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IV Encontro Internacional de Literaturas, Histórias e Culturas Afro-brasileiras e Africanas
Universidade Estadual do Piauí – UESPI
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A CRIAÇÃO DA ESTÉTICA NEGRA: O MOVIMENTO DAS ARTES NEGRAS E O QUILOMBHOJE
Cheryl Sterling
O branco é o símbolo da divindade ou de Deus. O negro é o
símbolo do espírito do mal e do demônio.
O branco é o símbolo da luz...
O negro é o símbolo das trevas, e as trevas exprimem
simbolicamente o mal.
O branco é o emblema da harmonia.
O negro, o emblema do caos.
O branco significa a beleza suprema.
O negro, a feiúra.
O branco significa a perfeição.
O negro significa o vício.
O branco é o símbolo da inocência.
O negro, da culpabilidade, do pecado ou da degradação moral.
O branco, cor sublime, indica a felicidade.
O negro, cor nefasta, indica a tristeza.
O combate do bem contra o mal é o indicado simbolicamente pela
oposição do negro colocado perto do branco.
(Gisele A. dos Santos 58)
A coletiva dos escritores afro-brasileiros, Quilombhoje, marca uma mudança
radical na posição de escritores negros. Este coletivo, formado para criar obras que tanto
desafiam a marginalização social dos povos afrodescendentes, cria um espaço e voz
para artistas que nunca seriam reconhecidos pelos literatos brasileiros. Este escritores
abrem um espaço de liberdade e fluidez de expressão. Sua expressividade, é claro,
primeiro se concentra em sua negritude e na fundação estética do qual derivar um
espectro da produção artística, em particular à sua imbricação do pessoal e o político na
criação de arte. Eles deliberadamente rejeitam os modelos de engajamento estético que
privilegiam a "arte pela arte" intentanto, com isso, reformulá-la no sentido de W E. B.
DuBois que afirma, "toda arte é propaganda e sempre deve ser" (p. 29). DuBois defende
uma forma de arte política, segunda a qual, a arte não é estética unicamente, mas deve
ser usada como propaganda na criação de narrativas da beleza, da verdade, e da
liberdade.
ISBN: 978-85-8320-162-5
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Eu vejo o trabalho de Quilombhoje como uma extensão direta e diálogo com o
Movimento das Artes Negras criado nos EUA na década de 1960. Ambos os
movimentos investigam a negritude como estética e identidade, se envolvem com a
história e a realidade social. Os dois movimentos geram um corpo de obras que
abrangem todas as formas literárias, mas as suas semelhanças mais profundamente se
manifestam em suas criações e utilizações de poesia como simbólica de uma forma de
arte politicamente reverberante. Tendo como elementos diferenciadores, seus campos
desejados de impactos. A trajetória do BAM é gerar consciência negra em afro-
americanos e, ao fazer isso, eles pedem artistas negras e povos negros para revisarem os
seus modus vivendi.
O Quilombhoje deseja impactar toda a sociedade brasileira, propondo a revisão
dos ideais de brasilidade, para incluir genuinamente os afro-brasileiros como
contribuintes iguais e participantes, ao invés de celebrantes ocasionais ou celebridades
no imaginário nacional. Como os dois movimentos interrogam os campos de
representações visuais, verbais e escritas de povos negros, eles teorizam além das
fronteiras de raça e representação, para formular uma enteléquia de negritude que
reverbera a consciência de massa. Por uma enteléquia, quero dizer que eles
coletivamente desejam ganhar o controle da representação e significação da
subjetividade do povo negro, em centrar o sujeito negro dentro de seus próprios códigos
de autoverificação e autoconstruído, da sua própria matriz, que eu postulo como sendo
central para a movimento de empoderamento ao poder (TAYLOR, MASKS, p. 58-61).
Este artigo examina os discursos iluministas e argumenta que a germinação dos
discursos negativos da negritude e da estética começa com pensadores como Edmund
Burke e Immanuel Kant, que especificamente criaram categorias de posições de sujeitos
e objetos. Através de códigos, eles criaram concepções de gênero, raça e etnicizaram o
povo do mundo, os quais se manifestam como conceitos de semelhanças e diferenças.
