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CLÁUDIA A. SCHONINGER DOS SANTOS A CONCRETUDE DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA QUANTO À INSERÇÃO DO GÊNERO FEMININO NOS QUADROS DA POLÍCIA MILITAR CURITIBA 2014

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CLÁUDIA A. SCHONINGER DOS SANTOS

A CONCRETUDE DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA QUANTO À INSERÇÃO DO GÊNERO FEMININO NOS QUADROS DA POLÍCIA MILITAR

CURITIBA 2014

Cláudia A. Schoninger dos Santos

A CONCRETUDE DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA QUANTO À INSERÇÃO DO GÊNERO FEMININO NOS QUADROS DA POLÍCIA MILITAR

Artigo científico apresentado à disciplina de Metodologia da Pesquisa Científica como requisito parcial para a conclusão do Curso de Pós- Graduação Lato Sensu – Especialização em Direito Militar Contemporâneo do Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública e Privada da Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: Prof. Mestre Jefferson A. de Paula.

CURITIBA 2014

A CONCRETUDE DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA QUANTO À INSERÇÃO DO GÊNERO FEMININO NOS QUADROS DA POLÍCIA MILITAR

RESUMO

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Princípio da Isonomia saiu de um cenário coadjuvante para protagonizar os alicerces das lutas pela igualdade entre pessoas e classes de pessoas. Diante do reconhecimento da igualdade, pelo Estado, entre homens e mulheres, juridicamente a condição de sujeito incapaz remetido à mulher, encontra-se superada. No entanto, alguns fatos vêm demonstrando que o sentido jurídico de uma situação não possui a mesma valoração fática, de modo que há, nitidamente, um descompasso entre a Lei e a realidade social, paradoxo este visível, principalmente, no campo profissional. É dentro deste cenário, mais precisamente no contexto da inserção de mulheres no campo da segurança pública, que o presente trabalho busca discorrer sobre a eficácia do Princípio da Isonomia e sua concretude quanto à inserção do gênero feminino nos quadros da Polícia Militar. PALAVRAS CHAVE: Princípio da Isonomia; Concurso Público; Polícia Militar;

Gênero Feminino.

THE CONCRETENESS OF PRINCIPLE OF ISONOMY REGARDING THE INSERTION OF FEMALE GENDER INTO THE FRAMEWORKS OF THE MILITARY

POLICE

ABSTRACT With the advent of the Federal Constitution of 1988, the Principle of Isonomy came out of a scenario coadjuvant for starring the bases of the struggle for equality between persons and classes of persons. Before the recognition of equality, by the State, between men and women, legally the condition of subject incapable remitted to the woman, it is overcome. However, some facts have been demonstrating that the legal meaning of a situation does not have the same phatic valuation, so that there is clearly a gap between the Law and social reality, paradox this visible, mainly, in the professional field. It is within this scenario, more precisely in the context of the inclusion of women in the field of public safety, that the present work seeks to discuss the effectiveness of the Principle of Isonomy and its concreteness as the insertion of the female gender in the frameworks of the Military Police. KEYWORDS: Principle of Isonomy; Public Contest; Military Police; Female Gender.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................ 0Erro! Indicador não definido. 2 GÊNERO FEMININO NA HISTÓRIA: A LUTA PELO RECONHECIMENTO DE SUJEITO DE DIREITOS ........................................................................................... 07 3 IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES E A INSERÇÃO FEMININA NA POLÍCIA MILITAR ..................................................................................................... 09 4 O PRINCÍPIO DA ISONOMIA E OS CONCURSOS DA POLÍCIA MILITAR ......... 14 4.1 Princípio da Isonomia: Conceito.......................................................................14 4.2 Isonomia nos Concursos para Ingressos na Polícia Militar: Por que não?..16 4.3 Princípio da Isonomia e a Inserção da Mulher na Polícia Militar...................17 5 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 22 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 25

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1. INTRODUÇÃO

Não é preciso se debruçar sobre enciclopédias que narram a história

da humanidade nos diferentes espaços geográficos, para ver todo o esforço e

empenho da mulher, na busca para alcançar o reconhecimento de seus

direitos, nos diferentes contextos sociais, ao longo dos séculos.

A caminhada incessante que começa na luta pela simples liberdade de

escolha ao marido, por melhores condições de vida, por espaço profissional,

por respeito à sua integridade física, até conseguir o direito ao sufrágio e à

declaração legal de sujeito de direitos.

Com o advento da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, o

conjunto Dignidade da Pessoa Humana, Princípio da Isonomia e Ações

Afirmativas, saíram de um cenário coadjuvante para protagonizar os alicerces

das lutas pela igualdade entre pessoas e classes de pessoas. Com bases

solidificadas em terreno constitucional, a abertura no campo profissional e

acadêmico para a admissão de todos os cidadãos, reconhecidos como agentes

de direitos, está em tese, garantida.

Diante deste “novo” modelo de estado que reconhece a igualdade entre

homens e mulheres, capazes de direitos e deveres na ordem civil, e a

conseqüente modernização de conceitos em torno da dignidade da pessoa

humana da mulher, juridicamente a condição de hipossuficiência feminina se

encontra superada. No entanto, alguns fatos vêm demonstrando que o sentido

jurídico de uma situação não possui a mesma valoração fática, de modo que

há, nitidamente, um descompasso entre a Lei e a realidade social, paradoxo

este visível, principalmente, no campo profissional. Realidade esta que merece

atenção redobrada, sobretudo, quando se fala em equiparação profissional

entre homens e mulheres no campo da segurança pública. Um terreno sinuoso,

visto que o mesmo Estado que garante a igualdade entre gêneros, é o mesmo

que se omite quando o assunto esbarra na política de admissão de mulheres

aos quadros de policiamento militar, e o papel desempenhado pelas admitidas,

quando do ingresso na atividade policial e a ascensão destas dentro da

instituição.

