a criança deficiente mental ligeira

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MARIA CRISTINA PETRUCCI DE ALMEIDA ALBUQUERQUE

MARIA CRISTINA PETRUCCI DE ALMEIDA ALBUQUERQUE

A CRIANA COM DEFICINCIA MENTAL LIGEIRA

A MEUS PAIS

INS E AO RUI

O presente texto baseia-se na Dissertao de Doutoramento em Psicologia, especializao em Defectologia e Reabilitao, apresentada pela autora Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao da Universidade de Coimbra, no ano de 1996. Trata-se, no entanto, de uma verso reformulada da dissertao, visto comportar diversas alteraes ao nvel dos contedos abordados e da respectiva organizao interna. Tais alteraes visaram, por um lado, a actualizao e clarificao de alguns tpicos e, por outro, a produo de um texto mais conciso. No mbito da realizao deste ltimo objectivo, eliminaram-se pontualmente dados ou rubricas.

NDICE

Introduo13

PARTE TERICA

Captulo I: Deficincia mental ligeira: Delimitao conceptual, aspectos epidemiolgicos e teses etiolgicas211 Definio e conceptualizao da deficincia mental211.1 A deficincia mental como dfice intelectual221.2 A deficincia mental como dfice intelectual e adaptativo261.3 A deficincia mental como dfice cognitivo371.4 A deficincia mental como construto social452 Estudos epidemiolgicos452.1 Prevalncia452.2 Prevalncia em funo da idade492.3 Prevalncia em funo do sexo512.4 Prevalncia em funo do nvel socioeconmico523 Teses etiolgicas523.1 A hereditariedade543.2 O meio ambiente573.2.1 - Privao social573.2.2 - Institucionalizao precoce583.2.3 - Baixo nvel socio-econmico603.2.4 - Caractersticas familiares633.2.5. - Os programas de interveno precoce e educao pr-escolar683.3 Os factores biomdicos713.4 Os modelos interaccionistas e transaccionais75

Captulo II: Deficincia mental ligeira e problemas de comportamento811 Problemas e distrbios do comportamento831.1 As dificuldades de delimitao831.2 Avaliao e classificao872 O conceito de pseudodebilidade943 Problemas e distrbios do comportamento em crianas e jovens com deficincia mental ligeira963.1 A extenso da associao963.1.1 A influncia do sexo e da idade1093.2 A especificidade da associao1094 Factores e mecanismos etiolgicos1154.1 Os distrbios do comportamento como causa da deficincia mental1164.2 As influncias escolares1214.3 As influncias familiares1354.4 As leses cerebrais1404.5 A vivncia do insucesso1444.6 O temperamento147

Captulo III: O impacto familiar de uma criana com deficincia mental 1531 A abordagem patolgica1531.1 Investigaes empricas1531.2 Anlise crtica1592 Stress familiar e deficincia mental1652.1 Stress e modelos de stress familiar1662.1.1 Caractersticas das crianas com deficincia 1702.1.2 Recursos parentais individuais1752.1.3 Recursos intrafamiliares1782.1.4 O apoio social1832.1.4.1 Definio e componentes1832.1.4.2 O apoio social informal1882.1.4.3 O apoio social formal1932.1.5 As percepes parentais das crianas com deficincia 196

PARTE EMPRICA

Captulo IV: Estudo sobre o desenvolvimento e funcionamento cognitivo de crianas com deficincia mental ligeira2071 - Objectivos gerais2072 - Especificao das questes e hipteses2093 Procedimentos metodolgicos2123.1 Critrios de amostragem2123.2 Recolha da amostra2163.3 Caracterizao da amostra2223.4 Instrumentos2293.4.1 Matrizes Progressivas Coloridas de Raven2303.4.2 Nova Escala Mtrica de Inteligncia2353.4.3 Inventrio de Desempenho Escolar2373.4.4 Anamnese2383.4.5 Aplicao dos instrumentos2384 Operacionalizao das variveis2395 - Apresentao e discusso dos resultados2435.1 Factores de risco e histria da escolaridade2435.2. Funcionamento intelectual2505.2.1 Resultados da N.E.M.I.2505.2.2. Resultados das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven2525.2.3 Os erros das crianas com deficincia mental ligeira nas Matrizes Progressivas Coloridas de Raven2596 - Concluses269

Captulo V: Estudo sobre os comportamentos de crianas com deficincia mental ligeira2731 - Especificao das questes e hipteses2732 Procedimentos metodolgicos2762.1- Instrumentos2762.1.1 - Inventrio de Comportamento da Criana para Pais2772.1.2 - Inventrio de Comportamento da Criana para Professores2822.1.3 - Aplicao dos instrumentos2853 - Operacionalizao das variveis2864 - Apresentao e discusso dos resultados2954.1 A avaliao dos pais 2954.2 A avaliao dos professores 3114.3. A avaliao dos pais e dos professores3264.4 A influncia de variveis individuais, escolares e sociofamiliares3385 Concluses344

Captulo VI: Estudo sobre as percepes maternas de crianas com deficincia mental ligeira3551 Especificao das questes e hipteses3552 Procedimentos metodolgicos3572.1 Critrios de amostragem3572.2 Recolha da amostra3582.3 Caracterizao da amostra3612.4 Instrumentos3632.5 Aplicao dos instrumentos 3683 Operacionalizao das variveis3694 Apresentao e discusso dos resultados3704.1 Alguns elementos caracterizadores3704.2 Resultados do ndice de Stress Parental3734.2.1 Comparao dos resultados das mes de crianas com e sem deficincia3734.2.2 A influncia dos problemas de comportamento, da progresso esco-lar e do nvel socioeconmico3775 Concluses 380

Concluses finais387

Bibliografia391

Anexos1 Anamnese2 Inventrio de Comportamento da Criana para Pais (I.C.C.P.)3 Composio das escalas ou factores do I.C.C.P....4 Inventrio de Comportamento da Criana para Professores (I.C.C.P.R.)5 Composio das escalas ou factores do I.C.C.P.R..6 Inventrio de Desempenho EscolarIntroduo

INTRODUO

A presena, nas sociedades contemporneas, de crianas e jovens portadores de deficincia mental representa, quer uma interrogao permanente sobre a natureza e origem das diferenas individuais, quer um notvel desafio para queles que se dedicam sua realibitao.Constituindo uma das situaes de inadaptao mais comuns, desde h muito que o mundo ocidental se empenha na criao de diversos tipos de servios, e que profissionais oriundos de diferentes disciplinas cientficas (psicologia, pedagogia, sociologia, medicina...) se dedicam ao seu estudo.No nosso pas, no s a implementao de estruturas de atendimento se parece ter processado a um ritmo mais lento do que o registado noutras naes europeias, como se revela, at ao presente, muito aqum da cobertura das reais ou estimadas necessidades nacionais. Com efeito, h algum tempo atrs, Correia (1990), baseandose na populao estudantil existente em Portugal, em percentagens internacionais de prevalncia da deficincia mental, e no nmero total de deficientes mentais atendidos pelo ensino integrado e pelas escolas especiais, avanava que estas ltimas modalidades se limitavam a apoiar 0.43% dos deficientes mentais portugueses. Apesar do cmputo deste valor assentar na permissa infundada de que as percentagens de prevalncia detectadas noutros pases so aplicveis ao nosso, ele , sem dvida, revelador da insuficincia das respostas dispensadas deficincia mental. Esta situao de evidente carncia no se confina, alis, s instituies de ensino, manifestandose, igualmente, a muitos outros nveis, tais como os da interveno precoce, dos sistemas de apoio formal s famlias, da formao profissional, da insero e acompanhamento no mercado de trabalho, das unidades residenciais para adultos... Ou seja, inevitvel reconhecerse que muito est, ainda, por realizar, sobretudo se se atender ao verdadeiro significado do termo reabilitao, enquanto conjunto de medidas educativas (pedaggicas), psicolgicas, sociais, sanitrias, etc., que permitem (...) criana ou ao jovem, atingir o mximo da sua rentabilidade, inserindose correctamente no seu meio (familiar, escolar, social, etc.)(Montenegro, 1993, p. 12) Montenegro, A. (1993). Documentos processados. Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao da Universidade de Coimbra..Num outro plano, isto , no da investigao, o panorama nacional no se afigura, lamentavelmente, mais animador. Quando se examinam os empreendimentos desenvolvidos nas ltimas dcadas, detectamse momentos verdadeiramente assinalveis, como os que respeitam: reorganizao do Instituto Aurlio da Costa Ferreira em 1941; fundao, na dcada de sessenta, pelo Instituto de Assistncia aos Menores, do Centro de Observao e Orientao MdicoPedaggica; criao, em Setembro de 1968, da Sociedade Portuguesa para o Estudo Cientfico da Deficincia Mental; ao aparecimento de publicaes peridicas total ou parcialmente dedicadas ao aprofundamento da temtica, de que so exemplo a Revista Portuguesa para o Estudo da Deficincia Mental Designada de Revista do Desenvolvimento da Criana, a partir de Janeiro de 1979., os Cadernos do C.O.O.M.P. ou a Educao Especial e Reabilitao; vinda a lume de investigaes de vulto (p. ex., C.O.O.M.P., 1981; Marchand, 1983); difuso recente de especializaes no domnio da educao especial e reabilitao.No obstante os casos apontados, estse ainda muito aqum da constituio de uma base rudimentar, susceptvel de informar e guiar as aces e opes reabilitativas. E isto, independentemente de se tratar do conhecimento e caracterizao da deficincia, da anlise dos contextos educativos, familiares e profissionais, da elaborao, adaptao e/ou aferio de instrumentos de avaliao, da delineao e/ou aplicao de mtodos ou tcnicas direccionados para a atenuao das condies de inadaptao.O presente trabalho visa, de forma necessariamente condicionada pelos recursos que foi possvel congregar, constituirse como elemento de elucidao de duas das reas supracitadas, isto , procura contribuir para a caracterizao da deficincia mental e para a anlise do seu envolvimento escolar e familiar. Porque a deficincia mental no uma entidade clnica homognea, do ponto de vista etiolgico, sindrmico, educativo, cognitivo e social, abordarse um nco nvel ou grau de deficincia e um nico perodo de desenvolvimento, isto , crianas em idade escolar identificadas como apresentando uma deficincia mental ligeira. Numa poca em que se regista uma ntida preocupao com as questes terminolgicas, perguntarnoso, possivelmente, porque optmos pela designao de deficincia mental ligeira em lugar das de crianas com atraso educacional (educational delay; Polloway e Smith, 1983, 1988), handicap educacional (educational handicap, Reschly, 1990), dificuldades de aprendizagem moderadas (moderate learning difficulties, Warnock Report, 1978, cit. por Clarke e Clarke, 1985a), distrbios de aprendizagem generalizados (generalized learning disabilities, MacMillan, Siperstein e Gresham, 1996), ou necessidade de apoio intermitente (Luckasson et al., 1992), para citarmos apenas algumas das expresses alternativas com que a literatura da especialidade no tem cessado de nos contemplar. Ciente das reservas que o termo deficincia mental legitimamente provoca, pelas conotaes de que est imbudo, assim como do paradoxo e inexactido inerentes ao emprego da designao deficincia em relao a crianas que nem sempre apresentam uma etiologia orgnica, a deciso de nos mantermos fiel expresso tradicional, radica essencialmente no facto de ela ser, apesar de tudo, a mais comum. Alm disso, apelar a um termo genrico, ainda que menos estigmatizante, como o de criana com necessidade de apoio intermitente, no s representaria uma fonte de potenciais confuses como, dado ser demasiado inespecfico, no eliminaria a necessidade de novas subclassificaes ou adjectivaes.Identificado o grupo que ser objecto de estudo, de toda a justeza que se destaque o papel capital que determinadas observaes desempenharam na definio e seleco das questes ou das problemticas a abordar.Assim, numa primeira etapa desta investigao, consagrada recolha e anlise bibliogrfica, deparmos, por vezes, com afirmaes eivadas de perplexidade, de que sendo a deficincia mental um conceito possuidor de uma dimenso intelectual e cognitiva, e de uma dimenso comportamental e sociocultural, a sua abordagem se tivesse restringido, de forma to marcada, primeira das dimenses, descurando, em paralelo, a existncia de quaisquer outras diferenas interindividuais (Baumeister, 1984; Switzky e Haywood, 1984; Lambert, 1990). Na realidade, quando se examina a literatura disponvel, rapidamente se verifica a preponderncia das pesquisas dedicadas apreenso dos aspectos cognitivos, em detrimento da explorao de outras componentes e/ou fontes de variabilidade dos desempenhos dos sujeitos portadores de deficincia mental, conduzindo quilo que Baumeister (1984, 16), incisivamente, denominaria de viso mope da deficincia mental.Refirase, no entanto, em abono da verdade, que Rutter, Tizard e Whitmore (1970), Switzky e Haywood (1984), Zigler e Harter (1969), e muitos outros autores, se empenharam em expandir este esquema restritivo, documentando a importncia de factores de natureza motivacional e emocional, ou sublinhando a presena de comportamentos inadequados, susceptveis de comprometerem, no caso da deficincia mental ligeira, os esforos tendentes a uma efectiva insero social. No obstante, estes contributos foram ou abertamente ignorados ou remetidos para um plano secundrio, nunca assumindo qualquer posio de relevo.Com efeito, s recentemente se comea a operar uma viragem nesta situao, propulsada, em parte, pela consciencializao da relevncia dos factores extracognitivos, nas interaces com o meio circundante; e pelo embarao crescente de alguns cognitivistas em explicarem as realizaes dspares que habitualmente se registam entre sujeitos com deficincia mental e normais da mesma idade mental (Borkowski e Turner, 1988; Paour, 1991; Weisz, 1990).Em consonncia com estas consideraes, a nossa pesquisa orientarse quer para a explorao de variveis emocionais, quer para o exame de variveis cognitivas, inquirindo, neste ltimo caso, da natureza problemtica ou no problemtica dos comportamentos evidenciados por crianas com deficincia mental ligeira.A segunda observao a atrair a nossa ateno, adveio de dois artigos contundentes de Baumeister (Brooks e Baumeister, 1977a e 1977b), autor cujos escritos so, alis, sobejamente conhecidos no domnio da deficincia mental, quer pela reflexo crtica que contm, quer pelo carcter visionrio de que se revestem. Neles, Baumeister, em coautoria com Brooks, assinalou que sendo a deficincia mental um fenmeno social, dificilmente se poderia aceitar a artificialidade da investigao at ento realizada, ou o pouco interesse que tinham suscitado as condies ou os contextos de vida das pessoas com deficincia mental. Afigurandosenos estes comentrios mais adequados h dezanove anos atrs do que hoje em dia, ocasio em que o estudo da deficincia mental era mais fortemente influenciado pela psicologia experimental, esto longe, ainda assim, de possuir quaisquer contornos obsoletos ou de terem perdido a actualidade.Por esse motivo, foi nossa inteno abordar a realidade da deficincia mental ligeira na escola e na famlia, bem como pr em evidncia as perspectivas sustentadas pelos professores e pelos pais em relao s crianas assim identificadas.Partindo deste enquadramento geral, pretendeuse numa primeira parte, recensear, ponderar e analisar criticamente o que demais relevante se conhece sobre os tpicos em estudo, quer estes dissessem respeito caracterizao da deficincia mental ligeira (captulo I), interligao da deficincia mental ligeira com os problemas de comportamento (captulo II), ou aos determinantes das diferenciaes das percepes e reaces parentais face a uma criana com deficincia mental ligeira (captulo III). Por seu turno, na segunda parte, apresentamse dois estudos de campo distintos, mas complementares: o primeiro est direccionado para a anlise da trajectria evolutiva e do funcionamento cognitivo da criana com deficincia mental ligeira (captulo IV), bem como para a avaliao do seu comportamento nos contextos familiar e escolar (captulo V); o segundo debrua-se sobre a repercusso da deficincia mental ligeira e do carcter adequado ou inadequado dos comportamentos que lhe possam estar associados nos subsistemas didicos (captulo VI).Na stima e ltima parte, enunciamse algumas concluses gerais, estabelecidas a partir do confronto dos resultados obtidos com os derivados de outros estudos. tambm neste mbito, que se salientam contributos, e se sugerem caminhos a percorrer num futuro prximo.

