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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 5782
A CONFIGURAÇÃO DA DISCIPLINA GEOMETRIA NO ATHENEU SERGIPENSE (1870-1899)
Simone Silva da Fonseca1
Introdução
Neste texto é apresentado resultados iniciais de uma pesquisa de doutorado que busca
construir uma história da disciplina Geometria no Ensino Secundário do Atheneu Sergipense
(1870-1908), a partir dos conteúdos, métodos, materiais de ensino, concursos e professores.
O marco cronológico dessa pesquisa está compreendido entre a criação do Atheneu
Sergipense, 24 de outubro de 1870, até o Decreto Nº 351, de 9 de junho de 1899 com a última
modificação do nome da cadeira Geometria no século XIX, tornando-a com carga horária
independente.
De início foi realizado um levantamento de trabalhos de pesquisadores que
investigaram sobre a educação sergipana a fim de identificar estudos similares a temática
proposta. Nesse levantamento, dentre as pesquisas que enfocam o ensino da Geometria,
destaco o trabalho de Alves (2005) que traz um capítulo enfatizando a presença das
“Matemáticas” desde os primeiros momentos de organização dos estudos secundários em
Sergipe, bem como suas rupturas e continuidades nos planos de estudos do Atheneu
Sergipense. E a pesquisa de Guimarães (2012) que constata a presença da Geometria nos
conteúdos da disciplina Desenho do Atheneu Sergipense. Como suporte teórico-
metodológico foi adotado o conceito da história das disciplinas escolares fundamentado por
Chervel (1990), história cultural por Roger Chartier (2002; 2010). Os documentos
examinados encontram-se salvaguardados no Centro de Educação e Memória do Atheneu
Sergipense (CEMAS), e apontam que a cadeira Geometria foi criada em Sergipe, em 1830,
pelo Conselho Geral da Província, durante as primeiras organizações dos estudos secundários
em Sergipe como aula avulsa. Com a institucionalização do Ensino Secundário no Atheneu
Sergipense foram introduzidas novas cadeiras, suprimindo outras, modificando as
nomenclaturas.
1 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. E-mail: <[email protected]>
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“De matéria, curso, objeto” a “disciplina escolar”
Chervel (1990) explica que a noção do termo disciplina escolar, ao longo dos anos, teve
diferentes sentidos. Até o final do século XIX esse termo disciplina escolar era tido como
modo de disciplinar os espíritos, sobre essa definição Chervel (1990) afirma:
No seu uso escolar, o termo “disciplina” e a expressão “disciplina escolar” não designam, até o fim do século XIX mais do que a vigilância dos estabelecimentos, a repressão das condutas prejudiciais à sua boa ordem e aquela parte da educação dos alunos que contribui para isso (CHERVEL,1990, p. 178)
Percebe-se que pouco a pouco, o termo disciplina foi se constituindo de outros sentidos,
e Julia (2002) assinala que, “o que chamamos hoje de disciplina escolar era então
denominado curso, objeto, matérias de ensino” (p. 43).
Nas teorias educacionais é possível constatar que o termo disciplina escolar até o fim do
século XIX estava intimamente ligado ao sentido de conduta moral, disciplinarização dos
corpos, a formação do caráter, castigos, formação de ideologia, domar a selvageria da criança.
Mas, paulatinamente, esse sentido de conduta moral perde sua força e termina por se tornar
uma rubrica escolar que designa as diferentes matérias de ensino, significação que conserva
até hoje e que se consolidou como campo de pesquisa e estudo denominado História das
Disciplinas Escolares.
Para compreender como o termo disciplina escolar tornou-se uma linha de pesquisa na
área da História da Educação, recorre-se ao historiador francês Dominique Julia (2002) onde
afirma que a História da Educação focalizava, em suas linhas gerais, uma história política e
educacional dos grandes feitos, só a partir dos anos 60 do século XX, período que marca o
avanço do processo de democratização do Ensino Secundário, é que a História da Educação
passa a centrar-se nas relações entre êxito escolar e herança sociocultural.
