henri wallon

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COLECdO EDUCACAO E CONHECIMENTO Coordenador: AntBnio Joaquim Severino - John Dewey - Urna ~ ~oL% para educadores em sala de aula Marcus Vinicius da Cunha - Vygotsky - Urna perspemva histdrico-cultural da educaqrio . Teresa Cristlna Rego - Henri Wallon - Uma concep~rio dialetica do desenvolvimento infantil . . Izabel Galv2o - Edaar Morin - A educacrio e a comolexidade do ser e do sabe~ lzabgl Cristina Petraglia ' - Agnes Heller - Filosofia, moral e educagrio Maria Helena Blttencourt Granjo - Celestm Freinet - Uma pedagogia de atividade e cooperaqrio Marisa Del Cioppo Elias - Comenio - A emergencia da modemidade na educagrio Jolo Luis Gaspann - Richard Rorty - A filosofia do Novo Mundo em busca de mundos novos Paulo Ghiraldelli Jtinior - Adomo - 0 poder educative do pensamento critico Bruno Pucci. Newton Ramos de Oliveira. AntBnlo Alvaro Soares Zuin - Maquiavel- Educaqrio e cidadania Lidia Maria Rodrigo - Ortega y Gasset - Uma cn'tica da razrio pedagmca Juan Guillermo Droguett - Friedlch Froebel- 0 oedaawo dos iardns de infrincia . -- . Alessandra Arce - Norben Elks - Formagrio, educaqgo e emoqdes no process0 de civllizaqrio Carlos da Fonseca Brand30 - Bachelard - Pedagoma da razrio, pedagcgia da imaginaqZo Elyana Barbosa e Marly Bulclo - Giambattista Kco - A filosofia e a educagrio da humanidade Humberto Guido - Max Weber - Modernidade, ci6ncia e educagrio Alonso Bezerra de Carvalho EDITORA VOZES Izabel Galviio HENRI WALLON Uma conceociio dialetica ido desenvolvimento infantil Petropolis 2005

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Henri Wallon (Izabel Galvão)

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Page 1: Henri Wallon

COLECdO EDUCACAO E CONHECIMENTO Coordenador: AntBnio Joaquim Severino - John Dewey - Urna ~ ~ o L % para educadores em sala de aula Marcus Vinicius da Cunha - Vygotsky - Urna perspemva histdrico-cultural da educaqrio

. Teresa Cristlna Rego - Henri Wallon - Uma concep~rio dialetica do desenvolvimento infantil . . Izabel Galv2o - Edaar Morin - A educacrio e a comolexidade do ser e do sabe~ lzabgl Cristina Petraglia ' - Agnes Heller - Filosofia, moral e educagrio Maria Helena Blttencourt Granjo - Celestm Freinet - Uma pedagogia de atividade e cooperaqrio Marisa Del Cioppo Elias - Comenio - A emergencia da modemidade na educagrio Jolo Luis Gaspann - Richard Rorty - A filosofia do Novo Mundo em busca de mundos novos Paulo Ghiraldelli Jtinior - Adomo - 0 poder educative do pensamento critico Bruno Pucci. Newton Ramos de Oliveira. AntBnlo Alvaro Soares Zuin - Maquiavel- Educaqrio e cidadania Lidia Maria Rodrigo - Ortega y Gasset - Uma cn'tica da razrio pedagmca Juan Guillermo Droguett - Friedlch Froebel- 0 oedaawo dos iardns de infrincia . - - . Alessandra Arce - Norben Elks - Formagrio, educaqgo e emoqdes no process0 de civllizaqrio Carlos da Fonseca Brand30 - Bachelard - Pedagoma da razrio, pedagcgia da imaginaqZo Elyana Barbosa e Marly Bulclo - Giambattista Kco - A filosofia e a educagrio da humanidade Humberto Guido - Max Weber - Modernidade, ci6ncia e educagrio Alonso Bezerra de Carvalho

EDITORA VOZES

Izabel Galviio

HENRI WALLON

Uma conceociio dialetica ido

desenvolvimento infantil

Petropolis 2005

Page 2: Henri Wallon

O 1995, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luis, 100

25689-900 Petropolis, RJ Internet: http://www.vozes.com.br

Brasil

Todos os direitos r e s e ~ a d o s . Nenhuma parte desta obra podera ser reproduzida ou transmitida por

qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrhico ou mechnico, incluindo fotocopia e gravaq5o) ou

arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissso escrita da Editora.

Editoraqao e organizagao literaria: Ana L. Kronemberger

ISBN 85.326.1402-7

Dados Internacionais de Catalogaqao na PublicaqBo (CIP) (Chara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Henri Wallon : uma concepqao dialetica do desenvolvi- mento infantill Izabel Galvao. - Petropolis. RJ : Vozes, 1995. 1 - (EducaqLo e conhecimento) i Bibliografia

ISBN 85-326-1402-7

1. Criancas - Desenvolvimento 2. Genetica do conmorta- 1 - ~

mento 3. Psicologia genetica 4. Psicologia infantil 5. W d o n . 1 Henri, 1879-1962. I. Titulo. 11. Sene.

indices para catalog0 sistematico:

1. Genetica d o comportamento : Psicologia evolutiva 155.7

2. Psicogenetica : Psicologia evolutiva 155.7

cAP~TULO I . . . . . . . . . . . . . . . . Perfil de um humanists 15

c ~ p f n n o n . . . . . Uma psicogenese da pessoa completa 27

CAP~TULO III A complexa dingmica do desenvolvimento infantil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

CAP~TULO IV Conflitos eu-outro e a constru~iio da pessoa. 49

cAPfTUL0 v As emo~des: entre o orghico e o psiquico. . 57

CAP~TULO VI Dimensdes do movimento . . . . . . . . . . . . . . 69

Page 3: Henri Wallon

CAP~TULO VII . . . Pensamento, linguagem e conhecimento 77

CAP~TULO vm Educa~30: entre o individuo e a sociedade. . 89

CAP~TULO IX Uma educa~3o da pessoa completa . . . . . . . 97

CAP~TULO x Reflex30 sobre a pratica pedagogica: enfocando

. . . . . . . . . . . . . . . . . . situa~des de conflito 103

CAP~TULO XI . . . . . . . . . . . . . . . Atitude diante da teoria. 113

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . TEXT0 SELECIONADO 11 5 . . . . . . . . . . . . . . . . BIBLIOGRAFIA DO AUTOR 123

. . . . . . . . . . . . . BIBLIOGRAF'IA CONSULTADA 133 A historia da cultura ocidental revela-nos que a

educa~3o sempre esteve intimamente ligada a teoria, produzida tanto no Bmbito da filosofia como no m i t o das ciencias humanas em geral. Expressando-se funda- mentalrnente como uma priixis social, a educa~8o nunca deix'ou de referir-se a fundamentos teoricos, mesmo quando fazia deles uma utilizar$o puramente ideologica.

Este testemunho da historia ja seria suficiente para demonstrar o quanto e necesskio, ainda hoje, manter vivo e atuante esse vinculo entre a vis3o filosofica e a inten~Bo pedagogica. Vale dizer que e extremamente relevante e imprescindivel a forma~Bo filosofica do edu- cador, seja no campo da produq3o do conhecimento, seja no carnpo da avalia~30 dos fundamentos do agir, seja ainda no campo da constru~go da imagem da propria exist6ncia humana. Mas, por outro lado, alem das defi- ciBncias pedag6gicas e curriculares intrinsecas ao pro- cesso de formaq80 dos profissionais da educa~go,

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tamb6m a falta de mediaq6es e de recursos culturais dificulta muito a apropria~iio, por parte deles, desses elementos que deem conta da intima vincula~iio da educa~iio com seus fundamentos teoricos.

Assim, o objetivo principal desta Coleqiio 4 o de ser mais uma media~iio, agil e eficaz, para colocar ao alcance dos professores, dos estudantes bem como dos demais profissionais da educa~iio, e mesmo do publico em geral, as linhas bisicas do pensamento dos grandes teoricos, destacando sua contribuiqiio para a melhor cornpreens30 do sentido da educaqiio. A abordagem de um texto desta natureza, intencionalmente introdutorio, despertando para a relevhcia das construq6es teoricas, enquanto contribui@es para a elaboraqiio de visdes do homem, do mundo, da sociedade, da cultura, do saber e do valor, para a educaqiio, certamente incentivara o interesse do estu- dioso em aprofundar a anilise e reflexiio, nos diversos campos em que se envolve a pratica educacional.

0 s textos propostos visam apresentar as linhas basi- cas do pensamento dos autores, destacando-se as impli- c a ~ d e s propriamente filos6fico-educacionais desse pensamento. Ouer tratando de quest6es diferentes ao conhecimento, quer tratando de questdes referentes CIS condi~des de existencia do homem, quer tratando de quest&% referentes ao agir, todo pensamento sistemati- zado traz em seu bojo elementos profundamente relacio- nados a educa~80, uma vez que esta e, na realidade, um esforqo que visa, com certo grau de sistematicidade, intencionalizar o social no desdobramento do historico. E, enquanto tal, a educaqiio se vincula, direta e intrinse- camente, com as abordagens epistemologicas, antropo- logicas e axiologicas, presentes, explicita ou implicitamente, nas produqdes teoricas da filosofia e das ci6ncias humanas.

0 Projeto desta Coleqiio estA aproveitando os resul- tados de um esfor~o cada vez mais consistente que vem sendo desenvolvido, sobretudo no imbito dos cursos de pbs-graduaqiio, com vistas a realizaqiio de pesquisas e de estudos que buscam refazer a constru~iio coletiva do conhecimento na tradiqiio cultural do Ocidente. E a proposta e de se colocar ao alcance de todos que se envolvem com a educaqiio, essa produqiio teorica que, por sua propria natureza, possa contribuir para o esclare- cimento e compreensiio do process0 educacional, inde- pendentemente da &ea em que essa produqAo se deu. A Coleqiio enfatiza seu objetivo de ampliar o universo das inspira~des te6ricas para os educadores, viabilizando-lhes o acesso a urn espectro mais amplo de pensadores.

Inicialmente o Projeto privilegia pensadores moder- nos e contemporheos, que e&o marcando mais nitida- mente a reflexiio nos tempos atuais. Mas em se tratando de um Projeto que se desdobrara a longo prazo, contem- plara tambem os pensadores classicos, da antiguidade e da modemidade. A proposta inclui tarnbem pensadores brasileiros que ja deram sua contribuiqao ao debate teorico, subsidmdo a compreensiio de nossa problema- tica educacional.

Estamos certos de estar colocando a disposi@o de todos os estudantes e profissionais da &ea mais um valioso instrumento de trabalho didatico e um fecund0 roteiro inicial de pesquisa e de reflexiio.

Ant6nio Joaquim Severino Coordenador

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Decorridos mais de trinta anos da morte de Henri Wallon, vemos surgir, no cen6rio da educaqao, um grande interesse por sua psicologia. Trata-se de um "resgate teorico" muito importante, com potencial de trazer signi- ficativas contribui~des para a reflex20 pedagbgica.

Buscando compreender o psiquismo humano, Wal- lon volta sua atenq%o para a crianqa, pois atraves dela e possivel ter acesso a g6nese dos processos psiquicos. De uma perspectiva abrangente e global, investiga a crianqa nos virios campos de sua atividade e nos varios momen- tos de sua evoluq3o psiquica. Enfoca o desenvolvimento em seus dominios afetivo, cognitivo e motor, procurando mostrar quais s20, nas diferentes etapas, os vinculos entre cada campo e suas implica~des corn o todo representado pela personalidade.

Considerando que o sujeito constroi-se nas suas intera~des com o meio, Wallon propde o estudo contex-

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tualizado das condutas infantis, buscando compreender, em cada fase do desenvolvimento, o sistema de relacdes estabelecidas entre a crian~a e seu ambiente.

Para Wallon, o estudo da crianca n3o e um mero instrumento para a cornpreens30 do psiquismo humano, mas tambem uma maneira de contribuir para a educaqiio. Mais do que um estado provisorio, considerava a infiincia como uma idade unica e fecunda, cujo atendimento e tarefa da educaeao. A preocupa~Bo pedagogica e presen- $a forte na psicologia de Wallon, tanto nos escritos em que trata de questdes mais propriamente psicologicas - que constituem a maioria - como naqueles em que discute assuntos especificos da pedagogia.

A fecundidade das contribuicdes da psicologia gene- tics de Wallon para a educac8o deve-se a perspectiva global pela qual enfoca o desenvolvimento infantil, mas tambem a atitude teorica que adota. Utilizando o mate- rialism~ dialetico como fundamento filosofico e como metodo de a n m e , as ideias de Wallon refletem uma incrivel mobilidade de pensamento, capaz de resolver muitos impasses e contradi~des a que levam teorias baseadas numa 16gica rigida e meciinica. Contrhrio a qualquer simplifica@~o, enfrenta a complexidade do real, procurando compreende-la e explica-la por uma perspec- tiva dinhica, multifacetada e extremamente original.

I? um projeto ambicioso, que resulta numa teoria com- plexa e difid, pouco sedutora para o leitor apressado. Para seu desconforto, Wallon n30 prop& um sistema no qual se dkptkm, de forma bem arrumada, etapas e processes da evolu@o psiquica. Ao contr&io, para tram do process0 de desenvolvimento de uma perspectiva abrangente, reaha urn verdadeiro vaivem de um campo a outro da atividade infantil e entre as v&ias etapas que compikm o desenvol- vimento.

A complexidade da teoria soma-se a aridez dos seus textos, repletos de termos medicos e neurologicos. Em seus escritos n3o se percebe nenhuma preocupa~iio corn a clareza de exposic80, o que, em alguns casos, chega a ser desestimulante. No entanto, a leitura torna-se mais fluente a partir do momento em que o leitor consegue captar a dinhica do raciocinio walloniano, podendo entiio acompanhar os meandros de suas exposi~des.

Uma visiio de conjunto da teoria e nocbes prelimina- res de seus principais temas siio fatores que podem facilitar, em muito, a leitura direta dos textos de Wallon. Com o objetivo de propiciar a aquisi~80 desses recursos selecionamos os temas que compdem este limo. Para tornar a teoria mais acessivel, procuramos dar uma certa ordem as ideias sem descaracterizar o raciocinio peculiar ao autor.

0 s capitulos s8o divididos por &mas e est2o organiza- dos de forma encadeada, isto e, os temas tratados num capitulo tomarn por ponto de partida os temas abordados nos anteriores, assirn, e recomendavel le-10s em seqiiencia.

No primeiro capitulo, apresentamos traqos biogrhfi- cos de Wallon, mostrando episodios de sua vida como intelectual e homem engajado nos problemas de sua epoca.

No segundo, trapnos os alicerces sobre os quais sustenta-se a psicologia walloniana: seus fundamentos filosoficos e sua concepe30 metodologica.

0 terceiro capitulo propde-se a dar elementos para a compreensiio da complexa diniimica que a teoria assinala ao desenvolvimento infantil, apresentando os principios que h e imprimem o ritmo.

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Do quarto ao setimo capitulo, propomo-nos a tratar do que Wallon charna de campos funcionais, isto e, os dominios entre os quais se distribui a atividade da crian- Ca. Cada capitulo e dedicado a um campo: a pessoa, as emo~des, o movirnento e a intelighcia, respectivamente.

0 oitavo capitulo da inicio a discuss20 acerca das implicaq3es educacionais da teoria, sintetizando algumas ideias de Wallon sobre as dimensdes s6cio-politicas da educa~tio.

0 nono capitulo aponta urna das conseqiihcias de utiliza~Bo da psicogenetica walloniana como instrumento para a reflextio pedagogica, a saber, a necessidade de urna educa~tio da pessoa completa.

No decimo, realizamos urna leitura mais livre das implica~des educacionais da psicogenetica walloniana, utilizando alguns de seus conceitos para refletir acerca de situa~des de conflito vividas no cotidiano escolar.

PERFIL DE UM HUMANISTA

Henri Wallon nasceu na Fran~a, em 1879. Viveu toda sua vida em Paris, onde morreu em 1962. Foi urna vida marcada por intensa produ~Bo intelectual e ativa partici- pa@o nos acontecirnentos que marcaram sua epoca. Sua biografia nos apresenta o perfil de um homem que buscou integrar a atividade cientifica a aqtio social, numa atitude de coerencia e engajamento.

Antes de chegar a psicologia passou pela filosofia e medicina, numa trajetoria que trowe marcas para a formula@o de sua teoria. Ao longo de sua carreira foi cada vez mais explicita a aproxima~tio com a educaqBo.

Numa entrevista concedida ja no fim da vida, Wallon conta que seu interesse pela psicologia manifestou-se cedo, ja na epoca em que terminava os estudos secunda- rios. "Minha inclina~20 para a psicologia fez-se inde- pendentemente de qualquer influencia exterior (...). Foi antes de mais nada urna disposi~Bo geral, urna quest20 de gosto, de curiosidade pessoal pelos motivos e razdes

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que levam as pessoas a agir. Ainda hoje ocone com freqiiencia de eu extrair urna palavra de uma conversa e registrd-la sem bem saber o porqu~"l.

Em 1902, aos vinte e tres anos, formou-se em filosofia pela Escola Normal Superior. Durante o ano seguinte, deu aulas da materia no ensino secundhio. Como professor, discordava dos autorit6rios metodos empregados para controle disciplinar, bem como do patrulhamento clerical exercido sobre o ensino, o qual levava, segundo suas palavras, ao obscurantismo e a desconfianqa.

Por ocasiiio da formatura dos alunos, quando era feita distribui~Bo de premios, deixou evidentes suas preocu- paqdes com as causas sociais. No discurso que proferiu, ao inves de simplesmente exaltar os meritos dos premia- dos, advertiu-lhes sobre a divida social que tinham para com a sociedade que, trabalhando, dava-lhes o privilegio de freqiientar o ensino secundkio.

Esta inclinaqBo para o social, traduzida numa traje- t6ria de compromisso etico e engajamento politico, teve origem ainda na infsncia. Membro de uma familia de tradiqiio universitkia e republicana, Wallon foi criado numa atmosfera humanista. Seu av6, figura pela qual nutria grande admiraqiio, foi historiador, discipulo de Michelet e politico de oposiqiio ao Segundo Imperio. Deputado na Assembleia Constituinte, foi o autor da emenda conhecida como "emenda Wallon" que introdu- ziu a palavra "rep~lica" na Constituiqiio de 1875.

"Devo A minha familia o fato de ter sido criado numa atmosfera republicana e democratica. Uma de minhas primeiras lembranqas e a morte de Victor Hugo. Eu tinha seis anos. Ap6s o jantar, meu pai nos leu fragmentos de Chitiments. Isso me tocou muito. Na manhii do dia seguinte, meu pai nos levou, meu irmiio e eu, a casa mortuAria. Victor Hugo era contra os tiranos, explicou meu pai. Isso me tocou ainda mais"'.

Henri Wallon viveu num periodo marcado por muita instabilidade social e turbulencia politica. Acontecimen- tos como as duas guenas mundiais (1914-18 e 1939-45), o avanqo do fascism0 no periodo entre-guenas, as revo- luq6es socialistas e as guerras para liberta~so das col6nias na Africa atingiram boa parte da Europa e, em especial, a Franqa.

E provavel que, caso tivesse vivido numa epoca de menor instabilidade social, niio tivesse tido a necessidade de ser ti30 claro nas suas posiqdes, nem tampouco h e tivesse ficado tiio evidente a influencia fundamental que o meio social exerce sobre o desenvolvimento da pessoa humana, influgncia que, como veremos mais adiante, recebe lugar de destaque em sua teoria. E ainda que a noqiio de conflito niio fosse ti30 presente em sua obra. Nas palavras de Zazzo, "Wallon e um homem da contradiqiio num mundo de contradiq&s, numa sociedade, num uni- verso com conflitos cada vez mais agudos, cada vez mais explosivosu .3

1. Entretien avec Hemi Wallon, In Zazzo, R. (dir.) Enfane , 1968, 1-2.

2. Entretien avec H e ~ i Wallon. In Zazzo, R. (dir.) Enfanee, 1968, 1-2.

3. Zazzo. Re&. Allocution d'ouvelture. In Zazzo, R. (dir.) E n f a n e , 1959, 3-4.

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Alinhava-se aos intelectuais e politicos de esquerda, manifestando simpatia pelos regimes socialistas. "Era com simpatia que viarnos a Revoluqiio Sovietica. Em 1931, tive a oportunidade de ir a Moscou para um con- gresso de psicotecnicos. Ficamos muito bem impressio- nados, minha mulher e eu, com as cenas da ma, com o aspect0 de confianqa que havia na p~~ulaqi io" .~

Ja antes da primeira guerra, vendo nos partidos de esquerda urna altemativa para o fascismo que avanqava, aderiu ao Partido Socialists. Desligou-se logo em seguida, dizendo-se insatisfeito com a preocupaqiio "eleitoreira" do partido, com o que chamou de "eleitoralismo triunfante".

No final dos anos 30, Wallon envolveu-se em movi- mentos contra o facismo, tendo participado das manifes- taqdes de protest0 contra a ditadura de Franco, na Espanha. Pouco antes da ascensao do ditador, integrou a delegaqao que foi a Madri levar, ao povo espanhol, a solidariedade dos franceses contra a deposi~80 da Repu- blica.

Durante a segunda guerra, no period0 em que a Franqa encontrou-se ocupada pelos alemiies (1941 a 1944), Wallon atuou intensamente na Resistencia France- sa, movimento que mobilizava os opositores ao fascismo invasor. Perseguido pela Gestapo, a policia politica dos nazistas, teve que viver na clandestinidade. Foi forqado, pel0 govern0 de Vichy, a interromper suas atividades academicas. Contudo, niio intenompeu sua atividade cientifica, prosseguindo clandestinamente com as pes-

quisas em seu laboratorio e chegando mesmo a publicar, durante este pericdo, o livro Do ato ao pensamento.

No ano de 1942, em plena Resistencia, filiou-se ao Partido Comunista, do qua1 ja era simpatizante. Manteve a ligaqiio com o partido ate o fim da vida. Um episbdio narrado por zazzo5, colaborador e companheiro de lutas politicas, revela, entretando, que sua ades8o niio era incondicional. Trata-se da posiqiio assumida diante da invasso da Hungria pelo Exercito Vermelho. Contrario a sangrenta invasiio de Budapeste, Wallon assinou com Pignon, Picasso e alguns outros, "a carta dos dez" que repudiava o ocorrido e cobrava a convocaqEio de um congress0 extraordinario para que o partido revisse a posiqiio de apoio entiio manifestada.

Mesmo assim, e precis0 admitir que Wallon niio foi muito enfatico em se declarar contra as atrocidades cometidas por Stalin. Quem sabe por ingenuidade, ou por necessidade de manter acesa a esperanqa. Ou ainda devido a contingencias da epoca em que viveu, quando os regimes comunistas representavam, de fato, a alterna- tiva mais capaz de superar as injustiqas sociais.

De volta de sua viagem a Moscou, em 1931, Wallon foi convidado a integrar o Circulo da Russia Nova, grupo formado por intelectuais que se reuniam com o objetivo de aprofundar o estudo do materialism0 dialetico e de examinar as possibilidades oferecidas por este referencial aos varios campos da cihcia. Essas discussdes tomaram- se publicas nos dois volumes do limo A luz do mandsmo, ambos prefaciados por Wallon.

