· narrativa en novela y cine de la dictadura argentina ... sumÁrio memórias da ditadura chilena...

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  • Planejamento Grfico e Diagramao | Janiclei MendonaImagem da capa | Grilhes (Chains)Fotografia | hlobo (Hamilton Lobo)

    Este e-book uma parceria de pesquisa entre o CIAC, o CIC e o HACIAC- Centro de investigao em Artes e Comunicao (UAlg e UAb, Portugal) GP CIC- Grupo de Pesquisa Comunicao, Imagem e Contemporaneidade - Universidade Tuiuti do ParanGP HA - Grupo de Pesquisa Histria e Audiovisual - Universidade de So Paulo

    Comisso Cientfica: Ana Soares - CIACBruno Silva - CIACCassio dos Santos Tomain - HADenize Correa Araujo - CIC Eduardo Victorio Morettin - HAFabio Raddi Ucha - CICFernando Andacht - CICJorge Carrega - CIACJos Bidarra - CIACMargarida Maria Adamatti - HAMariarosaria Fabris - HAMirian Tavares - CIACVitor Reia-Baptista - CIAC

    ISBN: 978-989-8859-01-3;[Ttulo: Ditaduras Revisitadas: Cartografias, Memrias e Rep-resentaes Audiovisuais]; [Editores: Denize Correa Araujo, Eduardo Victorio Morettin, Vitor Reia-Baptista]; [Editor(es): ]; [Suporte: Eletrnico]; [Formato: PDF / PDF/A]. Faro, Portugal: CIAC/Universidade do Algarve. 1 edio. dezembro 2016

  • Prefcio

  • Nos ltimos anos, os eventos que tiveram por objetivo rememorar os golpes militares ocorridos em 1973 no Chile e em 1964 no Brasil provoca-ram uma srie de seminrios e atividades acadmicas em torno das heranas deixadas pelos regimes autoritrios que ento se instalaram no poder. Recen-temente tambm foram celebrados os quarenta anos da chamada Revoluo dos Cravos, que ps fim em 1974 ditadura salazarista. Muitos filmes revi-sitaram esses momentos, retrabalhando leituras, memrias e representaes. Para alm das efemrides, a reflexo em torno destes perodos histricos e, de forma mais ampla, dos regimes ditatoriais, se mostra atual no apenas pelos desdobramentos, mas pelo sentimento, ao menos no Brasil, que o passado est sendo revisitado, como tragdia, pelo presente.

    Se do ponto de vista histrico a reflexo se justifica, a produo audio-visual, que criou formas de resistncia represso generalizada, representou as ditaduras e interviu no processo de rememorao do passado, o cerne da investigao proposta pela obra Ditaduras revisitadas: cartografias, memrias e representaes audiovisuais, editada por Denize Correa Araujo (Universida-de Tuiuti do Paran - UTP), Eduardo Morettin (Universidade de So Paulo - USP) e Vitor Reia-Baptista (Universidade do Algarve -UAlg).

    O livro fruto das atividades dos seguintes grupos de pesquisa: Centro de Investigao em Artes e Comunicao (CIAC) da Universidade do Algarve e Universidade Aberta de Lisboa, dirigido por Vitor Reia-Baptista; Comuni-cao, Imagem e Contemporaneidade (CIC), registrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) e coordenado por De-

    PREFCIO

  • nize Araujo; e Histria e Audiovisual: circularidades e formas de comunicao, tambm registrado no CNPq e liderado pelos profs. Drs. Marcos Napolitano (USP) e Eduardo Morettin (USP).

    Ditaduras revisitadas est dividido em trs partes: Representaes e leituras, Cartografias e lugares de memria, Resistncias e enfrentamentos. Conceitos como memria, histria e subjetividades, dentre outros, perpassam a discusso terica empreendida pelos autores nacionais e estrangeiros, em um movimento que mobiliza diferentes meios, como cinema, televiso, imprensa, fotografia, sites, e similares. A primeira parte analisa a produo audiovisual que se ocupou das ditaduras como tema, produzindo leituras as mais diversas sobre o passado a partir de sua (re)encenao.

    No primeiro captulo, Denize Correa Araujo e Vitor Reia-Baptista examinam os filmes Hoje, de Tata Amaral (2011), Cerromaior, de Lus Fili-pe Rocha (1980) e Repare Bem, de Maria de Medeiros (2012), enfatizando as convergncias na representao das ditaduras brasileira e portuguesa. Priscila Perazzo e Roberto Santos analisam O ano em que meus pais saram de frias (2006), Kamchatka (2002), Infncia clandestina (2011) e Machuca (2004), valo-rizando em seu texto o ponto de vista dos meninos protagonistas que evocam suas memrias das ditaduras militares nos anos 1970. Na sequncia, Juliano Arajo discute a representao flmica que o documentrio De volta terra boa (2008), de Mari Corra e Vincent Carelli, constri sobre o perodo ditato-rial brasileiro. J Pedro Lapera e Rafaella Bettamio se ocupam de Quase Dois Irmos (2005), de Lcia Murat, Hrcules 56 (2006), de Slvio Da-Rin, e Em busca de Iara (2014), de Flvio Frederico e Mariana Pamplona, a fim de pen-sar a memria coletiva sobre a represso interpelada por essas obras. Ximena Triquell faz um panorama do cinema argentino produzido entre 1984 e 2014 que representou a ditadura militar naquele pas, refletindo sobre a sua produ-o, circulao e recepo. O captulo 6, de autoria de Raquel Schefer, discorre sobre o mesmo tema e corpus, valorizando em sua escrita o chamado cinema militante, auto-referencial e analtico. David Foster, no captulo seguinte, en-vereda pelo mesmo campo, articulando em seu trabalho os universos literrio e flmico.

  • O contexto estudado por Fernando Andacht o da ditadura uruguaia, a partir do documentrio El Crculo (2009), de Jos Pedro Charlo e Aldo Ga-ray. A representao cinematogrfica da ditadura militar instituda no Chile por Augusto Pinochet em 1973 o tema dos artigos de Vincius Barreto, que tem por objeto filmes de Pablo Larran, como Tony Manero (Tony Manero, 2008), Post mortem (Post Mortem, 2010) e No (No, 2012), e de Jlio Lobo, que aborda esta questo por intermdio de A cor do seu destino (1986), de Jorge Duran. O fascismo italiano nos trazido por Cid Vasconcelos em seu estudo sobre La Lunga Notte del 43 (A Noite do Massacre, 1960), de Florestano Van-cini, enquanto que a ditadura franquista abordada por Monica Martinez e Paulo Celso da Silva por meio da anlise de Pa Negre (2010), filme do diretor Agust Villaronga. Para encerrar esta parte, dois captulos dedicados representao ci-nematogrfica do regime ditatorial de Idi Amin Dada em Uganda entre 1971 e 1979: Bruno Guimares, Camila Cesar e Marcelo Kanter examinam essa ques-to em O ltimo Rei da Esccia (2006), do diretor Kevin MacDonald; Wagner Pereira realiza um estudo das representaes histricas atravs de General Idi Amin Dada: Um Autorretrato (1974), de Barbet Schroeder. A segunda parte, Cartografias e lugares de memria, trata de maneira mais especfica do espao que a produo audiovisual ocupa nas tentativas de monumentalizao do passado, movimento que nos leva discusso do conceito de lugar de memria tal como cunhado pelo historiador francs Pierre Nora.