Os dois filósofos teorizam o sublime como a representação final de significação estética
e conferem à negritude a sua presença mais horrível e terrível. Burke especifica uma
conexão naturalizada e orgânica entre “escuridão” e “negritude” e sua manifestação
sobre o corpo de uma mulher negra.
Burke teoriza sobre um menino branco, o qual era cego. A visita de uma mulher
negra foi uma das primeiras aparições por esse menino, sendo uma das suas primeiras
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percepções visuais. A resposta do menino foi uma repulsa natural, uma rejeição do
corpo negra, que Burke re-concebe como um objeto de horror. Este olhar singular gera
uma ilusão panóptico na psique branca sobre o corpo negro, visto que, Burke considera
uma resposta psíquico e orgânica à negritude. A partir de seu pensamento, vem a
combinação das ideias do sublime e negritude. A visão de negritude evoca choque,
terror, este destrói a razão, mas tem o poder de perturbar e ameaçar o poder de brancura.
O olhar de brancura torna-se então um julgamento estético que constrói a realidade dos
negros, com o efeito de controlar a significação da negritude, fora das esferas de
representação dos povos negros. O que este comportamento faz é gerar um modo de
julgamento estético ocidental que recodifica a negritude e, particularmente, o corpo do
negro (feminino) como não sendo humano.
Kant escreve da mesma forma em seu texto, Observações sobre o Sentimento do
Belo e Sublime, afirmando: “coloração escura e olhos negros são mais estreitamente
relacionados aos sublime e os olhos azuis e coloração loiro para a belaza” (p. 54). Kant
gerou classificações de nacionalidades e uma lista de identidades raciais e de gênero.
Kant criou distinções e inventou o julgamento estético e moral, de modo que o espanhol
foi conferido o nominativo “aterrorizante” do sublime; o inglês foi considerado
excelente; o alemão, nobre; os indianos e os chineses foram grotescos. E foi ele quem
escreveu a frase: “o negro não tem sentimentos acima do trivial.” A demissão completa
de Kant dos negros e sua, consequente, colocação no degrau mais baixo é encontrada da
mesma forma nas obras do Barão de Montesquieu e Conde Gobineau. O Conde de
Gobineau tinha uma relação direta com a maneira de discurso da raça, o qual foi
construído no Brasil. O que esses pensadores criaram e afirmaram foi um léxico de
“preto”, como escuro, sombrio, sujo, crepúsculo, deprimente, , desumano, vilão. Em
contrapartida, criaram outro léxico de “branco” como a neve pura, sem cor, decente,
inofensivo, auspicioso, moralmente nobre, puro, sem maldade.
Também vemos isso, particularmente, na teoria da cor para os artistas, e refiro-
me à citação que comença este artigo. Gislene Aparecida dos Santos no livro, A
Invenção do Ser Negro, cita o pintor e teórico, Jacques Nicolas Paillot de Montabert ,
que usou essa comparação da cor em um manual para os artistas em 1837. Fora destas
formas de juízos de negritude, herdamos os tropos persistentes e estereótipos sobre o ser
negro. Sua transformação do discurso para a concretização atesta a prescrição de Walter
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Benjamin do que a percepção sensorial humana é determinada pela natureza e
circunstâncias “históricas” (p. 222). Esta imagem distorcida da negritude, termina por
ligar o corpo negro à uma metanarrativa sócio- epistêmica que concebeu aos povos
negros, como não apenas sendo diferentes, mas diferentes em espécies, ou seja, não são
os mesmos humanos. Dessa forma, esses discursos representam uma série de crenças, se
eles são entendidos como “polarização intrínseca”, ou de acordo com Robert Stam,
“eurocentrismo impensado”. Assim sendo, eles sustentam todos os nossos campos das
representações estéticas e construções narrativas.
