tambm no se pode distrair

    um s instante - a mquina. a vapor funciona durante todo o dia, as

    engrenagens, as correias e as escovas zumbem e tilintam sem cessar

    aos seus ouvidos, e se quiser repousar, mesmo momentaneamente, o

    contramestre cai-lhe em cima com multas. E o operrio bem sente

    que est condenado a ser enterrado vivo na fbrica, e vigiar sem

    cessar a infatigvel mquina a tortura mais penosa possvel. De

    Health", informe de carter oficial. Ver tambm Eduard Reich, M. D., Ueber die

    Entartung des Menschen, Erlagen, 1868.18 "To subdivide a man is to execute him, if he deserves the sentence, toassassinate him, if he does not... the subdivision of labor is the assassinationof a people ". (O. Urquhart: Familiar Words, London, 1855, pg 119). Hegeltinha ideias heterodoxas sobre a diviso do trabalho. Em sua Filosofia do

    Direito, diz: "Por homens cultos devemos entender, antes de tudo, aquelesque so capazes de fazer tudo o que os outros fazem".

    (7)(7)(7)(7)

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    resto, exerce um efeito extremamente embrutecedor tanto sobre o

    organismo como sobre as faculdades mentais do operrio. No se

    poderia imaginar melhor mtodo de embrutecimento que o trabalho

    na fbrica, e se apesar de tudo os operrios no s salvaram sua

    inteligncia, mas tambm a desenvolveram e a aguaram mais do

    que os outros, isso apenas foi possvel pela revolta contra a sua sorte

    e contra a burguesia. Esta revolta o nico pensamento e o nico

    sentimento que o trabalho lhes permite. E se esta indignao contra

    a burguesia no se toma o sentimento predominante entre eles, a

    consequncia inevitvel o alcoolismo e tudo o que habitualmentese chama imoralidade.

    (F. Engels, A Situao da Classe Trabalhadora na Inglaterra, no

    captulo intitulado "Os diferentes ramos da indstria: os operrios de

    fbricas propriamente ditos".)

    A Rssia tinha, em relao s outras grandes potncias, a vantagem

    de ter duas boas instituies: o servio militar obrigatrio e a

    instruo elementar para todos. Criou-as em momentos de grande

    perigo e contentou-se, em dias melhores, em despoj-las de tudo o

    que poderia parecer perigoso, tanto descuidando de sua

    administrao quanto restringindo voluntariamente seu campo de

    aplicao. De qualquer forma, continuavam existindo pelo menos no

    papel, de tal forma que a Prssia conservava a possibilidade de

    desenvolver o potencial de energia que repousava docemente sobre

    as massas populares, mas que, no momento desejado, passaria a

    outro pas que tivesse uma populao do mesmo tipo. A burguesia

    tinha interesse em tudo isso: a obrigatoriedade do servio militar de

    um ano pelos filhos da burguesia era liberal e bastante fcil de se

    (8)(8)(8)(8)

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    trocar por jarras de vinho em 1840, ainda mais, porque os salrios

    concedidos pelo governo aos oficiais do exrcito, recrutados entre os

    comerciantes e industriais mdios, eram baixos.

    O ensino obrigatrio, que dotava a Prssia de um grande

    nmero de indivduos providos de conhecimentos elementares e de

    escolas mdias para a burguesia, era proveitoso para burguesia do

    mais alto grau. Com o progresso industrial chegou a ser inclusive

    insuficiente. Porm, na poca da Kulturkampf, alguns fabricantes se

    lamentavam, na minha presena, por no poder utilizar como

    capatazes, alguns operrios excelentes desprovidos, porm, de

    conhecimentos escolares. Isto acontecia, sobretudo, em regies

    catlicas.

    a pequena burguesia, sobretudo, que lamenta o alto custo

    destas instituies e da consequente agravao fiscal. A burguesia

    progressiva calcula que estes gastos - que incomodam certamente,

    mas que so inevitveis se se deseja chegar a ser uma grande

    potencia - sero amplamente compensados com os benefcios que

    sero obtidos.

