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 Rev ista Discente Expressõ es Geográficas. Florianópo lis-SC, N° 01, p. 15-26, jun/2005. www.cfh.ufsc.br/~expgeograficas 15 A CONQUISTA DA ANTÁRTICA: SIGNOS E REPRESENTAÇÕES (THE ANTARCTIC CONQUEST: SIGNS AND REPRESE NTATION) SCHELLMANN, Karin [email protected] Universidade Federal do Paraná – UFPR KOZEL, Salete (Profa. Dra.) [email protected] Universidade Federal do Paraná – UFPR Resumo A curiosidade sempre moveu o homem a construir teorias, a vivenciar experiências visando atingir determinados desafios. A história da conquista dos espaços geográficos ao longo da história da humanidade está relacionada com esta curiosidade e a necessidade de superar as barreiras e ir além das simbologias e ideologias, sobretudo as divulgadas pela Igreja, até meados do século XV, quando têm início as Expansões Marítimas. A Antártica sempre integrou o universo dessas curiosidades a serem testadas, porém é importante ressaltar que Pitágoras já possuía conhecimento das terras longínquas da porção austral do globo terrestre. Outras referências sobre a “Terra Australis Nodum Cógnita ” aparecem no livro “A Geografia” de Ptolomeu de Alexandria, onde a massa continental antártica estaria ligada aos outros continentes. Com as expedições relacionadas à conquista de novas terras tal teoria não se comprovou. Entre a descoberta destas e seu efetivo reconhecimento, criaram-se mitos, signos, representações e ideologias entorno de um continente que já era envolto por mistérios. Um deles é a simbologia de que a Antártica é uma porção de terras onde a poluição é inexistente e sua penetração é impossível pelo rigor climático. Ou ainda “O último refúgio selvagem e de recursos da Terra, onde se acredita a salvação da humanidade”. Palavras-Chave: Mito Antártico, Representações, Preservação Ambiental. Abstract The curiosity always made the man to built theories, to live experiences and to reach certainly challenges. The history of the conquest of the Geographic’s places during the humanity history is related with this curiosity and t he necessity in overcome the obstacles and go beyond the symbols and ideolog ies, above all those published by the Church, until middles of the XV century, when there is the beginning of the Maritimes Expansions. The Antarctic always integrated the universe from this curiosities to be testified, however is important to project that Pythagoras already had knowledge of the distants lands from the austral portion of the Earth Globe. Others references about the " Terra Australis Nodum Cógnita " are on the book "The Geography" of Ptolemy of Alexandria, where the Antarctic continental mass would be connected to others continents. With the expeditions related to the conquest of the new lands such theory has not been proved. Between the discover of these and its effective recognition, there were created myths, signs, representations and ideologies around a continent that it was already wrapped by mysteries. One of them is the simbology that Antarctic is a portion of lands where the pollution is inexistent and your penetration is impossible because of the hardness weather. Or still "The last wild refugee and where there are the riches of the Earth and wh ere it is believ ed that people can find the salvation of the humanity". Key-words: Antarctic Myth, Representations, Environment Preservation 

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  • Revista Discente Expresses Geogrficas. Florianpolis-SC, N 01, p. 15-26, jun/2005. www.cfh.ufsc.br/~expgeograficas

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    A CONQUISTA DA ANTRTICA: SIGNOS E REPRESENTAES (THE ANTARCTIC CONQUEST: SIGNS AND REPRESENTATION)

    SCHELLMANN, Karin [email protected]

    Universidade Federal do Paran UFPR

    KOZEL, Salete (Profa. Dra.) [email protected]

    Universidade Federal do Paran UFPR

    Resumo A curiosidade sempre moveu o homem a construir teorias, a vivenciar experincias visando atingir determinados desafios. A histria da conquista dos espaos geogrficos ao longo da histria da humanidade est relacionada com esta curiosidade e a necessidade de superar as barreiras e ir alm das simbologias e ideologias, sobretudo as divulgadas pela Igreja, at meados do sculo XV, quando tm incio as Expanses Martimas. A Antrtica sempre integrou o universo dessas curiosidades a serem testadas, porm importante ressaltar que Pitgoras j possua conhecimento das terras longnquas da poro austral do globo terrestre. Outras referncias sobre a Terra Australis Nodum Cgnita aparecem no livro A Geografia de Ptolomeu de Alexandria, onde a massa continental antrtica estaria ligada aos outros continentes. Com as expedies relacionadas conquista de novas terras tal teoria no se comprovou. Entre a descoberta destas e seu efetivo reconhecimento, criaram-se mitos, signos, representaes e ideologias entorno de um continente que j era envolto por mistrios. Um deles a simbologia de que a Antrtica uma poro de terras onde a poluio inexistente e sua penetrao impossvel pelo rigor climtico. Ou ainda O ltimo refgio selvagem e de recursos da Terra, onde se acredita a salvao da humanidade.