Por exemplo, Gilberto Freyre disse: “Eu nunca gostei de preto como uma cor
[...]. Sua associação com o luto, escuridão e fumaça, criou em mim um complexo desde
tenra idade, que também foi alimentado por histórias de fadas, em que houve maus
‘pretos velhos’ de aparência horrível” (BROOKSHAW, p. 5). Imagine o que significa
para a construção de subjetividade afro-brasileira, se o teórico fundamental da
brasilidade teve tanto medo e o que ele forjou do termo escuridão? Eu penso que é uma
grande falha no esquema de práticas educacionais e de uma prova da finitude do
intelectualismo que os conceitos de Arte e Negritude dos séculos 18 e 19, desenvolvidos
por homens, que viviam em mundos tão diferentes do que os nossos e que tinham,
experiências limitadas. Seus grandes raciocínios e personalidades narcísicas
descontroladas poderiam, ainda assim, dominar as nossas sensibilidades, julgamentos e
sistemas de codificações. Estética, portanto, tem um significado maior neste trabalho
como ele é atado pela ideologia e fetiches de escuridão dentro de um código ocidental e,
portanto, exige uma resposta do sujeito negro. Ele gera uma chamada para a resistência,
não só para subverter esses estereótipos, mas para derrubar o seu significado no código
sistêmico da representação que foi produzido.
Artistas do Movimento das Artes Negras e do Quilombhoje decidiram enfrentar
o racismo branco e suas esferas de representações com o fato ontológico da negritude.
Eles geram os modos de engajamento estética específica para os seus posicionamentos
políticos. Este trabalho se volta para a universalidade da teoria da cor, mas, ao mesmo
tempo, oferece um outro modelo para a compreensão de como a cor trabalha com a
estética. Isso vem do trabalho da artista e historiadora de arte, Moyo Okediji – Moyo
desafia o fundamento básico desse estado, e afirma que o branco é a saturação de todas
as cores, sendo o preto a ausência de cor.
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Moyo deriva sua teoria dos pintores de santuários yorubá – estas são as mulheres
que pintam os santuários dos orixás. Estas mulheres disseram: Toda a cor vem de preto.
Como? Os artistas fazem a pintura a partir de substâncias naturais da terra, e elas
começaram com a carvão. Pensaram na escuridão do carvão da pedra. Quando o carvão
é acionado, todas as cores tornam-se visíveis no incêndio, e brancura vem de suas
cinzas. Esta compreensão de como a cor passa a existir, tem duplo significado. Em
primeiro lugar, desafia o que é considerado um conceito universal fundamental na
criação da arte; e, segundo, que tem profundas implicações para construções dos termos
preto e branco.
Só a partir de seu significado estético, podemos perguntar: Como vai
transformar a teorização colorida, se o preto torna-se o padrão normativo a partir do
qual toda a cor é produzida? Desta lógica ocidental, resultou a significação da cor no
corpo do ser negro. O que acontece se a visão do povo negro transformar os
pensamentos eles mesmos como o centro de estética de representação, discurso e
narrativa? Como é que esta mudança na teoria da cor e as esferas de representação da
negritude afetam a psique do sujeito negro e a realidade vivida de ser uma pessoa
negra? Isto pode parecer um salto imensa demasiado para a colocação da teoria da cor
na psique re-condicionada, mas quando comparada com sua trajetória de conceitos
negativos de negritude do discurso iluminista até o presente, estamos simplesmente a
recodificá-la.
