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Educação infantil

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  • 1. PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC-SPDaniela Barros MendesA constituio do professor que trabalha com literatura infantojuvenil: um estudo na perspectiva de Henri WallonMESTRADO EM EDUCAO: PSICOLOGIA DA EDUCAOSO PAULO 2012

2. PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC-SPDaniela Barros MendesA constituio do professor que trabalha com literatura infantojuvenil: um estudo na perspectiva de Henri WallonMESTRADO EM EDUCAO: PSICOLOGIA DA EDUCAODissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para a obteno do ttulo de Mestre emEducao:PsicologiadaEducao,soborientao da Profa. Doutora Laurinda Ramalho de Almeida.SO PAULO 2012 3. Banca Examinadora________________________________ ________________________________ ________________________________ 4. Dedico este trabalho ao meu esposo, Emerson, pelo companheirismo, amor, compreenso, cuidado e apoio em todos os momentos. A Ana Laura, que a nossa alegria e que chegou junto com essa grande conquista. 5. AGRADECIMENTOSAo meu esposo pelo apoio e pelo incentivo. Professora Doutora Laurinda Ramalho de Almeida, minha orientadora, que me acolheu desde o nosso primeiro encontro, me incentivou, respeitou meus desejos e muito me ensinou. Aos Professores Doutores Mitsuko A. M. Antunes e Jos Roberto Montes Heloani por participarem da banca examinadora, pelas sugestes e pelas ricas lies de sabedoria no exame de qualificao. Professora que participou desta pesquisa, direo e coordenao pedaggica da escola pela oportunidade de realizar este trabalho. Aos meus avs maternos, Joo (in memoriam) e Eunice, meus pais e meus amores, pessoas inesquecveis e fundamentais em minha vida, pois mesmo sem terem estudado tinham grande sabedoria. minha me, pelo seu carinho na infncia e por ter me incentivado a gostar ainda mais de histrias. Aos meus cunhados, Elisangela e Rafael, e minha sogra, Evanir, que demonstraram o quanto importante ter o apoio da famlia para realizao de nossas metas. minha tia Bene por ter me incentivado a ler e estudar. Aos meus tios, Lus Antnio e Marina, que tiveram um papel muito importante na minha formao como pessoa. Por serem professores me incentivaram a ser uma profissional comprometida com o trabalho. Aos colegas de mestrado por compartilharem ideias, incertezas e conquistas. Aos Professores do curso, em especial a Vera Maria de Souza Placco que foi o meu primeiro contato na PUC, me recebeu muito bem, me respeitou e contribuiu muito com o meu aprendizado. Professora Doutora Juliana Silva Loyola do Programa de Ps-Graduao Literatura e Crtica Literria (PUC-SP) pela ateno e por ter me indicado alguns livros no incio desta pesquisa. Maria Luiza, uma pessoa maravilhosa, com quem pude compartilhar momentos de alegrias, angstias e dvidas. Thais que contribuiu para que esta pesquisa fosse realizada e demonstrou ser uma pessoa muito solidria e amiga. 6. Aos colegas do projeto de pesquisa, em especial a Andrea J. P. Mollica que me apontou alguns caminhos, a Lilian Corria Pessa que alm de ter me incentivado, me ajudou na finalizao deste trabalho e a Ftima Bissoto M. Cintra que fez a reviso deste trabalho com muita disposio e competncia apesar do tempo reduzido. Ao Edson Aguiar por sua ateno e competncia. Ao amigo e professor Doutor Clnio Jorge de Souza por ter contribudo com algumas sugestes. Aos meus colegas de trabalho que sempre foram muito solcitos e companheiros, em especial a Vivian Pistelli por ter contribudo com o abstract. equipe gestora do colgio pela colaborao e compreenso. Ao coordenador pedaggico, Joo Carlos, pela compreenso quanto minha ausncia nas reunies pedaggicas por conta das aulas do mestrado. Uma pessoa muito especial por ser um modelo em minha vida, que alm de gestor foi meu professor no Ensino Fundamental II, me incentivou a gostar ainda mais de literatura e demonstrou que possvel inovar na rea educacional mesmo com poucos recursos. A todos os ex-professores que me marcaram positivamente e me encorajaram a chegar at aqui. Aos alunos e ex-alunos (Ensino Fundamental e Superior) que me constituram como professora e como pessoa. equipe da escola que possibilitou a minha pesquisa, em especial professora do 5 ano que compartilhou a sua histria de vida. minha amiga Bianca, que sempre esteve ao meu lado, me incentivando a seguir novos caminhos. Deus pela graa inspiradora e por ter me abenoado durante toda a minha vida. Capes pelo parcial apoio financeiro. 7. MENDES, Daniela Barros. A constituio do professor que trabalha com literatura infantojuvenil, um estudo na perspectiva de Henri Wallon.RESUMOO objetivo desta pesquisa foi compreender, priorizando a dimenso afetiva, como o professor que trabalha com literatura infantojuvenil se constitui, considerando que para Wallon - referente terico para este estudo -) a dimenso afetiva, integrada s dimenses cognitiva e motora, constitutiva da pessoa. A pesquisa teve uma abordagem qualitativa e, para a produo de informaes, foi realizada uma entrevista com perguntas direcionadas, e que se caracterizou como narrativa autobiogrfica, j que a professora do quinto ano do Ensino Fundamental I conta a sua histria de vida, desde a sua infncia at os dias atuais. As informaes produzidas foram organizadas em um quadro para facilitar a anlise e discusso. Aps essa etapa foram levantados seis eixos: convivncia com o meio escolar; professores marcantes; o brincar; contato com os livros; solidariedade; e o papel do outro na atuao docente. Este estudo apontou que a afetividade interfere nas relaes em sala de aula e que o outro (alunos, ex-professores ou o autor da obra literria) contribui para a constituio do professor de literatura.Palavras-chave:dimensoprofessores, Henri Wallon.afetiva,literaturainfantojuvenil,formaode 8. MENDES, Daniela Barros. A constituio do professor que trabalha com literatura infantojuvenil, um estudo na perspectiva de Henri Wallon.ABSTRACTThe objective of this research was to comprehend, by prioritizing the affective dimension, how the teacher that works with children's literature constitutes himself, considering that to Wallon (theoretical reference for the present study) the affective dimension integrated with the cognitive and motor dimension constitutes the person. The research had a qualitative approach and in order to gather information an interview with directed questions was held, such interview was characterized as an autobiographical narrative since the fifth grade teacher tells the story of her life from her childhood to present day. The pieces of information were organized in a chart to facilitate the analysis and discussion. Right after this stage six main points were raised: living in the school environment; remarkable teachers; playing around; contact with books; solidarity and the role of other people influencing the teacher's work. The present study showed that affection influences in classroom relationships and that the other person (students, former teachers or the author of the literary work) contributes to the formation of the literature teacher.Key words: Affective dimension. Children's literature. Teacher formation. Henri Wallon 9. SUMRIOINTRODUO.......................................................................................................... 12CAPTULO 1. PROCEDIMENTO METODOLGICO............................................... 20 1.1 Objetivo do Estudo ............................................................................................. 24 1.2 O percurso metodolgico ................................................................................... 27CAPTULO 2. REVISO DE LITERATURA .......................................................... 30 2.1 A literatura infantojuvenil no Brasil: breve histrico.............................................31 2.2 Monteiro Lobato: incentivador da literatura infantojuvenil no Brasil ...................36 2.3 O que a literatura revela sobre as obras infanto-juvenis na escola ................... 40 2.4 Representaes do professor comprometido: o que dizem os estudiosos da rea de educao ............................................................................................................. 43CAPTULO 3 TEORIA PSICOGENTICA DE HENRI WALLON .......................... 45 3.1 Integrao funcional ........................................................................................... 46 3.1.1 Afetividade: emoo, sentimentos e paixo .................................................... 48 3.1.2 Ato motor ......................................................................................................... 51 3.1.3 Conhecimento ................................................................................................. 52 3.1.4 Pessoa ............................................................................................................. 52 3.2 O papel dos meios e dos grupos na constituio da pessoa ............................. 53 3.3 A questo do outro na constituio da pessoa .................................................. 55 4. ANLISE E DISCUSSO .................................................................................... 57 4.1 Convivncia com o meio escolar....................................................................... 58 4.2 Professores marcantes ....................................................................................... 59 4.3 O brincar ............................................................................................................. 62 4. 4 Contato com os livros .........................................................................................63 4.5 Solidariedade ...................................................................................................... 67 4.6 O papel do outro na atuao docente ............................................................... 68CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................... 75 10. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 79APNDICES ............................................................................................................. 85 11. A formao psicolgica dos professores no pode ficar limitada aos livros. Deve ter uma referncia perptua nas experincias pedaggicas que eles prprios podem pessoalmente realizar.Henri Wallon 12. 12Introduo Que coisa o livro? Que contm na sua frgil arquitetura aparente? So palavras, apenas, ou a nua exposio de uma alma confidente? De que lenho brotou? Que nobre instinto da prensa fez surgir esta obra de arte que vive junto a ns, sente o que sinto e vai clareando o mundo em toda parte? (DRUMMOND DE ANDRADE, C., 1973, p. 586) 13. 