No entanto, a partir desse avanço os olhares historiográficos começaram a se dirigir
para os processos de ensino das diferentes disciplinas escolares, para as práticas reais de
ensino de diferentes tempos, para o funcionamento e organização do ensino dos diferentes
conteúdos, expressando os aspectos que formam uma cultura escolar. Entretanto, houve a
busca de novas compreensões e significações acerca dos fazeres e finalidades cumpridas pela
escola, com a finalidade de produzir uma história comprometida com a circulação de objetos
culturais, com o estabelecimento de ensino, com os saberes escolares, com representações
construídas pelos sujeitos, em diferentes tempos e espaços escolares.
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Nesse sentido, para estudar o comportamento de uma disciplina escolar Chervel (1990)
destaca que o processo de consolidação de uma disciplina escolar leva tempo e que o
resultado nem sempre é o esperado. A instauração das disciplinas ou das reformas
disciplinares é uma operação de longa duração.
Outra autora para dialogar é Bittencourt (2003), através do texto: “Disciplinas
Escolares: História e Pesquisa”. Assim como Chervel (1990), Bittencourt (2003) traz à tona, a
discussão sobre o conceito da constituição de uma disciplina escolar. A autora aponta que
Esta linha de pesquisa tem contribuído para o desenvolvimento de análises educacionais visando situar o conjunto de agentes constituintes do saber escolar, especialmente professores, alunos e comunidade escolar e, nesse processo, as disciplinas escolares passaram a ser incluídas como um dos objetos importantes das investigações sobre as práticas escolares (BITTENCOURT, 2003, p.13).
Bittencourt (2003) ainda explica que:
[...] houve um crescimento de pesquisas sobre a disciplina escolar que, entre outros problemas, possuíam em comum a preocupação em identificar a gênese e os diferentes momentos históricos em que se constituem os saberes escolares, visando perceber a sua dinâmica, as continuidades e descontinuidades no processo de escolarização (BITTENCOURT, 2003, p.15)
Para Julia (2002) o historiador deve procurar reconstituir em sua organicidade a
gênese, a estrutura e a evolução das disciplinas escolares.
Conforme Julia (2000):
É essencial afirmar que toda história das disciplinas escolares deve, em um mesmo movimento, levar em conta as finalidades obvias e implícitas perseguidas, os conteúdos de ensino e a apropriação realizada pelos alunos tal como poderá ser verificada pelos seus trabalhos e exercícios. Existe uma interação constante entre estes três polos que concorrem, os três, na constituição de uma disciplina, e estaríamos diretamente condenados a graves desconhecimentos se menosprezar qualquer um deles (JULIA, 2000, p. 60).
A partir desse entendimento sobre as disciplinas escolares pode-se trazer alguns
apontamentos sobre a pesquisa de doutorado em andamento intitulada A história da
disciplina Geometria no Ensino Secundário do Atheneu Sergipense (1870-1908). A pesquisa
propõe construir uma história da disciplina Geometria a partir dos conteúdos, métodos,
materiais didáticos, concursos e professores.
Segundo Chervel (1990), os conteúdos são apenas meios utilizados para o alcance de
um fim, e um momento ideal para isso é quando uma disciplina escolar é alvo de alguma
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mudança, quando novas finalidades lhe são prescritas e novos objetivos lhe são impostos pela
conjuntura política ou renovação do sistema educacional.
Conforme Sacristán (2000), a seleção dos conteúdos relaciona-se com “[...] influências
de mecanismos de decisão que fazem com que se considerem importantes e valiosos uns e
não outros” (p.155). Para Bittencourt (2004, p.39) as finalidades de cada disciplina
estabelecem a seleção dos conteúdos. Concordando com isso, Julia (2002, p.56), acrescenta
que “[...] as finalidades remodelam os conteúdos de ensino e os exercícios a eles associados”.
Conforme Le Goff (2003, p 110), “[...] as condições de produção do documento devem ser
minuciosamente estudadas”, pois nenhum documento pode ser considerado inocente.
Chervel (1990) considera quanto às finalidades de uma disciplina:
A distinção entre habilidades reais e finalidades de objetivo é uma necessidade imperiosa para o historiador das disciplinas. Ele deve aprender a distingui-las, mesmo que os textos oficiais tenham tendência de misturar umas e outras. Deve sobretudo tomar consciência de que uma estipulação oficial, num decreto ou numa circular, visa mais frequentemente, mesmo se ela é expressada em termos positivos, corrigir um estado de coisas, modificar ou suprimir certas práticas, do que sancionar oficialmente uma realidade (CHERVEL, 1990, p.190)
Ainda de acordo com Chervel (1990) a história das disciplinas é importante porque:
[..] expõe à plena luz a liberdade de manobra que tem a escola na escolha de sua pedagogia. Ela depõe contra a longa tradição que, não querendo vê nas disciplinas ensinas senão as finalidades que são efetivamente a regra imposta, faz a escola o santuário não somente da rotina mas da sujeição, e do mestre, o agente imponente de uma didática que é imposta pelo exterior (CHERVEL, 1990, p.193).