PARTE TERICA

Delimitao conceptual, aspectos epidemolgicos e teses etiolgicas

CAPTULO I

Deficincia Mental Ligeira: Delimitao Conceptual, Aspectos Epidemolgicos e Teses Etiolgicas

1Definio e Conceptualizao da Deficincia Mental

Uma das consideraes tericas fundamentais no domnio da deficincia mental a da sua conceptualizao. Neste sculo, tm-se procurado elaborar critrios de definio claros e no ambguos, mas esta tarefa tem-se revelado particularmente difcil. A definio da deficincia mental permanece controversa, no obstante os progressos notveis nos conhecimentos tericos e nas prticas reabilitativas verificados nas ltimas dcadas.As dificuldades inerentes delimitao deste conceito traduzem a impossibilidade de incluir em definies unitrias todo o espectro da variabilidade interindividual. Na realidade, a heterogeneidade da populao habitualmente designada como deficiente mental, em termos de etiologias, caractersticas comportamentais, necessidades educativas, etc., revela que se trata de um problema prtico (e terico) complexo, multideterminado e multidimensional, no redutvel a uma definio unvoca. Assim, as definies da deficincia mental so geralmente formais, isto , procuram abstrair o que h de comum a objectos muito diferentes, dada a dificuldade em definir de forma precisa a diversidade que a constitui. Por outro lado, a evoluo histrica deste conceito demonstra que as suas definies foram consideravelmente influenciadas por exigncias sociais, culturais, polticas e administrativas.Apesar das dificuldades e da relatividade social, a forma como a deficincia mental definida e caracterizada assume um papel central ao nvel da investigao, e tem implicaes importantes ao nvel social, educativo e administrativo.So, essencialmente, quatro as conceptualizaes da deficincia mental dominantes no sculo XX: como dfice intelectual; como dfice intelectual e dfice no comportamento adaptativo; como dfice cognitivo; como dfice socialmente definido.

1.1 A deficincia mental como dfice intelectual

A definio psicomtrica da deficincia mental surgiu com a obrigatoriedade escolar, que a equacionou a um atraso do desenvolvimento intelectual, constatvel e mensurvel a partir da criao por Binet e Simon da Escala Mtrica de Inteligncia.O aparecimento das noes de idade mental e de quociente intelectual, a divulgao e o xito da prtica psicomtrica geraram uma srie de suposies e prticas que conduziram assimilao da deficincia mental ao resultado obtido num teste de inteligncia.A partir de um modelo de avaliao normativo, estabeleceu-se um processo tautolgico em que um desempenho que se suspeitava ser inferior era confirmado e explicado pelo quociente intelectual. Assumindo um poder interpretativo do desempenho e das diferenas individuais que no possuia, o comportamento dos deficientes mentais era atribudo ao seu baixo Q.I.. Para alm desta assimilao, a inteligncia e a deficincia mental foram situadas em quadros conceptuais muito restritivos e inadequados. Assim, na primeira metade deste sculo, o Q.I. foi entendido como uma estimativa de um potencial intelectual inato, um reflexo de uma inteligncia geral, unidimensional e unideterminada, inaltervel e no permevel s influncias socioculturais e educativas (Haywood e Wachs, 1981). Paralelamente, a deficincia mental foi perspectivada como um dfice intelectual, de que o Q.I. era a expresso numrica, de natureza individual e etiologia orgnica, imutvel e incurvel Este conceito de deficincia mental foi ligeiramente modificado por Doll (1946). Recusando qualquer definio com base no Q.I., Doll adoptou como critrio essencial de definio, a noo de competncia social. (Perron, 1969a).A deficincia mental confundiu-se com os limiares de Q.I., cuja origem social e arbitrariedade no foram tidas em conta, e que revestiram um valor absoluto e universal que nunca poderiam ou pretenderam ter. Na tentativa de dissipar as possibilidades de definio dos algarismos, Zazzo (1979a) explicitou que so os critrios pedaggicos e sociais que conferem um significado aos limites da debilidade mental, e que estes se alteram consideravelmente ao longo do tempo em funo das exigncias sociais e educativas.Recentemente, so exemplo destas flutuaes as modificaes na classificao dos graus de deficincia mental. Em 1959, a American Association of Mental Deficiency (A.A.M.D.) transferiu o limiar superior de Q.I., inerente ao diagnstico da deficincia mental, de 2 para 1 desvio-padro abaixo da mdia (isto , dum Q.I. de 70 para 85), devido ao pressuposto de que mesmo dfices muito ligeiros no funcionamento intelectual acarretariam dificuldades numa sociedade tecnolgica (Robinson e Robinson, 1976). Em 1975, a referida associao decidiu eliminar o grau de zona limite (70 Q.I. 85), no que foi seguida, em 1977, pela Organizao Mundial de Sade. Deste modo, muitos milhes de crianas que entre estas duas datas poderiam ser consideradas deficientes mentais deixaram rapidamente de o poder ser. Por ltimo, em 1992, a mesma associao, agora designada de American Association on Mental Retardation, desloca o limiar superior da deficincia mental para um QI de 75 (Luckasson et al., 1992). Estes exemplos permitem relativizar a definio psicomtrica da deficincia mental em funo do contexto social e realam o carcter provisrio dos limites actuais.