    Palavras-Chave: Mito Antrtico, Representaes, Preservao Ambiental.

    Abstract The curiosity always made the man to built theories, to live experiences and to reach certainly challenges. The history of the conquest of the Geographics places during the humanity history is related with this curiosity and the necessity in overcome the obstacles and go beyond the symbols and ideologies, above all those published by the Church, until middles of the XV century, when there is the beginning of the Maritimes Expansions. The Antarctic always integrated the universe from this curiosities to be testified, however is important to project that Pythagoras already had knowledge of the distants lands from the austral portion of the Earth Globe. Others references about the "Terra Australis Nodum Cgnita" are on the book "The Geography" of Ptolemy of Alexandria, where the Antarctic continental mass would be connected to others continents. With the expeditions related to the conquest of the new lands such theory has not been proved. Between the discover of these and its effective recognition, there were created myths, signs, representations and ideologies around a continent that it was already wrapped by mysteries. One of them is the simbology that Antarctic is a portion of lands where the pollution is inexistent and your penetration is impossible because of the hardness weather. Or still "The last wild refugee and where there are the riches of the Earth and where it is believed that people can find the salvation of the humanity".

    Key-words: Antarctic Myth, Representations, Environment Preservation

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    INTRODUO Localizada no extremo sul do globo terrestre, a regio Antrtica desempenha um

    papel fundamental no equilbrio da Terra, principalmente no que diz respeito dinmica atmosfrica e climtica. A parte continental possui uma rea de 14 milhes de quilmetros quadrados aproximadamente, riqussima em recursos naturais, principalmente minerais, ocupando 9,3% da superfcie terrestre (figura 01).

    A regio Antrtica sempre esteve envolvida em questes polmicas, a primeira relacionada suposio de sua existncia apontada pelos gregos; do mito, para a realidade e conseqentemente as inmeras tentativas de posse do territrio. Um dos perodos marcantes dessas incurses aconteceu no incio do sculo XX, com a famosa Corrida ao Plo Sul, envolvendo ingleses e noruegueses, e atualmente por uma minoria de pases que fazem parte do Tratado Antrtico desenvolvendo pesquisas, principalmente de cunho cientfico nas mais diversas reas do conhecimento.

    Analisar a ocupao do espao na Antrtica desde seu descobrimento at os tempos atuais e os interesses que desperta, torna-se essencial para avaliar as representaes de poder que a regio Antrtica possui embora muitas vezes de forma velada.

    No se pode deixar de avaliar tambm o grau de compatibilidade entre a poltica ambiental empregada, e a degradao ambiental existente na regio Antrtica, principalmente devido existncia de riquezas minerais assim como a biodiversidade marinha. Nesse aspecto torna-se quase utpica a idia de preservao ambiental, podendo torna-se um mito no futuro, sobretudo se esses recursos forem essenciais sobrevivncia da humanidade.

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    Figura 01: Mapa de localizao do continente Antrtico (BAS, p.05, 1997).

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    OS SIGNOS E REPRESENTAES NA REGIO ANTRTICA A regio Antrtica sempre esteve relacionada s mais diversas simbologias e

    representaes, sobretudo de suas riquezas; a fauna marinha (focas e cetceos), e atualmente a questo da gua potvel e os recursos minerais. Considerando-se ainda que o continente Antrtico desperta a imaginao, tornando-se inspirao para manifestaes artsticas, como: poema, drama, pintura e fotografia. Todas estas formas de representaes refletem o esprito de aventura os novos desafios e refletem o impacto que o homem poder exercer na regio.

    Atualmente o que atrai os seres humanos, principalmente cientistas, de diversas partes do mundo para esta regio, alm de sua beleza cnica, a compreenso sobre a dinmica dessa rea continental (geologia, geomorfologia, glaciologia, entre outras), da atmosfera (climatologia, metereologia), e outros estudos relacionados fauna e flora marinha.

    Os interesses foram despertados na medida em que imagens, relatos e expedies tornaram-se mais divulgadas. Pode-se considerar como uma das primeiras divulgaes os relatos feitos pelo capito James Cook (1772-75), sobre a quantidade elevada de mamferos, principalmente baleias e focas, que na poca possuam um alto valor econmico.

    No incio do sculo XX essas exploraes se tornaram possveis graas existncia de barcos baleeiros e foqueiros, muitos bem equipados e preparados para tal finalidade, superando os demais navios utilizados em expedies.

    Iniciam-se assim um ciclo de expedies de cunho econmico voltadas caa de populaes de focas e elefantes-marinhos primeiramente e, a partir de 1905, das baleias (KLINK, 2002).

    A explorao dos recursos antrticos iniciou-se atrelada a uma determinada ideologia; ou seja, a um sistema de idias, um conjunto estruturado de representaes, valores e crenas. A idia de conquista e necessidade de explorao, principalmente dos governos britnico e noruegus, se materializou em explorao econmica desenfreada na regio. Entretanto, a inteno no se resumia a explorao, mas estava associada idia expansionista pela conquista de novos territrios que se revertessem em colnias de explorao.

    No bojo dessas conquistas estava imbricada a questo ideolgica, que segundo GUY ROCHER tinha como objetivo descrever, explicar, interpretar ou justificar a situao

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    (...) propondo uma orientao precisa ao histrica deste grupo ou coletividade. E nesse aspecto fica evidente que a ideologia comporta vises estratgicas que orientam as aes de grupos sociais, fornecendo uma explicao de suas condies objetivas de existncia, da qual a maioria se beneficia do meio ambiente, chegando constantemente a sua depredao (DI MO, 2000).

    Quanto ao objeto (Antrtica), o discurso desenvolvido na poca das grandes expedies acabaram definindo um produto da criao ideolgica ou de uma enunciao refletindo um determinado contexto histrico, social, econmico e cultural. Em outras palavras, o discurso no existe fora da sociedade, s existe nela e para ela e no pode ser reduzido sua materialidade lingstica ou dissolvido nos estados psquicos daqueles que o produzem ou interpretam (FARACO et al., 2001).

    Como resultado dessas investidas permeado pelo vis ideolgico, visando garantia e posses de territrios, instalou-se nas ilhas da Gergia do Sul, um dos maiores centros pesqueiros em 1904, que perdurou at 1965.

    Grytviken (foto 01) alm da comercializao da pesca centralizava ainda o beneficiamento dos materiais retirados dos animais; o que refletia a sociedade industrial da poca, que gerou muita degradao ambiental. E esta degradao associada representao de desenvolvimento econmico.

    Foto 01: Estao baleeira de Grytviken (Foto: Amyr Klink, 1998).

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    A Estao baleeira de Grytviken era um dos grandes centros de caa e beneficiamento de baleias e focas, e desde o incio de sua implantao gerava admirao por sua infra-estrutura, como os registros de Shackleton quando l aportou em sua ida para o sul:

    Havia luz eltrica e gua quente; a residncia do gerente da estao baleeira, Fridthjof Jacobsen, era no apenas aquecida como ainda tinha gernios florindo do lado de dentro de janelas que se projetavam para fora. Esses encantos, contudo, no eram suficientes para esconder a meftica presena da indstria baleeira: em todos os portos naturais da ilha se encontravam pilhas de restos gordurosos e o poderoso mau cheiro das carcaas de baleia semi-apodrecidas; as guas de Grytviken estavam sempre vermelhas. (ALEXANDER, 2002, p.30).

    Na anlise narratria, distinguem dois tipos de relaes: as relaes entre sujeito e objeto, que simulam as relaes entre os homens, transformando o mundo; e as relaes entre destinador e destinatrio, relaes de comunicao, em que cabe ao destinador atribuir competncia ao destinatrio, transform-lo e julg-lo (FARACO et al., 2001). Por meio desse recurso pode ser feito uma anlise do discurso de Shackleton em relao depredao do meio natural antrtico, podendo-se consider-lo como uma tentativa de alertar sobre as transformaes que vinham ocorrendo, entretanto na poca no teve um questionamento mais profundo.

    O sistema ideolgico da poca tambm no permitia a quebra do mesmo, onde os interesses deveriam sobressair preservao e conservao dos recursos naturais. No havia preocupao, sobretudo pelos recursos no serem considerados finitos.

    A anunciao de uma crise ambiental emergente deu-se a partir da dcada de 70, com a realizao das primeiras conferncias relacionadas ao meio ambiente, porm o alarmismo de uma destruio eminente da raa humana e demais seres vivos ocorreu posteriormente com a exploso da bomba atmica de Hiroshima.

    O discurso feito por Shackleton, foi compreendido somente no final da dcada de 50 (aproximadamente quarenta anos depois), com a elaborao do Tratado Antrtico. Entretanto, esse Tratado, no inibiu a explorao dos cetceos e demais mamferos, sendo ainda possvel encontrar os vestgios dessa histria de degradao ambiental na Antrtica.

    Em 1972, em uma das suas expedies, Jacques Cousteau, chegou a montar na ilha Rei George, com os ossos que encontrou numa praia, uma baleia-azul de aproximadamente 30 metros de comprimento (foto 02).

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    Foto 02: Ossada de uma baleia-azul, montada pelo cientista francs Jacques Cousteau em 1972 (BRENT, 1997).

    Para BAKHTIN, (1986) os homens materializam a realidade utilizando ferramentas que lhes so exclusivas e experienciadas: os signos no se incorporam a uma conscincia vazia, toda a forma de manifestao est relacionada a um determinado signo. Na regio Antrtica tal materializao da realidade evidenciada pela imagem das baleias e pelo ambiente intocado e preservado e como tal isento de questionamentos quanto poluio e degradao ambiental.

    O esqueleto montado por Jacques Cousteau nada mais que um signo e uma representao, de um mundo concebido que perpassa ao nosso mundo percebido e vivido. Quando tais signos so retirados do real vivido se transformam em sinais cujos significados s podem ser entendidos mediante um sistema de valores do qual faz parte, e neste caso o da preservao ambiental. Os discursos ao serem incorporados se constituem em signos que se transformam em enunciados (significao contextualizada pela dinmica dos signos comunicao real atravs de palavras, imagens e sons) ou representaes nas diferentes formas de linguagem (KOZEL, 2001).

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    Assim os discursos sobre a regio Antrtica acabaram sendo incorporados por toda a sociedade mundial como um espao de refgio e esperana para a continuidade da raa humana.

    Com a provvel escassez da gua em um futuro prximo, desde 1970/71 vm sendo realizados estudos pelos franceses e norte-americanos, a fim de encontrar uma utilidade prtica para a calota de gelo polar, considerando que 95% das guas doces do globo encontram-se na regio Antrtica. Os estudos no so somente relativos aos problemas da falta da gua para o consumo, mas tambm para seu uso como fonte de energia (MENEZES, 1982).

    Em face dessa ameaa de esgotamento energtico, e de outros problemas como de inflao e desemprego, os polticos j no sabem para onde se voltar a fim de minimizar o perigo. Onde a deteriorao de nosso meio ambiente natural tem sido acompanhada de um correspondente aumento nos problemas de sade dos indivduos, entre outros (CAPRA, 1982).

    Outro ponto relacionado Antrtica, que ela possui valores importantes que revelam principalmente as condies climticas mundiais, e de outras reas do conhecimento, onde milhares de animais e outros organismos precisam adaptar em condies extremas de frio e de isolamento (BENNINGHOFF & BONNER, 1985).

    Os problemas ambientais na Antrtica no so somente ocasionados por problemas locais, mas de ordem global. Contaminao da atmosfera, hidrosfera e litosfera acabam por comprometer a qualidade destes meios, impossibilitando o seu uso normal e a obteno principalmente de alimentos saudveis. Estes trs meios so rbitas interligadas que mantm a vida orgnica. A contaminao de uma delas compromete conseqentemente a pureza das demais, de forma direta ou indireta (SILVA, 1995).

    Para Bakhtin, citado em (FARACO et al., 2001), o sujeito deve procurar interpretar ou compreender o outro sujeito em vez de buscar apenas conhecer somente um determinado objeto, abrindo um leque de alternativas e interpretaes. A comunicao , de forma simplificada, entendida como a transmisso de um emissor a um receptor das mensagens sobre o objeto, enquanto seqncias de sinais so organizadas segundo um cdigo. Os meios de comunicao que exercem esse papel fundamental devem ser questionados e no podemos aceitar apenas a informao.

    Este elemento fundamental, ao evidenciarmos a Antrtida, pois caso contrrio a sua imagem estaria vinculada ao paraso, lugar onde no h nenhum tipo de agresso.

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    Parece realizar-se a reproduo do mito do paraso perdido, lugar desejado e procurado pelo homem depois de sua expulso do den. Esse neo-mito, ou mito moderno vem impregnando, no entanto, do pensamento racional representado por conceitos de ecossistemas, diversidade biolgica etc. Como afirma Morin (1986, apud in DIEGUES, 2001, p.13), o pensamento tcnico racional ainda hoje se v parasitado pelo pensamento mtico e simblico. (DIEGUES, 2001, p.13).

    Dentro do carter ideolgico dos discursos falam as mais diversas vozes que mostram a compreenso que cada classe ou segmento de classe tem do mundo, em um dado momento histrico, os discursos so, por definio, ideolgicos, marcados por coeres sociais (FARACO et al., 2001), tal como a concepo de paraso exposta na citao acima.

    Os discursos ambguos so aqueles que admitem vrias leituras semnticas, graas aos percursos temtico-figurativos que nele se desenvolvem. Por sua vez, cada uma destas modalidades poder admitir, na sua prpria linguagem, uma variedade de vozes sociais de diferentes ligaes e correlaes (sempre dialogizadas em maior ou menor grau). Lembrando que o que caracteriza o percurso reflexivo de Bakhtin o fato de procurar diferentes respostas para as mesmas perguntas, e essas perguntas esto circunscritas relao entre o eu e o outro e, mais especificamente, ao problema de como a aparncia do mesmo emerge da realidade da diferena (FARACO et al., 2001).

    Dentro dos discursos ambguos algumas estaes cientficas, no esto cumprindo as determinaes do Protocolo de Madri, no que se refere ao destino que dado aos mais diversos materiais que so considerados resduos (foto 03), o que acaba gerando uma contaminao local alm de depredar um dos valores mais importantes da regio, a esttica da paisagem (GREENPEACE, 1986-87 1992-93).

    Muitas das estaes esto localizadas prximas s populaes de liquens que se concentram no somente perto das praias, mas tambm na superfcie dos nunataks, pores rochosas que ficam sem a cobertura glacial durante o vero. Estas populaes so de uma delicadeza inigualvel, como de uma sofisticao do ecossistema antrtico que no suportar o aumento da insero humana, principalmente se for liberada a explorao dos minrios (CAPOZOLI, 1995).

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    Foto 03: Abandono de lates no fundo da estao espanhola de Marambio (NATIONAL GEOGRAPHIC, 2003).

    Assim, as interferncias no meio ambiente com determinada freqncia provocam impactos ambientais que podem levar catstrofe, o desequilbrio total da biosfera. Provocando surpresas desagradveis relacionadas ao meio ambiente derivadas do mau uso dos recursos pelos seres humanos (ROSS, 1997).

    Manter a Antrtica longe destes impactos ou ameniz-los ao mximo de fundamental importncia para o equilbrio da Terra. Na dcada de 1990, considerada a dcada mais quente, tivemos o derretimento das geleiras em ambos os plos, fazendo com que o nvel do oceano subisse em mdia 10 centmetros. Problemas esses acelerados com a industrializao desenfreada e falta de programas adequados ao controle da emisso de poluentes na atmosfera.

    O que foi registrado nas geleiras antrticas que mostram que a concentrao de carbono dos ltimos 420.000 anos (e provavelmente dos ltimos 20 milhes de anos) revelam que o perodo referente nos sculos XIX e XX, a concentrao obteve ndices alarmantes (TEICH, 2002).

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    Os smbolos, organizados em sistemas, formam um esquema estrutural de representaes e ideologias territoriais e o espao seria fonte inesgotvel de idias e imagens. Porm, as representaes sociais no se resumem apenas a idias e imagens: elas refletem tambm um discurso, fonte dos mitos e dos relatos transmitidos de gerao em gerao (DI MO, 2000), o que no caso Antrtico vm sendo transformado e incorporando valores, representaes e signos de ambientes de condies fsico-geogrficos totalmente diferentes.

    CONSIDERAES FINAIS A imagem da regio Antrtica, como um continente imaculado, sempre esteve

    vinculado aos discursos e signos empregados pelos conquistadores. Formando uma conscincia coletiva de que tal espao geogrfico seja um refgio futuro para a vida humana.

    O uso da linguagem, na perspectiva Bakhtiniana, aponta para a existncia de jogos de poder entre as vozes que circulam socialmente, correlacionados as condies sciohistricas especficas.

    O contexto ideolgico sempre esteve presente apontando para uma nica vertente de pensamento, apresentado a regio Antrtica como um espao associado a reservas de valores (recursos naturais) para o futuro.

    A transio entre o mito e a realidade acabou tornando-se um marco que influenciou de forma significativa evoluo da ocupao da Antrtica, pois quando os recursos naturais comearam a ser divulgados pelas expedies de reconhecimento, as expedies exploratrias se intensificaram e conseqentemente, a degradao ambiental Sendo assim, a dinmica da criao ideolgica, a interao social em todas as suas esferas, o enunciado e a sua organizao interna, e a construo e funcionamento da conscincia so abrangidos pela grande metfora do dilogo.

    BIBLIOGRAFIA

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    Recebido em abril/2005 Publicado em junho/2005