    O primeiro texto deste bloco temtico foi escrito por Mauricio Lisso-vsky e Ana Aguiar e procura entender as razes que levaram ao fracasso as iniciativas dedicadas construo de museus e memoriais dedicados s vtimas do regime militar brasileiro. No captulo 16, Allysson Martins e Ana Migowski apresentam dois mapas colaborativos digitais, tomados como prticas memo-riais coletivas com o objetivo de pensar as cartografias potencializadas pelos meios digitais de comunicao marcadas pela ideia de resistncia. J Andr Dias e Marco Roxo examinam a produo discursiva e simblica relacionada cam-panha Vladimir Herzog 40 anos: de jornalista a cone da democracia, protago-nizada pelo Instituto Vladimir Herzog, em outubro de 2015.

  • Rodrigo Lacerda se preocupa com as representaes visuais produzi-das pela imprensa e televiso do funeral de Salazar. Mais recuado no tempo, o cinema de propaganda de Leni Riefensthal, Sergei Eisenstein e Lopes Ribeiro visto em perspectiva por Srgio Bordalo e S, valorizando-se o modo de fil-mar e os seus contedos visuais e ideolgicos. O contexto latino-americano retomado por Maria Leticia Ferreira e Francisca Michelon a partir das sries Ausencias e Distancias do fotgrafo argentino Gustavo Germano.

    Graa Corra inicia um estudo sobre um dos eixos desta parte, o das paisagens construdas pelo audiovisual. Em seu caso, isso realizado por meio da anlise de trs filmes, a saber: O Testamento do Dr. Mabuse (1933), de Fritz Lang, A Espinha do Diabo (2001), de Guillermo del Toro, e A Festa do Bode (2005), de Luis Llosa. Ana Catarina Pereira revisita o assunto a partir da anlise de O fato completo ou procura de Alberto (2002), de Ins de Medeiros, tema que incontornvel quando nos deparamos com a obra de Patricio Guzmn, que Irene Chauvin destaca a partir dos documentrios Nostalgia de la luz (2010) e El botn de ncar (2015). Por fim, a persistncia da memria do golpe de setembro de 1973 no Chile norteia a reflexo de Annateresa Fabris e Mariarosaria Fabris em torno do dilogo entre meios audiovisuais e trabalhos artsticos.

    A terceira parte, intitulada Resistncias e enfrentamentos, dedicada produo audiovisual que recupera projetos realizados durante os perodos autoritrios e pensados abertamente como armas de combate. O ltimo seg-mento do livro aberto com o estudo de Mikela Fotiou sobre o cineasta gre-go Nikos Nikolaidis e seu filme Euridice BA 2037 (1975), realizado durante o perodo em que o pas foi governado por uma Junta Militar e exibido apenas aps a queda do governo. O captulo 26, escrito por Ricardo Seia, pensa o seu documentrio Estado de Excepo (2007) como expresso e ferramenta me-todolgica de uma etnografia a um grupo de teatro que janela aberta para o mundo, entre a experimentao teatral e o jogo libertino da resistncia perante a ditadura do Estado Novo. Alexsandro Silva historia o retorno clandestino ao Chile, em 1985, do cineasta exilado Miguel Littn para filmar a ditadura de Augusto Pinochet, dando origem srie de documentrios Acta general de Chile (1986). Thomas Shalloe explora, por intermdio das imagens de dois fotgrafos argentinos importantes nos anos 1970 e 1980, Eduardo Longoni e

  • Pedro Luis Raota, os registros dos acontecimentos que ocorriam em Buenos Aires durante o perodo. Os ltimos captulos do livro se ocupam do Brasil. Irene Machado examina as relaes dialgicas desenvolvidas como informao esttica no mbito do trabalho experimental e do cinema poltico que floresceu no cam-po das adversidades e proibies impostas pelo regime autoritrio brasileiro durante a ditadura militar, tomando como exemplo Manh cinzenta (1969), de Olney So Paulo. Patrcia Machado analisa os arquivos visuais usados em Cabra Marcado para Morrer (1984), produzidos em abril 1962, na Paraba, no nico dia em que o cineasta Eduardo Coutinho segurou uma cmera para fil-mar, cruzando anlise flmica com pesquisa histrica. Mnica Mouro, por sua vez, se debrua sobre a produo cinematogrfica de Luiz Alberto Sanz sobre o exlio, examinando os trs documentrios do autor: No hora de cho-rar, Quando chegar o momento (Dra) e 76 anos, Gregrio Bezerra, comunista. Por fim, Eduardo Morettin, Brbara Framil, Francisco Miguez e Rafael Feltrim abordam as estratgias discursivas de trs documentrios realizados entre os anos 1970 e 1980, a saber: O apito da panela de presso (1976), realizado pelos estudantes em plena ditadura militar, Vala Comum (1994), de Joo Godoy, e Que bom te ver viva (1989), de Lcia Murat.

    Os diretores dos filmes analisados foram convidados para enviarem seus depoimentos. Devido a compromissos e outras razes, alguns no pude-ram participar. Mesmo assim, oferecemos ao leitor um painel amplo, diver-sificado e significativo, com a presena, neste ltimo bloco, de testemunhos de Lus Filipe Rocha, Lcia Murat, Jos Pedro Charlo e Aldo Garay, Jonathan Perel, Miguel Littn, Florestano Vancini, Mari Corra, Germn Scelso, Luiz Al-berto Sanz, Tata Amaral, cineastas que tiveram seus trabalhos analisados pelos pesquisadores que participaram deste projeto editorial.

    As fases da edio foram prazerosas e assim esperamos que a leitura incentive dilogos sobre as ditaduras e sobre o fazer cinematogrfico.