O Movimento das Artes Negras
O Movimento das Artes Negras começou com o Movimento dos Direitos Civis e
as lutas de libertações africanos. A morte de Patrice Lumumba, em 1961, pode ser a sua
incubação, mas foi a morte de Malcolm X em1965, que realmente deu origem ao
movimento. Malcolm era o epítome de resistência, e de acordo com o maior poeta do
movimento, Amiri Baraka diz que, “[...] nós queríamos uma arte Malcolm, uma poesia
a-nenhum-meio-necessário. A Cédula ou Bala verso. Queríamos, em última análise,
para criar uma poesia, uma literatura, uma dança, um teatro, uma pintura, que ajudaria a
trazer a revolução!” (BARAKA,"BAM", p. 502) A mensagem de Malcolm foi "auto-
determinação, respeito próprio e auto defesa.” Ele encarnava os ideais do revolucionário
que o Movimento imaginava. Ele era poder, da palavra, da auto-estima, e do povo
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mesmo. Ele foi a negritude manifestada em seu virtuosismo verbal e seu
intelectualismo. Quando Malcolm falou, quando denunciou o racismo branco, ele não
falou apenas para eles mesmos ou para a Nação do Islã, ele falou para o espírito coletivo
da repressão que os negros enfrentaram nos EUA. Ele foi considerado o profeta do
Movimento de Artes Negras. Depois que ele morreu, Baraka criou o modelo para o
Movimento como a união de arte e política – ele disse que devia se criar, uma
verdadeira arte afro-americana, uma arte massa – arte do povo, que devia ser uma arte
revolucionária, com um impacto político. O movimento começou nos centros urbanos,
onde havia grandes populações negras. Eles pediram a "MORTE DE COISA
BRANCA" – o que isso significa, a morte do poder da estética branca e as relações de
poder no mundo branco para sanção e controle das esferas sociais, econômicas, culturais
e políticas. Porém, como isso seria realizado, há de se debater. Mas o movimento
poético girava em torno destas questões: O que é Negritude? O que é arte negra? O que
é uma estética negra? Baraka responde a estas perguntas no poema, “Arte Negra”.
Os poemas são besterias a menos que sejam
dentes ou árvores ou limões empilhados
no passo. Ou senhoras negras morrendo
dos homens que saem corações de níquel
batê-los para baixo. Poemas Fodas
e eles são úteis, eles atiram
vêm em vc, amo o que vc é,
respirar como lutadores, ou tremer
estranhamente depois de mijar. Queremos palavras vivas
do mundo do hip carne viva &
sangue correndo. Corações Miolos
Almas fragmentando fogo. Queremos poemas
como punhos batendo criollos fora de Athletas
ou poemas punhal nas barrigas viscosas
dos proprietários-judeus………
……. queremos "poemas que matam."
Poemas assassinos. Poemas que atiram
armas. Poemas que lutam policiais em becos
e tomar suas armas deixando-os mortos
em línguas puxadas para fora e enviou para a Irlanda. Nocautear
poemas para os Wops que venda drogas ou políticos quase
brancos. Poemas de avião, rrrrrrrrrrrrrrrr
rrrrrrrrrrrrrrr. . .tuhtuhtuhtuhtuhtuhtuhtuhtuhtuh
. . .rrrrrrrrrrrrrrrr. . . Atear fogo e morte para
o cu do branco….
…………………………………
Queremos um Poema Negro. E um
Mundo Negro.
Deixe o mundo ser um Poema Negro
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E Deixe Todos Os Povos Negros Falarem Este Poema
Silenciosamente
ou SONORO.
O poeta se posiciona na psique da gente sem voz, o negro construído como um
objeto despercebido, que nunca foi capaz de expressar o seu deslocamento,
desumanização, e denegração diária numa hierarquia branca (JONES, BLACK FIRE p.
302). Quando ele chama de “poemas assassinos. Poemas que atiram / armas,” o poema é
uma explosão de raiva. É a ventilação de 500 anos de frustrações com códigos de cores.
Ele usa onomatopeia no poema, como a repetição do som “R” em “rrrrrrrrrrrrrrr” para
refletir o avião zumbido no ar, e o “tuh” em “tuhtuhtuhtuhtuhtuhtuhth”, para os tiros
duma metralhadora, para permitir os explosões simbólicas em papel e no representação
oral. Ele está falando revolução, e é considerado um ato do empoderamento. No final do
poema, ele diz, “E Deixe Todos Os Povos Negros Falarem Este Poema /
Silenciosamente / ou SONORO” – Ele está reunindo todas as dimensões do movimento
para pedir um compromisso coletivo de Black Pau, o povo negro e a arte negra.
Quilombhoje Comenza...