4. Entretien avec Henri Wallon. In Zazzo, R. (dir.) Enfance, 1968, 1-2.

5. Zazzo, Re&. Henri Wallon: souveniers. In Zazzo, R. Enfance, 1993, 1.

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No irnbito deste grupo, o mandsmo que se discutia n8o era o sistema de governo, mas a corrente filosbfica. A Wallon interessava discutir as possibilidades do mate- rialism~ dialetico como metodo de anase e referencial epistemol6gico para sua psicologia. Devemos, pois, se- parar o plano politico do cientifico. "0 termo mandsmo faz hoje pensar num sistema de govemo, numa interpre- taq8o da Historia, num dogma. Isto tudo estA inteiramente fora do pensamento de Wallon. De Marx, ele ficou com o ideal de 1ibertaqBo e, no plano cientifico, conservou do marxismo nho o ensino de um dogma e sim um metodo de ani l i~e"~.

Para um perfil mais completo do nosso biografado, 6 precis0 ainda fazer referencia a sensibilidade que tinha para o mundo das artes. Amigo de vhrios pintores, Wallon possuia, em sua casa, uma respeitavel cole~80, com obras de artistas como Renoir, Matisse e Signac. Esta sensibi- lidade faz-se presente em sua teoria, que abre grande espaqo para o campo estetico, o da pura expressividade. Vejamos o paralelo que faz entre a atividade do cientista e a do artista. "Ha um grande parentesco entre o artista e o cientista. 0 cientista tem necessidade de mais ima- ginaq8o do que costuma-se supor. Ele precisa remanejar a realidade para compreende-la. 0 artista precisa desar- ticula-la para reafirma-la a sua maneiraM7.

6. Zazzo. R e d . In Dantas. Pedro da Silva. Para conhecer Wdon: urna psicologia dialbtica. SBo Paulo, Brasiliense, 1983.

7. Entretien avec Hemi Wallon. In Zazzo, R. (dir.) Enfance, 1968, 1-2.

DA MEDICINA A PSICOLOGIA DA CRIANW

Na epoca em que Wallon fez seus estudos n80 existia, na estrutura da universidade, um curso especifico de psicologia. Levado pela Vitaq80 das circunst&cias, impulsionado pela tradiq8o medico-filosofica da psicolo- gia francesa, mas tambem pel0 interesse em conhecer a organizaq80 biol6gica do homem, cursou medicina. For- mou-se em 1908.

Ate 1931 atuou como medico em instituiqdes psi- quiatricas (Hospital de Bicetre e depois no Hospital da Salpetriere), onde dedicou-se ao atendimento de crianqas com deficiencias neurol6gicas e disturbios de comporta- mento. Em 1914, mobilizado como medico do exercito franc&, permaneceu por varios meses no front de com- bate. De volta a Paris, dedica-se ao atendimento de feridos de guerra e retoma suas atividades na Salpetrikre. 0 contato com lesdes cerebrais de ex-cornbatentes o fez rever algumas concepqdes neurologicas que havia desen- volvido no atendimento de crianps portadoras de defi- Ciencias.

Paralelamente a atuaq8o como medico e psiquiatra, consolida-se seu interesse pela psicologia da crianqa. 0 s conhecimentos no campo da neurologia e da psicopato- logia, adquiridos durante a experiencia clinica, ter8o importante papel na constitui~80 de sua teoria psicologi- ca. De 1920 a 1937,6 o encarregado de conferencias sobre psicoma da crianqa na Sorbonne e em outras instituiq6es de ensino superior.

Em 1925, funda um laboratorio destinado a pesquisa e ao atendimento clinic0 de crianqas ditas "anormais". Por 14 anos, o Laborat6rio de Psicobiologia da Crianqa funcionou junto a uma escola na periferia de Paris e so

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em 1939 mudou-se para sua sede definitiva, onde funcio- na ate hoje. A proximidade da escola n8o foi somente uma adapta~8o a limita~des circunstanciais, mas um recurso para ter acesso a crian~a contextualizada, isto 6 , inserida no seu meio. Esta proximidade possibilitou ainda, ao psicologo, contato com as questdes da educaq80.

Ainda em 1925, Wallon publica sua tese de doutorado intitulada A crianga turbulenta. Este trabalho inicia um periodo de muita produtividade, durante o qual ser8o publicados seus livros mais importantes, todos voltados para o dominio da psicologia da crianva. 0 ultimo deles, Origens do pensamento na crian~a, e de 1945.

De 1937 a 1949, lecionou no Colegio de Fran~a, com interrup~80 no periodo de 1941-44, durante a ocupaqBo alem8. Nesta instituiq80, considerada o berqo da psicolo- gia francesa, ocupou a cadeira de psicologia e educa~Bo da crian~a.

Em 1948, cria a revista Enfance, publica~Bo que deveria ser ao mesmo tempo instrumento para os pesqui- sadores em psicologia e fonte de infonnaqdes para os educadores. Neste periodico, que ainda atualmente tenta seguir a linha editorial original, Wallon publicou artigos sobre pesquisas, individuais e com colaboradores, e es- creveu prefacios a numeros especiais. A variedade dos temas sobre os quais tratam os prefacios ("0s livros para crimps", "cineclubes para jovens" "a adolescbcia", entre outros) atesta seu interesse pela multiplicidade de campos onde se da a atividade da crian~a.

Ao longo de sua carreira, as atividades do psicologo Henri Wallon form se aproximando cada vez mais da educaq80. Se, por um lado, viu o estudo da crianqa como um recurso para conhecer o psiquismo humano, por outro, interessou-se pela inftincia como problema concre- to, sobre o qual se debru~ou com atenqgo e engajamento. E o que mostram seu interesse teorico por problemas da educa@o e sua participa~Bo no debate educacional de sua epoca.

Considerava que entre a psicologia e a pedagogia deveria haver uma rela~8o de contribui~go reciproca. Via a escola, meio peculiar a infincia e "obra fundamental da sociedade contemporibea" , como um context0 privile- giado para o estudo da crianqa. Assim, a pedagogia ofereceria campo de o b s e ~ a ~ 8 o a psicologia, mas tam- bem questdes para investiga~80. A psicologia, por sua vez, ao construir conhecimentos sobre o process0 de desenvolvimento infantil ofereceria um importante instru- mento para o aprimoramento da pratica pedagogics.

Escreveu diversos artigos sobre temas ligados a educa~go, como orienta~Bo profissional, forma~8o do professor, intera~8o entre alunos, adapta~iio escolar. Mesmo em seus textos dedicados especificamente a temas da psicologia s8o freqiientes as referencias a ativi- dade da crian~a na escola.

Participou ativamente do debate educacional de sua epoca, quando os criticos ao ensino tradicional reuniarn- se no Movirnento da Escola Nova. Wallon participou do Grupo Frances de Educaq3o Nova - que presidiu, de 1946 a 1962 - e onde p6de conhecer as diferentes doutrinas propostas pel0 movimento. Integrou tambbm a Sociedade

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Francesa de Pedagogia, que reunia educadores com o objetivo de trocar experiencias e reflex&. Nesta entida- de - que presidiu de 1937 a 1962 - p6de entrar em contato com o meio dos professores e corn os problemas concre- tos do ensino prim4rio.

Mesmo envolvido com o rnovimento, Wallon conse- guia manter certo distanciamento critico, fazendo consi- deraqees ainda hoje pertinentes. Uma delas diz respeito ao risco de espontaneismo subjacente As propostaS de renovaqi40 pedagwca.

Dos expoentes da Escola Nova, Decroly era o que mais h e agradava. Identificava, na pedagogia do educa- dor belga, pontos de converg6ncia corn sua psicologia, sobretudo no que tange a exigencia de a escola encarar a crianqa como ser total, concreto e ativo e de manter-se em contato corn o meio social.

Seu interesse pela educaqtlo esteve presente na via- gem que fez ao Brasil, em 1935. Nas palavras do sociblogo Gilberto Freyre, que anfitriou Wallon no Rio de Janeiro, passaram "o dia todo correndo escolas e o morro da Mangueira" .

Durante a Resistencia envolveu-se em discuss6es acerca da reforma do sistema de ensino franc&. Logo ap6s a Libertaq80 foi designado, pel0 Conselho Nacional da Resistbcia, corno secreWo-geral da educa~80 nacio- nal. Permaneceu no cargo por um m6s, ate a nomeaq6o de urn ministro, por parte do govern0 de De Gaulle.

Ainda em 1944, Wallon foi chamado para integrar uma comiss6o nomeada pelo Minist6iio da EducaqSo Nacional, encarregada da reformula@o do sistema de ensino franc&. Assumiu a presidencia da comiss?io em substitui~tlo ao fisico Paul Langevin, morto no final de

1946.0s trabalhos da comissi4o resultaram num ambicio- so projeto de reforma do ensino, o Plano Langevin-Wallon.

Esse projeto, cuja vers8o final foi redigida por Wallon, e a expresstlo mais concreta de seu pensamento pedago- gico. Portador do espirito reinante na Resistencia, o plano representa as esperanqas em uma.educaq80 mais justa para uma sociedade mais justa. A reforma proposta (que ni4o chegou a ser implantada) deveria operar-se no senti- do de adequar o sistema & necessidades de uma socie- dade democratica e as possibilidades e caractensticas psicol6gicas do individuo, favorecendo o mhximo desen- volvimento das aptiddes individuais e a formaq80 do cidad8o.

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UMA PSICOG~~NESE DA PESSOA COMPLETA

Desde suas origens, a psicologia se vi3 as voltas com a defini~80 de suas balizas como campo de conhecimen- to. A natureza de seu objeto - o proprio sujeito - dificulta que este seja tratado de forma exterior e distanciada, e a torna especialrnente suscetivel a substitui~bes indevidas entre o plano subjetivo e o objetivo. Outro agravante corresponde a dificuldade de situa-la entre os campos da atividade cientifica: cihcias do homem ou ciencias da natureza?

Preocupado em afirmar a especificidade da psicolo- gia como ciencia, Wallon busca explicitar seus fundamen- tos epistemologicos, objetivos e metodos. Dialoga com as principais correntes no pensamento filosofico ocidental,

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procurando identificar a origem das contradi$ks que atingem a psicologia de sua epoca. Opde-se & concep- qdes reducionistas que limitam a compreens30 do psi- quismo humano a um ou a outro termo da dualidade espirito-materia.

Tece vigorosas criticas a psicologia da introspecqiio que, baseada numa concepq30 idealista, ve o psiquismo como entidade incondicionada, completamente inde- pendente do mundo matenal. P rom a introspecC30, isto e, a reflex30 do sujeito sobre suas s e n s a w e imagens men- tais, como Mco instrumento de acesso a vida psiquica. Reduzindo o psiquismo a vida interior, esta teoria coloca a conscihcia como ponto de partida da psicologia e como linico meio de explica~30 para a realidade psiquica.

Esta concep~30 idealista est6 presente tambem na teoria de Bergson, que leva ainda mais adiante o mergu- lho intimo proposto pela psicologia introspectiva. Consi- derando que toda referencia aos fatores exteriores altera a realidade fundamental das coisas, Bergson elege a intui~iio como unica via de acesso ao real. Assim, no campo dos fen6menos psiquicos, opde-se ao emprego de qualquer procedimento de an&e proveniente das cien- cias naturais (obse~aq30, e~pe~irnentaqiio, mensuraqao), que falseariam esta realidade. Assim, Bergson recusa a possibilidade da psicologia cientifica.

No extremo oposto, os materialistas mecanicistas proclamam as bases biologicas da ciencia psicolbgica. Remetendo a explicaqiio dos fendmenos psiquicos a fa- tores exteriores, situam-nos na matbria e no 0rganism0. Por essa vis3o organicista, a consciencia seria urn simples decalque das estruturas cerebrais. Esse reducionismo expressa-se bem na formula proposta por Cabanis, se- gundo a qual o pensamento e um produto do cerebro, tal como a bile e produto do figado.

Wallon adrnite o organismo como condi~iio primeira do pensamento, afinal toda fun~iio psiquica supde urn equipamento orghico. Adverte, contudo, que niio h e constitui uma razao suficiente, ja que o objeto da aqiio mental vem do exterior, isto e, do grupo ou ambiente no qual o individuo se insere. Entre os fatores de natureza orghica e os de natureza social as fronteiras sao tenues, e uma complexa rela@o de determina~iio reciproca. 0 homem e determinado fisiologica e socialmente, sujeito, portanto, a uma dupla historia, a de suas disposi~des intemas e a das situacdes exteriores que encontra ao longo de sua existencia.

Wallon identifica, nessas abordagens psicologicas, a expressao das contradiqdes do pensamento dualista ao qual se opunha. "Psicologia idealista, tese. Materialism0 mecanicista, antitese. Mas a sintese foi ainda atrasada por uma atitude neutralista, o positivismo, que e ainda defendida por um grande numero de cientistas. "13 Contra- rio ao positivismo, Wallon censura aos adeptos desta concep@io a inten~30 de reduzir as ciencias do homem ao estudo de objetos exteriores passiveis de serem abor- dados conforme criterios de neutralidade e objetividade, tais como definidos nas ciencias da natureza. Para Comte, ao cientista cabe somente 0bse~ar (e medir) os fatos, constatar suas condi~des objetivas de existencia e esta- belecer co-relaqdes entre as variaveis envolvidas, man- tendo-se deles distanciados. Segundo o filosofo posi- tivista, o fato de ter um objeto que modfica-se conforme 6 observado (tomava por referencia a introspec@io) torna

8. Wallon, Henri. Metbrialisme dialectique et psychologie, In Wal- lon, Hemi. Psychologie et dialeciique. Paris, Messidor/Ed. Sociales, 1990, p. 134.

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psicologia impermeavel ao rigor e a objetividade. Assim, Comte recusa a inclusao da psicologia no quadro das ciencias.

$ possivel identificar, nas criticas que faz Wallon &s diversas abordagens da psicologia ou filosofia, a constan- te inten~6o de tentar superar dicotomias e analises redu- cionistas. Esta inten~6o permanente, traCo caracteristico de sua atitude teorica, refor~a a atuahdade de seu pensa- mento; afinal, a superaq60 dos dualismos continua sendo uma questao da m w a releviincia no debate te6rico contemporineo.

Segundo nosso autor, o matenahsmo dialetico, ao coordenar pontos de vista apresentados sob forma exclu- siva e absoluta pelas diferentes doutrinas filos6ficas, e a unica abordagem que permite a supera~6o das antino- mias que entravam a objetiva cornpreens60 da realidade. Buscando a compreens%o dos fen6menos a partir dos vkios conjuntos dos quais participa e admitindo a con- tradi~ao como constitutiva do sujeito e do objeto, este referencial apresenta-se como particularmente fecund0 para o estudo de uma realidade hibrida, como e a da psicologia.

A existencia do homem, ser indissociavelrnente bio- logic~ e social, se dB entre as exigencias do organismo e as da sociedade, entre os mundos contraditorios da materia viva e da consci6ncia. 0 estudo do psiquismo n%o deve, portanto, desconsiderar nenhum desses fatores, nem tampouco trata-10s como termos independentes; deve ser situado entre o campo das ci6ncias naturais e sociais. Para constituir-se como ciencia, a psicologia precisa dar um passo decisivo no sentido de unir o espirito e a materia, o orgikico e o psiquico.

Para Wallon, o estudo desta realidade movedi~a e contra&toria que e o homem e seu psiquismo beneficia-se enormemente do recurso ao materidsmo dialetico, pers- pectiva filosbfica especialmente capaz de captar a reali- dade em suas permanentes mudan~as e transforma~des. "Decalcado do real, aceita toda a sua diversidade, todas as contradiqdes, convencido de que elas devem se resol- ver e que ate s%o elementos de explicaq60, pois que o real e o que e, n6o obstante ou mais precisamente por causa delas" .'

Devido a adequa~go as caractensticas do seu objeto, Wallon adota o materialism0 dialetico como metodo de andise e fundarnento epistemologico de sua teoria psico- logics, uma psicologia dialetica.

A psicologia genetica estuda as origens, isto e, a .genese dos processos psiquicos. Partindo do mais sim- ples, do que vem antes na cronologia de transforma~des por que passa o sujeito, a andise genetica e, para Wallon, o dnico procedimento que n6o dissolve em elementos estanques e abstratos a totalidade da vida psiquica. Constitui-se, assim, no metodo de uma psicologia geral, concebida como conhecimento do adulto atraves da crianqa.

9. Wallon. H e ~ i . Fundamentos metafisicos ou fundamentos dial& ticos da psicologia. In Objectives e mbtodos da psicologia. Lisboa, Editorial Estampa. 1975.

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Recusando-se a selecionar um unico aspect0 do ser humano e isola-lo do conjunto, Wallon prop6e o estudo integrado do desenvolvimento, ou seja, que este abarque os v&ios campos fundonais nos quais se distribui a atividade infantil (afetividade, motricidade, inteligencia). Vendo o desenvolvimento do homem, ser "geneticamente social", como process0 em estreita dependencia das condiq6es concretas em que ocorre, prop& o estudo da crianqa contextualizada, isto e, nas suas rela@es com o meio. Podemos definir o projeto teorico de Wallon como a elaboraqiio de uma psicogenese da pessoa completa.

Em termos metodol6gicos, a teoria walloniana tem seus pilares na perspectiva genetica e na anase compa- rativa. Para este autor, "a explicaq80 de urn fen6meno exige que se saia do plano em que ele se dB, ja que um fato niio pode canter a propria causal:; quanto maior o numero de planos de comparaq80 utfizados mais com- pleta a explicaqBo dos fenemenos estudados. Assim, para a compreens80 do desenvolvimento infantil n8o bastam os dados fomecidos pela psicologia genetica, 6 preciso reconer a dados provenientes de outros campos de co- nhecimento. Neurologia, psicopatologia, antropologia e a psicologia animal foram os campos de comparaqgo privi- legiados por Wallon.

Tran Thong chama de "concreto multidimensional" este m6tod0, que, em resumo, consiste em estudar "a crianqa como uma realidade viva e total no conjunto de sua atividade, de seu comportamento e no conjunto de suas condi~des de existencia e em seguir seu desenvol-

vimento em todos 0s seus aspectos e situa-lo com relaq80 a outros desenvolvimentos com os quais apresente algum tip0 de semelhanqa"".

A patologia funciona como uma especie de lente de aumento que permite enxergar, de forma acentuada, fen6menos tamb6m presentes no individuo normal. Tor- nando-o mais lento ou fucando-o num determinado nivel, os disturbios patol6gicos deixam mais evidentes proces- sos tambem presentes no individuo normal, no qual s8o mais dificilmente apreendidos devido ao ritmo acelerado com que ocone o desenvolvirnento e a maior quantidade de funq6es em atividade.

Wallon acompanhou com atenqiio os avancos da neurologia da epoca (Pavlov, Sherrington) e, contr&io a vis3o localizacionista, defendia a ideia da plasticidade do sistema nervoso. 0 estudo das sindromes psicomotoras, ao qual dedicou-se diretamente, deixou evidentes as rela~des entre movimento e psiquismo, bem como o papel fundamental desempenhado pel0 meio social. Em situa- CBO de dependencia, o doente dirige suas aqdes para as pessoas das quais depende, criando um vinculo que age sobre suas proprias reaqdes. $ a interferencia do meio pode ser percebida ja nas condutas mais proximas do funcionamento orghico, como e o caso nas patologias, na crianqa normal esta influencia e ainda maior.

No campo da psicologia animal, Wallon aproveitou os resultados de diferentes tipos de pesquisa, de acordo com a quest80 enfocada. Por exemplo, para discutir o

10. Dantas, Heloysa. A infhcia da razgo: uma introdu@o pslpslCO-

logia da intefigencia de Henri Wallon. SLo Paulo, Manole, 1990, p. 11.

11. Tran Thong. Stades et concept de stade de dbveloppement de l'enfant dansla psycbologie contempomine. Paris, Librairie Philosophique J. Vrin, 1986, p. 287.

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significado e o impact0 da linguagem no desenvolvirnen- to, utiliza-se dos resultados das experiencias de Kohler com chimpazes, animais cujo traqo diferencial com a especie humana e justamente a ausencia de funqiio simbolica.

A antropologia, que na epoca dedicava-se sobretudo ao estudo das sociedades ditas primitivas, fomeceu-lhe valioso material cornparativo. Para Wallon, a comparaqiio entre sociedades distintas favorece que se apreenda a influencia das tecnicas, instrumentos e conhecimentos, ou seja, do meio cultural, sobre o desenvolvimento do sujeito. Niio se deve, todavia, simplesmente assimilar a crianqa ao "primitivo", como se esta, em seu process0 de desenvolvimento, fosse perconer as mesmas etapas que percorreu a especie humana na historia da hurnanidade, numa recapitulaqiio da filogenese pela ontogenese.

Neste campo, destaca-se a influencia exercida por Levy-Bruhl, de quem Wallon foi aluno e a quem atribui a abertura de seus horizontes para a importiincia do estudo de outras civilizaqdes. Em seus estudos antropologicos este pesquisador opde a mentalidade das sociedades atuais a das sociedades ditas primitivas, atribuindo a primeira o primado da raziio e as segundas a irracionali- dade. Em conseqiiencia, aproxima o "pensamento primi- tivo" do pensamento da crianqa, classificando ambos como pre-logicas.

Pela anidise que faz de dados antropologicos Wallon contesta essa posiqiio. Identifica nos mitos tentativas racionais de explicar o real, calcadas na objetiva diferen- ciaqiio entre a existencia sensivel e a imagin&ia. Assim, aproxima o pensamento do "primitivo" do pensamento cientifico (logico) e o distancia do pensamento infantil. Todavia, mesmo insistindo nas diferenqas existentes en-

tre o pensamento da crianqa e o do primitivo, reconhece semelhanqas entre ambos, as quais se devem a fatores diferenciados: na crianqa explica-se pela inaptidao provi- soria em utilizar as tecnicas e os instrumentos de sua propria epoca e no primitivo pela inexistencia desses recursos no ambiente em que se formou.

Niio obstante o recurso a outras 6reas de conheci- mento, Wallon utilizou-se largamente de pesquisas re&- zadas no campo da psicologia da crian~a, pesquisas pioneiras feitas por autores como Stem, Preyer, C. BuNer e Guillaume. Aproveitou o material descritivo oferecido por esses autores, composto, em sua maior parte, de minuciosas observaqdes longitudinais (uma mesma crianqa acompanhada em varias idades). Discute as in- terpretaqdes dadas pelos autores das obse~aqdes e busca explicaqdes capazes de integrar as diversidades dos da- dos em que se baseia, contextualizando-os num refer- encial explicativo proprio.

Foi intensa a interlocuqiio de Wallon com as teorias de Piaget e de Freud. No didogo mantido com o primeiro, de quem foi contemporiineo, alimenta o tom de polemica, numa atitude que h e era peculiar. "Por pane de Piaget, existe uma disposiqiio permanente para buscar continui- dade e complementaridade entre sua obra e a do colega. (...) Wallon, pel0 contriaio, acentua sempre as contradi- qdes e dessemelhanqas entre elas, ja que, a seu ver, esse e o melhor procedimento a adotar na busca do conheci- mento"." Concordes quanto a utilidade da anase gene- tics para a compreensiio dos processos psiquicos,

12. Dantas. Heloysa. A infzncia da razso: uma introdu@o d psico- logia da intehgincia de Henn' Wallon. SBo Paulo, Manole. 1990, p. 11-12.