    Os Editores

  • REVISITANDO DITADURASDenize Correa Araujo e Vitor Reia-Baptista

    CRIANAS, MEMRIAS E CINEMAPriscila Perazzo e Roberto Santos

    A DITADURA BRASILEIRA REVISADA PELA PRODUaO AUDIOVISUAL DE NaO FICaO DO PROJETO VIDEO NAS ALDEIASJuliano Jos de Arajo

    FLASHES da resistencia em acaoPedro Lapera e Rafaella Bettamio

    CONFIGURACIONES DE LA VIOLENCIA DE ESTADO EN EL CINE ARGENTINO POST-DICTADURAXimena Triquell

    REPRESENTAoES CINEMATOGRaFICAS DA DITADURA MILITAR ARGENTINARaquel Schefer

    nuevas consideraciones sobre la narrativa en novela y cine de la dictadura argentinaDavid Foster

    18

    45

    63

    79

    100

    124

    152

    IRepresentaes e Leituras

    SUMRIO

  • SUMRIO

    MEMRIAS DA DITADURA CHILENA NO FILME BRASILEIRO A COR DO SEU DESTINO (1986) Jlio Lobo

    A LONGA NOITE DO MEDO E DO ESqUECIMENTOCid Vasconcelos

    AS RELAoES DE GNERO NAS REPRESENTAoES CINEMATOGRaFICAS DAS DITADURASMonica Martinez e Paulo Celso Silva

    DITADURAS AFRICANAS NA MDIA OCIDENTALBruno Guimares, Camila Cesar e Marcelo Kanter

    o Hitler africano: o regime autoritrio de idi amin dada no cinemaWagner Pereira

    243

    266

    282

    302

    223

    EL DOCUMENTAL EL CRCULO COMO EPIFANA ICNICO-INDICIALFernando Andacht

    ALEGORIA, DISTANCIAMENTO E IRONIAVincius Barreto

    171

    196

  • IICartografias e Lugares de Memria

    SUMRIO

    MONUMENTOS DERIVA Mauricio Lissovsky e Ana Aguiar

    DITADURA MILITAR BRASILEIRA E NOVAS FORMAS CARTOGRaFICASAllysson Martins e Ana Migowski

    DE JORNALISTA A CONE DA DEMOCRACIA Marco Roxo e Andr Bonsanto Dias

    o teatro da memria da morte no funeral do ditador salazarRodrigo Lacerda

    A PROPAGANDA E O UNIVERSO AUTORAL Srgio Bordalo e S

    AS REPRESENTAoES DA AUSNCIA Maria Leticia Ferreira e Francisca Michelon

    landscapes of dictatorsHip in filmGraa Corra

    GEOGRAFIA DE ENCONTROS Ana Catarina Pereira

    GEOGRAFAS ESPACIALESIrene Chauvin

    CHILE (11/9/1973 ...): A PERSISTNCIA DA MEMRIAAnnateresa Fabris e Mariarosaria Fabris

    350383

    403429

    454

    480

    498

    522

    540

    560

  • IIIResistncias e Enfrentamentos

    SUMRIO

    IMPRISONED EURIDICE/ENSLAVED GREECE Mikela Fotiou

    RESISTNCIA COMO MARGINALIDADE DESCENTRADA E O FILME ETNOGRaFICO COMO ESCRITA PERFORMATIVA Ricardo Seia

    FILMANDO CLANDESTINAMENTE NA DITADURA PINOCHETISTAAlexsandro de Sousa e Silva

    la fotografa argentina durante el proceso de reorganizacin nacionalThomas Shalloe

    RELAoES DIALGICAS NO FILME MANH CINzENTA (1969) DE OLNEy SaO PAULO Irene Machado

    A TOMADA EM SAP: UMA ANaLISE DOS ARqUIVOS VISUAIS DE CABRA MARCADO PARA MORRER Patrcia Machado

    memrias do exlio Mnica Mouro

    DOCUMENTaRIO DE INTERVENaOEduardo Morettin, Brbara Framil, Francisco Miguez e Rafael Feltrin

    580601

    628

    649

    667

    688

    710

    735

  • DEPOIMENTOS

    SOBRE OS AUTORES

    resumos e abstracts

    760781

    797

    SUMRIO

  • I Representaes e Leituras

  • DITADURAS REVISITADAS

    18

    SUMRIO

    I

    Revisitando ditaduRas: memRia, histRia e subjetividade

    denize Correa araujo1

    vitor Reia-baptista2

    A proposta deste texto analisar trs filmes que tm por tema a repre-sentao de perodos ditatoriais. Do Brasil, o filme analisado Hoje, de Tata Amaral (2011), e de Portugal o ficcional Cerromaior de Lus Filipe Rocha (1980). O terceiro filme, Repare Bem (2012), que consideramos parcialmente portugus, por ser da diretora portuguesa Maria de Medeiros, e parcialmente brasileiro, por ser sobre a ditadura brasileira, a ponte que liga as cinematografias dos dois pa-ses, historicamente unidos desde o ano de 1500. Enquanto o primeiro filme, fic-cional, evoca o final da ditadura e o incio de uma nova vida para a protagonista, o segundo versa sobre o desencanto aps a Revoluo de Abril e a implantao do Estado Novo, tendo como pano de fundo as notcias do rdio sobre a Guerra Civil da Espanha. O terceiro filme, documentrio, enfoca a anistia brasileira ps-ditadura, ditadura que, em 2014, celebrou seus 50 anos. Ambos, Brasil e Portu-gal, mais uma vez interconectam seus perodos histricos. Os objetivos desta pesquisa, geral e especfico, expressos no subttulo deste texto, so, em primeiro plano, refletir como as ditaduras so lembradas e revisitadas, considerando que no futuro, quando no poderemos mais contar com testemunhas que as viven-

    1 PhD em Literatura Comparada, Cinema e Artes - UCR-USA e Ps-Doutora em Cinema - UAlg - Portugal; Coordenadora da Ps em Cinema e Docente do PPGCom-UTP; Lider do GP CIC. 2 PhD em Comunicao e Educao; Ps-Doutor; Coordenador do Ncleo de Estudos Flmicos e de Comu-nicao do CIAC; Coordenador da ESEC - Escola Superior de Educao e Comunicao da UAlg

  • Cartografias, Memrias e Representaes Audiovisuais

    19

    SUMRIO

    ciaram, a memria e a histria podero recont-las em filmes que, ficcionais ou documentais, sempre nos trazem imagens fortes que no devem ser esquecidas. Como referenciais tericos, sero adotados os conceitos de memria e subjeti-vidade de Beatriz Sarlo, a relao entre histria e memria de Jacques Le Goff, o conceito de memria coletiva de Maurice Halbwachs e consideraes sobre me-mria, histria e esquecimento de Paul Ricoeur. H pontos de divergncia entre os filmes, mas as convergncias so elos fortes, como a revisita aos perodos di-tatoriais e a criao de um tempo psicolgico que se encontra nos dois primeiros filmes. O tempo e o espao sero enfatizados nas anlises dos trs filmes, mas no terceiro que o espao se agiganta, incluindo a Europa como local de exlio e a vinda ao Brasil proporcionada pela anistia aos dissidentes polticos. O tempo da ditadura est presente nos testemunhos e tambm um tempo passado-presen-te, assim como nos dois outros filmes.