As semelhanças entre o Quilombhoje e o Movimento de Artes Negras ocorrem
em todos os níveis de significação. É o caso da coletividade em suas criações, suas
buscas por uma voz negra, a criação de estratégias de definição e teórica fora de um
cânone literário euro-definido, as intervenções políticas, para a criação de imaginativas
poéticas, iconoclastas que sinalizam um confronto e uma partida, e as revisões de
construções sociais, políticos, culturais e literárias. Os dois movimentos promoveram
uma identidade de grupo como “negro”, como uma estratégia de interrupção do discurso
dominante e o envolvimento com a negritude como uma fonte, uma força, uma matriz
de formulações culturais e ideais, desejos emocionais e posicionamentos políticos para
escapar do paradigma dominante branco / negro subordinado.
O Quilombhoje, desenvolvido em 1980, de um clima de mudanças políticas para
os afro-brasileiros. Como o Movimento de Artes Negras, as reverberações políticas no
mundo negro da década de 1960, especificamente, nos movimentos de libertação
nacional nas colônias portuguesas na África, os direitos civis e movimentos Black Pau
nos EUA. Além da desilusão de abertura democrática (1970), em alguns aspectos, levou
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à formação do Movimento Negro Unificado (MNU). Na sua origem, o Quilombhoje
pode ser considerado um braço criativo do MNU. Também como o Movimento de Artes
Negras, o Quilombhoje foi altamente criticado por sua imbricação evidente de estética e
política. As críticas de Emmanuelle Oliveira distorcem as verdadeiras intenções e
interpretações políticas do coletivo na caracterização da primeira série de Cadernos
Negros, assim como, aponta “uso descuidado da gramática e da língua” e “estrutura
muito simplificada de textos” (Cadernos Negros, p. 102, Writing, p. 68).
Alem disso, os críticos como Zilá Bernd e Luiza Lobo rejeitam a estética do
coletivo. Sugerindo que a má educação e a falta de exposição aos estudos literários
refletem numa falta de qualidade literária nas obras do coletivo, e elas classificam e
espancam a poesia assim como excessivamente didática e moralista no tom. O que é
óbvio é que esses críticos não sabem o que estão falando. Elas diminuem a paleta
estilística do coletivo, especialmente, no uso de repetições e da forma imperativa para
transmitir a sua posição, intencionalmente, ideológica. Esses críticos declararam que os
formulários utilizados permitem a poesia para ler, assim como, um lamento, uma
reclamação, ou um tratado político (LOBO, p. 186; BERND, NEGRITUDE, p. 129-30).
O efeito, de acordo com Marcio Barbosa, um dos fundadores do Quilombhoje, é
que o coletivo duvidou e questionou se uma pessoa negra pode fazer arte, mas ele
também atesta a liberdade salutar quando eles continuaram a fazê-lo (Private Space). O
que o Quilombhoje faz é gerar, uma experiência interativa e performativa de base
comunitária, participativa no seu trabalho. Se eles percebem ou não, isso mostra uma
relação direta com as tradições da representação oral, a qual vem da África – onde eles
valorizam o que é chamado de “arte total.” A arte não está escrita – é incorporada, é
cantada, é dançada, é enunciada – tudo ao mesmo tempo.
O meu argumento é que as obras do Quilombhoje são indicativos da narrativa
imperfeita. A narrativa imperfeita é um estilo que se desenvolveu dos artistas negros do
Renascimento do Harlem, o Movimento da Negritude e o Movimento das Artes Negras
para significar resistência duplamente. A resistência é encontrada dentro da escrita e da
forma como está escrito. Os textos não são convencionais, são imprudentes e
anárquicos. Eles não funcionam dentro dos códigos convencionais, mas são usados para
decodificar os conhecimentos que nós temos. Os artistas do Quilombhoje, como os
artistas do Movimento dos Artes Negros, reverteram e redefiniram a linguagem, a
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sintaxe e a estrutura para ilustrar a sua intenção e o seu conteúdo, os quais são
politicamente carregado. Usando a forma imperfeita, o que eu chamo a estética de
imperfeição, o Quilombhoje recupera simultaneamente a voz do afro-brasileiro de
classe baixa e dá-lhe ressonância política.
Com efeito, eles desacreditam a pretensão autoral que os brancos seguram sobre
o cânone literário, a língua portuguesa e, por extensão, a sociedade brasileira. Além das
temáticas e o foco da coletiva, como foi observado por Bernd, esta estética gira em
torno do uso de linhas curtas, explosivas, e polirrítmicas; incorpora uma dimensão de
musicalidade que exige quando a poesia é realizada. O significado é intenso e
revolucionário muitas vezes; emprega a ironia e as vias indiretas, mas raramente é bem-
humorado; a sua intenção é futurista – para interrogar, para educar, e para construir uma
consciência comum. Usando o idioma dos afro-brasileiros, o coletivo incorpora este
segmento maior da sociedade em sua órbita, e gera uma linguagem distinta que confere
um sentimento de pertença na nação. Esta solidariedade linguística presta-se a formas
mais ativas de pertença à comunidade que se expressa na forma política e nas políticas
de representação, que significa que eles criam a sua própria maneira de definir a sua
Negritude.
Um poema como Oubi Inaê Kibuko, "Poema Armado," chama o poder da
palavra, a força da enunciação de transformar o mundo:
Que o poema venha cantando
ao ritmo contagiante do batuque
ao canto quente de força
coragem, afeto, união
Que o poema venha carregado
de amarguras, dores
mágoas, medos
feridas, fomes
Que o poema venha armado
e metralhe o sangue-frio
palavras flamejantes de revoltas
palavras prenhes de serras e punhais... (Melhores Poemas, p.
114)
O autor lança um desafio semelhante à Baraka em “Arte Negra”, para a poesia,
para ativar a luta, mas com uma diferença profunda em seu impacto sobre o mundo, e na
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sua reafirmação do imperativo do grupo. Mas esta é uma chamada à ação para uma
pessoa, autoautorizada e autorrealizada. A palavra deve provocar um sentido
revolucionário; ela deve evocar o “batuque”, um símbolo de um contínuo africano. A
palavra tem que dizer das “amarguras, dores / mágoas, medos / feridas, fomes”, de uma
história de escravidão e discriminação. A palavra deve tomar forma concreta e tornar-se
“Palavras flamejantes de Revoltas / Palavras prenches de serras e punhais”, onde a força
de articulação cria mudança. Este poema torna-se um exemplo dos os artistas que
evoluem de contradiscurso à uma articulação do trabalho de libertação.
Aqui também a estética de imperfeição mostra o poder de articulação na criação
dos mitos que se adaptem às ideias, as quais as pessoas tinham de si mesmas. O poema
de Elio Ferreira, “América Negra,” muda o estado de negritude nas Américas,
mostrando que a sua origem, a África, é a fonte de toda a vida. África transforma a lama
em alma para o berço da humanidade. Elio Ferreira dobra e brinca com o mito bíblico e
histórias da criação Iorubá:
Américas,
Adão era negro
Eva era negra
Adão e Eva nasceram na África.
Américas,
Eu também sou negro.
Adão e Eva no jardim do Éden.
Sou filho do barro
Filho da lama escura da Mãe África:
A primeira mulher
O primeiro homem neste Dia da Criação.
Américas,
Eu sou negro:
A Matriz da raça humana.
Conta a lenda
Que Nanã tirou uma porção de lama
Do fundo das águas de uma lagoa, onde morava
E deu o barro a Oxalá
E do barro, Obatalá criou o homem e a mulher.
O sopro de Olorum fez os dois caminharem
E os Orixás ajudaram-nos a povoar a Terra.
Um dia, a mulher e o homem
Voltarão ao pó
Voltarão ao barro, à lama da Terra
À casa de Nana Burucu.
(Cadernos Negros, p. 27, 50-58)
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Na segunda estrofe, invocando o mito Iorubá na maneira que os orixás, Nanã,
Oxalá, e Olorun criaram a vida, ele está dizendo que negritude, assim como, no sistema
de codificação de cores Iorubá, é a fonte de tudo. No entanto, em última análise, o
poema é uma narrativa da diáspora do exílio, perda e saudade, não é para a África, mas
para o sujeito do poema, é o sentido de pertença à nação brasileira como um
afrodescendente:
Brasil
Meu Brasil Brasileiro.
Sempre fui seu amigo
Ouça bem o que lhe digo:
Mais cedo ou mais tarde
Você toma vergonha
Nessa cara mal lavada
E fica bonzinho pra mim
---------------------------
Sou filho de Ogum
Oh, Deus Guerreiro!
Oh! Senhor do ferro e ferreiro!
Brasil,
-------------------------
Brasil,
Ainda gosto de você
Todas as noites
Sonho com o Paraíso Perdido (p. 57-58)
O poeta revê sua posição na narrativa da nação brasileira. Quando ele evoca sua
orixá Ogum, o guerreiro, o construtor, e o mestre da forja, que traz as ferramentas da
civilização para a humanidade (BARNES, p. 57), mais uma vez ele muda o
posicionamento de negritude, tornando-a uma fonte de energia para sua nação. Suas
raízes estão, de fato, na África, mas sua realidade e futuro no Brasil. De muitas
maneiras, a estética de imperfeição exige uma “descolonização óptica,” um olhar que
desmonta a ilusão de poder e posição, a reformular tais posições. Miriam Alves,
“Senhora dos Sóis,” é uma jornada para uma subjetividade alterada e o que é o
significado para os afro-brasileiros:
Sou
chama
lama
magma moldado
endurecido
Sou
naturalidade
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vento esfriamento dos tempos
esquecer
meu rosto
gosto
não posso!
Sangro
em vermelho
em preto
o choro de todos os dias
Esquecer?
não posso!
Sou
o azul infinito
onde o grito Arroboboi risca um arco-iris
Sóis me guiam
Sou Luz
aura da incandescéncia rubra, negra
Sou pedra
bruta gema diamante engastada na rocha sólida
Ergui voz, cabeça espada
A palavra basta ressoou
estourou as paredes divisórias
(Cadernos Negros, p. 31 100-
02)
A Senhora de Sóis faz parte da “lama / magma moldado / enurecido”, o núcleo
elementar do planeta. Ela é a “naturalidade”, “o azul infinitio”, a conjunção do céu e da
água. Quando ela sangra em vermelho e preto, ela: “o choro de Todos os dias,”capta os
aspectos do cotidiano, sofrimento em todo o seu planeta. No entanto, sua capacidade de
resistência também deriva do núcleo do planeta, porque ela é “pedra”, o “diamante
engastada na rocha Sólida”, sua autoestima é construída sobre as substâncias mais
solidificadas.
Este poema é também uma evocação metafórica do poder dos orixás, pois eles
são codificados em substâncias naturais da terra, a lama de Nana, o motivo, força
feminina da procriação; a saudação de “Arroboboi” que traz o orixá Ochumare, de quem
arco-íris simboliza um novo dia; o vento de Iansã, que também traz as mudanças; e o
azul infinito que fala nas profundezas do oceano, Iemanjá, a deusa protetora de todo o
Brasil. Na política de representação, a Senhora de Sóis é a união da natureza e da
cultura, o sujeito auto-definido que cria o seu mundo. O final do poema traz esta mulher
autoautorizadora, autodefinidora que “Ergui voz, Cabeça espada,” para manifestar o
poder de procriação que gera a palavra e o mundo que ela prevê.
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CONSIDERAÇÕES
O Movimento das Artes Negras e o Quilombhoje exigem uma unificação com a
prática da arte e os modos da liberação dos povos negros. Os artistas negros não são
simplesmente agentes reacionários, mas sujeitos ativos criando construções de estética
de imperfeição que desloca os códigos dominantes e seu campo político. O Movimento
das Artes Negras imagina um mundo negro e o Quilombhoje deseja para inclusão no
quadro estrutural existente no Brasil, mas normalmente eles articulam um arco de
transformação na autorrepresentação e a autoautorização dos povos negros. Como
Quilombhoje apaga a fronteira entre arte e política, eles usam a estética de imperfeição
e começam a contar a sua própria história, recuperar o seu senso de agência e, no
processo, demandam o reconhecimento que a sua negritude também tem um espaço
centrado de norma brasileira e ideal narrativo.
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