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utilizavam-na para projetos te6ricos distintos: Wallon pretendia realizar urna psicogenese da pessoa e Piaget urna psicoghese da intelighcia.

Nas numerosas referikcias que faz A psicanidise de Freud, Wallon mantem urna atitude ambivalente, ao mes- mo tempo de interesse e reserva. Partindo de formaqao similar (neurologia e medicina) a atua~ao pratica que tiverarn esses psicologos imprimiu direqdes distintas a evoluqBo de suas teorias. "Freud foi obrigado a abandonar o dominio da neurologia para criar a terapia das neuroses, ao passo que Wallon mantem-se ligado as categorias neurologicas, numa necessidade que h e era, provavel- mente, imposta pelo atendimento clinic0 a crianqas com disturbios de c~mportamento"'~.

No que conceme aos procedimentos metodologicos para se ter acesso a crianqa, Wallon elege a observagiio como o instrumento privilegiado da psicologia genetica. A observa~iio permite o acesso a atividade da crianqa em seus contextos, condiqao para que se compreenda o real significado de cada urna de suas manifestaqdes: so po- demos entender as atitudes da crianqa se entendemos a trama do arnbiente no qual esta inserida.

Adverte, todavia, para a ilusao de que a O ~ S ~ N ~ C B O seja um recurso totalmente objetivo, um decalque exato e completo da realidade. Toda observaqBo supde urna escolha, "dirigida pelas relaqdes que podem existir entre o objeto ou fato e a nossa expectativa, em outros termos, nosso desejo, nossa hlpotese ou mesmo nossos simples

h6bitos mentai~"'~. Como distinguir a fronteira entre a subjetividade do observador e a realidade objetiva? Ad- mitindo o esfor~o de objetividade que deve reger a pratica cientifica, Wallon recomenda que o obse~ador se esforce por explicitar, ao mixho, os referenciais previos que influenciarn seu olhar e sua reflexao.

Um referencial inevitavel para o adulto que estuda a crianqa 6 a comparaqao entre o comportamento desta e o seu propno. Nesse contraponto, e comum que se olhe a conduta da crianqa como um diminutivo da conduta do adulto, como se entre arnbas houvesse so diferenqas quantitativas. Esta perspectiva leva a caracterizaq80 do comportamento infantil como um aglomerado de faltas e insuficiencias, o que obscurece a apreensao de suas peculiaridades e caractensticas proprias. Discordando das teorias que assim procedem, Wallon propde que se estude o desenvolvimento infantil tomando a propria crianqa como ponto de partida, buscando compreender cada urna de suas manifestaqdes no conjunto de suas possibilidades, sem a previa censura da logica adulta.

13. Jalley, Introduction la lecture de la vie mentale. In La vie mentale. Paris, fiditions Sociales, 1982, p. 27.

14. Wallon, Henri. L'6volution psycholog.~'que de I'enfant. Paris, Armand Colin, p. 18 e 19.

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A COMPLEXA D I N ~ I C A DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

No desenvolvimento humano podemos identificar a exist6ncia de etapas claramente diferenciadas, caracteri- zadas por um conjunto de necessidades e de interesses que h e garantem coerhcia e unidade. Sucedem-se numa ordem necessaria, cada uma sendo a prepara~Bo indis- pensavel para o aparecimento das seguintes.

0 estudo da crianqa contextualizada possibilita que se perceba que, entre os seus recursos e os de seu meio, instala-se uma dinhica de determins~des reciprocas: a cada idade estabelece-se um tip0 particular de interaqdes entre o sujeito e seu ambiente. 0 s aspectos fisicos do espaqo, as pessoas proximas, a linguagem e os conheci- mentos proprios a cada cultura formam o contexto do desenvolvimento. Conforme as disponlbilidades da idade, a crianqa interage mais fortemente com um ou outro aspect0 de seu contexto, retirando dele os recursos para o seu desenvolvimento. Com base nas suas competikcias

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e necessidades, a crianqa tem sempre a escolha do campo sobre o qua1 aplicar suas condutas. 0 meio n8o 6 , portan- to, m a entidade estAtica e homogenea, mas transforma- se juntamente com a criaqa.

A determinaq80 reciproca que se estabelece entre as condutas da c r i m p e os recursos de seu meio imprime um carater de extrema relatividade ao processo de desen- volvimento. NBo obstante esta permeabilidade As influen- cias do ambiente e da cultura, o desenvolvirnento tem uma dinhica e um ritmo pr6prios, resultantes da atuaqgo de prinapios fundonais que agem como uma especie de leis constantes. Mais adiante explicaremos quais silo esses principios.

FATORES ORGANICOS E FATORES SOCIAIS

0 s fatores orginicos s8o os responsaveis peia se- qiiencia fixa que se verifica entre os estagios do desen- volvimento, todavia, n80 garantem uma homogeneidade no seu tempo de duraq8o. Podem ter seus efeitos ampla- mente transformados pelas circunst~cias sociais nas quais se insere cada existencia individual e mesmo por deliberaqdes v o l u n ~ a s do sujeito. Por isso a duraq80 de cada estagio e as idades a que correspondem s8o refe- rencias relativas e variaveis, em dependencia de caracte- risticas individuake das condigdes de existencia.

Mais determinate no inicio, o biol6gico vai, progres- sivamente, cedendo espaqo de determinaq80 a0 social. Presente desde a aquisiqiio de habilidades motoras basi- cas, como a preensao e a marcha, a influencia do meio social toma-se muito mais decisiva na aquisiqio de condutas psicologicas superiores, como a inteligencia

simb6lica. $ a cultura e a linguagem que fomecem ao pensamento os instmentos para sua evoluq8o. 0 sim- ples amadurecimento do sistema nervoso n8o garante o desenvolvimento de habilidades in'telectuais mais com- plexas. Para que se desenvolvam, precisam interagir com "aliment0 cultural", isto e, linguagein e conhecimento.

Assim, n8o 6 possivel definir um lirnite terminal para o desenvolvimento da inteligencia, nem tampouco da pessoa, pois dependem das condiqdes oferecidas pelo meio e do grau de apropriaq3o que o sujeito fizer delas. As funqtks psiquicas podem prosseguir num permanente processo de especializaq80 e sofisticaqiio, mesmo que do ponto de vista estritamente orghico ja tenham atingido a maturaqtlo.

RITMO DO DESENVOLMMENTO

0 ritrno pelo qual se sucedem as etapas e desconti- nuo, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas. Cada etapa traz uma profunda mudanqa nas formas de atividade do estagio anterior. Ao mesmo tempo, condutas tipicas de etapas anteriores podem sobreviver nas seguin- tes, configurando encavalamentos e sobreposiqtks.

A psicogen6tica walloniana contrapde-se ?is concep- gdes que v&m no desenvolvimento m a hearidade, e o encaram como simples adiqgo de sistemas progressiva- mente mais complexos que resultariarn da reorganizaqgo de elementos presentes desde o inicio. Para Wallon, a passagem de um a outro e&gio nlio e uma simples ampliagtlo, mas m a reforrnulaqiio. Com freqiikia, ins- tala-se, nos momentos de passagem, uma crise que pode afetar visivelmente a conduta da crian~a.

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Segundo a perspectiva walloniana o desenvolvirnen- to infantil e urn process0 pontuado por conflitos. Conflitos de origem exogena, quando resultantes dos desencontros entre as aqdes da crianqa e o ambiente exterior, estrutu- rado pelos adultos e pela cultura. De natureza endogena, quando gerados pelos efeitos da maturaqBo nervosa. Ate que se integrem aos centros responsaveis por seu contro- le, as fun~6es recentes ficam sujeitas a aparecirnentos intermitentes e entregues a exercicios de si mesmas, em atividades desajustadas das circunst~cias exteriores. Isso desorganiza, conturba, as formas de conduta que ja tinham atingido certa estabilidade na rela~iio com o meio.

Coerente com seu referential epistemol&ico, para o qual a contradi~tio 6 constitutiva do sujeito e do objeto, Wallon ve os conflitos como propulsores do desenvolvirnen- to, isto e, como fatores dinamog&icas. Esta concep~iio quanto ao sirncado dos conflitos repercute na atitude de Wallon diante do estudo do desenvolvimento infantil, fazen- do-o dnigir aos momentos de clise maior aten~iio.

A exemplo das caracteristicas que identifica no de- senvolvimento, a descri~iio que Wallon faz dos estagios e descontinua e assistematica. Na maior parte de seus escritos, elege um tip0 de atividade corno foco principal e procede mostrando suas caracteristicas em diferentes idades e delineando suas relaqdes com outros tipos de atividades. Podemos conhecer melhor os focos escolhidos perconendo os titulos de algumas de suas obras mais importantes. Em Origens do carhter na crianqa, Wallon privilegia a anfise do comportamento emocional, em Origens do pensamento na crianga enfoca o desenvolvi- mento da inteligencia discursiva e em Do ato ao pensa- mento centra-se na passagem da motricidade para a representa~iio.

SBo em menor numero os trabalhos nos quais se encontra urna visa0 de conjunto da psicogenese da pes- soa. $ o caso de alguns artigos15 e do limo A evoluq2o psicoldgica da crianqa, obra de sintese que oferece urna abordagem mais sistematica do desenvolvimento nos virios campos funcionais, do nascimento ate aproxima- damente os sete anos.

Wallon v6 o desenvolvimento da pessoa como urna construqiio progressiva em que se sucedem fases com predominhcia alternadamente afetiva e cognitiva. Cada fase tem um colorido proprio, urna unidade solidiria, que e dada pel0 predominio de um tipo de atividade. As atividades predominantes correspondem aos recursos que a crianqa dispde, no momento, para interagir com o ambiente. Para urna compreen390 mais concreta desta ideia, passemos a urna descri~iio das caracteristicas cen- trais de cada um dos cinco estagios propostos pela psicogenetica walloniana.

No esggio impulsive-emotional, que abrange o pri- meiro ano de vida, o colorido peculiar e dado pela emo~iio, instrurnento privilegiado de interacgo da crian~a com o meio. Resposta ao seu estado de impericia, a predomi- nhcia da afetividade orienta as primeiras rea~des do bebe tis pessoas, as quais intermediam sua rela@o com o mundo fisico; a exuberhcia de suas manifesta~des afetivas e diretamente proporcional a sua inaptidao para agir diretamente sobre a realidade exterior.

15. No Enal deste livro colocamos urn trecho do artigo "0s estagios da evolupiio psicol&ica da crianpa", no qual sua conceppIo psicogen& tica 6 expoda de forma sistematica.

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No estAgio sensdrio-motor e projetivo, que vai ate o terceiro ano, o interesse da crianqa se volta para a exploraq80 sensoria-motora do mundo fisico. A aquisiqao da marcha e da preens80 poss~bilitam-lhe maior autono- mia na manipulaq80 de objetos e na explora~80 de espa- qos. Outro marco fundamental deste esthgio e o desen- volvimento da funqgo simbolica e da linguagem. 0 termo "projetivo" empregado para nomear o estagio deve-se a caracteristica do funcionamento mental neste penodo: ainda nascente, o pensamento precisa do au>dlio dos gestos para se exteriorizar, o ato mental "projeta-sen em atos motores. Ao contr&io do estagio anterior, neste predominam as rela~des cognitivas com o meio (inteli- g6ncia pratica e simbolica).

No est&gio do personalismo, que cobre a faixa dos tr6s aos seis anos, a tarefa central e o processo de formaqao da personalidade. A construqBo da consci6ncia de si, que se dB por meio das interaqdes sociais, re-orienta o interesse da crian~a para as pessoas, definindo o retomo da predominhcia das relaqdes afetivas.

Por volta dos seis anos, inicia-se o esrAgio categorial, que, gracas a consolida~ao da funq8o simbolica e a diferencia~iio da personalidade realizadas no esthgio an- terior, traz importantes avanqos no plano da inteliggncia. 0 s progressos intelectuais dirigem o interesse da crianqa para as coisas, para o conhecimento e conquista do mundo exterior, imprimindo is suas rela~des com o meio preponderhcia do aspect0 cognitivo.

No esthgio da adolesc6ncia, a crise puberthia rompe a "tranqiiilidade" afetiva que caracterizou o esthgio cate- gorial e impde a necessidade de uma nova definiq80 dos contornos da personahdade, desestruturados devido as modificaqdes corporais resultantes da aq8o hormonal.

Este processo traz a tona questdes pessoais, morais e existenciais, numa retomada da predominhcia da afeti- vidade.

Como vimos, a momentos predominantemente afe- tivos, isto e, subjetivos e de acumulo de energia, sucedem outros que s8o predominantemente cognitivos, isto 6, objetivos e de dispgndio de energia. $ o que Wallon chama de predornindncia funcional. 0 predominio do carater intelectual corresponde as etapas em que a Bnfase esta na elabora~80 do real e no conhecimento do mundo fisico. A dominincia do carater afetivo e, conseqiiente- mente, das relaqdes com o mundo humano, correspon- dem as etapas que se prestam a construq80 do eu.

Na sucessao dos estagios ha uma alternhcia entre as forrnas de atividade que assumem a preponderhcia em cada fase. Cada nova fase inverte a orientaq80 da atividade e do interesse da crianqa: do eu para o mundo, das pessoas para as coisas. Trata-se do principio da altemhcia funcional. Apesar de altemarem a dominin- cia, afetividade e cogniq8o n8o se mantem como funqdes exteriores uma a outra. Cada uma, ao reaparecer como atividade predominante num dado estagio, incorpora as conquistas realizadas pela outra, no estagio anterior, construindo-se reciprocamente, num permarnente pro- cesso de integraq80 e diferenciaqao.

Assim temos, no primeiro estagio da psicogBnese, uma afetividade impulsiva, emocional, que se nutre pel0 olhar, pel0 contato fisico e se expressa em gestos, mimica e posturas. A afetividade do personahsmo ja e diferente, pois incorpora os recursos intelectuais (notadamente a linguagem) desenvolvidos ao longo do estagio sensorio- motor e projetivo. E uma afetividade simbolica, que se exprime por palavras e ideias e que por esta via pode ser

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nutrida. A troca afetiva, a partir desta integra~iio pode se dar a disthcia, deixa de ser indispensavel a presenCa fisica das pessoas.

Em seguida, integrando os progressos intelectuais realizados no esagio categorial, a afetividade toma-se cada vez mais racionalizada - os sentimentos siio elabo- rados no plano mental, os jovens teorizam sobre suas rela~des afetivas.

Esta constru@o reciproca explica-se pel0 principio da integra~do funcional. Este e um principio extraido do processo de matura~iio do sistema nervoso, no qual as fun~des mais evoluidas, de amadurecirnento mais recen- te, n8o suprimem as mais arcaicas, mas exercem sobre elas o controle. As fun~des elementares viio perdendo a autonomia conforme siio integradas pelas mais aptas para adequar as rea~des &s necessidades da situa~iio. No caso das fun~des psiquicas, o processo e semelhante ao das funqdes nenrosas: as novas possibilidades que surgem num dado estagio niio suprimem as capacidades anterio- res. Da-se uma integraq30 das condutas mais antigas pelas mais recentes, em que estas tim mas passam a exercer o controle sobre as primeiras. Enquanto niio se consolida essa integra~iio, as fun~6es ficam sujeitas a apari@es intermitentes, submetendo-se a longos perio- dos de eclipse depois de ter se manifestado uma, ou mesmo varias vezes durante um curto periodo.

Outra caracteristica das fun~des psiquicas desinte- gradas e exercerem-se desajustadas de objetivos exterio- res, entregues a exercicios de si mesmas. Para ter uma ideia mais clara dessa no@o, basta pensarmos no caso da crian~a que esta aprendendo a andar. l? capaz de repetir inumeras vezes o mesmo percurso sem ter por finalidade chegar a nenhum lugar, totalmente absorta em

explorar os v&ios efeitos de sua capacidade recem-ad- quirida. Ou ainda a cena da crian~a que, aprendendo a falar, repete infinitas vezes a palavra recem-aprendida, independente desta estar ou niio adaptada ao context0 do diilogo. Esse tip0 de a@o que n8o tem objetivo nas circunst6ncias exteriores 6 chamada de jog0 funcional, e e considerada o tip0 mais primitivo de atividade ludica.

A integra~iio funcional niio 6 definitiva, mesmo que as capacidades ja tenham se subordinado aos centros de controle, podem ser provisoriamente desintegradas. Isso explica os freqiientes retrocessos por que e marcado o desenvolvimento. Esses retrocessos, entendidos como o reaparecimento de formas mais arcaicas de atividade, siio facilmente observaveis na rela~iio da crian~a com tarefas escolares. Na atividade de desenho, por exemplo, a ati- tude de uma crian~a que, mesmo ja dominando sofistica- dos recursos de representa~80 grgica, vez por outra rabisca. No processo de alfabetiza~iio, a crian~a que ja construiu a hip6tese alfabetica, mas, vez por outra, escre- ve com base em hip6teses anteriores - silabicamente, por exemplo.

0 ritmo descontinuo que Wallon assinala ao processo de desenvolvimento infantil assemelha-se ao movimento de um p6ndulo que, oscilando entre polos opostos, impri- me caracteristicas proprias a cada etapa do desenvolvi- mento. Alias, se pensamos na vida adulta, vemos que esse movimento pendular continua presente. Faz-se visi- vel no permanente pulsar a que esta sujeito cada um de nos: ora mais voltados para a realidade exterior, ora voltados para si proprio; altemando fases de acumulo de energia, a fases mais propicias ao dispendio.

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CONFLITOS EU-OUTRO E A CONSTRUCAO DA PESSOA

Ao buscar enfocar o ser humano por uma perspectiva global, a psicogenetica walloniana identifica a existencia de alguns c a m p que agrupam a diversidade das fun~&s psiquicas. A afetividade, o ato motor, a inteligencia, s2o campos fundonais entre os quais se distnbui a atividade infantil. Aparecem pouco diferenciados no inicio do de- senvolvimento e so aos poucos viio adquirindo inde- pendencia urn do outro, constituindo-se como dominios distintos de atividade. A pessoa e o todo que integra esses virios campos e e, ela propria, um outro campo funcional.

Ao longo do desenvolvimento ocorrem sucessivas diferencia~des entre os campos e no interior de cada um. A ideia de ciiferenciaq80 e urn conceito-chave na psico- genetica walloniana, e pode ser melhor compreendida se acompanharmos o process0 de forma@o da personahda- de tal como descrito por esta teoria.

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Segundo Wallon, o estado inicial da consciirncia pode ser comparado a uma nebulosa, uma massa difusa, na qual confundem-se o proprio sujeito e a realidade exterior. 0 recem-nascido ntio se percebe como individuo diferen- ciado. Nurn estado de simbiose afetiva com o meio, parece misturar-se a sensibilidade ambiente e, a todo instante, repercutir em suas rea~des, as de seu meio. A distinqtio entre o eu e o outro so se adquire progressiva- mente, num processo que se faz nas e pelas intera~des sociais.

Ate que a crian~a saiba identificar sua personalidade e a dos outros, correspondendo a primeira ao eu e as segundas a categoria do n8o-eu, encontra-se num estado de disperstio e indiferencia~tio, percebendo-se como que fundida ao outro e aderida As situagdes e circunst6ncias. Portanto, o sentido do processo de socializa~iio e de crescente individuapiio.

Esta concep~tio quanto ao sentido do processo de socializagiio o m - s e a concep~o piagetiana, a qual, segun- do Wallon, idenaca como dirqiio do desenvolvimento o alargamento gradual do camp0 em que podem desenvolver- se as atividades e os interesses da crian~a, com a passagem de uma consciirncia estritarnente individual (egocirntrica) a uma consciirncia social, aberta a representa@o do outro e capaz de rela@-?s de reciprocidade.

0 EU CORPORAL

0 recem-nascido niio se diferencia do outro nem mesmo no plano corporal. Situagdes comuns ao bebir, como aquela em que, surpreso, grita de dor apos morder o proprio brago, ilustram o inacabamento do recorte

corporal. 0 bebe ainda niio diferencia o seu corpo das superficies exteriores.

6 pela intera~tio com os objetos e com o seu proprio corpo - em atitudes como colocar o dedo nas orelhas, pegar os pes, segurar urna miio com a outra - que a crianga estabelece rela~des entre seus movimentos e suas sensagdes e experiments, sistematicamente, a diferenga de sensibilidade existente entre o que pertence ao mundo exterior e o que pertence a seu proprio corpo. Por essas experiirncias torna-se capaz de reconhecer, no plano das sensa~des, os limites de seu corpo, isto 6, constroi-se o recorte corporal.

Esta diferencia@o entre o espago objetivo e o subje- tivo ocorre no primeiro ano de vida e e uma etapa da formag60 do eu corporal. A segunda etapa corresponde a integrag80 do corpo das sensapdes ao corpo visual, isto e, a jun~tio do corpo tal como sentido pel0 proprio sujeito a sua imagem tal como vista pelos outros. 0 desenrolar deste processo pode ser acompanhado pelas reagdes da crian~a frente ao espelho: leva um tempo ate que reco- n h e ~ a como sua a irnagem refletida. Este processo de integraqiio ocorre ao longo do estagio sensorio-motor e projetivo, beneficiado pel0 desenvolvimento das condu- tas instrumentais e da fun~tio sirnbolica.

A constru~tio do eu corporal 6 condi~iio para a constru~iio do eu psiquico, tarefa central do estagio personalists. No period0 anterior a apropria~tio da cons- ciirncia de si, a crian~a encontra-se num estado de sociabilidade sincretica. 0 adjetivo sincretico e utilizado para designar as misturas e confusdes a que esta subme-

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tida a personalidade infantil. Indiferenciada, a crianca percebe-se como que fundlda nos objetos ou nas situa- ~ 6 e s familiares, mistura a sua personalidade a dos outros, e a destes entre si. Vejamos alguns exemplos citados por Wallon no livro Origens do cardter na crianqa.

Uma crianqa de 2 anos e meio, toda vez que ouvia o barulho de um cop0 quebrando, olhava consternada para as m8os e punha-se em situa~80 de defesa. Sua react30 dava a impress80 de que se achava culpada pela quebra do copo, o que de fato havia oconido urna vez. Ou seja, bastava que se repetisse urna situa~8o semelhante para que novamente se sentisse culpada.

Um menino com pouco menos de 3 anos era o capla de urna familia, ate que a m8e tem outro filho. Nos dias ap6s o nascimento da irmgzinha, muda visivelmente sua forma de agir: comports-se como se fosse a irm8 mais velha, referindo-se a si pel0 nome desta e dando a ela um outro nome. 0 garoto, ao ver alterado o lugar que ocupava na familia, assume urna nova personalidade.

Uma menina de 2 anos e 9 meses pergunta a m8e, apos ouvi-la cantar tal como fazia a govemanta, se ela e a governanta: "Voc2, e urna Elsa?"

Nos tr2,s exemplos, a consci6ncia de si esta inacaba- da e a personalidade apresenta-se como no~8o sem contomos definidos, sincretica. 0 primeiro exemplo da a ideia de urna personalidade dispersa, em que sentimentos ligados a ela, como o de culpa, aparecem atrelados a situac8o exterior. No segundo exemplo, a no@o que o menino tem de si pr6prio n8o tem autonomia em relaq8o a posi~80 que ele ocupa na familia, a condi~80 de capla e constitutiva de sua identidade pessoal. No terceiro, a menina funde, numa so, duas pessoas que possuiam urna

particularidade comum, revelando que n8o v6 de forma autdnoma a personalidade das outras pessoas.

Outro indicio da indiferencia~ao do eu psiquico 6 o fato de a crian~a referir-se a sua pessoa mais freqiiente- mente pel0 proprio nome, na 3a pessoa, do que pel0 pronome "eu". E ainda os freqiientes diilogos estabele- cidos consigo mesma, nos quais identifica-se altemada- mente com ela propria e com um interlocutor imaginirio, sem ter clareza quanto a distin~go entre ela e o persona- gem.

0 terceiro ano de vida dB inicio a urna reviravolta nas condutas da crian~a e nas suas relaq3es com o meio. Toma-se mais freqiiente o emprego do pronome "eu" e tendem a desaparecer os diilogos consigo mesma, anun- cia-se urna fase de afirma~8o do eu. "Ao inves de se identificar cada vez com um dos personagens, empres- tando-lhes altemadamente seus drg8os e seus pensamen- tos (...), a crian~a adota um ponto de vista exclusivo e unilateral, o seu, o de urna personalidade particular e donstante, tendo sua propria perspectiva e distribuindo os outros com referencia a ela pr6pria"16.

Em geral, esta etapa tem o aspect0 de urna verda- deira crise, como bem podem testemunhar os educadores da faixa pre-escolar, na qual s8o extremamente freqiien- tes os conflitos interpessoais.

A crianqa op6e-se sistematicamente ao que distin- gue como sendo diferente dela, o niio-eu: combate qual- quer ordem, convite ou sugestS3 que venha do outro,

16. W W O N . Henri. Les origines du caradre chez l'enfant. Paris, PUF, 1987, p. 285.

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buscando, com o confronto, testar a independencia de sua personalidade recem-desdobrada, expulsar do eu o niio-eu.

Esforqa-se por ter papel de destaque e status de vencedor, utilizando todas as circunstincias favoraveis e usando recursos cada vez mais elaborados: mamfesta@s de ciume, trapaqas, "acessos" de tirania, dissimulaqijo. Nesta busca de superioridade pessoal, tem atitudes que podem ser interpretadas como agressivas, como o ato de quebrar o brinquedo de um parceiro que sabe jogar melhor que ela, ou de tentar sabotar um parceiro no qual identifica uma superioridade qualquer. A exacerbaqiio do ponto de vista pessoal e um movimento necess6rio para destacar, da massa difusa em que se encontrava a perso- nalidade, a no~iio do eu.

Um dos conteudos que a atitude de oposiqiio adquire e o desejo de propriedade das coisas. Confundindo o meu com o eu a crianqa busca, com a posse do objeto, assegurar a posse de sua propria personalidade. Por isso, nas situaqdes de disputa por um mesmo objeto, e comum que o desejo de propriedade conte mais do que o proprio objeto: a crianqa e capaz de abandonar um brinquedo tiio logo o obtenha na disputa com um colega.

0 exercicio da oposiqiio somado aos progressos da fun~iio simbolica fazem com que a crianqa deixe de confundir sua existencia com tudo o que dela participa, isto e, reduzem o sincretismo da personalidade, a qual ganha autonomia e deixa de ser tiio facilmente modificada pelas circunstbcias.

Ainda no estAgio personalista, quando este primeiro salto na formaqiio do eu esta de certa forma garantido, a crise de oposiqiio da lugar a uma fase de personahsmo

mais positivo, a qual se apresenta em dois momentos. 0 primeiro e uma etapa de seduqiio, a "idade da graqa". Caracteriza-se pela exuberbcia e harmonia dos movi- mentos da crianqa e por seu empenho em obter a admi- raqBo dos outros, da qual tem necessidade para admirar a si pr6pria. Esta aprovaqiio de que ela tem necessidade 6 o residuo da participa~iio que antes h e misturava no outro.

No momento seguinte predomina a atividade de imitaqiio. A crianqa irnita as pessoas que h e atraem, incorporando suas atitudes e tambem o seu papel social, num movimento de reaproxima~iio ao outro que tinha sido negado. $ um process0 necesshio ao enriquecimen- to do eu e ao alargamento de suas possibilidades.

Na sucessiio de conflitos interpessoais que marca o estagio personalista, expulsEio e incoworagEio do outro siio movimentos complementares e alternantes no pro- cesso de formaqiio do eu.

, 0 conflito eu-outro niio e uma vivencia exclusiva do estagio personalista. Na adolescencia, fase em que se faz necessaria a re-constru~iio da personalidade, instala-se uma nova crise de oposiqiio. Com a mesma funqiio da crise personalista, a oposiqiio da adolescencia apresenta- se, todavia, mais sofisticada do ponto de vista intelectual, jh que a conduta do sujeito incorpora as conquistas cognitivas realizadas durante o estigio categorial. Dife- rente da crianqa pequena, que e mais ernocional na vivencia de seus conflitos, o adolescente procura apoiar suas oposiqdes em solidos argumentos intelectuais.

Manifestando-se de forma concentrada no estagio personalista e na adolescencia, a oposiqiio se mantem como um importante recurso para a diferenciaqiio do eu.

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Para Wallon, "o outro e urn parceiro peqktuo do eu na vida psiquica". Mesmo na vida adulta, os individuos se v6em As voltas com a definiqgo das fronteiras entre o eu e o outro, as quais podem desfazer-se devido a situaqdes especificas, como de dficuldade ou cansaqo. Situaqgo tipica em que esses limites se desfazem 6 a de enamora- mento. Na paixBo, o enamorado n%o distingue entre o seu desejo e o do de seu parceiro, 6 quase total a mistura do eu ao outro.

AS EMOC~ES: ENTRE 0 ORGANICO E o PS~QUICO

0 estudo das emoqdes 6 exemplar para demonstrar a utilidade da dialetica como metodo de anidise para a psicologia. Manifestaqiio de natureza paradoxal, a emo- @o encontra-se na origem da consciBncia, operando a passagem do mundo o r g ~ c o para o social, do plano fisiologico para o psiquico.

Para WaJlon, as teorias classicas sobre as emoqdes baseiam-se numa logica mecanicista e n%o s%o capazes de compreend6-las em toda a sua complexidade. Nessas teorias distinguem-se duas tendhcias.

A primeira, abordagem dominante representada por autores como Kantor e Lapicque, v6 as emoqdes como rea~des incoerentes e tumultuadas. Destaca seu efeito desagregador, perturbador sobre a atividade motora e intelectual. Exemplos desses efeitos da emoqiio podem ser ilustrados por cenas extraidas do cotidiano, tal como a clue criamos a seguir.

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Em pleno trbsito urbano, um motorista faz uma con- versiio sem sinalizar adequadarnente e bate o carro num outro que vinha a sua direita. Seu can0 era novo, ele estava com muita pressa. A trombada, completamente fora de hora, mergulha-o numa colera aguda. Enraivecido, sai do carro e p&-se a g-ritar corn o motorista do outro cmo, acusando-o pela trombada. $ claro que, este liltimo, indignado com as acusaqks injustas, ntio fica quieto e pate para o contra- ataque. Niio e dificil irnaginar a tremenda confusao em que se meteu nosso personagem. Tomado pela colera, tomou mais complicada uma situaqiio ja bastante delicada; a emoqtio teve efeito desagregador.

A segunda tendencia, representada por Cannon, destaca o poder ativador das emoqdes, considerando-as como reaqdes positivas. Acompanhadas de urna descarga de adrenalina na circulaqiio e do aumento da quantidade de glicose no sangue e nos tecidos, as emo~des provocam aumento de disponibilidades energeticas, o que e, para os adeptos desta abordagem, util para a a@io sobre o mundo fisico. Para ilustrar este efeito ativador, criarnos urna situa~tio em que a emoqiio atua disponlbilizando energia para a aqiio, no caso, para a fuga.

Andando numa rua deserta, urna pessoa percebe que esti sendo seguida. $ noite e ela teme ser vitima de urna viol25ncia. Com medo, pde-se numa conida desenfreada, ate perder de vista o tipo que a seguia. Graqas ao medo que sentiu, correu a urna velocidade que ntio conseguiria atingir em estado normal.

Subjacente a essas tendhcias classicas, contr6rias entre si, Wallon identifica urna atitude te6rica comum. Considera que tentam encaixar as emoqdes numa logica linear e simplesmente suprimem o aspect0 que ntio se integra ao quadro conceitual delineado.

Esta nao e a atitude de Wallon. Ao inves de tomar partido contra ou a favor das emoqbes, numa inadequada perspectiva de valoraqiio, busca compreend&las tentan- do apreender sua funqiio. Contrariando a vistio das teorias classicas, defende que as emoqdes siio reaqdes organiza- das e que se exercem sob o comando do sistema nervoso central. 0 fato de contarem com centros proprios de comando, situados na regiiio subcortical, indica que pos- suem urna utilidade; caso fossem desnecessArias niio mais teriam centros nervosos responsaveis pela sua regu- la~iio.

Alem disso, se existe um period0 da vida (o primeiro ano) em que ela 6 comportamento predominante, certa- mente ela deve ter urna fun~tio especifica. fi pois pela an&e genetica que deve ser buscada a compreensiio dos significados da emo~iio.

No adulto, stio menos freqiientes as crises emotivas, como ataques de choro, birras, surtos de alegria, tiio comuns ao cotidiano da crian~a. As emoqdes aparecem

'reduzidas, pois subordinadas ao controle das funqdes psiquicas superiores. Assim, ao enfocar as emoqdes na vida adulta, as teorias classicas tendem a identifica-las com aqiio sobre o mundo exterior objetivo, enfatizando seus efeitos sobre os automatismos motores e a a~iio mental.

Ao dirigir o foco de sua an6lise para a crianqa, Wallon revela que 6 na a~tio sobre o meio humano, e niio sobre o meio fisico, que deve ser buscado o significado das emoqdes.

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0 PRIMEIRO AN0 DE VIDA: PAPEL DAS EMOC~ES NAS INTERAC~ES COM 0 ME10 SOCUU

Devido ao longo period0 de impericia do recem-nas- cido da especie hurnana, sua sobreviv2mcia depende da ajuda de parceiros mais experientes. Sozinho, o bebe nBo e capaz nem mesmo de vim-se de uma posiqBo incbmo- da, seus movimentos niio se ajustarn as circunsthcias exteriores e niio tern eficiencia objetiva. Sua primeira atividade eficaz e desencadear no outro reaqdes de ajuda para satisfazer suas necessidades. Niio ha adulto que permaneca indiferente aos gritos ou as gesticula~des de um recbm-nascido.

Seus movimentos expressam disposiqdes orghicas, estados afetivos de bem-estar ou mal-estar. A vivencia de situaqdes desagradaveis, como fome, cblica ou des- conforto postural expressa-se em espasmos, contorqbes, gritos. Diferentemente, o bem-estar deconente de situa- qdes como a saciedade, o sabor do leite ou o contato com o seio da mBe expressa-se por uma movimentaqiio menos tensa, mais harmoniosa: os olhos se abrem bem, os 16bios esboqam um sorriso e, quando a satisfaqBo e intensa, as pernas se mexem como se estivessem pedalando no vazio.

0 meio das pessoas proximas (miie, pai ou outro responsavel) acolhe e interpreta as reaqks do bebe, agindo de acordo com o significado que atribui a elas: mudam-no de posiqiio, diio-he de mamar, soltam-lhe as roupas. 0 outro age visando atender as necessidades do recem-nascido, mas tambem simplesmente para comu- nicar-se com ele: o adulto soni, conversa com o bebe, canta para ele. Desenvolve-se, entre o bebe e o adulto

que h e cuida, urna intensa comunicaqiio afetiva, um diilogo baseado em componentes corporais e expressi- vos.

Pouco a pouco o bebe vai estabelecendo correspon- dencia entre seus atos e os do ambiente, suas reaqdes diversificam-se e tomam-se cada vez mais clararnente intencionais. Pela aqBo do outro, o movimento deixa de ser somente espasmo ou descargas impulsivas e passa a ser expressiio, afetividade exteriorizada. 0 sorriso e uma reaqBo que exprime bem esta transformaqBo. No inicio o bebe sorri sozinho, sem motivo aparente, e um smiso fisiolbgico. Em seguida passa a sorrir somente na presen- qa&j5%soas, num somso social. Jh no segundo semes- tre de vida distingue-se, na atividade do bebe, a presenqa de emoqdes bem dferenciadas, como alegria, perplexida- de, medo, cblera.

0 SUBSTRAT0 CORPORAL DAS EMOC~ES

As emoqdes, assim como os sentimentos e os dese- jos, sBo manifestaq6es da vida afetiva. Na linguagem comum costuma-se substituir emoqiio por afetividade, tratando os termos como sin6nimos. Todavia, niio o siio. A afetividade e um conceit0 mais abrangente no qual se inserem vtnias manifestaqdes.

As emoqdes possuem caractensticas especificas que as distinguem de outras manifestaqdes da afetividade. SBo sempre acompanhadas de alteraqdes org5nicas, como aceleraqiio dos batimentos cardiacos, mudanqas no ritmo da respiraqiio, dificuldades na digest50, secura na boca. Alem dessas variaqdes no funcionamento neurove- getativo, perceptiveis para quem as vive, as emoqdes provocam alteraqdes na mimica facial, na postura, na

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forma como s8o executados os gestos. Acompanham-se de modifica~des visiveis do exterior, expressivas, que s8o responsaveis por seu carater altamente contagioso e por seu poder mobilizador do meio humano.

No bebe, os estados afetivos s80, invariavelmente, vividos como sensa~des corporais, e expressos sob a forma de emo~des. Com a aquisi~8o da linguagem diver- sificam-se e ampliam-se os motivos dos estados afetivos, bem como os recursos para sua express20. Tornam-se possiveis manifesta~des afetivas como os sentimentos, que, diferente das emoqdes, n20 implicam obrigatoria- mente em altera~des corporais visiveis. Ao longo do desenvolvimento, a afetividade vai adquirindo relativa independencia dos fatores corporais. 0 recurso a fala e a representa~20 mental faz com que varia~des nas disposi- Cdes afetivas possam ser provocadas por situaq3es abs- tratas e ideias, e possam ser expressas por palavras.

I?, grande o destaque que a anaise walloniana da ao componente corporal das emo~des. Wallon mostra que todas as emo~des podem ser vinculadas a maneira como o tanus se forma, se conserva ou se consome. A colera, por exemplo, vincula-se a urn estado de hipertonia, no qual hB excess0 de excita~8o sobre as possibilidades de escoamento. A alegria resulta de um equilibrio e de uma a ~ 8 o reciproca entre o t6nus e o movimento, e uma emo@o eut6nica. Na timidez verifica-se hesita~ao na execu~80 dos movimentos e incerteza na postura a ado- tar, ha urn estado de hipotonia. Com base nesta relaq20, resulta ate mesmo uma classifica~80 das emo~des segun- do o grau de tens80 muscular a que se vinculam.

0 fato de as emoc6es estarem sempre vinculadas a essas reaqdes neurovegetativas e expressivas deve-se a existencia de um substrato corporal comum, a fun@o

postural ou t6nica. Ela e responsavel pela regula~80 das alteracdes do t6nus da musculatura dos org8os internos (lisa) e da musculatura esqueletica (estriada). A s e ~ q o da expressao das erno~bes, as varia~des t6nico-posturais atuam tambem como produtoras de estados emocionais; entre movimento e emo~Bo a rela~8o e de reciprocidade.

No recem-nascido, permanentemente submetido a bruscas variaqdes no grau de tens80 muscular, 15 muito comum que estados emocionais tenham suas causas no plano corporal. Devido a sua irnpericia motora, B incapaz de dar vazao a esta tens80 por meio de a ~ 8 o sobre o meio fisico. A forte tens80 transforma-se, entiio, em contor~des e espasmos, gerando crises emotivas.

Mesmo na atividade de crian~as maiores podemos identifica essa dinhica. Tomemos como exemplo as crises de choro sem motivo aparente, como aquelas tipicas do final de um dia bem agitado. Cansada, mas muito excitada, a crianqa mostra-se imtada. Por um pretext0 qualquer, faz uma bela birra, briga, ate conseguir chorar. Passada a crise a crian~a fica calrna, relaxada. Atraves do choro houve descarga da tens80 que a impedia de relaxar.

Uma importante caracteristica da funq8o tbnica B a concomitincia entre as contra~des e a sensibilidade a ela correspondentes, ou seja, a crian~a sente suas varia~des t6nicas t80 logo elas ocorrem. Assim, a modelagem do corpo realizada pela atividade do t6nus muscular permite, alem da exterioriza~80 dos estados emocionais, a tomada de consciencia dos mesmos pel0 sujeito.

"As emo@es podem ser consideradas, sem duvida, como a origem da consciencia, visto que exprimem e fixam para o prdprio sujeito, atraves do jog0 de atitudes

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determinadas, certas disposiq6es especificas de sua sen- sibilidade. Porem, elas s6 ser8o o ponto de partida da consciencia pessoal do sujeito por intermkdio do grupo, no qual elas comegam por fundi-lo e do qual recebera as formulas diferenciadas de ag8o e os instrumentos intelec- tuais, sem os quais Ihe seria impossivel efetuar as distin- gdes e as classificagdes necessiuias ao conhecimento das coisas e de si me~mo"'~.

GRUPO SOCIAL E ATIVIDADE INTELECTUAL

Atividade eminentemente social, a emog8o nutre-se do efeito que causa no outro, isto e, as reagdes que as emogdes suscitam no ambiente funcionam como uma especie de combustive1 para sua manifestag80.

Pensemos em alguma cena para ilustrar esta ideia. Imaginemos que, por um motivo qualquer, alguem chega ao trabalho contente e dando risadas a toa. A pessoa entra na sala de reunides e depara-se com um clima tenso, as pessoas brigando e muito irritadas. Desse confront0 de emogdes, dois resultados s8o possiveis. Ou a pessoa alegre 6 contagiada pela tens80 do arnbiente e pka de rir ou, ao contriuio, contagia o grupo com sua alegria.

Em situag80 de crise emocional (quando o sujeito mergulha-se completamente nos efeitos da emoggo e perde o controle sobre suas proprias ag&s) a tendencia e que os efeitos da emog8o se desvanegam caso n8o haja

17. Wallon, Henri. Concludo geral do livro "Origens do carater na crianqa". In Nadel-Brulfert. J. 81 Werebe, M.J.G. Henn Wallon (antologia). Sfio Paulo, Ed. Atica, 1986, p. 64.

reagdes por parte do meio. Ou seja, na aus2,ncia de "plateia" as crisse-ema perder sua forga.

Ao transpormos isso para a atividade infantil cotidia- na, encontramos inumeras situagdes que ilustram esta necessidade de "oxig6nio social" tipica das emogdes. Pensemos no caso da crianga que, imersa numa crise de choro, pka de chorar Go logo se perceba sozinha: na ausencia de plateia a reag8o emocional perde seu com- bustivel, deixa de fazer sentido.

Devido a seu poder de conggio, as emogdes propi- ciam relaqdes interindividuais nas quais diluem-se os contornos da personalidade de cada um. Esta tendencia de fus8o propria as emogdes explica o estado de simbiose com o meio em que a crianga se encontra no inicio do desenvolvimento. E explica tambem a facilidade pela qual a atmosfera ernocional domina eventos que reunem gran- de concentrag80 de pessoas, como comicios, concertos de musica, rituais religiosos, situagdes nas quais apaga- se, em cada um, a nog80 de sua individuahdade.

Reconendo a dados da antropologia, Wallon mostra como, nas sociedades ditas primitivas, o carater conta- gioso e coletivo da emog8o tem urna importhcia decisiva na coes8o do grupo social. Revela-se no papel de desta- que que tern, no cotidiano dessas sociedades, as cerimb- nias rituais.

Por meio de jogos, dangas e outros ritos, as pessoas realizam simultaneamente os mesmos gestos e atitudes, entregam-se aos mesmos ritmos. A vivhcia, por todos 0s membros do grupo, de urn unico movimento ritmico estabelece uma comunh8o de sensibilidade, uma sintonia afetiva que margulha iodos na mesma emog8o. 0 s indi- viduos se fundem no grupo por suas disposigdes mais

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intimas, mais pessoais. Por esse mecanismo de contagio emocional estabelece-se uma comunh80 imediata, um estado de coesBo que independe de qualquer rela~iio intelectual.

A importtincia dessas manifesta~des emocionais co- letivas diminui conforme o grupo social disponha de outros recursos (tecnicos e intelectuais) para garantir coesiio e adaptaq8o ao meio. Neste sentido, tanto para o recem-nascido como para as sociedades, as emoqdes aparecem como forma primeira de adaptaqiio ao meio e tendem a ser suplantadas por outras formas de atividade psiquica.

Este 6 o caso das fun~des intelectuais, que na psico- genese vZio adquirindo importincia progressiva como forma de intera~Bo com o meio. A atividade intelectual, que tern a linguagem como um instrumento indispensa- vel, depende do coletivo. Pem'itindo acesso a linguagem, podemos dizer que a emoqZio esta na origem da atividade intelectual. Pelas intera~des sociais que propicia, as emo- ~ d e s possibilitam o acesso ao universo simbolico da cultura.

Porem, uma vez instaurada, a atividade intelectual mantera uma rela~Bo de antagonismo com as emoqdes. Este antagonismo, de observa~Bo conente, demonstra a natureza paradoxal das emoqdes.

Na vida cotidiana 6 possivel constatar que a elevaqiio da temperatura emocional tende a baixar o desempenho intelectual e impedir a reflex80 objetiva. 0 poder subjeti- vador das emo~des (que volta a atividade do sujeito para suas disposiqdes intimas, orginicas) incompatlbiliza-se com a necessaria objetividade das operaqdes intelectuais; e como se a emoqBo embaqasse a percepqiio do real,

impregnando-he de subjetividade e portanto dificultando rea~ges intelectuais coerentes e bem adaptadas. $ o que oconeu no exemplo do motorista que trombou o carro.

Analogamente, e possivel constatar que a atividade intelectual voltada para a compreensiio das causas de uma emo~iio reduz seus efeitos, uma crise emocional tende a se dissipar mcdiante atividade reflexiva. "A comoq8o do medo ou da cdlera diminui quando o sujeito se esfor~a para definir-he as causas. Um sofrimento fisico, que procuramos traduzir em imagens, perde algo de sua agudez orgbica. 0 sofrimento moral, que conse- guimos relatar a nos mesmos, cessa de ser lancinante e intoleravel. Fazer um poema ou um romance de sua dor era, para Goethe, um meio de furtar-se a elan'*.

Assim, a relaqiio entre emoqiio e raziio 6 de filiaqiio, e, ao mesmo tempo, de oposiqiio. Na express80 de ant as'^ "a raziio nasce da emo~iio e vive da sua morte".

18. Wallon, Henri. A atividade proprioplhstica. In Nadel-Brulfert J. Werebe, M.J.G. Henn Wallon (antologia). Slo Paulo, Ed. Atica. 1986,

P. 147. 19. Dantas. Heloysa. A infancia da raz8o. Slo Paulo. Manole, 1990.

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DIMENS~ES DO MOVIMENTO

SBo dversas as significaqdes que a psicogenetica walloniana atribui ao ato motor. AIem do seu papel na relaqgo com o mundo fisico (motricidade de reahzaqBo), o movimento tem urn papel fundamental na afetividade e tambem na cogniqgo. Um dos traqos originais desta perspectiva teorica consiste na 6nfase que da a motrici- dade expressiva, isto e, a dimensgo afetiva do movimento, como mostra o estudo sobre as emoqdes.

Para que se compreenda essa diversidade de signifi- cados, e precis0 que se admita que a atividade muscular pode existir sem que se d6 deslocamento do corpo (de segmentos ou do todo) no espaqo. Wallon vincula o estudo do movirnento ao do mdsculo, responsavel por sua realizaqBo. A musculatura possui duas funqbes: a funqiio cinetica, que regula o estiramento e o encurtamento das fibras musculares, e e responsavel pel0 movimento pro- priamente dito; e a funqiio postural ou tGnica, que regula a variaqBo no grau de tensgo (thus) dos musculos.

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Antes de agir diretamente sobre o meio fisico, o movimento atua sobre o meio humano, mobilizando as pessoas por meio de seu teor expressivo. Podemos dizer que a primeira funqao do movimento no desenvolvimento infantil e afetiva. $ s6 no final do primeiro ano, com o desenvolvimento das praxias, gestos como o de pegar, empunar, abrir ou fechar, que se intensificam as possibi- lidades do movimento como instrumento de exploraqao do mundo fisico, voltando a aqao da crianqa para a adaptaqso a realidade objetiva. 0 desenvolvimento das primeiras praxias define o inicio da dimensao cognitiva do movimento.

ESTABILIDADE POSTURAL E EQU-RIo

As regulaqdes tdnicas s8o as responsaveis pela esta- bilidade dos gestos e pel0 equilibria do corpo. Apesar de mais evidente no dominio da expressividade, como se ve pel0 papel que desempenha nas emoqdes, a funq8o tdnica esta em intima relaqao com a motricidade cinetica, isto e, com o movimento propriamente dito.

No movimento de conida, por exemplo, e a funqao cinetica que possibilita o deslocamento dos mernbros para determinada direqgo. Imprimindo uma forqa no sen- tido contrkio, e a atividade tdnica que da estabilidade ao corpo. Na ausgncia de sustentaqao postural, o desloca- mento de uma das pemas levaria, para sua direqiio, todo o resto do corpo, desestabilizando-o. 0 andar em zigue- zague e tornbos sucessivos tipicos dos bebados deixam bem evidentes as conseqiikncias de perturbaqdes no fluxo tdnico normal.

Todo movimento necessita de regulaqgo do equili- brio. Apesar de mais evidente na marcha, ou na corrida,

e necessiria tambem no deslocamento de segmentos corporais. 0 simples gesto de estender o braqo e pegar um objeto sobre a mesa, corn os dedos em pinqa, exige uma variaqBo do tdnus imprimido aos musculos, permi- tindo que o gesto de preensao se sustente no espaqo e o resto do corpo se mantenha numa postura adequada para o apoio.

Na imobilidade, situaqao em que inexiste atividade cinetica, a atividade postural 6 intensa. Dela depende a sustentaqBo do corpo numa dada posiq8o. Em sua ausgn- cia, o corpo desabaria. 0 t h u s deve variar permanente- mente para garantir estabilidade das relaqdes entre as forqas corporais e as forqas do mundo exterior, entre os movimentos e os objetos.

ORIGENS MOTORAS DA ATIVIDADE COGNITIVA

A funqiio postural estA ligada tambem a atividade htelectual. As variaqdes tdnicas refletem o curso do pensamento. Por exemplo, quando pensamos sobre um assunto ou lemos atentamente urn texto, a reflexao pode ser acompanhada por mudanqas nas nossas expressdes faciais ou postura. As vezes, uma dificuldade na com- preens80 de determinado assunto tratado no texto que lemos pode ate provocar um espasmo, um movirnento brusco.

Ao mesmo tempo, a funq8o postural da sustentaq80 a atividade de reflexao mental. Entre ambas ha uma relaqBo de reciprocidade. Assim, quando, durante a lei- tura de um texto, confrontamo-nos com problemas difi- ceis de serem resolvidos, mudar de posiq80, levantar da cadeira ou andar um pouco s8o recursos que podem

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ajudar. Propiciam a superaqgo do estado de estagnaqgo e paralisia em que a mente parece entrar, e como se as variaqdes t6nicas desobstruissem o fluxo mental.

A percepqBo tambem esth intimamente ligada a funqgo t6nica. Por exemplo, para apurarmos o olfato para alguma substincia ou para firrnarmos melhor a vista em determinada cena, realizamos contra~des e contorqdes faciais e corporais: o corpo inteiro adota a posiqgo mais adequada para a percepqgo.

Na infincia 6 ainda mais pronunciado o papel do movimento na percepqBo. A crianqa reage corporalrnente aos estimulos exteriores, adotando posturas ou express&s, isto e, atitudes, de acordo com as sensa~des experimen- tadas em cada situaqgo. l? como se a excitaqtio provocada se espalhasse pelo corpo, imprimindo-he determinada forma e consisthcia e resultando numa impregnaqiio perceptiva, por meio da qual a crianqa vai tomando consci6ncia das realidades externas. l? por meio desta irnpregnaqBo perceptiva que a crianqa torna-se capaz de reproduzir determinada cena apos t&la presenciado, ou seja, de irnitar. Para WalIon, a imita@o e uma forma de atividade que revela, de maneira incontestavel, as origens motoras do ato mental.

$ de observaqiio corrente situaqdes em que a crian~a recorre ao gesto para completar a expressao do seu pensamento. Para falar do tamanho de um objeto, como por exemplo sua cama, e comum dizer "minha cama, e assim, o!" mostrando corn os braqos bem abertos como e grande sua cama. Muitas vezes, para tomar presente uma ideia, a crianqa precisa construir, por meio de seus gestos e posturas, um ceniuio corporal - o gesto precede a palavra. I? o que Wallon chama de mentddadeprojetiva: ainda fragd, o ato mental projeta-se em atos motores.

No faz-de-conta 6 possivel compreender com mais clareza a origem corporal da representaq30. Por exemplo, a crianqa que armma os bra~os como se estivesse carre- gando uma boneca e balanqa-o como se a estivesse ninando. Ou a aianqa que faz o gesto de pegar o sabgo, de abrir a tomeira, de esfregar e enxugar, como se estivesse dando banho em seu bichinho de estimaqgo. Nessas situaq&s, o movimento e capaz de tomar presen- te o objeto e de substitui-lo. Esses gestos simb6licos, chamados de simulacra, estao na origem da repre- sentaqgo. Com o fortalecimento das funqdes intelectuais (do processo ideativo) reduz-se o papel do movirnento na atividade cognitiva.

0s progressos da atividade cognitiva fazem com que o movimento se integre a intelighcia. A crianqa toma-se capaz de prever mentalmente a seqiiencia e as etapas de atos motores cada vez mais complexos. Integrado pela inteligencia, o ato motor sofxe um processo de intemali- zaq8o. Esta possibilidade de virtualizaqgo resulta na re- du~Bo da motricidade exterior.

0 desenvolvimento da dimens50 cognitiva do movi- mento torna a crianqa mais aut6noma para agir sobre a realidade exterior. Diminui a dependhcia do adulto, que antes intermediava a aqgo da crianqa sobre o mundo fisico.

No inicio globais e indiferenciados, os gestos inst~u- mentais (praxias) sofrem urn processo de aescente espe- CializaqBo. No ato de preengo, por exemplo, observamos uma grande evoluqBo desde os primeiros gestos globais que se adaptam mal aos objetos, at6 ser possivel o

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movimento de pinqa, cada vez mais adequado as carac- teristicas do objeto.

A especializa~iio e um processo estreitamente vin- culado ao ambiente cultural, ja que demanda o aprendi- zado do uso pr6prio (cultural) dos objetos. Mas depende tambem de exercicio e maturaq30 das funqdes nervosas, que perrnitem reduzir as sincinesias, movimentos desne- cessiuios que "parasitam" uma praxia, perturbando sua realizaqgo adaptada.

$ gradual o processo pel0 qual os atos motores se ajustam ao espaCo e as situa~bes exteriores. Algumas cenas cotidianas ilustram a forma pela qual as crian~as se relacionam com os objetos.

Durante a refeiqBo 6 comum que a crianqa, mesmo sabendo se alimentar sozinha com cornpetencia, use o talher para finalidades outras que n3o somente a de levar comida a boca. Em sua m30, uma caneta n30 serve so para desenhar, mas tambem para cutucar o vizinho, para fazer urn batuque sobre a mesa, para voar como se fosse um avidozinho, e muitas outras finalidades l~dicas. Usa os objetos como instrumento para sua comunica~30 ex- pressiva e para o exercicio de sua imaginaqgo.

A tendencia que se observa no desenvolvimento dos gestos e sua progressiva objetivapio. No entanto, o cara- ter expressivo, isto e, subjetivo, mantem-se predominan- te na motricidade infantil.

Cabe ressalvar que, mesmo no adulto, todo gesto p r h c o - de fun~tio eminentemente executora e voltada para a realidade fisica - tem sempre um teor expressivo, presente na maneira como e realizado. As variaqbes na realiza~ao de um mesmo movirnento - que pode ser brusco, harmhico, vacilante, decidido - resultam de

alteraqdes da atividade thica, responsavel pela dimens30 expressiva da motricidade.

A gestualidade expressiva que resiste ao processo de objetivaq30 crescente por que passa o movimento depen- de do ambiente cultural. Do amplo repert6rio gestual da crianca, tendem a desaparecer gestos que n%o correspon- dem a uma pratica social, ou seja, aqueles habitualrnente n3o utilizados pelos adultos.

Para ficar mais clara esta ideia, tomemos o exemplo de duas culturas bem distintas - a italiana e a japonesa - e vejamos o uso que fazem da gestualidade expressiva. Sobre os italianos diz-se que "falam corn as m3osW. De fato, gesticulam muito enquanto falam e ate podemos dizer que gesticulam para falar, de tal forma o fluxo das ideias parece depender do movimento das m3os e do corpo. JB os japoneses pouco recorrem a gestualidade expressiva enquanto falam, quase n3o mexem as m3os ou o corpo, sua express30 verbal parece mais inde- pendente do movimento. Cada cultura possui especifici-

.dades distintas no processo de objetivaq30 e internalizaqao do movimento.

CONTROLE DO MOVIMENTO

A redu@o da motricidade exterior e o ajustamento progressivo do movimento ao mundo fisico estd ligada tambem a possibilidade de controle voluntinio sobre o ato motor. Wallon chama de disciplinas mentais a capacidade de controle do sujeito sobre suas proprias aqdes. Essa capacidade esta ligada ao amadurecimento dos centros de inibiqgo e discrimina~go situados no cortex cerebral, que se dB por volta dos seis, sete anos. Antes dessa idade, a possibilidade de a crian~a controlar voluntariamente

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suas aqdes 6 pequena. Isso se reflete, por exemplo, na dificuldade em permanecer numa mesma posiqtio ou fixar a aten~Bo sobre um foco.

A crian~a tende a reagir indiscriminadamente aos estimulos exteriores, sua atividade e marcada pela insta- bilidade. S o comuns tambem as situaqdes em que en- contra-se totalrnente absorta por alguma cena ou pela realizaqBo de algurna atividade, num estado de alheamen- to aos demais estimulos. Esta "ader6ncia" da a~t io a determinados temas e chamada de persevera@o e, tal como a instabilidade, evidencia a fraghdade das condu- tas voluntdrias, 6 o estimulo que controla o sujeito.

Corn o fortalecimento das condutas voluntdrias o sujeito passa a comandar o estimulo, escolhendo o foco de sua aten~Bo ou o sentido de sua aqtio motora. Assim a crian~a toma-se mais capaz de se desligar de suas reaqdes espontiineas, imediatas, e de postergar sua aqtio, realizando atividades que demandam planejamento.

As dificuldades da crian~a em permanecer parada e concentrada como a escola exige testemunham que a consolida~Bo das disciplinas mentais e urn process0 lento e gradual, que depende ntio so de condi~6es neurolcjgicas, mas W m estA estreitarnente ligada a fatores de origem social, como desenvolvimento da hguagem e aquisi~tio de conhecirnento. Assim, a escola tem urn importante papel na consolidaqtio das disciphas mentais.

PENSAMENTO, LINGUAGEM E CONHECIMENTO

Segundo Wallon, a linguagem e o instrumento e o suporte indispensavel aos progressos do pensamento. Entre pensamento e linguagem existe uma relaqtio de reciprocidade: a linguagem exprime o pensamento, ao mesmo tempo que age como estruturadora do mesmo. Conferindo grande importhcia ao bin6mio pensamento- linguagem, Wallon elegeu, como objeto privilegiado de seu estudo sobre a inteliggncia, o pensamento discursivo (verbal).

$ muito grande o impact0 da linguagem sobre o desenvolvimento do pensamento e da atividade global da crianqa. Com a posse desse instrumento, a crianqa deixa de reagir somente aquilo que se impde concretamente a sua percep~Bo; descolando-se das ocupaqdes ou solicita- qdes do instante presente, sua atividade passa a compor- tar adiamentos, reservas para o futuro, projetos. A

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aquisicBo da linguagem representa, assim, uma mudanca radical na forma de a crian~a se relacionar com o mundo.

Estudos comparativos no campo da psicologia ani- mal mostram como, a partir do momento em que a crianca comeca a falar, suas condutas se diferenciam rapidamen- te das do chimpanze. 0 animal, desprovido de linguagem, e incapaz de evocar elementos que n8o sejam dados pela situaciio presente. Restrito ao espaco atual, resolve os problemas colocados pelos experimentos com base numa inteliggncia pratica, sensorio-motora.

A linguagem, ao substituir a coisa, oferece a repre- sentaqiio mental o meio de evocar objetos ausentes e de confrontti-10s entre si. 0 s objetos e si'iua~6es concretos passam a ter equivalentes em imagens e simbolos, po- dendo, assim, ser operados no plano mental de forma cada vez mais desvinculada da experiencia pessoal e imediata.

A investigaciio de Wallon sobre o pensamento infan- ti1 teve por base a an6lise de entrevistas realizadas com crian~as entre os 5 e os 9 anos. Apoiou-se, portanto, nas manifestacdes verbais do pensamento, instrumento mais adequado quando o objeto 12 o pensamento discursivo. Solicitava que as criancas falassem sobre coisas presentes em sua vivencia cotidiana, como chuva, vento, fogo, dia, noite. 0 s diilogos nos quais funda sua an6lise est8o no livro Origens do pensamen to na aian~a. Transcrevemos, a titulo de exemplo, um diaogo estabelecido com uma crian~a de sete anos.

0 que 6 de noite?" ... 0 que quer dizer esta de noite? - Que estA de noite. - Quando esth de noite, o que e que acontece? - Eica rnais escuro. - E por que fica mais escuro? - $ de noite. - Mas por que fica escuro de noite? - A gente donne".

No encaminhamento dado as entrevistas, Wallon procurava leva o pensamento aos seus limites para que, em situacBo de dificuldade, pudessem ser percebidas suas contradi~des e seus mecanismos propnos. Em sua anase, busca entender suas peculiaridades e funciona- mento, bem como suas insuficihcias diante do conheci- mento objetivo.

Por mais fragrnenttirio que possa parecer o pensa- mento infantil, esth longe de ser totalmente inorganizado. E regido por uma dinhica bintiria, que compde em pares os objetos mentais. 0 par e a estrutura elementar do pensamento infantil. Esta ideia da dualidade como ante- rior a unidade contraria os postulados da teoria associa- cionista, segundo os quais o fluxo do pensamento se forma a partir da associa~80 de unidades originalmente distintas. Opondo-se a ideia associacionista, Wallon apli- ca as noqdes intelectuais o que Koffka descobriu sobre as cores, isto e, que, no inicio, so sao reconhecidas por contraste (duas a duas). A unidade e vista, entCio, como resultado de um process0 de diferenciacao, sendo uma molecula, e n8o um atomo, a estrutura elementar.

Na fala, os pares aparecem cercados por palavras acessorias, mas 6 possivel identifica-10s como eixo que

20. A fala do psic6logo aparece em tipo normal e a da crian~a em itilico.

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norteia o discwso. Para melhor compreender este concei- to, faqamos urn exercicio de identificaqao no di6logo transcrito a seguir.

"0 que e a chuva" - A chuva e o vento - Enttio chuva e vento s8o a mesma coisa? - Nao. - 0 que e a chuva? - A chuva e quando tern trovso. - E o vento, o que e? - & chuva. - Entiio e a mesma coisa? - Nao, nso e igual. - 0 que n8o e igual? - 0 vento. - 0 que e o vento? -I? o ceu".

Como se v6, os pares que compdem o discurso interagem: chuva-vento, chuva-trovao, vento-chuva, vento-ceu, numa relaqgo que oscila. A crian~a assirnila chuva a vento, depois nega que sejam a mesma coisa, e em seguida volta a identifica-10s. Passa da identificaqao a diferenciaqao sem logica aparente.

Na dingmica propria aos pares, os termos se asso- ciam independentemente de sua significa~iio objetiva. Podem associar-se por criterios afetivos ou sob a influh- cia de aspectos sensorio-motores da linguagem, como analogias foneticas e assonhcias. A crianqa pode asso- ciar uma ideia a outra mais pela sonoridade das palavras do que por uma coerhcia de sentido entre as ideias ou delas com o context0 da frase. S8o freqiientes as situa- q&s em que 6 a palavra, corn suas qualidades sonoras ou semhticas, que impele o pensamento. Vejamos como isto ocone atraves de um outro diilogo analisado por Wallon.

A conversa foi com uma crianqa de cinco anos. Falavam sobre o vento e o menino diz que siio as portas abertas (em franc& "portes ouvertes") que fazem o vento. Tentando checar seu argumento, o psicologo h e pergunta: "Quando estamos na rua ha portas abertas?" 0 menino responde: "tern portas verdes (em francGs,

"portes vertes"), arnarelas e cinzas". Devido semelhanqa de sonoridade dos termos na lingua original ("portes ouvertes" - "portes vertes"), a crianqa associa portas abertas a portas verdes, demiando completarnente o assunto inicial da conversa.

A prevalhcia da sonoridade sobre o signlficado das palavras estd presente, de forma intencional, na poesia. Muitos poetas utilizam-na como recurso expressive. Nes- te sentido, podemos reconhecer urna dimenstio poetica na linguagem infantil. 0 gosto da crianqa por parlendas, versinhos ou jogos de linguagem tipicos da infGncia atesta seu interesse pela linguagem poetica, o qual provavel- mente advem das semelhanqas entre o funcionamento de seu pensamento e os recursos da poesia.

Wallon identifica o sincretismo como a principal carac- teristica do pensamento infantil. Usual na psicologia, o 'adjetivo sincretim costuma designar o carater confuso e global do pensamento e percep@o infantis. Segundo nosso autor, esta globalidade esth presente em vaos aspectos da atividade mental, que percebe e represents a realidade de forma inchferenciada. No pensamento sinaetico encontram- se misturados aspectos fundarnentais, como o sujeito e o objeto pensado, os objetos entre si, 0s vaos planos do conhecimento, ou seja, nq&s e processes fundamentais de cuja diferenciaflo dependem os progresses da inteligen- cia. No sinaetismo, tudo pode se ligar a tudo, as repre- sentaqh do real (ideias, imagens) se combinam das forrnas mais variadas e inusitadas, numa dm&nica que mais se aproxima das associaqiks livres da poesia do que da 16gica formal.

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Fabda~a'o, contradi~a'o, tautologia e elisa'o s8o al- guns dos fenbmenos tipicos do pensamento sincretico, minuciosamente descritos na andise walloniana.

Como ilustra~Bo, tomemos as no~des de fabda~a'o e tautologia, obse~ando como aparecem numa conversa que estabelecemos com Fernando, sete anos e meio.

Cheio de empolga~Bo, o menino narra uma hist6ria que trata de uns animais que se comunicavam por tele- patia. Com curiosidade para saber o que ele entendia por telepatia, pedimos que explicasse o conceito.

"Vote sabe o que e telepatia? - & urn bicho que, vem a telepatia pro cerebra dele, ele solta a telepatia pros outros, mas eles na'o falam, eles pensam no cerebro. - Ent2o telepatia 6 um bicho? - E".

A defini~80 que da de telepatia e tautologica, pois define o termo pela repeti~8o do mesmo - telepatia e um bicho que tem telepatia. $, ao mesmo tempo, fabulat6ria. Ou seja, diante de seu desconhecimento objetivo quanto ao significado do conceito, inventa uma explicaqgo origi- nal - um bicho como vetor da telepatia - num procedi- mento de fabulaC80.

Tomemos outra situaC8o para ilustrar o fenbmeno de elisa'o. Conversavamos com Rosa, sete anos, sobre seu universo cotidiano. Contou-nos que morava longe da escola e que sua m8e trabalhava como empregada do- mestica numa casa proxima a escola. Percebendo que gostava de falar sobre a m8e e seu trabalho, exploramos mais o assunto:

"0 que 6 trabalho? - Trabalho? - Rabalho e uma pessoa que e empregada e tern bagunga. - E o que ela faz? - 0 que ela faz? * Tem dois cachonos, a cachorra ...

a cachona emulher, e ganhou doisnent?~, doisfilhotinhos, que chamava Tet6 e a outra Nina, ai depois, ainda ti4 corn o mesmo nome. Ainda t;i latindo, ja tA rnordendo. - Todo trabalho 6 igual o trabalho da sua m8e? - &. - Todo mundo que trabalha armma bagun~a? - Amma bagun~a".

Uma das impressdes que da a sua fala e a de que faltam pedaqos. No trecho marcado pel0 sinal e elidida a inforrna~iio de que a mae amma a bagun~a da casa e cuida dos cachorros. A lembranqa dos cachorros, tema carregado afetivarnente, prevaleceu sobre a necessidade logica de dar seqiiencia a ideia anterior. Resulta numa fala confusa, em que a unica coisa clara e seu entusiasmo pelos cachorros recem-nascidos.

Este di6logo ilustra aprevaJt?ncja de criterios afetivos, sobre os logicos e objetivos, na seleq8o dos temas com que se ocupa a atividade mental. Esta impregna@o afetiva, outra importante caracteristica do sincretismo, faz-se presente tambem nas defini~des e explica~des do real. Por isso, para definir trabalho, Rosa refere-se a atividade da sua m8e, recorrendo ao significado que a no@o trabalho possui na sua experiencia pessoal.

Essa impregna~80 de subjetividade advem das ori- gens afetivas da atividade cognitiva. Ate que a inteligen- cia se diferencie da afetividade, tende a representar os objetos e situa~des como um conglomerado em que se misturam os motivos afetivos e objetivos de suas expe- rihcias. Desta mistura podem resultar rela~des que tem um sentido so para a propria crianqa e que ao adulto Parecem totalmente absurdas.

0 process0 de simboliza~80 e decisivo para que o pensamento atinja uma representaqgo mais objetiva da reahdade, pois substitui as referencias pessoais por sig-

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nos convencionais, refer6ncias mais objetivas. A distin- ~ i l o entre o sujeito e objeto 6 uma tarefa fundamental a evolu~ilo do pensamento e inclui-se numa sene de dife- renciags que a inteligbcia devera realizar ao longo de seu desenvolvimento.

PENSAMENTO CATEGORIAL

$ no estAgio categorial que se intensifica a reahza~80 das diferencia~6es necesstirias a redu~8o do sincretismo do pensarnento. No estagio personalista, a realiza~8o de diferenciaqdes no plano da pessoa leva a reduq8o do sincretismo na personalidade. Nesse sentido, possibilita ao estagio categorial a reduq8o do sincretismo do pensa- mento, a qual conesponde, em atima insthcia, a dife- renciaq80 eu-outro no plano do conhecirnento.

Ao longo deste estagio consolida-se a funqao cate- gorial. Trata-se da capacidade de formar categorias, ou seja, de organizar o real em series, classes, apoiadas sobre um fundo simbolico estavel. E uma funq8o de diferencia- $80 que favorece a objetiva~80 do real. "Objetivar o real e pensa-lo em potencial ou sob forma categorial, isto e, em sua eventual diversidade, o que tem o duplo efeito de tomar possiveis o controle das coisas e o ajustamento gradativo do pensarnento a realidade destas" 21.

A forma~Bo de categorias supde a separa~go entre qualidade e coisa. No sincretismo, verifica-se uma ade-

21. Wallon, Henri. Les orighes de la pens& chez l'enfant. Paris, PUF. 1989, p. 752.

rc%cia entre essas duas no~des; a qualidade e percebida como atributo exclusivo da coisa a qual se liga.

Vejamos esse fen6meno numa conversa entre crian~as de 3 anos de idade, numa classe de pre-escola. 0 assunto da conversa e a famiha, mais espeaficamente a m8e de cada um. T8o logo J a o escuta Adnano dizer o nome de sua mile, intenompe-o e, indignado, contesta: E a minha m8e que 6 Eliana". J a o nao admitiu a hip6tese de haver outra m8e com o mesmo nome da sua, pois percebia o nome Eliana como atributo exclusivo de sua propria m8e: objeto e qualidade tratados como uma coisa so.

Para a forma~8o de categorias gerais abstratas, e precis0 que os atributos e as c i rcuns~cias sejam perce- bidos como independentes dos objetos, podendo ser recombinado a outros objetos. Realizando a separaq2o entre qualidade e coisa, a funq8o categorial permite a analise e a sintese, a generahzaC80, a comparaq80. Em conseqiiencia da distinqao entre sujeito e objeto pensado e entre qualidade e coisa, a fun~Bo categorial permite a diferencia~ao dos objetos entre si e das tarefas essenciais do conhecimento.

0 advent0 org&ico que marca o inicio do estagio categorial e o amadurecimento dos centros de inibi@o e discrirnina@o. S8o essas as funqBes nervosas que est8o por tras da consolida~80 das disciplinas mentais, capaci- dade da qual depende o controle voluntario dos movimen- tos. Alem de relacionados a reduqBo da instabilidade e perseveraqiio no plano motor, as funqdes de discrimina- q8o e inibi~8o desempenham importante papel na redu- q8o do sincretismo.

Afinal, enquanto forem frageis essas funqdes, 6 dificil para a atividade mental inibir temas revestidos de forte

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carga afetiva em favor de temas propostos do exterior, ou discriminar temas "parasitas" que se inserem indevida- mente no fluxo mental (devido a fatores como analogias foneticas ou assonhcias) e inibi-10s em favor dos temas que norteavam anteriormente o discurso. Em virtude da insuficihcia da capacidade discriminadora, os objetos do pensamento, precariamente delimitados, contaminam-se uns aos outros, acarretando confusdes de significado ou desvio de assunto.

Alem de suas condi~des orghicas, este processo de discrimina~Bo dos conteudos mentais e inibi~iio dos temas inoportunos depende estreitamente de fatores de origem social, como a linguagem e o conhecimento. 0 s instrumentos simbolicos - palavras, imagens, ou outros signos - funcionam como referencias h a s que permitem distinguir a fra~Bo oportuna dos excitantes dispersivos que vGm do ambiente, confrontar as impressdes presentes objetos ausentes, possibilitando que o pensamento se proteja de contamina~des e desvios.

Ao interagir com o conhecimento formal, o pensa- mento se apropria das diferencia~des ja feitas pela cultu- ra, as quais contribuem para a realiza~Bo das diferen- cia~des que devem ser realizadas pel0 proprio individuo. A redu~Bo do sincretismo e a consolida~~o da fun~iio categorial siio processos em estreita dependencia do meio cultural.

Superar obstaculos que dificultam a compreens%o objetiva da realidade nBo 6 tarefa exclusiva ao pensamen- to infantil. E uma tarefa constante do proprio pensamento cientifico, desde a origem e ate hoje as voltas com a supera~8o de contradi~des que obscurecem a compreen- sio da realidade. Nesse plano da raz%o historica, v6-se que as categorias de pensamento vigentes sBo peri-

odicamente submetidas a reformula@es, sendo o pro- gresso intelectual resultado de conflitos e nio de pacifica acumula~Bo. No plano individual, o conflito tambem aparece como combustive1 para o progress0 do pensa- mento. Conflito entre as aptiddes intelectuais da crianqa e as tarefas que o meio h e impde, entre os seus recursos e a estrutura das coisas.

Se, por um lado, o sincretismo constitui-se num obstaculo para o conhecimento objetivo do real, por outro, ha terrenos da atividade humana em que ele e, ao con- trixio, um recurso muito fecundo. $ o caso da criaCBo artistica, processo que tem semelhan~as com o funciona- mento do pensamento sincretico (livre associa~Bo, analo- gias, predominhcia dos aspectos sensorio-motores e afetivos sobre a conota~Bo objetiva das palavras). Para o desenvolvimento do individuo nesse territorio, ao inves de ser reduzido, o sincretismo deve ser resgatado.

Mesmo no pensamento racional, ou no conhecimen- to cientifico e possivel assinalar aspectos positivos ao sincretismo: ao misturar e confundir ideias, possibilita o surgimento de rela~des ineditas. Necessario ao ato cria- dor, o sincretismo 6 essencial a inven~ao verdadeiramen- te nova.

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EDUCACAO: ENTRE 0 INDM'DUO E A SOCIEDADE

Devido ao seu objeto e a sua abordagem, a psicologia genetica de Wallon traz um campo vasto de implicaqbes educacionais. A op@o por estudar o desenvolvirnento da pessoa completa e a de basear este estudo numa pers- pectiva dialetica, faz com que sua teoria, abrangente e dintimica, s i ~ a a mliltiplas leituras por pate de quem procura, nela, subsidios para a reflex20 pedagogica. Tra- tando de temas como emo~ao, movimento, formaqao da personalidade, linguagem, pensamento e tantos outros, fornece valioso material para a adequaq20 da pratica pedagogica ao desenvolvimento da crianqa.

Alem das implica~bes educacionais decorrentes das leituras que se f a ~ a de sua psicogenetica, Wallon tratou de explicitar, ele proprio, interessantes considerac6es acerca da educaqao. A maior pate dessas ideias encon- tram-se desenvolvidas em artigos especialmente destina- dos a temas pedagogicos. Reforma da universidade,

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doutrinas da Escola Nova, orientaqao vocacional e o papel do psicologo escolar, formaqao de professor, interaqgo entre alunos e problemas de comportamentos s3o alguns dos assuntos tratados em sew artigos mais propriamente pedag6gicos.

Das idkias pedagogicas explicitadas por Wallon, des- taca-se a que se refere a necessidade de superaqBo da dicotomia entre individuo e sociedade subjacente a maior pane dos sistemas de ensino. Segundo nosso autor, estes costumam oscilar contraditoriamente entre um e outro polo da antinomia. A educaqBo tradicional, tendo por objetivo transmitir aos alunos a heranqa dos antepassados e assegurar-lhe o dominio de ideias e costumes que h e permitiriam melhor se adaptar a sociedade tal como e estabelecida, prioriza a aq3o dos adultos sobre a juventu- de e acena com a perpetuaqao da ordem social. Por outro lado, o movimento da Escola Nova, ao buscar romper com a opressilo do individuo pela sociedade, acabou por desprezar as dimensdes sociais da educaqao, preconizan- do o individualismo.

Wallon identifica na pedagogia de Rousseau uma das primeiras expressdes desta dicotomia entre individuo e sociedade, no campo educacional. Vendo o individuo como naturalmente bom e a sociedade como responsavel pela corrup@o desta bondade essencial, Rousseau pro- pde, no "&milew, que o individuo seja educado fora da sociedade, para que possa atingir plenamente suas po- tencialidades individuais e desenvolver-se segundo sua natureza. Somente depois de formada sua personalidade e que poderia se dar a inserqao do individuo na sociedade.

A ideia de uma personalidade que se forma isolada da sociedade 6 inconcebivel para a perspectiva wallonia- na, segundo a qual e na interaqao e no confronto com o outro que se forma o individuo. Wallon considera, portan- to, que a educaq8o deve, obrigatoriamente, integrar, a sua pratica e aos seus objetivos, essas duas dimensdes, a social e a individual: deve, portanto, atender simultanea- mente a formaqgo do individuo e a da sociedade.

As ideias de Rousseau quanto a uma educa~80 ativa, concreta e adequada ao desenvolvimento da crianqa S ~ M - ram como fonte de inspiraqiio para as doutrinas da Escola Nova. Em suas criticas ao ensino vigente na epoca, os partiduos deste movimento de renovaqao pedag6gica aler- tavam que a excessiva rigidez dos programas, o ensino puramente livresco e o autoritarismo na relaq3o professor- aluno dos metodos tradicionais colocam a crianqa numa posiqao de passividade, impedem suas livres investigaqdes sobre o mundo e suas interaqk sociais, abafando sua espontaneidade e curiosidade natural.

Wallon endossava essas criticas, mas discordava da atitude de oposiqBo em que se colocavam os precursores da Escola Nova: ao tentar resgatar o valor do individuo, simplesmente invertiam os principios e praticas do ensino tradicional. Contrapondo-se ao autoritarismo do ensino tradicional, os escolanovistas defendiam a condu@o do ensino pel0 interesse da crianqa, como se sua natureza fosse, por si so, capaz de todo desenvolvimento e como se qualquer intervenqao do adulto fosse prejudicial. Ques- tionando o carater demasiado livresco do ensino classico, postulavam a necessidade de aqgo concreta da crianqa, como se ela pudesse aprender tudo pelos 6rgFios dos sentidos. Valorizando a atividade da crian~a em sua espontaneidade, acabavam por anular a necessidade do ensino sistematizado e da interven~Bo do professor. Bus-

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cando instaurar o respeito pel0 individuo e acabar com a opressao exercida pela sociedade, a Escola Nova ignorava as dimensdes sociais da educaqao, e preconizava o indi- vidualism~. Inspirados na atitude oposicional de Rous- seau deixavam sem soluqiio a dicotomia entre individuo e sociedade.

0 que chama a atenqao nesta avalia~iio critica de Wallon e sua atualidade. Ainda hoje continuamos osci- lando entre esses dois p8os. Numa luta permanente pela atualiza~iio e aperfei~oamento das praticas pedagogicas, continuamos nos debatendo contra o autoritarismo das concepqdes tradicionais, infelizmente ainda predominan- tes no cenArio educacional. Neste combate, mantem-se no nosso horizonte o risco de espontaneismo que Wallon atribui a Escola Nova. No cenkio atual, e comum que, em nome do respeito aos interesses e necessidades do aluno, negue-se a importtincia do ensino sistematizado e anule-se as possibilidades de intervenqiio do professor, transformado num mero espectador do desenvolvimetno da crianqa.

A supera~ao do ddema entre o autoritarismo dos metodos tradicionais e o espontaneismo das praticas que se pretendem renovadas demanda um raciocinio dialeti- co, que enxergue as complexas relaqdes de determinaqiio reciproca que existem entre individuo e sociedade.

A solu~Bo para esse impasse niio se atinge somente com urna discussiio acerca de metodos pedagogicos. Demanda urna reflexiio politica sobre o papel da escola na sociedade.

Alias, Wallon considera que a prioriza~iio da discus- sao metodol6gica em detriment0 da reflexao sobre as dimensdes sociais da educaqao foi outro fator responsavel pel0 individualismo implicado nas propostas da Escola Nova.

Segundo Wallon, entre o regime politico de determi- nada sociedade e o sistema educacional nela vigente a rela@o niio e de mera casualidade. Mesmo que niio seja colocada explicitamente, a educaqiio tem sempre um papel politico.

Numa reflexiio sobre os regimes fascistas, Wallon mos- tra como seus dirigentes estavam cientes da forqa politica da educa@o. Valorizando fatores como o sangue e a raqa, a educaqiio fascista buscava manter os individuos em sin- tonia com seu lado mais instintivo e primitive. A exaltaqiio desses aspectos somava-se a lirnitaqiio dos recursos da inteligsncia, da qual denunciavam as conseqiiencias pemi- ciosas. Assim formados, os individuos ficariam mais susce- tiveis de mergulhar na retorica contagiante dos politicos e de aderir As suas ideias fascistas.

Eram veementes as criticas de Wallon a seletividade do sistema de ensino franc& que reservava, aos alunos provenientes de camadas sociaio favorecidas, urna longa carreira de estudos que teria por fim o ensino superior e aos provenientes de meios desfavorecidos impunha urna curta carreira ate o ensino tecnico ou profissionalizante. Por tras desta seletividade, nosso autor identificava a aqBo de urna elite esforqando-se por se manter como classe dirigente e o projeto de urna sociedade capitalists com- petitiva e individualista.

Se os regimes politicos prolongam seus objetivos a educaqiio, esta deve, por sua parte, apropriar-se de seu

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papel politico. Para isso e precis0 ter claro o projeto de sociedade que se quer. No caso de Wallon, a opqilo 6 clara por uma sociedade socialista, caracterizada pela demo- cracia e justiqa social.

Esta dimensilo politico-social da educaqilo fica bem explicita no Rojeto Langevin-Wallon. Elaborado por pessoas comprometidas com a reconstru~ilo da sociedade, abalada fisica e moralmente pela guerra, o projeto destaca a respon- sabilidade da educaqilo neste processo. Ropunha a realiza- ~ i l o de mudanqas profundas no ensino, visando acabar corn a penrersa seletividade do sistema. Organiza todos os &n- bitos do sistema de ensino (administrative, curricular, me- todologico) em torno do principio de j us t i~ social e os ap6ia sobre o conhecimento cientifico do ser humano em desen- volvirnento, sobre a psicoghse.

Propunha o atendimento simultheo das aptiddes individuais e das necessidades sociais, baseado na ideia de que o aproveitamento mais adequado das compet6n- cias de cada um se da em beneficio do individuo e da sociedade, assim como a melhor distribui~ilo das tarefas sociais serve ao interesse coletivo e a realiza~3o indivi- dual. Para a descoberta dos gostos e prefer2lncias indivi- duais previa um trabalho de orientaqilo vocacional, a ser realizado pel0 psicologo escolar.

Ao lado dos procedimentdos psicopedagogicos, o projeto previa procedimento de natureza financeira - alem da gratuidade do ensino, incluiam a implantaq30 de um regime de remuneraqilo ao estudante - para assegurar a todos os individuos o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.

Ciente de que nil0 pode alcan~ar a justiqa social somente com mudanqas no sistema educacional, o texto

do projeto alerta para a necessidade de mudanqas na maneira de a sociedade encarar as v6rias tarefas sociais. Muito embora a discussilo sobre a valorizaqilo social das profissdes fuja do m i t o estrito de atuaqilo da escola, pois envolve fatores que estilo fora do seu controle, deveria estar presente na reflex30 educacional, como exigencia da fundamental integraqilo que deve existir entre escola e sociedade.

Na utopia educacional representada por este projeto de reforma do sistema de ensino franc& do pos-guerra, Wallon, Langevin e os demais colaboradores desenham tambem a utopia de uma sociedade.

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UMA E D U C A G ~ DA PESSOA COMPLETA

Ao fomecer informa~des e explicaqdes acerca das caractensticas da atividade da crian~a nas v6rias fases de seu desenvolvimento, a psicologia genetica constitui-se numa valiosa ferramenta para a educa~iio. Possibilita uma maior adequaq80 dos objetivos e metodos pedagogicos as possibilidades e necessidades infantis, favorecendo uma pratica de melhor qualidade, tanto em seus resulta- dos como em seu processo.

Tendo por objeto a psicog&nese da pessoa concreta, a teoria walloniana, se utilizada como instrumento para a reflex80 pedagogics, suscita uma pratica que atenda as necessidades da crianqa nos planos afetivo, cognitive e motor e que promova o seu desenvolvimento em todos esses niveis.

Sob a inspiraqao desta perspectiva ampliam-se as vias para compreendermos o significado das condutas infantis e das interacbes que estabelece com o meio: a

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sua fala e aqbes somam-se a postura, o jeito de caminhar, a maneira de executar os gestos e as expressdes faciais. "A otica walloniana constroi urna crian~a corporea, con- creta, cuja eficiencia postural, tonicidade muscular, qua- lidade expressiva e plhtica dos gestos informam sobre os seus estados intimos. 0 olhar se dirige demoradamente para a sua exterioridade postural, aproveitando todos os indicios. Supbe-se que a sua instabilidade postural se reflete nas suas disposip3es mentais, que a sua tonicidade muscular da importantes informa~bes sobre seus estados e fe t i~os"~~ .

Ao contrhio do que propde a tradi~iio intelectualista do ensino, uma pedagogia inspirada na psicogenetica walloniana niio considera o desenvolvimento intelectual como a meta mMma e exclusiva da educa@o. Conside- ra-a, ao contrario, meio para a meta maior do desenvol- vimento da pessoa, afinal, a inteligencia tem status de pate no todo constituido pela pessoa.

0 s progressos da inteligencia se diio no sentido de urna compreensiio global e subjetiva do real para urna compreensao mais diferenciada e objetiva. Neste percur- so, em que o sincretismo da lugar ao pensamento cate- gorial, n8o e so a inteligencia que se beneficia, mas e a pessoa como urn todo. 0 s recursos intelectuais enrique- cem as possibilidades do eu, ampliando-o e flexlbilizan- do-o. Se 6 possivel delinear urna escala para o desenvolvimento da pessoa, o grau mais elevado corres- ponderia a um estado de m6xima diferencia~iio, em que

e tanto mais clara a fronteira entre o eu e o outro e mais exatas as distincbes que o sujeito opera entre as nuances e a complexidade do real.

A interdependencia que a teoria identifica entre desenvolvimento intelectual e conhecimento inspira urna pedagogia em que os conteddos de ensino tern um papel importante. "Ciente de que os progressos do pensamento se devem em grande pate ao crescente dominio do sistema semiotic0 e que a capacidade de diferencia~iio e poderosamente auxihada pela apropria~iio das diferencia- qbes elaboradas pela cultura e cristalizadas nos sistemas simbolicos, particularmente no codigo lingiiistico, a lin- guagem, a pedagogia walloniana n8o se furta a transmitir conteddos. A diferencia@io conceitual que (a crianqa) faz, ou a que capta, ja realizada, na lingua, siio ambas acei- taveis. 0 uso precis0 e ordenado das palavras e entendido como manifesta~iio de eficiencia e rigor do proprio pro- cesso mental. Longe de desprezar a aprendizagem lin- giiistica, ela a considera um poderoso auxiliar no progress0 do pensa~nento".~~

Da psicogenetica walloniana niio resulta, todavia, urna pedagogia meraqente conteudista, limitada a pro- piciar a passiva incorporaqiio de elementos da cultura pel0 sujeito. Resulta, ao contriuio, urna pratica em que a dimensiio estetica da reahdade e valorizada e a expressi- vidade do sujeito ocupa lugar de destaque. Afinal, o

- process0 de constru~iio da personahdade que, em dife- rentes graus percone toda a psicogense, traz como ne- cessidade fundamental a express80 do eu. Expressar-se

22. Dantas, Heloysa. A idfincia da razao: uma introdu@o a psico- logia da inteligencia de Henn' Wallon. SBo Paulo, Manole. 1990, p. 29. 23. Id., ibid., p. 30.

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significa exteriorizar-se, colocar-se em confront0 com o outro, organizar-se. Na escola, este movimento de exte- rioriza~tio do eu pode ser propiciado por atividades no campo da arte, campo que favorece a express80 de estados e vivencias subjetivas.

Como vimos no estagio personalists, onde altemam- se condutas de oposi~3o e de imita~bo, a pessoa cons- troi-se por um duplo movimento de expuls3o e incorpora~iio. Visando a autoconstru~80 do sujeito, a escola deve acompanhar esse duplo movimento, o que implica oferecer oportunidades de aquisigjo e de expres- sso, nas quais se alteme a predominiincia das dimensdes objetiva e subjetiva. Em termos cumculares, essa busca se reflete na integra~80 entre a arte e a ciencia.

ORGANIZA@O DO AMBIENTE ESCOLAR

l? grande a importhcia que a psicogenetica wallo- niana atribui ao meio no desenvolvimento infantil. Nesta teoria, o conceit0 de meio inclui a dimensso das relaq3es humanas, a dos objetos fisicos e a dos objetos de conhe- cimento, todas elas inseridas no contexto das culturas especificas.

0 meio e o campo sobre o qual a crianqa aplica as condutas de que dispde, ao mesmo tempo, e dele que retira os recursos para sua a@o. Com o desenvolvimento arnpliam-se as possibilidades de acesso da crianqa As v6rias dimensdes do meio. No inicio, ela age diretarnente sobre o meio humano e e por interm&ido deste que tern acesso as outras dimensdes de seu contexto social. Com os progressos no campo da motricidade pr%ca, ganha autonomia para agir diretamente sobre o mundo dos objetos e, com a aquisi$io da linguagem (oral e depois

escrita) adquire recursos cada vez mais sofisticados para interagir com o conjunto de tecnicas e conhecimentos de sua cultura. Cada etapa do desenvolvimento define um tip0 de rela~8o particular da crian~a com seu arnbiente, o que implica dizer que a cada idade e diferente o meio da crian~a.

Transpondo esta reflex30 para a escola percebemos a necessidade de se planejar a estrutura~30 do ambiente escolar. Se for estruturado adequadamente, pode desem- penhar urn decisivo papel na promo~8o do desenvolvi- mento infantil. Para planejar essa estrutura~30 somos, mais uma vez, obrigados a ampliar o raio de abrangencia da reflex30 pedagogica.

Em termos praticos, isso significa que o planejamen- to das atividades escolares n8o deve se restringir somente a sele~8o de seus temas, isto e, do conteudo de ensino, mas necessita atingir as v6rias dimensdes que compdem o meio.

Deve incluir uma reflex30 acerca do espaco em que sera realizada a atividade, decidindo sobre aspectos como a hrea ocupada, os materiais utilizados, os objetos colo- cados ao alcance das crian~as, a disposi~30 do mobilihrio, etc. Deve abarcar ainda decisdes quanto ao uso e a organizaq%o do tempo, definindo a dura~8o e o momento mais adequado para a reahza~8o da atividade.

A estrutura@o do ambiente escolar, fruto do plane- jamento, deve, por fim, conter uma reflex30 sobre as oportunidades de intera~des sociais oferecidas, definin- do, por exemplo, se sera0 realizadas individual ou coleti- vamente e, neste caso, como ser3o compostos 0s grupos. $ bom lembrar que a escola, ao possibilitar uma vivencia social diferente do grupo familiar, desempenha urn im- portante papel na forma~zo da personahdade da crian~a.

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Ao participar de grupos variados a crianqa assume papeis diferenciados e obtem uma noqBo mais objetiva de si propria. Quanto maior a diversidade de grupos de que participar, mais numerosos ser2o seus par8metros de relaqdes sociais, o que tende a enriquecer sua personali- dade.

R E F L E ~ O SOBRE A PR~I"I'CA PEDAG~GICA:

ENFOCANDO SITVAC~ES DE CONFLITO

, Coerentemente com o referencial filosofico que p6e a s e ~ i q o de sua psicologia, Wallon da destaque ao estudo das crises e confitos que encontra no processo de desen- volvimento da crianqa. A atenqBo que dedica a anfise da crise de oposiqao caracteristica do terceiro ano de vida ilustra essa atitude de enfrentamento dos conflitos. Inves- tigando o significado das condutas de oposiqBo tipicas de crianqa desta idade, Wallon mostra sua importthcia para o processo de construqiio da personalidade, atribuindo ao conflito eu-outro um significado positivo, dinamogGnico.

A discussao sobre as rela~bes de contradiq20 exis- tente entre emoqgo e atividade intelectual e urn outro exemplo desta disposiqiio tebrica, que nos parece muito fecunda para a reflexao pedagogics. Inspirados pela ati-

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tude walloniana de enfrentamento das situaqdes de crise e confhto, propomos um exercicio de reflex30 sobre a pratica pedagbgica.

SOB 0 IMPACT0 DAS EMOC~ES

No cotidiano escolar s3o comuns as situaqdes de conflito envolvendo professor e alunos. Turbul6ncia e agitaqao motora, dispers80, crises emocionais, desenten- dimentos entre alunos e destes com o professor d o alguns exemplos de dintmicas confhtuais que, com fre- qiiencia, deixam a todos desamparados e sem saber o que fazer. Initaq30, raiva, desespero e medo s3o manifesta- q&s que costurnam acompanhar as crises, funcionando como "term6metro" do conflito.

Nlio seria possivel, numa reflex30 de carater geral como a que propomos aqui, mapear com exatidao os fatores responsaveis por essas situaqdes, pois cada uma tem de ser explicada em seu prbprio contexto. No entan- W, B possivel perceber &guns traqos comuns &s intera- q6es conflituais, como a elevaqgo da temperatura emo- cional e a perda de controle do professor sobre a situaq30. A an6lise walloniana sobre a emoqgo traz interessantes elementos para que possamos compreender melhor essas dinhicas.

A relacgo de antagonism0 que identifica entre as manifestaqdes da emoqlio e a atividade intelectual nos autoriza a concluir que quanto maior a clareza que o professor tiver dos fatores que provocam os conflitos, mais possibilidade tera de controlar a manifestaq30 de suas reaqdes emocionais e, em conseqiihcia encontrar caminhos para soluciona-10s. 0 exercicio de reflex30 e avaliaqao que o professor faqa das situaqdes de dificulda-

de, buscando compreender seus motivos e identificar suas pr6prias reaq6es (se ficou irritado, assustado ou indiferente) ja e, por si so, um fator que tende a provocar a reduqiio da atmosfera ernocional. Afinal, a atividade intelectual voltada para a cornpreens30 das causas de uma emoqBo reduz sew efeitos. Atuando no plano das condutas volunt6rias e racionais, o professor tem mais condiqdes de enxergar as situaqdes com mais objetivida- de, e engo agir de forma mais adequada.

Devido ao poder epidemic0 das emoqdes, os grupos apresentam atmosfera propicia para a instalaq30 de ma- nifesta~des emocionais coletivas. Em se tratando de um grupo de crianqas, a fertilidade do terreno e ainda maior. Nos adultos, d o bem menos freqiientes as crises emo- cionais, pois esses possuem mais recursos para o controle das emocdes.

Assim, nas interaqdes marcadas pela elevaqgo da temperatura emocional, cabe ao professor tomar a inicia- tiva de encontrar meios para reduzi-la, invertendo a direq3o de forqas que usualmente se configura: ao inves de se deixar contagiar pel0 descontrole emocional das crianqas, deve procurar contagia-las com sua racionali- dade.

Com o apoio de informaqdes te6ricas sobre as carac- teristicas do comportamento ernocional e usando sua capacidade de anikse reflexiva, o professor deve buscar identificar, nos fatores irnplicados em cada situaqgo, aqueles que agem como "combustiveis" para o agrava- mento da crise. Sabemos que em gerd nao e possivel que essa reflexlio seja feita simultaneamente a crise. $ som- nete depois de t6-la vivido, ja fora do "calor" do momento, que se torna possivel a reflexso, a avaliaq30 e uma possivel compreens30 da situac3o.

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Tendo em vista a suscetibilidade das manifestacdes emocionais IS rea~des do meio social, acreditamos que os encaminharnentos do professor, se adequados, podem influir decisivarnente sobre a redu~Bo dos efeitos desa- gregadores da emoc80.

DIFERENCIA@O DOS CONFLITOS

Se cada professor pensar nas situa~des de conflito que vive com seus alunos, e provavel que consiga iden- tificar algumas dintimicas que se repetem sempre e consiga distinguir algumas categorias de conflitos. Para o exercicio de reflex80 aqui proposto, tomaremos dois tipos de situa~8o conflitual que nos parecem comuns hs v6rias realidades de ensino. 0 primeiro tip0 caracteriza-se por ati@-des--o sistematica ao professor, por parte dos alunos (individualmente ou em grupo). 0 se- gundo corresponde as dintimicas dominadas por agita@o e irnpulsividade motora, nas quais professor e alunos perdem completamente o controle da situa~80.

CRISES DE OPOSICAO

Nas situaqdes de oposi@o, e possivel distinguirmos aquelas em que ha um motivo concreto para tal atitude (proposta desinteressante, atitude autorit6ria do profes- sor, etc.) e outras em que a oposiq80 parece vazia de conteudo, isto e, os alunos contestam o professor ou recusam-se a reahzar uma proposta feita por ele pel0 simples gosto de exercitar a oposi@o. Figura nitidamente distinta dos demais elementos do grupo, o professor constitui-se num alvo privilegiado para o exercicio da oposic80.

As atitudes de oposi@o sistematica s8o exemplos tipicos de confitos ciznamog6nicos. 0 professor, se estiver ciente do papel desempenhado pel0 conflito eu-outro na constru~Bo da personalidade, pode receber com mais distanciamento as atitudes de oposic$io, sem toma-las como afronta pessoal. Afinal, e provavel que as oposi~des n8o sejam contra a sua pessoa, mas contra o papel de elemento diferenciado que ele ocupa.

Claro que o fato de reconhecer o papel positivo dessas condutas nBo resolve totalmente o problema, e precis0 ainda descobrir procedimentos praticos que per- mitam ao professor lidar melhor com a situa~80. Esses procedimentos devem ser encontrados por cada um, em seu context0 especifico, mas e possivel, utilizando nosso referencial teorico, apontar pistas que s e constituarn em mais um recurso para o professor incluir no amplo arsenal de hipoteses que deve buscar construir.

Importante recurso para a constru~Bo da identidade (individual ou coletiva) as condutas de oposi@io podem ser interpretadas tambem como indicio de uma necessi- dade de autonomia. A introdu~3o de medidas concretas que visem possibilitar maior autonomia e responsabilida- de as crian~as pode diluir a oposic80 e facilitar a convi- vencia nos momentos criticos. Sem falar nos beneficios que tais medidas podem trazer para o desenvolvimento de condutas sociais importantes, como a cooperaciio e a solidariedade.

Passemos ao outro tip0 de interae5o conflitual que em diferentes graus e intensidade aflige grande numero de professores. S8o dinimicas turbulentas que se carac-

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terizam pela elevada incid6ncia de condutas de dispersiio, agitaqiio e impulsividade motora. Situaqdes que deixam visivel uma diverg6ncia entre as intenqiks do professor - conter e - e a dos alunos - escapar ao controle. Este quadro completa-se pela elevada incid6ncia de exorta- ~ d e s e advertencias verbais, tais como "senta e fica quieto", "presta atenqiio", "agora n3o e hora de fazer coneria", emitidas pel0 professor na esperanqa de conse- guir controlar os alunos e estancar a turbulhcia.

Ao contriuio dos conflitos resultantes do exercicio da atitude de oposiqiio, essas dingmicas, quando muito freqiientes, niio tern nenhum significado positivo, ao contrario, s6 fazem consumir energia, desgastando ao professor e aos alunos. Esse desperdicio de energia pro- vocado por essas situa~des remete ao conceit0 fisico de "entropia", dai propormos chama-las, junto com Heloysa Dantas, de conf7itos entropjcos.

NBo obstante sua conota~iio negativa, a reflex30 sobre essas dingmicas representa uma excelente oportu- nidade de aperfeiqoamento da pratica pedagogica. Situa- qdes muito complexas, sua ocorr6ncia deve-se a conjunqiio de m~tiplos fatores e evidencia inadequaqdes e equivocos da escola em face das necessidades e possi- bilidades das crianqas. A identificaqiio dos fatores respon- saveis, que podem estar no plano dos conteudos de ensino, das atitudes do professor, da organizaqiio do espaqo da sala de aula ou do tempo das atividades, propicia a possibilidade de aperfeiqoamento da pratica pedagogica. Na discussiio que aqui propomos, daremos destaque a um dos fatores, que 6 a inadequaqao das exighcias posturais normalmente feitas pela escola.

Ainda hoje a escola se depara com as marcas de seu passado acad6mico e da tradiqBo intelectualista; mesmo

convencida da necessidade de transformaqiio da prhtica pedagdgica, costuma cuidar pouco das questdes ligadas ao corpo e ao movimento. Ignorando as mWiplas dimen- sdes do ato motor no desenvolvimento infantil e comum a escola simplesmente esquecer das necessidades psico- motoras da crian~a e propor atividades em que a conten- qtlo do movimento e uma exighcia constante.

A realizaqiio da maior parte das tarefas propostas c o m a exigir que as crianqas fiquem sentadas, paradas e com a aten@o mncenfmda num hico foco. S o demandas posturais que irnplicarn elevado grau de controle do sujeito sobre a propria aqiio, dependendo, assim, do tardio e custoso processo de consolidaqiio das disdplinas mentais. Em geral, a intensidade com que a escola exige essas condutas 6 superior possibilidades da idade, o que propicia a emer- gencia de dqersiio e impulsividade, ja que o cansaqo provocado flexibiliza ainda mais o dominio da crian~a sobre sua atenqiio e suas reaq6es motoras.

Esta reflex30 traz, como conseqiigncia irnediata para a . estruturaqBo das atividades escolares, a reduqiio do tempo durante o qual se exige posturas de conten~iio. Niio 6 possivel definirmos, abstratamente, um tempo ideal, mas e possivel indicar que a medida mais adequada deve leva em conta as possibilidades de autodisciplina pr6prias a cada idade e o grau de envolvirnento dos alunos com o assunto tratado na atividade - quanto maior o desenvolvimento com a tarefa maior a possibilidade de controlar sua aqBo. Alem de propiciar a dirninuiq8o da impulsividade motora que deflagra os conflitos, a inter- venqao sobre o fator tempo favorece o desenvolvimento da autodisciplina.

A reduq%o da intensidade com que se exige que a crianqa permaneqa na postura escolar clAssica traz, como interessante contrapartida, a necessidade de encontrar

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diferentes alternativas posturais para a realiza~iio das tarefas escolares. Nesse ponto defrontamo-nos com um outro fator que esta por tras dos conflitos, que e um equivocado conceit0 de aprendizagem.

Segundo uma visiio academicista, considera-se que a crianCa so aprende se estiver parada, sentada e concen- trada. Ora, se lembrarmos das caracteristicas da atividade infantil, veremos que isso niio e verdade, pois o movimen- to (sobretudo em sua dimensiio t6nico-postural) mantem uma relaqiio estreita corn a atividade intelectual. 0 papel do movimento como instrumento para express30 do pen- samento e mais evidente na crianCa pequena, cujo fun- cionamento mental e projetivo (o ato mental projeta-se em atos motores) mas e presente tambem nas crian~as mais velhas e mesmo no adulto. Sendo o movimento fator implicado ativamente no funcionamento intelectual, a imposiq80 de imobilidade por parte da escola pode ter efeito contrkio sobre a aprendizagem, funcionando como um obstaculo.

I? equivocada tambem a ideia, subjacente as exigen- cias posturais da escola, que a atenq8o so e possivel na posiqiio sentada e imovel. Basta obse~armos a atividade espontinea da crianqa que a veremos realizando aq6es atentamente sem que precise estar na postura exigida pela escola. Observando-a perceberemos tambem que pode estar sentada, parada e olhando fixamente para um ponto, como exige a escola, sem que esteja prestando a minima atenqiio na atividade proposta.

Niio ha uma postura-padriio para garantir a aten~3o em toda e qualquer atividade: a atitude corporal mais adequada varia conforme o tip0 da atividade e do estimu- lo. E, muitas vezes, s8o justamente as varia~des na posi~iio do corpo que permitem a manuten~iio da aten~8o na atividade que esta sendo realizada.

Na historia da humanidade podemos encontrar ilus- tra~des interessantes desta rela~iio dinhica entre pos- tura, atenqiio e aprendizagem. Na Grecia Antiga, encontramos as celebres aulas "peripateticas" de Aristo- teles. Este filosofo dava aulas em movimento, andando junto com os alunos, pois considerava que o ritmo da marcha favorecia o fluxo do pensamento. Passando pela Idade Media depararno-nos com o exemplo dos monges que, apoiando seus pesados limos sobre mesas altas, liam e escreviam em pe.

Atraves dessa reflexiio, o nosso objetivo e deixar bem evidente a inadequa~iio das exighcias feitas pela escola, que, irnpondo uma verdadeira "ditadura postural", desres- peita as condiq6es da crianqa quanto ao controle volunt&io de suas aqks e o funcionarnento da atividade intelectual, propiciando a incidgncia desse tip0 de confhtos entropicos.

A ampliaqiio do repertorio postural para a reahzaq30 das tarefas escolares, que nesta perspectiva de reduqiio dos conflitos imp6e-se como absolutamente necesskia, pode ser inspirada pelos exemplos historicos citados e potencializada com o uso da capacidade inventiva de cada professor. Por que n8o planejar "aulas peripateticas" a exemplo do filosofo grego? Ou um circulo de leitura de inspiraqiio medieval, onde cada crianqa escolhe a posiq3o mais confortavel? Ou ate mesmo atividades em que todos devem manter-se sentados, afinal esta postura apresen- ta-se de fato como mais adequada para a realizaqiio de determinadas atividades e seu aprendizado e uma neces- sidade social.

Para alcan~armos o enriquecimento das alternativas posturais 6 preciso romper com a vis8o tradicional de disciplina, que tem por expectativa uma classe com alunos permanentemente sentados e atentos a atividade proposta pel0 professor. E preciso deixar de olhar o

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movimento somente como transgress30 e fonte de trans- tomos, buscando enxergar nele sua multiplicidade de dimensbs e significados. E preciso, enfim, olhar a crian~a como ser concreto e corp6re0, uma pessoa completa.

A guisa de conclus30, e preciso esclarecer que com esse exercicio de reflex30 sobre situa~des conflituais presentes no cotidiano escolar, n3o temos por meta alcan~ar um estado de aus6ncia de conflitos. Afinal, dado o papel dinarnoghico que assumem no desenvolvimento, isso n3o seria possivel. 0 que propomos e, outrossim, uma avaha@io por meio da qua1 seja possivel distinguirmos entre os conflitos que possuem de fato um significado positivo e aqueles que, ao contriuio, indicarn inadequa- ~ d e s e equivocos da escola em atender as necessidades e possibilidades da crian~a.

ATITUDE DIANTE DA TEORIA

As contribui~bs da teoria de Wallon a e d u c a ~ o Go numerosas, quer nos apoiemos sobre as ideias pedag&icas explicitadas pelo proprio autor, quer fa~arnos uma leitura mais livre das impliq6es de sua psicologia genetica.

, Em suas ideias pedagbicas, Wallon propde que a escola reflita acerca de suas dimensbs socio-politicas e aproprie-se de seu papel no movimento de transforma- ~ 6 e s da sociedade. Prop6e uma escola engajada, inserida na sociedade e na cultura, e, ao mesmo tempo, uma escola comprometida com o desenvolvimento dos indivi- duos, numa pratica que integre a dimens30 social e a individual.

Sua psicologia genetica, se utilizada como instru- mento a servi~o da reflexao pedagogics, oferece recursos para a constru~30 de uma pratica mais adequada As necessidades e possibilidades de cada etapa do desen- volvimento infantil. A abrangencia de seu objeto de estudo sugere que a educa@o deve ter por meta n3o

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somente o desenvolvimento intelectual, mas a pessoa como um todo.

Destacando o papel do meio social no desenvolvi- mento infantil, concebe a escola como meio promotor de desenvolvimento, indicando dire~des para a organiza~30 do ambiente escolar.

A perspectiva dialetica que emprega no estudo dos fenemenos psiquicos instiga, no professosr, uma atitude cntica e de permanente investiga~3o sobre a pratica cotidiana. Inspira um professor que, diante dos conflitos, n3o se contenta com respostas-padr3o ou formulas este- reotipadas e mechicas, mas busca compreender-lhes o significado desvelando a complexa trama dos fatores que os condicionam.

Ao entrar em contato corn a obra de Wallon, o leitor certamente descobrira novas facetas desta teoria t30 abrangente e d inh ica e, em conseqiiencia, vislumbrara outras vias de reflex20 sobre a problematica educativa.

Nesse momento de redescoberta da teoria de Wallon, vale a pena alertar para o equivoco de se ter diante dela, uma atitude de simples ades3o. Nada mais contrhio ao sentido das ideias de Wallon e a sua atitude nso-dogma- tica, do que eleger sua teoria como matriz unica e suficiente para pensar a educap30, acreditando serem suas ideias capazes de esgotar a complexa problematica educativa.

0 proprio Wallon, na elabora~30 de sua teoria psico- logica, reconheceu a insuficihcia dos recursos vindos da psicologia, indo buscar elementos em outros campos do conhecimento.

0 que dizer, ent30, da insuficihcia da psicologia como recurso teorico para a educa~30, campo multidis- ciplinar por defini@o?

-1 EXTO SELECIONADO

Nada melhor do que ler algo escrito diretamente pel0 autor que estudamos para termos uma ideia mais precisa das peculiaridades de seu raciocinio e do estilo de seus textos. Pensando nisto, selecionamos o artigo "As etapas da evolu@o psicolbgica da crianGa"', que Wallon escre- veu com base em seu livro A evolu@o psicologica da crianqa, em 1947. Transcrevemos duas partes do texto original - "as grandes etapas do desenvolvimento da crianpa" e "conclus30" - que representam quase a sua totalidade.

Do ponto de vista do raciocinio, o artigo selecionado e exemplar. Deixa patente o enfoque globalizante que

1. In Wallon. Henri. Psychologie et dialectique. Paris. MessidorIEd. Sociales, 1990, p. 142-7 (ColetAnea organizada por &mile Jalley e Liliane Maury). Traduzido por Maria Ermantina Galv5o Gomes Pereira.

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Wallon dirige para a crianqa e faz transparecer a mobili- dade de seu pensamento.

Contudo, do ponto de vista do estilo, o artigo sele- cionado ntlo e muito representativo da peculiaridade do autor. Texto claro como poucos, traz urna apresentaqiio sistematica e organizada dos estdgios, num procedimen- to igualmente raro.

AS GRANDES ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA ClUANw

1. A s primeiras semanas da vida siio inteiramente dominadas por funqdes de ordem fisiologica, vegetativa: alem da respiraqiio, contemporhea do nascimento, siio o sono, a fome e um sentimento confuso do proprio corpo (sensibilidade proprioceptiva).

0 ato de nutriqiio e que redne e orienta os primeiros movimentos ordenados da crianqa. Mas suas gesticula- ~ 6 e s difusas nao se restringem a esse campo. Do ponto de vista motor, a evoluqiio consiste na anilise e na resoluqBo progressivas dessas contorqdes, dessas contra- ~ d e s globais, desses sistemas "sincinesicos" em movi- mentos mais bem diferenciados e mais bem adaptados.

2. A partir de tr& meses, a crianqa comeqa a estabe- lecer ligaqdes entre seus desejos e as circunstincias exteriores; o reflex0 condicionado se torna possivel. Des- de entiio, e mesmo anteriormente, aparece o sorriso, manifestaqiio notavel, a l ih interpretada diferentemente por diferentes observadores (Ch. Biihler, Valentine). Deve-se ver nele o indicio do despertar da crianqa a seu meio humano. Enquanto o pequeno animal fica muito cedo em contato direto com a natureza, o filhote do

homem fica muito tempo sob a dependencia imediata do meio humano.

3. A idade de seis meses, a gama de que a crianqa dispde para traduzir suas emoqbes e bastante rica para dar-lhe urna vasta superficie de troca com o meio huma- no: period0 emocional, de participaqiio humana: intuicio- nismo fecundo.

Foi possivel dizer, a propbsito do adulto, que a emoqiio era urn distkbio, um acidente, uma especie de degradaqiio da atividade. Mas isso niio e verdadeiro para a crianqa que esta num estagio do desenvolvimento humano em que a emoqiio e urna manifestaqiio plena- mente normal. Conhece-se toda a import6ncia dos movi- mentos emocionais entre os primitives, e a aqtlo deles e metodicamente reforqada pelas praticas da dan~a, das cerim6nias, dos ritos. Nesse estagio, a emoqiio estabelece um vinculo muito forte entre os indviduos do grupo, cuja coesiio garante. Sem estabelecer um paralelismo muito acentuado entre a historia da especie e o desenvolvimen- to do individuo, cumpre admitir que a crianqa, nessa idade, est6 num estago emocional inteiramente andogo. Mais tarde, ela tera de distinguir sua pessoa do grupo, tera de delimita-la por meios mais intelectuais: por ora, trata-se de urna participaqiio total, de urna absorqiio no outro, profundamente fecunda.

4. Depois dos nove meses, aparece urna nova etapa por um movimento de inversiio ou de oscilaqiio de que veremos outros exemplos: Etapa sensorio-motora (e n8o mais emocional) que cobrira o segundo ano.

Estabelecem-se, entre as sensaqbes e os movimen- tos, as ligaqdes necessiuias. Nessa epoca, a voz apura o ouvido, e o ouvido modula a voz; a miio que a crianqa desloca e segue com os olhos distribui os primeiros pontos de referencia no campo visual.

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Apos um periodo em que a crianqa leva os objetos a boca para explora-los, porque apenas as sensa~des de sua boca s8o bastante diferenciadas para informa-la sobre a forma e a materia dos objetos (periodo do "espaqo bucal" de Stern), a crianqa fica capaz de apalpar utilrnente com a miio; periodo do "espaqo proximo" ao qual sucedera, urna vez adquirida a marcha, o "espaqo locomotor".

0 segundo ano 6 a epoca da marcha e da aquisi~Bo da linguagem. Aprendendo a andar, a crianqa vai liber- tar-se da sujei~go, em que estava ate entao, ao seu meio familiar; isso aparece de urna maneira concreta quando a crianqa se diverte em fugir dos braqos que h e s3o estendidos.

& extrema a importiincia desse progresso: ate ai, a crianqa, levada no colo ou no carrinho, conhecia diversos espaqos parciais justapostos, nao coordenados. Deslocan- do-se de um lugar para outro, ela pode construir, com sua atividade, um espaqo ~ c o no qual pode alcan~ar ou ultrapassar cada objeto, ire vir, meio continuo e homogeneo, e n8o mais somente ambiente fortuito do momento.

A linguagem e de inicio subjetiva, optativa; mas e tambem realists, pois a palavra pela qual a crian~a se interessa vivamente e para ela algo muito diferente que um simbolo ou um rotulo posto no objeto, e um equiva- lente do objeto, o proprio objeto sob um de seus aspectos essenciais.

Com a linguagem aparece a posslbilidade de objeti- vaqBo dos desejos. A permanencia e a objetividade da palavra permitem a crianqa apartar-se de suas motivaqdes momentineas, prolongar na lembran~a urna expenencia, antecipar, combinar, calcular, imaginar, sonhar. A lingua- gem, com a marcha, abre a crianqa um mundo novo, mas de outra natureza: o mundo dos sirnbolos.

5. A crise de personahdade por volta dos tr& anos, marcada por um novo movimento de altemacia, por um ensimesmamento da crian~a, para urn novo esfor~o de lib_erta~ao. Esforqo voluntarista, idade negativista do NAO, do EU, do MEU.

Aos dois anos ainda, a crianqa era incapaz de dife- renciar-se do outro; num jogo, por exemplo, ela desem- penha dois papeis ao mesmo tempo, assumindo sozinha todo o diidogo; ela parece confundir-se com as pessoas de seu meio e, se ameaqam sua miie, ela se refugia em seus braqos, como se ela propria estivesse ameaqada.

Aos tres anos, ao contrtkio, emerge a necessidade de auto-afirmaqgo, de impor seu ponto de vista pessoal, as vezes com intemperanqa sistematica. A crianqa se entre- ga, como respeito aos adultos, a urna especie de esgrima, jog0 destinado a fazer triunfar seu capricnho ou sua oposiqiio.

Se essa crise ocorre de mod0 precoce demais ou exclusivo demais, traduz certa dureza, a insensibilidade da crianqa as repercussdes que tem no outro o desenvol- vimento de sua atividade; mas se suas manifestaqdes s3o minguadas demais, isso traduz urna grande maleabilida- de mental, urna inconsistencia de conduta, urna impoth- cia de experimentar, adotar ou prosseguir algo, a nso ser sob a influencia de outrem.

Nessa idade, a crianqa fica mais ciosa da proprieda- de. Faz com que ponham seu nome no objeto possuido, quer guardar para si seus brinquedos, enfim, sente o matiz particular express0 pela palavra emprestar (distin- qBo entre propriedade e uso ou posse).

6. A idade da graCa (Homburger). Por volta dos quatro anos, a crianqa torna-se atenta as suas atitudes, ao seu comportamento. Desenvolve o gesto compassadamente para si mesma, conferindo-lhe urna especie de valor estetico.

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Engo surge a timidez; a crianqa fica atenta ao efeito que pode produzir no outro, a imponencia de seu porte, por urna especie de narcisismo motor.

Seu nome, sua idade, seu domicilio se h e tornam uma imagem de sua pequena personagem, da qual faz, alih, como que urna testemunha de seus proprios pen- samentos.

Ja apta para observar, ele se dispersa menos e prossegue com mais calrna e perseveranCa urna ocupa~8o empreendida.

Pela mesma epoca, aparece a necessidade de imita- ~ 8 o . A crianqa tenta imitar para tomar o lugar do outro, para proporcionar-se o espetaculo de seu eu enriquecido pel0 outro, assirn, a imita~8o tem o carater de urna rivalidade com o adulto que a crianqa gostaria de excluir.

Observemos, de passagem, que os psicanalistas con- sideram esse periodo particularmente decisivo na forma- ~ 8 o da personalidade. As relaqdes afetivas entre a crianqa e seu meio familiar adquirem urna forma precisa. 0 ciume pode aparecer, notadamente em relaq8o ao pai, sentido a um so tempo como um rival e como um modelo e, de um mod0 mais geral, simbolo do Outro.

Nessa idade, a crianqa ainda tem grandes exigencias afetivas, tem sede de solicitude e deve ser cercada de uma atmosfera de ternura: a disciplina da escola maternal n8o pode apresentar a frieza objetiva que assurnira na escola primiuia. Do ponto de vista intelectual, a crian~a tornou-se capaz de classificar e distribuir os objetos conforme certas categorias genericas: cores, formas, di- mensdes, etc.

Mas sua personalidade n8o esta inteiramente dife- renciada. Em sua familia, ela se pensa sempre dentro de urna constelaqbo de pessoas na qual n8o sabe distinguir muito bem sua propria pessoa do lugar que ela ocupa entre os outros. Assinalaram com acerto a importhcia, para a formaq80 da personahdade, da forma da constela-

$80 familiar ( n h e r o de filhos) e do lugar ai ocupado por tal crianqa (que, por exemplo, se conduzira como "primo- gbito" a vida inteira).

7. A idade escolar. Depois dos 6 anos, com uma nova reviravolta, o interesse da crian~a vai voltar-se sobretudo para as coisas. A idade da entrada na escola prim6ria marca urna etapa importante: assim como a atmosfera de temura e natural a escola maternal, assim tambem se mostra superada na escola primiiria. A crian~a mais lenta e delicada, a "queridinha", e ca~oada e ate duramente maltratada pelos degas , especie de iniciaq80 a um clima mais viril. 0 s colegas o pdem na linha, por urna exigencia da sociedade escolar, que traduz urna grande maturidade das crianqas dessa idade.

Por outro lado, as vicissitudes da vida escolar vFio possibilitar a diferenciaq30 da personalidade da crian~a. Ate ent8o engastado na constelaq80 familiar, ela vai, dai em diante, continuamente, passar de urna situaq8o para outra: ora mocinho e ora bandido, prirneiro na corrida, mas dltimo em historia.. . , ela distingue a no~8o de urna personalidade constante atraves dessas permutas perpe- tuas. E por isso que os jogos que acarretam mudanqas de papel tern a preferencia das crianqas dessa idade; e essa instabilidade transposta para o plano intelectual prepara o caminho para um pensamento ou um desenvolvirnento menos subjetivos.

Na escola maternal, a monotonia das ocupa@es e a regra; a crian~a persevera em seu esfor~o ate esgotar o interesse; na escola primiiria, a crianqa e capaz de mudar de ocupaqBo e de interesse em hora fixa e por imposi~iio.

No plano intelectual, o periodo de 7 a 12 anos e aquele em que o sincretismo recua ante a an&e e a sintesse: as categorias intelectuais dssolvem e pulverizam aos poucos o global prirnitivo. A crian~a se aproxima da objetividade da percep@o e do pensamento dm adultos.

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Do ponto de vista social, a crianqa se liberta das constela~des puramente afetivas, 6 com vistas a tarefas determinadas que se agrupa com colegas, escolhendo, por exempo, uns colegas para tal jogo, outros para o trabalho.

Entre companheiros, as conversas se reduzem a discussdes sobre as aventuras comuns.

Dai resulta uma diversidade e uma reversibilidade de rela~des de cada urn com cada urn, da qua1 cada urn tira a no@o de sua propria diversidade conforme as circuns- thcias, mas tarnbem de sua unidade fundamental atra- ves da diversidade das situa~des.

8. A 6poca da puberdade parece p8r em xeque essa objetividade conquistada. Sem estendermo-nos longa- mente sobre essa crise essencial, podemos dizer que, no plano afetivo, o Eu volta a adquirir uma importiincia consideravel; e, no plano intelectual, a crian~a supera o mundo das coisas, para atingir o mundo das leis.

Nenhuma dessas etapas jamais e completamente superada e, em certas afei~des, assiste-se a ressurgGncia de estagios mais antigos.

De etapas em etapas, o desenvolvimento psiquico da crianqa mostra, atraves das diversidades e das oposi~des das crises que o pontuarn, uma especie de unidade solidaria, tanto no interior de cada fase como entre todas elas.

$ contra a natureza tratar a crianqa fragrnentariamen- te. Em cada idade ela constitui um conjunto indissociavel e original. Na sucessi3o de suas idades, ela e um dnico e mesmo ser em metamorfose. Por ser feita de contraste e de conflitos, sua unidade sera ainda mais suscetivel de ampliamento e de enriquecimento.

Obra de Henri Wallon

a) Livros

N3o 6 muito numerosa a obra de Wallon publicada originalmente sob a forma de livro. No entanto, e uma produ~3o densa, cuja cornpreens30 n30 se atinge numa primeira leitura e cujas descobertas que possibilita pare- cem inesgotaveis.

De seus oito livros, quatro foram editados no Brasil, sendo que tr6s deles s3o publica@es antigas e esgotadas. Felizmente, o interesse que a teoria de Wallon tem des- pertado junto a educadores e psicologos foi percebido pelo mercado e&torial brasileiro, e ha editoras preparando novas tradu~des de livros-chave da obra walloniana. Abaixo apresentamos uma sintese do conteddo de cada um de seus livros, indicando sua disponibilidade em edi~des brasileiras. 0 s titulos que aparecem em franc& correspondem aos livros que ate o momento n3o &spdem de nenhuma ediq3o brasileira.

1908 Delire de persecution (Delirio de persegui~%o)

Publicaqiio da tese com a qua1 conclui os estudos de medicina. Descreve v&ios tipos de delirio, buscando reconhecer o terreno biologico de cada um. Sua argumen-

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ta~iio ja preludiava a atitude materialists dialetica mais tarde constituida.

1925 L'enfant turbulent (A crian~a turbulenta)

Apresentada corno tese de doutorado em 1925, foi publicada no mesmo ano em dois tomos. A segunda edi~iio foi feita somente em 1984 (Paris, Presses Univer- sitaires de France), numa versiio abreviada e prefaciada por Tran Thong, contendo a tese principal e algumas das 214 obse~acdes que, no original, compunham a tese complementar.

Esta obra traz o germe de sua psicogenetica e deli- neia os fundarnentos de sua metodologia genetico-com- parativa. A primeira parte do livro apresenta quatro estagios do desenvolvirnento infantil, posteriormente rea- grugados em dois (impulsive-ernocional e sensorio-motor e projetivo). A segunda descreve quatro sindromes psi- comotoras, nas quais ficam evidentes as inter-rela~des entre os fatores orgimicos (deficihcias neurologicas) e os fatores sociais (intera~des com o meio).

1926 Psychologie pathologique (Psicologia patologica)

Sistematiza os conhecimentos entiio disponiveis em termos de psicopatologia. Faz uma anhhse critica, eviden- ciando os limites e insufici6ncias da psiquiatria da epoca.

1930 Pnncipes de psychologie appliquee (Principios de psicologia aplicada)

Aborda diversas possibilidades de aplica~iio da psi- cologia, discutindo temas como higiene do trabalho, orienta~iio e sele~iio profissional, psicologia escolar.

1934 Origens do carater na crian~a. Siio Paulo, Difu- siio Europeia do Livro, 1971 (essa edi~iio esta esgotada,

mas esth sendo preparada uma nova traduqgo pela editora Nova Alexandria).

Rellne o contebdo dos cursos proferidos na Sorbon- ne, entre os anos de 1921 a 31. Consolida a op~iio de Wallon pela an6lise genetica e aprimora seu metodo cornparativo, acrescentando, a patologia, o recurso a psicologia animal.

Enfocando os tr6s primeiros anos de vida, trata das origens do sentimento de personalidade. As tr8s partes em que se divide o livro (comportamento ernocional, conscibncia e individualiza~iio do corpo proprio, cons- ci6ncia de si) conespondem aos principais aspectos in- tervenientes neste processo.

0 livro apresenta minuciosa e original andise das emo@es (suas condiqdes orghcias, suas implica~bes sociais), destacando o papel do comportamento emocio- nal no inicio do desenvolvimento. & leitura obrigatoria para os interessados em aprofundar os conhecimentos neste campo.

1938 La vie mentale (A vida mental) Paris, editions socia- les, 1982.

Conesponde ao 8* torno da Enciclopedia Francesa. Esta cole~iio, inspirada na grande Enciclopedia Rancesa do sec. XVIII, teve 21 volumes publicados, entre 1937 e 1966. Dirigida pelo historiador Lucien Febvre, foi conce- bida como obra de sintese dos conhecimentos das mais diversas 6reas e voltada para a forma@o do grande palico. Wallon dirigiu o tom0 dedicado a psicologia, tendo redigido por volta de urn quarto do total, ao lado de psicologos como Henri Pieron e Jacques Lacan, num grupo de vinte colaboradores.

Seus escritos foram reagrupados em limo inde- pendente, numa ediqiio realizada por &mile Jalley. Devido

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ao fato de se destinar ao grande p~Wco, trazem urna quahdade pouco encontrada nos demais escritos de Wal- lon, que e a clareza de exposi~Bo. Por este motivo e tambem pelo fato de conter urna sintese dos principais pontos, at6 enttio desenvolvidos, de sua teoria, constitui- se num bom caminho para o leitor iniciante.

1941 Evolugiio psicol6gica da crian~a. Rio de Janeiro, Andes, s.d. (ediqBo esgotada)

E um livro de sintese que apresenta, de forma con- densada, os aspectos centrais da psicogenetica wallonia- na. NBo se estrutura pela cronologia do desenvolvimento, mas pelos v6rios campos da atividade infantil.

Na primeira parte, intitulada "a infancia e seu estu- do", o autor coloca o problema da psicologia da crian~a como area de conhecimento cientifico e discute questdes metodologicas (o papel da observa@o, a visa0 pela qua1 o adulto estuda a crian~a). Na segunda, "as atividades da crianca e sua evolu@o mental", discute os processos psiquicos subjacentes ao desenvolvimento, enfocando atividades que asseguram a transi~Bo de um estagio a outro (rear$io circular, jog0 e disciplinas mentais). Na terceira e dltima parte, intitulada "0s niveis funcionais", aborda separadamente cada campo funcional (afetivida- de, ato motor, inteligencia, pessoa), percorrendo, em todos eles, a faixa de zero aos sete anos.

1942 De I'acte a la pensee (Do ato ao pensamento)

Foi concluido e publicado durante a ocupa~so alems, quando Wallon trabalhava para a Resistencia e vivia na clandestinidade.

Este livro, que tem o subtitulo "ensaio de psicologia comparada", e ilustrativo do pensamento interdisciplinar

do autor. Wallon faz largo uso de dados provenientes da antropologia, referente & sociedades ditas primitivas, e de dados da psicologia animal. 0 recurso a patologia continua presente, mas em menor numero.

Estuda as raizes sensorio-motoras da fun@o intelec- tual, mostrando que entre o ato motor e o ato mental ha urna complexa rela~ilo de interdependencia e de conflito, um verdadeiro "salto qualitativo" .

1945 Origens do pensamento na crian~a. SBo Paulo, Manole, 1989

Reune o conteudo dos cursos proferidos no Colegio de Fran~a e tern, por base empirica, diAlogos realizados corn crianqas (entre os seis e os nove anos) que freqiien- tavam o Laboratorio de Psicobiologia da Crian~a. Voltado para o estudo dos prelGdios da inteligencia discursiva, situa a antdise do pensamento no context0 da personah- dade global. Realiza urna minuciosa anase do pensa- mento infantil, mostrando suas caracteristicas peculiares e. os processos pelos quais atinge urna compreensBo cada vez mais objetiva da realidade. Mostra como o desenvol- vimento da inteligencia esta em estreita dependencia da linguagem e do meio social.

Devido a especificidade de seu conteudo, a leitura deste limo e indicada para leitores que ja possuam urna visBo de conjunto da teoria walloniana.

b) Coletdneas de artigos

Alem dos limos, Wallon escreveu quase tres centenas de artigos @me deles em colabora~Bo), publicados em revistas de medicina, psiquiatria, filosofia, psicologia e pedagogia, conforme a epoca em que foram escritos e o

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conteudo de que tratam. Muitos deles estiio em coletA- neas e constituem uma importante fonte de acesso a sua teoria. Citarnos a referencia das principais coleGIneas, todas elas ainda n80 editadas no Brasil.

Enfance, 1959, 3-4, n h e r o especial intitulado "Psy- chologie et Mucation de l'enfance" (Psicollogia e educa~ao da infincia). Sele~8o feita por Wallon de artigos e confe- rencias sobre quest&s psicol6gicas e pedagogicas.

Pode ser encontrado em tradu~80 portuguesa (Lis- boa, Editorial Estampa, 1975).

Enfance, 1963, 1-2, n h e r o especial intitulado 'Buts et methodes de la psychologie" (Objetivos e metodos da psicologia). Lan~ado logo a p b a morte de Wallon, reune artigos e conferencias que discutem os fundamentos epistemologicos e metodologicos da psicologia. Pode ser encontrado em tradu~80 portuguesa (Lisboa, Editorial Estampa, 1975).

Enfance, 1968,l-2, numero especial intitulado ",?hits et souvenirs" (Escn'tos e Iembran~as), Ediqso comemora- tiva dos vinte anos da revista Enfance, traz uma entrevista concedida por Wallon, no final da vida, e artigos dedica- dos a obra de autores como Decroly, Descartes, Rousseau.

Wallon, Henri. Psychologie et dialedique (Psicologia e dialetica). Paris, MessidorEd. Sociales, 1990. Coletiinea organizada por $mile Jalley e Liliane Maury, reunindo artigos escritos entre 1926 e 1961, aos quais era dificil o acesso.

WEREBE, M.J.G. &, Nadel-Brulfert, J. Henzi Wallon (antolog.la) SBo Paulo, Atica, 1986 - CoIe~ilo Grandes Cientistas Sociais.

Ap6s anos sem nenhurna edi~8o brasileira dos escri- tos de Wallon, a editora Atica publicou, em 1986, uma antologia com textos extraidos de suas obras mais repre- sentativas e alguns artigos, selecionados por Jacqueline Nadei e Maria Jose Werebe.

DANTAS, Pedro da Silva. Para conhecer Wallon: m a psicologia dialetica. s o Paulo, Brasiliense, 1983.

E w e as linhas-mestras da teoria de Wallon, relacio- nando-a a outras tendencias da filosofia e psicologia. Busca apresentar esta teoria ao leitor brasileiro, tentando romper a "conspira@o de silencio" que se operou em torno da mesma. Traz ainda uma detalhada biografia do autor .

. DANTAS, Heloysa. A infincia da razao: m a introdu- q80 a psicologia da inteligzncia de Henn Wallon. SBo Paulo, Manole, 1990.

A autora, importante estudiosa da obra de Wallon no Brasil, realiza uma sintese da concep~80 walloniana acer- ca do desenvolvimento da inteligencia discursiva, tendo por base o limo "Origens do pensamento na crian~a". Prop6e uma articula~ilo teorica entre esta psicogenetica e a teoria de Piaget, apontando diferen~as e possibilida- des de integraq80.

DE LA TAILLE, YVES et alii. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogeneticas em discussiio. Silo Paulo, Summus, 1993.

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Contem artigos de Heloysa Dantas sobre questdes centrais da teoria walloniana, como a g h e s e da inteli- ghc i a e o papel da afetividade na construqBo do sujeito. Esses artigos integram urn conjunto de textos dedicados as concep~des psicogeneticas de Piaget e Vygotsky.

PEREIRA, M. Izabel Galvi3o. 0 espaqo do movimento: investigag20 no cotidiano de uma pre-escola a luz da teoria de Hem' WWaUon. SBo Paulo, tese (mestrado) Facul- dade de Educa~go - USP.

Utiliza a teoria walloniana como referencial para analisar situa~des de conflito no cotidiano de uma pre-es- cola.

GALVAO, Izabel. Uma reflexso sobre o pensamento pedagogic0 de Henri Wallon. In M. Leila Alves (coord.), Construtivismo em revista. Si3o Paulo, FDE, 1993, Ideias nQ 20. Discute algumas implica~6es pedagogicas da teoria de Wallon.

ZAZZO, Rene. Henn Wallon: Psicologia e marxismo. Lisboa, Vega, 1978.

Reune artigos escritos por esse importante colabora- dor de Wallon sobre aspectos de sua vida e obra. Traz urn levantamento completo dos livros e artigos publicados por Wallon e sobre ele, ate aquela data.

TRAN THONG. Estagios e conceitos de estagio de desenvolvimen to na psicologia con temporAnea. Porto, Afrontamento, 1981.

Apresenta uma sintese da psicogenetica walloniana, com uma detalhada descri~Bo dos estagios de desenvol- vimento. 0 autor faz um estudo comparativo entre as teorias de Wallon, Piaget, Gesell e Freud.

MERANI, Alberto. Psicologia e pedagogia. Lisboa, Editorial Noticias, 1977.

Apresenta aspectos gerais da teoria de Wallon, com destaque para suas irnplicaqdes pedagogicas. Traz uma copia integral do projeto para reforma do sistema de ensino, o Plano Langevin-Wallon.

Na Fran~a, e bem maior a quantidade de trabalhos escritos sobre Wallon e sua teoria. Citaremos somente os mais importantes.

Enfance, 1979, 5, numero especial intitulado "Cente- naire dlHenri Wallon", comemorativo do centenario de seu nascimento.

Enfance, 1993, 1, ndmero especial intitulado "Henn Wallon pami nous", em homenagem aos trinta anos de sua morte.

JALLEY, mile. Wallon, lecteur de Freud et Piaget. Paris, Editions Sociales, 1981.

MARTINET, M. Theone des emotions: introduction a l'oeuvre d'Henn Wallon. Paris, Aubier Montaigne, 1972.

NADEL, Jacqueline & BEST, Francine. Wallon au- jourd'hui. Paris, Scambee, 1980.

TRAN THONG. La pensee pedagogique de Henn Wallon. Paris, PUF, 1969.

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DANTAS, Heloysa. A infincia da razao: uma introdu~ao a psicologia da inteJig6ncia de Henri Wallon. Sao Paulo, Manole, 1990.

-. Do ato motor ao ato mental: a genese da inteligencia segundo Wallon. In Del Taille, Yves et alii. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogeneticas em discus- sao. SCio Paulo, Summus, 1993.

-. A afetividade e a constru~Bo do sujeito na psicogene- tica de Wallon. In Del Taille, Yvez et alii. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogene ticas em discus- s2o. SBo Paulo, Summus, 1993.

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