    Corpus da anlise flmica Hoje um filme de fico, baseado em fatos reais, que mostra a deciso de uma das vrias mulheres cujos maridos nunca mais voltaram e provavel-mente foram assassinados. A protagonista decide comprar um apartamento com o valor recebido pela indenizao da morte do marido, apesar de no ter sido comunicada desta e nem ter sabido do paradeiro de seu companheiro. A deciso no fcil e a deixa perturbada, revendo imaginariamente, em tempo psicolgico, seu marido que retorna e a questiona sobre sua deciso, dizendo no estar morto. Em aluso metafrica ao Brasil, a hora de iniciar nova vida agora, hora que est expressa no ttulo do filme, Hoje.

    Cerromaior a segunda longa-metragem de fico de Lus Filipe Ro-cha, adaptada do romance homnimo de Manuel da Fonseca, um dos expo-entes do Neo-Realismo literrio portugus. Aps uma frustrada tentativa de evaso em Lisboa, o jovem Adriano reconduzido ao seio da sua famlia, do-minante numa povoao alentejana onde a tradicional explorao dos traba-lhadores agrcolas, em 1937, representada pelo arrogante e prepotente primo Carlos, smbolo e sustentculo de um salazarismo que se consolida, entre os raros ecos de liberdade vindos do exemplo da Guerra Civil de Espanha e ouvi-dos entre linhas dos noticirios da rdio.

  • DITADURAS REVISITADAS

    20

    SUMRIO

    Repare Bem um documentrio sobre a anistia e entrevista Denise Crispim, viva de Eduardo Leite (Bacuri), que foi torturada estando grvida de sua filha e finalmente exilada no Chile e na Itlia. Seu ex-companheiro foi assassinado aos 25 anos, assim como seu irmo. O filme foi realizado pelo Ins-tituto Via BR, com recursos da Comisso de Anistia do Ministrio da Justia do Brasil e integra o projeto Marcas da Memria, que foi criado em 2001 para reparao das violaes aos Direitos Humanos, indenizando tambm as vivas dos desaparecidos, como no caso do filme Hoje, de Tata Amaral.

    Figura 1. Filme Hoje, de Tata Amaral (2011); Figura 2. Filme Cerromaior, de Luis Filipe Rocha (1980)

    Figura 3. Filme Repare Bem, de Maria de Medeiros (2012)

    Revisitando espaos e temposUm dos elos que une os filmes a presena de um tempo psicolgico

    que, no caso da protagonista do filme Hoje, expresso atravs de suas lembran-as que se materializam, criando um clima de tenso ao qual o espectador pode interpretar como uma volta real de seu marido, no incio, mas logo percebe que uma presena imaginria, fruto de tantos anos de medos e angstias que

  • Cartografias, Memrias e Representaes Audiovisuais

    21

    SUMRIO

    no se dissipam facilmente e que retornam sempre que o tempo passado no permite a liberdade que o tempo presente quer e precisa. O percurso de Adria-no, protagonista de Cerromaior, afirmar-se- entre as sombras e os fantasmas da sua infmia, entre o conformismo e o preconceito, a demncia e o suicdio, a raiva e a confrontao, que marcam os seus contactos com os outros. Entre aqueles que se sacrificam, ou se recusam a se conformar, at ao reencontro com ele mesmo e a esperana de novos horizontes. Cerromaior reproduz com cuidada aderncia psicolgica o lento processo interior de fuga a uma realida-de opressiva por parte de um jovem alentejano. sua volta, a vila parada e o confronto entre trabalhadores rurais e os latifundirios, o clube dos senhores, a famlia hipcrita, a mulher abandonada, o despertar da sexualidade, o clima abafado, o horizonte sem soluo, a Guerra Civil de Espanha em fundo. Acto-res sem experincia e actores experimentados, num clima fotogrfico que foge ao realismo graas ao tom impressionista do quadro, favorecido pela paisagem alentejana (PINA, 1986, p. 194).

    Segundo Paul Ricoeur, o perdo uma espcie de cura da memria; liberada do peso da dvida, a memria libertada para grandes projetos. O perdo oferece um futuro memria (RICOEUR, p. 163). A protagonista do filme Hoje, Vera, subjugada pelo passado, procura um tipo de perdo para poder continuar sua vida. Contudo, o passado psicolgico parece no permitir tal libertao. A interpenetrao do passado-presente cria um efeito de refle-xo, assim como os pensamentos projetados nas paredes do apartamento que, ainda novo, j tem seu espao com registros passados, como se fosse quase que impossvel recomear sem os fantasmas da ditadura. Mesmo no filme Repare Bem h um aprisionamento no passado, que invade as vidas das protagonistas, sempre perseguidas pelos fantasmas das torturas sofridas, do tempo de exlio e das perdas sofridas durante a ditadura brasileira. O tempo psicolgico se manifesta nas lembranas quando recontadas, na tristeza estampada em suas faces e na busca por um tempo presente que possa trazer ainda a esperana de uma vida melhor aps a anistia.

    Outro ponto de convergncia relevante o eco que ambos os filmes re-vivem. Enquanto Cerromaior tem seu espao penetrado pelas notcias do pas vizinho, a Espanha, o filme Hoje tem a presena ausente do marido de Vera,

  • DITADURAS REVISITADAS

    22

    SUMRIO

    Luiz, militante poltico do Uruguai, pas vizinho do Brasil, que tambm passou por um rduo perodo ditatorial. Os ecos dos pases vizinhos so bem enfatiza-dos, seja pelo rdio, no primeiro filme, seja pelas imagens imaginrias da visita de Luiz ao novo apartamento, no segundo filme, trazendo consigo uma carga emotiva e poltica do Uruguai to densa quanto a da ditadura de Franco que, em algumas cenas, comparada ditadura portuguesa, fazendo surgir uma comparao entre os dois pases em relao s estratgias de reao ao sistema.

    Em relao aos espaos, enquanto Hoje se passa dentro do novo apar-tamento, Cerromaior se passa em espaos interiores e exteriores. Os espaos mais amplos, contudo, esto no filme de Maria de Medeiros, como se a direto-ra portuguesa quisesse representar a Amrica do Sul e a Europa, considerando que o exlio das duas protagonistas, Denise e sua filha Eduarda, foi inicialmen-te no Chile e depois na Itlia. H uma cena intertextual no inicio do filme, onde Sofia Loren tenta se comunicar com Marcello Mastroianni no filme Um dia muito especial, de Ettore Scola (1977). uma espcie de prembulo ao que vai ser focalizado em seguida, com Denise na janela, lembrando de seu compa-nheiro assassinado na priso, em 1970, pelo exrcito brasileiro.