Chervel (1990) chama atenção para outros aspectos constitutivos de uma disciplina
escolar, finalizando com a seguinte conceituação:
A disciplina escolar é então constituída por uma combinação, em proporções variáveis, conforme o caso, de vários constituintes: um ensino de exposição, os exercícios, as práticas de incitação e motivação e um aparelho docimológico, os quais, em cada estado da disciplina, funcionam, evidentemente em estreita colaboração, de mesmo modo que cada um deles está, à sua maneira, em ligação direta com as finalidades (CHERVEL, 1990, p.207).
Primeiramente é preciso entender a disciplina escolar como um processo que ocorre no
interior da escola. Esse processo é chamado de disciplinarização, sendo entendido como
“uma ação histórica do cotidiano escolar na fabricação das diferentes disciplinas escolares”
(VALENTE, 2009, p.17).
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Com relação aos componentes da disciplina escolar, Chervel (1990) vai mostrar que, em
primeiro lugar vem “a exposição pelo professor ou pelo manual de um conteúdo de
conhecimentos” (p.202) e, segundo ele, “é esse componente que chama prioritariamente a
atenção, pois é ele que a distingue de todas as modalidades não escolares de aprendizagem,
as da família ou da sociedade” (p.202).
O referido autor considera que:
[...] todas as disciplinas, ou quase todas, apresentam-se sobre este plano corpus de conhecimentos, providos de uma lógica interna articulados em torno de alguns temas específicos, organizados em planos sucessivos claramente distintos e desembocando em algumas idéias simples e claras [...]. (CHERVEL, 1990, p. 203).
Compreendemos que estudar os conteúdos de uma disciplina é mais do que se debruçar
sobre o que está explícito. Faz-se necessário uma verificação dos materiais produzidos no
exercício escolar. Mais uma vez, Chervel (1990) chama a atenção sobre a necessidade de
considerar uma combinação de variáveis das partes que constituem a complexidade das
disciplinas escolares. Ele inclui, entre essas variáveis, os exercícios escolares, que têm a
função de controle, e as provas do exame final, que possuem um peso considerável sobre o
desenvolvimento da disciplina
Para Julia (2002) a história das disciplinas escolares deve, para ser realmente
operatória, partir mais dos fenômenos e dos mecanismos internos à escola do que da
aplicação de explicações externas, e pouco convincentes, sobre essas mesmas escolas. Mas ela
deve levar em conta todos os componentes dos quais se constitui uma disciplina escolar e não
se limitar a um só, sob o risco de interpretações históricas equivocadas.
Para tanto, as próximas linhas busca trazer alguns apontamentos da trajetória da
disciplina escolar Geometria no ensino secundário sergipense.
A trajetória da Disciplina Escolar Geometria no Ensino Secundário Sergipense: uma história em construção
Para entender como se deu a trajetória da disciplina escolar Geometria no ensino
secundário sergipense, optou-se por trazer uma narrativa sobre a sua constituição em termos
de Brasil. Conforme Valente (1990) a Geometria ligada à guerra é a primeira forma de prática
pedagógica de que se tem registro no Brasil. Essa Geometria tornara-se muito importante na
Europa devido ao grande desenvolvimento que as armas de guerra sofreram a partir do
século XIV. Os canhões, que tinham pontaria duvidosa no século XV, rapidamente se
transformaram em armas de boa precisão e, a partir daí o que se vê é uma grande evolução
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das armas e das construções, a fim de possibilitar melhores defesas e, consequentemente, o
predomínio do poder.
Devido a essas necessidades de melhores defesas e o desenvolvimento militar, foram
criadas as Aulas de Artilharia e Fortificação, e a partir dessas aulas que as matemáticas
ganharam espaço nesse novo campo.