    (F. Engels, O Papel da Violncia na Histria, Werke, 21.)

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    II.II.II.II. EDUCAO, FORMAOEDUCAO, FORMAOEDUCAO, FORMAOEDUCAO, FORMAO

    E TRABALHOE TRABALHOE TRABALHOE TRABALHO

    O problema sobre se possvel atribuir ao pensamento uma verdade

    objetiva no um problema terico, mas sim prtico. na prtica

    que o homem deve demonstrar a verdade, isto , a realidade e opoder, a fora de seu pensamento. A disputa em torno da realidade

    ou irrealidade do pensamento - isolado da prtica - um problema

    puramente escolstico.

    A teoria materialista da mudana das circunstncias e da

    educao esquece que as circunstncias fazem mudar os homens e

    que o educador necessita, por sua vez, ser educado. Tem, portanto,que distinguir na sociedade suas partes, uma das quais colocada

    acima dela.

    A coincidncia da mudana das circunstncias com a da

    atividade humana, ou mudana dos prprios homens, pode ser

    concebida e entendida racionalmente como prtica revolucionria.

    (K. Marx, Teses sobre Feuerbach.)

    (9)(9)(9)(9)

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    Quanto ao que se refere ao contedo de si prprio como criatura, j

    vimos que ele no cria em parte alguma este contedo, estas

    qualidades determinadas, por exemplo, seu pensamento, seu ardor

    etc., mas so somente a determinao refletida neste contedo como

    criatura; cria a ideia de que estas determinadas qualidades so suas

    criaturas. Nele, todas as qualidades so dadas, e pouco lhe importa

    de onde vm. No necessita, pois, de desenvolv-las, no necessita

    aprender a danar, por exemplo, para ter o domnio de suas pernas,

    nem necessita, para se tomar proprietrio de seu pensamento, de o

    exercitar sobre materiais que no so dados a toda a gente e quenem todos podem conseguir; no tem, tampouco, necessidade de se

    preocupar com as condies materiais de que dependem, na

    realidade, as oportunidades de desenvolvimento do indivduo.

    Stirner, com efeito, apenas se desfaz de uma qualidade

    atravs de outra (isto , do domnio que esta "outra" exerce sobre as

    demais). Mas, na prtica, isto s possvel na medida em que estaoutra qualidade no permanea somente disposio, mas possa

    tambm desenvolver-se livremente; sobretudo, na medida em que as

    condies materiais do mundo lhe permitem, desenvolver de

    maneira igual uma totalidade de qualidades - portanto, graas

    diviso do trabalho - o que lhe permite entregar-se essencialmente a

    uma s paixo, a de escrever livros, por exemplo.

    , alis, absurdo supor, como So Marx, que seja possvel

    satisfazer uma paixo isolando-a de todas as outras, que seja possvel

    satisfaz-la sem se satisfazer a si prprio como indivduo vivo

    integral. Se esta paixo assume um carter abstrato, parte, se se me

    ope sob a forma de uma fora estranha, se, assim, a satisfao do

    indivduo surge como a satisfao exclusiva de uma paixo nica - o

    mal no est, de forma nenhuma, na conscincia ou na "boa

    (10)(10)(10)(10)

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    vontade", nem sobretudo na falta de reflexo sobre o conceito de

    qualidade prpria, como imagina So Marx.

    A causa no est na conscincia, mas no ser. No nopensamento, mas na vida; a causa est na evoluo e na conduta

    emprica do indivduo que, por sua vez, dependem das condies

    universais. Se as circunstncias em que este indivduo evoluiu s lhe

    permitem um desenvolvimento unilateral, de uma qualidade em

    detrimento de outras, se estas circunstncias apenas lhe fornecem os

    elementos materiais e o tempo propcio ao desenvolvimento desta

    nica qualidade, este indivduo s conseguir alcanar um

    desenvolvimento unilateral e mutilado. E no h prticas morais que

    possam mudar este estado de coisas. Por sua vez, o modo de

    desenvolvimento desta qualidade privilegiada depende, por um lado,

    da matria posta sua disposio para que se desenvolva, e, por

    outro, da medida em que e da forma como todas as restantes foram

    mantidas abaixo da mdia. em virtude do pensamento ser opensamento determinado no s pela individualidade como tambm

    pelas condies em que vive; , portanto, intil que o indivduo

    pensante se entregue aos meandros de uma longa reflexo sobre o

    pensamento em si, para poder declarar que o seu pensamento

    verdadeiramente o seu prprio pensamento, a sua propriedade, pois

    o pensamento , automaticamente, seu, o seu prprio, um

    pensamento determinado particularmente. Ora, a individualidade

    prpria de So Sancho revelou ser justamente o "contrrio", uma

    individualidade "em si"; por exemplo, num indivduo cuja vida

    abranja uma larga escala de atividades diversas e de relaes

    prticas com o mundo, que tenha, por conseguinte, uma vida

    multiforme, o pensamento assume o mesmo carter de

    universalidade que todos os outros passos dados por este indivduo.

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    No se fixa, portanto, como pensamento abstrato e o indivduo no

    necessita, tampouco, de grandes prodgios de reflexo para poder

    passar do pensamento a uma outra manifestao da sua vida. O

    pensamento sempre, automaticamente, um momento da vida total

    do indivduo, que ora se desvanece, ora se reproduz, conforme a

    necessidade. Em contrapartida, num professor de escola, ou num

    escritor que jamais tenha sado de Berlim, cuja atividade se limite,

    por um lado, a um trabalho ingrato, por outro, aos prazeres do seu

    pensamento, cujo universo se estenda de Moabit a Kopenick19 e

    termine na porta de Hamburgo, como se uma parede o fechasse,cujas relaes com este mundo estejam reduzidas ao mnimo pela

    sua situao material miservel, sem dvida inevitvel que num

    indivduo deste gnero que sente necessidade de pensar, o seu

    pensamento tome uma feio to abstrata como ele mesmo e a sua

    prpria existncia; inevitvel que, face a um indivduo assim

    indefeso, o pensamento se mova como forma anquilosada, como

    fora cujo exerccio oferece ao indivduo a possibilidade de se evadir,

    por instantes, deste "mundo mau" que o seu, a possibilidade de um

    prazer momentneo. Num indivduo deste gnero, os escassos

    desejos que nele subsistem ainda, e que provm menos do

    relacionamento com os homens do que da sua constituio fsica,

    manifestam-se apenas em ricochete, isto , assumem no mbito do

    seu desenvolvimento limitado, o mesmo carter brutal e unilateralque o pensamento; surgem somente com longos intervalos,

    estimulados pela expanso do desejo predominante (alimentado por

    causas diretamente fsicas, como por exemplo, a compresso do

    baixo ventre) e surgem ento com veemncia, reprimindo de

    maneira mais violenta o desejo natural vulgar, e conseguem exercer

    19 Bairros e porta de Berlim (N. do ed.).

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    um domnio sobre o pensamento. mais do que evidente que um

    pensamento de um professor de escola s possa refletir este fato

    emprico maneira dos professores, tornando-o objeto de

    lucubraes vrias. Porm, mencionar simplesmente o fato de que

    Stirner "cria" as suas qualidades no basta para explicar o seu

    desenvolvimento especfico. Em que medida o desenvolvimento

    destas qualidades local ou universal, em que medida ultrapassam

    os limites locais ou por eles se deixam aprisionar? Tudo isto no

    depende de Stirner, mas sim da evoluo do mundo e da sua

    participao, ele e a localidade onde vive. No , de modo nenhum,porque em pensamento os indivduos imaginam abolir a sua

    tacanhez local, nem tampouco porque disso tenham a inteno, que

    eles conseguem, em determinadas circunstncias favorveis,

    libertar-se dela; se o conseguem, pelo fato de que, na sua realidade

    material e determinada pelas necessidades materiais, conseguiram

    produzir um sistema de troca escala mundial.

    Tudo o que o nosso santo consegue nas suas laboriosas

    reflexes sobre as suas prprias paixes e qualidades perder todo

    o prazer e toda a satisfao que possa ter nelas, a fora de rebuscar

    histrias e de se debater com elas.

    (K. Marx, F. Engels, A Ideologia Alem, III, 2: "Fenomenologia

    do egosta consigo mesmo ou a teoria da justificao".)

    O limite da emancipao poltica se manifesta imediatamente no fato

    de que o Estado possa liberar-se de um limite sem que o homem

    libere-se realmente dele, que o Estado possa ser um Estado livre sem

    que o homem seja um homem livre. O prprio Bauer reconhece

    taticamente isto quando estabelece a seguinte condio para a

    (11)(11)(11)(11)

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    emancipao poltica: "Todo o privilgio religioso, em geral,

    incluindo portanto o monoplio de uma igreja privilegiada, deveria

    ser abolido e se alguns, vrios ou, inclusive, a grande maioria se visse

    obrigada a cumprir seus deveres religiosos, o cumprimento destes

    deveria ser deixado a seu prprio arbtrio considerado como um

    assunto exclusivamente privado". Portanto, o Estado pode ter-se

    emancipado da religio mesmo quando a grande maioria continua

    sendo religiosa. E a grande maioria no deixar de ser religiosa pelo

    fato de sua religiosidade ser puramente privada.

    Porm, a atitude do Estado diante da religio, ao dizer isto

    refiro-me ao Estado livre, somente a atitude frente religio dos

    homens que formam o Estado. Disto conclui-se que o homem se

    libera atravs do Estado, libera-se politicamente de uma barreira ao

    colocar-se em contradio consigo mesmo, ao sobrepor-se a esta

    barreira de um modo abstrato e limitado, de um modo parcial.

    Conclui-se, alm do mais, que o homem, ao liberar-se politicamente,libera-se dando um rodeio atravs de um meio, sequer seja um meio

    necessrio, e, finalmente, ainda quando se proclame ateu por

    intermdio do Estado, isto proclamando ateu o Estado, continua

    sujeito s correntes religiosas: precisamente porque somente se

    reconhece a si prprio mediante um rodeio, atravs de um meio. A

    religio , cabalmente, o reconhecimento do homem dando um

    rodeio. Atravs de um mediador. O Estado o mediador entre o

    homem e a liberdade do homem. Assim como Cristo o mediador em

    quem o homem descarrega toda sua divindade, toda sua servido

    religiosa, o Estado tambm o mediador ao qual desloca toda sua

    no divindade, toda sua no servido humana.

    A elevao poltica do homem acima da religio compartilha

    de todos os inconvenientes e de todas as vantagens da elevao

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    poltica em geral. O Estado enquanto Estado anula, por exemplo, a

    propriedade privada e o homem declara, de um modo poltico, a

    propriedade privada como abolida quando suprime o censo de

    fortuna para o direito de sufrgio ativo e passivo, como se realizou

    em muitos Estados norte-americanos. Hamilton interpreta este fato

    com exatido, do ponto de vista poltico, quando diz: "A grande

    massa triunfou sobre os proprietrios e a riqueza do dinheiro". Por

    acaso no se suprime idealmente a propriedade privada quando o

    despossudo converte-se em legislador dos que possuem? O censo de

    fortuna a ltima forma poltica de reconhecimento da propriedadeprivada.

    No entanto, a anulao poltica da propriedade privada s

    no a destri mas, ao contrrio, a pressupe. O Estado anula a seu

    modo as diferenas de nascimento, estado social, cultura e ocupao

    ao declarar o nascimento, o estado social, a cultura e a ocupao do

    homem como diferenas no polticas, ao proclamar todo membrodo povo, sem atender a estas diferenas, como coparticipante por

    igual da soberania popular, ao tratar todos os elementos da vida real

    do povo do ponto de vista do Estado. No obstante, o Estado deixa

    que a propriedade privada; a cultura e a ocupao atuem a seu modo,

    isto , como propriedade privada, como cultura e como ocupao,

    fazendo valer sua natureza especial. Longe de acabar com estas

    diferenas de fato, o Estado somente existe sobre estas premissas,

    somente se sente como Estado Politico e somente faz valer sua

    generalidade em contraposio a estes seus elementos. Por isto

    Hegel determina, com toda exatido, a atitude do Estado poltico

    diante da religio, quando diz: "Para que o Estado tenha existncia

    como a realidade moral do esprito que se sabe a si mesma,

    necessrio que se distinga da forma da autoridade e da f; e esta

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    distino s se manifesta na medida em que o lado eclesistico chega

    a separar-se em si mesmo; somente assim, por cima das igrejas

    especiais, o Estado adquire e leva a existncia generalidade do

    pensamento, o princpio de sua forma". (Hegel, "rechtsphilosophie",

    primeira edio, pg. 346.) De fato, somente assim, acima dos

    elementos especiais, o Estado se constitui como generalidade.

    O Estado poltico acabado , essencialmente, a vida genrica

    do homem em oposio sua vida material. Todas as premissas

    desta vida egosta permanecem em p margem da esfera do Estado,

    na sociedade civil, porm enquanto qualidades desta. Ali onde o

    Estado poltico alcanou seu verdadeiro desenvolvimento, o homem

    leva, no s no pensamento, na conscincia, mas na realidade, na

    vida, uma dupla vida, uma celestial e outra terrestre, a vida na

    comunidade poltica, na qual se considera como ser coletivo, e a vida

    na sociedade civil, na qual atua como particular; considera os outros

    homens como meios, degradando-se a si prprio como meio econverte-se em brinquedo de poderes estranhos. O Estado poltico se

    comporta, com respeito a ela, na mesma contraposio e supera, do

    mesmo modo que a religio, a limitao do mundo profano, isto ,

    reconhecendo-a novamente, restaurando-a e deixando-se

    necessariamente dominar por ela. O homem na sua imediata

    realidade, na sociedade civil, um ser profano. Aqui passa ante si

    mesmo e ante os outros por um indivduo real, uma manifestao

    carente de verdade. No Estado, ao contrrio, onde o homem

    considerado como um ser genrico, ele membro imaginrio de uma

    imaginria soberania, encontra-se despojado de sua vida individual

    real e dotado de uma generalidade irreal.

    (K. Marx, A Questo Judaica, I, "Bruno Bauer, Die

    Judenfrage, Braunschweig, 1843".)

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    Pensar e ser esto, pois, diferenciados e, ao mesmo tempo, em

    unidade um com o outro. A morte parece ser uma dura vitria do

    gnero sobre o indivduo e contradizer a unidade de ambos; porm,

    o indivduo determinado somente um sergenrico determinado e,

    enquanto tal, mortal.

    De qualquer maneira a propriedade privada somente a

    expresso sensvel do fato de que o homem se torna objetivo para si

    e, ao mesmo tempo, converte-se melhor num objeto estranho e

    desumano, o fato de que sua exteriorizao vital sua alienao vital,

    sua realizao sua desrealizao, uma realidade estranha, a

    superao da propriedade privada, isto , a apropriao sensvelpor

    e pelo homem da essncia e da vida humanas, das obras humanas,

    no ser concebida somente no sentido do gozo imediato, exclusivo,

    no sentido da possesso, do ter, O homem apropria sua essncia

    universal de forma universal, isto , como homem total. Cada uma

    das suas relaes humanas com o mundo (ver, ouvir, cheirar,degustar, sentir, pensar, observar, perceber, desejar, atuar, amar),

    em resumo, todos os rgos de sua individualidade, como os rgos

    que so imediatamente comunitrios em sua forma (VII) so, em seu

    comportamento objetivo, em seu comportamento desde o objeto, a

    apropriao deste. A apropriao da realidade humana, seu

    comportamento desde o objeto, a afirmao da realidade humana20

    a eficcia humana e o sofrimento humano, pois o sofrimento,

    humanamente entendido, um gozo prprio do homem.

    A propriedade privada nos tornou to estpidos e

    unilaterais que um objeto somente nosso quando o temos, quando

    existe para ns enquanto capital ou quando imediatamente

    20 Nota de Marx: E, portanto, to multifacetada como so multifacetadas asdeterminaes essenciais e as atividades do homem.

    ((((12)12)12)12)

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    possudo, comido, bebido, vestido, habitado; em suma, utilizado por

    ns. Ainda que a propriedade privada conceba, por sua vez, todas

    essas realizaes imediatas da possesso somente como meios de

    vida e a vida a que servem como meios a vida da propriedade

    privada, o trabalho e a capitalizao.

    Em lugar de todos os sentidos fsicos e espirituais apareceu,

    assim, o simples estranhamento de todos estes sentidos, o sentido de

    ter. O ser humano tinha de ser reduzido a esta absoluta pobreza para

    que pudesse iluminar sua riqueza interior (sobre a categoria do ter

    ver Hess nos Einundzwanzig)21.

    A superao da propriedade privada a emancipao plena

    de todos os sentidos e qualidades humanas; porm, esta

    emancipao precisamente porque todos estes sentidos e qualidades

    tomaram-se humanos, tanto no sentido objetivo quanto subjetivo. O

    olho tornou-se um olho humano, assim como seu objeto tornou-se

    um objeto social, humano, criado pelo homem para o homem. Os

    sentidos se tornaram, assim, imediatamente tericos na sua prtica.

    21 A passagem, de M. Hess a que Marx se referia diz: "A propriedade material o ser-para-si do esprito feito ideia fixa. Como o homem no capta suaexteriorizao mediante o trabalho como seu livre ato, como sua prpriavida, mas sim como algo materialmente diferente, h de guard-lo tambmpara si para no se perder na infinidade para chegar a seu ser para si, A

    propriedade, no entanto, deixa de ser para o esprito o que deveria ser se oque se capta e se faz com ambas as mos como ser-para-si do esprito no oato da criao, mas sim o resultado, a coisa criada; se o que se capta comoconceito a sombra, a representao do esprito, em definitivo, se o que secapta como ser-para-si seu outro-ser. E Justamente a nsia de ser, isto , ansia de subsistir como individualidade determinada, como eu limitado,como ser finito, a que conduz a nsia de ter. Por sua vez, so a negao detoda determinao, o eu absoluto e o comunismo abstrato, a consequnciada "coisa em si" vazia, do criticismo e da revoluo do dever insatisfeito, osque conduziram ao ser e ao ter". (Philosophie der Tat, nas Einunzwanzig

    Bogen, Erster Teil, 1843, pg. 329). Marx trata novamente das categorias deter e no ter emA Sagrada Famlia, MEGA, I, 3, pg. 212.

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    Relacionam-se com a coisa por amor coisa, porm a prpria coisa

    uma relao humana objetiva para si e para o homem e vice-versa22.

    Necessidade e gozo perderam com isso sua natureza egostica e a

    natureza perdeu sua utilidade pura, ao converter-se a utilidade em

    utilidade humana.

    Da mesma maneira, os sentidos e o esprito dos outros

    homens convertem-se na minha prpria apropriao. Alm disso,

    esses rgos imediatos constituem-se assim em rgos sociais, na

    forma da sociedade; assim, por exemplo: a atividade imediatamente

    em sociedade com outros etc., se converte em um rgo da minha

    manifestao vitale um modo de apropriao da vida humana.

    evidente que o olho humano desfruta de modo distinto ao

    do olho bruto, que o ouvido humano desfruta de maneira distinta ao

    do bruto etc.

    Como vimos, somente quando o objeto para o homem

    objeto humano, o homem objetivo deixa o homem se perder em seu

    objeto. Isto somente possvel quando o objeto se converte para ele

    em objeto social, e ele mesmo se converte em ser social, e a

    sociedade se converte para ele, neste objeto, em ser.

    De um lado, pois, o fazer-se para o homem em sociedade por

    todas partes a realidade objetiva, a realidade das foras humanas

    essenciais, realidade humana e, por isso, realidade de suas prprias

    foras essenciais, se tomam para ele, todos os objetos de objetivao

    de si mesmo, objetos que afirmam e realizam sua individualidade,

    objetos seus, Isto , ele mesmo se faz objeto. O modo em que se

    tornam seus depende da natureza do objeto e da natureza da fora

    22 S posso relacionar-me na pratica de um modo humano com a coisaquando a coisa se relaciona humanamente com o homem (nota de Marx).

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    essencial a ela correspondente, pois justamente a certeza desta

    relao configura o modo determinado, real, da afirmao. Um objeto

    distinto para o olho do que para o ouvido e o objeto do olho

    distinto, que o do ouvido. A peculiaridade de cada fora essencial

    precisamente seu ser peculiar, logo tambm, o modo peculiar de sua

    objetivao, de seu ser objetivo real, de seu ser vivo. Por isso, o

    homem se afirma no mundo objetivo no s em pensamento (VIII),

    seno em todos os sentidos23.

    De outro modo, e subjetivamente considerando, assim como

    somente a msica desperta o sentido musical do homem, assim como

    a mais bela msica no tem sentido algum para o ouvido musical24,

    no objeto, porque meu objeto s pode ser a afirmao de uma de

    minhas foras essenciais, isto , somente para mim na medida em

    que minha fora essencial para ele como capacidade subjetiva,

    porque o sentido do objeto para mim (somente tem sentido para um

    sentido que corresponda a ele) chega justamente at onde chega meusentido25assim tambm, os sentidos do homem social so distintos

    dos do homem no social. Somente atravs da riqueza objetivamente

    desenvolvida do ser humano , em parte cultivada, em parte criada, a

    riqueza da sensibilidade humana subjetiva, um ouvido musical, um

    olho para a beleza da forma. Em resumo, somente assim se cultivam

    ou se criam sentidos capazes de gozos humanos, sentidos que se

    afirmam como foras essencialmente humanas. E no s os cinco

    sentidos mas tambm os chamados sentidos espirituais, os sentidos

    prticos (vontade, amor etc.), em ltima palavra, o sentido humano, a

    humanidade dos sentidos existe unicamente mediante a existncia

    de seu objeto, mediante a natureza humanizada. A formao dos

    23 Vid. Feuerbach, Essncia do Cristianismo, Cap. I

    24 Ibid.25 Ibid.

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    cinco sentidos um trabalho de toda a Histria Universal at nossos

    dias. O sentido, que presa da grosseira necessidade prtica, tem

    somente um sentido limitado. Para o homem que morre de fome no

    existe a forma humana da comida, mas somente sua existncia

    abstrata; esta poderia apresentar-se em sua forma mais grosseira, e

    no se distingue esta atividade de alimentar-se da atividade animal

    de se alimentar. Para o homem necessitado, carregado de

    preocupaes, no tem sentido o mais belo espetculo. O

    comerciante de minerais no v alm do valor comercial, no v a

    beleza ou a natureza peculiar do mineral, no tem sentidomineralgico. A objetivao da essncia humana, tanto no sentido

    terico como no prtico, , pois, necessria tanto para tornar

    humano o sentido do homem como para criar o sentido humano

    correspondente riqueza plena da essncia humana e natural.

    Assim como a sociedade em formao encontra atravs do

    movimento