A abordagem psicomtrica da deficincia mental comeou a ser contestada a partir dos anos 30. Os trabalhos respeitantes natureza e definio da inteligncia, as investigaes sobre a deficincia mental, bem como as crticas aos testes tradicionais de Q.I., encontram-se entre as foras determinantes das novas conceptualizaes. Em lugar de ser entendida como uma entidade nosogrfica unidimensional, de origem constitucional e inaltervel, reconhece-se que a deficincia mental multidimensional, multideterminada e no necessariamente permanente (Haywood e Wachs, 1981; Haywood, Tzuriel e Vaught, 1992). Para este reconhecimento contribuiram, entre muitos outros, os aspectos que a seguir se referem.Os estudos sobre as estruturas e processos cognitivos dos deficientes mentais, realizados desde a 2 Grande Guerra Mundial at ao presente, revelaram dfices em muitos deles (Detterman, 1987), afigurando-se como irrealistas as tentativas de identificao de um dfice cognitivo nico e central.Constataram-se, igualmente, diferenas no desempenho de sujeitos normais e deficientes mentais da mesma idade mental em tarefas experimentais, que foram consideradas como indicadoras de variveis emocionais e motivacionais, dependentes da experincia do insucesso e da segregao (Zigler e Harter, 1969). As caractersticas pessoais que foram associadas deficincia mental (orientao motivacional extrnseca, expectativas de fracasso, locus de controlo externo, reduzida auto-estima, etc.), realaram que no era possvel limitar o seu estudo dimenso intelectual.A divulgao da aplicao dos testes de inteligncia nas escolas pblicas chamou a ateno para a prevalncia muito elevada de crianas deficientes mentais ligeiras, reconhecendo-se a sua ligao a variveis tnicas, socioeconmicas e culturais (Broman et al., 1987). A sobrerrepresentao de crianas de grupos minoritrios tnicos e raciais e das classes sociais mais desfavorecidas ao nvel da deficincia mental ligeira era incompatvel com a hiptese de uma etiologia orgnica, e conduziu invocao do papel dos factores genticos e mesolgicos A partir dos trabalhos de Lewis (1933) e de Strauss e colaboradores (Kephart e Strauss, 1940; Strauss e Kephart, 1940; Strauss e Werner, 1942), estabeleceu-se a possibilidade de o funcionamento psicolgico diferir em funo da etiologia. Esta linha de investigao, prosseguida por outros (Chiva, 1969, 1973; Kahn, 1985), conduziu ao desmembramento da noo de deficincia mental. (Penrose, 1972; Stein e Susser, 1960). Simultaneamente desenvolveu-se a perspectiva de que os desempenhos intelectuais e escolares poderiam ser alterados de forma significativa, atravs de intervenes educativas (Clarke e Clarke, 1987).No entanto, a influncia dos determinantes biomdicos no foi ignorada, mas antes se enriqueceu, indo-se progressivamente afirmando a ideia de que a deficincia mental pode resultar de mltiplas e diversificadas circunstncias etiolgicas.A avaliao das crianas das classes sociais mais baixas e de grupos minoritrios, que nos E.U.A. eram identificadas como deficientes mentais ligeiras e colocadas em classes especiais, a partir de um diagnstico baseado apenas no Q.I., no revelou dificuldades noutras reas, que no a das aprendizagens escolares. Mercer (1973) props mesmo para essas crianas as designaes de deficiente mental situacional ou deficiente mental 6 horas por dia, a fim de sublinhar a especificidade da sua inadaptao ao contexto escolar. Esta observao tem sido consubstanciada pelos dados de estudos epidemiolgicos que indicam que a maior frequncia de casos de deficincia mental ligeira se concentra no perodo escolar, e que seguidamente se regista uma diminuio notria (Clarke e Clarke, 1985b; Kushlick e Blunden, 1974).Esta imagem da deficincia mental ligeira enquanto desvantagem temporria relacionada com as dificuldades experenciadas na escola, recebeu, tambm, um apoio considervel dos primeiros estudos longitudinais de adultos com deficincia mental ligeira que verificaram que a sua adaptao, designadamente a nvel profissional, era, em geral, satisfatria (Robinson e Robinson, 1976; Zigler e Harter, 1969; cf. ponto 2.2 deste captulo).Este conjunto de dados ps em evidncia a dimenso social da deficincia mental ligeira e destacou a impermanncia da sua identificao. As crticas e o questionamento de que so alvo os testes tradicionais de inteligncia e o Q.I., a partir da dcada de sessenta, encontraram alguma da sua justificao na rea do ensino especial e visaram as expectativas irrealistas e as falsas propriedades com que os testes foram investidos e as subsequentes utilizaes e interpretaes inadequadas dos seus resultados.No que concerne deficincia mental, as objeces dirigem-se essencial-mente aos erros de diagnstico e classificao resultantes do emprego isolado ou privilegiado dos testes de Q.I.. Este ltimo ignoraria que: a inteligncia no se circunscreve s capacidades verbais e acadmicas valorizadas pelos testes de inteligncia (Weinberg, 1989), tal como o atesta a reduzida validade preditiva do Q.I. em situaes extra-escolares; os testes psicomtricos de inteligncia apresentam enviezamentos socio-econmicos e culturais, passveis de explicarem a excessiva representao das crianas dos estratos sociais mais baixos e de minorias em classes especiais para deficientes mentais ligeiros (Dunn, 1968; Mercer, 1970, 1973); as variveis individuais (lingusticas, motivacionais, da personalidade, etc.) e os factores relativos prpria situao de avaliao influem no desempenho dos sujeitos; os erros ocasionais de medida dos testes; os testes, dados os seus limites, no so passveis de se constituirem como os nicos procedimentos de avaliao, de tomada de decises ou de diagnstico. A importncia concedida aos testes de inteligncia na identificao da deficincia mental e no encaminhamento para classes do ensino especial, tanto mais polmica, quanto tem sido encarada como desencadeadora de um processo de estigmatizao e segregao educativa A insatisfao foi to intensa que os testes de inteligncia foram objecto de processos judiciais. Em 1979, na Califrnia, num clima de contestaes polticossociais, o tribunal decidiu pela proibio da sua utilizao nas escolas e fixou cotas de representao de grupos minoritrios em classes de ensino especial, proporcionais sua representao populacional (Elliot, 1992). Como refere Weinberg (1989), a ironia reside no facto de os testes terem sido banidos da realizao do objectivo para que foram criados. (Dunn, 1968; Feuerstein, Rand e Hoffman, 1979).Os factos assinalados estabeleceram que a deficincia mental no redutvel a uma dimenso intelectual, avaliada pelos testes de inteligncia, e colocaram a necessidade de adopo de outros critrios de definio.