[...] as matemáticas ocupam o principal lugar no currículo. É assim que elas, desenvolvem nossa razão, nos conduzem a descobertas úteis, dispõem o nosso espírito às meditações, e nos inspiram insensivelmente o amor dos conhecimentos sólidos. (Discurso proferido pelo lente da Academia Militar Lobato, 1851, durante a abertura das aulas, apud MOTTA, 1976).
A partir desse momento, surgiu um novo membro do exército, o engenheiro que passou
a ser disputado pelas grandes potências. A Geometria passou a ser objeto principal de
conhecimento do engenheiro, e um dos seus objetivos principais passou a ser a produção de
tratados e escritos militares.
[...] o saber geométrico deveria fundar a pratica dos engenheiros: Somente este saber permite bem orientar um projeto e conduzir a obra a ser feita, ao tempo e com os meios disponíveis, e assim evitar despesas excessivas que decorrem frequentemente por falta de entendimento desta bela ciência que é a Geometria (VÉRIN, apud VALENTE, 1999, p..42)
Durante esse período o ensino de Geometria ganhou força no Brasil, sendo que a partir
de 1738, tornou-se obrigatório a todo militar que almejasse ser um oficial, fazer esse curso. As
aulas de Artilharia e Fortificações já disponibilizavam de livros que apesar de terem objetivo
militares, também atendiam objetivos didático-pedagógicos, porém passava longe o “rigor
matemático”. O foco principal dos compêndios estava voltado para o ensino de Geometria,
sendo impossível deixar de lado a Aritmética com o estudo das quatro operações. Com
relação aos conteúdos de Geometria ministrados na época, estava as noções de ponto, reta,
linha, perpendicular, paralelas, ângulos, triângulos, círculo, paralelogramo, etc., os
compêndios estavam organizados com a metodologia de perguntas e respostas. Nesse
sentido, os conteúdos tinham como objetivo fundamental dar subsídios para que os alunos
pudessem desenvolver conhecimentos úteis às práticas de guerra.
Segundo Meneses (2007) desde a criação do ensino primário no Brasil já se pensava na
aprendizagem da Geometria com o objetivo de levar o aluno a prender as primeiras noções,
particularmente, as que fossem necessárias à medida dos terrenos. Além disso, havia a
necessidade de exercitar o menino em traçar figuras já à mão, e utilizar o compasso e a régua.
Porém, através dos debates na Câmara, chegou-se à conclusão que era inviável a prática da
Geometria na escola primária.
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Conforme Valente (1999) apesar do texto de Lei exigindo o ensino de Geometria, o
ensino de noções de geometria não se tornou matemática escolar nas primeiras letras. “De
início por não haver professores primários habilitados e depois, em razão de não ser um
conhecimento escolar solicitado para ingresso em nenhuma instituição de ensino secundário”
(p,113).
Desse modo, apesar das tentativas de sua introdução no ensino primário, “a Geometria
na verdade se tornou de suma importância a partir da criação da escola secundária, pois a
mesma passou a ser referendada para os cursos superiores que formavam os advogados
(Cursos Jurídicos)” (MENESES, 2007, p.42). Isto é, o poder público determinou que a
Geometria deveria ser conhecimento obrigatório para quem ingressasse nos Cursos
Jurídicos, e a partir desse momento ficou estabelecida a Geometria como disciplina escolar,
comprovando o que afirma Chervel (1990) que as disciplinas escolares quase sempre surgem
a partir das finalidades objetivas, isto é, finalidades escolares regidas e determinadas pelo
poder público.
No caso de Sergipe, a cadeira Geometria foi criada em 1830, pelo Conselho Geral da
Província, durante as primeiras organizações dos estudos secundários, “não como aulas
avulsas, mas centralizadas na Capital, São Cristóvão, e instaladas em salões do Convento de
Nossa Senhora do Carmo” (ALVES, 2005, p.24).
Com a instalação do Liceu de Sergipe em São Cristóvão a 15 de março de 1847, as aulas
de Geometria funcionavam com 11 alunos matriculados, mas no final do ano letivo não
tinham aproveitamento devido ao grande número de faltas e por vezes ocasionadas pela
epidemia da febre amarela (ALVES, 2005).
Mas foi com a institucionalização do Ensino Secundário no Atheneu Sergipense2,
segundo Alves (2005), que novas cadeiras foram introduzidas, outras suprimidas,
modificando as nomenclaturas, como pode ser constatado no Estatuto do Atheneu
Sergipense em 1871, em que Aritmética, Álgebra e Geometria estavam reunidas em uma só
cadeira, destinada aos alunos somente no terceiro ano do curso de Humanidades, tenho uma
hora e meia de estudos. Em 1874 houve a separação das matérias em cadeira de Aritmética e
Álgebra, ministradas das 7h às 8h30 e Geometria das 14h às 15h30.
Sobre a separação das cadeiras o projeto apresentado a Assembleia Legislativa de
Sergipe, em 8 de abril de 1874, tem a seguinte redação:
2 O Atheneu Sergipense foi criado em 1870 com os cursos de Humanidades e Normal e tinha como principais objetivos: ministrar uma instrução secundária, de caráter literário e científico, necessária e suficiente de modo a proporcionar à mocidade subsídios para matricular-se nos cursos superiores, como também para desempenhar variadas funções na sociedade (ALVES, 2010).
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Art. 3º. O presidente da Província melhorará e completará o serviço da instrucção secundária dada ao Athemeu Sergipense, dividirá a cadeira de geometria da de arithmetica e álgebra, a cadeira de história da de geografia, a de religião da de pedagogia e poderá crear a de rhetorica e poética. (Resolução de 8 de abril de 1874).
Assim, a cadeira Geometria passou por modificações na sua nomenclatura ao longo dos
anos, recebendo denominações como: Geometria compreendendo o Desenho Linear até 1877;
Geometria e Trigonometria (de 1877 a 1882); Geometria e Trigonometria Retilínea (1882 a
1890); Geometria e Trigonometria (de 1890 a 1899).
A cadeira de Geometria foi aberta para concurso no ano de 1875, sendo indicada como
mesa examinadora os seguintes professores: Sancho de Barros Pimentel (lente de Filosofia
Racional e Moral), Tito Augusto Souto de Andrade (lente de Aritmética, Álgebra e Geometria)
e Brício Cardoso (lente de Retórica e Poética). O docente Barros Pimentel, não se
considerando apto para examinar os candidatos, encaminhou por ofício, ao Diretor da
Instrução Pública e também Diretor do Atheneu Sergipense, o Doutor Thomaz Diogo
Leopoldo, sua recusa, alegando a impossibilidade de participar como membro examinador de
Geometria “por não julgar-se possuidor dos conhecimentos precisos para examinar naquella
sciencia, por quanto apenas tinha aprendido-a como preparatorio” (ATA DA
CONGREGAÇÃO, 27 de agosto de 1875). Assim, Antonio Diniz Barreto (lente de Latim)
assumiu a função de examinador naquele concurso.
Entretanto, é possível constatar que ao estabelecer as mesas examinadoras, estas
estiveram compostas de profissionais, não só da área específica do concurso em questão, mas
também de outros membros do quadro docente da instituição, podendo, segundo a
legislação, ter também membros externos à escola. Contudo, cabia a cada um dos docentes,
julgando suas capacidades, aceitarem ou não participar das mesas. Nesse concurso, esteve
inscrito o candidato Pedro Pereira de Andrada, que tirando à sorte o ponto para a prova
escrita de Geometria, teve o tempo de duas horas para a realização da mesma.
“Minuciosamente examinada”, a comissão atribuiu a qualificação de “optima”. Em seguida,
examinado o ponto da prova oral, o candidato foi julgado com igual qualificação. Após o que,
como regia o Regulamento, os examinadores, por escrutínio secreto, procederam ao
julgamento final, aprovando com distinção, para compor o corpo docente do Atheneu
Sergipense, o engenheiro Pedro Pereira de Andrade.
Sobre o método de ensino, os professores eram recomendados a desenvolver suas aulas
por meio do método intuitivo estabelecendo conexões diretas entre a teoria e a prática, a
utilizar o compêndio de Geometria de Cristiano Benedito Ottoni.
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De acordo com Meneses (2007) a obra de Ottoni é considerada como uma das
primeiras produções para o ensino de Geometria no Brasil, pois ela inaugura uma nova etapa
da Geometria escolar, dado que esses compêndios são disseminados primeiro na Academia
da Marinha, depois no Colégio Pedro II e, em seguida, em algumas escolas e preparatórios na
segunda metade do século XIX, como é o caso do Atheneu Sergipense.