    Em seus dois tipos de espaos, os exteriores e os interiores, em Cerro-maior, poderemos ainda propor dois tipos de separao, entre espaos pbli-cos e privados, os primeiros referentes taberna (venda do Brissos), o caf do S. Rosa e o Clube onde se rene a elite masculina da vila. A venda do Brissos, frequentada apenas pelos camponeses, era o local de encontro destes, prin-cipalmente na altura das ceifas, quando havia dinheiro para gastar. Local de encontro e de lazer. Durante o dia a venda parecia estar quase deserta, pois o trabalho assim obrigava e os que no trabalhavam a ela no podiam ocorrer, como Mansinho, que antes das ceifas se sentava no banco exterior ao lado da porta da taberna, sem dinheiro nem para beber, nem para fumar. Este o espao onde repetidas vezes o vemos, ora sozinho, ora na companhia de Revel, no princpio quando este chega e, numa outra ocasio, quando este lhe oferece um cigarro e vem chegar uma outra leva de vagabundos escoltados pelos dois cavaleiros da GNR. A nica cena diurna filmada neste espao ocorre quando do regresso de Malts a Cerromaior, logo no incio do filme. Local de encontro e de desabafo, este tambm o local em que Malts, num discurso

  • Cartografias, Memrias e Representaes Audiovisuais

    23

    SUMRIO

    marcadamente politizado, se refere situao da Guerra de Espanha, onde o povo mido pegou finalmente em armas para se livrar dos patres e onde se confrontam as experincias comunitrias ocorridas a, referindo a necessida-de de fazer a guerra tambm aqui, ou quando, j no final do filme, anuncia a Revel, que vai partir de novo, mas que primeiro tem que lhe dar primeiro uma lio, anunciando o confronto que se aguardava.

    Outro lugar importante no filme Cerromaior o Clube, ricamente de-corado ao gosto da poca, com confortveis cadeires e sofs, onde se re-nem noite os principais senhores da terra, os grandes proprietrios rurais e os principais funcionrios da administrao local. igualmente aqui que, em contraponto com a venda de Brissos, se ouve com muita ateno o desenro-lar da guerra de Espanha e se comenta num discurso igualmente politizado e marcadamente de classe, favorvel ao regime e s foras falangistas de Franco. Discurso que protagonizado por Carlos Runa e onde se nota claramente o desacordo de Adriano, marcando a separao entre os dois homens e os seus mundos. Com efeito, a venda de Brissos e o Clube constituem espaos sociais diametralmente opostos, frequentados por estratos sociais que se opem em-bora ocupem funes idnticas, como locais privilegiados de encontro e de conversas de contedo poltico. Alis, estes dois espaos ocupam planos sequncias importantes no desenrolar da narrativa flmica de Cerromaior, numa sequn-cia assas interessante. Logo no principio do filme, depois das sequncias que abrem o filme, aps primeira aluso a Cerromaior, dada por Revel indicando que a aco se vai localizar nesta vila, o primeiro espao que aparece a venda de Brissos, vista de dentro, com a cmara colocada por detrs da cabea do ta-berneiro, que ao balco v aparecer Malts vindo da rua. pois este o primeiro local que visita quando da sua chegada vila, como que a afirmar a todos que chegou, pois decerto toda a vila ficaria a saber pouco depois. E neste local que Malts anuncia a sua partida a Revel, cena que antecede o desfecho e a resolu-o desta narrativa. So estas as nicas vezes que este espao aparece isolado, sem ligao sequencial com o clube, no princpio e no fim da pelcula. Das outras vezes, a taberna e o clube aparecem sequencialmente ligados pelo som da rdio, onde se ouvem os xitos musicais da altura e as notcias da Guerra Civil de Espanha e do pas.

  • DITADURAS REVISITADAS

    24

    SUMRIO

    Eduarda Crispim Leite, no filme Repare Bem, entrevistada na Holan-da onde mora com sua famlia. Denise Crispim, sua me, deu seus depoimen-tos na Itlia, onde reside. Ambas retornaram ao Brasil para receber o pedido de perdo do Governo Nacional e o certificado de anistia de Eduardo Leite (Bacuri), com a absolvio pstuma de seus supostos crimes. Os lugares so significativos, cada um representando um perodo da vida das entrevistadas. O Brasil do passado retorna agora como uma nova possibilidade, enquanto a Itlia e a Holanda foram importantes pelo perodo de exlio, acolhendo-as para uma vida estrangeira que se tornou parte de suas personalidades e vivncias, longe dos lugares onde as recordaes esto evidentes. Ao serem entrevistadas, a memria enfocou novamente os acontecimentos do passado e as fez chorar e lembrar das atrocidades pelas quais tiveram que passar e pelos desafios que enfrentaram. No filme, a terceira entrevistada a me de Denise e av de Edu-arda. As trs entrevistadas ofereceram testemunhos raros, com muita emoo. Apesar da subjetividade presente em cada depoimento, h uma enorme carga histrica que deve ser respeitada e revisitada.

    Beatriz Sarlo comea o primeiro captulo de seu livro Tempo Passado: cultura da memria e guinada subjetiva sugerindo que

    o passado sempre conflituoso. A ele se referem, em concorrn-cia, a memria e a histria, porque nem sempre a histria conse-gue acreditar na memria, e a memria desconfia de uma recons-truo que no coloque em seu centro os direitos da lembrana (direitos de vida, de justia, de subjetividade). Pensar que poderia existir um entendimento fcil entre essas perspectivas sobre o passado um desejo ou um lugar-comum. ... No se prescinde do passado pelo exerccio da deciso nem da inteligncia; tam-pouco ele convocado por um simples ato de vontade. O retorno do passado nem sempre um momento libertador da lembrana, mas um advento, uma captura do presente. (SARLO, 2007, p. 9)

    Apesar do fato de que todos os filmes ficcionais ou baseados em fa-tos reais podem documentar algo, o documentrio que provoca uma reao mais contundente, considerando que as entrevistas so feitas com pessoas que vivenciaram os perodos ditatoriais e podem recontar o que sofreram. Mesmo com uma subjetividade implcita e inerente, os depoimentos so elementos que remetem a um passado que deve ser revisitado e repensado. Segundo Sarlo,

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    a impureza do testemunho uma fonte inesgotvel de vitalidade polmica, mas tambm requer que seu vis no seja esquecido em face do impacto da primeira pessoa que fala por si e estampa seu nome como uma reafirmao de sua verdade. Tanto quanto as de qualquer outro discurso, as pretenses de verdade do tes-temunho so isto: uma exigncia de prerrogativas. Se no teste-munho o anacronismo mais inevitvel que em qualquer outro gnero de historia, isso no obriga a aceitar o inevitvel como inexistente, quer dizer, a esquec-lo justamente porque no possvel elimin-lo. Pelo contrrio: preciso lembrar a qualidade anacrnica porque impossvel elimin-la. (SARLO, 2007, p. 59)

    Corroborando com a pesquisadora argentina, acreditamos que refletir sobre fatos histricos fator de relevncia. Sendo assim, o documentrio da diretora Maria de Medeiros , sem dvida, um marco para ambas as cinemato-grafias, portuguesa e brasileira. Em relao ao filme de Tata Amaral, ao contrrio do que se pode de-duzir, ao sabermos que o Hoje se passa em um s lugar, devemos refletir sobre as recordaes que ocupam um espao enorme no filme, um espao imagi-nrio que toma propores gigantescas e recobre o apartamento, trazendo de volta o desaparecido que se revolta at que o presente se impe, juntamente com as resolues de Vera, que se insurge contra suas memrias e decide que o presente chegou. Colocando um basta na memria e no passado, sua ltima cena reflete um novo espao, de paz e de futuro.