1.2 A deficincia mental como dfice intelectual e adaptativo

A este ttulo, consideramos que indispensvel mencionar duas definies apresentadas pela organizao internacional mais prestigiada nesta rea, a American Association on Mental Retardation (A.A.M.R.), que viriam a ser adoptadas por outras instituies de renome.De acordo com a primeira definio Esta definio foi inicialmente elaborada por Heber em 1959, e revista e precisada por Grossman em 1973 e 1983., que se manteve em vigor entre 1972 e 1992, a deficincia mental refere-se a um funcionamento intelectual significativamente inferior mdia, acompanhado de dfices no comportamento adaptativo, manifestado durante o perodo de desenvolvimento (Grossman, 1983, 1). Para alm destes trs critrios essenciais, especifica-se que o termo deficincia mental, descreve o comportamento actual, e no implica um prognstico.O critrio funcionamento intelectual significativamente inferior mdia foi operacionalizado como correspondendo a um Q.I. igual ou inferior a 70 num ou mais testes estandardizados de inteligncia Este limiar superior da deficincia mental especificado na edio de 1983 do manual de classificao da A.A.M.D.. Em edies anteriores (Grossman, 1977), recomendava-se um limite equivalente, mas ligeiramente diferente, isto , um Q.I. dois desvios-padres inferior mdia. Como o desvio-padro varia segundo o teste, isto significaria um Q.I. de 67 ou 69.. Um Q.I. de 70 foi, no entanto, considerado como uma linha directriz, uma aproximao sujeita a uma avaliao clnica, e no como um valor fixo. A flexibilidade que foi aconselhada na determinao dos limiares de Q.I., tem subjacente o reconhecimento da sua artificialidade, assim como a impreciso e falibilidade inerentes s avaliaes psicomtricas Uma vez que o erro-padro de medida do Q.I. de aproximadamente 3 a 5 pontos (consoante o teste), qualquer Q.I. deve ser entendido como um valor numa amplitude provvel de Q.I.s. (Begab, 1981; Polloway e Smith, 1988).A partir dos valores de Q.I., elaborou-se o sistema de classificao da deficincia mental mais comum, colocando-se indivduos muito heterogneos numa de quatro categorias (ligeira, moderada, severa e profunda). Assim, a deficincia mental ligeira corresponde a um Q.I. de 50-55 a aproximadamente 70. Este sistema nominal de classsificao minimamente til para os profissionais e investigadores, desde que no se percam de vista algumas consideraes. Os deficientes mentais agrupados homogeneamente em funo do Q.I. exibem uma significativa variabilidade intra e interindividual (Baumeister, 1968, 1987). A multiplicidade das etiologias, a diversidade das manifestaes cognitivas, comportamentais e educacionais, as respostas diferenciais reabilitao, etc., numa mesma categoria, aconselham a maior prudncia na aplicao deste sistema classificativo.O critrio de dfice no comportamento adaptativo como complemento ao critrio de dfice no funcionamento intelectual a caracterstica fundamental desta definio. Se bem que alguns autores (Doll, 1946; Goddard, 1907, cit. por Gordon, Saklofske e Hildebrand, 1998; cf. Zazzo, 1979b) tivessem definido a deficincia mental pela referncia competncia ou maturidade social, pela primeira vez precisada a necessidade de coexistncia dos dois dfices. A incluso deste critrio pretendeu deslocar a importncia atribuda ao Q.I. para os aspectos sociais na compreenso da deficincia mental, e reflecte, de forma clara, a sua relatividade sociocultural.Apesar da delimitao do conceito de comportamento adaptativo se ter revelado difcil (Robinson e Robinson, 1976), acordou-se que diz respeito capacidade de adaptao s exigncias naturais e sociais do meio (Magerotte, 1978, 7), isto , visa a eficcia dos indivduos na satisfao das normas de independncia pessoal e de responsabilidade social estabelecidas para a sua idade e o seu grupo cultural(Grossman, 1983, 1).Atendendo a que as normas e expectativas sociais diferem consideravelmente com a idade, com os contextos de vida (lar, escola, local de trabalho, etc.) e com o(s) grupo(s) cultural(is) a que o indivduo pertence, o comportamento adaptativo dever ser avaliado de forma diferencial, de acordo com esses factores. Deste modo, o conceito de comportamento adaptativo , fundamentalmente, um conceito relativo s situaes sociais e ao nvel de desenvolvimento individual Grossman (1983) identificou reas gerais de comportamentos adaptativos essenciais a diferentes perodos de desenvolvimento. Assim, na primeira infncia a nfase deveria recair nas aptides sensriomotoras, comunicativas, sociais e de independncia pessoal. Nas idades correspondentes frequncia da escolaridade obrigatria deveriam realar-se as aptides sociais, as capacidades cognitivas e a utilizao dos conhecimentos escolares bsicos em situaes quotidianas. Por sua vez, no final da adolescncia e na idade adulta deveriam destacar-se as aptides necessrias ao desempenho de uma actividade profissional e a assuno das responsabilidades inerentes a uma vida independente..Em complemento, um pressuposto implcito na definio de comportamento adaptativo o de que diz respeito a desempenhos observveis, a comportamentos manifestos e no s capacidades ou aptides que lhe possam estar subjacentes. Por outras palavras, reporta-se ao que as pessoas fazem habitualmente e no ao que elas podem ou so capazes de virem a fazer.Para corresponder necessidade de avaliao deste critrio de definio da deficincia mental, foram criadas numerosas escalas que apresentam uma grande diversidade de caractersticas e componentes. No entanto, a maior parte abrange comportamentos referentes autonomia nas actividades da vida diria, ao desenvolvimento motor e lingustico, s aprendizagens escolares e s aptides sociais. Vrias escalas avaliam, tambm, a presena de comportamentos "inadaptados", isto , de problemas de comportamento. Como teremos oportunidade de expor, esta ltima dimenso da avaliao do comportamento adaptativo deve-se verificao, ainda que insuficientemente fundamentada, de que os problemas socio-emocionais esto frequentemente associados deficincia mental, constituindo-se como obstculos ao seu desenvolvimento individual e podendo comprometer a sua integrao escolar, familiar e social (Bruininks, Thurlow e Gilman, 1987; Meyers, Nihira e Zetlin, 1979). Em sntese, as escalas de comportamento adaptativo avaliam uma grande amplitude de aptides de independncia pessoal e de interaco social, bem como a presena ou ausncia de problemas de comportamento.Contudo, tem-se destacado que as escalas existentes constituem avaliaes imperfeitas e imprecisas do comportamento adaptativo, que necessrio complementar atravs do recurso a entrevistas aos pais e professores, observao directa em diversas situaes e a todas as fontes de informao disponveis (Grossman, 1977, 1983).A segunda definio data de 1992 e enuncia que deficincia mental refere-se a limitaes substanciais no funcionamento actual. Caracteriza-se por um funcionamento intelectual significativamente inferior mdia, que coexiste com limitaes em duas ou mais das seguintes reas de competncias adaptativas: comunicao, cuidados pessoais (self-care), autonomia em casa (home living), competncias sociais, utilizao de recursos comunitrios (community use), iniciativa e responsabilidade (self-direction), sade e segurana, aptides acadmicas funcionais, lazer e trabalho. A deficincia mental manifesta-se antes dos 18 anos (Luckasson et al., 1992, 1).A leitura desta definio permite-nos verificar que os trs critrios fundamentais de diagnstico da deficincia mental se mantm e pode, mesmo, levar-nos a pensar que comporta simples alteraes de pormenor em relao definio precedente. No obstante, a consulta da obra revela-nos que estamos perante modificaes substanciais.Assim, no que respeita ao critrio de funcionamento intelectual, o limiar superior da deficincia mental corresponde, agora, a um Q.I. de aproximadamente 70 a 75. Este aumento, ainda que de pequena magnitude, tem suscitado alguma reserva quer por poder traduzir-se num incremento da percentagem de pessoas que podero vir a ser consideradas elegveis para um diagnstico de deficincia mental, quer porque os termos empregues (aproximadamente 70 a 75) so marcadamente ambguos (MacMillan, Gresham e Siperstein, 1993). Porm, e como j tivemos ocasio de apontar, h que ter em conta que nenhum valor de Q.I. pode ser entendido de forma rgida e inflexvel, mas antes como uma estimativa imprecisa a complementar com diversos outros elementos do processo de avaliao psicolgica.Em acrscimo, na nova definio o critrio de dfices globais no comportamento adaptativo d lugar a limitaes circunscritas a duas ou mais reas de, entre dez, competncias adaptativas, tendo em vista a especificao e a mais fcil operacionalizao do conceito demasiado abrangente de comportamento adaptativo. Ainda que este esforo seja de louvar, as dez reas identificadas no usufruem de qualquer suporte terico ou emprico passvel de justificar a respectiva seleco. No mesmo sentido, no avanado nenhum dado que ateste que a existncia de dfices em duas ou mais reas possui relevncia diagnstica. Alm disso, e como reconhecem Luckasson et al. (1992), nem todas as dez reas de competncias adaptativas so abrangidas pelas escalas de comportamento adaptativo actualmente existentes, requerendo instrumentos especficos a desenvolver no futuro. Para alguns autores (Lucksson et al., 1992; Reiss, 1994), este ltimo obstculo pode ser contornado, se a avaliao dos dfices de competncias adaptativas for realizada por uma equipa multidisciplinar, se basear em entrevistas e na observao directa e realar o papel da apreciao clnica. No entanto, para outros autores, o mesmo obstculo corresponde impossibilidade de avaliar todas as limitaes adaptativas (Borthwick-Duffy, 1994) ou atribuio de uma excessiva subjectividade e impreciso respectiva avaliao (MacMillan, Gresham e Siperstein, 1993, 1995).Mas a modificao mais radical subjacente nova definio a que respeita ao facto de se recomendar que o sistema de classificao baseado no Q.I. seja substitudo por outro completamente distinto, que se centra na intensidade dos apoios que as pessoas com deficincia mental podero necessitar. Particularizando, em vez de graus de deficincia mental contempla-se a necessidade de um apoio intermitente, limitado, extensivo ou persistentePor apoio entende-se os recursos e estratgias que podem promover a independncia/interdependncia, produtividade, integrao social e satisfao das pessoas com ou sem incapacidades. Podendo provir de diferentes fontes (o prprio sujeito, outras pessoas, a tecnologia, servios), os seus nveis de intensidade so explicitados do seguinte modo: o apoio intermitente caracteriza-se pela sua natureza episdica, pelo facto de nem sempre ser necessrio ou de o ser apenas em momentos especficos; o apoio limitado de natureza contnua, mas temporalmente circunscrita; o apoio extensivo caracteriza-se pela sua natureza contnua e ausncia de limites temporais, sendo proporcionado em, pelo menos, alguns contextos; o apoio persistente constante e de elevada intensidade, sendo dispensado em mltiplos contextos. ao nvel de diversas dimenses do funcionamento, tais como a intelectual, a adaptativa, a emocional e a fsica. Pressupondo-se que existe alguma correspondncia entre os graus de deficincia mental e os nveis de apoio, a designao jovem com deficincia mental ligeira poder dar lugar, consoante os casos, a inmeras expresses alternativas. Assim, e atendendo unicamente dimenso adaptativa, poder-se-, por exemplo, afirmar que se trata de um jovem com deficincia mental que requer apoios intermitentes nas competncias sociais e nas aptides acadmicas funcionais ou que se trata de um jovem com deficincia mental que requer apoios intermitentes na utilizao de recursos comunitrios ou no trabalho.Os proponentes e defensores da modificao do sistema de classificao (Luckasson et al., 1992; Reiss, 1994) sustentam que ela configura uma mudana de paradigma no domnio da deficincia mental, similar que se tem vindo a verificar em relao generalidade das deficincias e incapacidades. Assim, por um lado, a deficincia mental deveria deixar de ser entendida como um dfice de natureza individual, para passar a ser considerada com a expresso da interaco entre o sujeito e o meio em que se insere. Por outro lado, a deficincia mental deveria deixar de ser perspectivada em termos de dfices, para passar a ser analisada em termos dos apoios necessrios ao exerccio de diferentes papis sociais. Em consequncia, a nfase ao nvel da classificao teria de deslocar-se das caractersticas individuais para as caractersticas e suportes susceptveis de facilitarem o crescimento, desenvolvimento, bem-estar e satisfao pessoais.Os possveis benefcios do actual sistema de classificao seriam de vria ordem. Em primeiro lugar, a importncia que outorga aos apoios seria congruente com orientaes sociopolticas e educativas que visam uma maior participao das pessoas com deficincia mental na comunidade. o caso, por exemplo, dos princpios da incluso e normalizao, do direito de acesso ao trabalho e da necessidade de envolvimento do prprio sujeito com deficincia mental e da sua famlia nos processos de avaliao e interveno educativas. Em segundo lugar, a delineao de um perfil individual de apoios realaria as potencialidades de desenvolvimento da pessoa com deficincia mental e indirectamente promoveria os esforos educativos e reabilitativos direccionados para a respectiva actualizao. Por ltimo, a descrio individualizada de um conjunto de apoios seria particularmente relevante ao nvel da elaborao de planos e programas de interveno.No obstante, este inovador sistema de classificao no est isento de desvantagens. Assim, h que constatar a ausncia de instrumentos, regras ou linhas de orientao claras e precisas relativas delimitao da intensidade dos apoios. Por conseguinte, legtimo temer-se que a sua aplicao difira de acordo com as caractersticas dos potenciais utilizadores (Borthwick-Duffy, 1994), redundando num sistema de discutvel fidedignidade. Alm disso, as vantagens, acima mencionadas, referentes prtica educativa e reabilitativa permanecem por documentar empiricamente. Mas acima de tudo, questiona-se em que medida, o referido sistema aplicvel ao nvel da investigao. Com efeito, diversos autores (Borthwick-Duffy, 1994; Greenspan, 1994; Jacobson, 1994; MacMillan, Gresham e Siperstein, 1994, 1995) tm vindo a destacar que se possvel conceder que este sistema se afigura aceitvel, ou mesmo recomendvel, quando o objectivo que preside sua utilizao de natureza educativa, j pelo contrrio se revela inaceitvel ou pouco adequado quando o que se pretende a realizao de pesquisas. E isto, porque se emprega em relao a cada caso individualmente considerado e d origem a descries particulares e altamente variveis de sujeito para sujeito que no se coadunam com a constituio de amostras. Ora, como salientou Grossman (1983, p. 19), os sistemas de classificao, enquanto elemento bsico de estudo de qualquer fenmeno, devem dizer respeito a grupos de sujeitos (e no a casos individuais) e devem poder cumprir mltiplas funes.Os factos assinalados tm conduzido a que a classificao baseada nos apoios enfrente srias dificuldades de aceitao e divulgao junto dos investigadores. Testemunham-no as publicaes cientficas que continuam a denotar o emprego sistemtico das designaes deficiente mental ligeiro, moderado, severo e profundo (cf. p. ex., Gresham, MacmIllan e Bocian, 1996; Spruill, 1998), bem como organizaes prestigiadas, como a American Psychiatric Association (1994) e a World Health Organization (1992), que nas edies da DSM-IV e da ICD-10 referem apenas o antigo sistema de classificao

A conceptualizao da deficincia mental como dfice intelectual e social representa um progresso assinalvel em relao concepo clssica, unidimensional. Tendo resultado do acordo dos investigadores americanos, constituiu um contributo importante obteno de um consenso formal a nvel internacional.Mas, a introduo do critrio de comportamento adaptativo ou de competncias adaptativas no foi aceite sem objeces. Antes pelo contrrio, quer o conceito de comportamento adaptativo, quer a sua avaliao tm suscitado grande controvrsia. Zigler e Hodapp (1986, 11) defendem mesmo o abandono do conceito de adaptao social da definio da deficincia mental, no porque ele no seja importante, mas porque no est claramente definido, nem adequadamente medido.Na verdade, a noo de comportamento adaptativo no foi claramente formulada e revela-se vaga e demasiado geral. Para Lambert (1986) e Harrison (1987) a noo de comportamento adaptativo nunca recebeu uma ateno suficiente da parte dos investigadores, tendo sido acrescentada definio de deficincia mental sem que se tivesse explicitado o seu significado. Este facto torna a avaliao do comportamento adaptativo equivalente a itens dspares, mais do que a um conceito (Simeonsson, 1978).Esta falta de clareza terica manifesta-se, alis, na terminologia empregue: comportamento adaptativo, competncias adaptativas, adaptao social e competncia social so usados indistintamente e substitudos uns pelos outros.Tem-se, no entanto, destacado que no possvel assimilar o comportamento adaptativo competncia social, uma vez que o primeiro no constitui seno uma das abordagens e interpretaes possveis da segunda (Simeonsson, 1978). Argumenta-se, de resto, que dada a importncia do conceito de competncia social na deficincia mental demasiado restritivo e inadequado assimil-lo ao comportamento adaptativo. Dessa forma, negligenciar-se-iam aptides e/ou processos interpessoais essenciais s interaces sociais (Greenspan, 1979; Lambert, 1986; Mathias, 1990; Simeonsson, Monson e Blacher, 1984).No sentido de obviar a estes limites, avanaram-se outras abordagens tericas da competncia social marcadas, por sua vez, por conceptualizaes e operacionalizaes muito distintas. Exemplificando a ausncia de um paradigma comum, possvel distinguir, pelo menos, trs abordagens gerais na investigao sobre a competncia social: alguns autores equacionam-na a uma grande variedade de variveis cognitivas, fsicas, escolares, sociais, etc. (Zigler e Trickett, 1978); outros (Gresham, 1986; Reschly, 1990) consideram que equivalente ao comportamento adaptativo associado s aptides sociais; enquanto outros, se bem que destacando outros componentes, realam essencialmente as variveis relativas cognio social, isto , compreenso e conhecimento do meio social que medeiam o comportamento (Greenspan, 1979; Lambert, 1986; Mathias, 1990; Simeonsson, Monson e Blacher, 1984; Taylor, 1982). esta ltima abordagem que reune maior apoio terico e emprico, e Greenspan (1979) e Mathias (1990) chegam a propor que na definio de deficincia mental aos dfices de comportamento adaptativo se acrescentem os dfices no nvel de desenvolvimento sociocognitivoAs variveis sociocognitivas a avaliar incluiriam a descentrao social, a percepo das pessoas, o raciocnio moral, a comunicao referencial, etc.. Contudo, estas capacidades esto praticamente por explorar em deficientes mentais, tal como est por determinar qual o seu contributo ou relevncia para a competncia interpessoal.. Esta proposta tem, sobretudo, um valor heurstico e requer um amplo conjunto de investigaes que a corroborem. De qualquer forma, possui o mrito de evidenciar a urgncia de clarificao da dimenso social da deficincia mental.Mas, mesmo se admitirmos e se nos restringirmos definio mais divulgada de comportamento adaptativo, isto , formulada por Grossman (1983), deparamos com algumas dificuldades na sua delimitao. Uma delas prende-se com a determinao do que so as exigncias sociais, e com a sua variabilidade no s em funo da pertena sociocultural e da idade, mas tambm em funo do sexo, da situao, etc..Dada a grande diversidade de contextos sociais em que o comportamento adaptativo se manifesta, este deveria ser considerado no mbito de mltiplas situaes, e do ponto de vista da interaco entre essas situaes e o deficiente mental. No entanto, os instrumentos de avaliao existentes privilegiam a identificao de aptides e comportamentos individuais e tendem a no incorporar informaes respeitantes aos ambientes sociais em que os sujeitos esto inseridos, ou s respectivas influncias e modificaes recprocas (Landesman e Ramey, 1989).Em acrscimo, a operacionalizao da existncia de dfices ao nvel do comportamento ou das competncias adaptativas nem sempre fcil de efectuar. E isto, devido, por um lado, s dificuldades inerentes sua avaliao a que se aludiu anteriormente aquando da explicitao e anlise das definies de deficincia mental de Grossman (1983) e Luckasson et al. (1992). Por outro lado, porque a A.A.M.R. nunca estipulou qualquer limiar ou ponto discriminante, a partir do qual se pudesse considerar que os resultados derivados de um ou mais mtodos de avaliao eram congruentes com a expresso da deficincia mental. Em seu lugar, preferiu enfatizar a verificao de um nvel significativamente inferior ao normal, tal como determinado atravs da apreciao clnica ou de comparaes normativas viabilizadas por estudos de aferio das escalas de comportamento adaptativo. A este respeito, convem, alis, referir que no que se refere especificamente ao nosso pas, s possvel apelar-se primeira alternativa, dado que, tanto quanto do nosso conhecimento, nenhuma das escalas de comportamento adaptativo em uso entre ns foi objecto de estudos normativos.A inexistncia de um limiar ou indicador quantitativo da presena de dfices no comportamento ou competncias adaptativas no constitui um obstculo inultrapassvel identificao de uma deficincia mental moderada, severa ou profunda, j que nesses casos os dfices adaptativos so usualmente bvios. Pelo contrrio, representa um bice assinalvel identificao de uma deficincia mental ligeira, visto que nesse caso os dfices adaptativos so habitualmente subtis e dificeis de circunscrever. Este facto tanto mais pertinente quanto se reconhece que pouco provvel que as escalas de comportamento adaptativo captem os dfices de natureza essencialmente acadmica que caracterizam as crianas cujo nvel de funcionamento intelectual corresponde ao grau ligeiro da deficincia mental (MacMillan, Siperstein e Gresham, 1996).Outra dificuldade diz respeito relao entre o comportamento adaptativo e o nvel intelectual. Como refere Begab (1981), no se determinou qual o nvel intelectual necessrio para enfrentar com xito as exigncias e expectativas da sociedade, assim como se desconhece se a relao entre o dfice intelectual e o dfice adaptativo de natureza causal ou associativa.Os estudos que analisaram as relaes entre o nvel intelectual e o comportamento adaptativo indicam que, apesar das correlaes diferirem segundo os graus de deficincia mental e os instrumentos utilizados, as duas dimenses apresentam uma correlao positiva moderada e no so empiricamente independentes (Harrison, 1987; Magerotte, 1974). Esta sobreposio parcial no deixa de ser paradoxal, se atendermos a que o comportamento adaptativo foi proposto enquanto critrio complementar, mas distinto do de nvel intelectual.A implicao mais bvia destas correlaes moderadas a de que algumas crianas podero apresentar resultados divergentes ao nvel de um teste de inteligncia e de uma qualquer escala de comportamento adaptativo. Usualmente essas discordncias manifestam-se sob a forma de um resultado de Q.I. correspondente ao grau ligeiro da deficincia mental e a inexistncia de dfies significativos ao nvel do comportamento adaptativo. Esta situao facilmente compreensvel, se atendermos a duas ordens de factores. Em primeiro lugar, verificao de que as correlaes entre os resultados de instrumentos de avaliao da inteligncia e do comportamento adaptativo so tanto mais elevadas quanto mais pronunciado o grau da deficincia mental (Harrison, 1987). Em segundo lugar, ao reconhecimento, acima mencionado, de que a composio das actuais escalas de comportamento adaptativo pode no permitir o rastreio dos dfices predominantes em deficientes mentais ligeiros.Por sua vez, a proliferao recente de escalas de comportamento adaptativo no foi acompanhada pelo rigor na sua avaliao. Para alm de serem consideradas representaes imprecisas do nvel de adaptao, e da sua aplicao requerer um conhecimento aprofundado do comportamento habitual do deficiente mental num grande nmero de situaes, nem sempre fcil de obter, as suas caractersticas psicomtricas no so satisfatrias Se a fidelidade adequada na maior parte dos casos, os resultados em apoio da validade preditiva e de contedo so insuficientes. (Kamphaus, 1987; Meyers, Nihira e Zetlin, 1979).Estas objeces reduzem, substancialmente, o valor do conceito de comportamento adaptativo na identificao e diagnstico da deficincia mental No obstante, inquestionvel a utilidade dos respectivos instrumentos de avaliao ao nvel das reas da deteco de domnios de interveno, da elaborao de programas educativos individualizados e da planificao educativa (Clarke e Clarke, 1985a).. No , pois, surpreendente que o comportamento adaptativo tenha sido relegado para um plano secundrio e que o Q.I. permanea o critrio dominante, e por vezes at exclusivo, do diagnstico e classificao da deficincia mental na investigao e na prtica educativa (Baumeister, 1984; Harrison, 1987; Huberty, Koller e Brink, 1980; Smith e Knoff, 1981).

1.3 A deficincia mental como dfice cognitivo

Uma das reas mais extensivamente estudadas no domnio da deficincia mental, tem sido a do desenvolvimento e funcionamento cognitivos. Na verdade, as manifestaes principais da deficincia mental, situam-se na menor eficincia em situaes de aprendizagem, de aquisio de aptides e de resoluo de problemas.So muitos os conceitos propostos para explicar os aspectos cognitivos da deficincia mental, e so vrias as controvrsias tericas que tm assinalado os ltimos anos. De entre estas, a mais pertinente e persistente no que respeita deficincia mental ligeira a que se refere conceptualizao do seu desenvolvimento cognitivo. De facto, dois modelos tericos diametralmente opostos tm caracterizado a deficincia mental ou como um simples atraso no desenvolvimento (modelo desenvolvimentista), ou como a expresso de dfices qualitativos especficos (modelo dficerio ou da diferena). Esta oposio suscitou um vivo debate, dadas as suas importantes implicaes tericas e metodolgicas.

Os principais defensores do modelo desenvolvimentista tm sido Zigler e os seus colaboradores (Balla e Zigler, 1979; Zigler, 1967; Zigler e Hodapp, 1986), se bem que outros autores tenham exprimido posies semelhantes (Woodward, 1979). De acordo com o modelo proposto por Zigler, os deficientes mentais sem etiologia orgnica ou culturais-familiares, representando a extremidade inferior da distribuio normal e polignica da inteligncia, e correspondendo, essencialmente, ao grau ligeiro da deficincia mental, apresentariam a mesma sequncia de estdios de desenvolvimento cognitivo que os sujeitos no deficientes mentais. Os dois grupos de sujeitos difeririam em apenas dois aspectos: os processos cognitivos dos deficientes mentais desenvolver-se-iam a um ritmo mais lento e atingiriam um nvel cognitivo final que se situaria abaixo do dos no deficientes. Este princpio tem sido designado como a hiptese da sequncia semelhante. O modelo desenvolvimentista tambm postula que os deficientes mentais culturais-familiares, quando comparveis aos normais no nvel de desenvolvimento cognitivo (definido operacionalmente como a idade mental), manifestariam desempenhos idnticos em provas cognitivas, dada a identidade das estruturas e processos empregues. Este princpio do modelo conhecido como a hiptese da estrutura semelhante (Weisz e Yeates, 1981). As investigaes de Inhelder (1963) e Paour (1992), e as revises das investigaes de inspirao piagetiana realizadas com deficientes mentais (Weisz, 1990; Woodward, 1979), conferem um apoio experimental substancial hiptese da sequncia semelhante. O estudo da deficincia mental contribuiu para o estabelecimento da invarincia da gnese das estruturas operatrias, ao verificar que esta no se diferencia da que foi descrita na criana normal. Ao nvel do desenvolvimento cognitivo, a deficincia mental caracterizar-se-ia, sobretudo, pelos fenmenos de lentido e fixao (Inhelder, 1963; Paour, 1986). No caso especfico da deficincia mental ligeira, a fixao teria lugar nas operaes concretas e seria devida a um processo de falso equilbrio ou viscosidade gentica manifesto: no abrandamento progressivo da construo operatria, a partir do acesso aos primeiros nveis das operaes concretas; e na relativa fragilidade do raciocnio caracterizada por oscilaes ou pela ressurgncia de traos de um nvel anterior sempre que o deficiente mental est em vias de ascender a um nvel de estruturao superior (Inhelder, 1963).A determinao da validade da hiptese da estrutura semelhante tem-se revelado mais difcil. Weisz e Yeates (1981) empreenderam a reviso de 30 estudos que compararam o desempenho de sujeitos deficientes mentais e normais, com as mesmas idades mentais, numa grande diversidade de reas do desenvolvimento conceptual relativas aos estdios pr-operatrio e das operaes concretas. Apesar das comparaes efectuadas terem demonstrado a sua consistncia com a hiptese da estrutura semelhante, Weisz e Yeates (1981) no deixam de apontar limites aos estudos revistos, bem como o carcter prematuro de qualquer afirmao respeitante comprovao experimental da hiptese a partir de uma base emprica to restrita.Poucos anos mais tarde, Weiss, Weisz e Bromfield (1986) procuraram estender o teste da mesma hiptese aos estudos conduzidos no mbito do modelo de tratamento da informao. Identificaram 24 estudos que envolviam 59 comparaes de grupos de sujeitos deficientes mentais e normais da mesma idade mental, em vrias tarefas, como as de ateno selectiva, organizao da informao, memorizao, utilizao de conceitos, etc.. A reviso dos estudos demonstrou que, em cerca de metade das comparaes, os sujeitos deficientes mentais apresentavam resultados significativamente inferiores aos sujeitos normais da mesma idade mental.Estes resultados representam um desafio bvio validade do modelo desenvolvimentista e tm conduzido explorao de explicaes alternativas dos dfices constatados. Apelou-se, sobretudo, para a possibilidade de uma maior vulnerabilidade das tarefas de processamento da informao influncia de variveis motivacionais e emocionais especficas da deficincia mental (Weisz, 1990). No entanto, e apesar de alguns investigadores (Borkowski e Turner, 1988; Paour, 1991; Switzky e Haywood, 1984; Zigler e Hodapp, 1986) terem vindo a defender a importncia da motivao e de outras caractersticas extracognitivas na elucidao das realizaes cognitivas e acadmicas dos deficientes mentais, no existem dados que sustentem uma explicao puramente motivacional das diferenas observadas.Para alm da dificuldade do modelo desenvolvimentista em acomodar os resultados divergentes, o facto de excluir das suas consideraes os deficientes mentais em que existem indicaes claras de etiologia orgnica no tem sido um tpico pacfico. Defendendo que para esse grupo de sujeitos, uma conceptualizao dficeria mais adequada, tm enfrentado as oposies dos que consideram que a dicotomia etiolgica da populao deficiente mental inapropriada, infidedigna e irrelevante do ponto de vista da teoria psicolgica A oposio tem-se manifestado inclusivamente no seio dos proponentes do modelo desenvolvimentista, onde deu origem a uma perspectiva mais abrangente que contempla todos os deficientes mentais independentemente da sua etiologia. Segundo Hodapp e Zigler (1995), esta perspectiva advoga que se testem as hipteses do modelo desenvolvimentista quer na deficincia mental orgnica considerada globalmente, quer em cada uma das inmeras sndromas que a integram. (Baumeister, 1984; Baumeister e MacLean, 1979; Ellis, 1969; Leland, 1969). Como teremos oportunidade de ver, esta questo central na literatura referente deficincia mental.Outro aspecto no menos fundamental e polmico do modelo, o que requer que os deficientes mentais sejam comparados com os normais da mesma idade mental, uma vez que esta a varivel descritiva que indicia o seu nvel de desenvolvimento cognitivo. Contudo, vrios autores (Baumeister, 1967, 1984, 1987; Milgram, 1969; Sternberg e Spear, 1985) tm posto em causa este pressuposto, recordando que a idade mental no seno um produto complexo, um composto aritmtico, um valor sumrio representante de uma mdia num conjunto heterogneo de itens. A equabilidade da idade mental no implicaria de forma alguma a semelhana dos desempenhos ou a inexistncia de diferenas qualitativas e quantitativas nas estruturas e processos cognitivos.

Para o modelo dficerio ou da diferena os deficientes mentais manifestam dfices cognitivos especficos que os distinguem dos normais, e que transcendem as meras diferenas no ritmo e no nvel final de desenvolvimento. Em qualquer altura do desenvolvimento, e mesmo quando a idade mental igual, os deficientes mentais exibiriam em relao a sujeitos normais mais novos, uma ntida inferioridade. Essa inferioridade tenderia a acentuar-se ao longo do desenvolvimento, constituindo-se como o fenmeno do dfice da idade mental (Haywood, 1987).So muitas as investigaes que procuraram pesquisar e identificar os dfices cognitivos "crticos" que caracterizariam o funcionamento dos deficientes mentais. Desde 1935, ocasio em que Lewin descreveu a teoria da rigidez cognitiva, quase todos os domnios cognitivos estudados (memria, velocidade de tratamento da informao, extenso e organizao da base de conhecimentos, etc.) revelaram dificuldades em casos de deficincia mental (Borkowski e Turner, 1988; Detterman, 1987).A partir dos anos 70, o interesse dos investigadores centrou-se, sobretudo, no papel e valor explicativo das estratgias de processamento da informao no desempenho dos deficientes mentais ligeiros e moderados. Belmont e Butterfield (1971) foram dos primeiros a demonstrar que os resultados diferenciais de normais e deficientes mentais ligeiros em provas de memorizao a curto termo, se deviam ao insucesso dos ltimos em usarem espontaneamente estratgias de organizao ou recuperao da informao. Em breve se verificou a ubiquidade dos dfices estratgicos dos deficientes mentais ligeiros e moderados em situaes de memorizao (Butterfield e Ferretti, 1987; Spitz, 1987), de aprendizagem associativa (Taylor e Turnure, 1979), de resoluo de problemas e de jogo (Spitz, 1987).Constatou-se que este dfice estratgico generalizado corresponde a um dfice de produo e no a um dfice de mediao, isto , os deficientes mentais podem empregar os processos estratgicos necessrios, desde que sejam instrudos nesse sentido (Campione, Brown e Ferrara, 1982). Na realidade, estabeleceram-se vrias situaes de ensino em que se procuraram reduzir ou eliminar as diferenas comparativas entre deficientes mentais e normais da mesma idade mental, atravs de um treino sistemtico em estratgias de memorizao e de aprendizagem particulares (como por exemplo, a repetio, o agrupamento, a elaborao, a categorizao, a formao de imagens, etc.). Os resultados revelaram-se encorajadores em relao aquisio e manuteno das estratgias ensinadas Nem todos os deficientes mentais ligeiros parecem responder favoravelmente ao ensino de estratgias, registando-se variabilidade na sua aplicao a tarefas com uma estrutura semelhante, de acordo com o seu nvel de desenvolvimento ou idade mental (Brown e Campione, 1977)., mas decepcionantes no que concerne sua generalizao para alm do contexto original de ensino A amplitude do dfice estratgico e as dificuldades de generalizao constituem elementos importantes para a diferenciao entre a deficincia mental ligeira e os distrbios de aprendizagem (learning disabilities). Assim, os dfices dos deficientes mentais ligeiros so generalizados, em especial no que concerne aos processos executivos superiores, enquanto que os dos sujeitos com distrbios de aprendizagem so circunscritos (Sternberg e Spear, 1985). Por outro lado, os sujeitos dos dois grupos divergem substancialmente em termos dos benefcios que retiram das ajudas fornecidas por um adulto em situaes de avaliao ou ensino. Particularizando, em comparao com os deficientees mentais ligeiros, as crianas e jovens com distrbios de aprendizagem necessitam de menos ajuda para alcanarem uma soluo, respondem mais prontamente interveno do adulto e so mais proficientes na generalizao das aprendizagens realizadas para o contexto escolar (Campione, Brown e Ferrara, 1983). Interpretando estes dados luz do conceito de zona de desenvolvimento potencial proposto por Vigotsky, Campione, Brown e Ferrara (1983) consideram que as crianas e jovens com distrbios de aprendizagem apresentam zonas mais extensas ou amplas do que as crianas com deficincia mental ligeira. (Blackman e Lin, 1984; Butterfield, Wambold e Belmont, 1973).Esta dupla dificuldade dos deficientes mentais em gerarem as estratgias necessrias resoluo de problemas e em as transferirem para outras situaes, foi atribuda a dfices metacognitivos e, em especial, ao controlo executivo (Butterfield e Ferretti, 1987; Brown e Campione, 1981, 1986). Isto , os deficientes mentais poderiam possuir determinadas estratgias nos seus reportrios cognitivos, mas no as evocariam e empregariam, porque desconheceriam o porqu, quando e como da sua aplicao. Para que a generalizao fosse possvel, seria necessrio um ensino muito completo e explcito que informasse os sujeitos sobre a utilidade da estratgia, que elucidasse e exemplificasse as condies da sua aplicabilidade em mltiplas situaes e que destacasse os processos de controlo executivo. Por exemplo, os sujeitos deveriam ser ensinados a definirem e seleccionarem as estratgias a executar, a implementarem essas estratgias verificando as consequncias da sua aplicao, a compararem os efeitos obtidos com os esperados, introduzindo modificaes quando os primeiros no correspondem aos segundos.Segundo Campione, Brown e Ferrara (1983), a dificuldade dos deficientes mentais em resolverem, compreenderem e aprenderem espontaneamente atravs das suas prprias aces, ou em beneficiarem de instrues menos detalhadas, exigiria que se tornasse explcito o que os sujeitos normais, habitualmente, induzem. Contudo, a base emprica das hipteses metacognitivas muito restrita (cf. Butterfield e Ferretti, 1987), e quaisquer que sejam os componentes das situaes de ensino, a generalizao das estratgias para tarefas ecologicamente mais vlidas, como as escolares (...) tem, ainda, de ser demonstrada (Blackman e Lin, 1984, 257).No obstante as dificuldades, o ensino de estratgias, em conjunto com os estudos que procuraram fazer aceder crianas e jovens com deficincia mental ligeira ao estado operatrio concreto (Paour, 1992), e a aplicao do Programa de Enriquecimento Instrumental (Arbitman-Smith, Haywood e Bransford, 1984; Feuerstein, Rand e Hoffman, 1979; Feuerstein et al., 1979) contribuiram para realar a plasticidade potencial de desenvolvimento, ou as possibilidades de modificabilidade cognitiva ou de ultrapassagem do dfice da idade mental dos deficientes mentais. Na verdade, algumas prticas de educao cognitiva tm posto em evidncia que os deficientes mentais so susceptveis de modificaes cognitivas estruturais e funcionais, sem que isso seja equivalente negao da realidade da deficincia. Saliente-se, no entanto, que nem sempre tem sido fcil reunir indicadores irrefutveis desta plasticidade Por exemplo, a evidncia referente eficcia do Programa de Enriquecimento Instrumental junto de deficientes mentais ligeiros foi considerada como satisfatria para alguns (Arbitman-Smith, Haywood e Bransford, 1984; Feuerstein et al., 1979; Haywood, 1987), mas como limitada e questionvel para outros (Blackman e Lin, 1984; Bradley, 1983). O programa foi posto em prtica em grupos muito reduzidos de adolescentes com deficincia mental ligeira. Ao fim de um e mesmo dois anos de aplicao, os aumentos nos resultados de testes de inteligncia foram modestos e, em especial, sem correspondncia significativa ao nvel da avaliao das aprendizagens escolares.No que concerne s experincias de aprendizagem e de induo das noes operatrias concretas, os ganhos revelaram-se duradouros e generalizveis. Contudo, registaram-se dois limites importantes: a eficcia da interveno est relacionada com um nvel pr-operatrio mnimo, abaixo do qual no se verificaram quaisquer efeitos; os sujeitos que beneficiaram das intervenes de natureza operatria, uma vez estas terminadas, no manifestaram progressos posteriores (Paour, 1992)..Independentemente desta questo, a continuidade da oposio do modelo desenvolvimentista e do modelo dficerio assinala que no s as proposies tericas so divergentes, como perduram, sem que uma se imponha em detrimento das outras (Paour, 1992). Esta solidez e diversidade exemplificam, uma vez mais, a heterogeneidade e complexidade da deficincia mental.Como sugerem Sternberg e Spear (1985), a variedade das caractersticas cognitivas que tm sido apontadas como diferenciadoras dos normais e dos deficientes mentais incompatvel com uma nica teoria. No mesmo sentido, Baumeister (1984), Detterman (1987), Kahn (1985) e Paour (1992) consideram que possvel a reconciliao dos dois modelos, fornecendo cada um deles uma explicao vlida de uma das mltiplas facetas da deficincia mental. Para Baumeister (1984) e Detterman (1987) os dois modelos lidam com diferentes nveis de anlise, com diferentes modalidades de comparao, alm de que o modelo dficerio nunca postulou que o desenvolvimento cognitivo dos deficientes mentais procede numa sequncia diferente da dos normais. Por sua vez, a inconsistncia dos resultados relativos hiptese da estrutura semelhante e a existncia do fenmeno do dfice da idade mental no permitiriam, como vimos, a rejeio de hipteses dficerias. Para Paour (1992) a deficincia mental caracteriza-se simultaneamente por um desenvolvimento cognitivo mais lento, e por uma diferena na forma como as estruturas cognitivas so aplicadas. Qualquer que seja o seu nvel de desenvolvimento, os deficientes mentais apresentam grandes dificuldades na mobilizao das suas competncias cognitivas, um subfuncionamento cognitivo crnico Este subfuncionamento cognitivo teria, segundo Haywood (1987), uma base experiencial, resultando de experincias de inadaptao pessoal e de interaces com o ambiente que perpetuariam, em lugar de erradicarem, as dificuldades vivenciadas. Este ponto de vista corresponde ao partilhado por Paour (1992), para quem o subfuncionamento resultaria de ambientes pouco estimulantes ou inibidores e de caractersticas pessoais e motivacionais. As ltimas proviriam da vivncia de experincias de inadaptao social e da reduo ou inexistncia de experincias subjectivas de domnio dos processos de controlo da informao. que explicaria os seus dfices na produo de estratgias, a sua inferioridade em situaes de resoluo de problemas e o aumento progressivo com a idade da diferena comparativa em relao aos sujeitos normais da mesma idade mental.Estas perspectivas unificadoras tm o mrito de integrarem elementos solidamente estabelecidos em vrias teorias, reduzindo as divergncias que marcaram este campo de investigao. Mas, acima de tudo, constituem-se como quadros de referncia conceptuais dos aspectos cognitivos da deficincia mental.

1.4 A deficincia mental como construto social

Como tivemos oportunidade de assinalar, a deficincia mental comporta uma dimenso social e, por isso, no pode ser entendida sem referncia a variveis socioculturais. A investigao documenta variaes transculturais no significado e definio da deficincia mental, reforando a noo de que a identificao dos deficientes mentais se apoia em critrios socioculturais particulares (Barnett, 1986).A radicalizao dos factos assinalados levou Mercer (1970, 1973) a propor uma perspectiva de sistema social na definio da deficincia mental. De acordo com esta abordagem, exclusivamente sociolgica, a deficincia mental ligeira no uma caracterstica, fenmeno ou condio individual, mas antes um estatuto e um papel desempenhados por um indivduo num ou nalguns sistemas sociais especficos, e no necessariamente em todos.A perspectiva de Mercer , no entanto, demasiado extrema, e reune maior aceitao uma perspectiva mais moderada, em que a identificao da deficincia mental ligeira emerge da interaco entre os vrios contextos ecolgicos e as caractersticas individuais.

2- Estudos Epidemiolgicos

2.1- Prevalncia

Os estudos epidemiolgicos da deficincia mental documentam que a sua prevalncia varia em funo da definio adoptada e dos critrios de diagnstico empregues, da representatividade da populao estudada, e da influncia de variveis como a idade, o nvel socio-econmico e cultural ou as condies educativas e de sade.A quase totalidade dos estudos utilizou o Q.I. como critrio de definio e diagnstico da deficincia mental, residindo uma excepo no estudo de Mercer (1973), em Riverside, na Califrnia. Neste caso, aplicou-se uma escala de comportamento adaptativo, elaborada pela autora, a uma amostra de 7000 crianas e adultos, e avaliouse um grupo da amostra com um teste de inteligncia. Verificou- -se, ento, que a prevalncia variava significativamente consoante se empregava um ou os dois critrios de diagnstico: com base apenas num Q.I. inferior a 70, a prevalncia da deficincia mental era de 2.14%, enquanto que quando se complementava um Q.I. inferior a 70 com um resultado de comportamento adaptativo Para ser considerado indicador de deficincia mental, o resultado obtido na escala de comportamento adaptativo deveria situar-se nos decis 1 a 3. Destaque-se que a informao referente validade e fidedignidade da escala muito reduzida., a prevalncia diminuia para 0.97%. Uma observao interessante deste estudo foi a de que a reduo na prevalncia de deficientes mentais quando se aplicavam os dois critrios se registava, principalmente, nos sujeitos oriundos de minorias tnicas ou dos estratos socio-econmicos mais baixos.O ndice de prevalncia de 0.97% apontado por Mercer (1973) , alis, consistente com a estimativa de 1% avanada por Tarjan et al. (1973), a partir de uma definio bidimensional da deficincia mental.No que respeita representatividade da populao, alguns estudos efectuaram uma abordagem directa de uma amostra, de uma determinada regio geogrfica, ou ao longo de um perodo de tempo definido, enquanto que muitos outros estudos recorreram s autoridades administrativas na identificao dos casos de deficincia mental. Nesta ltima abordagem, seleccionam-se os sujeitos que foram classificados como deficientes mentais por diversas autoridades, tais como as educativas (frequncia de classes especiais ou de instituies de ensino especial, apoio dos servios de ensino especial) ou as de sade (atendimento em clnicas, hospitais ou servios mdicopedaggicos).As diferenas entre estes dois tipos de identificao de deficientes mentais justificam, sem dvida, as disparidades que se encontram nas respectivas taxas de prevalncia. Assim, no mbito do primeiro tipo de abordagem, Granat e Granat (1973) apontam uma prevalncia de 2.21% de deficientes mentais ligeiros em jovens suecos de 19 anos, enquanto Rutter, Tizard e Whitmore (1970) indicam uma prevalncia de 2.53% de deficientes mentais em crianas de 9 e 10 anos, residentes na ilha de Wight. Por sua vez, um estudo longitudinal com conotaes epidemiolgicas, o "Collaborative Perinatal Project", seguiu 36851 crianas dos Estados Unidos da Amrica, desde a gestao at aos 7 anos de idade, e identificou 1.15% de deficientes mentais ligeiros de raa branca, e 4.61% de raa negra (Broman et al., 1987). Em contraste ntido com estas taxas, as assinaladas pelos estudos que se apoiaram em classificaes administrativas so notoriamente mais baixas. Em relao deficincia mental ligeira, referiram-se as seguintes percentagens: 0.17% em jovens e adultos canadianos dos 15 aos 29 anos de idade (Baird e Sadovnick, 1985); 0.37% e 0.38% em crianas e jovens suecos dos 8 aos 19 anos (Hagberg et al., 1981a; Son Blomquist, Gustavson e Holmgren, 1981); 0.56% em pr-adolescentes finlandeses de 14 anos (Rantkallio e Wendt, 1986); 0.59% em crianas e jovens irlandeses dos 4 aos 19 anos (Frost, 1977); 0.63% em crianas e pr-adolescentes escoceses dos 7 aos 14 anos (Drillien, Jameson e Wilkinson, 1966). Valores semelhantes foram tambm adiantados por Kushlick e Blunden (1974) e Richardson et al. (1984).As percentagens mais recentes tm sido, por vezes, interpretadas como evidncia de que a prevalncia da deficincia mental ligeira tem vindo a diminuir (Clarke e Clarke, 1987; Hagberg e Hagberg, 1985), em funo de alteraes socio-econmicas, da melhoria dos cuidados mdicos na gravidez e na infncia, da implementao de programas de interveno precoce, de critrios de definio mais rigorosos e de uma prtica diagnstica que considera as consequncias negativas de designaes estigmatizantes As conotaes perjurativas da designao deficiente mental e os seus possveis efeitos prejudiciais ao nvel do sujeito assim rotulado e do comportamento dos que o rodeiam (MacMillan, Jones e Alloia, 1974), conduziram restrio da sua aplicao. Por exemplo, Polloway e Smith (1983) assinalam que nos Estados Unidos da Amrica, entre 1976 e 1981, se registou um declnio de cerca de um tero no nmero de alunos em programas educativos para deficientes mentais ligeiros. Este declnio seria explicado, em parte, pela substituio da designao deficiente mental pela de dificuldades de aprendizagem, j que a diminuio importante da prevalncia administrativa da deficincia mental ligeira se tem acompanhdo nesse pas de um aumento paralelo da prevalncia administrativa das dificuldades de aprendizagem (MacMillan, Siperstein e Gresham, 1996; Polloway e Smith, 1983, 1988; Reschley, 1990). De facto, tem-se defendido que a modificao da designao pode eliminar eventuais consequncias nocivas e proposto termos alternativos ao de deficincia mental ligeira (cf. Introduo). Outros autores propem mesmo a eliminao completa de quaisquer designaes ou categorizaes (Hallahan e Kauffman, 1977). Apesar da natureza estigmatizante dos termos dever ser minimizada o mais possvel, consideramos como Ionescu (1987, 30) que qualquer que seja a denominao empregue ...no se anula ou apaga a realidade da deficincia mental ou os problemas que ela coloca. tambm foroso reconhecer que as vantagens da mera substituio do termo deficiente mental por outros menos discriminatrios, esto por documentar empiricamente (Clarke e Clarke, 1985a).. Se bem que seja possvel que alguns destes factores estejam a exercer uma aco preventiva, h que considerar os limites metodolgicos dos estudos que apontam estas percentagens. A classificao administrativa de um sujeito como deficiente mental a resultante de uma interaco complexa entre mltiplos factores (individuais, familiares, socio-econmicos, educativos, polticos), e enquanto mtodo de recrutamento de casos resulta necessariamente numa amostragem pouco representativa e num nmero elevado de sujeitos no identificados ou de falsos negativos (Granat e Granat, 1973). Outro problema, especfico dos estudos dos pases escandinavos, reside no facto de os testes de inteligncia empregues terem sido aferidos nos anos 40 e 60.No nosso pas, merece-nos um especial destaque o estudo epidemiolgico da deficincia mental realizado no concelho de Arruda dos Vinhos, que abrangeu as crianas nascidas entre 1964 e 1968 e residentes no referido concelho em 1975 (Bairro et al., 1980; C.O.O.M.P., 1981). Este estudo teve o mrito de considerar a deficincia mental no como um mero dfice no funcionamento intelectual, mas antes em funo da sua relao com critrios e condies polifactoriais de adaptao/inadaptao. Adoptou consequentemente uma abordagem pluridisciplinar, infrequente em epidemiologia, em que vrias equipas (psicologia, sociologia e pediatria) delinearam e aplicaram diferentes critrios de adaptao/inadaptao. As crianas que num primeiro rastreio psicolgico colectivo foram consideradas inadaptadas segundo um critrio psicomtrico, foram seguidamente observadas num exame psicolgico individual. Com esta metodologia verificou-se, na populao total observada, uma taxa de 4.6% de crianas deficientes mentais, e uma concordncia significativa entre o diagnstico de deficincia mental e os diferentes critrios de inadaptao.

2.2- Prevalncia em funo da idade

Como j tivemos ocasio de referir, a deficincia mental ligeira , em geral, identificada no primeiro ciclo do ensino bsico. No frequentemente detectada at aos 5 anos, mas a sua prevalncia aumenta rapidamente nas idades seguintes, e atinge o seu mximo entre os 11 e os 14 anos. A partir dos 15 anos, diminui abruptamente para cerca de metade ou um tero dos valores registados nas idades precedentes (Baird e Sadovnick, 1985; Richardson et al., 1984; Tarjan et al., 1973).Este desaparecimento de mais de 50% dos deficientes mentais ligeiros depois do trmino da escolaridade, pode ser interpretado, no mbito de uma perspectiva sociorelativista, como reflectindo variaes sistemticas nas exigncias sociais ao longo dos anos (Barnett, 1986; Mercer, 1973).H, no entanto, algum desacordo em relao a esta perspectiva. McLaren e Bryson (1987) e Zigler e Hodapp (1986), por exemplo, sustentam que o que varia nos diferentes perodos etrios no a prevalncia da deficincia mental ligeira, mas sim a facilidade da sua identificao. No mesmo sentido, diversos estudos (cf. Brown-Glover e Wehman, 1996) tm vindo a pr em causa que os adultos com deficincia mental ligeira se integrem efectivamente na comunidade e/ou que no sejam reconhecidos como tal. Assim, e em discordncia parcial com a viso optimista produzida pelos resultados dos primeiros estudos longitudinais de sujeitos com deficincia mental ligeira, as investigaes realizadas nos Estados Unidos a partir dos anos 80 indicaram a existncia de um cenrio pouco favorvel. De acordo com essas investigaes, as vidas de muitos adultos com deficincia mental ligeira eram caracterizadas pelo desemprego, baixos salrios, trabalho precrio ou a tempo parcial (Brown-Glover e Wehman, 1996; Polloway et al., 1991), relaes sociais restritas, isolamento e uso limitado dos recursos comunitrios (Brown-Glover e Wehman, 1996; Edgerton, 1988; Zetlin, 1988). Aqueles que, de alguma forma, se constituiam como excepo a este panorama e atingiam um estatuto independente ou semi-independente na idade adulta eram os que beneficiavam do apoio e orientao dispensado por pessoas (familiares, amigos, vizinhos, etc.) ou servios (Edgerton, 1988; Zetlin, 1988).Em complemento, tornou-se bvio que as limitaes no comportamento adaptativo poderiam persistir na idade adulta, manifestando-se a vrios nveis, tais como as aptides acadmicas, a independncia pessoal, as competncias profissionais ou a linguagem oral (Koegel e Edgerton, 1982; Zetlin, 1988). A ttulo exemplificativo, referem-se as reas que Koegel e Edgerton (1982) notaram serem problemticas para 45 adultos que tinham sido identificados como deficientes mentais ligeiros no decurso da frequncia da escolaridade obrigatria: conhecimento e gesto do dinheiro; aritmtica; leitura; escrita; higiene pessoal; tarefas domsticas; compras; linguagem receptiva (p. ex., compreenso de perguntas); e linguagem expressiva, com destaque para os aspectos sintcticos e pragmticos A tomada de conscincia deste conjunto de factos levou a que se concluisse que muitos dos sujeitos com deficincia mental ligeira no estavam a ser adequadamente preparados para as exigncias multidimensionais da idade adulta, bem como que os programas educativos no iam ao encontro das suas necessidades (Polloway et al., 1991). Em consequncia, analisaram-se criticamente os contedos curriculares e salientou-se a importncia de se atender na respectiva seleco aos contextos de vida futuros em que as pessoas com deficincia mental ligeira se iro inserir.Numa ptica mais abrangente, e dado que os resultados relativos ao estatuto na idade adulta de sujeitos com deficincia mental ligeira se afiguraram comuns a outros tipos de necessidades educativas especiais, nos Estados Unidos a Lei Pblica 101-746 de 1990, designada de The Individuals with Disabilities Education Act (IDEA), enunciou que a planificao da transio da escola para a vida activa deveria constituir parte integrante dos servios de educao especial. Essa transio seria preparada ao longo da escolaridade, sendo planeada de modo formal a partir dos 14 anos de idade, atravs da elaborao de um Plano Individualizado de Transio por uma equipa interdisciplinar. Esse plano incluiria um conjunto diversificado de actividades, delineado em funo das necessidades, interesses e competncias de cada aluno individualmente considerado e dos recursos que fosse possvel congregar, tendo em vsta a preparao adequada para as exigncias da vida adulta (Brown-Glover e Wehman, 1996)..

2.3- Prevalncia em funo do sexo

A generalidade dos estudos epidemiolgicos mostra que a deficincia mental ligeira mais prevalente em rapazes do que em raparigas (Bairro et al., 1980; Baird e Sadovnick, 1985; Drillien, Jameson e Wilkinson, 1966; Herbst e Baird, 1983; Hagberg et al., 1981a; Son Blomquist, Gustavson e Holmgren, 1981). Cada estudo aponta uma proporo especfica, mas McLaren e Bryson (1987) concluem, na sua reviso dos resultados mais recentes, por uma razo de 1.6/1.Duas excepes a esta maior representao de rapazes so assinaladas nos estudos de Imre (1967) e de Rutter, Tizard e Whitmore (1970), em que se verificou que a taxa de deficientes mentais ligeiros no diferia nos dois sexos.Como possveis determinantes da maior prevalncia da deficincia mental em rapazes, invocou-se que: os rapazes apresentam mais frequentemente dificuldades nas aprendizagens escolares e problemas de comportamento que os tornariam facilmente referenciveis e, por isso, mais susceptveis de virem a ser diagnosticados como deficientes mentais (Richardson, Katz e Koller, 1986); os factores genticos ligados ao cromossoma X predisporiam os rapazes deficincia mental (Zigler e Hodapp, 1986). Existem, contudo, poucas investigaes sobre este tpico, desconhecendo-se, por exemplo, se a proporo de rapazes e raparigas varia em funo da idade cronolgica, do nvel socio-econmico ou da etiologia da deficincia mental.

2.4- Prevalncia em funo do nvel socioeconmico

H unanimidade nos estudos epidemiolgicos de que a deficincia mental ligeira se concentra predominantemente nas classes sociais inferiores. Esta distribuio social tem sido confirmada sucessivamente desde as investigaes menos actuais (Drillien, Jameson e Wilkinson, 1966; Imre, 1967; Kushlick e Blunden, 1974; Penrose, 1972; Rutter, Tizard e Whitmore, 1970; Stein e Susser, 1960), at s mais recentes (Broman et al., 1987; Cooper e Lackus, 1984).Os deficientes mentais ligeiros provm, sobretudo, de famlias com um baixo nvel socioprofissional, em que os pais so trabalhadores no especializados ou semi-especializados, e esto pouco representados nos meios socioprofissionais mais favorecidos. As percentagens assinaladas nas categorias socioprofissionais mais baixas so variveis, mas oscilam entre 78.4% (Cooper e Lackus, 1984) e 39% (Rutter, Tizard e Whitmore, 1970), e so muito mais elevadas do que as da populao geral nessas categorias. As famlias dos deficientes mentais ligeiros pertencentes aos nveis socioprofissionais mais modestos apresentam tambm algumas caractersticas sociodemogrficas e culturais especficas quando comparadas s famlias do mesmo meio social. Assim, tm fratrias mais numerosas, nos meios urbanos vivem nas reas residenciais mais degradadas, a densidade habitacional elevada e as mes tm um baixo nvel educacional (Richardson, 1981). Outros estudos, menos reveladores da possvel especificidade familiar dos deficientes mentais ligeiros, por no estabelecerem comparaes directas com sujeitos das mesmas classes sociais, constatam, no entanto, que estas variveis ambientais lhe esto associadas (Broman et al., 1987; Gilly e Merlet-Vigier, 1969; Rutter, Tizard e Whitmore, 1970). A este propsito, e em forma de smula, anotase que no contexto nacional, j em 1965, Montenegro apontava que os pais de alunos com atrasos intelectuais desempenhavam ocupaes geralmente mal remuneradas e de proventos instveis, traduzindo, na maioria, trabalho grosseiramente especializado ou no qualificado (...) cuja preparao intelectual oscila entre a 4 classe e o analfabetismo (p. 8).

3- Teses Etiolgicas

Desde o incio do sculo XX at ao presente, tm sido propostas diversas classificaes etiolgicas duais da deficincia mental, isto , os deficientes mentais tm sido divididos em dois grupos distintos, consoante a deficincia ou no atribuda aco de factores biomdicos ou orgnicos. Um dos grupos incluiria os casos em que os mecanismos etiolgicos em jogo afectariam o funcionamento do sistema nervoso central, e o outro comportaria os sujeitos em que no se detectariam quaisquer alteraes ou sintomas neurolgicos. Foram vrias as designaes propostas para esta dicotomizao etiolgica: patolgica e subcultural (Lewis, 1933), exgena e endgena (Kephart e Strauss, 1940; Strauss e Kephart, 1940; Strauss e Werner, 1942), orgnica e familiar (Zigler, 1967), debilidade patolgica e normal (Chiva, 1969, 1973).Chiva (1969, 1973) e Strauss e colaboradores (Kephart e Strauss, 1940; Strauss e Kephart, 1940; Strauss e Werner, 1942) estabeleceram estas distines, essencialmente, no domnio da debilidade mental ou da deficincia mental ligeira, a fim de demonstrarem que num nvel comparvel de dfice intelectual, as caractersticas psicolgicas se diferenciavam de acordo com a etiologia. Contudo, isto no invalidaria o facto de a proporo de casos exgenos ou patolgicos ser muito mais elevada nos outros graus de deficincia mental (Chiva, 1973). Por seu turno, Lewis (1933) e Zigler (1967) estenderam a sua classificao a todos os sujeitos deficientes mentais, mas consideraram que o grupo subcultural ou familiar, oriundo de contextos frustes e desfavorecidos e/ou com uma histria familiar de deficincia mental, equivaleria, fundamentalmente, deficincia mental ligeira. , alis, elucidativo que Penrose (1972) ten