A análise realizada por Meneses (2007) nos livros de Ottoni, conforme descreve o
autor, eram baseados nas obras de Vincent e Bourdon, bem como nas obras de Legendre e
Lacroix, o que se conclui que a linha seguida era baseada na exploração da Geometria formal,
isto é, preocupava-se mais com o rigor do que com suas aplicações, fato este que a
diferenciava da Geometria de Bézout, responsável pelos primeiros ensinamentos de
Geometria das escolas brasileiras.
Na breve análise que Meneses (2007) faz nos livros de Otonni percebeu que desde a
introdução o autor utiliza uma forma clássica de apresentar os conteúdos, deixando-os a
impressão que o aluno, durante a aprendizagem, seguia sequências que desencadeavam em
algumas propriedades e conceitos:
Chama-se superfície de um corpo o seu limite ou determinação: É o lugar da separação entre o espeço limitado que o corpo ocupa e o espaço indefinido (OTTONI, 1910, apud MENESES, 2007, p.46)
Chama-se volume a extensão de um espaço; área a extensão de uma superfície; comprimento a extensão de uma linha. São as grandezas destas extensões avaliadas ou medidas em unidades de espaço, de superfície, de linha respectivamente. Também as figuras têm diversos de que depois se tratará (OTTONI, 1910, apud MENESES, 2007, p. 47)
De acordo com a análise de Menezes (2007) o livro de Ottoni não pareceu um livro
inovador, muito pelo contrário, o livro pareceu ter metodologia bem próxima da de Vilela
Barbosa3.
Conforme Valente (1999) o livro de Ottoni se sobrepôs ao de Barbosa por dois motivos:
o primeiro porque os livros de Ottoni foram fixados, a partir do Decreto de 24 de janeiro de
1856, como obras a serem utilizadas no Colégio Pedro II, além disso, a Portaria de 4 de maio,
do mesmo ano, estabelece que os preparatórios ao ensino superior também fariam uso dos
mesmos compêndios. O segundo, devido Otonni ocupar cadeira no Parlamento, tornando-se
3 Matemático, distinto poeta e ilustre estadista Francisco Vilela Barbosa, nasceu no Rio de Janeiro a 20 de Novembro de 1760, foi lente da Academia da Marinha, passou em 1801 para o Real Corpo de Engenheiros. (Disponível em: http://www.museu-emigrantes.org/docs/titulados/FRANCISCO%20VILELA%20BARBOSA.pdf).
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Conselheiro e Senador e as várias edições de seus livros vêm com os dizeres “compilados pelo
Exmo. Sr. Conselheiro Senador Cristiano Benedito Ottoni” (VALENTE, 1999, p.148)
Sobre os materiais para o ensino de Geometria os professores do Atheneu Sergipense
requeriam por meio de ofícios alguns materiais como a coleção de sólidos geométricos de
madeira, esponja e pedra para o desenvolvimento de suas aulas. Encontramos no Jornal do
Aracaju de 21 de junho de 1876 a autorização do diretor da Instrução Pública, autorizando o
lente de Geometria do Atheneu Sergipense a fazer a requisição da coleção completa das
figuras da nova Geometria de Legendre (JORNAL DO ARACAJU, 1876).
Com relação aos conteúdos ministrados na disciplina Geometria, Fonseca (2015) em
sua pesquisa sobre os saberes elementares geométricos no Ensino Primário sergipano (1911-
1930), constatou que os saberes elementares geométricos estavam fragmentados, e não
existia a disciplina Geometria. Os conteúdos referentes a Geometria estavam incorporados
nas matérias de Desenho e Trabalhos Manuais. No entanto, essa fragmentação dos conteúdos
continuou no Ensino Secundário. Segundo Guimarães (2012) inicialmente, os programas
para o exame de 1850 e o programa de ensino, do ano de 1878, sugerem um ensino de
Desenho que se confunde em seus conteúdos com o de Geometria. Já em 1882, o Desenho
começa a se configurar de maneira diferenciada da Geometria. “A Geometria configurava-se
com conteúdos similares ao do Desenho em diversas ocasiões e, quando o Desenho não era
relacionado como disciplina em determinadas séries, seus conteúdos podiam ser vistos em
Geometria” (GUIMARÃES, 2012, p.35).