    Enquanto Hoje trabalha com o tempo em muitas sries de flashbacks que at permitem uma interpretao literal de realidade, Cerromaior segue uma via sequencial cronolgica, mesmo quando esse tempo se sucede em es-paos diferentes em tempo real, sem a utilizao de elipses temporais. Neste caso, as ligaes entre a aco que se desenrola sequenciada e temporalmente em espaos diferentes nos so dadas atravs do som. quer seja atravs da m-sica, como na sequncia em que Lena sai acompanhada pela sua professora de piano e uma sua criada e nos aparece a cena de Jlia, penteando-se e espreitan-do pela porta da varanda do seu quarto, frente ao qual as outras mulheres pas-sam nessa altura na rua. Ou quando Adriano e Dona Cu se beijam na gruta do jardim desta, e se comea a ouvir a cano alegre que a professora de piano canta na cena seguinte, enquanto Lena a ouve ausente olhando o espao pela

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    janela. quer seja atravs do som do rdio que se ouve na taberna de Brissos transmitindo as notcias da Guerra Civil de Espanha, que se ouvem sequen-cialmente no clube da vila onde esto os proprietrios rurais e os principais agentes e funcionrios da administrao local.

    Por outro lado, para alm desta indicao, so-nos dadas outras, que nos permitem colocar a narrativa no tempo e na poca histrica onde esta se inclui o perodo de implantao do Estado Novo. Um desses indicadores refere-se presena quase constante das foras da GNR. Temos por um lado, o sargento Valente, que vemos em algumas situaes na casa de Carlos Runa (e s a visto no filme), quer combinando a actuao das suas foras na defesa dos interesses dos grandes proprietrios rurais (no caso Carlos Runa), quer acom-panhando este quando da aquisio de terrenos (de campos de vinha ou trigo), uma vez que estes so adquiridos em troca da liquidao de dividas contradas por alguns pequenos fazendeiros arruinados (o caso de senhor Francisco e do senhor Garrado), que assim so obrigados a vender as suas terras pelo preo oferecido por Carlos Runa, testemunhado pelo sargento Valente. Temos por outro lado os seus cavaleiros que, em pares se atravessam repetidamente pelos nossos olhos, na tela, e por onde a cmara se demora a acompanh-los, quer na estrada, quer nas ruas da vila, ora isolados, ora transportando homens sem trabalho (ou sem patro) para os calabouos do quartel, como acontece logo na abertura do filme. Temos uma sensao de opresso e de medo, que trans-parece ao longo de todo o filme, uma opresso, uma vigilncia quase constante das foras da ordem e de outros vigilantes e informadores, uns que sabemos, como o caso do senhor Rocha, outros que nunca poderemos identificar e pelos quais os agentes e funcionrios do governo local colocam ao servio dos lati-fundirios rurais, verdadeiros representantes do regime, ou a quem o regime servia e a quem Doninha chama de pulhas.

    Em relao ao tempo, Repare Bem tende a enfatizar o tempo presen-te, mesmo se as recordaes e lembranas povoam as entrevistas. A diretora, convidada pela Comisso da Verdade a fazer o filme, em entrevista ao site AC, sobre sua proposta, assim se posicionou:

    Maria de Medeiros: Vejo este filme como uma continuao deCapites de Abril, apesar dele ser um documentrio bem mi-

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    nimalista, com apenas trs pessoas entrevistadas. Acho que tem tudo a ver. EnquantoCapites mostrava a chegada da democra-cia a Portugal, este filme mostra o reforar da democracia no Brasil. A democracia um sistema maravilhoso, mas tambm vulnervel. No basta plantar, preciso depois cultivar este jar-dim. Atos como este de pedir desculpas aos cidados que foram maltratados e buscar a verdade sobre o que aconteceu no pas um ato democrtico muito forte e importante. Muitos pases no tiveram a coragem de fazer. Tenho admirao por isso e fico contente por ter contado esta histria. (2013)

    Seu cuidado com a intercalao entre os pases reflete sua proposta de representar o retorno da democracia e do sentimento tico. Por outro lado, essa sua postura reflete tambm seu desconhecimento da falsidade miditica que impera no pas. Seu filme, portanto, um hbrido no sentido de exibir uma tica estrangeira bem intencionada e acrtica, acreditando no discurso dema-ggico que domina as aes governamentais do pas retratado. Esse aspecto em nada desmerece o filme, que ultrapassa questes polticas e oferece relatos emocionais de pessoas que acreditaram que poderiam mudar um regime po-ltico autoritrio.

    Como salienta Lus de Pina a respeito da cinematografia portuguesa (1986, p. 188-193), se os primeiros filmes de Abril se revelam, algumas vezes, sem grande interesse cinematogrfico, no nos podemos esquecer que estes tiveram como principal objectivo cobrir a revoluo nascente e acompanhar o processo revolucionrio em curso, no intuito de descobrir um pas esquecido e numa clara inteno de mudar as estruturas socioeconmicas ainda presentes. Estes filmes, cada um deles, constituem um documento puro de uma poca, uma reportagem viva da histria. E embora proliferam os documentrios3, as reportagens, os depoimentos, em que o microfone parece dominar a cmara, seguindo uma tcnica que vem dos telejornais, todo o perodo que vai de 1974 a 1980/1982 pode ser considerado como o perodo ureo do cinema poltico,

    3 Para alm dos documentrios de interveno e de raiz poltica, no nos podemos esquecer, dos docu-mentrios etnogrficos como Gentes da Praia da Vieira (1976) de Antnio Campos, Bonecos de Santo Alei-xo (1977) de Joo e Jorge Loureiro, Aeia, Lodo e Mar (1977) de Amlcar Lyra, Cavalgada Segundo S. Joo Baptista (1976) e Argozelo (1977) de Joo Matos Silva, continuando a veia etnogrfica de Trs-os-Montes dos j falados Vilarinho das Furnas (1971) de Antnio Campos, tal como Mascaras (1976) de Nomia Delgado, Festa, Trabalho e Po em Grij de Parada de M. Costa e Silva e Gente do Norte (1977) de Leonel Brito (PINA, 1986, p. 193).

