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III Semana de Ciência Política
Universidade Federal de São Carlos
27 a 29 de abril de 2015
A COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE E O AVANÇO DOS
DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
Bruna Ferrari Pereira1
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo fazer um estudo de caso sobre a Comissão Nacional da
Verdade no Brasil, instituída em maio de 2012 pela Presidenta Dilma Roussef, através de uma
análise documental do relatório final publicado pelos membros desta Comissão em dezembro
de 2014, bem como dos depoimentos prestados em audiências públicas promovidas pela
Comissão Nacional da Verdade ao longo de seus dois anos de trabalho, com vistas a observar a
maneira como a CNV, colabora para o avanço da Justiça de Transição no Brasil, bem como dos
Direitos Humanos, no período pós-redemocratização.
PALAVRAS - CHAVE: Comissão Nacional da Verdade; Justiça de Transição; Ditadura
Militar no Brasil; Direitos Humanos.
INTRODUÇÃO
Em Maio de 2012, a Presidenta Dilma Roussef instaurou a Comissão Nacional da
Verdade, criada pela Lei 12528/2011, a CNV é formada por um grupo de sete integrantes além
dos pesquisadores colaboradores, e tem como objetivo esclarecer as graves violações de direitos
humanos praticadas entre setembro de 1946 e outubro 1988. Em dezembro de 2013, pela medida
provisória nº 632, o mandato da CNV foi prorrogado até dezembro de 2014, quando deverá ser
entregue o relatório final oficial. Entre os objetivos estabelecidos na lei que cria a Comissão
está a identificação e publicização das estruturas, locais, instituições e circunstâncias onde
ocorreram as violações de direitos humanos, incluindo os diversos aparelhos estatais envolvidos
1 Bruna Ferrari Pereira, UFSCAR – Mestranda em Ciência Política – email: [email protected]
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e setores da sociedade civil. O foco inicial da Comissão, será os desaparecimentos políticos e
eventos da ditadura civil- militar (1964-1985).
Conforme estabelecido por lei, a CNV tem o poder de convocar vítimas ou acusados de
violações dos direitos humanos, além de possuir livre acesso a todos os arquivos do poder
público sobre o período, desde documentos que compõem o acervo do Arquivo Nacional,
registros do extinto Sistema Nacional de Informação (SNI), dos ministérios da Justiça e das
Relações Exteriores,da Polícia Federal, entre outros órgãos. Além disso, a CNV também
solicitou documentos ao governo dos Estados Unidos, para consulta sobre o período no Brasil,
compostos por memorandos, relatórios e telegramas que datam entre 1967 e 1977 produzidos
por diplomatas que viviam no país.
No caso do acesso ao acervo documental, o Brasil continua a buscar os documentos das
Forças Aramadas Brasileiras, porém, os três setores das Forças Armadas afirmam que estes
documentos desapareceram ou foram incinerados, e que eles não tem o que apresentar à CNV.
Em resposta a este contexto, é importante ressaltar que a CNV tem estabelecido importantes
diálogos, no sentido de solicitar aos setores das Forças Aramadas que auxiliem a CNV na
análise e revisão dos milhões de documentos disponibilizados pelo Arquivo Nacional sobre o
período da ditadura civil-militar.
Apesar destes importantes poderes e funções, a Comissão Nacional da Verdade não terá
o poder de punir ou recomendar que acusados de violar direitos humanos sejam punidos, pois
além de seu caráter não ser “judiciário”, a Lei da Anistia (Lei n° 6.683/79), não permite o
julgamento de crimes considerados políticos, e eleitorais praticados por servidores dos poderes
Legislativo, Judiciário e por Militares no período de 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de
1979.
As Comissões da Verdade são mecanismos oficiais de apuração das violações dos direitos
humanos, que buscam esclarecer e elucidar acontecimentos com vítimas e familiares de crimes
cometidos em determinado momento histórico. Essas Comissões trabalham temporariamente,
para revelar arquivos desconhecidos sobre as diversas formas de violência praticadas no
passado. Seu objetivo final, é a produção de um relatório que torne público à sociedade as
violações de direitos humanos, bem como elaborar propostas e recomendações que possam
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fortalecer a segurança pública e os direitos democráticos evitando a repetição destas violações.
Neste sentido, observamos que, mesmo optando por um modelo de justiça da transição
que se afaste do processo penal aos violadores dos direitos humanos, após a redemocratização
do Estado brasileiro e a Constituição de 1988, o Estado brasileiro tem adotado medidas
concretas que vem ao encontro dos objetivos da Justiça de Transição, ao reconhecer os danos
às vítimas, fortalecer o compromisso do Estado com os direitos fundamentais, prestar contas
sobre as atrocidades praticadas, e garantir a reforma institucional e o avanço da democracia.
Desta forma, pretendemos analisar como o trabalho da Comissão Nacional da Verdade
tem colaborado para o avanço dos princípios e enfoques estabelecidos pela Justiça de Transição,
a qual trata-se de um conjunto de mecanismos judiciais ou não que lidam com práticas violentas
ocorridas no passado, para atribuir responsabilidades, e exigir o direito à memória e à verdade,
como forma de garantir a não repetição destas atrocidades, conforme ficou estabelecido no
documento produzido pelo Conselho de Segurança da ONU, de 2004.
A COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE NO BRASIL E
A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO
A Justiça de Transição é definida como “uma concepção de justiça associada com
períodos de mudança política, caracterizada pela resposta legal na confrontação das
irregularidades dos regimes repressores anteriores” (TEITEL, 2003). O conceito “justiça de
transição” passou a ser utilizado principalmente após as duas grandes guerras mundiais do
século XX, além de outras experiências de graves violações de direitos humanos, em diversos
países, e se consolidou no final dos anos 80 e início dos anos 90. No geral, estas experiências
se relacionam à queda de regimes autoritários, e ditaduras militares, como é o caso do Brasil.
O termo, cunhado por Ruti Teitel, busca trazer reflexões a cerca de qual o papel exercido
pela Justiça em contextos de transição, buscando especialmente dar voz às vítimas que sofreram
violações de direitos humanos. Trata-se de uma forma de enfrentar o legado de violência em
massa do passado, atribuindo responsabilidades, e exigindo a efetividade do direito à memória
e à verdade, como forma de garantir que as atrocidades cometidas no passado não voltem a se
repetir.
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Ao falarmos em transição, tomamos com referência a passagem de um regime político
(no qual houve graves violações dos direitos humanos) para outro onde haja a consolidação de
valores democráticos, o reconhecimento das vítimas, e o comprometimento do Estado com os
direitos fundamentais.
Assim, a Justiça de Transição, possui sua perspectiva centrada em dois aspectos
essenciais: primeiramente a vítima conforme supracitado, com a preocupação de dar voz a esta,
e lhe ressarcir os danos causados em consequências da repressão política ou da violência de
conflitos armados e a segunda, nos direitos humanos internacionais, observando de que forma
os Estados podem garantir medidas concretas para que os atos de violação dos direitos humanos
sejam de fato apurados e não voltem a se repetir. (BICKFORD,2004).
Conforme a definição da Organização das Nações Unidas (ONU), a Justiça de Transição
compreende “o conjunto de processos e mecanismos associados às tentativas da sociedade em
chegar a um acordo quanto ao legado de abusos cometidos no passado, a fim de assegurar que
os responsáveis prestem contas de seus atos, que seja feita a justiça e se conquiste a
reconciliação” (ONU, 2009). Neste sentido, através de diversos tratados sobre direitos humanos,
no contexto da ONU, foram estabelecidas diversas obrigações legais aos Estados que os
ratificam, são elas: a) adotar medidas razoáveis para prevenir violações de direitos humanos; b)
oferecer mecanismos e instrumentos que permitam a elucidação de situações de violência; c)
dispor de um aparato legal que possibilite a responsabilização dos agentes que tenham praticado
as violações; e d) garantir a reparação das vítimas, por meio de ações que visem a reparação
material e simbólica (Conforme sistematização da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
em 1988)
O Centro Internacional de Justiça de Transição (ICTJ sigla em inglês) aponta que dentre
os enfoques da Justiça de Transição podem ser tomadas as seguintes medidas: ações penais;
comissões de verdade; programas de reparação; justiça de gênero; reforma institucional;
iniciativas de comemoração. Além desta, outras ações podem ser tomadas, pois conforme
apontado anteriormente cada país possui um modo próprio de lidar com o passado violento e
avançar no processo de justiça e de efetividade dos direitos à memória e à verdade.
Ainda sobre o termo e papel jurídico da Justiça de Transição, Daniela Vasconcelos, traz
importante contribuição:
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No relatório sobre o tema emitido pelo secretário-geral das Nações Unidas, em
2004, intitulado “O Estado de Direito e a Justiça de Transição em sociedades em
conflito e pós-conflitos”, a organização chama a atenção da comunidade
internacional para a importância de uma abordagem integrada e complementar no
âmbito da justiça de transição com o intuito de garantir a justiça, a paz e a
democracia nessas sociedades. O documento destaca a centralidade da promoção da
Justiça de Transição e do restabelecimento do Estado de Direito, identificado com a
prevalência do Império da Lei, da igualdade jurídica, da separação de poderes, dentre
outros aspectos, para a consolidação da paz em situações pós-conflitos. Também
assinala a necessária complementaridade entre os instrumentos de justiça de
transição de caráter judicial (os tribunais nacionais, internacionais ou mistos) ou
extrajudicial (as comissões da verdade) e os programas de reparação, assim como a
reflexão coletiva acerca do significado da justiça de transição naquele contexto.
(VASCONCELOS, 2013)
Assim, ao se pensar a ótica da necessidade de reparação das vítimas, a justiça de transição
não possui uma forma única, mas diferentes desenhos de acordo com o local e momento
histórico em que se aplica. Assim, cada sociedade, encontra um modo para lidar com o legado
de violência do passado e acionar mecanismos que garantam a efetividade do direito à memória
e à verdade (MACHADO, 2011). Este modo, pode ser: criminal, reparativo, histórico ou
constitucional. Apesar dos diferentes aspectos que assume, a justiça de transição está sempre
relacionada às medidas em relação à prestação de contas das atrocidades praticadas
(accountability), além de buscar garantir estabilidade, à reforma institucional e à
democratização.
No caso dos regimes ditatoriais a principal saída encontrada, trata-se da justiça criminal,
como é o caso da Argentina pro exemplo, em que diversos generais foram condenados à prisão
perpétua e inabilitação absoluta por cometerem crimes contra a humanidade, dentre eles
podemos citar os ex-Generais argentinos Antonio Bussi e Luciano Menéndez, os quais
cometeram violações de direitos humanos na província de Tucumán entre 1976 e 1983. No caso
do Chile, cinco militares chilenos, dentre eles o ex-subsecretário de Relações Exteriores
Humberto Julio Reyes, foram condenados pela Suprema Corte pelo desaparecimento de nove
pessoas durante a ditadura militar chilena da cidade de Linares a diferentes penas, porém estas
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estão sendo cumpridas em regime de liberdade condicional.
Ao analisarmos o “fio da verdade”, conforme aponta Glenda Mezarobba, podemos
observar que desde a redemocratização, o Estado brasileiro optou por cumprir com as
obrigações da Justiça de Transição ainda que desafios sobre como cumprir as suas obrigações e
quais as melhores estratégias tenham se colocado ao longo deste tempo.
Conforme supracitado, o Estado brasileiro optou por um modelo de justiça de transição
que se afasta do processo penal e do enfoque punitivo dos autores das atrocidades. A Lei de
Anistia brasileira (Lei n° 6.683/79) em seu Artigo 1°. estabelece que:
“Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de
setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes,
crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da
Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos
Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais,
punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares”
Desta forma, a Lei da Anistia, dificulta a responsabilização criminal dos violadores de
direitos humanos no período da ditadura civil-militar, de forma que não ocorreu no país até os
dias atuais o julgamento penal de agentes do Estado autores de torturas, homicídios, sequestros,
desaparecimentos forçados e outros crimes contra a humanidade. A responsabilização penal pela
violação de direitos humanos é essencial para atenuar o sentimento de impunidade contra estes
atos, e pode contribuir de forma significativa com a consolidação da democracia e a cultura de
valorização aos direitos humanos.
Conforme afirma a Advocacia Geral da União (AGU), a Constituição Federal de 1988,
interdita a Lei da Anistia de 1979. Mas pelo fato da Constituição ser posterior à esta Lei, ela não
pode valer para os crimes cometidos anteriormente à sua promulgação, já que pelo princípio
constitucional a Lei Penal possui irretroatividade.
Apesar destes aspectos legais, nota-se que ao longo destes 29 anos de redemocratização,
o Brasil efetuou importantes avanços na busca da verdade, memória e justiça com relação ás
atrocidades cometidas na ditadura civil-militar. Ao fazermos um resgate histórico deste caminho
percorrdio pelo Brasil, podemos citar importantes e diversas atuações administrativas e
legislativas, desde a década de 90, em relação à Justiça de Transição. Dentre estas atuações,
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podemos citar:
A abertura de vários arquivos do período; a atuação da Comissão Especial de Mortos
Desaparecidos (Lei 9.140/95), a qual possui importante acervo sobre vítimas e atrocidades
sofridas; o trabalho da Comissão de Anistia, no âmbito do Ministério da Justiça (Lei 10.559/02);
a publicação do livro Direito à Memória e à Verdade, lançado pela Secretaria Especial de
Direitos Humanos da Presidência da República em 2007; a criação em 2009, do Centro de
Referência das Lutas Políticas no Brasil, denominado Memórias Reveladas, institucionalizado
pela Casa Civil da Presidência da República e implantado no Arquivo Nacional; a instituição,
por Decreto Presidencial, do 3º Programa Nacional de Direito Humanos – PNDH (Instituído
pelo Decreto Presidencial nº 7.037/09. Além do objeto desta pesquisa que trata-se da Comissão
Nacional da Verdade, instituída pela Lei 12528/2011 e promulgada pela Presidenta Dilma
Roussef em maio de 2012.
Em seu discurso na Cerimônia que instaurou a Comissão da Verdade, a Presidenta deixou
claro que esta Comissão não é movida pelo “ódio” ou “revanchismo”, mas a necessidade de
conhecer a História tal como ela é, sem “camuflagem”, “veto” ou “proibição”. Conforme a Lei
que estabelece a Comissão Nacional da Verdade, consta como seus objetivos: “Art. 3º São
objetivos da Comissão Nacional da Verdade: I - esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos
de graves violações de direitos humanos mencionados no caput do art. 1º; II - promover o
esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados,
ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior; III - identificar e tornar
públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática
de violações de direitos humanos mencionadas no caput do art. 1º e suas eventuais ramificações
nos diversos aparelhos estatais e na sociedade; IV - encaminhar aos órgãos públicos
competentes toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar na localização e identificação
de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos, nos termos do art. 1º da Lei nº 9.140, de
4 de dezembro de 1995; V - colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração
de violação de direitos humanos; VI - recomendar a adoção de medidas e políticas públicas
para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva
reconciliação nacional; e VII - promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da
história dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja
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prestada assistência às vítimas de tais violações.” (Lei 12528/2011).
A CNV nasce de uma forte pressão social, principalmente de setores mais atingidos
pela violação de direitos humanos, efetuada por agentes do Estado brasileiro durante a
repressão da ditadura civil-militar, como: familiares de mortos, torturados e desaparecidos, as
próprias vítimas de tortura, membros da comunidade acadêmica, políticos do período, músicos,
artistas, ativistas de movimentos sociais da época, entre outros.
Mas, de outro lado, existem também os setores mais conservadores da sociedade civil,
que se colocam contra a instituição da CNV, os quais já se posicionaram publicamente como
desfavoráveis à instalação da Comissão Nacional da Verdade, argumentando que esta busca
apurar apenas um lado da verdade qual seja o dos setores mobilizados e reprimidos da sociedade
civil e não o lado dos militares.
Porém, a despeito destas críticas, nota-se que ao longo do período pós-redemocratização
o Brasil tem avançado em direção à apuração da memória, verdade e justiça dos crimes
cometidos contra os direitos humanos, e este caminho hoje passa pelos importantes trabalhos
da Comissão Nacional da Verdade, a qual ao divulgar informações até então imprecisas, ao
descobrir a verdade sobre as mortes, torturas e desaparecimentos cometidas na época da ditadura
civil-militar, se destaca como uma importante conquista no processo de formação da
consciência crítica em torno da aspiração de um regime político realmente democrático.
Assim, buscaremos nesta pesquisa analisar de que forma os trabalhos da Comissão
Nacional da Verdade tem de fato colaborado para o avanço dos passos do país em cumprir as
obrigações estabelecidas pela Organização das Nações Unidas, ao tratar da Justiça de Transição.
Para tanto, analisaremos a ação dos atores políticos envolvidos no trabalho da CNV, bem como
suas trocas de interesses com setores articulados das Forças Armadas.
OBJETIVOS
Objetivos Gerais
O objetivo desta pesquisa é fazer um estudo de caso sobre os trabalhos da Comissão
Nacional da Verdade no Brasil, instituída em maio de 2012, e com término em dezembro de
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2014. Buscaremos observar o papel que esta Comissão Nacional da Verdade estabelece no
cumprimento das premissas da Justiça de Transição no país.
Objetivos específicos
Como objetivos específicos estabelecemos para esta pesquisa:
1. Desenvolver uma pesquisa bibliográfica sobre o tema da Justiça de Transição no
Brasil, e a forma como ela se apresenta no Direito Constitucional brasileiro, com vistas a
angariar aportes teóricos para a análise documental do relatório publicado pela Comissão
Nacional da Verdade.
2. Realizar pesquisa documental sobre os casos de mortes, torturas e
desaparecimentos publicados pela Comissão Nacional da Verdade, que fazem parte das
pesquisas do subgrupo de trabalho intitulado “Violações aos Direitos Humanos”.
3. Analisar, os depoimentos de acusados de cometer graves violações dos Direitos
Humanos, bem como das vítimas que sofreram estas violações, chamados à depor, em
audiências públicas da Comissão Nacional da Verdade, e que em sua maioria, negam as
acusações.
4. Fazer uma análise documental de forma ampla sobre o relatório final da Comissão
Nacional da Verdade, e estabelecer os parâmetros e medidas em que ele de fato colabora
para o avanço da Justiça de Transição no país.
METODOLOGIA
Através de um viés qualitativo, faremos nesta pesquisa um estudo de caso sobre os
trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, tomando como principal enfoque os relatórios
parciais do subgrupo de trabalho “ Violações dos Direitos Humanos”, os depoimentos dos
agentes das Forças Armadas acusados de violações dos Direitos Humanos, bem como o relatório
final da Comissão Nacional da Verdade a ser publicado em dezembro de 2014.
Neste sentido, optamos por analisar em específico os avanços, pesquisas e publicações
do Grupo de Trabalho da Comissão Nacional da Verdade chamado “Violações dos Direitos
Humanos”, o qual tem como enfoque a análise dos casos de mortos e desaparecidos políticos
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mo período da Ditadura Civil-Militar. Neste grupo, trabalham os membros da Comissão
Nacional da Verdade José Carlos Dias e Rosa Cardoso, com apoio dos pesquisadores: André
Vilaron, Daniel Lerner, Vivien Ishaq, Glenda Mezarobba, Roberto CesarJúnior, San Romanelli
Assumpção e William Laureano.
Ao partir do pressuposto de que já existem disponíveis milhões de documentos sobre
período, este subgrupo da CNV, se propôs a utilizar técnicas computacionais para explorar
grandes conjuntos de dados digitais, buscando informações que contribuam para a elucidação
das graves violações de direitos humanos. Além de colher depoimentos de vítimas e
torturadores, e analisar diversos outros documentos disponibilizados pelo Arquivo Nacional.
Assim, procuraremos delimitar nossa pesquisa na análise deste subgrupo de pesquisa da
Comissão Nacional da Verdade, tendo como preocupação, analisar as contribuições que ele
trouxe aos conteúdos publicados pela Comissão Nacional da Verdade, bem como a maneira
como este conteúdo colabora para o avanço da Justiça de Transição no país.
Acreditamos que ao tomar a Comissão Nacional da Verdade como objeto, a metodologia
do estudo de caso, torna-se a mais adequada, conforme explicação abaixo:
“Tendo em conta as posições dos autores apresentados, o estudo de
caso como modalidade de pesquisa é entendido como uma
metodologia ou como a escolha de um objeto de estudo definido pelo
interesse em casos individuais. Visa à investigação de um caso
específico, bem delimitado, contextualizado em tempo e lugar para que
se possa realizar uma busca circunstanciada de informações.
(VENTURA, 2007.)”
Como sabemos, os estudos de caso têm várias aplicações, mas aqui procuraremos
abordar o estudo de um aspecto do problema em profundidade, qual seja, o lugar que a
Comissão Nacional da Verdade ocupa no contexto de Justiça da Transição no país, dentro de
um período de tempo limitado que são os dois anos de trabalho da Comissão.
O delineamento do estudo de caso como metodologia de investigação possui a definição
de quatro fases relacionadas: delimitação da unidade-caso; coleta de dados; seleção, análise e
interpretação dos dados e elaboração do relatório do caso. (VENTURA,2007). Procuraremos
nesta pesquisa passar cuidadosamente por todas estas etapas, até o momento da escrita da
Dissertação.
A pesquisa documental pode ser realizada através de várias fontes, desde cartas,
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fotografias, atas, relatórios, documentos informativos arquivados em repartições públicas,
projetos de lei, até obras originais de qualquer natureza – pintura, escultura, desenho, etc) bem
como depoimentos orais e escritos.
Neste sentido, a realização da pesquisa visa ser dividida em duas grandes etapas:
primeiramente a análise teórica, seguida da análise documental, de forma que os resultados da
primeira fase irão fornecer as ferramentas e aportes teóricos necessários para a realização da
segunda. Para a análise teórica, foram utilizaremos livros e artigos científicos das áreas de
Direitos Humanos, Ciência Política e Direito Constitucional ao falarmos em Justiça de
Transição. Já na análise documental, serão utilizados os conhecimentos adquiridos na primeira
etapa, como aporte para a análise dos relatórios parciais da Comissão Nacional da Verdade, os
depoimentos de vítimas e militares que estiveram presentes em situações de violação dos
direitos humanos, bem como entrevistas e matérias de revista e jornal que tratam dos trabalhos
da CNV.
Assim, a esta pesquisa busca utilizar a análise documental de forma ampla, cruzando os
dados do relatório com os dos depoimentos prestados em audiências públicas promovidas pela
CNV, numa triangulação com a análise midiática, e a teórica realizada na primeira etapa. Mas
teremos como principal acervo utilizado, o relatório final oficial lançado pela Comissão
Nacional da Verdade, que através do trabalho de uma grande equipe, bem como da colaboração
das Comissões estaduais e locais, nos permite vislumbrar um importante retrato das graves
violações de direitos humanos que ocorreram no período da Ditadura Militar no Brasil.
O tratamento metodológico das fontes analisadas, também trata-se de um importante
elemento no processo de pesquisa. Assim, partimos do pressuposto de que os processos de
associação, cruzamento e relacionamento das fontes, são fundamentais para que o problema da
pesquisa possa trazer respostas confiáveis cientificamente e verídicas.
O ponto de partida não trata-se então da simples pesquisa de um documento, mas a
colocação do questionamento – o problema da pesquisa. Ou seja, qual a real contribuição da
CNV, para o avanço da Justiça de Transição no Brasil pós-ditadura, e consequentemente o
avanço dos Direitos Humanos no país?
No processo de encontrar a resposta à esta pergunta central do trabalho, o cruzamento
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e confronto das fontes analisadas, torna-se atividade indispensável ao processo de investigação,
ao possibilitar uma análise não apenas literal das informações, mas uma compreensão real e
contextualizada pelo cruzamento entre fontes que se complementam, em termos explicativos.
Analisaremos portanto, através de uma pesquisa documental, os relatórios parciais e
documentos divulgados pela Comissão Nacional da Verdade, os depoimentos de militares e
vítimas das violações aos direitos humanos em audiências públicas, bem como as publicações
acadêmicas e midiáticas referentes à ação desta Comissão no seu período de trabalho, com vistas
a esclarecer os avanços e limites impostos às Comissões, e a maneira como estes foram
permeados por acordos entre políticos e militares através dos jogos de interesse.
JUSTIFICATIVA
Após a condenação do Brasil pela OEA (Organização dos Estados Americanos) pelo fato
do país não punir os crimes cometidos por militares na repressão à Guerrilha do Araguaia (1966-
1974), o projeto de Lei da Comissão Nacional da Verdade, recebeu críticas por ter sido votado
às pressas no Congresso (com urgência urgentíssima) o que teria impedido que sua instituição
fosse melhor pensada e debatida entre os deputados e senadores brasileiros.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) da Organização dos Estados
Americanos (OEA) condenou o Brasil por sua responsabilidade pelos desaparecimentos de 62
pessoas, ocorridos entre 1972 e 1974, na região do Araguaia em Tocantins. Na época, a chamada
Guerrilha do Araguaia, foi duramente reprimida pelo Exército brasileiro.
Na sentença da Corte IDH, ficou determinado que o Estado brasileiro deveria investigar
penalmente os fatos por meio da Justiça ordinária, já que, segundo a corte, “as disposições da
Lei de Anistia que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos
são incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos”. Desta forma,
no entendimento da Corte IDH, a Lei de Anistia não representaria um obstáculo para a
identificação e punição dos responsáveis.
Outro importante posicionamento da Corte IDH foi que:
“O Brasil também é responsável “pela violação do direito à integridade
pessoal de determinados familiares das vítimas, entre outras razões, em
razão do sofrimento ocasionado pela falta de investigações efetivas para
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o esclarecimento dos fatos”. Para completar, o órgão conclui, igualmente,
que o país é responsável pela violação do direito à informação
estabelecido na Convenção Americana, devido à “negativa de dar acesso
aos arquivos em poder do Estado com informação sobre esses fatos”. Por
outro lado, reconheceu as iniciativas e medidas de reparação que vêm
sendo adotadas. (Notícia, Brasil de Fato, 2010).”
Este posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, vem ao encontro dos
resultados apontados pela pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) a qual
constatou que 74% dos brasileiros entrevistados desconhecem a Lei de Anistia. Esse dado faz
parte da terceira edição da pesquisa Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS), a
qual avaliou a relação dos militares com a sociedade e entrevistou 3.796 pessoas. ( SILVA
FILHO,2012)
A partir deste contexto, de condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos, bem como pelo alto grau de desconhecimento da sociedade civil brasileira, sobre seu
passado autoritário e as medidas do Governo tomadas com relação a isso, se faz de extrema
importância um estudo sobre o real papel da Comissão Nacional da Verdade, a forma como ela
tem colaborado para o avanço dos Direitos Humanos e da Justiça de Transição no país.
Assim, notamos que a CNV nasceu com importante papel de efetivação de direitos
humanos, mas conforme afirma Glenda Mezarobba, no Seminário “50 anos do Golpe -1964”
promovido pela UNIVESP em São Paulo, ela também busca dar continuidade a todo o trabalho
feito pelo Estado brasileiro, em relação à memória, verdade e justiça, em especial, o mais atual
deles antes da formação da Comissão Nacional da Verdade, o livro “Direito à Memória e à
Verdade”, lançado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República
em 2007.
A Comissão da Verdade, torna-se assim o principal instrumento atualmente da justiça
transicional brasileira, a qual busca garantir definitivamente o direito à memória e à verdade
no Brasil sobre as violações de direitos humanos ocorridas durante a vigência da Ditadura Civil-
Militar, eliminando as lacunas existentes entre as diversas e muitas vezes falsas versões sobre
os episódios violentos ocorridos naquele período.
No entanto, sabemos que a Comissão Nacional da Verdade, e os demais mecanismos de
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justiça transicional, por si só, não tem o poder de acabar com o autoritarismo, e diversas
práticas de tortura e violações dos Direitos Humanos praticadas diariamente por agentes do
Estado, nas ruas e sistemas prisionais espalhados pelo país.
“A sobrevivência destas violações em muitos países, mesmo após
o fim de regimes autoritários, são práticas alimentadas pelo sistema político
ideológico atual, de práticas de regimes anteriores que permanecem e se
refletem no comportamento da polícia, das autoridades e funcionários do
Executivo, que se “viciaram” nas práticas da tortura e do autoritarismo. As
violações permanecem mesmo em estados democráticos, pois se constituem
como tentativas de criar, aumentar ou manter privilégios trazidos pela
concentração de poder. (SILVA FILHO, 2012).”
Assim, como é dito no importante livro intitulado “Direito à Memória e à Verdade”
publicado em 2010, pela Secretaria de Direitos Humanos do Brasil, em um balanço sobre as
atrocidades cometidas durante a Ditadura Civil-Militar, é importante que nos lembremos de
tudo o que houve no período da Ditadura, para que jamais esqueçamos, e para que não se repita.
Neste sentido, a memória histórica de um povo, é característica essencial para seu
desenvolvimento e aprofundamento de sua justiça e democracia. E é neste sentido, que o estudo,
análise e pesquisa sobre este importante instrumento de defesa dos Direitos Humanos que é a
Comissão Nacional da Verdade, e apuração real dos fatos, se faz necessário, colaborando com
o debate amplo e público sobre o tema, promovendo a conscientização e articulação da
sociedade civil brasileira em torno de ações concretas e efetivas no sentido do aprofundamento
da democracia e avanço dos Direitos Humanos.
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