Essas fragmentações podemos constatar na citação a seguir:
O Desenho, no plano geral de estudos, figurará como combinações lineares, deverá passar, gradativamente à cópia expressiva, à mão livre, de Desenhos feitos na pedra, pelo professor à execução do Desenho ditado, de Desenho de memória e invenção ao Desenho de modelos naturais ou em relevo. Tendo por fim o ensino de Desenho adestrar o aluno no lance de vista rápido e seguro, desenvolver nele o sentimento das formas e das proporções, servirlhe-á de base a morfologia geométrica. As formas convencionais, atenta a sua regularidade hão de preceder as naturais, que são irregulares. As formas naturais, que se tiverem de desenhar, hão de ser primeiramente reduzidas às geométricas em que se basearem [...] (SERGIPE, 1906 apud GUIMARÃES, 2012, p.44).
Assim, de acordo com Alves (2005) “o objetivo do ensino do Desenho era dar base aos
alunos para os estudos da Geometria, partindo em forma progressiva, das observações dos
objetos e modelos, articulando-se legalmente os conhecimentos do Desenho com os da
Geometria” (p.145).
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Desse modo, podemos constatar que desde o ensino primário existia uma relação de
dependência entre as disciplinas Desenho e Geometria, se estendendo para o Ensino
Secundário, porém devido as reformas educacionais e com as reformulações dos Programas
de Ensino, cada disciplina seguiu sua trajetória própria de reconhecimento.
Algumas Considerações
Com o objetivo de trazer alguns apontamentos para construir uma história da
disciplina escolar Geometria no ensino secundário no Atheneu Sergipense (1870-1899), os
resultados iniciais apontam que até o fim do século XIX o termo disciplina escolar estava
intimamente ligado ao sentido de conduta moral, disciplinarização dos corpos, a formação do
caráter, castigos, formação de ideologia, domar a selvageria da criança. Dialogando com
Chervel, Julia e Bittencourt, foi possível compreender que o sentido de conduta moral perde
sua força e termina por se tornar uma rubrica escolar que designa as diferentes matérias de
ensino, significação que conserva até hoje e que se consolidou como campo de pesquisa e
estudo denominado História das Disciplinas Escolares.
A configuração da disciplina escolar Geometria no ensino secundário no Atheneu
Sergipense teve início com sua criação em 1930, pelo Conselho Geral da Província, durante as
primeiras organizações dos estudos secundários. Ao longo dos anos, com a
institucionalização do Atheneu Sergipense em 1870, passou por modificações na sua
nomenclatura, recebendo denominações como: Geometria compreendendo o Desenho Linear
até 1877; Geometria e Trigonometria (de 1877 a 1882); Geometria e Trigonometria Retilínea
(1882 a 1890); Geometria e Trigonometria (de 1890 a 1899). O primeiro concurso para
docente foi aberto em 1875 sendo aprovado o engenheiro Pedro Pereira de Andrade. Os
conteúdos estavam fragmentados em outras cadeiras como o Desenho. Em relação ao
método, os professores eram recomendados a desenvolver suas aulas por meio do método
intuitivo estabelecendo conexões diretas entre a teoria e a prática, a utilizar o compêndio de
Geometria de Cristiano Benedito Ottoni e a utilizar materiais de ensino como a coleção de
sólidos geométricos de madeira, esponja e pedra para o desenvolvimento de suas aulas.
Importante evidenciar que que este texto trata-se de um ensaio, os primeiros passos
para a construção da história da Geometria no ensino secundário no Atheneu Sergipense.
Entretanto, o aprofundamento da pesquisa a partir da busca e análise de outras fontes poderá
identificar como eram realizados os concursos e exames para ser professor da disciplina
Geometria? Qual era o perfil desses profissionais que lecionaram a disciplina Geometria no
Atheneu Sergipense?
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Pode-se perceber que o estudo das disciplinas escolares viabiliza uma análise da relação
entre a escola e a sociedade, relevando-se como construções complexas, pois não se restringe
apenas a conteúdos escolares, se configurando em um viés dinâmico, com sujeitos, tensões,
conflitos, mudanças, rupturas, permanências, inovações, crenças, valores, relações de poder,
entre outros. E diante dessa complexidade o pesquisador das disciplinas escolares deve
procurar reconstituir em sua organicidade a gênese, a estrutura e sua evolução.
Referências
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