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    da interveno, mas muitas vezes afastado das concepes tradicionais do es-pectculo cinematogrfico (PINA, p. 192).

    No entanto, nas palavras de Lus de Pina (1986, p. 194-200) e de B-nard da Costa (1991, p. 160-161): as obras Manh Submersa, Cerromaior, Oxa-l e Kilas o Mau da Fita, todas de 1980 (e estreados em 1981) marcam no s a reconciliao com o pblico do austero cinema dos anos 70 (COSTA, 1991, p. 160) como marcam igualmente uma viragem no cinema portugus, assumi-da por aqueles que nos finais dos anos setenta tentavam superar o gosto da poltica imediata pelo gosto de criar outro cinema (PINA, 1986, p. 200). H, de facto, um riu subterrneo que corre entre as imagens do cinema portugus, (...), um rio que continuou a correr depois de Abril. E a tendncia histrico-poltica-literria, de certo modo melodramtica, arrebatada, romntica, con-tinua no som e na imagem de alguns realizadores (PINA, 1986, p. 197) como Manoel de Oliveira, Antnio Reis e Margarida Cordeiro.

    Mas existem tambm outros e muitos, que seguindo uma via inteli-gentemente intervencionista e atenta aos problemas sociais e polticos da actu-alidade, ou de todos os tempos, nos oferecem outros olhares cinematogrficos sobre a nossa sociedade, passada ou presente, sobre o Homem e o mundo, sem repudiar a sua herana, esse rio que sem dvida continua a correr, mas sem esquecer outras influncias actuais. Tal o caso de Lus Filipe Rocha, um cine-asta que nasceu com a revoluo de Abril, e que, embora com alguns perodos de ausncia, continua a oferecer-nos olhares significativos e prprios sobre o mundo, a nossa histria e a nossa sociedade. Cerromaior, segunda longa-me-tragem de fico de Lus Filipe Rocha, rodada num perodo conturbado do nosso passado recente, no rescalde da Revoluo, , quanto a ns, uma ima-gem desencantada de como evoluiu o Portugal de Abril, uma revoluo que, nas palavras do autor era urgente fazer, uma revoluo inacabada, ou adiada, como a expresso do filme: - E depois da Revoluo? Depois da Revoluo, voltam os patres, os mesmos ou outros. Independentemente da mensagem profundamente poltica e mesmo quase propagandstica deste filme, ficam as imagens de uma poca de confronto entre latifundirios e camponeses no Alentejo, num perodo de implantao do Estado Novo.

    Hoje um filme que retrata de maneira clara a posio dos brasileiros que querem seguir adiante e encerrar esse captulo doloroso da histria nacional.

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    Ao contrrio da Argentina, que se alimenta de seu passado cotidianamente, o Brasil no procurou vingana, no executou os militares e nem mesmo os pren-deu. Em entrevista ao Estado, Tata Amaral se posiciona:

    Eu no conheo um nico torturador que tenha ficado um dia preso por seus crimes. A posio do Brasil que ns somos conciliadores porque foi feito um acordo esprio em 1978... eu acho que para exorcizar de vez esse perodo, preciso trazer luz o nome de quem torturou. No por uma questo de revanchismo, mas porque de outro jeito ficamos no abstrato. Falamos em tortura, mas quem tortu-rou? qual o nome de quem torturou? Agiu sob as ordens de quem? S assim podemos passar o passado a limpo e olhar para o futuro. (ZANIN, 2012).

    Assim como Lus Filipe Rocha questiona o que vem aps a Revoluo e responde que voltam os patres, os mesmos e os outros, os brasileiros esto condicionados a serem subjugados e colonizados. quanto cinematografia, porm, a abertura dos arquivos da ditadura, mesmo sendo farsesca, reacendeu uma revisita ao passado. Analisando por este ponto de vista, os filmes de Maria de Medeiros e Tata Amaral, por diferentes caminhos e propostas, incentivam o debate sobre a ditadura brasileira.

    Um dos pontos de divergncia entre os filmes Hoje e Cerromaior est relacionado ao espao externo. Enquanto Hoje no revela nenhum espao exter-no, nem mesmo em suas digresses e divagaes em tempo passado, Cerromaior j inicia com a imagem de uma estrada numa plancie ladeada de campos de cereais, que nos reporta imediatamente ao Alentejo, e um pouco mais frente, quando Revel afirma ser de Cerromaior. Os lugares, no decorrer do filme, reve-lam particularidades que vo contextualizando a cena no sentido de exibir onde os dilogos se desenvolviam, onde as opinies se diversificavam, onde a trama remetia ao discurso poltico e situao de autoritarismo. Sendo assim, tanto as locaes externas como internas tem grande relevncia para o roteiro. Os lugares so associados aos personagens de maneira a criar um vnculo significativo de estrutura funcional. So quase personagens. Poderamos denomin-los de luga-

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    res-personagens. A taberna, o Clube e os espaos privados e pblicos criam uma rede de caminhos pelos quais os personagens se relacionam.

    Na primeira sequncia, a cena comea na taberna com o discurso de Franco e com as noticias do desenrolar da Guerra de Espanha, prolongando-se no Clube, sequncia que finalizada pelo discurso poltico de Carlos Runa e segue para uma outra sequncia, na sala ao lado, com Adriano que abando-na a sala principal depois das palavras do seu primo, acabando por receber e estabelecer com Doninha a sua primeira e nica conversa. Na segunda vez, a sequncia comea no clube onde se ouve em silncio as notcias desportivas, segue pela taberna, com as notcias da guerra e o discurso poltico de Malts (em jeito de conversa com Revel), voltando de novo sala anexa do clube, onde Adriano joga pacincias com as cartas. O clube volta de novo a aparecer, logo aps a aquisio das terras de Garrado por Carlos Runa, quando Doninha ali entra, num espao que no era o seu e que lhe era de todo vedado, exigindo que o servissem, uma sequncia que antecede a cena culminante deste filme. Em relao ao tempo de durao das sequncias filmadas nestes dois espaos, o paralelismo mantm-se quase idntico, com dois grandes planos sequncias, o primeiro no clube, prolongando-se na sala anexa com Adriano e Doninha, e o segundo na taberna, com a conversa entre Malts e Revel.