13O objetivo deste estudo compreender a constituio e atuao do professor que trabalha com literatura infantojuvenil. Para esclarecer a escolha do problema de pesquisa, ser relatado um pouco de minha prpria histria de vida, pois o trajeto percorrido est intrinsecamente ligado minha formao acadmica e atuao profissional. Foi na infncia que comeou o meu interesse pela literatura. Recordo-me do quanto eu gostava de ouvir as histrias contadas pela minha me. Ao final, eu pedia mais... Ao relembrar, percebo claramente o quanto de carinho havia naquele gesto, sua voz transmitia segurana, companheirismo e ateno. Mesmo depois de um dia atribulado, ela sempre arrumava tempo para esse momento. Outra lembrana que me vem memria do contato com os livros paradidticos, aos dez anos de idade, quando cursava a 4 srie. Eu estudava em uma escola pblica, no interior de So Paulo, e a professora nos levou at a biblioteca; recordo-me que fiquei parada, sem reao, por alguns minutos, at que ela nos mostrou onde ficavam os livros que poderamos pegar e nos informou que quem quisesse poderia tom-los emprestado. O fato de saber que eu poderia levar a obra para a casa e ficar mais tempo com ela, animou-me muito, porque at essa poca s tinha tido contato com contos de fadas e livros curtos. A partir daquele momento, comecei a ler obras infantojuvenis, e, logo em seguida, fiquei scia da biblioteca pblica do municpio passando a ler cada vez mais. Ao recordar esse episdio, veio minha memria um outro, que me fez refletir sobre algo que no havia pensado anteriormente. Essa professora que nos levou at a biblioteca foi a mesma que me desmotivou a ler livros de Monteiro Lobato. Desde os cinco anos eu assistia na televiso a srie do Stio do Pica-pau Amarelo. Saa da escola de educao infantil correndo frente do meu av, tudo porque no queria perder nem um pedao da histria... Quando vi que na lista de material da quarta srie constavam quatro ttulos do autor, fiquei muito animada. A professora nos informou que avisaria quando deveramos comear a leitura, porm esse dia nunca chegou. Iniciei a leitura de Reinaes de Narizinho no dia em que ela disse que quem quisesse poderia comear. No sei o que aconteceu exatamente, no entanto, no consegui ler mais do que vinte pginas; os outros exemplares nem cheguei a ler. O interessante que s li Reinaes de Narizinho depois que me tornei professora e, pensando sobre isso, acredito que no fui motivada, pois eu lia 14. 14rapidamente outras obras. Hoje reflito o quanto importante o compromisso do professor quando solicita, por exemplo, a compra de um livro. Deve dar condies para que os alunos leiam com interesse e de forma significativa a fim de contribuir para que reflitam sobre a obra e conheam melhor o autor. o que procuro fazer hoje como professora. Ainda falando sobre a influncia dos livros na infncia, lembro-me que uma das minhas tias era professora e me dava alguns exemplares de presente. Ela e alguns poucos, mas significativos, professores contriburam para que eu me tornasse uma apaixonada pela literatura. Uma das cenas de que me recordo com carinho foi quando um professor de ingls nos props o desafio de encenar a pea Romeu e Julieta, na oitava srie; adorei a experincia. Apresentamos somente para a nossa turma, mas aquele momento foi muito especial para mim; o compromisso em decorar as falas e o cuidado em escolher o figurino foram experincias inesquecveis, afinal, foi a minha primeira apresentao na escola. O interessante que, hoje, fao parte da equipe desse ex-professor de ingls, atualmente coordenador pedaggico do colgio em que trabalho, e percebo claramente que at hoje ele um modelo para mim, pois eu o admirava como professor e hoje o admiro como coordenador. Devo reconhecer que ainda me aperfeioo e melhoro a cada dia, como professora, no entanto, algo que contribuiu para que esse avano fosse intenso o fato de saber que posso contar com ele, pois percebo claramente que sou respeitada como pessoa e como profissional, algo que nunca tinha sentido antes. Afinal j havia trabalhado em outras trs escolas e trs emissoras de tev e no tenho boas recordaes da maioria dos gestores. Na minha infncia, recordo-me que havia duas profisses que me fascinavam: professor e reprter. Quando conclu o ensino fundamental, resolvi fazer magistrio, pois me identificava muito com a docncia. Nessa poca, eu era catequista em uma comunidade perto da minha casa, funo que comecei a exercer aos treze anos, voluntariamente, e que me motivou a tornar-me professora. No primeiro ano de magistrio, tive uma experincia ruim: trabalhei um ms como estagiria em uma escola pequena de educao infantil, s que no tive apoio da direo e resolvi sair. Fiquei muito frustrada, pois percebia que naquele lugar no havia respeito com os profissionais. Um dos alunos me chutava e a diretora no se importava com isso e eu no conseguia administrar aquela situao, talvez por imaturidade ou por falta de 15. 15experincia. Recordo-me o quanto fiquei magoada, pois no aceitava a minha falta de habilidade e ficava pensando sobre o episdio. Comparando a experincia nessa escola com os encontros com os catequizandos, percebia o quanto eu era dedicada, habilidosa e o quanto me respeitavam. Como precisava trabalhar para me manter, j que meu pai sempre reclamava por ter que pagar as minhas despesas bsicas, acabei me tornando estagiria em outras funes. O interessante que mesmo sem conhecer a teoria de Wallon1, que escolhi para referencial terico desta pesquisa, eu j levava em considerao muito do que este autor defende, ou seja, tal teoria veio ao encontro de tudo aquilo que acredito como profissional e como pessoa. Sempre respeitei o aluno e o considerei como um ser integral, pois acredito que a afetividade influencia no aprendizado, seja de forma positiva ou negativa. Ao recordar-me da poca que fazia estgio, vem minha mente a atitude de uma professora que me incomodava muito, pois ela gritava com os alunos e, certa vez, ela repetiu vrias vezes para um deles voc um burro. Tal cena demonstra o quanto essa professora desconsiderava a dimenso afetiva e quanto desrespeitava aquele estudante. Isso deixou marcas em mim. Quando cursava o ltimo ano do magistrio, em 1996, voltei para a rea da educao, algo que no imaginava que fosse acontecer. Consegui o to sonhado emprego, fui trabalhar em um colgio grande como auxiliar de classe. Na poca, trabalhava com alunos do antigo pr II e considero que foi uma experincia maravilhosa, at hoje me lembro daquelas carinhas lindas. Nesse perodo, encontrei-me como pessoa e como profissional, estava motivada, muito feliz e sonhava em conquistar um emprego como docente naquela instituio. No fim daquele ano, eu e outras colegas (auxiliares) recebemos a proposta da coordenadora para preparar uma aula e recebemos a informao de que assim que houvesse uma vaga, ela iria analisar o currculo e verificar a possibilidade de contratar uma de ns. Fiquei muito ansiosa, porm nunca tive um retorno, nem sei se uma daquelas auxiliares foi realmente contratada. Levei currculos a diversas escolas, mas no obtive resposta positiva. Em determinado momento, percebi que no havia boas expectativas para seguir em educao, e estava com muito medo de no conseguir trabalho na rea, j que as respostas que recebia eram negativas ou, quando positivas, tratavam-se de subempregos nos quais receberia mensalmente 1A teoria do autor ser analisada no captulo 3 quando abordaremos o referencial terico. 16. 16um valor menor do que um salrio mnimo. Isso era invivel para quem precisava de dinheiro para pagar o curso superior, uma vez que meus pais no iriam me ajudar; minha me incentivava-me a fazer uma graduao, mas no podia me auxiliar financeiramente e o meu pai nem se preocupava em contribuir para que eu tivesse uma vida melhor futuramente. Mais uma vez fui surpreendida pelo destino, pois no tive escolha e acabei trabalhando temporariamente como telefonista e recepcionista de um laboratrio. Ento juntei certa quantia de dinheiro e prestei vestibular para Comunicao Social com habilitao em jornalismo, retomando um dos meus sonhos de infncia: trabalhar como reprter e, para a minha alegria, no primeiro ano da graduao, consegui emprego em um banco, o que me proporcionou maior tranquilidade financeira. Mesmo fazendo Comunicao, eu sentia vontade de dar aula, queria fazer Letras e exercer as duas profisses. Quando me formei, fui trabalhar como reprter em uma tev no sul de Minas Gerais. Acabei prestando vestibular para pedagogia em uma universidade pblica, porm como no havia me preparado, no passei. Depois de um ano voltei para a minha cidade natal e resolvi fazer especializao. Nesse perodo, tinha a inteno de dar aula no ensino superior, e no descartara a possibilidade de fazer Letras, no entanto a maioria das pessoas com quem eu tinha contato me desencorajava, dizia que eu deveria fazer mestrado, s que naquela poca era impossvel fazer um curso stricto sensu, j que eu trabalhava em uma emissora de televiso como reprter. Por ser uma empresa pequena (afiliada) havia apenas uma equipe e, depois de um tempo, duas para fazer reportagens no municpio e na regio, ento conclu que jamais me liberariam alguns dias para estudar. Apesar do conflito interno, fao ou no outro curso superior, resolvi fazer licenciatura em Letras (Portugus-Ingls) e hoje considero que foi a melhor coisa que fiz, pois no fim de 2009, deixei o jornalismo e retornei docncia. Em 2008 comecei a dar aula para alunos do ensino mdio, em um colgio particular e, em 2009, numa faculdade, funes que eu conciliava com a tev, porm chegou um momento em que mudei de empresa e para exercer a funo de reprter teria que mudar de cidade. Resolvi, ento, permanecer somente com o magistrio, assim continuaria trabalhando na faculdade e no colgio, e poderia cursar o mestrado, algo que aspirava h algum tempo. Em 2010, comecei a trabalhar no colgio em que estou atualmente, que fica no interior de So Paulo. Nessa escola, dou aula de Lngua Portuguesa para o 5 17. 17ano (Fundamental 1) e 6 e 7 anos (Fundamental 2) e foi por meio dessa vivncia que percebi o quanto a minha atuao, em diferentes momentos, assemelhava-se com a atuao de alguns daqueles com os quais convivi durante a vida, professores e minhas trs tios professores. Observei tambm que as decises que tomava revelavam a influncia dessas pessoas sobre mim em diversos aspectos; um dos exemplos o retorno docncia, aps quatorze anos. Hoje, sinto-me realizada profissionalmente, pois tenho muito prazer em trabalhar com as crianas, principalmente quando o assunto literatura. Percebo, claramente, que esses alunos contribuem para a minha constituio e, como consequncia, fazem com que repense e melhore a minha prtica. Um dos momentos mais significativos que reforam a tese de que eu estava no caminho certo deste estudo, foi quando uma menina do 5 ano fez um comentrio sobre a obra O Minotauro, de Monteiro Lobato. Fizemos um crculo para conversarmos sobre o livro (como de costume aps a leitura de uma obra) e ela disse que a parte da qual mais havia gostado fora o captulo Labirinto de Creta e comentou que chorou quando leu a parte em que Emlia, Visconde e Pedrinho encontraram tia Nastcia que estava desaparecida. Foi nesse momento que a me da menina entrou no quarto e ficou surpresa em ver a filha chorando, ento elas conversaram sobre o que havia ocorrido. Por esse relato, podemos dizer o quanto a literatura afeta o leitor, ou seja, o autor tambm um outro significativo para quem l as suas obras. Concluise que no possvel dissociar qualquer um dos conjuntos funcionais2, pois nesse caso os alunos estavam lendo um livro em que Monteiro Lobato transporta as personagens do Stio do Pica-pau Amarelo para a Grcia Antiga, o que possibilita ao estudante o conhecimento da mitologia, ao mesmo tempo em que o afetivo est presente. Nessa mesma aula, enquanto eu conversava com os alunos do 5 ano, um menino do 6 ano aproximou-se, ficou ouvindo por alguns minutos, colocou a mo no meu ombro, deu um beijo no meu rosto e saiu. Relato esses fatos, porque ao receber essa demonstrao de carinho mais uma vez pensei no relacionamento entre professor e aluno, pois acredito que possvel manter uma relao prazerosa e produtiva, levando em considerao o afetivo, o motor e o cognitivo. 2Conjuntos funcionais so: afetivo, motor, cognitivo (ou conhecimento) e pessoa. Posteriormente sero mencionados com mais detalhes. 18. 18O trabalho ora apresentado parte do pressuposto de que os outros (alunos, ex-professores, tios, pais...) contribuem para a atuao e constituio do professor que trabalha com literatura infantojuvenil no ensino bsico. As questes afetivas so priorizadas nesta pesquisa, pois acredito que o afetivo indispensvel para dar direes e energizar o cognitivo e o motor e que a literatura, principalmente a infantojuvenil, tem na afetividade sua principal dimenso, inclusive de forma vicariante (re-presentar, interiorizar os afetos presentes na narrativa). Ao priorizar o professor, optei pela teoria de desenvolvimento de Henri Wallon por consider-la mais adequada para dar suporte terico na compreenso do problema aqui levantado. A teoria walloniana tem como ponto principal a integrao dos conjuntos funcionais (afetividade, cognio, motricidade e pessoa) e a integrao organismomeio. Assim ela possibilita o entendimento do indivduo em sua totalidade, compreendendo-o, no apenas do ponto de vista de um dos conjuntos, mas sim por meio da integrao constante entre eles, que resulta em uma pessoa nica. O estudo de Wallon valoriza tambm o ambiente no qual o indivduo est inserido, pois ambos influenciam-se de maneira recproca, sendo esse elemento igualmente importante no seu processo de desenvolvimento (MAHONEY e ALMEIDA, 2007) Wallon pode oferecer subsdios para a compreenso das informaes da minha pesquisa, porque percebo que, ao ler os livros de aventura ou os clssicos universais adaptados ou at mesmo conversar sobre a obra literria, possvel observar nas crianas essa integrao, pois se for algo interessante, elas se envolvem. Na convivncia com os alunos, podemos ver claramente o quanto a leitura resulta em conhecimento e o quanto a manifestao dos sentimentos visvel por meio de um sorriso, pelo envolvimento ou por comentrios. Para atender aos objetivos desta pesquisa, recorremos a outros tericos como Coelho (1973, 2000 e 2006), Lajolo (2008), Lajolo e Zilberman (1999), Zilberman (1993 e 2003) e Cereja (2004 e 2005). Procurando compreender como se constitui o professor de literatura infantojuvenil, creio que seja possvel identificar as necessidades desse profissional no que se refere formao continuada. 19. 19Alguns estudos recentes, Coelho (2000), Lajolo (2008), Zilberman (1993 e 2003) e Cereja (2004 e 2005), entre outros, tm reforado o que se discute, j h algum tempo, sobre a importncia de refletir a literatura e repensar a forma de ensin-la. Este trabalho est estruturado da seguinte maneira: Captulo 1 Procedimento Metodolgico. Nesta parte, so apresentadas as escolhas feitas para a produo de informaes, os participantes da pesquisa, os passos seguidos para a realizao da entrevista e o procedimento para a anlise das informaes. Captulo 2 Reviso da literatura. Primeiramente, h um breve histrico da literatura infantil e juvenil no Brasil. Em seguida, apresento o que as obras revelam sobre a literatura na escola. A nfase dada aos trabalhos que forneceram embasamento para a elaborao do projeto de pesquisa. Nesse captulo, ser mostrado tambm o que a literatura revela sobre o que seria um bom professor, ou seja, o que foi constatado at agora sobre o comprometimento dos profissionais e como seria a forma adequada ou sugerida por especialistas da rea para se trabalhar literatura infantojuvenil. Captulo 3 Referencial terico. Neste momento, trago alguns pontos da teoria de desenvolvimento de Henri Wallon, os quais fundamentam a anlise, tais como: a integrao organismo-meio, integrao entre os conjuntos funcionais e o papel do outro. Captulo 4. Anlise e discusso. Apresenta a anlise da entrevista de uma professora luz da teoria walloniana, dividida em eixos temticos, tendo em vista o objetivo deste estudo que consiste em observar o quanto o outro e est presente na atuao do professor que trabalha com literatura infantojuvenil e o quanto a influenciam essas relaes. 20. 201 Procedimento metodolgico. Retomando a origem do problema para apresentar o delineamento da pesquisa Compreender como se d o desenvolvimento das funes do domnio do conhecimento e o papel do movimento e da afetividade para sabermos canaliz-las a favor do processo de aprendizagem essencial para o desenvolvimento da atividade docente. (PRANDINI In MAHONEY E ALMEIDA, 2004, p. 45) 21. 21Como j referido, o interesse pelo tema parte da minha atuao como professora de literatura infantojuvenil em classes do 5 e 6 anos do Ensino Fundamental I e II. Na prtica docente, como professora de Lngua Portuguesa, pude perceber o quanto o assunto interessa por ser algo ldico e tambm por fazer com que os alunos reflitam sobre a sociedade em que vivem, principalmente aps a interveno do professor. A leitura de obras direcionadas a esse pblico faz com que as crianas reflitam sobre as mais diversas questes sociais e psicolgicas, assim sendo, contribui para que percebam as aflies, as limitaes e os desejos das personagens e faam uma relao com as suas vivncias. Desde que comecei a lecionar em um colgio particular no interior de So Paulo, propus para as turmas que as aulas de leitura e os momentos de conversa sobre o livro fossem no quiosque da escola, j que havia essa abertura por parte da direo e da coordenao. Aps a leitura das obras, nos reunimos em crculo, um momento para dialogarmos e fazermos relaes com as nossas experincias de vida em sociedade. Percebo que o dia da conversa um dos momentos mais esperados pelos grupos, principalmente pelos alunos do fundamental II, uma vez que situaes como essa so novidade para eles. Fao esse comentrio porque percebo que a partir do 6 ano existe uma tendncia, por parte da maioria dos professores, de trat-los como estudantes responsveis, assim sendo eles precisam se organizar e cumprir todas as tarefas pelo fato de terem aula com docentes especialistas. As aulas desafiadoras e motivadoras so praticamente extintas pelo fato de no serem vistas como algo to proveitoso perante o contedo que deve ser repassado durante o ano letivo. Tenho a impresso de que essas crianas, que gostam de ser chamadas de pr-adolescentes, sentem falta do ldico que tanto foi incentivado e incutido nas sries iniciais do ensino fundamental e que, com o passar do tempo, deixou de ter importncia no contexto escolar. Nessa conversa, todos tm oportunidade de falar, destacar uma parte da histria ou dizer o que mais gostaram e eu, como professora, fao algumas perguntas para o grupo sobre a obra de uma maneira bem descontrada, j que o espao proporciona essa interao. Ao fazer essas questes, proponho para a classe algumas reflexes sobre a sociedade em que vivemos e percebo que essa atividade proporciona um melhor entendimento da histria, o que os atrai, porque percebem algo realmente significativo. 22. 22A partir dessa vivncia, surgiram-me muitas indagaes no que tange questo da formao continuada e da atuao do docente.A interao entreprofessor e aluno influencia a prtica do docente que trabalha com literatura infantojuvenil? Os ensinamentos passados nos cursos de licenciatura so suficientes para a realizao desse trabalho? De que maneira os sentimentos do professor interferem na atuao? Compreender os sentimentos dos professores de literatura seria importante para refletir sobre o papel da escola quanto formao crtica do leitor literrio? Como se d a constituio desse professor? Como o movimento dessa constituio interfere em sua atuao? No presente estudo no pretendo responder a todas essas perguntas, particularmente, porm foi a partir da reflexo sobre elas que cheguei delimitao central do problema desta pesquisa. Desse modo, ao longo deste trabalho pretendo responder s seguintes questes: Como se d a constituio do professor que trabalha com a literatura infantojuvenil? Como o outro (alunos, ex-professores, professores, famlias) contribui nesse para essa constituio? Como o outro - a obra literria - entra nesse processo? A teoria walloniana oferece recursos para compreender como esse profissional se constitui nessa interao com os alunos, pois o professor afeta seus alunos e por eles afetado. Por esse motivo, o professor deve ser um observador atento de seus alunos; levar em considerao o que comentam, como se expressam, como se manifestam, pois essa atitude pode contribuir para que melhore a sua atuao em classe. Dessa maneira, possvel dizer que o conhecimento no vem somente dos cursos realizados e dos livros lidos, mas tambm resulta da reflexo sobre a prpria prtica.Ser professor na proposta de Henri Wallon implica tambm estar atento para uma observao: A formao psicolgica dos professores no pode ficar limitada aos livros. Deve ter uma referncia perptua nas experincias pedaggicas que eles prprios podem pessoalmente realizar. (ALMEIDA, 2004, p. 138)Almeida argumenta que para que o aluno adquira conhecimento, o professor precisa atuar como um mediador e, por isso, podemos dizer que o docente um 23. 23profissional das relaes e a sala de aula uma oficina de convivncia. A autora destaca a importncia de o professor refletir sobre suas vivncias e experiment-las no contato com os alunos, estabelecendo relaes entre teoria e prtica. Apesar da importncia da busca pelo conhecimento, a formao psicolgica dos profissionais da educao no pode ficar limitada aos livros. O professor deve conhecer as teorias de desenvolvimento, de aprendizagem, de personalidade, mas, alm disso, precisa posicionar-se como um investigador do ser em desenvolvimento e de sua prtica pedaggica. Dessa forma, o conhecimento que adquire na prtica volta para enriquecer as teorias. Resumidamente, pode-se afirmar que psicologia e pedagogia, em suas relaes, beneficiam-se mutuamente. (ALMEIDA, 2009) Diante da afirmao acima, podemos refletir o quanto a avaliao da prtica importante para a constituio da pessoa do professor. A literatura infantojuvenil pode contribuir para enriquecer essa prtica, cabendo ressaltar a importncia do papel do docente. Almeida (2009) destaca que na relao professor-aluno, o professor quem acaba selecionando entre os saberes e os materiais de uma cultura disponveis em um determinado momento, acrescenta que esse profissional que tornar (ou no) esses saberes efetivamente transmissveis, assim pode-se afirmar que ele que faz a aproximao do aluno com a cultura de sua poca. O docente comprometido trabalha a literatura infantojuvenil de forma intencional, ou seja, ele define objetivos, prepara aulas, busca novas estratgias e ouve os seus alunos. A forma como se ensina literatura pode variar, destacando que importante interagir com os alunos, mas observa-se, nas escolas, que muitos professores exigem a leitura por parte das crianas ou adolescentes para que esse conhecimento seja devolvido em avaliaes, ou seja, no proporciona uma reflexo sobre aquele livro e muito menos prope questes para debate. Por ser um mtodo conteudista, acreditamos que essa prtica impede que o aluno se desenvolva e conhea mais sobre a sua sociedade. Acredito que ao serem trabalhadas, adequadamente, as obras literrias ampliam o conhecimento dos alunos e contribuem para que se estreite o vnculo professor-aluno no ensino fundamental. Em minha prtica docente, observei que ao interagir com a classe, os alunos se dedicavam ainda mais durante as tarefas e a literatura se tornava mais atrativa e reflexiva para o grupo. 24. 24Ao iniciar o mestrado percebi que a teoria de Henri Wallon poderia me ajudar nessa discusso, j que ele defende a integrao entre os conjuntos funcionais (cognitivo, motor e afetivo). Tais dimenses esto vinculadas entre si, embora estejam em constante movimento; a cada configurao resultante, temos uma totalidade responsvel pelos comportamentos daquela pessoa, naquele momento, naquelas circunstncias (MAHONEY, 2003, p.12). 1.1 Objetivo do Estudo Este estudo prope-se a investigar como ocorre a constituio do professor e qual o papel do outro nesse processo e, para isso, utiliza a narrativa autobiogrfica. Dessa maneira busca analisar, sob a perspectiva walloniana, a trajetria desse profissional, os avanos, os retrocessos, suas inspiraes e modelos, fracassos e sucessos, na expectativa de poder contribuir para a melhoria da prtica de professores que trabalham com literatura infantojuvenil. A autobiografia est inserida num contexto de formao de adultos, e por meio dos relatos de suas experincias que o participante da pesquisa traa o seu itinerrio, ao que permite compreender de forma clara as suas escolhas e planejar o que ir fazer com mais autonomia, seja em sua vida profissional ou pessoal. Nesse sentido, pode-se afirmar que pensar sobre sua prpria trajetria contribui para a formao do professor, pois por meio da narrativa que ele pode se reapropriar de sua experincia de formao e se constituir como sujeito de sua prpria histria. Trata-se de utilizar a instncia do discurso atravs do qual o indivduo pode introduzir a sua experincia, e depois, atravs da anlise, de nos colocarmos com ele no lugar de intrprete, para sublinharmos o distanciamento do texto em relao experincia (no pode introduzir-se toda a experincia da formao numa narrativa), a natureza essencialmente comunicacional da lngua e, por fim, o sentido da transformao principal pressuposta em toda a experincia de formao (CHEN, 1988, p. 90)Neste estudo, optou-se pela autobiografia oral por entender que a experincia de falar sobre si prprio produz uma narrativa sem uma perspectiva de linearidade 25. 25histrica, de montagem de um quebra-cabea em que tempo histrico, social e cultural so invocados e impregnados na singularidade da vida do sujeito que conta o que lhe ocorreu. Quando entendida e desenvolvida como uma conversa, sem amarras, possvel fazer uma relao com estudos do imaginrio e da histria de vida, que privilegiam abordagens que retratam a dimenso simblica das histrias da profisso docente. O contato entre entrevistador e entrevistado permite perceber o quanto esse instrumento rico por possibilitar o acesso aos processos psquicos, que nos interessam como pesquisadores da psicologia da educao, que so: sentimentos, emoes e cognies. Almeida (2012) afirma que afetar e ser afetado vale tanto para o entrevistado como para o entrevistador.Tm eles diferentes histricos em seu percurso de vida e chegam situao de entrevista com diferentes perspectivas. natural, pois, que no transcorrer da entrevista circulem emoes e sentimentos. At porque, como todo encontro interpessoal, acontece um embate de subjetividades. (p. 19)Cabe ressaltar que o termo grego autobiographia, palavra composta por auto: prprio; bios: vida e graphein: escrita. No dicionrio, o termo quer dizer a vida de um indivduo escrita por ele mesmo. No dicionrio de termos literrios, Massaud Moiss (2002) define a autobiografia como um relato objetivo e completo de uma existncia, tendo ela prpria como centro, porm sabemos que o sentido mais completo do que podemos imaginar, j que se trata de um individuo nico. Esse gnero que at pouco tempo era restrito literatura, hoje tem contribudo em diversas reas, principalmente na educao.Este sentido determina claramente sua gnese, porm no a especifica como espcie unicamente literria. Ao contrrio, amplia a sua possibilidade de existncia nas mais variadas reas de conhecimento: da antropologia sociologia, da psicanlise filosofia (RODRIGUES, 2007, p.19).O mtodo (auto) biogrfico relaciona-se de forma expressiva com a concepo de histrias de vida, defendem Pineau e Ferrarotti (1988). Segundo Pineau, a histria de vida um mtodo de investigao-ao que procura estimular 26. 26a autoformao, na medida em que o esforo pessoal de explicitao de uma dada trajetria de vida obriga a uma grande implicao e contribui para uma tomada de conscincia individual e colectiva (apud NVOA, 1988). Desse modo, o caminho percorrido por um indivduo pode servir de referncia ou reflexo para outros, ou seja, a unio do mais pessoal com o mais universal, segundo NVOA e FINGER (1988, p.14). H, porm, estudiosos que apresentam diferenciao entre a narrativa autobiogrfica e a histria de vida feita especificamente para uma determinada pesquisa; Josso (2004, p.31) ressalta: Notar esta diferena salientar que as histrias de vida postas ao servio de um projeto so necessariamente adaptadas perspectiva definida pelo projeto no qual elas se inserem, enquanto que as histrias de vida, no verdadeiro sentido do termo, abarcam a globalidade da vida em todos os seus aspectos, em todas as suas dimenses passadas, presentes e futuras e na sua dinmica prpria.Independentemente da terminologia, esta perspectiva de investigao manifesta uma possibilidade de recorrer memria que, por meio da narrativa, articula a subjetividade, as escolhas feitas pelo indivduo e tambm os processos de desenvolvimento da pessoa (professor). Pereira (2000) aponta a memria como uma contribuio para se compreender os processos de formao do docente (em tempos e espaos distintos) ou de como as pessoas se tornaram os professores que so hoje. Perante questionamentos como esses, trabalhar com a memria tem sido um exerccio de implicar-se tambm, o que possibilita que o sujeito revisite as imagens, as representaes construdas por quem pesquisa conjuntamente com quem est sendo pesquisado. Cabe ressaltar que a memria um suporte importante na reconstruo das experincias vividas e, no caso de profissionais da educao, pode se tornar alicerce de uma formao contnua. Segundo Placco e Souza (2006) revisitar a memriatrazconhecimento.oportunidadesparanovasinterpretaeseconstruodo 27. 27Os processos de formao do indivduo ocorrem em lugares/tempos diferentes, tendo a memria um trabalho essencial na reconstruo dos referenciais que se configuram na narrativa autobiogrfica que pode ser caracterizada por narrativa de formao, j que possibilita mudanas significativas no sujeito a partir do contato consigo mesmo. Nessa perspectiva, as histrias da infncia e dos processos de escolarizao so revisitados na tentativa de buscar as referncias construdas, nas quais h recursos experienciais e representaes sobre escolhas, influncias, modelos, preferncias e estilos, o que possibilita a reflexo sobre quem esse professor hoje, algo que o singulariza como pessoa (OLIVEIRA, 2006). Revisitar o passado e reconstruir essas imagens com a perspectiva de problematizao pode ser algo muito significativo. O reconhecimento da potencialidade educativa da autobiografia apoia-se na tentativa de propor uma reflexo favorecida pela reconstituio da histria individual de relaes e experincias (com o conhecimento, a leitura, a escrita e a escola), as quais permitem reinterpretaes frteis do prprio sujeito, dos processos e prticas de ensinar. Michel Pollark (apud CATANI, 1997) defende que as histrias de vida nas cincias sociais servem de instrumentos de reconstruo da identidade e no apenas como relatos factuais e comenta tambm que a narrao ordena acontecimentos que balizaram uma existncia e que ao contar a vida, de uma forma geral, o indivduo tenta estabelecer certa coerncia por meio de laos lgicos entre acontecimentossignificativoscomcontinuidade,resultantedaordenaocronolgica.1.2 O percurso metodolgico. Caracterizao da escola e da professora selecionada A pesquisa foi realizada em uma escola particular, mais especificamente uma instituio religiosa, localizada na Zona Sul da cidade de So Paulo (SP), com 1300 alunos e 103 professores. A escola atende alunos da classe mdia alta; sendo que a maioria deles mora na regio. 28. 28A entrevistada foi uma professora do 5 ano do Ensino Fundamental I, formada em Pedagogia e Histria, com especializao em Psicopedagogia, tendo anteriormente cursado magistrio (nvel tcnico). Ela foi indicada pela direo do colgio por realizar um trabalho muito significativo de literatura infantojuvenil. A entrevista foi gravada, transcrita e posteriormente analisada. A entrevista foi agendada por intermdio de uma colega que trabalha nessa instituio e foi realizada na prpria escola, numa tera-feira no perodo da manh. Sentamos uma ao lado da outra, em um banco na capela do colgio, pois esse era um dos lugares mais tranquilos naquele perodo. Foi nessa ocasio que nos conhecemos pessoalmente Num primeiro momento percebi que a professora estava ansiosa e receosa, inclusive ela verbalizou que considerava a entrevista uma situao delicada e no saberia se iria ajudar muito, porm, no decorrer da conversa, percebi que ficou mais tranquila e me senti numa situao confortvel, pois a professora demonstrou que estava disposta a contribuir e compartilhar a sua histria de vida comigo. Antes de iniciar a entrevista acordamos que seria gravada, pois esse procedimento iria permitir uma anlise mais rigorosa e fiel, e combinamos tambm que ela no seria identificada, por esse motivo usaria nomes fictcios para referir-me a ela e aos outros professores. Dei a ela o nome de Marta. Ao concluir a entrevista, ouvi repetidas vezes a gravao e fiz a transcrio cuidadosa para evitar equvocos. Efetuei vrias leituras do material transcrito para iniciar a anlise, apreendendo os dados mais importantes, aqueles que pudessem contribuir mais com a pesquisa. Durante a anlise das falas fui identificando trechos distinguveis das mesmas em relao ao problema de pesquisa e, junto com minha orientadora, formatei toda a entrevista em duas colunas, de tal forma que na coluna da esquerda ficasse o contedo da narrativa e na da direita as ideias mais relevantes em relao a cada trecho delimitado. Assim como Henri Wallon define o psiquismo humano como uma unidade que resulta de diferentes domnios funcionais, esta pesquisa entende que no possvel fazer uma ruptura entre os aspectos pessoais e profissionais de uma pessoa, neste caso especfico, do professor que trabalha com literatura infantil ou juvenil. Por mais 29. 29que se admita a existncia dos dois aspectos, tambm reconhece que suas manifestaes acontecem de forma articulada. Desse modo, a atuao profissional do professor no isolada do mbito pessoal e, para que seja possvel o entendimento da primeira, torna-se fundamental incluir o estudo da segunda. 30. 302 Reviso de literatura Uma histria no mais que um gro de trigo. ao ouvinte, ao leitor que compete faz-lo germinar. Se no germina, questo de falta de ar, de sol, de liberdade, de solido. (Don, In SILVA, 1998, p. 69) 31. 312.1 A Literatura Infantojuvenil no Brasil: breve histrico As primeiras formas de literatura infantil eram confundidas com aquelas que eram direcionadas aos adultos e cabe salientar que foram trazidas ao Brasil pelos primeiros colonizadores portugueses. Essas obras eram compostas por narrativas orais transmitidas pelo povo e pelas cortes europeias, cujas origens precisas so desconhecidas, porm essas narrativas so muito antigas e, inclusive, h registro sobre elas nas primeiras tribos humanas. A origem da literatura infantojuvenil se confunde com o princpio da prpria narrativa, assim pode-se dizer que contar histrias to antigo quanto o prprio homem. Porm, h informaes sobre o nascimento da literatura infantil especificamente associada aos contos de fadas.Os estudos histricos anglo-saxes so os que mais aprofundaram a relao entre os contos de fadas e o nascimento da literatura infantil. Na verdade, a Gr-Bretanha o nico lugar onde os estudos gerais de histria literria foram um referencial importante no momento de abordar a reflexo sobre o nascimento e o desenvolvimento dos livros infantis, posto que conta com uma rica discusso a respeito, desde os estudos literrios do sculo XIX, com a interveno de nomes to relevantes quanto Coleridge, Dickens, Tolkien, Chesterton ou Stevenson. (COLOMER, 2003, p. 56)Na maioria das vezes, essas histrias vinculadas ao mtico ou ao sagrado ganham carter profano e, aps a inveno da escrita3, comeam a ser registradas. Na antiguidade grega, j havia uma quantidade relativa de registros de escrituras literrias, como: as epopeias, a poesia lrica e o teatro. Nesse perodo, surge Esopo, um grande fabulista que viveu provavelmente no sculo 6 a.C. De acordo com a lenda, ele foi um escravo que, aps ser libertado, reuniu contos populares da sia, Egito e Grcia, j que as fbulas existiam na Grcia e no Oriente desde a mais remota antiguidade (LAJOLO, 1999). Vale ressaltar que essas fbulas foram escritas somente duzentos anos depois e renem cerca de trezentas histrias, como A raposa e as uvas, A galinha e a pomba, A galinha dos ovos de ouro, O leo e o rato, e A guia e a coruja.3Estima-se que a escrita foi inventada nos anos 4000 a 3500 a.C pelos sumrios. 32. 32As personagens principais das fbulas geralmente so animais e nessas narrativas h sempre um ensinamento, ou seja, a moral da histria. Os bichos falam, so bons ou maus, sbios ou tolos, cometem erros, se assemelham com os homens, porque a inteno do fabulista era mostrar como o ser humano poderia agir. Por isso, as fbulas (embora no fossem um gnero exclusivamente infantil) tinham a funo de educar, corrigir e zelar pela formao das crianas, conforme os padres da sociedade da poca (LAJOLO, 1999). Essa funo era tambm atribuda aos contos maravilhosos ou contos de fadas, largamente difundidos na literatura popular de pases europeus nos sculos XVII e XVIII. Quando se busca investigar a origem da conhecida Literatura Infantil deve-se atentar que o seu incio foi no final do sculo XVII e se estendeu pelo sculo XVIII, j que havia a influncia dos contos de fadas4. As histrias populares, principalmente aquelas nas quais se destacavam atitudes exemplares e moralizantes, tiveram influncia da ao catequizadora dos jesutas at 1759 (poca do Brasil Colnia). O cenrio social e poltico da poca contribuiu para o surgimento da literatura infantil, entre esses acontecimentos esto: o crescimento e diversificao da populao que morava na rea urbana, a incorporao progressiva dos imigrantes, a complexidade da estrutura administrativa e a extino do trabalho escravo. Nesse perodo, alm dos livros infantis, os escolares eram fortalecidos pelas diversas campanhas de alfabetizao lideradas por intelectuais, polticos e educadores. Por outro lado, a literatura direcionada aos adultos era criticada, pois as pessoas esperavam que o escritor assumisse novas funes perante os comentrios de modernizao. Naquele momento, a inteno era criar e divulgar o discurso, os smbolos e as metforas da nova imagem do Brasil e destacar o compromisso com a modernizao, segundo Zilberman e Lajolo (1999). preciso ressaltar que at esse perodo no havia literatura infantil no pas, ento tudo que ocorria no exterior poderia repercutir no Brasil. A existncia de uma4Nesse perodo, os contos de fadas tinham sido adaptados para atender educao dascrianas. Esses textos tinham o objetivo de transmitir valores morais e os bons sentimentos descritos em histrias e vidas hericas e exemplares. 33. 33rede de bibliotecas pblicas na regio anglo-saxnica permitiu que surgisse uma categoria socioprofissional caracterizada por uma formao cultural e pelo contato direto com os destinatrios da literatura infantil e juvenil. As mulheres cultas contriburam na formao da literatura direcionada s crianas daquele pas. A preocupaocom aleituraresultounafundaodebibliotecasinfantisexperimentais, na criao de instrumentos de animao de leitura e na produo de uma importante reflexo sobre os critrios de seleo das obras, de acordo com Colomer (2003). No sculo XVIII, so publicadas no mercado livreiro, as primeiras obras direcionadas ao pblico infantil: alm dos contos de fadas de Perrault, algumas adaptaes de romances de aventuras, como Robinson Cruso, de Daniel Defoe (1719) e Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift (1726). Isso ocorre em sociedades agora burguesas e industrializadas devido ao novo status da criana, qual atribuda uma viso caracterizada pela fragilidade e pela dependncia e qual so direcionados objetos industrializados (brinquedos), culturais (o livro) e cientficos (pediatria, pedagogia). Enquanto a literatura infantil europeia iniciou-se em 1697 com a publicao de Contos da Mame Gansa, de Charles Perrault, no Brasil a literatura nasceu bem depois, somente no final do sculo XIX, quase no sculo XX. Antes das ltimas dcadas dos anos oitocentos, a circulao de livros infantis era precria e irregular, a representao era feita pelas edies de Portugal, conforme afirmam Zilberman e Lajolo (1993). Perante esse cenrio, duas instituies ganham importncia na sociedade daquele momento: a famlia e a escola. A famlia era pensada e vivida como fonte de sobrevivncia e transmissora de bens, e como consequncia tinha a funo de preservar a infncia. J a escola, at ento facultativa, tinha como tarefa preparar a criana para enfrentar os obstculos da vida conforme suas regras, juntamente com a famlia. A escola tambm tinha por finalidade preparar as crianas para a leitura e a literatura infantil surge para auxiliar nessa incumbncia, tendo de respeitar e at mesmo motivar as caractersticas infantis. Por outro lado, adota uma postura rgida, ou seja, passa a ter uma utilidade pedaggica, como consequncia proporciona 34. 34confiana burguesia, por imitar seu comportamento e estimular os valores moralizantes dessa classe. A escola tinha como tarefa educativa repassar o gnero literrio.A aproximao entre a instituio e o gnero literrio no fortuita. Sintoma disso que os primeiros textos para crianas so escritos por pedagogos e professoras, com marcante intuito educativo. E, at hoje, a literatura infantil permanece como uma colnia da pedagogia, o que lhe causa grandes prejuzos: no aceita como arte, por ter uma finalidade pragmtica; e a presena do objetivo didtico faz com que ela participe de uma atividade comprometida com a dominao da criana. (ZILBERMAN, 2003, p. 16)Lajolo (1999) destaca a diferena entre Chapeuzinho Vermelho, narrada por Perrault (sc. XVII) e a mesma personagem descrita pelos Grimm e por Andersen (sc. XIX). No primeiro caso, o autor oferece menina uma personalidade revestida de beleza: uma criana atraente e corajosa. No segundo caso, os escritos do a ela atributos moralizantes: boa, obediente, carinhosa, entre outras qualidades associadas aos interesses sociais da poca. Em 1812, os irmos Grimm (Jacob e Wilhelm) editam a coleo de contos de fadas que conquistam as crianas. Em contrapartida, destacam-se tambm outros autores, entre eles: Hans Christian Andersen (Contos, 1833), Lewis Carroll (Alice no Pas das Maravilhas, 1863), Carlo Collodi (Pinquio, 1883), Jules Verne (Viagem ao centro da Terra, 1864), Mark Twain (As aventuras de Tom Sawyer, 1876), Robert Louis Stevenson (A ilha do tesouro, 1882). Esses ttulos se tornaram clssicos universais pelo fato de at hoje serem lidos e apreciados por leitores de vrios cantos do mundo. Nos sculos XVIII e XIX a literatura infantil fica conhecida como literatura infantil feita por adultos, ou seja, destaca-se a forma como o adulto quer que a criana veja o mundo, buscando sua aprovao. Alm disso, a forma literria permite a representao pela fantasia, o que, com frequncia, ultrapassa a criao de um mundo idealizado. Zilberman (2003) afirma que o direito das crianas foi sonegado, capacita-se a transmisso do conhecimento e as suas formas de manifestao segundo a viso do adulto, o que garante a razo e o poder. 35. 35Desarmada, a criana no reage; e sua impassibilidade tomada como sinal de aceitao da engrenagem. Por todos esses aspectos, a escola participa do processo de manipulao da criana, conduzindo-a ao respeito da norma vigente, que tambm a da classe dominante, a burguesia, cuja emergncia, como se viu, desencadeou os fatos at aqui descritos. (ZILBERMAN, 2003, p. 23)Apesar de o assunto ser Literatura Infantil, necessrio considerar o cenrio poltico do Brasil naquela poca. A proclamao da Repblica trazia consigo a imagem de um pas ambicioso e era esperada uma acentuada modernizao. O novo regime, que foi liderado por um militar, teve a participao de membros de vrios partidos republicanos regionais. Os governantes estudavam medidas como exportao do caf e substituio da mo de obra escrava pela assalariada, e havia interesse na economia dos pases industrializados, como a Inglaterra. O desejo de se expandir, atitude influenciada pelo capitalismo, e a necessidade de sobrevivncia fizeram com que a Inglaterra no medisse esforos para patrocinar uma poltica favorecedora de diversas camadas mdias que eram consumidoras virtuais de sua produo. Esses grupos eram compostos por imigrantes que no se adaptaram ao trabalho rural e de ex-empregados envolvidos na comercializao do caf. Eles contriburam para a multiplicao do nmero de bancos e casas exportadoras, ampliaram o quadro de funcionalismo pblico, estenderam a rede ferroviria e houve crescimento do movimento dos portos, conforme relata Lajolo (1999). Perante esse cenrio de acelerao urbana (fim do sculo XIX e incio do XX), o momento se torna ideal para o surgimento da literatura infantil. A princpio, a literatura infantil foi uma adaptao das obras destinadas aos adultos. Cabe destacar que nesse perodo a criana era vista como um adulto em miniatura e que a infncia era um momento que deveria ser encurtado o mais rapidamente possvel. Nesse perodo ainda prevaleciam os padres europeus e os clssicos infantis da Europa eram traduzidos e adaptados. Essas obras refletiam o comportamento esperado naquela poca, pois a educao era rgida, disciplinadora e punitiva e assim utilizava a literatura como algo exemplar, que procurava levar o pequeno leitor a assumir, de maneira precoce, atitudes consideradas ideais para aquela sociedade, comenta Coelho (2000). Entre os livros publicados a partir de 1808 estavam: a traduo de As aventuras pasmosas 36. 36do Baro de Munkausen e, em 1818, a coletnea de Jos Saturnino da Costa Pereira, Leitura para meninos, contendo uma coleo de histrias morais relativas aos defeitos ordinrios s idades tenras, e um dilogo sobre geografia, histria de Portugal e histria natural. Os livros nessa poca, inspirados em modelos estrangeiros, eram verdadeiras cartilhas de nacionalidade. O civismo e o patriotismo se destacavam, assim cabe exemplificar com a obra Por que me ufano de meu pas, de Afonso Celso publicado em 1901, que evidencia o entusiasmo patritico que contagiou os textos infantis. Hoje pode-se dizer que a literatura est em constante processo de mudana e possvel refletir sobre diversos aspectos. No livro Ensino de Literatura: uma proposta dialgica para o trabalho com literatura, Cereja afirma que a literatura se transforma o tempo todo e muito mais complexa do que muitos imaginam. Uma perspectiva a um s tempo diacrnica e sincrnica, que procura encontrar no apenas as relaes da literatura com o seu tempo, mas tambm os dilogos que a prpria literatura mantm dentro dela mesma, dando saltos, provocando rupturas, morrendo e renascendo, se transformando. A estaria o verdadeiro sentido de historicidade do texto literrio, um sentido de vida, de permanncia, que difere do engessamento da historicidade descritiva e classificatria. (CEREJA, 2005, p. 200)Neste estudo, optamos em abordar brevemente a histria da literatura infantil e juvenil e daremos destaque a Monteiro Lobato por dois motivos: primeiro, porque ele foi um autor inovador, que permanece como referncia literria no Brasil at hoje, e tambm porque o escritor foi citado pela entrevistada.2.2 Monteiro Lobato: inovao e criatividade Monteiro Lobato foi um inovador e permanece como referncia literria no Brasil, pois antes dele as crianas s conheciam tradues de obras estrangeiras. O autor se destacou pelo estilo de escrita, principalmente por priorizar a linguagem simples em que a realidade e a fantasia estavam interligadas. O contista, ensasta e tradutor nasceu em Taubat, interior de So Paulo, no ano de 1882 e faleceu em 1948. 37. 37A paixo pelos livros comeou na infncia e o interesse foi aumentando ao ter acesso biblioteca que ficava no escritrio de seu av, o Visconde de Trememb, numa chcara situada na Rua XV de Novembro, junto ao Largo do Teatro, em Taubat, onde passava horas folheando a Revista Ilustrada e o Journal des Voyages. Era um salo cheio de grossos tomos de revistas da poca. Havia a Revista Ilustrada, de ngelo Agostini, ou a Novo Mundo, de J. C. Rodrigues. Uma coleo do Journal des Voyages foi, no entanto, o meu maior regalo. Cada vez que me pilhava na biblioteca do meu av, abria um daqueles volumes e me deslumbrava (LOBATO apud DANTAS, 2005, p.25).Juca, como era conhecido quando criana, filho de Jos Bento Marcondes Lobato e Olmpia Augusto Lobato, na infncia dividia seu tempo brincando com as suas irms menores, Ester e Judite, na fazenda em que moravam. Anos mais tarde, esse cenrio serviria de inspirao para a criao de suas personagens e de suas obras infantojuvenis. Segundo Luiz (2003), o nome de batismo de Monteiro Lobato era Jos Renato e no Jos Bento como o conhecemos. Ele alterou o prprio nome para que pudesse usar a estimada bengala que pertencera a seu pai e que trazia inscritas as iniciais J.B.M.L. Na adolescncia, Jos Bento foi estudar na capital. Lobato queria matricular-se na Escola de Belas Artes, mas, por imposio de seu av materno, que assumiu a tutela do jovem aps a morte de seus pais, entrou com 18 anos para a Academia de Direito, formando-se em 1904. Enfrentou, porm, dificuldades no incio, pois em sua primeira tentativa de admisso aos preparatrios para o curso superior foi reprovado em portugus. Mas isso no o desanimou; aps a decepo, estudou muito e conseguiu ser aprovado. Formado em Direito, Lobato atuou como promotor pblico at se tornar fazendeiro, aps receber uma herana deixada por seu av. Com a mudana de estilo de vida, o escritor passou a publicar seus primeiros contos em jornais e revistas; posteriormente reuniu uma srie deles em Urups, seu primeiro livro. Nesse perodo, Monteiro Lobato escrevia textos a seu amigo Rangel, solicitando-lhe que apontasse os erros de gramtica. 38. 38Na poca, os livros brasileiros eram editados em Paris ou Lisboa e por conta dessa carncia no mercado, Lobato fundou uma editora e tornou-se tambm editor. Isso possibilitou que implantasse uma srie de mudanas nos livros didticos e infantis do pas. Cabe destacar que Monteiro Lobato questionava a forma como as obras infantis eram elaboradas, principalmente quanto rigidez gramatical e fixidez da linguagem; props, ento, que os livros fossem lidos pelos leitores como se algum estivesse contando uma histria, mais prximos da linguagem viva ou oral.Ainda subentendida no pensamento lobatiano referente literatura infantil, fica a proposta do autor de romper com a tradio de textos didticos ou de formao moral e cvica para crianas, como eram os textos anteriores aos seus. Seu projeto era outro: queria justamente educar seus leitores para exercerem o direito a liberdade e questionarem o que lhes era dado (LOPES, 1999, p.48)Cabe salientar que, na poca, a maioria dos escritores iniciantes dependia dos poucos editores ligados s casas estrangeiras para publicar suas obras; no entanto, Monteiro Lobato tornou-se empresrio de sua produo intelectual. Dessa maneira, o empresrio e editor Monteiro Lobato instalava-se como tal na segunda dcada do sculo XX. Nesse perodo, os investimentos, como os do empresrio, dependiam das mudanas conjunturais provocadas pela primeira guerra mundial. Assim, estimulado pela experincia bem-sucedida de duas primeiras publicaes autofinanciadas (O Saci-Perer e Urups), Monteiro Lobato comeou comprando, por dez contos, a propriedade da Revista Brasil, um rgo de prestgio entre os literatos e que serviria de veculo de divulgao para uma editora de livros, de acordo com Koshiyama (2006). Algumas das personagens (principalmente as infantis) renderam muitas histrias e, inclusive, ganharam espao na tev, entre as mais conhecidas esto dona Benta e seus netos Narizinho e Pedrinho, lembrando que Monteiro Lobato identificava-se com o menino quando criana. Na obra destacaram-se outras personagens, entre elas Visconde de Sabugosa, personagem que era uma sbia espiga de milho e que se destacava por ser um adulto consciente em diversos aspectos; Emlia, uma boneca de pano com sentimentos e ideias independentes e revolucionrias; tia Nastcia, uma exescrava que era muito querida por todos; Saci Perer, que representava o folclore 39. 39brasileiro e Cuca, vil que aterrorizava as pessoas que viviam no stio; e outras personagens que participavam das aventuras na zona rural O Stio do Pica-Pau Amarelo at hoje encanta crianas e adultos. Monteiro Lobato foi um dos poucos escritores da poca que obtiveram sucesso em vida, pois a maioria deles teve suas obras conhecidas s aps a morte. O autor demonstra surpresa com a popularidade da personagem Emlia em uma carta enviada a um amigo. Ele destaca tambm o quanto era consciente da importncia de inovar na rea da educao. A minha Emlia est realmente um sucesso entre as crianas e os professores. Basta dizer que tirei uma edio inicial de 20.0000 e o Octales est com medo que no aguente o resto do ano. S a no Rio, 4.000 vendidas num ms. Mas a crtica de fato no percebeu a significao da obra. Vale como significao de que h caminhos novos para o ensino das matrias abstratas. Numa escola que visitei, a crianada me rodeou com grandes festas e me pediram: Faa a Emlia do pas da aritmtica. Esse pedido espontneo, esse grito dalma da criana no est indicando um caminho? (LOBATO apud LAJOLO, 2008, p. 95)Assim como o sucesso, o fracasso tambm fez parte da vida do escritor. Na dcada de 1930 foi falncia e passou a escrever livros para sobreviver. Devido a essa necessidade, Lobato planejou com Octales, da Companhia Editora Nacional, o livro D. Quixote das crianas. A obra, lanada em 1936, foi resultado de um projeto de leitura, de traduo e de adaptao. De acordo com Lajolo (2008), o educador contemporneo pode encontrar, nesse Quixote, possveis respostas para questes referentes ao cotidiano escolar, uma delas : qual livro indicar? Inclusive, isso o levou a refletir sobre a importncia dos clssicos e a adequao a cada faixa etria. Monteiro Lobato escreveu obras infantis, como A Menina do Nariz Arrebitado, Reinaes de Narizinho, As Caadas de Pedrinho, Emlia no Pas da Gramtica, Memrias da Emlia, O Poo do Visconde, O Pica-Pau Amarelo, O Saci, Fbulas do Marqus de Rabic, Aventuras do Prncipe, Noivado de Narizinho, O P de Pirlimpimpim, e A Chave do Tamanho, entre outras.. Podemos observar que muitas obras lobatianas relacionam de uma maneira ldica a turma do stio do Pica-pau Amarelo e as personagens de outros livros, principalmente dos contos de fadas. Alguns estudiosos de Lobato dizem que o escritor relaciona leitura com alimentao. 40. 40Se o Visconde pode sugar o conhecimento dos livros, se Emlia pode fazer livros comestveis e as crianas podem beber as histrias de Dona Benta ou Tia Nastcia, o prprio texto de Lobato, como leitor e escritor est bebendo e apropriando-se das histrias dos contos de fadas quando retoma as outras histrias, trazendo as personagens maravilhosas do imaginrio europeu para o universo do Stio (LOPES, 1999, p. 61)Alm dos contos de fadas deve-se destacar a relevncia das personagens da mitologia e do folclore brasileiro. O escritor brasileiro escreveu no s livros infantis como outras obras literrias, entre as quais se destacam O Choque das Raas, Urups, A Barca de Gleyre e o Escndalo do Petrleo (ltimo livro, que demonstra seu nacionalismo). Nessa obra, Monteiro Lobato posiciona-se de maneira favorvel explorao do petrleo apenas por empresas brasileiras, uma questo muito delicada na poca por envolver interesses polticos. A produo e ao de Lobato demonstram as tenses contraditrias que se debatiam em seu esprito. De um lado, o impulso individualista de raiz romnticoliberal e de outro a conscincia crtica, que alertava para os equvocos, hipocrisias e injustias da poca. Coelho (2006) faz um breve comentrio sobre as acusaes de preconceituoso, porm destaca a sua obra. De qualquer forma, algo indiscutvel: a obra lobatiana (infantil ou adulta) no pode ser desvinculada do momento em que foi construda, sob pena de ser truncada em sua verdadeira significao. Nela esto presentes as ambigidades e paradoxos que marcaram a realidade brasileira na primeira metade do sculo XX. (COELHO, 2006, p.638)2.3 O que a Literatura Revela sobre as Obras Infantojuvenis na Escola A literatura infantil e a escola mantiveram sempre uma relao de dependncia mtua, pois a escola utiliza a literatura para difundir conceitos e sentimentos, atitudes e comportamentos que lhe compete passar para os alunos. Os livros so utilizados com frequncia, seja como material de leitura obrigatria ou como complemento de outras tarefas pedaggicas. A escola utilizava a literatura para demonstrar alguns exemplos de comportamentos que deveriam ser seguidos por todo cidado. Um exemplo disso, eram as poesias de Olavo Bilac que serviam de estmulos de civismo, amor aos 41. 41estudos e respeito aos mais velhos. O prncipe dos poetas e seus colegas de profisso contavam com os professores para garantir o mercado para obras infantis (LAJOLO, 2008, p.66). Atualmente a viso que se tem da literatura muito diferente da que se tinha no sculo passado. Hoje ela considerada como arte, por ser um fenmeno de criatividade que representa ou no a vida, o homem e o mundo por meio das palavras e expressa alguma experincia humana e muito mais. Coelho (2000, p. 27) afirma que: Conhecer a literatura que cada poca destinou s suas crianas conhecer os ideais e valores ou desvalores sobre os quais cada sociedade se fundamentou (e se fundamentam..). Estudos na rea de comunicao tm contribudo para essa viso sobre literatura, segundo Colomer (2003). A noo de comunicao permitiu-lhe pr em ordem os numerosos temas implicados no fenmeno da literatura infantil e assinalar que a finalidade de seu estudo , em definitivo, o dilogo que, de uma poca para outra, de uma sociedade para a outra, de uma sociedade para outra, se estabelece as crianas e os adultos por meio da literatura (p. 189).Os estudos literrios devem ser privilegiados na escola de maneira abrangente, pois estimulam o exerccio mental, a percepo da realidade, a conscincia de si em relao aos outros, a leitura do mundo e incentivam o estudo e o conhecimento da lngua, entre outros. Ao proporcionar aulas motivadoras e espaos para o dilogo, o interesse dos alunos pela leitura pode aumentar com o passar do tempo. perodo de 7 a 12 ou 14 anos aquele em que a objetividade substitui o sincretismo. As coisas e a pessoa vo pouco a pouco deixando de ser os fragmentos de absoluto que se impunham sucessivamente intuio. A rede das categorias faz irradiar sobre elas as mais diversas classificaes e relaes. Mas seu animador a atividade da criana. A prpria atividade entra em sua fase categorial: atribui-se tarefas entre as quais se torna capaz de se dividir, a fim de tirar de cada uma seus possveis efeitos. O interesse pela tarefa indispensvel e deixa bem para trs o mero adestramento. (WALLON, 2007, p.197)Contudo, observamos que h falta de clareza sobre o ensino ou incentivo literatura. Em muitas escolas, verifica-se um trabalho embasado em atividades de interpretao de texto, fichas de leitura, resumos e, na maioria das vezes, os livros 42. 42so cobrados em provas, sem uma discusso ou comentrios significativos sobre essas obras. Acreditamos que o leitor criativo no somente um decifrador de cdigos, um decodificador da palavra e, sim, algum que busca compreender o texto, dialogando com ele, ou seja, ele tenta recriar sentidos implcitos, faz referncias e estabelece relaes com outras obras, perodos anteriores e at com a sua prpria histria de vida, assim tudo isso pode resultar em conhecimento. Quando se faz uma leitura h um dilogo constante entre o leitor e o texto ou obra, segundo Mikhail Bakhtin5.Na perspectiva backhtiana, o outro, na figura do destinatrio, se instala no prprio movimento de produo do texto na medida em que o autor orienta a sua fala tendo em vista o pblico-alvo selecionado. Tem-se, ainda, o outro na figura do interdiscurso, do dilogo que todo texto trava com outros textos. Cabe ao leitor mobilizar seu universo de conhecimento para dar sentido, resgatar essa intediscursividade, a fonte enunciativa desses outros discursos que atravessaram o texto. (BRANDO, 2011, p. 17)Coelho (2000, p. 17) defende que o espao escolar deve ser libertrio (sem ser anrquico) e orientador (sem ser dogmtico), para permitir ao ser em formao chegar ao autoconhecimento e a ter acesso ao mundo da cultura que caracteriza a sociedade a que ele pertence. Por meio da literatura possvel se envolver ao ponto de estabelecer uma vivncia ntima e profunda que faz com que o leitor tenha o desejo de prolongar ou renovar as experincias que veicula.Constitui um elo privilegiado entre o homem e o mundo, pois supre as fantasias, desencadeia nossas emoes, ativa o nosso intelecto, trazendo e produzindo conhecimento. Ela criao, uma espcie de irrealidade que adensa a realidade, tornando-nos observadores de ns mesmos. ler um texto literrio significa entrar em novas relaes, sofrer um processo de transformao. (BRANDO, 2011, p.23)5Mikhail Bakhtin (1895-1975) foi um pensador russo que se dedicou ao estudo e anlise da linguagem com base em discursos cotidianos, literrios, artsticos, filosficos, cientficos e institucionais. 43. 432.4 Representaes do Professor Comprometido segundo os Estudiosos Atualmente se discute muito sobre o comprometimento/descomprometimento com a educao. Muitos estudiosos propem a reflexo sobre a prtica pedaggica como uma importante ferramenta, mas na forma entendida por Pelisson, ou seja:Para se desenvolver profissionalmente, necessrio se faz que tome conhecimento das concepes tericas atuais, no campo da educao, acompanhe as mudanas que ocorrem nesse meio e, a partir delas, ressignifique suas prticas, num processo contnuo de reflexo, preferencialmente coletivo. (PELISSON, 2006, p. 292)O profissional da educao deve dominar quais so os conhecimentos necessrios para cada faixa etria, como ocorre o desenvolvimento da criana e como so processadas essas informaes. O professor deve estar preparado para auxiliar o estudante na busca pelo conhecimento: Wallon insiste que se pode confiar na atividade da criana, em sua criatividade e em sua espontaneidade para investigar, mas que ela precisa de um mestre, exatamente para ajud-la a utilizar seus prprios recursos. O professor, por conhecer o processo de desenvolvimento e aprendizagem, est capacitado para reconhecer e atender s necessidades e possibilidades dos alunos. (ALMEIDA, 2004, p.127)A literatura tambm pode contribuir para a constituio do professor, pois ao ouvir os alunos, o docente pode refletir sobre a sua prtica e tentar melhorar a sua atuao em sala de aula. Outro ponto que se deve destacar que ao ouvir a opinio dos alunos sobre uma determinada obra, o professor deve criar condies afetivas para que o aluno tenha interesse e assim aumente a possibilidade dessas informaes se transformarem em conhecimento, j que o plano afetivo um lastro para o desenvolvimento cognitivo, e vice-versa, segundo Wallon. Cereja (2005) chama a ateno para o papel do professor em classe e os fatores que dificultam o ensino de literatura de uma maneira significativa; o autor 44. 44estudou o ensino da literatura no ensino mdio, porm as ideias podem ser consideradas vlidas para o ensino fundamental.O que pudemos observar at aqui que as prticas de ensino de literatura no ensino mdio encontram-se cristalizadas h mais de um sculo. As razes disso, como vimos, so vrias e de ordem histrica, ideolgica, poltica, legal, contextual, etc. Uma mudana de perspectiva e de ao pedaggica , porm, possvel e depende de um fator simples: a conscincia do professor do ensino mdio sobre para que serve o ensino de literatura. (CEREJA, 2005, p. 198)H necessidade de repensarmos o ensino em geral, e para isso h a necessidade de voltar-se para a formao continuada dos docentes. Muitos pesquisadores tm apontado alguns caminhos, entre eles a narrativa autobiogrfica, como contribuio para se conhecer melhor, rever algumas questes, refletir sobre elas, identificar novos caminhos e sadas.Ao falar da formao da pessoa do professor, vejo um espao onde o mesmo pode atuar e decidir sobre algumas estratgias de ao, pois acredito que num determinado momentos da histria individual seja possvel tom-la nas mos e modific-la, resistindo com firmeza e rigor aos percalos, desde aqueles que nos aparecem pelas contingncias da situao, at aqueles devidos nossa resistncia mudana e aceitao do novo. (JESUS, 2003, p.110)Um professor comprometido , ento, segundo esses estudiosos, um professor que confia na capacidade e espontaneidade de seus alunos para imaginar, criar, investigar; que observa atento seus alunos e respectivos meios para conhecer seus desejos e expectativas, e que aproveita os espaos para uma atuao de qualidade. 45. 453 Teoria psicogentica de Henri Wallon (1879/1962) As pessoas do meio nada mais so, em suma, que ocasies ou motivos para o sujeito exprimir-se e realizar-se. Mas, se ele pode dar-lhes vida e consistncia fora de si, porque realizou, em si, a distino do seu eu e do que lhe complemento indispensvel: esse estranho essencial que o outro. (WALLON, 1986, p. 164) 46. 46A psicogentica walloniana oferece recursos para compreender o processo de constituio da criana e do adulto. A psicologia gentica define o psiquismo na sua formao e na sua transformao (WALLON, 1975). De acordo com a teoria, essa transformao ocorre por meio da integrao das condies orgnicas do ser humano com o meio no qual est inserido. Os dados biogrficos do psiclogo, mdico, pesquisador e educador podem ser localizados em vrias obras, entre elas: Dantas (1983), Oliveira (2004) e Werebe (1986), por esse motivo no discorrerei sobre esse aspecto, lembrando apenas que o autor francs (1879-1962) viveu numa Europa de grande turbulncia, tendo participado das duas grandes guerras: na primeira atuou como mdico de batalho e na segunda como membro da Resistncia Francesa. Para este estudo destacam-se, particularmente, os seguintes pontos: a) Integrao funcional; b) O papel dos meios e dos grupos na constituio da pessoa; c) A questo do outro na constituio da pessoa.3.1 Integrao Funcional Retomando, a Psicologia Gentica estuda o psiquismo em sua formao e transformao, transformaes estas decorrentes da integrao organismo-meio. A integrao que permeia a teoria walloniana ocorre de duas maneiras que so articuladas e dialticas: a integrao organismo-meio e a integrao entre os conjuntos funcionais. A primeira refere-se integrao entre o indivduo e o meio ao qual se relaciona (real ou virtual). A outra tem relao com os domnios funcionais (afetividade, ato motor, conhecimento e pessoa); apesar da especificidade dessas dimenses, podemos afirmar que elas se integram de tal forma que uma interfere na(s) outra(s). S podemos separ-las para fins didticos, ou seja, para compreendermos o processo, porm na prtica isso no possvel. Conforme explica Mahoney (2009) qualquer atividade motora tem ressonncias afetivas e cognitivas, assim como toda disposio afetiva tem ressonncias motoras e cognitivas. 47. 47A teoria de desenvolvimento de Wallon especifica os seguintes estgios: a) Impulsivo Emocional (0 a 1 ano); b) Sensrio Motor e projetivo (1 a 3 anos); c) Personalismo (3 a 6 anos); d) Categorial (6 a 11 anos); e) Puberdade e adolescncia (11 anos em diante). Vale ressaltar que o mais importante no o fator idade e sim as condies do meio onde a criana est inserida. Neste estudo apenas o estgio categorial ser detalhado, por se tratar da faixa etria dos leitores de obras infantojuvenis. No estgio categorial, a criana aprende a denominar os objetos que fazem parte do seu dia a dia, j consegue perceb-los como algo separado de si mesma, ou seja, consegue discernir e organizar as semelhanas e diferenas desses objetos e das aes, o que conduz a representaes fixas e constantes. A comparao dos objetos entre si fundamental para a anlise e classificao de tudo que est ao seu redor. com o desenvolvimento da funo categorial que a apropriao da causalidade ocorre, o que possibilita que a criana ligue o efeito causa que o produziu. A noo de espao e tempo passam a se integrar a um sistema, permitindo que ela relacione as suas implicaes com o movimento. possvel afirmar que a criana continua se desenvolvendo tanto no plano motor como no afetivo, porm as caractersticas predominantes do seu comportamento so identificadas pelo desenvolvimento intelectual e nesse domnio que podem ser percebidos grandes saltos. A criana aprende a se conhecer como pessoa ao pertencer a diferentes grupos, pois exerce papis e atividades variados e isso possibilita que ela tome conhecimento mais completo e concreto de si prpria (AMARAL, 2009). Nesse estgio,o sincretismo se dissolve; com a aquisio do pensamento categorial a criana se reconhece como pessoa polivalente, que pode identificar as diversas caractersticas dos objetos e situaes e estabelecer relaes e distines coerentes. H o aumento de concentrao e ateno na tarefa que est sendo realizada, permitindo que as atividades espontneas sejam progressivamente 48. 48substitudas por atividades intencionais. No entanto, o professor no pode descuidar de outros aspectos:A reconquista da dimenso meldica da linguagem, como a emancipao do gesto ao controle da vontade constituem objetivos de certas modalidades artsticas. Sua existncia demonstra que o desenvolvimento representa tambm perda ou atrofia de possibilidades, que precisam ser recuperadas e resgatadas. Esta noo, compatvel apenas com concepes paradoxais, no lineares, de desenvolvimento, est implcita no alerta feito por Wallon em relao ao sincretismo: preciso ser capaz de preserv-lo, tanto quanto disciplin-lo, uma vez que dele depende a possibilidade de combinaes inteiramente novas e originais de ideias. (DANTAS, 1992, p. 44)Segundo Wallon, no possvel dissociar na pessoa qualquer um dos conjuntos funcionais (inteligncia, afetividade ou ato motor), pois a criana considerada como um todo que continua a se desenvolver, ressaltando que uma etapa constitui sempre um sistema mais amplo que a idade biolgica.Os estgios so caracterizados por um conjunto de necessidades e interesses que buscam assegurar o desenvolvimento da pessoa. Assim, necessrio ter em conta que a matria do pensamento no se forma unicamente pelo desenvolvimento do sistema nervoso, mas pela pessoal em sua totalidade, em sua relao com o meio, no qual a criana se integra de acordo com suas possibilidades. (AMARAL, 2009, p. 57)3.1.1 Afetividade: emoo, sentimentos e paixo Na psicogentica walloniana, a dimenso afetiva constitutiva da pessoa. A primeira fase do primeiro estgio (impulsivo/ afetivo) reduz-se s manifestaes fisiolgicas da emoo, o que se caracteriza como o ponto de partida do psiquismo. Conforme os estudos de Wallon, a cada estgio possvel perceber a predominncia de um dos conjuntos funcionais. Especificamente em relao ao conjunto afetivo, podemos observar uma predominncia nos estgios nos quais o indivduo est mais voltado para si mesmo, que o caso dos estgios: impulsivo emocional (0 a 1 ano), do personalismo (3 a 6 anos) e do estgio da puberdade ou adolescncia (a partir dos 11 anos). 49. 49Na fase adulta o indivduo est mais seguro de si, sendo que j passou pelas outras etapas do desenvolvimento. A tendncia que ele conhea suas possibilidades, valores, motivaes e sentimentos e assim passa a ter condies de fazer as escolhas mais adequadas em situaes diversas. Nesse momento de maturidade tem condies de centrar-se em si e tambm no outro, o que resulta em um equilbrio entre o conhecimento de si mesmo e o conhecimento do mundo (MAHONEY e ALMEIDA, 2007). Porm, isso no significa que o processo de desenvolvimento tenha chegado ao fim, pois no contato com o meio no qual o indivduo est inserido as transformaes continuam. Ao mesmo tempo em que influenciado, o homem tambm influencia os outros. Cabe ressaltar um aspecto importante que a teoria walloniana nos aponta em relao afetividade, ela apresenta trs momentos de evoluo: emoo, sentimentos e paixo. A emoo o substrato orgnico da afetividade; os espasmos iniciais do beb vo, de forma progressiva, adquirindo formas prprias de expresso, que variam conforme as interaes que se estabelecem entre o sujeito e as pessoas com quem ele convive, que so os outros6. Pessa (2010) explica que os espasmos iniciais (choro e clica) implicam-se diretamente com a motricidade da criana, com o seu tnus (contrao e descontrao). Portanto, podemos afirmar que a emoo7 visivelmente percebida e corprea, pelo fato de se manifestar no corpo. Por conta disso, por exemplo, observamos que quando uma pessoa est nervosa suas mos ficam trmulas ou apresenta sudorese ou chora. Zazzo (1978, p.98), a partir da teoria walloniana, afirma que a emoo se manifesta antes da linguagem: a emoo esboa o pensamento, a representao que lhe contraditria e no contrria e d tambm incio distino do eu e de outrem, preludia as afirmaes da personalidade. A emoo o substrato orgnico da afetividade, entretanto, na medida em que ela se expressa socialmente est sujeita a interpretaes pessoais fundamentadas no social e na cultura, as quais modulam e constituem a dinmica do psiquismo humano. Pode-se dizer que a emoo a exteriorizao da afetividade 6O outro sempre est inserido no meio e, na perspectiva walloniana, os dois esto imbricados e se constituem de forma mtua. 7 Wallon define emoo como um sistema de atitudes. 50. 50por meio da expresso corporal, motora, visvel, ativada pelo fisiolgico. A emoo aparece no beb na forma de espasmos, que so contraes musculares e viscerais e tambm se manifestam como expresses de bem-estar ou mal-estar, assim a emoo estabelece os primeiros laos com o mundo humano e por meio dele, com o mundo fsico. Segundo Almeida (2010), a emoo determinante na evoluo mental,poisacrianarespondeaestmulosmusculares(sensibilidadeproprioceptiva), viscerais (sensibilidade interoceptiva) e externos (sensibilidade exteroceptiva). Aos poucos a criana vai afinando suas trocas com o mundo e pela resposta do outro que ela passa a produzir os traos dos estmulos, assim podemos dizer que as atitudes que resultam da emoo tm influncia da percepo e da interpretao do outro. A voz trmula durante uma exposio, por exemplo, pode demonstrar ansiedade por se expressar em pblico ou insegurana por no ter se preparado para o evento; um sorriso, durante um discurso, pode ser interpretado como descontrao e para outro pode revelar tenso e nervosismo. O sentimento a representao da emoo, pois Wallon refere-se s representaes para traduzir a emoo que podem ser elaboradas variavelmente pelo indivduo, pois este utiliza a linguagem, os gestos, a arte ou a literatura para interagir. Essa representao elaborada mentalmente e pode ou no se tornar conhecida, o que no o caso da emoo. Os sentimentos permeiam as relaes sociais que acontecem em diferentes meios, como o caso da atuao do professor que trabalha com literatura infantojuvenil, pois ele afetado pelos seus alunos e pela obras literrias. J a paixo pressupe o autocontrole do indivduo para atender a um objetivo; a capacidade de tornar secreta a emoo que se faz presente, mantendo em segredo algo que o sentimento publicaria, assim a paixo torna a emoo silenciosa, de acordo com a teoria walloniana. Pessa (2010, p. 54 ) salienta que preciso compreender: ainda que no haja exteriorizao, ou seja, uma manifestao objetiva da emoo, esta no deixa de existir e de ser constitutiva do indivduo, podendo, algum momento, vir tona e tornar-se pblica (muitas vezes at de modo inadequado). Sobre a exigncia do autocontrole no convvio social, Wallon nos atenta para o fato de que a paixo s se manifesta aps os trs anos de idade. 51. 51A paixo pode ser intensa e profunda na criana. Mas com ela aparece a capacidade de tornar a emoo silenciosa. Portanto, para se desenvolver, pressupe o autocontrole da pessoa e no pode vir antes da oposio claramente sentida entre si mesmo e o outro, cuja conscincia no se d antes dos 3 anos. Ento a criana se torna capaz de alimentar secretamente frenticos cimes, apegos exclusivos, ambies talvez vagas, mas nem por isso menos exigentes. (WALLON, 2007, p.126)3.1.2 Ato motor Na teoria walloniana, o ato motor vai alm do deslocamento fsico do corpo no tempo e no espao. Para Wallon, o movimento tambm entendido na sua expresso simblica, j que o homem o nico ser que possui tal capacidade; afirma ele que o ato mental se desenvolve a partir do ato motor e com o passar do tempo passa a inibi-lo, porm sem deixar de ser atividade corprea. a motricidade expressiva da mmica, inteiramente ineficaz do ponto de vista instrumental: no tem efeitos transformadores sobre o ambiente fsico. Mas o mesmo no acontece em relao ao ambiente social: pela expressividade o indivduo humano atua sobre o outro, e isto que lhe permite sobreviver, durante o seu prolongado perodo de dependncia. (DANTAS, 1992, p.38)Wallon, em sua anlise gentica, evidencia que a motricidade humana comea pela atuao sobre o meio social, antes de haver a possibilidade de modificar o meio fsico e esse contato nunca direito, pois sempre intermediado pelo social, tanto na dimenso interpessoal quanto cultural. De acordo com o psiclogo, o movimento comea na vida fetal e ao longo do desenvolvimento, o ato motor se aperfeioa, o que significa que o beb apresenta um movimento global, mas ele passa a ser ajustado com o tempo e o meio influencia ao proporcionar ou no situaes desafiadoras: A maturao em conjunto com a ao do meio humano, exercendo um sobre o ouro uma influncia recproca, provocar progressos decisivos na evoluo da criana. Sob os efeitos dessa influncia recproca, os movimentos impulsivos vo se transformando em movimentos que traduzem meios de expresso e formas de comunicao mais elaborados. (DUARTE; GULASSA, 2009, p.24) 52. 523.1.3 Conhecimento Assim como o movimento, o conhecimento tambm se apresenta de maneira global e no muito clara nos primeiros anos de vida, mas ao longo do tempo vai se aprimorando por meio da interao do indivduo com o ambiente e com os outros. No processo de aprendizagem, o conhecimento e a afetividade compem uma dade, a qual se alterna com mais clareza durante os estgios iniciais do desenvolvimento do indivduo, porm essa relao continua por toda a vida. Pelo fato de a escola ser o locus da aprendizagem formal, cabe ao professor buscar maneiras de proporcionar o acesso da criana literatura de uma maneira agradvel e auxili-la na reflexo sobre as obras e a sociedade na qual est inserida.3.1.4 Pessoa Embora com as suas especificidades estruturais e funcionais, o ato motor, o conhecimento e a afetividade tm um impacto no quarto conjunto: a pessoa, pois, ao mesmo tempo que este garante a integrao dos conjuntos funcionais, tambm resultado dela. Mahoney (2004, p. 19) explica que: Cada indivduo tem uma forma prpria e nica, que caracteriza sua personalidade em movimento contnuo que vai desde a pessoa orgnica (predomnio do motor- nos trs primeiros meses) at a pesso