7

2. GÊNERO FEMININO NA HISTÓRIA: A LUTA PELO RECONHECIMENTO DE SUJEITO DE DIREITOS

Desde idos tempos, inúmeras foram as formas de resignação impostas

ao gênero feminino que, apenas a título de ilustração, na Roma Antiga1, era

hábito se conservar somente a filha mais velha, ou seja, forçava-se o

“desaparecimento” das filhas vindas após a primeira, ou ainda, como na Antiga

Grécia, onde o papel das mulheres se restringia, essencialmente, aos afazeres

domésticos, de modo que não possuíam direitos políticos, pois não eram

consideradas cidadãs.

Seguindo pela idade medieval2, as atrocidades foram muito além do

que a psiquiatria ou a loucura pode explicar, sob o argumento de “conspiração

com o diabo”, estima-se que mais cem mil mulheres tenham sido queimadas

vivas, como bem assevera Rose Marie Muraro3, em comentários à obra O

Martelo das Feiticeiras4.

A extensão da caça às bruxas é espantosa. No fim do século XV e no começo do século XVI, houve milhares e milhares de execuções - usualmente eram queimadas vivas na fogueira - na Alemanha, na Itália e em outros países. A partir de meados do século XVI, o terror se espalhou por toda a Europa, começando pela França e pela Inglaterra. Um escritor estimou o número de execuções em seiscentas por ano para certas cidades, uma média de duas por dia, 'exceto aos domingos'. Novecentas bruxas foram executadas num único ano na área de Wertzberg, e cerca de mil na diocese de Como. Em Toulouse, quatrocentas foram assassinadas num único dia; no arcebispado de Trier, em 1585, duas aldeias foram deixadas apenas com duas mulheres moradoras cada uma. Muitos escritores estimaram que o número total de mulheres executadas subia à casa dos milhões, e as mulheres constituíam 85% de todos os bruxos e bruxas que foram executados.

1 Disponível em: http://www.infoescola.com/historia/roma-antiga-monarquia-republica-e-imperio. Acesso em 20.12.2014. 2 Disponível em: http://www.infoescola.com/historia/roma-antiga-monarquia-republica-e-imperio. Acesso em 20.12.2014. 3 MURARO, Rose Marie. O Martelo das Feiticeiras: Breve Introdução Histórica. Disponível em: <http://www.casadobruxo.com.br /textos/martelo.htm>. Acesso em 20.05.2013. 4 Trata-se de um manual de instruções publicado em 1487, de autoria de dois padres inquisidores dominicanos, Heinrich Kraemer e James Sprenger, cujo objetivo era o diagnóstico, julgamento e penas para pessoas acusadas de bruxarias.

8

Passada a Idade das Trevas, eis que os genocídios praticados contra à

pessoa humana da mulher, propagaram-se pelas décadas, como bem

demonstram os noticiários de infanticídios de bebês do sexo feminino, após a

implantação da Lei do Filho Único na China (1970)5, o apedrejamento e

açoitamento de mulheres em países de religião mulçumana em plena luz do

século XXI6.

Somente para se ter uma idéia do estarrecedor contexto que se segue

à luz dos atuais dias, o escritor afegão Khaled Hosseini7, traz em renomada

obra, A Cidade do Sol8, o cotidiano sub-humano a que estão submetidas

milhares de pessoas, que pelo fato de serem mulheres, são simplesmente

tratadas como objetos de barganha, com propósito unicamente de procriação.

Deste modo, vê-se que embora, atualmente, em alguns países os

conceitos em torno do indivíduo mulher tenha se equiparado ao conceito

estabelecido para o indivíduo homem, como é o caso da República Federativa

do Brasil, a linha histórica de submissão é comum à todas as mulheres, nas

mais diferentes nações, com o infeliz diferencial que, ao atual passo da

evolução da consciência humana, ainda há Estados que não possuem

amadurecimento cultural suficiente para resguardar, juridicamente, a

equiparação entre os gêneros.

Desta forma, se enfatizar as brutalidades e os descasos sofridos ao

longo do tempo pelo gênero feminino for sinônimo de redundância para alguns,

frisa-se, então que, para quem sofreu tamanhos abusos (para quem, mesmo

no presente contexto jurídico pátrio9, ainda sente o severo frio do

reconhecimento tardio dos direitos da personalidade à mulher10) jamais serão

poucas as recordações dos lentos e árduos passos da longa jornada rumo às

5 Disponível em: <http://www.infoescola.com/china/politica-do-filho-unico/>. Acesso em 23.01.2014. 6 Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/o-apedrejamento-divide-o-isla>. Acesso em 23.01.2014. 7 Médico e escritor de origem afegã, tendo conseguido cidadania americana, país onde cursou medicina e reside atualmente. Escritor mundialmente conhecido. Embaixador da Boa Vontade do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, desde 2006. 88 Nesta obra, Khaled Hosseini, narra a realidade das mulheres que vivem sob o rígido sistema religioso focado na tradição da supremacia masculina. 9 De acordo com o capítulo II, da Constituição Federal de 1988, o qual resguarda como direito e garantia fundamental a igualdade entre todos os brasileiros sem distinção de qualquer natureza. 10 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 2014.

9

conquistas de direitos perpetuados no tempo e no decurso dos dias que ainda

virão.

3. IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES E A INSERÇÃO FEMININA NA POLÍCIA MILITAR

É bem verdade que no Brasil, os diversos comportamentos e

atendimentos dispensados à mulher constituem no reflexo das tradições

religiosas européias introduzidas no país pela colonização portuguesa, de

forma que a força de trabalho feminino somente começou a ganhar espaço a

partir das duas grandes guerras11. Assim, durante muito tempo, à mulher era

resguardado o trabalho doméstico, ao nascimento e educação dos filhos e a

severidade da moral religiosa, sendo que saía da casa do genitor para a casa

do marido, ficando, durante toda a sua existência, submetida ao subjugo do

homem.

Notoriamente, ao passar dos anos, as mulheres foram conquistando

espaço e, consequentemente, direitos foram reconhecidos pelo Estado.

Contudo, vale ressaltar que essas mudanças não ocorreram devido ao

resultado do reconhecimento da real capacidade e aptidão da mulher. Muito

pelo contrário, qualquer que fosse o direito reconhecido ao gênero feminino,

sempre fora adquirido mediante às ideologias mascaradas, sob o conceito de

inferioridade e, por isso, jamais admitindo o efetivo valor da personalidade e

capacidade feminina, não somente em termos jurídicos como também políticos,

filosóficos, cultural e profissional.

Desta forma, para uma melhor compreensão do contexto em torno da

“aceitação” do gênero feminino aos quadros de policiamento e o seu reflexo na

atual área de segurança pública do Estado Democrático de Direitos, imperioso

uma retrospectiva da evolução histórica da mulher dentro da história da

instituição da PM. Lembrando que, embora a inserção feminina no meio policial

11 PRIORE, Mary Del. História das Mulheres no Brasil. 9. ed., 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2010.

10

representasse, à época (anos 50)12, uma grande vitória à mulher, a

concretização do sonho de igualdade com o gênero masculino, jamais fora

inserida como ponto objetivo destas mesmas instituições, pois sequer se

cogitava a possibilidade de equiparação entre os sujeitos.

Somente a título de curiosidade, observa-se que a inserção de

mulheres na área de policiamento se deu de diferentes modos em torno do

globo terrestre, existindo uma acentuada diferença no que tange aos países

desenvolvidos13, de forma que a entrada do gênero feminino nos quadros da

policia nestes países aconteceu bem mais cedo, (EUA 1910) (França 1934),

resultando em uma ação, aos dias de hoje, mais visível, atuando em pé de

igualdade com o gênero masculino. Já no Brasil14, este contexto foi bem

diferente, sendo que somente a partir de 1955, foi que as brasileiras

conseguiram espaço dentro da corporação da Polícia Militar, sendo cristalino

que até os atuais dias, não se pode falar em uma efetiva igualdade de

atendimento entre policiais femininos e masculinos.

É certo que os movimentos em favor da inserção de mulheres aos

quadros da Polícia Militar começaram aproximadamente 25 anos (1930) antes

da concretização do objetivo, conforme se vislumbra em estudo realizado pela

doutora Rosemeri Moreira15, uma das raras estudiosas do assunto.

O processo de criação da “Polícia Feminina” no Brasil perfaz um período que vai desde sugestões apontadas na década de 30 pelas sufragistas; um momento de acirramento do debate por mulheres paulistas e cariocas em fins dos anos 40; e as discussões levadas a cabo por mulheres intelectuais paulistas na década de 1950, as quais culminaram na criação deste “tipo” de policiamento. Um processo não linear ou evolutivo, mas que dentre muitas falas carrega o pressuposto comum de maternalização da sociedade.

12 SOUZA, Fátima. A História da Polícia Militar Começou no Império. 2008. Disponível em: <http://pessoas.hsw.uol.com.br/policia-militar1.htm>. Acesso em: 05.03.2013. 13 SOUZA, Fátima. A História da Polícia Militar Começou no Império. 2008. Disponível em: <http://pessoas.hsw.uol.com.br/policia-militar1.htm>. Acesso em: 20.12.2014. 14 SOUZA, Fátima. A História da Polícia Militar Começou no Império. 2008. Disponível em: <http://pessoas.hsw.uol.com.br/policia-militar1.htm>. Acesso em: 20.12.2014. 15 MOREIRA, Rosemeri. O Discurso Materialista e a Construção da “Polícia Feminina”: Dominação Simbólica, Negociação ou Ressiginificação? Disponível em: <http: www.fazendogenero.ufsc.br>.

11

Desta forma, observa-se a forte resistência envolvida em torno da idéia

da abertura da policia para a entrada de mulheres, haja vista que em 193216,

as mulheres conquistaram o direito ao voto, (em 1928, o Brasil já dispunha de

uma prefeita17) e em 1933, uma deputada federal18. Assim, nítido está que em

todos os campos da sociedade, o contexto envolvendo o gênero feminino,

sempre se deu em meio a muita discussão e persistência, mas em se tratando

do contexto que envolve segurança pública, a situação se torna ainda mais

severa.

Assim, a ideia de “abrir as portas” para a admissão de mulheres na

Polícia Militar, ganhou um forte impulso em 1953, quando a doutora Hilda

Macedo, assistente da cadeira de criminologia da Escola de Policia de São

Paulo, apresentou no 1º Congresso Brasileiro de Medicina Legal e

Criminologia19, a tese sobre a necessidade da criação de uma polícia formada

por mulheres, mostrando, para tanto, os focos onde o emprego de mãos

femininas, dentro da atividade policial, já se fazia tardia.

A partir de 12 de maio de 1955, em atenção ao anseio de uma

sociedade em larga expansão, com a explosão demográfica desordenada

devido ao crescimento da área industrial, o então governador de São Paulo,

Jânio Quadros20, assina o decreto nº 24.548, instituindo na Guarda Civil de

São Paulo, o corpo de Policiamento Especial Feminino, (que contava com o

número alarmante de 12 agentes, lembrando que o contingente populacional

da cidade chegava a casa dos 2.198.096 habitantes21) nomeando como

comandante desta unidade a Dra. Hilda Macedo, “formando”, assim, a primeira

companhia de policiais mulheres da América Latina, com a missão de proteger

mulheres e crianças marginalizados.

Interessante ressaltar que toda a construção da imagem da mulher

dentro da corporação da polícia, deu-se em tempo de crises políticas

16 Decreto N. 21.076 de 24/02/1932 (Código Eleitoral Brasileiro) Art. 2º - “E’ eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código”. 17 Alzira Soriano, eleita em 1928, na cidade de Lages, no Rio Grande do Norte. Porém, não chegou a tomar posse, pois a Comissão de Poderes do Senado anulou os votos de todas as mulheres da cidade. 18 Em 3 de maio de 1933, Carlota Pereira de Queiroz, médica paulista, foi a primeira mulher a ser eleita deputada federal. Exerceu seu mandato de 1934 a 1937. 19 Ocorrido na cidade de São Paulo, entre 14 a 19 de dezembro de 1953. 20 Governador do Estado de São Paulo de 1955-1959. 21 Disponível em: <http: wikipedia.org/wiki/São_Paulo_(cidade)>. Acesso em 20/07/2013.

12

estendidas ao setor de policiamento, ainda, sempre se atendo ao ponto de

vista, que a inserção se daria para atender a somente determinados setores

que, de certa forma, caberia às mulheres devido à sua condição fragilizada,

resguardando àquelas, as tarefas mais “adequadas” para mãos femininas, tais

como trabalho burocrático, atendimento ao público feminino e22:

Proteção aos escolares, com policiamento de trânsito, em frente às escolas e grupos escolares; 2) Ensinamentos sobre trânsito, em aulas especiais, nos próprios grupos escolares, destinadas à preparação da criança para enfrentar a via pública; 3) Policiamento de parques públicos e jardins públicos freqüentados por crianças; 4) Guardas das prisões femininas, do Gabinete de Investigação e Casa de Detenção; 5) Policiamento de festas infantis e ambientes femininos desse caráter.

Conforme se observa nos discursos da época, de nenhuma forma, a

entrada das mulheres na polícia, poderia afetar o domínio masculino sobre a

área da segurança, sequer a possibilidade de equiparação entre os trabalhos e

papéis desempenhados era cogitada. A política de introduzir agentes femininas

na Polícia Militar, não era para oportunizar a igualdade profissional entre os

sexos, conforme se crê hoje em dia quando se lê textos a respeito do assunto.

Muito pelo contrário, a “aceitação” da mulher na polícia aconteceu para suprir

uma lacuna em setores considerados de pouco potencial ofensivo, ou seja,

setores que não eram considerados “campo” de trabalho policial, mas voltado

para a área social. Poderia se dizer, numa linguagem mais atrevida, que foram

criados postos de trabalho para assistentes sociais, com o diferencial de

trajarem uma farda.

A construção do denominado policiamento feminino primou, principalmente, em distanciar-se de características consideradas viris e/ou masculinas e demais aspectos que

22 Rol de objetivos contidos no Memorial para a Criação de uma Divisão Policial Feminina, produzido, em 1948, pelo diretor de Serviço de Trânsito da cidade de São Paulo, Eduardo Tavares do Carmo e o Movimento Político Feminino.

13

minimamente pudessem contrariar as leituras convencionais do corpo, muito bem assentadas entre homens e mulheres23.

Do mesmo modo, como o trabalho desempenhado pelas admitidas se

encontrava em um setor diferente, consistindo em um “apêndice” da Polícia

Militar, de modo que as comandantes das policiais femininas estavam sempre

submetidas ao comando de um homem, jamais comandando equipes

masculinas, mas tão somente femininas.

Para uma melhor visualização do alegado, valendo-se de trechos de

textos e discursos publicados na década de 50, a doutora Rosemery Moreira24,

apanhou textos de autoria das lideres do movimento sufragista, chegando à

conclusão de que:

Todos os textos, precavidamente, e a exemplo dos discursos provenientes do movimento sufragista, afirmam não se pautarem em defender a igualdade de direitos entre homens e mulheres, mas, na necessidade de modernizar a Polícia.

Deste modo, no mesmo artigo, a autora remonta trechos do discurso

de Esther de Figueiredo Ferraz25 26, onde esta esclarece qual seria e deveria

ser o papel da mulher, dentro da instituição policial:

Esther Ferraz, também se preocupa em construir enunciados reconfortantes à lógica sexual dual estabelecida, afirmando que “[...] a colaboração da mulher nas atividades policiais deveria se efetivar na linha preventiva e curativa, deixada aos homens a parte repressiva e coercitiva, pouco adequada a verdadeira personalidade feminina.” O que exige afastar dessas policiais qualquer aspecto considerado masculinizante.

A mesma autora conclui dizendo:

23 MOREIRA, Rosemeri. O Discurso Materialista e a Construção da “Polícia Feminina”: Dominação Simbólica, Negociação ou Ressiginificação? Disponível em: <http: www.fazendogenero.ufsc.br>. Acesso em 25.09.2013. 24 MOREIRA, Rosemeri. Op. Cit., p. 05. 25 Esther de Figueiredo Ferraz foi a primeira mulher a prestar concurso para livre docência em Direito, na Universidade de São Paulo, sendo também a primeira mulher a ser nomeada ministra de estado e a primeira a integrar o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil. 26 FERRAZ apud MOREIRA, Rosemeri. O Discurso Materialista e a Construção da “Polícia Feminina”: Dominação Simbólica, Negociação ou Ressiginificação? Disponível em: <http: www.fazendogenero.ufsc.br>. Acesso em 25.09.2013.

14

Explorando o binarismo sexual, Ferraz parte de questões incontestes a essa lógica: “[...] para o bem das inúmeras pessoas que por circunstâncias – a miséria, a ignorância, a doença, o desamparo, o vício, o crime – se vêm colhidas nas malhas da Lei, e que não estariam suficientemente protegidas se a sua situação ficasse entregue exclusivamente a mãos masculinas. Nessa estratégia de gênero, apresenta o feminino/mulheres como inserido por força da necessidade nas corporações policiais em vias de se modernizar e não uma reivindicação das mulheres propriamente ditas.

Desta forma, nítido estava o paradoxo existente entre um novo tempo

que exigia a atuação feminina nas atividades policiais, embora essa exigência

viesse embalada em forma de assistencialismo, visto que a mulher era vista

como sujeito hipossuficiente na sociedade, e a inércia dos órgãos responsáveis

pelo setor de segurança pública, sobretudo, no que se refere à própria entidade

da Polícia Militar.

4. O PRINCÍPIO DA ISONOMIA E OS CONCURSOS DA POLÍCIA MILITAR 4.1. Princípio da Isonomia: Conceito

Muito se fala a respeito de princípios. Suas implicações para o mundo

jurídico e fático, assim, no que tange a mensagem que este trabalho tem a

pretensão de apresentar, interessante trazer o conceito formulado pelo jurista

Miguel Reale27, o qual entende que:

Os princípios na verdade seriam fundamentos de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.

Deste modo, para uma melhor ilustração das funções dos princípios, a

professora Clara Heinzmann28 explica que:

27 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977.p.299. 28 HEINZMANN, Clara. Direitos Humanos Fundamentais: A universalidade destes direitos como ideal da pessoa humana. Revista Jurídica Unifoz, Foz do Iguaçu, v. 4, n. 1, p. 23 - 43, jan/jun. 2009.

15

A pessoa humana é a base de toda legislação, e exatamente por isso é o fundamento dos direitos que resguardam dos abusos do poder do Estado, e de seus órgãos, neste sentido, observa-se que o próprio Estado deve-lhe respeito e tratamento igualitário, sendo responsável pela criação de normas que a protejam contra o arbítrio estatal e contra o arbítrio de terceiros.

Desta forma, pode-se entender que princípios de Direito são a base, o

fundamento, a estrutura sobre os quais se constrói um determinado sistema

jurídico29. Assim, o Princípio da Isonomia, consagrado no texto constitucional,

mais precisamente no Título II, art. 5º, caput, possui o condão de nortear o

comportamento humano na direção em que a todos se deve dar oportunidades

de modo igual, observados os parâmetros enunciados por Rui Barbosa30, o

qual sabiamente ressalta a nobreza do direito quando este (mundo jurídico)

permite igualar os gêneros numa realidade em que o mundo natural (por

motivos biológicos, talvez) fazendo suas distinções, desigualou homens e

mulheres.

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real31.

Outrossim, ressalta-se a título de informação, que a doutrina

majoritária32, ao dispor sobre as funções desempenhadas pelos princípios do

direito são três33: função informadora34, função normativa35 e função

interpretativa36.

29 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. Tradução de Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 30 RUI, Barbosa. Oração aos moços. RJ: Editora Tecnoprint S.A., 1980. 31 RUI, Barbosa. Oração aos moços. RJ: Editora Tecnoprint S.A., 1980. 32 BUENO, Gustavo Melo. Uma Análise Sobre os Princípios Específicos de Direito Individual do Trabalho. Repositório Autorizado de Jurisprudência TST:08/95. Justiça do Trabalho. Ano 27 – nº 318 – jun/2010. Porto Alegre, HS Editora Ltda. p. 101. 33 NADER. Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.p.193. 34 Trata-se da função de inspirar, sugerir e de fundamentar os legisladores na formulação das normas jurídicas.

16

4.2. Isonomia nos Concursos para Ingressos na Polícia Militar: Por que não?

Quando se fala em trabalhar na (para a) Polícia Militar, a primeira ideia

que se vem à cabeça é contenção de multidão enfurecida, brigas em estádios,

tiroteios, invasão a presídios de segurança máxima pra contenção de rebeliões

de alta complexidade, cenas do filme Tropa de Elite37. Desta forma, baseados

na cultura de que feminilidade é sinônimo de fragilidade, é que os idealizadores

dos concursos para admissão de policiais militares encontram respaldo para

assegurar em mãos masculinas, as mais de 90% (noventa por cento) das

vagas ofertadas a cada novo edital divulgado.

Entretanto, primeiramente, é interessante lembrar que para

desempenhar o trabalho de policial, todo concursado passa por treinamento

especializado, antes do ingresso no cargo, bem como ao longo de toda a sua

carreira. Não obstante, é interessante lembrar que nenhum policial, seja

homem ou mulher, vai a qualquer missão desaparelhado, de forma que o que

realmente faz a diferença nos trabalhos de maior periculosidade, é o bom

treinamento e capacitação dos profissionais envolvidos, pois é notório o fato de

que força bruta não resolve conflitos.

Neste ínterim, ressalta-se que ao dispor sobre as atribuições do

soldado da Polícia Militar, os editais enumeram as seguintes funções38:

Desempenhar atividade ostensiva policial militar nas diversas tarefas atribuídas à Polícia Militar, visando à preservação da ordem pública; Promover a segurança pública, através de atividades preventivas e repressivas nos diversos tipos de policiamento (geral,trânsito urbano e rodoviário, meio ambiente, guardas e outros). Para tanto, a atuação do soldado compreende as seguintes atribuições específicas, dentre outras: a) realizar policiamento ostensivo fardado; b) executar atividades operacionais diversas; c) atender e solucionar

35 Trata-se da função de servir como meio de integração ao Direito, quando a lei for omissa. 36 Trata-se da função de servir como meio de interpretação, serve como critério de orientação. 37 Tropa de Elite é um filme policial brasileiro de 2007, baseado em elementos presentes no livro Elite da Tropa, de André Batista e Rodrigo Pimentel. 38 Optou-se por citar as atribuições descritas no edital para admissão de soldados da policia militar do estado de Sergipe, pelo fato de este edital elencar um numero igual e/ou maior de atribuições conferidas aos profissionais de farda, quando comparado a editais de outros estados para o mesmo cargo e função.

17

ocorrências policiais de modo a manter ou restabelecer a ordem pública; d) redigir boletins de ocorrência, relatórios e outros documentos administrativos; e) estabelecer contatos com a comunidade, envolvendo-a na promoção da segurança pública; f) preservar e manter os materiais e instalações das Unidades Militares g)estar em condições de conduzir viaturas policiais, mantendo sempre a CNH dentro das exigências legais (validade); h)pautar suas ações em preceitos éticos, técnicos e legais; Executar outros serviços previstos em leis, regulamentos e normas; Condições gerais de exercício do cargo: trabalhar tendo contato cotidiano com o público, de forma individual ou em equipe, sob supervisão, em ambiente de trabalho que pode ser fechado ou a céu aberto, a pé, montado ou em veículos, em horários diversos (diurno/noturno ou em rodízio de turnos). Atuar em condições de pressão e de risco de contágio de moléstias e de morte em sua rotina de trabalho39.

Conforme se pode verificar pelo trecho do edital supra citado, não há o

que justifique o ínfimo numero de vagas destinadas ao público feminino nos

editais de admissão aos cargos e funções, bem como a restrição da

participação feminina nos quadros da Polícia Militar.

4.3. Princípio da Isonomia e a Inserção da Mulher na Polícia Militar

Conforme se observou, fora a partir dos anos 50, devido às

necessidades de uma sociedade cada vez mais numerosa, aliada à explosão

demográfica desordenada, não obstante os inúmeros movimentos feministas,

que passou-se a reconhecer a premissa necessidade de estender ao gênero

feminino a participação na atividade policial. Entretanto, há que se ressaltar

que as fortes ideologias tradicionalistas militares reservavam protegida a ideia

de que a diferença física, existente entre homens e mulheres, fosse

determinante para resguardar em mãos masculinas, a efetividade do setor.

Não obstante, imperioso ressaltar que fora somente a partir do ano de

1977 que a admissão de mulheres no policiamento ostensivo fora

39 Disponível em: <http://www.pm.se.gov.br/governador-de-sergipe-lanca-edital-para-600-vagas-de-soldado-da-policia-militar/>. Acesso em 27.01.2014.

18

regulamentada pelo Exército, e no ano de 198440 firmou-se a base legal para a

incorporação de agentes femininos aos quadros da Polícia Militar41.

Todavia, mais de 29 (vinte e nove) anos se passaram desde a nova

redação dada ao § 2º, do art. 8º, do Decreto Lei nº 667, de 02 de julho de

196942, e a ideia sobre a presença feminina no policiamento ostensivo pouco

mudou, como se pode denotar pelos diversos estudos realizados na área.

Como exemplo do alegado, traz – se a baila a conclusão registrada pela

historiadora baiana doutora Girlene Ernestina de Jesus43, a qual aduz:

Mesmo tendo sua imagem beneficiada pela presença feminina, as instituições militares (...), reserva para as mulheres uma participação limitada. Restrições às tarefas femininas, sustentadas na noção de que as mulheres não são capazes de assumir todas as formas de ação de polícia e a conseqüente tendência de atribui-lhes, sobretudo funções burocráticas ou atividades associadas, no imaginário, a extensões do mundo doméstico gera uma diferenciação no universo policial, onde as oportunidades de ingresso e ascensão são diferenciadas reproduzindo em pleno século XXI discriminações em relação à capacidade humana a partir do sexo. A PMBA limitou o ingresso de mulheres no seu efetivo, alegando falta de estrutura para acomodá-las, restringindo sua participação a 10%(dez por cento) em relação ao número total de vagas. Mas 18 anos mais tarde essa limitação permanece e esse argumento continua a ser usado pela instituição.

Deste modo, percebe-se que no mundo real, as coisas são bem

diferentes das alegações fantasiosas encontradas nos sites e artigos que

ressaltam a participação feminina no cenário policial, como muito bem

assevera a doutora Márcia Esteves de Calazans44, em recente estudo45 sobre

a inserção feminina na atividade policial:

40 Neste ano (1984), fora dada nova redação ao § 2º, letra “a”, do art. 8º, do Decreto Lei nº 667, de 02.07.1969. 41 NEVES, Genivaldo Silva das. A Presença da Policial Feminina com Características Afrodescendentes na Policia Militar da Bahia. Disponível em: <http://www.posafro.ufba.br/_ARQ/dissertacao_GSNeves.pdf>. Acesso em 20.12.2013. 42 Reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Território e do Distrito Federal, e dá outras providências. 43 JESUS, Girlene Ernestina de. Relações de gênero na Policia Militar da Bahia. Disponível em: <http: www.uesb.br/anpuhba/anais.../girlene%20 Ernestina%20de%20Jesus.pdf>. Acesso em 29.09.2013. 44 Psicóloga-Pesquisadora, Integrante do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da IFCH/UFRGS. 45 CALAZANS, Márcia Esteves de. Mulheres no Policiamento Ostensivo e a Perspectiva de uma Segurança Cidadã. São Paulo em Perspectiva, 18(1): 142-150, 2004.

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No Brasil, a filosofia tradicional de policiamento é movida pelo espírito belicoso do Exército Nacional e por ideologias machistas, assim, o tratamento para a inserção de mulheres nos quadros das polícias dá-se de uma forma muito limitada e com pouca visibilidade. Atualmente, nos estados brasileiros, encontramos os mais diversos tratamentos à incorporação de mulheres nas polícias militares, manifestos, sobretudo por meio de restrições legais e informais, o que vem dificultando a inserção e a ascensão na carreira. Por exemplo, no Distrito Federal, há uma lei de 1998 que restringe a 10% a participação feminina no efetivo da PM, o mesmo ocorrendo no Mato Grosso, onde, em um concurso realizado em 2001, a participação feminina também foi limitada a 10% de um total de 800 vagas oferecidas. Atualmente, na maioria dos estados, o efetivo de mulheres não pode ultrapassar 10% do total, e a participação feminina nas polícias militares corresponde a, aproximadamente, 5% do conjunto do efetivo.

Para se confirmar o flagrante atentado ao Princípio da Isonomia, toma-

se como exemplo o concurso público para preenchimento de vagas de soldado

policial e de soldado bombeiro da Polícia Militar do Paraná no ano de 2010, o

qual destinou das 1.000 vagas ofertadas, 50% ao sexo feminino, onde o item

13 do edital, que norteava o exame para a capacidade física, foi taxativo para

resguardar o preenchimento das vagas por maioria maciça de pessoas do sexo

masculino, exigindo das candidatas tração em barra fixa.

Para se ter uma ideia da dificuldade apresentada pelas mulheres no

exercício de tração de barra fixa, tendo em vista se tratar de exercício exclusivo

para os membros superiores, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em

flagrante ilegalidade do referido teste, por ofender o princípio da isonomia e da

razoabilidade, já havia decidido, em concurso para admissão de agentes

federais46 47:

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO PARA PAPILOSCOPISTA DA POLÍCIA FEDERAL. EXIGÊNCIA DE TESTE DE BARRA FIXA, MODALIDADE DINÂMICA, PARA MULHERES. DESPROPORÇÃO E FALTA

46 A presente decisão foi gerada a partir do Concurso Público do ano de 2004, onde o Departamento de Polícia Federal editou a instrução Normativa n° 03/2004 – DGP/DPF que passou a exigir a aplicação do teste em barra fixa dinâmica também aos candidatos do sexo feminino. 47 Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/39616060/trf-1-13-08-2012-pg-396>. Acesso em 12.12.2012.

20

DE RAZOABILIDADE. IGUALDADE SUBSTANCIAL ENTRE OS SEXOS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. A mesma Quinta Turma desta Corte já decidiu que "a aplicação de prova de barra fixa, na modalidade dinâmica, para mulheres, fere o princípio da isonomia, ainda que exigida para homens em critério diverso, visto que subsiste sensível diferença entre o homem e a mulher em sua constituição física e nos aspectos bio-psicológicos. Tal diferença, notadamente no que tange à força física, revela-se apta a justificar a disparidade de tratamento entre pessoas do sexo masculino e feminino, como forma de dar efetividade ao preceito constitucional da isonomia (CF, art. 5º), de sorte a aquinhoar desigualmente os desiguais na medida em que estes se desigualam" (AG 2005.01.00.029810-0/DF. Relator p/ acórdão: Desembargador Federal Fagundes de Deus. DJ de 10.8.2006, p. 103). Precedente, no mesmo sentido, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (1ª Turma. AG 61158/CE).

Do mesmo modo, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do

Distrito Federal48 ajuizou a Ação Civil Pública, tendo por objetivo:

A imediata suspensão da exigência do mesmo na modalidade dinâmica para as mulheres ponderando que o departamento de Polícia Federal, ao exigir das candidatas a realização do teste em barra fixa na modalidade dinâmica, com a obrigatoriedade de realização de, ao menos, um movimento completo, não observou a notável disparidade de potência muscular entre homens e mulheres, tendo em vista as flagrantes diferenças fisiológicas que existem entre ambos os sexos em termos biológicos e hormonais.

A sentença foi prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Brasília/DF,

em data de 03/09/2008, dando procedência à referida Ação Civil Pública, in

verbis, o dispositivo49:

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido formulado, nos termos do inciso I do artigo 269 do CPC, para condenar a União a não adotar, nos próximos concursos públicos realizados pelo Departamento de Polícia Federal, o teste de barra fixa na modalidade dinâmica para as mulheres.

48 SIQUEIRA, Wanda Gomes. Teste em barra física na modalidade dinâmica em Concurso Público – Discriminação contra candidatas Mulheres. Disponível em: <http://wandagomessiqueira.blogspot.com.br/2009/10/teste-em-barra-fisica-na-modalidade.html>. Acesso em 12.12.2012. 49 Disponível em: http://wandagomessiqueira.blogspot.com.br/2009/10/teste-em-barra-fisica-na-modalidade.html. Acesso em 12.12.13.

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Não obstante, no Estado de Santa Catarina50, no último concurso

público para admissão ao Curso de Formação de Soldado PM51, datada de 18

de outubro de 2013, abriu 470 vagas, sendo que nenhuma destas fora

reservada às mulheres.

São 470 vagas (para o sexo masculino). Os vencimentos do Soldado PM 3ª classe serão de R$ 2.910, 31 (dois mil, novecentos e dez e trinta e um centavos), com o estímulo operacional e adicional noturno.

A exemplo do Estado se Santa Catarina, no ano de 2011, o Estado de

São Paulo52 abriu concurso público de provas e títulos para admissão no cargo

de Soldado PM de 2ª Classe 500 (quinhentos) soldados, sendo todas as vagas

destinadas para pessoas do sexo masculino.

Da mesma forma, o Estado do Mato Grosso do Sul, em data de 28 de

agosto de 2013, divulgou edital no qual o seu corpo de policiamento militar abre

vagas para “para Ingresso no Curso de Formação de Soldados PM/2013, onde

são oferecidas 524 vagas, sendo 419 para homens e 105 para mulheres”53.

Seguindo a mesma linha, o Estado de Mato Grosso54, em 18 de novembro de

2013, divulga edital para preenchimento de 900 (novecentas) vagas para

soldado Policial Militar, sendo que destas, apenas 120 (cento e vente) se

destinam aos candidatos do sexo feminino.

Ainda, no Estado do Pará55, o último concurso para admissão de

soldados aos quadros da Polícia Militar paraense, datado de 26 de junho de

2012, o número de vagas destinadas às mulheres foi de 200 (duzentas),

enquanto que para os homens fora de 1.800 (hum mil e oitocentas) vagas.

50 PMSC – Curso de Formação de Soldados. Disponível em: <http://www.cfsd2013.pmsc.ieses.org/>. Acesso em 26.12.2013. 51 Designação segundo o art. 8º, § 1º do Decreto Lei nº 667/1969. 52 Disponível em: <http://www.vunesp.com.br/pmes1006/edital_pmes1006.pdf>. Acesso em 03.03.2013. 53 Disponível em: <http://www.pciconcursos.com.br/noticias/policia-militar-ms-abre-concurso-com-524-vagas-para-soldados>. Acesso em 26.12.2013. 54 Disponível em: <http://ww4.funcab.org/arquivos/PMBMMT2013/edital.pdf>. Acesso em 27.12.2013. 55 Disponível em: <http://www.prodepa.psi.br/uepa/pm2012/CFSD_Edital_PM2012.pdf>. Acesso em 27.12.2013.

22

Ressalta-se que para admissão de policiais militares do quadro de

oficiais56, a situação feminina não é diferente, como ilustra o edital para

provimento de 25 (vinte e cinco) vagas ao Cargo de 2º Tenente PM do Quadro

de Oficiais Combatentes da Polícia Militar do Estado de Roraima57. Das vagas

ofertadas no concurso público, apenas 15% (quinze por cento) foram

destinadas às candidatas do sexo feminino.

Pelo que se observou ao longo da pesquisa sobre os editais dos

concursos públicos destinados ao provimento das vagas dentro da corporação

da Polícia Militar, o número de vagas destinadas às mulheres, quando

ofertadas, gira em torno de 10 (dez) a 12 (doze) por cento, na maioria maciça

dos estados58 brasileiros59, excetuando-se, apenas, Rio Grande do Sul, Paraná

e Espírito Santo60, sendo que estes últimos solicitam teste de suspensão em

barra fixa para as mulheres, exercício físico este que é taxativo na eliminação

das candidatas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Passados mais de 50 anos da criação da Primeira Companhia de

Polícia Feminina no Brasil, sendo que desses, 25 anos sob a égide de uma

Constituição Cidadã61, nítido é o descaso e a indiferença para com o texto

magno, não apenas por parte de uma população que ainda não se adequou ao

avanço de Constituição de modelo de Estado ao qual está inserida, mas

principalmente por parte de entidades representativas deste mesmo Estado, de

modo que a sociedade brasileira continua a tolerar preceitos machistas e 56 A pesquisa se deu via internet, e foram pesquisados os editais para provimento de vagas dentro da corporação da Policia Militar para o quadro de oficiais, de todos os estados brasileiros. 57 Disponível em: <http://www.pm.rr.gov.br/index.php/noticias/107-edital-do-concurso-publico-de-oficiais-pm-2013>. Acesso em 20.01.2014. 58 A pesquisa se deu via internet, e foram pesquisados os editais para provimento de vagas dentro da corporação da Policia Militar para o cargo de soldado, de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal. No presente trabalho, primou-se pela análise dos 2 (dois) últimos editais, pelo menos e quando disponíveis eletronicamente, de cada estado. 59 Conforme preceitua o § 4º, art. 17, da Lei Complementar nº 194/2012 do Estado de Roraima. 60Disponível em: <http://www.exatuspr.com.br/arquivos/1374238728_ edital abertura_pmes.pdf>. Acesso em 27.12.2013. 61 Na Constituição Federal do Brasil, são definidos os direitos dos cidadãos: individuais, coletivos, sociais e políticos; sendo ainda, estabelecidos os limites de poder para os governantes.

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restrições ideológicas militares, que para contornar os ditames do texto magno,

mascaram a tendência contrária à inserção feminina em seus quadros de

agentes, utilizando-se, nos editais dos concursos, de cotas que delimitam o

percentual de agentes do sexo feminino, na maioria das vezes, em um número

simbólico, quando comparado ao percentual de vagas destinadas ao sexo

masculino.

Neste contexto, quando olhado “mais de perto” os editais de concursos

para o provimento de agentes da Polícia Militar, imediato é a constatação da

limitação de vagas para as pessoas do sexo feminino. Quando não

resguardado sob cotas, as vagas ofertadas certamente admitirão um

contingente masculino muito superior ao feminino, visto a exigência de aptidão

física, aí então, equiparada.

Interessante dualismo, haja vista que ao ingressarem nos quadros da

instituição, são reservadas as agentes trabalhos burocráticos, tendo em vista a

“fragilidade” física da mulher em relação ao homem. O mais interessante é que

como a história da Polícia Militar sempre delimitou aspectos masculinizantes de

suas profissionais, de repente se vê exigindo nos concursos, exercícios físicos

destinados exclusivamente aos homens!

Notadamente, as oportunidades tanto para o ingresso quanto para a

ascensão na carreira, que há tempos vem sendo retardada sob recalcados

pretextos de diferenças físicas e psicológicas, estão, infelizmente, longe de

serem superados. Conclusão esta, que se chega, inevitavelmente, após análise

de manchetes, que tendem a fantasiar o percentual de mulheres presentes na

Polícia Militar, como se fosse um número elevado, tendo em vista ser área “de

domínio” estritamente masculino, como bem se pode observar nas páginas de

jornais e sites relacionados, onde se tem a oportunidade de ler a seguinte

expressão62: “Em todo o Brasil, cerca de 10% do contingente de Policiais Militares são mulheres. Elas “invadiram” o terreno masculino na PM há muitos

anos, vencendo muitos preconceitos”. (grifo nosso).

A discriminação é latente, pois evidencia as diferenças físicas como

ponto crucial para elevar o conceito de que somente os homens possuem

capacidade e aptidão suficientes para desenvolver as atividades relativas à

62 Disponível em: <http:// www.pessoas.hsw.uol.com.br›. Acesso em 12.12.2012.

24

área de segurança, de modo que quando resguardam 50% das vagas

ofertadas ao gênero feminino, os testes de aptidão física exigidos, “resolvem” o

problema de se ter um contingente feminino significativo na corporação.

Contudo, no que tange aos futuros concursos para a carreira de policial

militar, o teste para aptidão física em barra fixa, para aqueles que destinam

50% das vagas às mulheres, já está consagrado, sendo que para os demais,

as cotas se encarregam de resguardar o domínio masculino na área, se

medidas constitucionais não forem tomadas rapidamente, para frear este

visível atentado ao princípio consagrado por Rui Barbosa63: “Tratar com

desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade

flagrante, e não igualdade real”.

Assim, imperiosa se faz a necessidade de que a sociedade brasileira

busque a efetividade do texto magno nos mais diferentes campos e contextos

da sociedade, sobretudo no que diz respeito aos editais de concursos públicos,

porta de entrada para a estabilidade profissional, ante o senso comum de que é

através do trabalho que a pessoa humana edifica metas, projeta o futuro,

planeja a vida, leva o pão de cada dia para casa, lembrando que a proteção do

mercado de trabalho da mulher constitui-se em direito fundamental da

Constituição Federal64.

Portanto, imprescindível é para a plenitude de uma soberania

democrática que os todos os setores da administração pública, juntamente com

os cidadãos, resguardem os princípios de liberdade, fraternidade e igualdade,

pois a solidez e estabilidade de uma democracia se constroem com os hábitos

de seu povo.

63 RUI, Barbosa. Oração aos moços. RJ: Editora Tecnoprint S.A., 1980. p. 55. 64 Art. 7º, XX, CF.

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REFERÊNCIAS

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