    De decorao austera e funcional, o Caf do Rosa aparece-nos apenas uma vez, quando Rocha anuncia a Adriano que Antoninha tinha um amante, engano que, de certo modo, dita o destino desta. De qualquer modo, aqui que se renem durante o dia a classe mdia e a pequena burguesia urbana local, de funcionrios e pequenos agricultores. Do que falam? De Lisboa, da vida de Lisboa e da abundncia e variedade e de coisas que l se podem encontrar, dos gelados, dos refrescos, em contraponto com o marasmo e a austeridade de Cerromaior, onde s se poderia encontrar cerveja, pirolitos e capil.

    Os espaos privados que nos aparecem em Cerromaior, referem-se s casas de Adriano (a Casa V), casa de Carlos Runa e casa de D. Cu. Estas so os espaos interiores das habitaes que nos so descritas visualmente com maior ou menor pormenor, principalmente as duas primeiras e todas elas re-ferentes aos lares das classes dominantes. Nestas destacam-se mobilirio rico e austero, rodeados numa profusa decorao que parece atravessar o gosto de vrias pocas, e onde se destacam alguns quadros com motivos mundanos e

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    religiosos nas paredes de salas e corredores, o que confere maior realismo transposio histrica da poca que pretende representar.

    Da Casa V, situada no largo, o lugar mais nobre da vila, conhecemos parte da fachada, e parte do interior do piso superior. A sala de estar aparece-nos duas vezes, com as paredes quase cobertas por quadros e fotografias dos antepassados da famlia, onde se destaca a fotografia do av de Adriano, e que ocupa em ltimo plano uma posio central ao longo dos enquadramentos seguintes, quando no primeiro encontro com a av, personagem a que ela faz referncia se o seu av fosse vivo e que se mantm presente enquanto a c-mara se move em torno de Adriano e do padrinho, imagem que faz a ligao com a sequncia seguinte do escritrio de Carlos Runa, pois idntica que se encontra na casa de Adriano. A casa de Carlos Runa ocupa um maior espao na aco desta narrativa flmica, em dois espaos distintos. Primeiro o escri-trio de Carlos Runa, no piso trreo, que nos aparece logo no incio, quando Carlos sai do escritrio com o sargento Valente e a cmara os acompanha num travelling para trs, at porta de sada. O escritrio de Runa aparece-nos em mais duas sequncias ao longo do filme, quando da aquisio das terras de Francisco e Garrado. Filmado em vrios planos, destacam-se a imponente se-cretria, em cima da qual se destaca uma grande guia de bronze, grande e confortvel cadeiro de Carlos, um espao confortvel mas oprimente, onde proliferam as cores escuras, com alguns quadros e o retrato do av, no centro por detrs da secretria. Do piso superior registramos a longa e imponente mesa da sala de jantar e o espao de lazer, confortavelmente mobiliado e pro-fusamente decorado. Este constitudo pela sala de estar e uma outra sala a ela anexa onde se encontra o piano e que nos plenamente visualizado atravs de num travelling para trs, at se fixar num plano aproximado de uma das cria-das que aguarda no corredor.

    Da casa de D. Cu, apenas ficamos a conhecer o seu quarto e o extenso jardim da casa, ao estilo romntico e onde aquela nos aparece a ler, sentada num banco de pedra e mais tarde, j na companhia de Adriano em duas se-quncias intervaladas. O quarto, profusamente decorado, de cores claras e vo-luptuosas, aparece-nos apenas numa s ocasio, j perto do desfecho do filme, atravs de um travelling demorado que a cmara faz por todo um dos lados do

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    quarto at chegar cama que enquadra D. Cu com Adriano. Contrastando com este espao, da casa de Garrado ficamos a conhecer apenas o quarto, en-volto numa semipenumbra que acompanha a ideia de morte e produz sequ-ncia um acentuado pendor dramtico.

    Dos espaos exteriores da vila, as suas ruas so-nos parcialmente re-veladas atravs dos passos de Adriano, que se dirigem preferencialmente para a casa de D. Cu, ou para a zona do morro do Castelo, um espao marginal e de ruptura com o espao interior da vila, das suas ruas e do largo, uma espcie de limbo onde vive a populao que de certo modo colocada margem da sociedade local. Em oposio a este espao, o largo, amplo, ocupa igualmente neste filme uma posio central na vida social da vila. Espao nobre, volta do qual se localizam as casas de Carlos e de Adriano, o quartel da GNR (numa das ruas que limita o largo e a taberna), constitui ao mesmo tempo um espao de passagem, de chegada e de partida das personagens desta narrativa. l que se encontram quando chegam, Malts, Revel e Mansinho. l que chega e que parte o autocarro que trs Adriano de volta vila e l que ele embarcar de novo para Lisboa. igualmente neste espao nobre que veremos os campone-ses serem escolhidos para as ceifas. este espao que Antoninha abandona e atravessa, rumo ao seu destino final. Um espao continuamente vigiado pelos olhos do regime e de Carlos Runa atravs dos soldados da GNR, tal como o so igualmente os espaos exteriores vila, dos campos de trigo s estradas. O espao limita e controla os passos e o destino dos seus habitantes, controla a posio que ocupam no tecido social, controla as suas formas de subsistncia e condiciona a sua liberdade. O espao de Cerromaior um espao de prises, em oposio ao espao ausente de Lisboa que aparece neste filme como um lugar de respirao e de vida, ou de fuga.

    Ao invs dos diversos lugares-personagens do filme Cerromaior, espa-os esses por onde circulam os habitantes e consequentemente por onde pas-sam as informaes sobre os processos polticos de Portugal e da Espanha, no filme de Tata Amaral o espao significa um renascer, uma esperana de uma nova vida, mesmo que povoada pelo fantasma do passado, representado pela volta imaginria de Luiz, no apartamento que a mesma adquiriu com a inde-nizao dada s vivas pelo assassinato ou desaparecimento de seus maridos.

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    Vera no tem certeza da morte de Luiz, o que o faz voltar sua vida. Ao mes-mo tempo, ela quer encerrar essa rotina cansativa e iniciar um perodo mais feliz, o que transparece no final do filme. Metaforicamente analisado, o filme pode ser interpretado como uma esperana de futuro melhor, o que coincide com a viso de Maria de Medeiros em seu filme. Repare Bem, com seu ttulo de duplo sentido, ou seja, preste bastante ateno ou o segundo significado, do verbo reparar, corrigir, referente ao processo de anistia e pedido de perdo, trabalha com a redemocratizao (no entender de sua diretora), no sentido de reparar bem os erros do passado. Os lugares representam os caminhos no escolhidos, que exigiram novos aprendizados, de idiomas, de hbitos culturais, de mudanas de pontos de vista.

    Sarlo, em seu captulo Vises do Passado, sugere que as vises do pas-sado, segundo a frmula de Benveniste, so construes. Justamente porque o tempo do passado no pode ser eliminado, e um perseguidor que escraviza ou liberta, sua irrupo no presente compreensvel... