a crenÇa na imortalidade da alma no novo testamento

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento 1 A CRENÇA NA IMORTALIDADE DA ALMA NO NOVO TESTAMENTO IIntrodução ao Capítulo Já vimos até aqui que a noção da natureza humana na concepção hebraica bíblica é de uma natureza holista e não dualista do ser humano, confirmado pela descrição da criação humana de Gênesis 1 e 2 e pelos escritos veterotestamentários que negam em completo a doutrina de que o corpo é a prisão de uma alma imortal. A visão bíblica do Antigo Testamento era de que o homem é uma alma, e não de que ele possui uma, por isso é tão constante a linguagem denotativa de inconsciência no pós-morte e da própria morte da alma. A noção de dualidade só veio a se tornar realidade para os judeus helenistas a partir do período intertestamentário, depois da conclusão do Antigo Testamento, quando o povo judeu esteve exposto na diáspora judaica à filosofias e culturas helenistas (gregas), que mantinham forte influência nos povos dispersos, incluindo a concepção do dualismo impregnado por Platão na Grécia Antiga. Nosso próximo passo, a partir de agora, será estabelecer se o Novo Testamento altera a Palavra de Deus escrita no Antigo Testamento ou se a apoia, no tocante à natureza humana e seu destino. Uma absurda falácia que é constantemente utilizada pelos imortalistas como uma tática de pressão é a de que os mortalistas tem que apelar para as passagens do Antigo Testamento, porque o Novo não traria vantagem nenhuma à crença na mortalidade da alma. Isso, na verdade, é um conceito completamente deturpado do Novo Testamento. Em primeiro lugar, a Bíblia é uma coisa só. O Antigo Testamento deve ser utilizado como regra de fé e doutrina tanto quanto o Novo e é tão inspirado quanto o Novo. Em segundo, pessoalmente, se tivesse que escolher entre o Antigo ou o Novo Testamento para anular a imortalidade da alma, eu ficaria mil vezes com o Novo. O Novo Testamento não só confirma o Antigo, como também possui inúmeras provas contra a imortalidade da alma muito mais do que o Antigo Testamento possui, como veremos ao longo de todo o resto deste estudo. Prossiga a leitura, e você verá que, de fato, um mesmo Espírito dirigia ambos os Testamentos, divinamente inspirados, que não se contradizem naquilo que afirmam e que não entram em choque entre si. A visão do Novo Testamento confirma a visão do Antigo porque o que os apóstolos tinham como fonte de fé e base de doutrina em sua época (as Escrituras) eram exatamente os escritos veterotestamentários que negam a visão dualista de imortalidade da alma. Começaremos com aquilo que foi diretamente dito por Jesus, e depois passaremos às epístolas apostólicas. Muitas refutações de teses imortalistas serão feitas nesta parte, cada uma por sua ordem. Serão passados a partir de agora não somente as provas neotestamentárias da mortalidade da alma, como também um longo estudo sobre todas as passagens que são utilizadas pelos imortalistas, como supostas provas do dualismo platônico na Bíblia, refutando todas as defeituosas interpretações que são feitas em cima delas, e, como veremos, a maioria delas são provas contra (e não a favor) da visão dualista, sendo descaradamente tiradas de seu devido contexto ou que não respeitam a regra gramatical dos manuscritos originais do Novo Testamento, escritos em grego.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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A CRENÇA NA IMORTALIDADE DA ALMA NO NOVO TESTAMENTO

I–Introdução ao Capítulo

Já vimos até aqui que a noção da natureza humana na concepção hebraica bíblica é de uma natureza holista e não dualista do ser

humano, confirmado pela descrição da criação humana de Gênesis 1 e 2 e pelos escritos veterotestamentários que negam em

completo a doutrina de que o corpo é a prisão de uma alma imortal.

A visão bíblica do Antigo Testamento era de que o homem é uma alma, e não de que ele possui uma, por isso é tão constante a

linguagem denotativa de inconsciência no pós-morte e da própria morte da alma. A noção de dualidade só veio a se tornar realidade

para os judeus helenistas a partir do período intertestamentário, depois da conclusão do Antigo Testamento, quando o povo judeu

esteve exposto na diáspora judaica à filosofias e culturas helenistas (gregas), que mantinham forte influência nos povos dispersos,

incluindo a concepção do dualismo impregnado por Platão na Grécia Antiga.

Nosso próximo passo, a partir de agora, será estabelecer se o Novo Testamento altera a Palavra de Deus escrita no Antigo Testamento

ou se a apoia, no tocante à natureza humana e seu destino. Uma absurda falácia que é constantemente utilizada pelos imortalistas

como uma tática de pressão é a de que os mortalistas tem que apelar para as passagens do Antigo Testamento, porque o Novo não

traria vantagem nenhuma à crença na mortalidade da alma.

Isso, na verdade, é um conceito completamente deturpado do Novo Testamento. Em primeiro lugar, a Bíblia é uma coisa só. O

Antigo Testamento deve ser utilizado como regra de fé e doutrina tanto quanto o Novo e é tão inspirado quanto o Novo. Em segundo,

pessoalmente, se tivesse que escolher entre o Antigo ou o Novo Testamento para anular a imortalidade da alma, eu ficaria mil vezes

com o Novo. O Novo Testamento não só confirma o Antigo, como também possui inúmeras provas contra a imortalidade da alma

muito mais do que o Antigo Testamento possui, como veremos ao longo de todo o resto deste estudo.

Prossiga a leitura, e você verá que, de fato, um mesmo Espírito dirigia ambos os Testamentos, divinamente inspirados, que não se

contradizem naquilo que afirmam e que não entram em choque entre si. A visão do Novo Testamento confirma a visão do Antigo

porque o que os apóstolos tinham como fonte de fé e base de doutrina em sua época (as Escrituras) eram exatamente os escritos

veterotestamentários que negam a visão dualista de imortalidade da alma. Começaremos com aquilo que foi diretamente dito por

Jesus, e depois passaremos às epístolas apostólicas.

Muitas refutações de teses imortalistas serão feitas nesta parte, cada uma por sua ordem. Serão passados a partir de agora não somente

as provas neotestamentárias da mortalidade da alma, como também um longo estudo sobre todas as passagens que são utilizadas

pelos imortalistas, como supostas provas do dualismo platônico na Bíblia, refutando todas as defeituosas interpretações que são

feitas em cima delas, e, como veremos, a maioria delas são provas contra (e não a favor) da visão dualista, sendo descaradamente

tiradas de seu devido contexto ou que não respeitam a regra gramatical dos manuscritos originais do Novo Testamento, escritos em

grego.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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JESUS PREGOU A IMORTALIDADE DA ALMA?

“Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fora assim, e eu vos teria dito; pois vou preparar-vos um lugar. Depois de ir e vos

preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais” (cf. João 14:2,3)

Nós não entraremos em nossas moradas celestiais depois que morrermos, mas quando Ele voltar. Isso entra em total acordo com o

ensinamento bíblico acerca de quando seremos ressuscitados dentre os mortos e vivificados, que será exatamente nesta segunda

vinda: “Pois da mesma forma como em Adão todos morreram, em Cristo todos serão vivificados. Mas cada um por sua vez: Cristo,

o primeiro; depois, quando ele vier, os que lhe pertencem” (cf. 1Co.15:22,23). Se Cristo tivesse a intenção de lhes pregar a

imortalidade da alma indubitavelmente diria que os lugares estariam disponíveis aos salvos conforme fossem morrendo e as suas

almas se achegassem no Céu para assumi-las.

Mas, se Cristo não ensinou a imortalidade da alma, como entender determinadas passagens bíblicas que tem sido constantemente

vistas pela ótica dualista? A primeira delas que veremos, e que talvez seja a mais explorada pelos imortalistas, é a parábola do rico

e do Lázaro. Para tanto, muitas questões terão que ser abordadas aqui. Questões históricas e bíblicas, que poucas pessoas levam em

consideração, mas que são de extrema importância para chegarmos a uma conclusão satisfatória.

II–A Parábola do rico e do Lázaro

Um argumento bastante usado pelos dualistas é de que não se trata de uma parábola, pois ela possui nomes. Ora, isso é totalmente

compreensível pelo fato de que os judeus colocavam Abraão acima de Jesus: “Nosso pai é Abraão ... És maior do que o nosso pai

Abraão?” (cf. Jo.8:39,53; Mt.3:9). O que simplesmente Jesus faz é pôr na boca Abraão exatamente as palavras que ele teria dito em

pessoa: “Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tão pouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (cf.

Lc.16:31).

Para isso é evidente que teria que citar nomes. Além disso, não há absolutamente nenhuma regra que obrigue que uma parábola não

tenha nomes. Jesus contou parábolas sem precisar dizer para as pessoas: “Atenção, isso é uma parábola...”! A parábola do rico e do

Lázaro fica entre parábolas, como podemos ver a seguir:

CAP.14 DE LUCAS – A PARÁBOLA DA GRANDE FESTA

CAP.15 DE LUCAS – A PARÁBOLA DA OVELHA PERDIDA

CAP.15 DE LUCAS – A PARÁBOLA DA MOEDA PERDIDA

CAP.15 DE LUCAS – A PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO

CAP.16 DE LUCAS – A PARÁBOLA DO ADMINISTRADOR DESONESTO

CAP. 16 DE LUCAS – A ******** DO RICO E LÁZARO

CAP.17 DE LUCAS – A PARÁBOLA DO EMPREGADO

CAP.18 DE LUCAS – A PARÁBOLA DA VIÚVA E DO JUIZ

Nisso fica claro que a história se tratava realmente de uma parábola. A parábola diz que "havia também certo mendigo, chamado

Lázaro, coberto de chagas, que jazia à porta daquele; e desejava alimentar-se das migalhas que caiam da mesa do rico; e até os cães

vinham lamber as úlceras" (cf. Lc.16:20,21). Igualmente, vemos que o homem rico da parábola não era apenas rico, mas vaidoso e

se vestia do melhor daquilo que podia usufruir: "púrpura e linho finíssimo" (cf. Lc.16:19). Ele “todos os dias se regalava

esplendidamente” (cf. Lc.16:19), ou seja, era de absolutamente alta classe.

Ponderamos: onde é que você já viu um banquete de alta classe de um rico que permitisse que um mendigo cheio de chagas ficasse

sentado à sua porta, e que, além disso, ainda deixava que comesse das migalhas de sua mesa? Se isso já é uma possibilidade

altissimamente improvável nos nossos dias, isso era completamente impossível de acontecer naquela sociedade judaica.

O rico de jeito nenhum iria permitir que os seus visitantes (também ricos tais como ele) passassem pela porta com um mendigo, que,

além disso, ainda estava coberto de chagas, em uma doença contagiosa, possivelmente a própria lepra, comum naqueles dias. Isso

não faz a personalidade de um judeu rico daquela época (muito menos um que teria sido mandado para o inferno em seguida). Como

se esse cenário não fosse suficientemente improvável, ainda vemos também cachorros que lambiam as suas chagas! Quando vemos

tal cenário, vemos que isso era impossível!

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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Tratava-se somente de uma história que Jesus criou do mesmo modo que ele criou outras histórias (parábolas) com uma lição moral

a ser dela retirada. E, de fato, Cristo tinha um ponto muito importante para chamar a atenção de seus ouvintes, como veremos mais

adiante. Para isso ele usava uma parábola, como é a do rico e do Lázaro. Cristo não precisava dizer: “Olha, gente, isso é uma outra

parábola”; pelo simples fato de que ele “nada lhes dizia sem usar alguma parábola” (cf. Mt.13:34).

Em Lucas 12:41 os seus discípulos interpretaram um ensinamento de Cristo como sendo uma parábola, mas em lugar nenhum vemos

Cristo dizendo que aquilo era uma parábola (ver Lucas 12:35-41). Os seus discípulos sabiam que ele lhes falava por meio de

parábolas ao contar histórias, e não precisavam questioná-lo quanto a isso, muito menos quando tal história localiza-se exatamente

no meio de outras histórias parabólicas! O mesmo quadro ocorre em Mateus 7:17, quando os seus discípulos interpretam os seus

ensinos como sendo uma parábola (cf. Mt.7:15-17), embora em lugar nenhum Cristo tenha feito qualquer questão de mencionar que

aquilo tratava-se realmente de uma parábola.

Em outra ocasião, em Mateus 15:14, Pedro identifica um ensinamento de Cristo como sendo uma parábola, embora em lugar nenhum

Jesus tenha feito questão de ressaltar que aquilo era mesmo uma parábola, e em Lucas 6:39 o evangelista conta o mesmo ensinamento

mas omite que aquilo tratava-se de uma parábola. Se Lucas conta o mesmo relato encontrado em Mateus e não diz que se tratava de

uma parábola (sendo que em Mateus está bem claro que era), então vemos que Lucas citava parábolas de Cristo sem necessariamente

afirmar estar se tratando de uma parábola. Mas se toda vez que Cristo contasse parábolas tivesse que haver a menção de que aquilo

é uma parábola, então Mateus entraria em contradição com Lucas, pois ambos contam a mesma história, mas um diz que é uma

parábola e o outro não diz nada!

Do mesmo modo, em Lucas 5:36 o autor diz que Cristo dizia uma parábola aos seus seguidores, mas em Marcos 2:21 a mesma

história aparece sem qualquer menção de estar ligada a uma parábola. Tudo isso nos faz ter a certeza de que, realmente, Jesus

ensinava aos seus discípulos por meio de parábolas, que não tem qualquer necessidade de serem mencionadas como tal. Se até

mesmo nestes contextos os seus discípulos sabiam que aquilo era parábola, mesmo sem ninguém ter dito expressamente que era

uma, quanto mais quando vemos que tal história parabólica de Lucas 16 está exatamente entre várias outras parábolas que Jesus

estava contando!

Se você está contando várias piadas numa roda de amigos, não precisa repetir o tempo todo que ao término de uma você estará

iniciando outra piada. Todos já saberão disso. Da mesma forma, se Cristo estava contando várias parábolas uma em seguida da

outra, era completamente desnecessário dar um aviso de alerta avisando que aquilo era parábola e não um relato real. Isso já era

simplesmente óbvio. Os únicos que não conseguem entender isso são os imortalistas, que por não compreenderem nem o contexto

nem o significado de uma parábola precisam ignorar tudo isso e fazerem de conta de que não é parábola, é realidade, e de que, se

não fosse uma história real, Jesus precisaria ter parado a conversa, avisado que era outra parábola, e só assim eles ficariam

satisfeitos!

Ademais, vários detalhes na parábola nos mostram que aquilo não era um relato real, mas uma ficção. Por exemplo, veremos que o

rico possui um corpo físico com língua e todos os outros membros do corpo, que ele sentia sede, que precisava beber água, que

conseguia conversar com quem estava no Céu mesmo enquanto queimava em meio às chamas de fogo, dentre outros tantos fatos

que nos mostram claramente que tudo aquilo não passava de mera parábola assim como todas as outras, cuja significância estava

baseada no ensinamento moral por trás dela, e não no relato em si como sendo algo literal. Veremos que uma parábola nunca,

jamais e em circunstância alguma pode ser fundamentada como regra de doutrina pelos seus meios parabólicos.

Parábolas não tem meios literais - É mais especificamente neste ponto que colocamos um fim na superstição de que existe um estado

intermediário das almas porque os meios de uma parábola tem que ser literais. É aí que muita gente se engana: parábolas não

necessitam de meios literais, ao contrário, apresentam uma lição moral valiosa por detrás de meios não necessariamente

literais. Uma prova muito forte disso é o simples fato de que Jesus contou muitas parábolas, e se fôssemos tomar literalmente todos

os meios que ele usa, iríamos encontrar inúmeros “absurdos”.

Por exemplo: neste mesmo contexto da parábola do rico e Lázaro há a parábola do administrador desonesto (cf. Lc.16:1-12). Veja

o que o verso 8 diz: “O senhor elogiou o administrador desonesto, porque agiu astutamente. Pois os filhos deste mundo são mais

astutos no trato entre si do que os filhos da luz” (cf. Lc.16:8). Analisando a parábola literalmente, poderíamos chegar à infeliz

conclusão de que Cristo aprovava a administração desonesta. Contudo, ele não estava incentivando a prática de administração

desonesta, até mesmo porque em parte alguma a Bíblia aprova tal prática, mas a lição moral da parábola não é sobre administrar

desonestamente (cf. Lc.16:9). Os meios da parábola não são reais e não influenciam sua lição moral!

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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Do mesmo modo, Jesus contou uma parábola sobre o dever de orar sempre e nunca desfalecer (cf. Lc.18:1-8). Nela, o juiz (que

representa Deus, aquele que atende as nossas orações) é tratado como “um homem mau que nem ao homem respeitava” (cf. Lc.18:2).

É óbvio que o que Cristo queria realmente ensinar não era que Deus é um homem mau, mas sim que se até um homem mau atende

aos nossos pedidos, quanto mais o nosso Pai que está no Céu nos atenderá (que não é mau coisa nenhuma, mas poderíamos chegar

a essa conclusão caso tomássemos os meios dessa parábola como reais). Novamente, vemos uma lição moral (de orar sempre e

nunca desfalecer) sendo ensinada através de meios não reais/literais.

A mesma coisa veremos que sucede também na parábola do rico e Lázaro. Uma lição moral (de advertência à incredulidade dos

fariseus e às tradições da época) sendo ensinada através de meios não reais/literais. Essa é uma regra comum em todas as parábolas,

que os imortalistas só não admitem que possa valer também para Lucas 16:19-31, porque implicaria em abrir mão de uma das únicas

passagens bíblicas que supostamente favoreceriam a doutrina grega da imortalidade da alma.

Em outra parábola, Deus é retratado como “um homem severo que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste” (cf.

Mt.25:24). Diante do contexto, este “homem” é Aquele que distribui os dons (talentos) aos homens e a quem nós devemos prestar

contas um dia. Quem ele é? Óbvio: Deus. Mas será que Deus é “um homem severo que ceifa onde não semeou e ajunta onde não

espalhou”? Claro que não. Tomemos os meios de uma parábola como reais e mudamos totalmente a visão de um Deus de amor e

justiça que a Escritura nos revela do início ao fim!

Vejam que curioso: se tomarmos os meios dessa parábola como reais, todo o conceito de Deus apresentado em toda a Escritura

muda. Da mesma forma, se tomarmos a parábola do rico e Lázaro como literal, todo o conceito sobre a natureza humana e seu

destino pós-morte apresentado em toda a Escritura muda. Mas no primeiro caso os imortalistas aceitam facilmente que se trata

de meros meios não-literais e irreais característicos de uma parábola, enquanto que no segundo caso não aceitam de jeito nenhum,

pois estão presos em seus sofismas sobre a existência de uma alma imortal e precisam se apegar a todo e qualquer custo a passagens

claramente parabólicas como a de Lucas 16 para fundamentar as suas teses!

Tome também, por exemplo, outro meio de parábola contada por Cristo: “Então o senhor disse ao servo: Vá pelos caminhos e

valados e obrigue-os a entrar, para que a minha casa fique cheia” (cf. Lc.14:23). Será que as pessoas são forçadas a entrar no

Céu, sendo obrigadas a isso, contra a vontade delas? É claro que não, pois Deus nos concedeu o livre arbítrio. Ninguém é obrigado

ou forçado por Deus a ser salvo, pois a salvação é algo que implica em perseverança (nossa) até o fim (cf. Mt.24:13), ninguém vai

pro Céu contra a sua própria vontade.

Mas se as parábolas são reais em seu todo e seus meios são apresentados literalmente, então somos obrigados a entrar no Reino

de Deus, não há escapatória, seremos salvos querendo ou não! O que é mais razoável de se aceitar? Que Deus nos obriga a entrar

em Sua casa, ou que as parábolas não possuem meios reais, mas apenas uma verdade moral por detrás de um ensinamento com

meios simbólicos?

Evidentemente que as parábolas não tem meios literais, jamais podemos fundamentar uma doutrina bíblica sustentada por meios de

parábolas. Se dissermos que a parábola de Lucas 16 (do Rico e do Lázaro) obrigatoriamente tem que ter meios reais e literais,

consequentemente as demais parábolas de Cristo também devem ter meios reais e literais. Por que a parábola do rico e Lázaro teria

que ser exatamente a única exceção à regra? Será que é porque somente deste jeito que os imortalistas conseguem sustentar a doutrina

da imortalidade da alma baseando-se em tal parábola?

Ora, se fôssemos literalizar a parábola, encontraríamos, como vimos, uma série de problemas e contradições de primeira ordem à

frente. As parábolas não podem jamais serem tomadas literalmente pelos seus meios, pois se fosse assim deveríamos chegar à infeliz

conclusão de que Deus é um juiz mau e que não respeita ao homem, que é um homem severo que planta aonde não semeou, que

aprova a prática de administração desonesta e que obriga as pessoas a entrarem no Céu!

É óbvio que Deus não é nenhuma dessas coisas porque as parábolas nunca podem ser tomadas literalmente – em circunstância

nenhuma – mas devemos retirar delas a sua lição moral. O mesmo deve ser dito também com relação à parábola do rico e do Lázaro.

Qual é a sua lição moral? Ela se encontra no verso 31:

“Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tão pouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (cf. Lucas

16:31)

Vemos, portanto, que a lição moral da parábola contada por Cristo em Lucas 16:19-31 em nada tem a ver com a imortalidade da

alma, mas, ao contrário, tem relação com a incredulidade dos fariseus em rejeitarem os ensinamentos de Cristo – nem sequer uma

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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ressurreição os faria persuadir. Quando tratamos de descrições bíblicas claras e reais (não em textos parabólicos ou simbólicos), os

meios são necessariamente reais e literais ao todo. Contudo, isso não acontece quando estamos tratando de uma parábola. Parábola

não necessita de meios reais, mas sim de lições morais que levam o ouvinte à reflexão. O principal problema daqueles que pregam

a existência da alma imortal é não saberem ao certo o que é uma parábola:

PARÁBOLA

Acepções

■substantivo feminino

1 narrativa alegórica que transmite uma mensagem indireta, por meio de comparação ou analogia

1.1 narrativa alegórica que encerra um preceito religioso ou moral, esp. as encontradas nos Evangelhos

Ex.: a p. do filho pródigo

Vejamos então o significado de alegoria:

ALEGORIA

Acepções

■substantivo feminino

1 modo de expressão ou interpretação us. no âmbito artístico e intelectual, que consiste em representar pensamentos, ideias,

qualidades sob forma figurada e em que cada elemento funciona como disfarce dos elementos da ideia representada.

Como o próprio dicionário atesta, parábolas são estórias de ficção, que Jesus frequentemente empregava para ensinar alguma coisa

aos seus ouvintes. Parábolas não são e nem nunca foram histórias contadas com a intenção de passar meios reais. Se fosse assim,

não faria uso de uma parábola. Parábola é quando o autor utiliza-se de meios ou cenários quaisquer, sem a obrigatoriedade de serem

verdadeiros ou literais, para ensinar uma lição moral por finalidade, mediante a metaforização ou personificação de personagens

inanimados, como é o caso da conversa entre árvores registrada em 2ª Reis 14:9.

Isso nós podemos ver ao longo de várias parábolas contadas por Cristo, que claramente não são fatos reais – são parábolas. Por

exemplo, é extremamente improvável que houvesse um homem que vendeu todos os seus bens para comprar uma pérola de grande

valor (cf. Mt.13:46), pois isso não faria sentido. Também não houve um administrador infiel elogiado pelo seu senhor (cf. Lc.16:8).

Da mesma forma, Cristo também afirmou sobre ter de arrancar os olhos ou cortar pernas e braços para entrar no Reino dos céus.

Será que por isso no Reino haverá caolhos, manetas e pernetas – tudo isso literalmente? É claro que não. Tudo isso é obviamente

uma linguagem altamente metafórica, tanto quanto a parábola do rico e do Lázaro.

Mais ainda que isso, uma outra prova fatal que nos faz concluir que Cristo não estava como finalidade dado uma aula sobre o estado

dos mortos, é o fato de que nem mesmo as palavras “alma-psiquê” ou “espírito-pneuma” aparecem nesta parábola. Pelo contrário, o

rico possuía um corpo físico com dedo, língua e que sente calor e pede água para matar a sede (cf. Lc.16:24). A própria sede é uma

característica do corpo, e não de um espírito “imaterial”, “fluídico”.

Um espírito desprovido de corpo não tem nada disso, e a Bíblia diz que nós só teremos um corpo novamente após ressurgirmos dos

mortos (cf. 1Co.15:42-44). Jesus disse claramente que um espírito não tem nem carne e nem ossos (cf. Lc.24:39). Será que Cristo

se enganou dizendo que o rico possuía língua no Hades ou os corpos dos personagens foram parar no Hades por engano?

Nenhuma das duas, era mera parábola: não exigia meios reais! Se o objetivo de Cristo ao contar esse parábola fosse exatamente

anunciar a imortalidade da alma, então seria completamente indispensável a menção de “almas” ou de “espíritos” deixando o corpo

e partindo para o “além”.

Contudo, os personagens ali citados vão com os seus corpos para o Hades, tudo nos mostra que o que aconteceu foi a personificação

de personagens inanimados e, por este motivo, não eram os “espíritos” que desciam ao Hades, mas sim os próprios corpos.

Como bem assinalou o doutor Samuelle Bacchiocchi:

“Os que interpretam a parábola como uma representação literal do estado dos salvos e perdidos após a morte defrontam problemas

insuperáveis. Se a narrativa for uma descrição real do estado intermediário, então deve ser verdadeiro em fato e coerente em detalhe.

Contudo, se a parábola for figurada, então somente a lição moral a ser transmitida deve nos preocupar. Uma interpretação literal da

narrativa se despedaça sob o peso de seus próprios absurdos e contradições, como se torna evidente sob exame detido”1

1 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o destino eterno.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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A questão aqui é muito simples: se a intenção de Cristo em contar essa parábola fosse de alguma forma fazer uma descrição fiel do

atual estado dos mortos, então é óbvio que os personagens estariam no Hades em forma de espíritos incorpóreos, e não com os

próprios corpos físicos, como um exame da parábola nos indica claramente. O fato de eles estarem lá com seus próprios corpos

prova inequivocadamente que o que ocorreu neste caso nada mais foi senão a personificação de personagens inanimados, o que é

muito comum na Bíblia. Corpos já mortos foram personificados e ganharam vida dentro de um contexto parabólico, isto é, de uma

estória alegórica para ensinar alguma lição moral como finalidade.

O que ocorreu, portanto, não foi uma descrição do atual estado dos mortos como “espíritos incorpóreos” em um estado intermediário

entre a morte e a ressurreição, mas sim a personificação de corpos mortos como se estivessem vivos, e do que aconteceria neste

contexto parabólico. Tanto quanto a linguagem parabólica da conversa entre árvores em 2ª Reis 14:9 não significa que as árvores

realmente conversam entre si, a parábola do rico e Lázaro não prova que espíritos incorpóreos mantém consciência no pós-morte,

mas apresenta a mesma personificação de personagens inanimados que ocorre tanto em 2ª Reis 14:9 como em diversas outras

ocorrências bíblicas num mesmo contexto alegórico ou parabólico.

Isso também é constatado pelo fato de que o rico pede que joguem um pingo água para molhar a sua língua, enquanto ele queimava

em meio às chamas! Além da sede literal (por água) ser uma característica corporal (e não de um “espírito”, como anjos ou demônios,

por exemplo), de que serviria um “dedo” molhado “em água” para aliviar tamanhos rigores extremos de um fogo devorador e

literalmente verdadeiro que o rico estaria passando naquele exato momento e também por toda a eternidade?

Ademais, a própria parábola diz que havia um abismo muito grande entre ambas as partes, motivo pelo qual o rico não podia ser

molhado com água. Contudo, ele conversava com Abraão como se estivesse face-a-face com ele! Ora, se ele conversava tão

perfeitamente com Abraão, então ele também poderia perfeitamente ser molhado com água, pois a distância assim o permitiria.

E será possível compreender absolutamente o que cada pessoa da cena diz sendo que neste mesmo cenário havia um barulho

horrivelmente aterrorizante de fogo em atividade e milhões ou bilhões de pessoas queimando e gritando aos prantos naquele mesmo

momento? Quem iria compreender o que alguma pessoa fala em tal cenário? Como se tudo isso não fosse suficientemente claro,

será que no Reino poderemos conversar com os não-salvos enquanto eles queimam em meios às chamas? Pois, pela parábola, tal

comunicação entre os salvos e os não-salvos seria perfeitamente plausível.

Poderíamos, caso tomássemos os meios da parábola como literais, ver e conversar com os nossos parentes não-salvos enquanto eles

queimam no inferno! Certamente bater papo com alguém nestas condições e neste cenário, é uma terrível falta de bom senso. Os

que não forem salvos jamais poderão se unir novamente com os que forem salvos (por meio de uma conversa, por exemplo), pois a

morte significa a separação total entre ambos os grupos. É isso o que também é ilustrado nesta parábola.

Não, meus amigos, definitivamente não foi o estado dos mortos que foi ilustrado nesta parábola, não houve nenhuma descrição de

“estado intermediário” algum, mas apenas e tão somente a personificação de personagens inanimados ganhando vida (típico de

parábola), em um cenário corrente na época, como veremos mais a seguir. Com toda a clareza, os imortalistas que insistirem em

admitir a parábola do rico e Lázaro como sendo “prova” do dualismo platônico na Bíblia, encontrarão tamanhos dilemas insuperáveis

pela frente a tal ponto de terem que reformular toda a sua teologia acerca de como é o pós-morte.

Sobre o Hades – Outro fato que ajuda ainda mais a derrubarmos a má interpretação dos dualistas é o lugar para onde teria ido o rico:

“E, no Hades, viu Abraão e Lázaro, em seu seio” (cf. Lucas 16:23)

A clareza da linguagem é evidente: o rico estava no Hades. E é a partir desta parábola que surge a ideia de que todos os “espíritos”

desencarnados vão para o Hades após a morte, com divisão para justos e ímpios. Ora, qual doutrina básica da fé cristã que tem por

base uma parábola? Nenhuma. Mas a parábola do rico e Lázaro (como única suposta “descrição” do “estado intermediário”

encontrada na Bíblia) obrigatoriamente tem que ser literalizada e fundamentada como doutrina bíblica (para eles).

Afinal, a maior base da doutrina imortalista é justamente os meios de uma parábola, em que os corpos descem junto para o “estado

intermediário” conversar com os que já morreram enquanto se queimam entre as chamas. Pasme! Mas, mesmo que este fosse o caso,

Unaspress, 1ª edição, 2007, p. 136.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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a História nos mostra que o Hades, como um local de tormento em que o rico estava, é de origem totalmente pagã, e não bíblica.

Veremos a seguir onde nasceu o Hades e como entrou de braços abertos na doutrina imortalista.

III–A Origem pagã do Hades

A origem pagã do Hades - Na literatura hebraica, o Sheol (transliterado para “Hades” no grego), não era um local de habitação de

espíritos vivos e conscientes em estado desencarnado. Já vimos que os autores do Antigo Testamento não tinham a mínima ideia de

vida consciente antes da ressurreição, muito menos de almas imortais ou espíritos em um estado intermediário.

A vida pós-morte na visão do Antigo Testamento era que os mortos não louvam a Deus (cf. Is.38:19; Sl.6:5), não sabem de nada

(cf. Ec.9:5), valem menos do que um cachorro vivo (cf. Ec.9:4), sua memória jaz no esquecimento (cf. Ec.9:5), não tem lembrança

de Deus (cf. Sl.6:5), não confiam na fidelidade de Deus (cf. Is.38:18), não falam da Sua fidelidade (cf. Sl.88:12), estão numa terra

de silêncio, e não de gritaria do inferno ou de altos louvores do Céu (cf. Sl.115:17), não podem ser alvos de confiança (cf. Sl.146:3),

não pensam (cf. Sl.146:4), não tem proveito nenhum para Deus depois de morto (cf. Sl.30:9), são comparados com o pó (cf. Sl.30:9),

etc.

Mesmo assim, eles falavam constantemente em Sheol (Hades), como o local para onde vão os mortos. Algumas referências são: Jó

7:9, Salmos 18:5, Salmos 86:3, Salmos 139:8, Provérbios 30:16, Gênesis 37:35, Eclesiastes 9:10, entre outros. Ora, como podem os

escritores do Antigo Testamento desacreditarem completamente no estado intermediário mas falarem tanto no Sheol? É evidente

que, para eles, Sheol estava longe de ser um local de habitação consciente de espíritos incorpóreos, mas era meramente uma figura

para a sepultura.

Na passagem de Malaquias (último livro do AT) para Mateus (o primeiro do NT) há um período de quatrocentos anos (conhecido

como “período intertestamentário”). Neste período é que os hebreus estiveram dispersos para as nações influenciadas pelo dualismo

grego que estabelecia nelas uma forte ligação ética, cultural, social e filosófica, por meio da doutrina helenista. Tais filosofias

correntes na Grécia Antiga (especialmente a amplamente difundida doutrina da “imortalidade da alma”) acabaram entrando no

judaísmo helenista.

Tal impacto do helenismo sobre o judaísmo é evidente em muitas áreas, incluindo na adoção do dualismo grego por algumas obras

literárias judaicas (inclusive vários “livros apócrifos”) produzidas nessa época. De acordo com os professores Stephen L. Harris e

James Tabor, Sheol é um lugar de “vazio” que tem suas origens na Bíblia Hebraica e no Talmud:

"Seres humanos, como os animais do campo, são feitos de ‘pó da terra’ e na morte eles retornam ao pó (Gênesis 2:7; 3:19). A palavra

hebraica Alma (Nephesh, Psyche), tradicionalmente traduzida por ‘alma viva’, mas mais adequadamente compreendida como

‘criatura vivente’ é a mesma para todas as criaturas viventes e não se refere a nada imortal... Todos os mortos descem ao Sheol, e lá

eles jazem no sono juntos. Seja bom ou mau, rico ou pobre, escravo ou liberto (Jó 3:11-19). Ele é descrito como uma região ‘escura

e profunda’, ‘a cova’, e ‘a terra do esquecimento’, interrupção da vida (Salmos 6:5; 88:3-12). Se se encara situações extremas de

sofrimento no mundo dos vivos acima, como aconteceu com Jó, o Sheol pode ser visto como um alívio bem-vindo à dor - basta ver

o terceiro capítulo de Jó. Mas, basicamente, ele é um tipo de ‘nada’ (Salmo 88:10)”2

Harris partilha observações similares em seu “Compreendendo a Bíblia”, e acentua o fato de que houve uma associação com as

religiões pagãs no período helenista que modificou o real significado de “Sheol” bíblico:

“Quando os escribas judeus helenistas traduziram a Bíblia para o grego, eles usaram o termo ‘Hades’ para traduzir Sheol,

trazendo uma associação mitológica completamente nova à ideia de existência póstuma. Nos mitos da Grécia Antiga, o Hades,

nomeado a partir da deidade sombria que o reinava, era originalmente similar ao Sheol hebraico, um submundo escuro no qual todos

os mortos, a despeito do mérito individual, eram indiscriminadamente colocados"3

Sobre seu significado original, a Enciclopédia Britância afirma:

2 TABOR, James. What the Bible says about Death, Afterlife, and the Future. Disponível em: <http://clas-pages.uncc.edu/james-tabor/>. Acesso em: 15/08/2013. 3 HARRIS, Stephen L. Understanding the Bible: the 6th Edition (McGraw Hill 2002) p. 436.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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“O Sheol estava localizado em alguma parte ‘debaixo’ da terra. A condição dos mortos não era de dor nem de prazer. Nem a

recompensa para os justos nem o castigo para os iníquos estavam relacionados com o Sheol. Tanto os bons como os maus, tiranos e

santos, reis e órfãos, israelitas e gentios – todos dormiam juntos sem estarem cônscios uns dos outros”4

A própria Enciclopédia Católica reconhece isso ao dizer:

“Na Bíblia, [Sheol] designa o lugar de completa inércia ao qual se desce quando se morre, quer alguém seja justo quer ímpio, rico

ou pobre”5

Esta é uma verdade indiscutível: o Sheol estava longe de ser uma habitação consciente de espíritos. Contudo, houve uma associação

mitológica com as filosofias gregas (de imortalidade da alma). Em outras palavras, o sentido bíblico de Sheol foi totalmente

deturpado pelo sincretismo com a mitologia pagã. Na mitologia grega o mundo dos mortos, chamado apenas de Hades, era o local

no subterrâneo para onde iam as almas das pessoas mortas (sejam elas boas ou más), guiadas por Hermes, o emissário dos deuses,

para lá tornarem-se sombras. É um local de tristeza. No fim da luta dos deuses olímpicos contra os Titãs (a Titanomaquia), os deuses

olímpicos saíram vitoriosos.

Então, Zeus, Posídon e Hades partilharam entre si o universo: Zeus ficou com os céus e as terras, Posídon ficou com os oceanos e

Hades ficou com o mundo dos mortos. Os titãs pediram socorro a Érebo do mundo inferior; Zeus, então, lançou Érebo para lá

também, assim tornou-se a noite eterna do Hades (Érebo também é outra designação do mundo inferior). Das Idades do Homem e

suas raças, a raça de bronze, raça dos heróis, e a raça de ferro vão para o Hades após a morte.

Este sincretismo com as religiões pagãs que resultou em uma aplicação totalmente diferente de Sheol/Hades: a de um local no

subterrâneo para onde vão as almas das pessoas mortas (sejam elas boas ou más), no “Mundo dos Mortos”, denominado Hades.

Querendo ou não, gostado ou não, é uma clara deturpação imortalista do que realmente é o Sheol. Tirando os maiores absurdos, que

jamais seriam assumidos pelos cristãos (como, por exemplo, o fato de serem guiadas por Hermes, o emissário dos deuses, ou dos

Titãs pedirem a ajuda de Érebo), a essência pagã de Hades, como um local de habitação de espíritos, foi absorvida da mitologia

pagã direto para a teologia bíblica dos imortalistas.

IV–O que é o Sheol?

O que é o Sheol? - Como já vimos acima, antes da mitologia pagã se infiltrar dentro dos moldes do Cristianismo, Sheol era puramente

sepultura. É claro que a sua aplicação varia de passagem a passagem, mas nunca no sentido mitológico de “habitação de espíritos”.

O Sheol bíblico é um local de silêncio, e não de gritaria do inferno:

“Os mortos, que descem à terra do silêncio, não louvam a Deus, o Senhor” (cf. Salmos 115:17)

“Se o Senhor não fora em meu auxílio, já a minha alma habitaria no lugar do silêncio” (cf. Salmos 94:17)

Mais claro ainda é o Salmo 94:17, que diz de forma enfática que o que habita no silêncio é a própria alma, derrubando a toda e

qualquer tentativa de vulgarizar o termo como se fosse “silêncio somente para o corpo”. O salmista sabia muito bem que o local

para onde iria após a morte seria de silêncio, e não de louvores entre os salvos ou de gritaria do inferno. Convenhamos: qual é o

lugar do “silêncio” que o salmista fala? Claramente a sepultura. O local para onde a alma vai após a morte (cf. Sl.94:17), em estado

de total inconsciência (cf. Ec.9:5,6; Ec.9:10; Sl.146:4; Sl.6:5; Sl.30:9; Sl.88:12). Outra prova clara de que os hebreus do Antigo

Testamento sabiam muito bem que Sheol não era inferno, mas sim sepultura, é Jacó enterrando o seu filho José:

“E levantaram-se todos os seus filhos e todas as suas filhas, para o consolarem; ele, porém, recusou ser consolado, e disse: Na

verdade, com choro hei de descer para meu filho até o Sheol. Assim o chorou seu pai” (cf. Gênesis 37:35)

Jacó evidentemente ainda não sabia que na mitologia pagã grega (de imortalidade da alma) o Hades ficava no centro da Terra. Jacó

foi cavando até o inferno para enterrar o seu filho José? Não, Jacó sabia muito bem que Sheol era puramente sepultura. Ele sabia

disso porque essa era a crença da época, o sentido puro de Sheol.

4 Enciclopédia Britânica, 1971, Vol. 11, p. 276. 5 Nova Enciclopédia Católica, Vol. 13, p. 170.

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Ademais, Jacó foi enterrar o corpo morto de José e não uma alma ou espírito incorpóreo. Sheol não é um local de espíritos sem

corpo, mas sim de corpos mortos. Sheol é claramente identificado como sendo sepultura, o pó da terra. Outras inúmeras passagens

nos trazem um sentido completo de que Sheol não era habitação consciente de espíritos desencarnados. Alguns exemplos, por

exemplo, podem ser encontrados em Jó e em Salmos:

“Porventura não são poucos os meus dias? Cessa, pois, e deixa-me, para que por um pouco eu tome alento. Antes que eu vá para o

lugar de que não voltarei, à terra da escuridão e da sombra da morte” (cf. Jó 10:20,21)

“Será que fazes milagres em favor dos mortos? Será que eles se levantam e te louvam? Será que no Sheol ainda se fala do teu amor?

Será que naquele lugar de destruição se fala da tua fidelidade? Será que naquela escuridão são vistos os teus milagres? Será que na

terra do esquecimento se pode ver a tua fidelidade?” (cf. Salmos 88:10-12).

Como podemos ver, a terra era claramente descrita como uma “escuridão”. Ora, se o Hades é um local de tormento, com fogo e

tudo, então o fogo remeteria à luminosidade. O local não seria nem lugar de “escuridão” e muito menos lugar de “densas trevas”.

Onde há fogo, há luz. Essa descrição do Sheol bíblico anula a concepção pagã em um Hades cheio de fogo e espíritos vivos ali

queimando. O Salmo 49:14 também deixa claro que até as ovelhas vão para o Sheol na morte:

“Como ovelhas são postas na sepultura [Sheol, no original hebraico]...” (cf. Salmos 49:14)

É óbvio que o Sheol é apenas o pó da terra, o destino de todas as criaturas viventes. Jó também nos esclarece que o Sheol bíblico

está longe de ser morada de espíritos queimando em meio às chamas, ao dizer que naquele lugar ele “já agora repousaria tranquilo;

dormiria, e, então, haveria para mim descanso... Ali, os maus cessam de perturbar, e, ali, repousam os cansados; os prisioneiros

também desfrutam sossego, já não ouvem mais os gritos do feitor de escravos” (cf. Jó 3:13,17,18). Já não se ouve mais gritos,

algo inconcebível caso Jó tivesse a ideia de que aquele local era um lugar de tormento ou de gritos de espíritos em meio às chamas.

No livro de Eclesiastes também lemos:

“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças; porque no além [Sheol], para onde tu vais, não há obra, nem

projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma” (cf. Eclesiastes 9:10)

A palavra usada em Eclesiastes 9:10 com relação ao Sheol é que não há chokmah [inteligência, razão]. Morre o homem e o ser

racional se vai. Não há inteligência, não há consciência. Biblicamente, Sheol não é, e nunca foi, uma morada de espíritos vivos e

conscientes em alegria ou em tormento com fogo. Como se não fosse suficientemente claro o fato de que no Sheol não há obra, nem

projeto, nem conhecimento, e nem sabedoria, o salmista afirma que “quem morreu não se lembra de ti; e no Sheol quem te louvará?”

(cf. Sl.6:5). É evidente que no Sheol não se pode louvar a Deus. Fica a pergunta: que tipo de “espírito” que é salvo e vai para este

lugar sem poder louvar a Deus?

O único argumento utilizado pelos imortalistas na tentativa de contradizer o fato bíblico de que o Sheol é o equivalente à sepultura

é que os hebreus tinham palavra específica para “sepultura”, que é qéver, então Sheol deve significar algo diferente disso. Isso, por

si só, não significa nada, pois no hebraico e no grego há diversas palavras sinônimas, que possuem a mesma aplicação prática. Na

própria língua portuguesa, aplicamos exterminar e aniquilar com o mesmo sentido, bem como adversário e antagonista, oposição

e antítese, enfermo e doente, desagradar e descontentar, futuro e porvir, enorme e imenso, imparcial e neutro, dentre tantas outras

palavras sinônimas. Diante disso, por que Sheol e sepultura não podem ser palavras sinônimas, assim como sepultura e túmulo?

Em segundo lugar, existe uma diferença básica entre Sheol e qéver. Hades ou Sheol não se refere a um único sepulcro (gr.: tá‧fos),

nem a um único túmulo (gr.: mné‧ma), nem a um único túmulo memorial (gr.: mne‧meí‧on), mas à sepultura comum da humanidade,

onde os mortos e enterrados não são vistos. Assim, vemos que Sheol é aplicado quando a referência é à sepultura comum da

humanidade (em um sentido coletivo), enquanto qéver se refere ao um único sepulcro (em um sentido individual).

Sheol é o sentido mais amplo da sepultura, tendo a mesma aplicação prática desta, pois quem está na sepultura está no Sheol, da

mesma forma que quem está em São Paulo está no Brasil. Sheol é o “mundo dos mortos”, não como um local de habitação de

espíritos conscientes, mas de almas mortas (cf. Nm.31:19; 35:15,30; Js.20:3,9; Gn.37:21; Dt.19:6,11; Jr.40:14,15; Jz.16:30;

Nm.23:10), em local de total silêncio (cf. Sl.115:17; Sl.94:17), e em estado de total inconsciência (cf. Sl.146:4; Sl.6:5; Ec.9:5,6;

Ec.9:10).

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No caso da revolta de Coré, por exemplo, relatada em Números 16, a terra “abriu a sua boca” e os seus seguidores “desceram vivos

ao Sheol” (cf. Nm.16:30; Nm.16:33). Seria extremamente inimaginável pensarmos que a terra abriu a boca para eles caírem até o

centro da terra onde ficaria o Sheol, sendo que no meio dessa queda os seus corpos foram transformando-se automaticamente em

espíritos desencarnados. A evidência aqui é tão forte que os próprios imortalistas admitem que Sheol aqui significa o pó da terra,

corpos físicos sendo esmagados pela força da natureza através da ação divina (embora eles afirmem que este caso é uma “exceção”,

o que vemos que não – é a regra!).

Obviamente que o que aconteceu realmente é que a terra abriu a boca e os tragou enquanto ainda estavam vivos, descendo para a

“cova” (ou “pó”), o que mostra a total correspondência entre estes dois termos. Mais forte ainda do que isso é o paralelismo evidente

que constatamos em Jó: “Descerá ela às portas do Sheol? Desceremos juntos ao pó?” (cf. Jó 17:16). Aqui vemos Jó fazendo o uso

de um paralelismo entre o “Sheol” e o “pó”. Paralelismo é a sucessão de partes do discurso que tem entre si uma relação de

similaridade de conteúdo; um encadeamento de funções sintáticas idênticas de valores iguais. Jó identifica o Sheol como sendo a

mesma coisa que o pó da terra, ao relacionar ambos na mesma sentença expondo tal paralelismo. Após afirmar que ele desceria

ao Sheol, afirma categoricamente que este lugar é o pó (cf. Jó 17:16).

Ainda que os escritores do Antigo Testamento falassem constantemente em Sheol, desacreditavam completamente em qualquer

estado intermediário. Talvez seja por isso que o apóstolo Paulo, em suas epístolas, não tenha mencionado absolutamente nenhuma

vez a palavra “Hades” – o termo já estava paganizado. Aliás, nem Paulo, nem Tiago, nem Pedro, nem Judas, e nem o desconhecido

autor de Hebreus: todos pareciam desconhecer tal palavra, não sendo mencionada em parte nenhuma de suas epístolas. Só há uma

única razão mais provável para isso, que é exatamente não querer confundir os leitores dualistas com o sentido pagão de Hades, já

em vigor em sua época.

O Sheol também é caracterizado como “a terra das trevas e da sombra da morte” (cf. Jó 10:21,22), onde os mortos nunca mais vêem

a luz (cf. Sl.49:20; 88:13). É também, como vimos, a “região do silêncio”, e não de gritaria do inferno ou de louvores do Paraíso

(cf. Sl. 94:17; 115:17), para onde caminha a alma rumo ao local do silêncio (cf. Sl.94:17). A ideia de descanso ou sono no Sheol

fica evidente no livro de Jó que clama em meio a seus tormentos físicos: “Por que não morri eu na madre? Por que não expirei ao

sair dela? [...] Porque já agora repousaria tranquilo; dormiria, e então haveria para mim descanso [...] Ali os maus cessam de

perturbar, e ali repousam os cansados” (cf. Jó 3:11,13,17).

No Salmo 141:7 também fica mais do que evidente que Sheol é claramente identificado como sepultura: “Ainda que sejam

espalhados os meus ossos à boca da sepultura [Sheol] quando se lavra e sulca a terra”. Até os ossos desciam para o Sheol! Se Sheol

fosse um local de morada de “espíritos”, o salmista certamente mencionaria isso, mas além negar tal fato ele acentua que são os

ossos que descem ao Sheol, o que nos revela que é um local não de “espíritos”, mas de corpos mortos, que jazem na sepultura.

Um dos textos mais claros de que o Sheol é uma referência à sepultura é o de Isaías 14:11, que diz: “Sua soberba foi lançada na

sepultura [Sheol], junto com o som das suas liras; sua cama é de larvas, sua coberta, de vermes”. O detalhe é que o texto se refere a

ele estar sendo comido de larvas e coberto de vermes, o que nos mostra a total correspondência entre o Sheol e o túmulo, abaixo da

terra, e de quem estar lá ser um corpo morto, um cadáver, e não alguma alma ou espírito incorpóreo.

De igual modo, Davi adverte seu filho Salomão com relação a Simei: “Mas, agora, não o considere inocente. Você é um homem

sábio e saberá o que fazer com ele; apesar de ele já ser idoso, faça-o descer ensangüentado à sepultura [Sheol]” (cf. 1Rs.2:9).

Novamente, o original hebraico verte a palavra “Sheol”, e não “sepultura” como a maioria dos tradutores preferiram traduzir. Aqui

vemos que alguma pessoa pode descer ensanguetada ao Sheol, o que nos mostra claramente que o Sheol não é uma morada de

espíritos incorpóreos, mas sim a própria sepultura, para o qual é o destino dos corpos que morreram (espírito não sangra!).

Por isso, até mesmo o sangue das pessoas descem ao Sheol [sepultura]. Isso explica o porquê que em absolutamente nenhuma parte

das Escrituras é mencionado espírito-ruach/pneuma no Sheol/Hades. Este nunca foi algum tipo de “morada de espíritos”! Fica mais

do que claro que nenhum escritor bíblico pensava em Sheol como uma morada consciente de espíritos desencarnados, como um

local de tormento ou suplício. Se fosse esse o sentido primário de Sheol, então veríamos uma infinidade de passagens bíblicas que

relatam tal fato, o que não é verdade. Aliás, nem sequer o elemento “fogo” aparece relacionado em qualquer descrição bíblica

do Sheol. Que maneira “estranha” de descrever o inferno!

Portanto, vemos que o Sheol bíblico não é um lugar onde Caim está queimando há seis mil anos até hoje, mas sim uma figura da

sepultura, o lugar para onde parte a alma após a morte (cf. Is.38:17; Sl.94:17; Jó 33:18; Jó 33:22; Jó 33:28; Jó 33:30). Sheol é

sepulcro, pó, profundezas da terra, morte, vazio, túmulo. Jamais foi morada de espíritos em plena atividade e consciência, em

regozijo ou em tormento. Nunca é mencionado tormento no Sheol. Na parábola do rico e do Lázaro, o que ocorreu foi uma

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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metaforização e personificação dos personagens (Abraão, Lázaro, o rico) bem como do próprio cenário onde se passava a parábola

(Sheol), que não exige meios literais.

Prova forte disso é que a própria parábola retrata o rico indo para a sepultura (v.22), e depois mostra ele no Hades (v.23) sem fazer

menção de “almas” ou “espíritos”, mas com o seu próprio corpo natural (v.24), o que nos mostra a correspondência entre a sepultura

e o Hades, e que nos revela que o que de fato ocorreu foi uma metaforização e personificação própria dos meios de uma parábola,

como é no caso de 2ª Reis 14:9 em que as árvores falam.

Entender o significado bíblico e puro de Sheol é profundamente necessário para compreendermos que o que ocorreu em Lucas 16

nada mais foi senão a personificação não apenas dos personagens ali presentes, como também do próprio cenário em que aquilo

tudo se passava. Como já vimos, eram corpos físicos que desceram ao Hades na parábola, e conferimos também que o Hades (Sheol)

bíblico é a sepultura, que nada mais é senão o local de corpos físicos. A única coisa que muda é a personificação de tais personagens,

ganhando vida neste lugar, como um fundo parabólico onde se passa aquilo que realmente Jesus queria ensinar como a lição moral

da parábola.

V–O Significado da Parábola

Voltando à parábola - Já vimos que a parábola não pode ser analisada literalmente. Vários fatores corroboram para isso, incluindo

o fato de que os personagens possuem corpos reais, com língua, dedo, sentimento de sede, o local onde a parábola se passava e

outras parábolas que claramente também não necessitam de meios reais. Observe esta outra parábola bíblica:

“Porém Jeoás, rei de Israel, enviou a Amazias, rei de Judá, dizendo: O cardo que está no Líbano enviou ao cedro que está no Líbano,

dizendo: Dá tua filha por mulher ao meu filho; mas os animais do campo que estavam no Líbano, passaram e pisaram o cardo” (cf.

2ª Reis 14:9). Analisando literalmente (assim como fazem com a parábola do Lázaro), cardo e cedro (que são árvores) falam. Creio

que a maioria das pessoas concorde comigo que as árvores não falem.

São parábolas, e parábolas são metáforas, alegoria, estória, ficção, que não podem ser classificadas literalmente. Se pretendêssemos

usar as parábolas literalmente, deveríamos – usando a mesma lógica que os imortalistas fazem com a parábola do Lázaro – dizer

que as árvores também falam e fundamentarmos isso como doutrina. Felizmente, parábolas não são relatos literais, e sim metáforas

com uma lição moral.

Sendo assim, podemos ficar tranquilos sabendo que as árvores realmente não falam, pois parábolas não apresentam meios reais, mas

apenas lições morais por detrás de um cenário fictício. É evidente que cada elemento na parábola acima de 2ª Reis tinha o seu devido

significado e a sua devida lição moral. Nada mais que dois reis: o de Judá (Amazias), e o de Israel (Jeoás) são personificados pelas

árvores. Jeoás compôs a parábola para Amazias. Este não a atendeu (cf. 2ª Reis 14:11), e por isso, o povo do “cardo” (Amazias) foi

ferido pelos “animais do campo” (exército do “cedro” – Jeoás). A lição da parábola não era que as árvores falam, mas sim uma

mensagem aos que lessem a metáfora a partir da personificação de personagens inanimados. A mesma linguagem vemos em várias

outras partes da Bíblia:

“Foram uma vez as árvores a ungir para si um rei; e disseram à oliveira: Reina tu sobre nós. Mas a oliveira lhes respondeu: Deixaria

eu a minha gordura, que Deus e os homens em mim prezam, para ir balouçar sobre as árvores? Então disseram as árvores à figueira:

Vem tu, e reina sobre nós. Mas a figueira lhes respondeu: Deixaria eu a minha doçura, o meu bom fruto, para ir balouçar sobre as

árvores? Disseram então as árvores à videira: Vem tu, e reina sobre nós. Mas a videira lhes respondeu: Deixaria eu o meu mosto,

que alegra a Deus e aos homens, para ir balouçar sobre as árvores? Então todas as árvores disseram ao espinheiro: Vem tu, e reina

sobre nós. O espinheiro, porém, respondeu às árvores: Se de boa fé me ungis por vosso rei, vinde refugiar-vos debaixo da minha

sombra; mas, se não, saia fogo do espinheiro, e devore os cedros do Líbano” (cf. Juízes 9:8-15)

Novamente, a lição não era que as árvores ou os espinheiros falem ou dialoguem entre si. Tudo não passava de mera parábola em

que as oliveiras, a figueira e a videira representavam aqueles que não quiseram reinar sobre as “árvores” (povo de Siquém). As mais

valiosas árvores do Oriente Médio aqui simbolizam os homens principais de Siquém, e o espinheiro era um arbusto farpado comum

nas colinas da Palestina e representava apropriadamente Abimeleque, que nada produzia de valor. Os meios eram puro simbolismo

e representação comum na Bíblia Sagrada, não eram verdades literais porque nem árvores, nem cedros, nem cardos, nem oliveiras,

nem figueiras, nem videiras e nem espinheiros falam!

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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É óbvio que a única coisa que devemos tirar como verdade literal é a sua lição moral, e não os seus meios. O mesmo deve ser dito

com relação à parábola do Lázaro, em que houve uma personificação, vivificação dos personagens ali apresentados (Lázaro, o rico

e Abraão) bem como uma metaforização do cenário (Hades) que, como vimos, é puramente sepultura. É comum a Bíblia personificar

personagens inanimados.

A PERSONIFICAÇÃO BÍBLICA DE PERSONAGENS INANIMADOS

1 “Foram uma vez as árvores a ungir para si um rei; e disseram à oliveira: Reina tu sobre nós” (cf. Juízes 9:8-15)

2 “O cardo ... mandou dizer ao cedro ... Dá tua filha por mulher a meu filho” (cf. 2ª Reis 14:9)

3 “Disseram então as árvores à videira: Vem tu, e reina sobre nós” (cf. Juízes 9:12)

4 “Porque a pedra clamará da parede, e a trave lhe responderá do madeiramento” (cf. Habacuque 2:11)

5 “Se eles se calarem, as próprias pedras clamarão” (cf. Lucas 10:40; Mateus 3:9)

6 “O ouro e a prata de vocês enferrujaram, e a ferrugem deles testemunhará contra vocês e como fogo lhes

devorará a carne” (cf. Tiago 5:3)

7 “A voz do sangue do teu irmão clama da terra a mim” (cf. Gênesis 4:10)

8 “Quando ele bradou, os sete trovões falaram” (cf. Apocalipse 10:3)

9 “Ao sangue aspergido, que fala melhor do que o sangue de Abel” (cf. Hebreus 12:24)

10 “E ouvi o altar responder: Sim, Senhor Deus todo-poderoso, verdadeiros e justos são os teus juízos” (cf.

Apocalipse 16:7)

11 “Vejam, o salário dos trabalhadores que ceifaram os seus campos, e que por vocês foi retido com fraude, está

clamando contra vocês” (cf. Tiago 5:4)

12 “Então jubilarão as árvores dos bosques perante o Senhor, porquanto vem julgar a terra” (cf. 1 Crônicas 16:33)

13 “Pois com alegria saireis, e em paz sereis guiados; os montes e os outeiros romperão em cânticos diante de vós,

e todas as árvores de campo baterão palmas” (cf. Isaías 55:12)

14 “Mas, pergunta agora às alimárias, e elas te ensinarão; e às aves do céu, e elas te farão saber; ou fala com a

terra, e ela te ensinará; até os peixes o mar to declararão” (cf. Jó 12:7,8)

15 “Ressoe o mar, e tudo o que nele existe; exultem os campos, e tudo o que neles há!” (cf. 1 Crônicas 16:32)

16 “Os rios batam as palmas; regozijem-se também as montanhas” (cf. Salmos 98:8)

Tudo isso acima tem um nome: alegoria. Tudo tem uma lição moral para aprendermos por detrás de um cenário com personagens

inanimados, sem vida, que ganham vida na parábola ou na alegoria que está sendo dita, com a finalidade de ensinar alguma coisa

aos ouvintes. Obviamente, essa “alguma coisa” que se quer ensinar aos ouvintes não é o próprio cenário em si ou seus meios (que

árvores, rios, altares, trovões, sangue, pedra, ouro ou pessoas após a morte falem), mas sim aquilo que moralmente podemos

depreender por meio destas alegorias.

Nada indica que o salmista esteja querendo passar a ideia de que rios batem palmas e as montanhas se regozijam (cf. Sl.98:9), nada

indica que Jó queria passar a ideia de que a terra e os peixes falam (cf. Jó 12:7,8), nada indica que João cria que altares e trovões

falam (cf. Ap.10:3; 16:7), nada indica Moisés cria que o sangue tem voz (cf. Gn.4:10), nada indica que o escritor bíblico cria que as

árvores conversam entre si (cf. Jz.9:8-15; 2Rs.14:9), nada indica que Cristo pensava que as pedras falavam (cf. Lc.10:40), e da

mesma forma nada indica que esse mesmo Jesus cria que corpos mortos que desciam ao Hades ganhavam vida literalmente

(cf. Lc.16:19-31).

As pessoas se esquecem que é comum a Bíblia personificar personagens inanimados, ainda mais em um contexto parabólico ou

simbólico! Biblicamente, as árvores, sangue e trovões falam mais do que os mortos, que, quando falam, é em um contexto claramente

metafórico, inserido em um contexto alegórico que dá margens a isso. Os meios de uma parábola nunca podem ser considerados

literais e, por isso, o nosso próximo passo a partir de agora é descobrirmos o que representa cada elemento personificado na parábola

do Lázaro.

Entendendo a parábola - A Bíblia não diz que o rico era um rico ímpio. Diz apenas que era “um homem ímpio e... morreu” (cf.

Lc.16:22). E isso nunca, jamais, em circunstância nenhuma, pode ser considerado um “pecado” digno de lançar uma alma no fogo

do inferno. Se fosse assim, então muitos homens por serem ricos deveriam partilhar do inferno também, incluindo Abraão, Isaque,

Jacó, Jó, José de Arimateia, etc. Lembre-se que estamos analisando a parábola literalmente, como os imortalistas o querem que

façamos para fundamentar uma doutrina bíblica. A parábola diz apenas que era um homem rico. Em momento nenhum diz que era

um homem mau ou profano.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

13

E quanto a Lázaro? A situação piora ainda mais para o lado dos imortalistas, pois a parábola diz apenas que ele “era um homem

pobre e... morreu”. Ora, jamais poderíamos pressupor que ser pobre ou mendigo é passaporte para a salvação. Não. A Bíblia não

ensina, em nenhum lugar, que por ser pobre ou ter sofrido muitas dores, alguém tem a garantia celestial. Isso não é bíblico! E a

parábola nada diz de ser Lázaro um mendigo do “bem”, diz apenas ser um mendigo. Pense: se o rico fosse uma representação de

todos os justos e Lázaro representasse todos os ímpios (como querem os imortalistas), então não seria estranho que em momento

nenhum Jesus dissesse que o rico era ímpio ou que o pobre Lázaro era justo?

Afinal, isso seria da maior fundamental importância caso fosse este o caso que Cristo quisesse ilustrar. Se fosse este o caso, então

nos seria dito claramente que o rico era ímpio e o mendigo era justo. Mas isso não nos é relatado, porque, como veremos, não era

isso o que Jesus ilustrar. Ademais, se a parábola deve ser analisada literalmente, então deveríamos colocar todos os pobres no Céu

e todos os ricos no inferno. Irmão, são parábolas, e parábolas não tem meios reais, jamais podem entendidas literalmente.

Além disso, a parábola nos indica que Lázaro era do pior tipo de gente, com o corpo todo carcomido e cheio de chagas por uma

doença terrível, presumivelmente a lepra. A obrigação, por Lei, de qualquer leproso (ou nestas condições do Lázaro da parábola)

era de passar longe das demais pessoas e ainda gritar: “Imundo! Imundo!” (cf. Lv.13:44-46). Isto quando não eram apedrejados.

Pobres criaturas!

Agora continue imaginando o cenário: um rico, de alta classe, de repente se depara com esse pobre “farrapo” de gente, com cães

lambendo as feridas em carne viva, devorada pela lepra. Qual seria sua reação? Deixaria ele comer da comida ou o expulsaria dali?

Lembrem-se, pessoas como o pobre Lázaro nem mesmo podiam chegar perto de alguma pessoa da sociedade! Quanto mais comer

das migalhas de algum homem rico!

Qual seria sua atitude ao encontrar, na porta de sua casa um leproso, em tamanho avançado grau de enfermidade? Sua reação é uma

incógnita, mas a do Rico da parábola, não. Não só o permitiu comer das migalhas, como também não o expulsou dali (o que estaria

de acordo com a própria Lei dos judeus) e, além disso, pelo relato percebemos que tal fato deve ter durado dias de benevolência!

Portanto, esse Rico da parábola não era um homem mau, mas bom, de coração e inclinado a fazer tal “caridade”.

Ora, se Lázaro por ser mendigo foi para o Seio de Abraão, por que o rico também não foi, uma vez que não é nenhum “pecado” ser

rico, e esse da parábola demonstrou alguma humanidade? Por que o rico também não foi salvo, se a parábola deve ser analisada

literalmente ou se a intenção de Cristo era representar os homens ímpios que vão para o inferno a partir dessa parábola? Se essa

fosse a intenção de Cristo, deveríamos esperar que ele narrasse um homem rico completamente desumano, ímpio, ladrão, que

merecesse verdadeiramente um inferno para si.

Esperaríamos realmente a descrição de alguém que nem ao menos deixa o pobre comer das migalhas e que ainda o chutaria para

fora, ou que consegue a sua riqueza por meios desonestos. Contudo, isso está muito longe de ser o caso! Ademais, se os salvos

personificados pelo mendigo conversam com os ímpios no inferno, personificados pelo Rico, imaginemos, por exemplo, que você

esteja no Céu, gozando a bem-aventurança, quando, de repente, você ouve gritos, e estes aumentam gradativamente.

Você então contempla seu parente ou amigo no inferno, com o fogo o consumindo por completo, sob gritos e torturas horríveis.

Medite: como você se sentiria, vendo-o do lado de lá, um amigo ou parente nesta condição terrível? Afinal, se a parábola deve ser

analisada literalmente, então o Céu e o inferno são separados por uma “parede-de-meia”, certo? Ora, é impossível acreditarmos

numa coisa dessas, mas tal cenário insuportável é o que deveríamos admitir em caso de aceitar que os meios da parábola são literais.

Selecionei uma lista com apenas vinte de todos os absurdos a que chegaríamos caso fundamentássemos a parábola como uma

doutrina bíblica:

ERROS E CONSTATAÇÕES DA ANÁLISE LITERAL DA PARÁBOLA PELOS SEUS MEIOS

1 Os mortos partem para o outro mundo não como “espíritos”, mas com o seu próprio corpo com dedos, línguas,

etc.

2 Os “espíritos” sentem sede (v.24).

3 Ser rico é motivo de ser mandado ao inferno, apesar de ter demonstrado tão grande benevolência para com o

pobre Lázaro e a própria parábola nada dizer de que o Rico era um homem mau!

4 Ser mendigo é passaporte para o Céu, uma vez que a parábola em nada indica que o mendigo era um homem

justo ou que cria no Senhor.

5 O Céu e o inferno ficam um bem do lado do outro (veríamos os nossos amigos ou parentes queimando lá do

outro lado!).

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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6 Apesar de haver um “abismo intransponível” entre ambas as partes, os salvos podem ficar conversando a

vontade com os ímpios que estão queimando no inferno (vs. 25 e 26). A comunicação entre os justos do Céu e

os ímpios do inferno é perfeitamente possível (poderíamos ficar conversando com os nossos amigos ou parentes

enquanto estes estão entre as chamas de um fogo eterno e devorador).

7 É possível falar perfeitamente como em uma conversa normal enquanto queima-se entre as chamas de um fogo

verdadeiro (vs. 23-31).

8 O mediador não é Jesus, mas Abraão, para atender o chamado do rico (ver 1ª Timóteo 2:5; João 14:6; Efésios

2:18, etc).

9 Usando a mesma lógica que os imortalistas usam com a análise literal dos meios de uma parábola, concluímos

que as árvores falam (cf. 2ª Reis 14:11).

10 O rico pedia que Lázaro molhasse apenas a língua dele enquanto queimava entre as chamas, ao invés de lhe

dar um verdadeiro “banho de água”!

11 Se os mortos justos partem para o “Seio de Abraão” na morte, para onde partiu Abraão quando morreu?

12 Para onde iam os que morriam antes de Abraão?

13 Caim inaugurou o tormento do Hades e está queimando há seis mil anos até hoje.

14 Os meios de uma parábola são reais e, portanto, deveríamos chegar à infeliz conclusão de que Deus é um juiz

mau que nem ao homem respeita (meios da parábola de Lucas 18:1-8).

15 Os meios de uma parábola são reais e, portanto, deveríamos chegar à infeliz conclusão de que a Bíblia aprova

a prática de administração desonesta (meios da parábola de Lucas 16:1-12).

16 Os meios de uma parábola são reais e, portanto, deveríamos chegar à infeliz conclusão de que e Deus é um

homem severo que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste (meios da parábola de Mateus

25:24)

17 Imediatamente após a morte vem o juízo (cf. Hb.9:27). Mas na parábola o rico e Lázaro foram conduzidos aos

seus respectivos lugares sem sequer passarem por algum julgamento antes, que sequer é mencionado ao longo

de toda a parábola. Sendo assim, ou o autor de Hebreus se engana ao dizer que o que sucede a morte é o juízo

e não a condenação ao inferno ou o gozo do Paraíso, ou a parábola não deve traduzir acontecimentos reais.

18 Se o Hades/Sheol é alguma “morada de espíritos”, então Davi estava enganando-se a si mesmos e aos outros

ao escrever que são os ossos que descem ao Sheol (cf. Sl.141:7 – “Sheol”, no original hebraico)

19 Como explicar que na própria lição moral da parábola (ou seja, o que realmente devemos retirar dela como

fonte de doutrina teológica), o personagem Abraão fala em “ainda que ressuscite alguém dentre os mortos”

(vs. 30 e 31), confirmando que só a ressurreição é o caminho do retorno de quem morreu à existência?

20 O rico reconhece Abraão (v.23), o que demonstra que tinha familiaridade com ele, mas na própria parábola

Abraão cita Moisés (v.29), que é de séculos posteriores. Se essa parábola for considerada real, corroboraria

com a tese de que os mortos sabem o que acontece no mundo dos vivos, o que é negado pelos protestantes.

É evidente, portanto, que se trata de mera parábola e como as outras devemos tirar dela a sua lição moral e não analisá-la literalmente

e muito menos podemos sair por aí fundamentando importantes doutrinas bíblicas edificando-as sobre meios de parábolas! Assim

como na parábola de 2ª Reis a lição não era que as árvores falam, mas cada elemento tem o seu devido significado, assim também

o é na parábola do rico e Lázaro. O nosso próximo passo, então, será desvendarmos o que cada um representava na parábola. Antes,

porém, um pequeno adendo para a refutação de outros argumentos imortalistas comumente enfrentados.

As contradições imortalistas – Os imortalistas, ao sustentarem essa parábola como sendo real e literal quando querem refutar os

mortalistas, incorrem em uma série de contradições bíblicas com a doutrina deles mesmos. Um dos exemplos mais claros que

podemos citar é a interpretação deles sobre o “espírito” que volta a Deus após a morte. À luz da Bíblia, esse espírito nada mais é

senão o sopro de vida que volta a Deus após a morte porque provém dEle, mas os imortalistas precisam sustentar que esse espírito

que volta para Deus é a própria alma imortal, um ser consciente com personalidade que vai para o Céu imediatamente após a morte.

Sendo assim, a interpretação deles de textos como Eclesiastes 12:7 é de que logo ao morrermos nossa alma deixa o corpo e vai para

a presença de Deus. Mas, sabendo que Deus está no Céu, como é que nesta parábola Abraão e Lázaro estavam no Hades, que fica

nas profundezas da terra e não no Céu, como o próprio Senhor Jesus deixou claro em Mateus 11:23? Pois ele disse: “E tu, Cafarnaum,

será elevada até ao Céu? Não, você descerá até o Hades! Se os milagres que em você foram realizados tivessem sido realizados

em Sodoma, ela teria permanecido até hoje” (cf. Mt.11:23).

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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Se o Hades não é o Céu, mas fica em oposição a este (um está “acima” de nós e outro “abaixo”) e o espírito volta a Deus após a

morte (cf. Ec.12:7), como é que Abraão, Lázaro e o rico estavam no Hades na parábola, e não no Céu ou em alguma dimensão

celestial? Isso fica claro na própria parábola, que diz:

“No Hades, onde estava sendo atormentado, ele olhou para cima e viu Abraão de longe, com Lázaro ao seu lado” (cf. Lucas 16:23)

Como vemos, o rico estava no Hades, e não com Deus nas regiões celestiais. E Abraão, por sua vez, também não poderia estar no

Céu, porque estava tão próximo do rico que podia vê-lo e conversar com ele! Se tudo isso se passava no Hades, que para os

imortalistas é um local embaixo da terra onde espíritos sobrevivem conscientemente à parte do corpo, como conciliar isso com o

texto de Eclesiastes 12:7, que diz que o espírito volta para Deus na morte, e não que desce ao Hades? Na teologia bíblica mortalista

é fácil responder a esta pergunta, pois o Hades é uma figura da sepultura para onde vamos ao morrer, e o espírito não é uma “alma

imortal” ou um ser consciente e racional à parte do corpo, mas apenas o sopro de vida de Deus.

Mas como os imortalistas interpretam que a alma é imortal e o espírito é uma entidade consciente, teriam que explicar como é que

o espírito sobe para Deus, como disse Salomão (cf. Ec.12:7), Jesus (cf. Lc.23:46) e Estêvão (cf. At.7:59), e a alma vai parar no

Hades, que é onde estavam Abraão e Lázaro nesta parábola. Ou eles interpretam a parábola alegoricamente (como deveriam fazer)

ou é a própria teologia deles próprios que vai por água abaixo.

Outra passagem que refuta a interpretação imortalista de Lucas 16 é a de Hebreus 9:27, que diz que imediatamente após a morte

segue-se o juízo, e não o Céu ou o inferno. Ou seja: a próxima experiência consciente que alguém desfrutará após a morte será o

imediato encontro com o tribunal de Cristo (para os justos) ou o grande trono branco (para os ímpios). Mas nessa parábola contada

por Cristo não há qualquer menção ao juízo seguindo-se à morte. Não é nos dito que o rico morreu, foi julgado e depois condenado

a sofrer no Hades, mas que ele foi direto para o Hades. Sendo assim, ou o autor de Hebreus errou ao dizer que logo após a morte

vem o juízo, ou a parábola não é uma história real contada por Jesus, mas uma alegoria.

Ora, sabemos que este juízo só ocorrerá na volta de Jesus (cf. 2Tm.4:1) e que os ímpios só serão julgados após o término do milênio

(cf. Ap.20:11-15), seguindo-se, portanto, que o rico não foi literalmente enviado ao Hades conscientemente para ser atormentado,

mas espera o dia do juízo, que é de fato a próxima experiência que alguém tem depois de morrer. Portanto, as verdades literais da

Bíblia anulam qualquer possibilidade de essa parábola ser um acontecimento real ou retratar algo que de fato ocorra com alguém

após a morte, e de quebra põe a própria teologia imortalista em confusão consigo mesma.

Refutando contra-argumentos – A contra-argumentação mais famosa utilizada pelos imortalistas é que, mesmo que Lucas 16 seja

uma parábola e não necessariamente precise relatar meios literais, a imortalidade da alma deve mesmo assim ser considerada através

desta passagem porque Jesus não iria “confundir” os seus ouvintes judeus incrédulos, que poderiam pensar que realmente aquele

estado intermediário existia. Para eles, se aquela descrição da parábola fosse fictícia, isso causaria enorme confusão na mente

daquelas pessoas e muitos poderiam tomar aquilo como sendo um retrato da verdade. A vista deste argumento, temos que fazer as

seguintes considerações:

1º Em primeiro lugar, o povo daquela época, diferentemente do atual, já estava habituado com o uso de parábolas e sabiam que elas

não poderiam ser levadas ao pé da letra. Jesus só lhes falava por meio de parábolas (cf. Mt.13:34), e, se eles fossem literalizar cada

uma delas, poderiam ter depreendido vários erros teológicos dos quais já constatamos aqui, como, por exemplo, a alegação de que

Deus é um juiz ímpio (cf. Lc.18:2), que colhe onde não semeou (cf. Mt.25:24), que obriga as pessoas a irem para o Céu (cf. Lc.14:23),

ou que aprova a prática da administração desonesta (cf. Lc.16:8). Mas nunca vemos alguém acusando Jesus por insinuar que ele

aprovava a administração desonesta, que colocava um caráter ímpio em Deus ou que não respeitava a nossa própria liberdade.

Portanto, podemos perceber claramente que o próprio povo da época entendia que as parábolas não podiam ser interpretadas

literalmente. Se eles não faziam isso com as outras parábolas, também não iriam aplicar este princípio na do rico e Lázaro para

serem “confundidos”!

2º Em segundo lugar, se Jesus não poderia fazer uso dessa parábola em função da “confusão” que causaria em seus ouvintes, então

ele não obteve tanto sucesso, visto que o Hades que ele mencionou era totalmente diferente daquele que é crido hoje pelos

imortalistas. Por exemplo, na parábola Céu e inferno ficam lado a lado, já na teologia imortalista ficam em dimensões diferentes.

Na parábola, os salvos e os perdidos conversam numa boa, já na teologia imortalista não há contato entre os salvos e perdidos que

se foram. Na parábola, o rico tinha um corpo físico com língua, dedos, e sentia sede. Já na teologia imortalista, é apenas um espírito

incorpóreo que desce ao Hades. Sendo assim, se este argumento imortalista realmente procede, certamente se volta contra eles

mesmos quando analisado mais de perto.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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3º Em terceiro lugar, temos que ressaltar que Jesus não estava contando essa parábola aos incrédulos (multidão), mas aos seus

próprios discípulos. Isso por si só já fulmina com esse argumento imortalista, pois, se Cristo contou essa parábola aos seus próprios

discípulos (e estes já estavam muito bem doutrinados por Cristo), não haveria possibilidades de “confundir a multidão” que vivia

em trevas. Podemos perceber que Jesus falava em particular com os seus discípulos e não com toda a multidão através da leitura do

verso seguinte, que deixa claro que Jesus estava falando “aos discípulos” – Lucas 17:1. Temos que lembrar que o original da Bíblia

não continha a divisão por capítulos e versículos, e, portanto, Lucas 17:1 era simplesmente a continuação direta e imediata do relato

descrito até o verso 31 em Lucas 16, que deixa evidente que a conversa era entre Jesus e seus discípulos, e não entre Jesus e a

multidão.

4º E, em quarto lugar, devemos lembrar que seus discípulos, evidentemente, já eram muito bem doutrinados por Cristo, e portanto

não teriam qualquer problema com essa parábola. O pastor adventista Valdeci Junior costuma contar aos seus ouvintes uma história

semelhante a que Jesus contou em Lucas 16:19-31, dizendo6:

«Certa vez, morreram, na mesma hora, em lugares diferentes mas não muito distante um do outro, dois homens. O primeiro era um

senhor simples, sem estudos, motorista de ônibus na pequena região onde morava. Era conhecido de todos, principalmente pela má

execução de sua tarefa profissional. Era muito, mas muito barbeiro. Foi assim a vida toda, até que morreu em acidente de transito.

O segundo homem era o pastor da cidadela.

Pois bem, chegaram na porta do céu praticamente juntos. São Pedro atendeu primeiro o motorista. No questionário de admissão para

entrar no céu, quando São Pedro queria saber quem ele era, aquele homem começou a explicar: eu sou aquele conhecido motorista

de ônibus, da empresa tal, de tal cidade, e tal e tal... Ah, ta! Disse São Pedro. Você é o motorista barbeiro! “Justamente”, respondeu

o homem! Pois bem! Disse São Pedro. Entre! O Céu é todo seu!

O pastor, que estava assistindo a entrevista enquanto esperava para ser também atendido, pensava: “Se este homenzinho foi admitido

ao Céu, imagine eu, o pregador”.

São Pedro se virou para o pastor: “Você é o próximo?”

“Sim”, respondeu o pastor, todo empolgado: “Sou o pastor, da mesma cidade deste barbeiro que acabou de entrar...”

São Pedro cortou: “Olha, eu sei quem você é. Infelizmente, você não tem entrada livre ao Céu. Não poderá ficar aqui”.

“Mas como?”, contestou o pastor. “Este homenzinho ignorante, iletrado, que fazia seu trabalho mal feito, que não pregava, que vivia

dando prejuízo pra empresa, que sempre deixava todos os seus passageiros tensos e temerosos, vai entrar no Céu, e eu, o pregador,

que vivia na igreja, que falava da palavra de Deus, que procurava deixar todos em paz, não poderei entrar?”

“É justamente nesta diferença que está a razão da rejeição de sua entrada em face da admissão do motorista”, respondeu São Pedro.

“Não entendi”, disse o pregador.

O apóstolo porteiro do Céu explicou: “É que enquanto você estava na igreja, com seus sermões sem vida, colocando todos os seus

fiéis para dormir, o motorista estava colocando todos os seus passageiros para rezar”»

Depois que ele conta a história, ainda antes de revelar ao auditório qual será o assunto do dia, começa a perguntar às pessoas quais

são as lições que elas tiraram desta história. É interessante notar alguns pontos da reação do auditório. Assim que termina a história,

os ouvintes sorriem e vão fazendo a lista das lições aprendidas:

“Nem todo o que me diz Senhor, Senhor entrará no reino dos céus”

“Os simples também têm entrada no Céu”

“É melhor a devoção do que o formalismo”

“Ser pastor não garante a salvação”

“O pregador deve fazer bons sermões”

6 Disponível em: <http://www.nasaladopastor.com/2011/03/parabola-do-rico-e-do-lazaro-vai-pro.html>. Acesso em: 15/08/2013.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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“O Céu não admite só pela aparência”

“As aparências enganam”

“Devemos vigiar e orar”

E por aí vai...

Interessante é que absolutamente ninguém até hoje diz que viu nesta história lições como:

“São Pedro está lá na porta do Céu esperando por nós”

“Antes de entrarmos no Céu teremos que passar por uma entrevista”

“Assim que morremos chegamos ao Céu”

“Pode ser que cheguemos à porta do Céu e não sejamos admitidos”

“A alma é imortal”

Ninguém se escandaliza por isso ou ridiculariza a história. Esperam então que ele introduza o assunto da palestra baseado em alguma

das lições que conseguiram tirar dela. Começam a imaginar qual será o tema da noite. Jamais pensam que ele iria falar da parábola

do rico e do Lázaro. Ele se aproveitou de uma crendice popular apenas como um cenário onde se passava uma historia inventada,

a fim de ensinar algumas lições. Por que?

1º O auditório sabe que esta não é uma historia verdadeira.

2º Eles conhecem a crendice popular de que quem morre vai pro Céu, e na entrada encontra São Pedro.

3º Eles não creem nesta crendice como doutrina. Sabem que isto não é verdade (ele já conhece o auditório e sabe que eles creem

como ele crê, sobre o destino do homem após a morte).

4º O auditório vai conseguir captar as lições que ele quer ensinar com mais facilidade, pois, através de uma metáfora, está figurando

o ensino. Isto é didática. A primeira vez que ele ouviu esta historia, ela foi contada por um palestrante que não cria na imortalidade

da alma, para um publico que também não cria. Na ocasião, todos entenderam a mensagem. A questão de mortalidade ou

imortalidade nem foi cogitada por ninguém. Não era este o assunto.

Isto foi o que Jesus fez. Ele se utilizou de um cenário popular como um fundo fictício onde se passava a parábola do rico e Lázaro,

na qual ele ensinou aos seus discípulos as lições morais que iremos analisar a partir de agora. Isso obviamente não confundiria os

discípulos nem a ninguém que entendesse um pouco de Bíblia para saber que a natureza humana é holista, que a morte é a cessação

da existência e a ressurreição é o antídoto para a vida eterna, tanto quanto a palestra do pastor Valdeci Junior, que vimos acima, não

levou ninguém a tirar a conclusão de que aquela história ensina a imortalidade da alma, nem tampouco chegou a “confundir” alguém.

O significado dos elementos da parábola - O homem rico representava a nação judaica, que se orgulhava de se auto-considerar “os

filhos de Abraão” (cf. Jo.8:33). Eram o povo escolhido de Deus, a nação eleita, sacerdócio real, tinham a Lei de Deus, os

Mandamentos, eram os filhos legítimos de Abraão. Deus lhes computou todas as responsabilidades do Reino como os Seus filhos,

como a Sua nação eleita.

Contudo, rejeitaram o Messias, rejeitaram o Filho de Deus encarnado, preferiram seguir os seus caminhos e as suas tradições,

fundamentando-as na segurança de serem os filhos de Abraão, a nação de Jeová e, portanto, os filhos legítimos do Reino. Em

contraste, como eles consideravam os gentios? Os consideravam como os coitados, considerados como cães, imundos e indignos do

favor do Céu, pelos judeus. Não foram os “escolhidos de Deus”, eram, portanto, os “Lázaros espirituais”.

Enquanto os judeus receberam tudo de bom nesta vida, recebendo o favor de Deus como a nação eleita e sacerdócio real, para lhes

ser computada como justiça, os gentios (representados pelo mendigo Lázaro) eram os “pobres” do Reino. Ficavam para trás, o

máximo que faziam era “comer as migalhas” daqueles que faziam parte do Reino, os judeus, representados pelo Rico.

Como o rico, os judeus não estendiam a mão para auxiliar os gentios em suas necessidades espirituais. Permitia apenas comer das

migalhas. Cheios de orgulho, consideravam-se o povo escolhido e favorecido de Deus; contudo, não serviam nem adoravam a Deus.

Depositavam confiança na circunstância de serem filhos de Abraão, dizendo: “Somos descendência de Abraão” (cf. Jo.8:33), e

diziam isso orgulhosamente.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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Assim, foram os judeus comparados ao homem Rico da parábola, pelo fato de que possuíam as riquezas do evangelho, mas, no

entanto, não cumpriram a vontade de Deus a respeito deles, que era de ser a luz dos gentios. No campo religioso, os pobres gentios

pegavam mesmo apenas as migalhas. Uma cena que exemplifica bem esse quadro encontra-se no evangelho de Mateus:

“E, partindo Jesus dali, foi para as bandas de Tiro e Sidom. E eis que uma mulher cananéia, que saíra daquelas cercanias, clamou

dizendo: Senhor, filho de Davi, tem misericórdia de mim, que minha filha está miseravelmente endemoniada. Mas Ele não lhe

respondeu palavra. E os discípulos, chegando ao pé dEle, rogaram-lhe dizendo: Despede-a, que vem gritando atrás de nós. E Ele

respondendo disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. Então chegou ela e adorou-O dizendo: Senhor,

socorre-me. Ele porém, respondendo disse: Não é bom pegar no pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos. E ela disse: Sim, Senhor,

mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores. Então respondeu Jesus, e disse-lhe:

Ó mulher, grande é a tua fé: Seja isto feito para contigo como tu desejas. E desde aquela hora a sua filha ficou sã” (cf. Mateus 15:21-

28).

Aquela mulher cananéia (gentios) também queria compartilhar das “migalhas” da mesa, assim como o mendigo Lázaro. Uma

descrição perfeita daquele cenário. O que Jesus fez? Elogiou a sua fé. Apesar de ele ter sido chamado para a “casa de Israel”, ficou

impressionado com a fé dos gentios, pois “nem mesmo em Israel encontrou tamanha fé”. Aquela gentia contentava-se em comer das

migalhas da mesa, como é o caso de Lázaro na parábola.

Outro exemplo disso encontra-se em Mateus 8:5-13. Nesta experiência, o centurião expressou exatamente o que os judeus pensavam

dos gentios: “Não sou digno de que entreis em minha casa” (v.8). No entanto, o centurião demonstrou grande fé quando disse: “Diga

somente uma palavra e meu criado sarará” (v.8). Jesus curou o servo daquele gentio e publicamente elogiou sua fé com estas

palavras: “Nem mesmo em Israel encontrei tanta fé” (v.10), e, por fim, assegurou que muitos gentios irão se assentar na mesa com

Abraão (cf. Gl.3:27-29; Rm.10:12).

Apesar de serem considerados “a descendência de Abraão”, os gentios demonstravam uma fé muito superior do que a dos próprios

israelitas! Embora estes fossem “os ricos do Reino”, devendo ser a luz das nações e os reis da terra deveriam caminhar vendo a

glória de Deus que paira sobre eles (cf. Is.60:3), não aproveitaram essa sua riqueza. Os gentios, contudo, mesmo sendo os “Lázaros

espirituais”, desprezados pelos judeus por não serem os “filhos de Abraão”, demonstraram uma fé muito superior a dos próprios

judeus.

No pátio do Templo de Jerusalém havia uma linha demarcatória que, no caso de ali algum gentio passar, morria imediatamente (cf.

At.21:29), isso porque eram considerados indignos pelos judeus de cultuar a Deus no Seu Templo. Portanto, Cristo quis ensinar

nesta parábola que os judeus (Rico) banqueteavam-se na mesa da verdade, enquanto os gentios (Lázaro), eram como os cachorrinhos

que procuravam a todo custo apanhar ao menos das migalhas do evangelho.

E, de fato, eles passaram a fazer parte da mesa de Deus, unidos em “um só povo” (cf. Jo.11:52). Isso serviu de lição moral ao grupo

dos fariseus, que eram exatamente aqueles a quem Cristo condenava nesta parábola (v.14,15). A maior prova de que o Rico (nação

judaica) recebeu “seus bens em sua vida”, como nos informa a parábola, foi o fato de ter sido chamada para ser o sacerdócio real de

Deus na Terra, nação santa, peculiar.

Sobre ela o Senhor dispensou, por séculos, bênçãos sem limites, além de dar-lhes uma terra onde mana leite e mel e, finalmente,

deu-lhes o próprio Messias, o Salvador. A reação do rico (judeus), contudo, foi esta: “Veio para o que era seu, e os seus não o

receberam” (cf. Jo.1:11). Os judeus, portanto, rejeitaram o Messias (o Rico morre). Assim sendo, perderam a soberania divina sobre

as demais nações.

O evangelho haveria de ser então anunciado em seu poder aos gentios (Lázaro), a fim de que também eles participassem da mesa

do Reino. Não comeriam mais migalhas da mesa do Senhor, mas fariam parte do banquete do Reino (cf. Lc.13:29). O que Jesus faz?

Ele tira do próprio Abraão, sobre o qual aquela nação judaica se orgulhava em sua chamada “superioridade”, as palavras que este

haveria de ter dito em pessoa: “Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite”

(cf. Lc.16:31).

Essa é a lição moral da parábola. Nada, nem mesmo uma ressurreição, poderia converter aquela nação novamente. Tornaram-se

cegos espirituais, cavaram-se a si mesmo um abismo intransponível entre eles e Deus, entre eles e a salvação (cf. Lc.16:26). A

parábola, portanto, não deve ser interpretada literalmente pelos seus meios fundamentando-a como doutrina, pelo contrário, tem

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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cada elemento o seu devido significado ao exemplo das outras parábolas que também não apresentam meios literais, mas uma

verdade moral por detrás de um cenário fictício.

Ele contou a parábola do Rico e do Lázaro, em que o homem rico representava o próprio povo judeu que teve todas as oportunidades

nesta vida, mas a desperdiçou, enquanto, em contraste, os gentios (representados por Lázaro na parábola) eram os “Lázaros

espirituais”, desprezados pelos judeus, mas que desfrutariam de muito maior bem-aventurança do que a própria nação judaica que

se autoproclamava os “filhos de Abraão”. O quadro todo representava aquela nação judaica que se orgulhava por serem os filhos de

Abraão escolhidos de Deus (representados pelo Rico), quando, na verdade, os que são da fé é que são os verdadeiros filhos de

Abraão (representados pelo pobre Lázaro), como disse o apóstolo Paulo: “Estejam certos, portanto, de que os que são da fé, estes é

que são filhos de Abraão” (cf. Gl.3:7).

Por fim, a lição moral da parábola é que, “se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos

ressuscite” (cf. Lc.16:31). Os fariseus desprezavam Jesus, não acreditavam nele, o perseguiam, apesar de todos os feitos milagrosos

de Cristo, incluindo o de ressuscitar os mortos. Jesus havia ressuscitado exatamente um homem chamado Lázaro (cf. Jo.11:43,44),

que havia voltado à vida após quatro dias em que esteve morto, mas nem mesmo assim os fariseus acreditaram nele, e ainda

continuavam a o perseguir!

Os que não escutam Moisés e os profetas também não vão acreditar em Cristo, nem mesmo se os mortos ressuscitarem. De fato,

essa verdade foi ainda mais ressaltada pela reação dos dirigentes dos judeus quando Jesus ressuscitou Lázaro, no relato de João 11.

Ao invés de eles passarem a acreditar em Cristo, começaram a persegui-lo ainda mais do que antes:

“Depois os principais dos sacerdotes e os fariseus formaram conselho, e diziam: Que faremos? Porquanto este homem faz muitos

sinais. Se o deixarmos assim, todos crerão nele, e virão os romanos, e tirar-nos-ão o nosso lugar e a nação (...) Ora, os principais dos

fariseus tinham dado ordem para que, se alguém soubesse onde ele [Jesus] estava, o denunciassem, para o prenderem” (cf. João

11:47-48,57)

“E os principais dos sacerdotes tomaram a deliberação para matar também a Lázaro; porque muitos dos judeus, por causa dele, iam

e criam em Jesus” (cf. João 12:10-11)

Então, Cristo ensina que para aqueles que se proclamavam os “filhos de Abraão”, nenhuma prova – nem mesmo sequer uma

ressurreição, como foi a de Lázaro – os fariam mudar de opinião e converter-se. O próprio Abraão que os condenava!

Jesus não estava dizendo que literalmente algum morto teria que voltar a vida para contar sobre os tormentos do Hades, convertendo

assim aquela nação judaica, pois a Bíblia traz um relatório de sete pessoas que foram levantadas dentre os mortos (cf. 1Rs.17:17-

24; 2Rs.4:25-37; Lc.7:11-15; 8:41-56; At.9:36-41; 20:9-11), mas absolutamente nenhuma delas teve uma experiência de pós-morte

para compartilhar. Lázaro, que foi trazido à vida após quatro dias morto não teve nenhuma experiência fora do corpo, e muito menos

alguma “mensagem” para trazer a família nenhuma.

O que Jesus estava fazendo era uma exortação à comunidade: ouvirem a Moisés e aos profetas (i.e, a Escritura da época), antes que

seja tarde demais. Isso porque as tradições humanas daquele povo já estavam se sobrepondo a “Moisés e os profetas”, já estavam

tomando o lugar da Sagrada Escritura (cf. Mc.7:13). Se considerando filhos de Abraão (Rico) que são beneficiados no banquete do

Reino de Deus, desprezavam os gentios (Lázaro), que tinham que comer das migalhas que caíam de suas mesas. Mas este quadro

estava se revertendo. A partir do período da Graça, eram os gentios que desfrutariam das bem-aventuranças do Reino, ao passo que

aqueles que se apoiavam na descendência natural de Abraão seriam condenados pelo próprio Abraão.

Conclusão – A parábola apresenta através de meios não-literais (fictícios) diversos princípios morais que estavam sendo rejeitados

pelos judeus da época de Cristo, em especial o repúdio aos gentios, que haveriam de desfrutar muito maior bem-aventurança que os

próprios judeus. Eles “virão do oriente, e do ocidente, e do norte, e do sul, e assentar-se-ão à mesa no reino de Deus” (cf. Lc.13:29),

junto a Abraão e os patriarcas (cf. Lc.13:28), enquanto os incrédulos ficarão de fora:

“Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, e Isaque, e Jacó, e todos os profetas no reino de Deus, e vós lançados

fora. E virão do oriente, e do ocidente, e do norte, e do sul, e assentar-se-ão à mesa no reino de Deus” (cf. Lucas 13:28-29)

O quadro descrito em Lucas 13:28-29 é tipificado na parábola do Rico e Lázaro. Na parábola, o pobre, representando a multidão de

gentios convertidos, está ao lado de Abraão (cf. Lc.16:22), exatamente como em Lucas 13:28, ao passo que os incrédulos estão de

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fora do Reino, o que também é tipificado na parábola (cf. Lc.16:23). Assim como em Lucas 13:28-29, na parábola os gentios

convertidos representados por Lázaro desfrutam das bem-aventuranças do Reino como em um verdadeiro banquete, após terem

desfrutado apenas das “migalhas” enquanto estiveram aqui na terra (cf. Lc.16:21).

Sendo assim, podemos dizer que a parábola do Rico e Lázaro é uma tipificação do ensino de Cristo descrito em Lucas 13:28-29,

mas com maior riqueza de ensinos morais a serem obtidos dela, como vimos acima. Note que o verbo em Lucas 13:28-29 está em

todo o momento no tempo futuro. Cristo diz que “haverá” choro e ranger de dentes (v.28), e não que está havendo choro e ranger

de dentes. Da mesma forma, diz que muitos virão do oriente e do ocidente para fazerem parte do Reino, e não que já estejam lá

(v.29). Eles se assentar-se-ão à mesa de Deus, como em um acontecimento futuro (v.29).

Portanto, aquilo que acontecerá futuramente foi tipificado na parábola do Rico e Lázaro, não de forma literal, mas com a

personificação dos personagens ali citados e transmitindo um ensinamento moral aos seus discípulos. A parábola em si não é a

descrição de como será o pós-vida, mas uma tipificação desta. Na parábola é tipificado aquilo que virá a ser, isto é, gentios de todas

as nações fazendo parte do Reino junto a Abraão, incrédulos de fora, reforço ao apego às Escrituras (“Moisés e os profetas” – cf.

Lc.16:31) e a rejeição à incredulidade dos líderes dos judeus. De fato, à exemplo da lista de lições aprendidas na história do pastor

Valdeci Junior, podemos listar também aquilo que aprendemos com a parábola do Rico e Lázaro:

1º Que, diferentemente dos fariseus que pensavam que as riquezas eram um sinal da aprovação divina (e estes eram extremamente

apegados ao dinheiro - cf. Lc.16:14), haverão homens ricos (v.19) que estarão de fora do Reino (vs.22-23).

2º Que, diferentemente da crendice popular de que a pobreza e a doença eram coisas do diabo, haverão homens extremamente pobres

e doentes que serão salvos (vs.20-21).

3º Que os gentios que na época comiam apenas das migalhas passarão a desfrutar da mesa do Reino de Deus ao lado de Abraão

(v.21).

4º Que o simples fato de se apoiar na descendência natural de Abraão em nada significa que é realmente filho de Deus (v.24).

5º Que os que desprezam a Cristo estão cavando para si mesmos um “abismo intransponível” entre eles e Deus (v.26).

6º Que nem todo aquele que reivindica para si mesmo o direito de ser chamado filho de Abraão ou de Deus é realmente um convertido

(vs.24-25).

7º Que a ressurreição é o único caminho para quem morreu voltar à existência (v.31).

8º Que até mesmo um grande sinal miraculoso como ressuscitar os mortos não é suficiente para fazer que os descrentes creiam em

Cristo Jesus (vs.30-31).

9º Que a oportunidade de salvação se limita ao “hoje”, e não depois da morte, quando nada mais pode ser feito (v.s.24-31).

10º Que a Sagrada Escritura (“Moisés e os profetas” – v.31) é o único meio através do qual um incrédulo pode se se arrepender e se

converter de seus maus caminhos.

Na parábola do Rico e Lázaro, Cristo mostra que é nesta vida os homens decidem seu destino eterno, porque, depois, será apenas

por meio da ressurreição que voltaremos à existência (cf. Lc.16:31) e seremos ressurretos para a vida eterna ou para a condenação

(cf. Jo.5:28-29), de acordo com os atos praticados em vida (cf. 2Co.5:10), sem segunda chance após a morte (cf. Hb.9:27). Durante

o presente momento, essa salvação é oferecida por Deus a toda criatura, sem distinção entre ricos e pobres, judeus ou não-judeus.

Mas, se os homens desperdiçam as oportunidades se apoiando em tradições humanas antes que nas Escrituras, acabam por si mesmos

cavando entre eles e Deus um abismo intransponível.

VI–Deus de vivos, não de mortos – Argumento contra ou a favor da imortalidade da alma?

Outra passagem que tem sido olhada pela ótica dualista é o que Jesus diz em Lucas 20:38,39 – “Ora, Deus não é Deus de mortos, e,

sim, de vivos; porque para ele todos vivem”. Infelizmente, bastaria que as pessoas lessem o versículo anterior para entender o que

Jesus queria provar com aquilo: “E que os mortos hão de ressuscitar, Moisés o indicou no trecho referente à sarça, quando chama

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ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. Ora, Deus não é Deus de mortos, e, sim, de vivos; porque para ele

todos vivem. Então disseram alguns dos escribas: Mestre, respondeste bem. Dai por diante não ousaram mais interrogá-lo” (cf.

Lc.20:37-40).

Do início ao fim Jesus estava usando tal passagem para provar a ressurreição dos mortos, e não uma imortalidade da alma. O fato é

que, pelo contexto, Cristo estava debatendo com uma seita da época, chamada de “saduceus”. Estes saduceus não acreditavam na

ressurreição dos mortos:

“Então se aproximaram dele alguns dos saduceus, que dizem não haver ressurreição, e lhe perguntaram...” (cf. Marcos 12:18)

Então, Jesus, para provar que os mortos hão de ressuscitar, citou o trecho que diz que Deus é o Deus de Isaque, Abraão e Jacó,

provando assim que eles ainda seriam ressuscitados; eles não estavam mortos para todo o sempre como acreditavam esses saduceus

(que não criam na ressurreição para trazer de novo alguém a vida), porque se fosse assim Deus iria dizer que era o Deus de Abraão,

Isaque e Jacó.

O intuito de Cristo, portanto, era mostrar para aquele grupo de religiosos, que não acreditavam na ressurreição, que essa era um fato

que iria acontecer, pois Deus não é um Deus de mortos. Logo, todos os mortos – incluindo Isaque, Abraão e Jacó – seriam

ressuscitados, ao contrário do que acreditavam os saduceus, e viveriam com Deus. Do início ao fim a passagem é para provar a

ressurreição dos mortos:

“E que os mortos hão de ressuscitar, Moisés o indicou no trecho referente à sarça, quando chama ao Senhor o Deus de Abraão, o

Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (cf. Lucas 20:37,38)

Fica muito mais do que claro que Jesus usou essa passagem para desacreditar aquilo que os saduceus acreditavam, isto é, que os

mortos não vão ressuscitar nunca. Se a ressurreição não acontecesse, Deus seria Deus de mortos. O evangelho de Marcos também é

revelador para descobrirmos o que Jesus estava querendo dizer com esta passagem:

“Pois, quando os mortos ressuscitarem, serão como os anjos do Céu, e ninguém casará” (cf. Marcos 12:25)

“Quando os mortos ressuscitarem”, e não quando a nossa alma imortal deixa o corpo por ocasião da morte! Jesus disse claramente,

no contexto, que é “quando os mortos ressuscitarem”, é isso o que Jesus queria provar. Se a intenção de Cristo fosse provar a

imortalidade da alma (algo estranho, pois a pergunta não foi sobre isso, mas sobre a ressurreição), então decerto teria dito: “Quando

vocês morrerem... serão como anjos no Céu”, se a alma fosse direto para o Paraíso. Contudo, Cristo é claro em dizer: “Quando os

mortos ressuscitarem serão como anjos no Céu”.

Na verdade, quando os defensores da imortalidade da alma usam esta passagem como suposta “prova” do estado intermediário, eles

mal sabem que tudo não passa de um famoso “tiro no pé”. Além de demonstrar uma lastimável interpretação de texto (sem observar

o contexto histórico e a contextualização textual que desmontam por completo com a interpretação deles), a passagem ainda sustém

uma grande prova contra o estado intermediário. Por quê? Simplesmente porque Cristo afirma categoricamente que “quando os

mortos ressuscitarem, serão como os anjos do Céu” (cf. Mc.12:25).

Se o espírito dos salvos partisse para o Paraíso logo no momento da morte em um “estado intermediário”, então certamente Cristo

teria dito que “quando morrerem... serão como anjos no Céu”. Contudo, é somente na ressurreição que tal fato se concretiza, o que

fulmina com a existência de um suposto estado intermediário. Ademais, os próprios saduceus (que não acreditavam em nada após a

morte e nem em ressurreição) sabiam que o Mestre não acreditava em um “estado intermediário”, por isso perguntam a ele focando

no momento da ressurreição, pois é somente neste momento em que os mortos voltam à vida:

“Na ressurreição, de qual deles será ela esposa, pois os sete por esposa a tiveram?” (cf. Marcos 12:23)

Se Jesus cresse na imortalidade da alma, os saduceus o teriam indagado sobre essa possibilidade de a alma ser imortal, e não sobre

a possibilidade de a ressurreição acontecer. Eles questionaram direto a ressurreição sem cogitar qualquer estado intermediário ou

imortalidade da alma (que eles também não criam) porque sabiam que Jesus cria na ressurreição, e não na imortalidade da alma. Por

isso, o foco da discussão em todo o momento não foi sobre se a alma é ou não é imortal, mas sim se a ressurreição vai ou não vai

ocorrer. Aparentemente, a questão relativa a um estado intermediário não era um ponto de discussão. Nem Jesus nem os saduceus

que o questionavam criam nela, e por isso o único que foi debatido foi a ressurreição, que Cristo ensinava e os saduceus não.

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Além disso, devemos ressaltar o fato de que, neste mesmo contexto, Cristo relata que “não podem mais morrer, pois são como os

anjos. São filhos de Deus, visto que são filhos da ressurreição” (cf. Lc.20:36). Aqui vemos que os que partem deste mundo tornam-

se imortais (“não podem mais morrer”) e tornam-se como os anjos (“são como os anjos”) a partir da ressurreição dentre os

mortos, como é claramente indicado pelo contexto (vs. 33 e 34) e pelo próprio fim do verso que torna tal afirmação muito evidente

ao relatar explicitamente que são “filhos da... ressurreição” (v.36). Não desfrutaremos de imortalidade em um estado intermediário,

mas somente quando Jesus voltar e nos ressuscitar para entrarmos na vida eterna (cf. Jo.5:28,29).

Vemos, portanto, que esta passagem, em lugar de favorecer a doutrina grega da imortalidade da alma, constitui-se exatamente em

uma forte confirmação de que a vida eterna e a era vindoura se dará pela ressurreição dos mortos! Finalmente, como se tudo isso

não fosse suficientemente claro para vermos como os imortalistas deturpam essa passagem bíblica tirando-a do seu contexto,

devemos ressaltar também que a lógica de Cristo nesta passagem só faria sentido em caso que os mortos estivessem literalmente

mortos mesmo (i.e, sem vida) e só ganharão vida a partir da ressurreição.

Como podemos provar este ponto de vista?

Em primeiro lugar, porque se Cristo tivesse provado que os mortos estão atualmente vivos (como os imortalistas interpretam

erroneamente o verso 38), então isso, por si só, em absolutamente nada provaria que os mortos irão ressuscitar, pois Cristo usou

aquilo para provar a ressurreição que os saduceus desacreditavam (cf. Lc.20:37; Lc.20:33), e tal argumento dele no verso 38

(supostamente de que os mortos já estivessem vivos) não seria nenhuma “prova incontestável” da ressurreição, uma vez que os

mortos poderiam viver eternamente em um estado desencarnado (como criam os gregos de sua época) na forma de uma alma imortal,

sem passar pela ressurreição. Sendo assim, Jesus teria tentado provar a ressurreição por meio de um argumento que não prova a

ressurreição! Afinal, que os mortos estão vivos não é prova de que eles irão ressuscitar. Os próprios gregos de sua época criam nisso

e não criam na ressurreição.

Se, contudo, ponderamos que os mortos estão sem vida, vemos que tal afirmação de Cristo (de que Deus não é Deus de mortos)

prova totalmente a ressurreição, uma vez que, sem ela, Deus seria Deus de mortos, e que o próprio fato de Ele ser Deus de vivos

prova que eles sairão deste estado de morte (i.e, sem vida), para necessariamente passarem por uma ressurreição, ganhando vida,

pois senão Deus seria um Deus de mortos e diria que era o Deus de Abraão, Isaque e Jacó.

Então torna-se lógico que tal argumento de Cristo só seria validado caso os mortos estivessem literalmente mortos (i.e, sem vida)

para ganharem vida somente a partir da ressurreição, pois somente desta maneira o objetivo de Cristo em provar a ressurreição se

concretizaria. Se os mortos já estivessem vivos, tal passagem não provaria a ressurreição, e o argumento seria inútil. Mas se os

mortos estão realmente sem vida, então o fato de que eles viverão um dia prova totalmente que uma ressurreição deve ocorrer.

Vemos, portanto, que tal pretensão imortalista falha em inúmeros aspectos, como vimos:

1º O argumento de Cristo para provar a ressurreição somente a provaria efetivamente em caso que os mortos estivessem literalmente

mortos (sem vida) como de fato eles estão.

2º Se os que morreram já estivessem com vida em uma forma incorpórea, Jesus teria usado um argumento para provar a ressurreição

que simplesmente não prova a ressurreição!

3º Cristo não quis de maneira nenhuma provar que os mortos já estão vivos, pois o verso 37 diz claramente que ele usou tal argumento

para provar “que os mortos hão de ressuscitar”, e não de que eles já estão vivos em algum lugar.

4º Os que morrem são filhos “da ressurreição” (v.36), e não da alma imortal, do estado intermediário ou da imortalidade da alma.

Eles são considerados “filhos da ressurreição” porque é somente a partir dela que eles ganham vida.

5º Nós nos tornaremos semelhantes aos anjos (não no aspecto físico, mas no sentido de que não possa mais se dar em casamento –

v.35) quando “os mortos ressuscitarem” (cf. Mc.12:25), e não quando a alma supostamente parte do corpo rumo a um “estado

intermediário” imaginário.

6º O saduceus sabiam que Jesus não acreditava no estado intermediário, por isso perguntaram direto se “na ressurreição, de qual

delas será ela esposa...” (cf. Mc.12:23). A imortalidade da alma ou existência de um estado intermediário nem ao menos era um

ponto de discussão entre eles, pois tanto Cristo como os saduceus não criam nisso, e por essa razão o debate entre os dois foi sobre

a ressurreição, que era crida por Jesus e rejeitada pelos saduceus.

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Vemos, portanto, que quando analisamos o devido contexto, tal passagem não apresenta absolutamente nenhuma, mas nenhuma

mesmo, prova da “imortalidade da alma”, mas constitui-se em uma fortíssima prova contra ela. Como em todas as outras passagens

que são utilizadas por eles, basta analisarmos o próprio contexto e deixarmos o texto fluir normalmente que toda e qualquer pretensão

imortalista cai por terra e volta-se contra os seus próprios proponentes.

VII–Mateus 10:28 e a destruição da alma

A passagem de Mateus 10:28, em que Jesus diz: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele

que pode destruir no inferno tanto a alma como o corpo”, tem sido vista pelas lentes dualistas como um apoio para a doutrina da

imortalidade da alma, possivelmente como a única passagem bíblica dentre mais de 1600 em que a “alma” é mencionada com

possibilidade de ser imortal. Tal interpretação, contudo, carece inteiramente de fundamento.

Se o que Jesus queria provar em Mateus 10:28 era a doutrina da imortalidade da alma, por que então a continuação deste mesmo diz

que a alma-psiquê é destruída junto com o corpo? Afinal, como disse Cullmann, “se a alma é destruída, então ela não é imortal”7.

E, se Cristo queria provar que a alma nunca é destruída, então certamente não teria dito que ela pode perecer. Um elemento imaterial

não poderia jamais sofrer a destruição que afeta o corpo e nem ser destruído.

Se o que está em jogo em Mateus 10:28 é a alma como um elemento, como creem os imortalistas, isso refutaria a própria tese da

imortalidade da alma, pois a continuação lógica de um texto que diz que os homens podem apenas matar o corpo mas não podem

matar a alma é que Deus destruirá tanto um como o outro. Não há a menor lógica em dizer que os homens podem matar o corpo

e não a alma e Deus também só mata o corpo e não a alma, ou pior: que os homens possam matar o corpo e não a alma e Deus não

mata nem um nem outro!

É óbvio que a mensagem de Jesus sobre temer a Deus acima de todas as coisas só faria sentido se, de fato, os homens matassem o

corpo e Deus matasse o corpo e a alma, isto é, que ele matasse mais do que os homens são capazes de fazer. Isso implica

necessariamente em uma destruição-apollumi no sentido de cessação de vida, de morte no mesmo sentido de não-vida que o verso

trata. Se o “destruir” aqui é uma mera referência a “fazer perder” ou “lançar” (como vertem algumas traduções) mas não a matar

literalmente (fazer com que deixe de existir) o texto estaria dizendo que os homens matam apenas o corpo e não a alma e Deus

também mata apenas o corpo e não a alma.

Isso obviamente anula toda a mensagem de não temer quem pode dar um fim apenas ao corpo, se Deus da mesma forma também só

desse um fim ao corpo! Evidentemente, não estamos dizendo que em outras ocasiões apollumi não possa significar meramente

“perdição” e não “destruição” (pois ambos são significados da palavra), mas sim que neste contexto específico de Mateus 10:28

seria um absurdo interpretar apollumi em outro sentido que não seja o de aniquilamento, pois faria com que o texto estivesse dizendo

que não é para temer aqueles que só podem matar o corpo, mas era para temer aquele que também só mata o corpo!

Em outras palavras, se “alma” aparece aqui no sentido de elemento da natureza humana, como creem os imortalistas, essa seria uma

prova indiscutível e irrefutável do aniquilacionismo da alma dos ímpios, que Deus aniquila no geena tanto o corpo quanto a alma

dos ímpios, o que implica na inexistência do tormento eterno do inferno que creem os dualistas. Isso os faria renegar suas próprias

convicções teológicas a respeito do inferno, para salvar a crença da sobrevivência da alma em um estado intermediário.

Sendo assim, alma no sentido de elemento em Mateus 10:28 é um golpe de morte na própria doutrina da imortalidade da alma, pois

provaria que esse elemento chamado “alma” é aniquilado no geena juntamente com o corpo. Os imortalistas não teriam qualquer

vantagem sobre os mortalistas em usarem Mateus 10:28 com alma no sentido de elemento, pois estariam refutando a si mesmos.

Uma análise meticulosa da passagem, no entanto, nos mostrará que Cristo não usou alma no sentido de elemento da natureza humana

em Mateus 10:28.

Para entendermos o que Jesus realmente quis dizer nesta passagem, teremos que regressar rapidamente para os conceitos básicos

sobre corpo e alma, e depois analisarmos o contexto em que Cristo aplicava a palavra “alma” em seus ensinos. Voltando a Gênesis

2:7, que fala sobre a criação do homem, vemos que Deus “formou o homem do pó da terra [corpo], e soprou em suas narinas o

fôlego de vida [espírito], e o homem tornou-se uma alma vivente [alma]” (cf. Gn.2:7 – grifo meu).

7 CULLMANN, Oscar. Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos Mortos? Disponível em: <http://www.mentesbereanas.org/download/imort-ressur_folheto.pdf>. Acesso em: 13/08/2013.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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Este é o sentido primário de alma. Sendo que o homem “tornou-se” alma, e não “obteve” uma, é fato que qualquer interpretação que

induzisse que temos em nós uma alma imortal presa dentro do nosso corpo estaria errada. Primeiramente, temos que lembrar que

existem sentidos secundários de alma-psiquê. Uma vez que corpo, alma e espírito são características da mesma pessoa, então é

excluído de imediato a possibilidade de que a nossa natureza seja dualista. Se o homem é alma, ele não pode ter/possuir alma, pois

isso altera o sentido primário do que é alma. Isso, contudo, não exclui a possibilidade de haver sentidos secundários em que a palavra

alma-psiquê é empregada, em um sentido que não altere o seu significado primário. Um bom exemplo disso é psiquê no sentido de

“vida”.

Jesus conhecia muito bem as Escrituras, e sabia perfeitamente que em nenhuma vez a alma-nephesh/psiquê é apresentada na Bíblia

como sendo “eterna” ou “imortal”; ao contrário, a Bíblia afirma categoricamente que a alma perece com a morte do corpo (cf.

Nm.31:19; Nm.35:15,30; Js.20:3,9; Jo.20:3,28; Gn.37:21; Dt. 19:6, 11; Jr.40:14,15; Jz.16:30; Nm.23:10; Ez.18:4,20; Jz.16:30;

Nm.23:10; Mt.10:28; Ez.22:25,27; Jó 11:20; At.3:23). Para entendermos, portanto, a aplicação que Ele fez nessa passagem, temos

que entender que, de acordo com a criação da natureza humana em Gênesis 2:7, a vida surge a partir da implantação do fôlego de

vida:

CORPO [PÓ] + FÔLEGO [ESPÍRITO] = VIDA

Assim, “alma vivente” ou “ser vivo” tem a mesma aplicação. Ambos significam a vida humana que resulta de um corpo animado

pelo fôlego da vida. Constantemente a Bíblia emprega o termo psiquê no sentido de “vida”, principalmente no Novo Testamento. O

sentido neotestamentário de “alma” passou também a abranger a vida eterna àqueles que aceitam a Cristo e seguem ao evangelho

(cf. 1Co.15:51-54 com Mt.19:29). Inúmeros exemplos podem ser citados como provas de tal fato, como podemos verificar em

Mateus 16:25,26:

“Porquanto, quem quiser salvar a sua vida [psiquê] perdê-la-á; e quem perder a vida [psiquê] por minha causa achá-la-á. Pois que

aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma [psiquê]? Ou que dará o homem em troca da sua alma [psiquê]?”

Os tradutores da maioria das versões preferiram verter psiquê por “vida” do que propriamente por “alma”, presumivelmente por

crerem que ela é imortal e que não pode ser “perdida”. No v.26, “perder a psiquê” significa perdê-la no fogo do juízo que há de

devorar os rebeldes (cf. Hb.10:26,27; Ap.20:9). Mas, no v.25, Cristo diz que é possível um homem “perder a psiquê” por Sua causa!

Isso evidentemente criaria um dilema teológico de primeira ordem, razão pela qual os tradutores resolveram o dilema e traduziram

psiquê como “vida” no v.25 e como “alma” no v.26, variando a tradução de psiquê de acordo com a sua própria ótica do que

acreditam ser a melhor correspondência do termo.

Como vimos no capítulo 3, Cristo também disse que aquele que queria segui-lo teria que odiar a sua alma-psiquê (cf. Jo.12:25).

Odiar a "si mesmo" ou a um elemento transcendental que o próprio Deus tenha implantado no homem, como creem os imortalistas,

não faz qualquer sentido, razão pela qual a maioria das traduções bíblicas tem vertido a passagem por "vida”. Quando voltamos a

Mateus 10:28 e fazemos o mesmo, interpretando “alma” não como um elemento mas como uma representação da vida póstuma que

adquirimos na ressurreição, vemos que qualquer favorecimento à doutrina da imortalidade da alma desaparece. O Dr. Samuelle

Bacchiocchi também faz importantes observações sobre o sentido de psiquê como vida eterna:

“Cristo ampliou o sentido veterotestamentário de nephesh-alma como vida física tornando-a inclusiva da vida eterna recebida por

aqueles desejosos de sacrificar a vida presente (alma) por Sua causa. Encontramos confirmação para o sentido ampliado de alma na

redação de João da mesma declaração de Cristo: ‘Quem ama a sua vida [psychê], perde-a; mas aquele que odeia a sua vida [psychê]

neste mundo, preserva-la-á para a vida eterna’ (João 12:25). A correlação entre ‘este mundo’ e ‘vida eterna’ indica que alma-psychê

é empregada para referir-se tanto à vida terrena quanto à vida eterna”8

O Dr. Edward Schweizer também faz uma importante observação a este respeito:

“Na versão joanina da declaração de Cristo é evidente que a alma não é imortal, porque doutro modo não devíamos ser instados a

detestá-la. Psychê é a vida dada ao homem por Deus e que mediante a atitude do homem para com Deus recebe o seu caráter como

8 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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mortal ou eterno... Daí nunca lermos da psychê aionios ou athanatos (alma eterna ou imortal), somente da psychê (alma) que é dada

por Deus e mantida por Ele para zoe aionios [vida eterna]”9

Bacchiocchi ainda acrescenta:

“O significado de alma como vida eterna aparece também em Lucas 21:19, onde Cristo declara: ‘É na vossa perseverança que

ganhareis as vossas almas’. O contexto indica que Cristo não está falando da preservação da vida terrena, porque Ele prediz que

alguns de seus seguidores serão traídos e postos à morte (v. 16). Aqui a alma-psychê é claramente entendida como vida eterna

conseguida por aqueles dispostos a fazerem um compromisso total, sacrifical com Cristo. Este é o sentido ampliado que Cristo

atribui à alma; um sentido que nega a noção da alma como uma entidade imaterial, imortal que coexiste com o corpo. O erro mais

tolo que qualquer um pode cometer é ‘ganhar o mundo todo e perder a sua alma [psychê]’ (Mar. 8:36)”10

Vemos, portanto, que o termo alma-psiquê no NT chegou a incluir o dom da vida eterna que é recebido por aqueles sacrificam a sua

vida terrena por amor a Cristo. Tal imortalidade a Bíblia nos deixa claro que obteremos a partir da ressurreição dentre os mortos (cf.

1Co.15:51-54), e é neste sentido ampliado de alma-psychê que devemos entender a declaração de Cristo em Mateus 10:28. Matar o

corpo mas não matar a alma significa matar apenas para esta vida [primeira morte], mas não ter o poder para destruir na morte eterna

[segunda morte]. Deus, contudo, tem o poder para eliminar ambos: tanto para a primeira morte como para a segunda, no lago de

fogo (cf. Ap.20:14), privando o pecador da vida eterna obtida pelos salvos que comem da árvore da vida (cf. Ap.22:2).

Matar o corpo significa a eliminação desta vida presente, mas isso não mata a alma [vida eterna] que é recebida por ocasião da

ressurreição àqueles que se sujeitaram ao senhorio de Cristo. Os homens podem, no máximo, pôr alguma pessoa a dormir (morrer),

mas nunca destruí-la em definitivo até a segunda morte, como Deus faz. O corpo está representando essa presente vida terrena, ao

passo que a alma está no sentido da vida póstuma, adquirida após a ressurreição. Em outras palavras, levando em consideração o

sentido ampliado de “alma” em seus ensinos, o que Cristo estava dizendo era:

“Não temais aqueles que podem pôr um fim à sua existência terrena, mas não podem fazer nada quanto à vida póstuma, temei antes

aquele que pode dar um fim tanto à sua vida terrena quanto à vida futura”

Outra prova definitiva de que era este o sentido da frase de Jesus é o fato de que esta mesma passagem encontra eco no evangelho

de Lucas, mas este omite a palavra “alma-psiquê”, presumivelmente para não confundir os leitores com o conceito dualista da época,

explicando o sentido da declaração de Cristo que foi transmitida em termos literais por Mateus:

“E digo-vos, amigos meus: Não temais os que matam o corpo e, depois, não têm mais que fazer. Mas eu vos mostrarei a quem deveis

temer; temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno; sim, vos digo, a esse temei” (cf. Lucas 12:4,5)

E é exatamente este o sentido da frase de Cristo. O que Lucas faz é clarear aos seus leitores aquilo que Jesus estava querendo dizer:

não temer aquele que pode matar apenas o corpo [primeira morte], temei antes aquele que, depois de matar, tem poder para lançar

no inferno [segunda morte]. Por qual motivo Lucas iria deixar de escrever exatamente as palavras que Cristo de fato disse, para ao

invés disso omitir a palavra “alma-psiquê” e ir direto para o significado e aplicação da frase? A única razão lógica para isso é que

ele não queria confundir os leitores dualistas da época.

Mais ainda que isso, a passagem no versão de Lucas 12:4-5 (no mesmo texto de Mateus 10:28) nos revela que a alma não vai direto

para o “inferno” depois da morte do corpo. Alguns imortalistas poderiam objetar levantando a questão que Cristo afirmou que “temei

antes aquele que depois de matar, tem poder para lançar no inferno”. Para os imortalistas, a palavra aqui traduzida por “inferno”

(que não existe nos manuscritos originais, mas é uma palavra de origem latina acrescentada depois de muitos séculos), deveria

presumivelmente se tratar do suposto “estado intermediário” em que a alma estaria passando após a morte do corpo.

Este local, para eles, é o Hades (transliterado grego de “Sheol”). Não iremos voltar novamente aos conceitos básicos já mostrados

sobre Sheol/Hades, até porque já fizemos isso aqui neste estudo. O que eu quero provar aqui é que Cristo nega que a alma parta de

imediato a um “estado intermediário” após a morte do corpo. Isso nós descobrimos ao lermos os manuscritos originais do grego:

9 SCHWEIZER Edward, “Psyche,” Theological Dictionary of the New Testament, ed., Gerhard Friedrich, (Grand Rapids, 1974), Vol. 9, p. 640. 10 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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“upodeixô de umin tina phobêthête phobêthête ton meta to apokteinai tsb=exousian echonta a=exousian embalein eis tên geennan

nai legô umin touton phobêthête” (cf. Lucas 12:5)

Percebam na palavra grifada no texto acima do original grego, que o local para onde Cristo disse que a alma partiria após a morte

do corpo é ao geena. Tal local, contudo, ainda está para ser inaugurado, após o término do milênio. Em outras palavras, Hades seria

onde os mortos se encontram atualmente sem vida [primeira morte] e geena é o local onde os ímpios que ressuscitarão serão lançados.

Ao dizer que “temei antes aquele que depois de matar o corpo tem poder para lançar no inferno [geena]”, Cristo nega em absoluto

que exista alguma vida consciente em forma de espírito incorpóreo no Hades (estado intermediário), porque se fosse assim o que

sucederia a morte do corpo seria o lançamento da alma no Hades. Contudo, após a morte do corpo lemos que o que sucede é o

lançamento no “inferno” [geena], a morte final, ou seja, não existe um estado intermediário!

O quadro abaixo ilustra o que acima foi dito:

VIDA TERRENA ESTADO INTERMEDIÁRIO

[PRIMEIRA MORTE]

ESTADO FINAL

[SEGUNDA MORTE]

Morte do corpo (=morte para essa vida) ??????? A alma é lançada no inferno-geena

(=morte eterna)

O quadro acima apenas ajuda a ilustrar o que é aqui exposto. Após a morte do corpo, a alma é lançada no geena, que ainda não foi

inaugurado! Nisso fica nitido a inexistência de um “estado intermediário” com consciência, pois, se tal sucedesse, então a alma

partiria a um estado intermediário na morte, e não ao estado final pós-ressurreição. Depois da morte corporal (primeira morte) o que

vem direto é o lançamento da alma ao geena [segunda morte], que é inaugurado depois da ressurreição dos mortos, sem qualquer

menção a um estado intermediário entre a morte e a ressurreição.

As palavras de Cristo em Lucas 14:5 foram exatas e ajudam absolutamente a confirmar a interpretação correta de Mateus 10:28 em

detrimento da posição dos defensores da imortalidade da alma. Assim, fica ainda mais claro o sentido de alma em Mateus 10:28,

como vemos no quadro abaixo:

VIDA TERRENA ESTADO FINAL

“Não temais aqueles que podem pôr um fim

à sua existência terrena, mas não podem

fazer nada quanto à vida póstuma”

“Temei antes aquele que pode dar um fim

tanto à sua vida terrena quanto à vida futura”

Vemos, portanto, que tal passagem de Mateus 10:28 é, mais uma vez, uma arma contrária à imortalidade da alma. Ela prova a

inexistência de um “estado intermediário”, e de fato nos revela que haverá um dia em que Deus eliminará para sempre os pecadores,

em uma segunda morte final e irreversível. E, se isso não é aniquilamento final, então não sabemos como isso poderia ser traduzido

em palavras.

VIII–Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso?

A última das falsas interpretações dos verdadeiros ensinos de Cristo por parte dos defensores da doutrina da imortalidade da alma é

também uma das últimas mensagens que Cristo trouxe enquanto ainda estava em vida. Segundo os dualistas, o que Jesus disse ao

ladrão ao seu lado na cruz foi que estaria naquele mesmo dia com ele no Paraíso: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no

Paraíso” (cf. Lc.23:43).

O que poucas pessoas sabem, contudo, é que temos muitas evidências de que o ladrão, realmente, não esteve no Paraíso naquele dia.

Mas como não? A Bíblia não diz claramente isso? Na verdade, não. O fato é que o original grego não tinha vírgulas, e o texto original

assim reza: “Kai eipen autw amhn soi legw shmeron met emou esh en tw paradeisw” (cf. Lc.23,43).

Em primeiro lugar, é bom mencionarmos logo que a adição presente em muitas Bíblias, da palavra “QUE”, não existe nos originais.

O que Jesus realmente disse ao ladrão da cruz foi: “Em verdade te digo hoje estarás comigo no Paraíso”. Como o texto original não

possui vírgulas e o texto deixa em aberto a questão, poderíamos colocá-la em dois lugares diferentes, entretanto é algo que mudaria

completamente o significado da frase.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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Esta poderia ser: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso” (dando a entender que estaria naquele dia no Paraíso com o

ladrão da cruz) ou então: “Em verdade te digo hoje, estarás comigo no Paraíso” (ele garantia “hoje” que o ladrão estaria no Paraíso).

É algo parecido com uma rebelião em determinada cidade, em que o governante comunicou a revolta ao seu superior, dizendo:

“Devo fazer fogo ou poupar a cidade?” A resposta do superior foi: “Fogo não, poupe a cidade”. Infelizmente, o funcionário do

correio trocou a vírgula e escreveu o seguinte na resposta do telegrama: “Fogo, não poupe a cidade”.

E assim cidade foi totalmente destruída.

Mas como podemos saber que Jesus realmente não disse: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso”? Temos muitos

motivos para desacreditar que o ladrão esteve naquele mesmo dia com Cristo no Paraíso. Algumas das principais razões são:

Após três dias, Jesus ainda não havia subido ao Pai – Uma verdade que nos é reveladora para concluirmos que Cristo não esteve

com o ladrão da cruz naquele mesmo dia no Paraíso é o fato de que, após três dias morto, Jesus ainda não havia subido ao Pai, e

declarou a Maria Madalena: “Não me detenhas; porque ainda não subi para meu Pai” (cf. Jo.20:17). Ora, se Jesus ainda não havia

subido ao Pai após três dias, então não poderia ter estado naquele mesmo dia com o ladrão da cruz no Paraíso!

Alguns imortalistas rejeitam essa evidência pela alegação de que Jesus esteve no Paraíso "em espírito" nesses dias, mas não

corporalmente. Se isso fosse verdade, porém, Cristo teria mentido a Maria Madalena, já que o texto em questão não faz menção ao

corpo de Nosso Senhor, mas sim ao ser racional dele. O texto não diz que ele não subiu “apenas corporalmente”, o texto fala da

pessoa de Cristo, do ser racional, que o próprio Cristo não passou pelo Paraíso nos dias em que esteve morto. Admitindo-se que o

ser racional seja a "alma" ou o "espírito", como alegam os imortalistas, seria incoerente crer que Jesus estivesse apenas se referindo

ao corpo. Essa interpretação também fere as regras da lógica e do bom senso, como observa o prof. Azenilto Brito:

“Para os imortalistas, quando Jesus declarou que não subiu para o Pai em João 20:17 Ele quis dizer — minha alma é que subiu;

agora é que vou completo, corpo e alma... Conclusão absurda, para dizer o mínimo”11

É evidente que, caso Cristo tivesse subido ao Paraíso, então ele relataria isso a Maria Madalena ou, no mínimo, omitiria tal declaração

tão categórica de que ele não esteve no Paraíso, optando por dizer algo como “já subi e subirei de novo”. Infelizmente para os

imortalistas, a única coisa que Cristo disse é que ainda não havia subido ao Pai, algo que não seria verdade caso o “verdadeiro eu”

de Cristo já tivesse subido.

Alguns imortalistas, em uma outra tentativa em demonstrar alguma objeção ao argumento baseado em João 20:17, dizem que o fato

de Jesus ter subido ao Pai não implica que ele tenha ido ao Paraíso, como se o Paraíso ficasse em um lugar e Deus em outro! Esse

“Paraíso sem Deus” que eles creem certamente não é o Paraíso bíblico, mas um que eles inventaram no desespero em oferecerem

alguma refutação decente ao texto de João 20:17, que por si mesmo é óbvio e refuta as teses imortalistas. Eles creem que Paulo foi

“arrebatado ao Paraíso” (cf. 2Co.12:4) e não viu nem Deus por lá (seria o mesmo que eu o convidasse a estar na minha casa e eu

mesmo não estivesse lá), e inacreditavelmente interpretam que a “árvore da vida, que está no Paraíso de Deus” (cf. Ap.2:7), está

em um lugar onde nem Deus está!

Ou seja: que o Paraíso é chamado de “Paraíso de Deus” mas não é onde Deus está! É a mesma coisa de a minha casa se chamar de

“casa do Lucas” mas o Lucas não mora lá. Eles pensam que Deus estava de “férias” naqueles três dias, longe do Paraíso dele mesmo!

Além disso, notemos que Jesus entregou o seu espírito ao Pai ao morrer (cf. Lc.23:46), e para os imortalistas esse espírito é a alma

imortal que deixa o corpo com consciência e personalidade após a morte. Sendo assim, é imprescindível que Jesus estivesse com o

Pai naquele mesmo dia, ou senão eles teriam que reformular toda a teologia deles acerca daquilo que é o “espírito”.

Portanto, a declaração categórica de que Jesus não subiu ao Pai (cf. Jo.20:17) entra em choque com a crença deles de que o espírito

é um ser consciente e racional, visto que por essa lógica Cristo deveria ter subido ao Pai imediatamente na morte já que havia

entregado o seu espírito a Ele. Ou esse espírito não é um ser consciente e racional como os imortalistas creem, ou Jesus fez uma

encenação ao entregar o seu espírito ao Pai na morte para depois dizer que ainda não havia subido ao Pai.

11 BRITO, Azenilto Guimarães. "Deixar o corpo e habitar com o Senhor". Disponível em: <http://www.iasdemfoco.net/defesaPag.asp?Id=114>. Acesso em: 15/08/2013.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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Jesus desceu, não subiu – Outro fator de clareza fundamental para concluirmos que Cristo realmente não subiu ao Pai no dia em que

morreu é o fato de que, nos três dias em que ele esteve morto, ele esteve no Sheol, e não no Paraíso. Tal fato é relatado no livro de

Atos, quando Pedro falava a respeito da ressurreição de Jesus: “Porque não deixarás a minha alma no Sheol, nem permitirás que o

teu Santo veja corrupção” (cf. At.2:27). Pedro na realidade usou a passagem do livro dos Salmos em que Davi citava tal passagem,

que diz: “Pois não abandonarás a minha alma no Sheol, nem permitirás que o teu santo veja a corrupção” (cf. Sl.16:10). De acordo

com o léxico da Concordância de Strong, a palavra traduzida por "deixar" vem do grego "egkataleipo", que tem o sentido de

abandonar:

1459 εγκαταλειπω egkataleipo

de 1722 e 2641; v

1) abandonar, desertar.

1a) deixar em grandes dificuldades, deixar abandonado.

1b) totalmente abandonado, completamente desamparado.

2) deixar para trás, desistir de sobreviver, falecer.

Como vemos, a alma de Jesus foi retirada do Sheol ao ser ressuscitado, e não do Paraíso. Ele não viu a corrupção pois não foi

deixado abandonado no Sheol, onde esteve enquanto morto, mas foi retirado de lá apenas três dias depois. Aqui vemos mais uma

vez que Sheol significa sepultura, a "cova da corrupção" (cf. Is.38:17), e o detalhe é que Pedro e o salmista declaram que foi o local

para onde a alma de Cristo — e não apenas o corpo — esteve na morte.

No grego de Atos 2:27:

"oti ouk egkataleipseis tên psuchên mou eis a=adên tsb=adou oude dôseis ton osion sou idein diaphthoran" - Atos 2:27

No hebraico do Salmo 16:10:

"iy lo'-tha`azobh naphshiy lish'ol lo'-thittênchasiydhkha lir'oth shâchath" - Salmos 16:10

O próprio Cristo afirmou que esse Sheol (transliterado ao grego como "Hades") fica nas regiões inferiores da terra, em oposição ao

Paraíso: “E tu, Cafarnaum, será elevada até ao céu? Não, você descerá até o Hades! Se os milagres que em você foram realizados

tivessem sido realizados em Sodoma, ela teria permanecido até hoje” (cf. Mt.11:23; ver também: Ef.4:9; Mt.12:40).

Portanto, vemos que a alma de Cristo passou os três dias em que esteve morto no Sheol, que não é o Paraíso, muito pelo contrário,

está em um local em oposição a ele (cf. Mt.11:23). O Filho do homem estaria “três dias e três noites no coração da terra” (cf.

Mt.12:40), não apenas de forma corporal, mas como alma, conforme diz a profecia do salmista (cf. Sl.16:10) e a confirmação do

apóstolo Pedro (cf. At.2:27), e não no Paraíso. Tendo isso em mente, até aqui podemos perceber que:

• O ser racional de Cristo não passou pelo Paraíso nos três dias em que esteve morto (cf. João 20:17).

• A alma de Cristo não esteve no Paraíso nos dias em que este esteve morto, mas no Sheol (cf. At.2:27; Sl.16:10), que fica nas

regiões inferiores da terra (cf. Ef.4:9; Mt.12:40), em oposição ao Paraíso (cf. Mt.11:23), e não no próprio Paraíso.

Tudo isso já nos mostra que Jesus não pode ter dito que o ladrão estaria com Ele naquele mesmo dia no Paraíso, se nem o próprio

Cristo esteve no Paraíso nos dias de sua morte. A interpretação correta de Lucas 23:43 deve estar de acordo com as regras da

hermenêutica, que afirma que a Bíblia explica a própria Bíblia. Sendo que é tão nítido biblicamente que Cristo não esteve no Paraíso

quando morreu, a interpretação correta de Lucas 23:43 é contrária à oferecida pelos imortalistas.

Numa tentativa desesperada em negarem o óbvio e tentarem conciliar suas teses com aquilo que a Bíblia declara taxativamente sobre

para onde Cristo foi após a morte, alguns imortalistas afirmam que Jesus esteve no Sheol mas ao mesmo tempo esteve com o ladrão

da cruz no Paraíso, fazendo uso de sua onipresença. Tais malabarismos exegéticos só são feitos para negar a clareza da linguagem

bíblica sobre a mortalidade da alma, pois em outras circunstâncias nenhum deles diz que Jesus, enquanto esteve entre nós, vivia em

dois lugares ao mesmo tempo.

Ninguém afirma que Jesus viva em Nazaré mas simultaneamente estava no Egito, na América, no Paraíso e no Hades. Enquanto

Jesus esteve limitado a um corpo, ele jamais fez uso do atributo da onipresença. Ele era um homem, e, assim como nós, se estava

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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em um lugar, não estava em outro. Jesus não nasceu em todos os lugares do mundo por ser onipresente, ele nasceu em Belém. Jesus

não cresceu em todos os lugares do mundo por ser onipresente, ele cresceu em Nazaré. Jesus não pregava em todos os lugares do

mundo por ser onipresente, ele pregava no Templo. Jesus não morreu em todos os lugares do mundo por ser onipresente, ele morreu

no Gólgota.

Da mesma forma, após a morte Jesus não estava no Sheol e ao mesmo tempo no Paraíso por ser onipresente, a Bíblia diz que ele

passou os três dias e três noites no Sheol. Jesus esvaziou-se a si mesmo ao se fazer humano (cf. Fp.2:6,7), ele só voltou a fazer uso

de seus atributos divinos na glorificação. Nasceu, cresceu, viveu e morreu como homem. E, como homem, não esteve em dois

lugares ao mesmo tempo, seja na vida ou na morte. Isso por si só já é mais que o suficiente para liquidar com a antibíblica tese de

que o ladrão esteve com Cristo naquele mesmo dia no Paraíso, mas prosseguiremos com mais provas em diante para enriquecermos

ainda mais as evidências deste estudo sobre Lucas 23:43.

O contexto – O que foi dito pelo ladrão da cruz no verso anterior a esta resposta de Cristo (no verso 42), no original grego foi:

μνήσθητί = Lembra-te \ μου = de mim \ ὅταν = quando \ ἔλθῃς = vier \ εἰς = em \ τὴν = o \ βασιλείαν = Reino \ σου = de ti. Ou

seja, “Lembra-te de mim quando vieres no teu Reino”. Tal é o texto original no grego e confirmado pelas melhores versões a nossa

disposição, tais como a versão Trinitariana, a Versão Italiana de G. Deodatti, a Francesa L. Segond, a Inglesa de King James,

Almeida Revisada e Atualizada, entre outras.

Cristo buscava assegurar ao ladrão da cruz que não precisava pensar em termos de tempo tão remoto para ser lembrado por Ele.

“Hoje lhe garanto que estarás comigo no Paraíso”, é o sentido lógico diante de tal contexto. O ladrão pediu a Jesus para lembrar-

se dele no futuro quando Ele viesse no Seu Reino visível (v.42), mas Jesus respondeu o lembrando imediatamente - “hoje” -

assegurando que estaria com Ele no Paraíso.

“Em verdade te digo hoje”, isto é, eu lembro agora mesmo, não precisa pensar em um tempo tão distante, hoje mesmo eu te digo

que você estará comigo no Paraíso. Esse é o sentido lógico pelo contexto. Note que o próprio ladrão sabia que não iria ao Céu

imediatamente após a morte, já que pediu para Cristo se lembrar dele “quando viesse em seu Reino”, ou seja, na segunda vinda

de Cristo.

O ladrão não morria naquele mesmo dia – Um condenado a morte de cruz geralmente demorava dias para morrer na cruz. Lemos

em João 19:31-33 um costume antigo realizado pelos judeus: “Os judeus, pois, para que no sábado não ficassem os corpos na cruz,

visto como era a Preparação (pois era grande o dia de sábado), rogaram a Pilatos que lhes quebrassem as pernas, e que fossem

tirados. Foram, pois, os soldados e, na verdade, quebraram as pernas do primeiro, e ao outro que com ele fora crucificado; mas vindo

a Jesus, e vendo-O já morto, não lhe quebraram as pernas” (cf. Jo.19:31-33).

Qual seria a razão pela qual devia-se quebrar as pernas dos crucificados? Porque o crucificado não morria no mesmo dia. Cristo foi

exceção ao caso porque expirou antes (cf. Lc.23:46), ele não morreu como resultado da hemorragia. Os outros, contudo, ainda

ficavam vivos agonizando durante dias – não poderiam estar com Cristo naquele mesmo dia em questão. Isso é o que a História e a

Bíblia Sagrada nos mostram. Diz o comentário de J. B. Howell:

“O crucificado permanecia pendurado na cruz até que, exausto pela dor, pelo enfraquecimento, pela fome e a sede, sobreviesse a

morte. Duravam os padecimentos geralmente três dias, e às vezes, sete"12

Arnaldo B. Christianini segue na mesma linha e afirma:

“Depois do sábado haver passado, sem dúvida esses dois corpos foram outra vez amarrados na cruz, e lá ficaram diversos dias, até

morrerem (...) Se era necessário quebrar as pernas aos dois malfeitores, antes do pôr do sol, é porque não haviam morrido ainda.

Na pior das hipóteses viveram ainda, pelo menos, um dia a mais do que o Mestre. Como podia, um deles, estar no mesmo dia junto

de Jesus?”13

Vemos, portanto, que historicamente os ladrões que morriam na cruz não faleciam no mesmo dia da crucificação. E a Bíblia confirma

isso? Sim, confirma. Na passagem anteriormente citada, vemos que “os judeus, pois, para que no sábado não ficassem os corpos na

12 Comentário de S. Mateus, p. 500. 13 CHRISTIANINI, Arnaldo. Sutilezas do Erro. Casa Publicadora Brasileira, 1ª edição. São Paulo: 1965, p. 222.

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cruz, visto que era véspera do sábado, pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas, e fossem tirados” (cf. Jo.19:31). Por que

as pernas dos crucificados foram quebradas? Para matá-los logo? Se alguém quisesse matá-los, bastaria uma lancetada no coração

ou no fígado deles (como foi feita com Cristo porque viram que já estava morto).

A finalidade em quebrar as pernas deles não era para matá-los, mas porque havia uma tradição entre os judeus que não permitia que

o condenado ficasse dependurado na cruz no dia de sábado. Por isso, lhes quebravam as pernas e era descido do madeiro e assim

permanecia até o fim do sábado. Prova ainda mais forte de que tal procedimento não resultava em morte imediata dos crucificados

é a grande surpresa de Pilatos (experiente em crucificações) em ver que Jesus já havia morrido:

“E Pilatos se admirou de que {Cristo} já estivesse morto” (cf. Marcos 15:44)

Pilatos ficou pasmo em ver que Jesus já estivesse morto. Certamente deveria ter dito algo como: “Já morreu?!” Por que Pilatos “se

admirou”? Por certo, Pilatos, veterano em mandar pessoas para cruz, já familiarizado com as crucificações, admirou-se diante de

um fato inusitado: era algo incomum alguém morrer no mesmo dia da crucificação! O léxico de Strong define a palavra aqui

traduzida por "admirou-se" como sendo:

2296 θαυμαζω thaumazo

de 2295; TDNT - 3:27,316; v

1) admirar-se, supreender-se, maravilhar-se.

2) estar surpreendido, ser tido em admiração.

Assim vemos que o fato de alguém morrer naquele mesmo dia da crucificação era algo extraordinário, bem fora do normal, um fato

que causa espanto, surpresa, admiração. Foi assim com Jesus, mas nada indica que tenha assim sido também com os ladrões ao seu

lado na cruz. Ao contrário, a evidência indica que eles permaneceram vivos depois da morte de Cristo, pois este foi o único a ter o

lado furado por uma lança por já ter morrido naquele mesmo dia (cf. Jo.19:33-34), os demais permaneceram vivos dependurados do

madeiro até o fim do sábado para depois serem outra vez amarrados à cruz. Não era intenção dos romanos matá-los, mas deixá-los

sofrendo (cf.Jo.19:32).

Concluímos, pois, que historicamente e biblicamente o ladrão não morria naquele mesmo dia, e isso, unido às razões já apresentadas,

nos mostra claramente que o ladrão não poderia estar naquele mesmo dia com Cristo no Paraíso – que, por sinal, também não subiu

por lá enquanto esteve morto (cf. Jo.20:17; At.2:27).

Evidências Históricas – Como já foi demonstrado, no original grego (Koiné) em que a Bíblia foi escrita não existia vírgulas, o que

dá margens para os tradutores as colocarem de acordo com as suas tradições religiosas. Mas, posteriormente, o grego passou a ter

vírgula, e como era costume dos Pais da Igreja citarem constantemente as Escrituras em seus próprios escritos, eles transcreveram

o texto de Lucas 23:43 da forma mais coerente que vimos acima: “Em verdade te digo hoje: estarás comigo no Paraíso”. Por exemplo,

Hesíquio de Jerusalém, que foi um cristão presbítero e exegeta do quinto século d.C, transcreveu essa passagem de Lucas 23:43 da

seguinte maneira:

“Verdadeiramente eu lhe falo hoje”14

Teofilacto declarou o mesmo ao escrever Lucas 23:43 do seguinte modo:

“Verdadeiramente eu lhe falo hoje”15

Como vemos, os próprios Pais da Igreja de épocas posteriores (onde já existia a vírgula) reconheciam que Jesus lhe falava “hoje”

que o ladrão estaria com Ele no Paraíso, e não que o ladrão estaria no Paraíso naquele mesmo dia. Vale ressaltar um detalhe

importante: a maioria dos Pais da Igreja, especialmente a partir do terceiro século d.C, começaram a adotar a tese da imortalidade

da alma, contrariando a visão de dois séculos de Cristianismo (conforme já conferimos no capítulo 2 deste livro). Isso significa que

estes Pais da Igreja, mesmo sendo imortalistas, reconheciam que a forma gramatical do grego apontava que a vírgula deveria

ser colocada depois do “hoje”.

14 Hesichius de Jerusalem, em Patrologia Grega, Volume Noventa e Três, 1433. 15 Teofilacto em Patrologia Grega, em Patrologia Grega, Volume Cento e Vinte e Três, 1104.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

31

O mesmo acontece nos dias de hoje: vários imortalistas já abandonaram este “argumento de Lucas 23:43”, uma vez que perceberam

que a passagem pode perfeitamente ser entendida e interpretada dentro do prisma mortalista, sem qualquer problema. A interpretação

de que Lucas 23:43 é uma “prova” da imortalidade da alma só começou a surgir vários séculos depois, quando começaram a pedir

provas bíblicas que fundamentassem essa doutrina, e, sem encontrar quase nenhuma, tiveram que apelar para passagens como essa,

que nem mesmo os primeiros imortalistas lançaram mão dela, entendendo que a pontuação realmente era contra, e não a favor da

tese deles neste texto.

Vale também ressaltar que não foram apenas os Pais da Igreja que entenderam que a vírgula em Lucas 23:43 deve ser colocada antes

do “hoje”, pois muitos outros manuscritos antigos atestam o mesmo. Os Manuscritos Bc e Sy-C, Antigo Siríaco, que são

grandemente respeitados na comunidade acadêmica e apologética e que datam do terceiro século AD, sendo um dos manuscritos do

NT mais importantes que temos até hoje, verte o texto de Lucas 23:43 colocando a vírgula depois do “hoje”:

"Eu digo a você hoje, que Comigo tu deve estar no Jardim de Éden"16

Por fim, o próprio Vaticanus 1209, um dos melhores manuscritos gregos do Novo Testamento, que data do século IV d.C e que é

uma das fontes pelas quais os estudiosos mais trabalham na identificação do original do NT, traz o seguinte em Lucas 23:43:

Note que no texto grego há um ponto depois da palavra “semeron” (dia), e não antes dela. Este Condex Vaticanus foi considerado

por Westcott e Hort como o melhor manuscrito grego do NT, e é também um dos manuscritos mais antigos da Bíblia, sendo inclusive

mais antigo do que o Codex Sinaiticus. É interessante também os comentários do erudito Earle Ellis em sua obra “The Gospel of

Luke”, no comentário da Bíblia New Century:

“Alguns manuscritos produzidos razoavelmente cedo colocam a vírgula depois de ‘hoje’ e assim, continuam com a referência a

parousia do verso 42”17

Isto, sem dúvida, mostra que este erudito sabe a respeito da pontuação no Ms Vaticanus em Lucas 23:43, bem como em outros

respeitados manuscritos antigos.

A gramática – Ainda que o texto original não possua vírgulas, a forma linguística em que ele é escrito nos ajuda a desvendarmos

qual é o seu real sentido na passagem em pauta. No português, quando traduzimos a frase podemos colocá-la em antes ou depois do

advérbio “hoje” (como vimos acima), e ambas as traduções aparentemente podem dar sentido real à frase. Contudo, quando pegamos

os manuscritos originais no grego e ponderamos em onde colocar a vírgula, tal não faz sentido se ela for colocada antes do “hoje”,

como querem os imortalistas. Por quê? Simplesmente porque isso criaria um dilema de primeira ordem por falta de lógica no próprio

texto.

Grande parte dos tradutores simplesmente ignoram a palavra ἐμοῦ = de mim. Sem considerar esta palavra o sentido original do foi

dito se perde. Vejamos a tradução do verso palavra por palavra:

καὶ = E \ εἶπεν = disse \ αὐτῷ = a ele \ Ἀμήν = amém \ σοι = a ti \ λέγω = digo \ σήμερον = hoje \ μετ᾿ = depois \ ἐμοῦ = de mim \

ἔσῃ = serás \ ἐν = em \ τῷ = o \ παραδείσῳ = paraíso.

A palavra μετ᾿ significa “comigo”, como também significa “depois”, se você considerar que μετ᾿ está no sentido de “comigo”.

Necessariamente, temos que ignorar a palavra ἐμοῦ = de mim. Comigo de mim, não faz sentido algum. A vírgula não pode ficar

antes de “hoje”. A vírgula deve ser colocada após o “hoje” e também após o “depois”. Considerando todas as palavras como elas

são literalmente e traduzindo corretamente, o sentido original do foi dito fica muito claro:

16 Manuscritos Bc e Sy-C - Antigo Siríaco. 17 Publicado por Wm.B.Eerdmans Publishing Co. Grand Rapids Michigan, reprint of 1983.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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“E disse a ele; Amém a ti digo hoje, depois, de mim serás em o paraíso”. Depois de todas as coisas concluídas, o ladrão com certeza

absoluta será do nosso Salvador. Jesus entregou ao ladrão da cruz a promessa de que este estaria no Paraíso. ‘Hoje’ é o momento

em que esta promessa lhe foi dita. Naquele momento Cristo assegurou a ele tal promessa.

Mas em resposta a que foi feita a promessa?

Verso 42... μνήσθητί = Lembra-te \ μου = de mim \ ὅταν = quando \ ἔλθῃς = vier \ εἰς = em \ τὴν = o \ βασιλείαν = Reino \ σου =

de ti.

“Lembra-te de mim quando vier em o reino de ti”. O ladrão tinha dúvida se aquilo poderia ser possível e, por isso, seu pedido a

Jesus foi que este se lembrasse dele, não quando morresse, mas quando Ele viesse em seu poder visível. Então, naquele momento,

o hoje, Cristo lhe deu esta certeza. Ele lhe garantiu: “depois, de mim serás em o paraíso”.

A preposição μετὰ indica um tempo – depois; após; além de. Depois que todas as coisas forem concluídas, quando Cristo vier na

Sua Glória, o ladrão estará na glória com o Senhor Jesus. Naquele momento, o ‘hoje’ do verso, o ladrão recebeu a certeza de que,

no futuro, estaria com Cristo no Paraíso.

ἐμοῦ ou μου é um pronome na primeira pessoa do singular, que não pode ser ignorado. No grego a pontuação não é absolutamente

necessária para a compreensão textual, mas no português se você não organizar as palavras da maneira correta e usando a pontuação,

o texto fica sem nenhum sentido, e ainda dá margens para más interpretações.

Refutando objeções – A principal objeção sustentada pelos defensores da imortalidade da alma neste texto é que seria inteiramente

desnecessário a adição do "hoje", pois se Jesus dizia aquilo naquele momento (o "hoje") não seria preciso adicionar que estava

dizendo aquilo hoje. Em resposta a essa objeção, devemos ressaltar, em primeiro lugar, que é muito comum na Bíblia a utilização

do "hoje" em construções de frases em muito semelhantes à de Lucas 23:43. Por dezenas de vezes vemos declarações semelhantes

que são precedidas pelo "hoje", como, por exemplo:

(Jeremias 42:21) - E vo-lo tenho declarado hoje; mas não destes ouvidos à voz do Senhor vosso Deus, em coisa alguma pela qual

ele me enviou a vós.

(Deuteronômio 6:6) - E estas palavras, que te ordeno hoje, estarão no teu coração.

(Deuteronômio 11:8) - Guardai, pois, todos os mandamentos que eu vos ordeno hoje, para que sejais fortes, e entreis, e ocupeis a

terra que passais a possuir.

(Deuteronômio 30:18) - Então eu vos declaro hoje que, certamente, perecereis; não prolongareis os dias na terra a que vais, passando

o Jordão, para que, entrando nela, a possuas.

(Deuteronômio 4:40) - E guardarás os seus estatutos e os seus mandamentos, que te ordeno hoje para que te vá bem a ti, e a teus

filhos depois de ti, e para que prolongues os dias na terra que o Senhor teu Deus te dá para todo o sempre.

(Atos 20:26) - Portanto, eu lhes declaro hoje que estou inocente do sangue de todos.

As passagens acima são apenas alguns exemplos do emprego do "hoje" na mesma construção de frase que observamos em Lucas

23:43. Constatamos facilmente que expressões semelhantes a essa são utilizadas aos montões na Bíblia:

"...te ordeno hoje" (cf. Dt.6:6; 11:8; 4:40; 30:11; 27:10; 15:5; 30:8; 27:1; 10:13; 11:13; 15:5; 8:11; 28:14; 27:4; 13:18; 19:9; 8:1;

1:28; 28:1; 28:13)

"...declaro hoje" (cf. Je.42:21; Dt.30:18; At.20:26)

"...testifico hoje" (cf. Dt.8:19; 32:46)

"...ponho hoje" (cf. Dt.4:8)

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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"...proponho hoje" (cf. Dt.30:15; 11:32)

"...vos mando hoje" (cf. Dt.11:27)

"...vos anuncio hoje" (cf. Zc.9:12)

Lucas 23:43 não faz parte de uma exceção, faz parte de uma regra. De fato, o Dr. Rodrigo Silva, em sua tese de doutorado na

Pontífica Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, intitulada "Análise Linguística do Sémeron em Lucas 23:43", provou

com base em uma minuciosa investigação das ocorrências do advérbio sémeron nos textos gregos do Antigo Testamento (tradução

da Septuaginta) e do Novo Testamento que “na maioria absoluta dos casos” em que existe uma ambiguidade semelhante à de Lucas

23:43, “a ligação de sémeron com o primeiro verbo demonstrou-se a mais natural”. A expressão "hoje" ligada ao verbo não é

redundante, é enfática, e ocorre aos montões na Bíblia. Mesmo se fosse uma exceção, isso de modo nenhum invalidaria o argumento,

visto que exceções também existem na Bíblia em grande quantidade.

Além disso, alegam também que Jesus se expressou diversas vezes dizendo "em verdade te digo" além de em Lucas 23:43, mas que

em nenhuma delas ele adicionou o "hoje", à exceção de Marcos 14:30. Sendo assim, se Jesus não teve uma boa razão para mudar

sua forma habitual de dizer o "em verdade te digo", ele deve ter se expressado conforme os imortalistas creem. O que eles não são

capazes de imaginar, porém, é que existe uma boa razão pela qual Jesus adicionou o 'hoje'. E isso está totalmente relacionado ao

verso anterior, em que o ladrão diz: “και ελεγεν τω ιησου μνησθητι μου κυριε οταν ελθης εν τη βασιλεια σου”, corretamente

traduzido por: “Lembra-te de mim quanto vieres no teu Reino”.

A palavra grega aqui traduzida por "vir" (e que algumas versões traduzem por "entrar") é erchomai, que, de acordo com o NAS New

Testament Lexicon grego, significa: "vir de um lugar para outro". Ainda segundo o léxico do grego, na grande maioria das vezes

em que essa palavra aparece no Novo Testamento significa vir:

Vieram: 225 vezes.

Vêm: 222 vezes.

Vem: 64 vezes.

Chegando: 87 vezes.

Foi: 18 vezes.

Vai: uma vez.

Chegou: uma vez;

Entrou: duas vezes.

Esse verbo aparece mais de quinhentas vezes ligado a "vir" e apenas duas vezes ligado a "entrar", e mesmo assim muitas traduções

preferiram traduzir por "quando entrar no teu Reino", para dar algum sentido à declaração posterior de Cristo de que estaria naquele

mesmo dia com Ele no Paraíso. O Thayer's Greek Lexicon afirma que essa palavra tem relação com: (a) a volta invisível de Cristo

do Céu; (b) equivalente a vir para fora, mostrar-se. De acordo com Buttmann, "quando é usado com substantivos de tempo, expressa

um sentido futuro, virá" (Buttmannm 204; Winer Gramática § 40, 2). Alguns exemplos de quando esse verbo ocorre na Bíblia são:

(Mateus 3:7) - Mas, vendo ele muitos dos fariseus e dos saduceus que vinham [erchomenous] para o batismo, disse-lhes: 'Raça de

víboras! Quem vos ensinou a fugir da ira vindoura'?

(Mateus 3:11) - Eu vos batizo com água para o arrependimento, mas aquele que vem [erchomenos] depois de mim é maior do que

eu e eu não sou digno nem mesmo de lavar as suas sandálias.

(Mateus 3:14) - João, porém, tentou impedi-lo, dizendo: 'Eu preciso ser batizado por você, e você vem [erche] a mim?

(Mateus 3:16) - Assim que Jesus foi batizado, saiu da água. Naquele momento os céus se abriram, e ele viu o Espírito de Deus

descendo como pomba e vindo [erchomenon] sobre ele.

(Mateus 5:17) - Não pensem que vim [elthon] para abolir a lei ou os profetas; não vim [elthon] para abolir, mas para cumprir.

(Mateus 6:10) - Venha [eltheto] o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra com no Céu.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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A nota de rodapé da Nova Versão Internacional também faz uma importante observação em Lucas 23:42:

"Muitos manuscritos dizem: 'quando vieres no teu poder real'" (NVI)

Os judeus criam que a vinda do Messias acarretaria na vinda imediata do Reino em sua forma visível, com um Cristo político e

libertador. Contudo, a vinda de Jesus trouxe o Reino em sua forma espiritual, dando-nos vitória sobre as forças das trevas. Quando

o ladrão pede para ser lembrado por Cristo “quando vieres [erchomai] no teu Reino”, ou "quando vieres no teu poder real",

conforme muitos manuscritos antigos trazem, ele revela a sua convicção de que ele só voltaria à vida novamente quando a vinda

visível do Reino de Cristo for consumada, pois é somente neste momento (da segunda vinda de Cristo, a Sua Volta Gloriosa), que

os mortos serão ressuscitados.

O ladrão sabia que ele iria morrer e pede para ser lembrado por Cristo naquele dia tão esperado em que Ele viesse em Seu reino em

sua forma visível, destruindo o poder da morte e dando vida aos mortos. É neste momento que o ladrão queria ser lembrado por ele,

porque é somente neste momento em que os mortos ressuscitam para estar com Cristo. Jesus, então, declara ao ladrão que não

precisava pensar em tempos tão remotos para ser lembrado por ele, mas que hoje mesmo lhe garantia que com Ele estaria no Paraíso.

Ele não precisaria ficar na ansiedade da volta de Jesus para ser lembrado somente dois mil anos depois para saber de seu destino

final, pois naquele mesmo momento, o "hoje" em questão, Cristo lhe assegurava a salvação.

O verso 42, portanto, deixa claro que o próprio ladrão sabia que não entraria no Paraíso naquele mesmo dia, por isso pediu para ser

lembrado por Cristo somente quando na Sua Segunda Vinda. Cristo, então, lhe assegurou naquele mesmo dia que o ladrão estaria

com ele no Paraíso. O ladrão pediu a Jesus para lembrar-se dele no futuro quando Ele viesse em seu poder visível, mas Jesus

respondeu lembrando a ele imediatamente, o “hoje” do verso, e garantindo que com Ele seria no Paraíso. Sendo assim, o emprego

do "hoje" no verso 43 não é desnecessário e nem redundante. Ele não apenas serve para enfatizar como ocorre em outras dezenas de

vezes na Bíblia, mas também para antecipar a garantia da salvação ao crucificado. Como observa Bacchiocchi:

“A razão para esta ligação excepcional do advérbio ‘hoje’ à frase ‘verdadeiramente, te digo’ poderia muito bem ser o contexto

imediato. O ladrão pediu a Jesus para lembrar-se dele no futuro quando estabelecesse o Seu reino messiânico. Mas Jesus respondeu

lembrando ao penitente ladrão imediatamente, ‘hoje’, e por reassegurar-lhe que ele com Ele estaria no Paraíso”18

Mas e as traduções bíblicas? – É alegado também pelos imortalistas que, se a vírgula deve ser colocada depois do "hoje", e não antes

dele, como foi provado aqui tendo em vista todo o contexto textual, a gramática do texto em grego, a hermenêutica, os documentos

antigos e as evidências históricas, então praticamente todas as versões que existem hoje estão todas adulterando a Bíblia, e que a

única versão correta das Escrituras seria a "Tradução Novo Mundo", das Testemunhas de Jeová, que traduz o verso desta maneira.

Isso simplesmente não é verdade. É fato que as traduções que optaram por colocar a vírgula depois do "hoje" erraram, mas elas não

erraram por desonestidade (o que seria adulteração na Bíblia), pois o verso realmente deixa em aberto as duas traduções no grego

em primeira instância, mas por seus próprios pressupostos teológicos, pois todas elas defendem a tese de imortalidade da alma. Igor

Miguel, um erudito do grego bíblico, esclareceu sobre a questão das traduções bíblicas nas seguintes palavras:

"Sabe-se que toda tradução é naturalmente interpretativa e hermenêutica. Ou seja, está sempre submetida aos conceitos e ponto de

vista do tradutor. Há os que sustentam uma 'imparcialidade' ou 'neutralidade' em traduções. Porém, cientificamente, sabe-se que a

'neutralidade' é um mito. O tradutor pode tender à 'imparcialidade', porém sempre há algo de sua individualidade e subjetividade que

estarão presentes em sua produção textual. Nesta mesma linha, há o mito da 'tradução fiel', que é tratar a tradução como uma

reprodução literal e precisa da fonte primária. Em outras palavras, uma tradução da Bíblia em português (ou qualquer outra língua)

que se diga 100% fiel às fontes originais. O ideal de uma 'tradução fiel' é uma impossibilidade técnica, não há como fazer uma

tradução que reproduza fielmente, em todos os aspectos, o que o autor quis dizer. Pois é óbvio, que o sentido de um texto só pode

ser entendido em todas suas dimensões de significado, quando inserido em sua língua e contexto originais. Ao passar este significado

ou sentido para uma outra língua, há perdas, limitações naturais que ocorrem pelo simples fato de ser uma tradução"19

E ele conclui dizendo:

18 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007. 19 MIGUEL, Igor. Problemas da Bíblia Hebraica em Português. Disponível em: <http://www.welingtoncorp.xpg.com.br/biblia_hebraica_portugues.pdf>. Acesso em: 15/08/2013.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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"Por isto, não existem traduções perfeitas, ou uma que possa ser considerada a melhor. Existem boas traduções da Bíblia publicadas

por editoras Evangélicas, Católicas e Judaicas, porém, estão todas suscetíveis às críticas e às mesmas vulnerabilidades textuais que

já foram mencionadas... toda tradução tem seu valor, o que não anula obviamente, suas limitações"20

Essas colocações são decididamente importantes porque nos ajudam a compreender a razão pela qual a grande maioria dos tradutores

optaram por colocarem a vírgula antes do "hoje": porque estão tendenciados a isso em vista de seus próprios conceitos teológicos.

Isso é muito diferente de dizer que eles "adulteraram" a Bíblia. Significa apenas que, quando chega a um ponto de disputa teológica,

sempre optam por seguir a linha teológica que a determinada sociedade bíblica adota - na maioria dos casos, a de imortalidade da

alma. Por isso, é evidente que as traduções de imortalistas (como as Almeidas ou as católicas) vão optar por colocar a vírgula antes

do "hoje", ao passo que as traduções de mortalistas (como TJS ou adventistas) vão optar por colocar a vírgula depois do "hoje".

Isso não representa nada em questão de exegese, porque a obrigação do tradutor não é de ser um exegeta, mas meramente de traduzir.

Quem terá o trabalho de reunir todas as evidências bíblicas na busca da compreensão correta do texto são os eruditos bíblicos, os

críticos textuais, não os tradutores. Por isso, a grande quantidade de versões bíblicas com a vírgula colocada antes do hoje apenas

reflete que a grande maioria dos tradutores são imortalistas, nada a mais do que isso. Se a maioria fosse mortalista (o que algum

dia pode chegar a ser), a maioria colocaria a vírgula depois do "hoje".

Isso obviamente não implica que as versões que se equivocaram colocando a vírgula antes do "hoje" estejam erradas em seu todo,

nem muito menos implica que as traduções que optaram pela vírgula depois do "hoje" estejam certas em todo o resto. Todas as

traduções bíblicas erram em alguns pontos e acertam em outras, e todas as traduções bíblicas tendem pelo lado teológico aceito por

eles quando há uma passagem de tradução livre e fruto de interpretação bíblica.

Além disso, não é verdade que a Tradução Novo Mundo seja a única que coloca a vírgula depois do "hoje". Outras versões, como a

Tradução Trinitariana, em português, editada em 1883 pela “Trinitarian Bible Society” de Londres, diz:

“Na verdade te digo hoje, que serás comigo no Paraíso”

Da mesma forma, o Emphasized New Testament, de Joseph B. Rotherham, impresso em Londres, em 1903, assim traduz Lucas

23:43:

“Jesus! Lembra-te de mim na ocasião em que vieres no Teu reino. E Ele disse-lhe: Na verdade, digo-te neste dia: Comigo estarás no

Paraíso”

O The New Testament, de George M. Lamsa, diz:

“Jesus lhe disse: Na verdade te digo hoje, estarás comigo no Paraíso”

A chamada Concordant Version, em inglês, assim traduz:

“E Jesus lhe disse: ‘Na verdade a ti estou dizendo hoje, comigo estarás no Paraíso'”

O famoso Manuscrito Curetoniano da Versão Siríaca, que está hoje no Museu Britânico, assim diz:

“Jesus lhe disse: Na verdade te digo hoje, que comigo estarás no Jardim do Éden”

O comentário da Oxford Companion Bible ainda diz:

“’Hoje’ concorda com ‘te digo’ para dar ênfase à solenidade da ocasião; não concorda com ‘estarás’”,

No Apêndice n°. 173, a famosa Oxford Companion Bible acrescenta:

“A interpretação deste versículo depende inteiramente da pontuação, a qual se baseia toda na autoridade humana, pois os manuscritos

gregos não tinham pontuação alguma até o nono século, e mesmo nessa época somente um ponto no meio das linhas, separando

20 ibid.

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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cada palavra... A oração do malfeitor referia-se também àquela vinda e àquele Reino, e não a alguma coisa que acontecesse no dia

em que aquelas palavras foram ditas".

E concluem dizendo:

“E Jesus lhe disse: ‘Na verdade te digo hoje’ ou neste dia quando, prestes a morrerem, este homem manifestou tão grande fé no

Reino vindouro do Messias, no qual só será Rei quando ocorrer a ressurreição – agora, sob tão solenes circunstâncias, te digo: serás

comigo no Paraíso”.

Por fim, a versão impressa da Nueva Reina Valera de 2000 assim traduz:

"Então Jesus lhe respondeu: ‘Eu te asseguro hoje, estarás comigo no paraíso’"

Portanto, é simplesmente falsa a afirmação de que a única versão da Bíblia que traduz Lucas 23:43 da maneira correta é a Tradução

Novo Mundo das Testemunhas de Jeová.

De fato, Lucas 23:43 é uma mensagem em que Cristo diz ao ladrão da cruz: "Em verdade te digo hoje, estarás comigo no Paraíso",

mas que os tradutores bíblicos imortalistas preferiram por suas próprias convicções teológicas traduzirem por: "Em verdade te digo,

hoje estarás comigo no Paraíso".

E assim exegese foi totalmente destruída.

IX–Um espírito não tem carne e ossos

Depois que Jesus ressuscitou, ele apareceu aos discípulos, que se assustaram, pensando estar vendo um espírito, ao que ele responde

dizendo que um espírito não tem carne e ossos como ele tinha:

"E falando eles destas coisas, o mesmo Jesus se apresentou no meio deles, e disse-lhes: Paz seja convosco. E eles, espantados e

atemorizados, pensavam que viam algum espírito. E ele lhes disse: Por que estais perturbados, e por que sobem tais pensamentos

aos vossos corações? Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e vede, pois um espírito não tem carne

nem ossos, como vedes que eu tenho" (cf. Lucas 24:36-39)

Para os imortalistas, se Jesus cresse na mortalidade da alma teria dito que não existia espírito, e não que um espírito não tem carne

e osso. A resposta para essa alegação imortalista é muito simples: Jesus não poderia ter dito que não existem espíritos pela simples

razão de que os anjos (bem como os demônios) são espíritos (cf. Hb.1:14), assim como o próprio Deus (cf. Jo.4:24).

Portanto, se Jesus simplesmente dissesse que "não existem espíritos" ele estaria negando a existência de Deus, dos anjos e dos

demônios. Tudo aquilo foi fruto do desespero momentâneo dos discípulos de Cristo ao ver alguém misteriosamente entrando "do

nada" no meio da casa, que estava "com as portas fechadas" (cf. Jo.20:26), sem chances de algum desconhecido "aparecer" no meio

deles. Então, no pânico, eles pensaram "estar vendo um espírito", que poderia ser um anjo do bem ou do mal, ou até mesmo um

fantasma, como ocorreu em outra ocasião, em que os discípulos pensaram estar vendo um fantasma na hora do pânico, ao ver o

mesmo Jesus andando por sobre as águas:

"E, vendo que se fastigavam a remar, porque o vento lhes era contrário, perto da quarta vigília da noite aproximou-se deles, andando

sobre o mar, e queria passar-lhes adiante. Mas, quando eles o viram andar sobre o mar, acharam que era um fantasma, e deram

grandes gritos" (cf. Marcos 6:48,49)

Qualquer um sabe que fantasmas não existem de verdade. E eu tenho certeza que na teologia dos apóstolos também não havia lugar

para tal crendice popular. Mas, na hora do desespero, eles gritaram apavorados, confundindo Jesus com um "fantasma", ainda que

fantasmas não existam. Da mesma forma, quando Jesus apareceu "do nada" dentro da casa onde eles estavam reunidos a portas

fechadas, o pânico tomou conta dos discípulos de tal forma que eles, a exemplo da ocasião anterior em que pensavam estar vendo

um "fantasma", acharam que era um "espírito".

Nada indica se esse "espírito" que eles achavam que Jesus era fosse um espírito humano incorpóreo, como creem os imortalistas,

pois anjos e demônios também são espíritos, e na hora do desespero até fantasmas (que são popularmente conhecidos como sendo

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A Crença na Imortalidade da Alma no Novo Testamento

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espíritos) eram cridos pelos discípulos, o que não implica na existência real deles. Esse "ser" que eles achavam estar vendo podia

ser, na imaginação deles, qualquer coisa, visto que por várias ocasiões as pessoas não reconheceram Jesus, como no alto mar (cf.

Mc.6:48,49), na travessia de Emaús (cf. Lc.24:16), ou na pescaria que também ocorreu depois da ressurreição (cf. Jo.21:4):

"E, sendo já manhã, Jesus se apresentou na praia, mas os discípulos não reconheceram que era Jesus" (cf. João 21:4)

"Mas os olhos deles estavam como que fechados, para que não o reconhecessem" (cf. Lucas 24:16)

"E, vendo que se fastigavam a remar, porque o vento lhes era contrário, perto da quarta vigília da noite aproximou-se deles, andando

sobre o mar, e queria passar-lhes adiante. Mas, quando eles o viram andar sobre o mar, acharam que era um fantasma, e deram

grandes gritos" (cf. Marcos 6:48,49)

Portanto, podemos ver que:

• Os discípulos estavam apavorados, como quando pensavam estar vendo um fantasma, pois não é normal que uma pessoa entre "do

nada" no meio de uma casa que estava às portas fechadas, com medo dos romanos.

• Os discípulos, como em outras ocasiões, não estavam reconhecendo Jesus.

• No desespero e sem reconhecer quem era, pensaram que era um "espírito", semelhantemente a quando creram que estavam vendo

um "fantasma" na outra ocasião.

• Não é possível precisar ao certo que tipo de espírito eles acreditavam que era no momento do pânico, visto que anjos e demônios

também são espíritos, e que crendices populares como fantasmas também são considerados como sendo espíritos.

• Jesus, por sua vez, não poderia responder dizendo que "espíritos não existem", pois estaria negando a existência de espíritos que

realmente existem, como anjos, demônios e o próprio Deus, que é espírito. Não é porque existem determinadas crendices populares

falsas (como a crença em fantasmas e em espíritos humanos desencarnados, como no espiritismo) que não existe nenhum tipo de

espírito.

• Ao dizer que um espírito não tem carne nem ossos, Jesus acalmou os ânimos dos discípulos, para que não mais pensassem estar

vendo algum ser misterioso, como um fantasma ou algum espírito do mal. É muito pouco provável que os discípulos acreditassem

que se tratasse do próprio Senhor Jesus em forma incorpórea, pois se os discípulos tivessem identificado Jesus ali, ainda que em

forma incorpórea, teriam ficado felizes, jubilosos, exultantes ao reverem o Mestre. Se eles ficaram com medo e pensaram estar

vendo "um espírito", é porque eles não reconheceram Jesus, a não ser que tivessem medo de Jesus! Evidentemente, o medo deles

não era se Jesus estava em estado corpóreo ou incorpóreo, mas sim se aquilo que eles viam fosse alguma coisa digna de medo, como

quando eles achavam estar vendo um fantasma e se amedrontaram, porque não sabiam que era Cristo.

Concluindo, não há absolutamente nada conclusivo em Lucas 24:39 que ao menos indique que a alma humana é imortal. Todo o

texto pode ser perfeitamente entendido e plenamente assimilado tendo em vista a ótica mortalista e bíblica, sem a necessidade de

implicar na existência de um elemento eterno e que sobreviva com consciência à parte do corpo após a morte. Os imortalistas tem

que, a todo custo, forçar a interpretação da passagem para que favoreça a interpretação deles. O espírito não pode ser outra coisa

senão um espírito humano, os discípulos não poderiam estar enganados pelo pânico como quando achavam estar vendo um fantasma,

e Jesus tinha que ter dito que espíritos não existem, mesmo que isso fosse impossível já que anjos, demônios e o próprio Deus são

espíritos. Tudo isso fruto da misteriosa forma de formular argumentos, inventada pelos imortalistas.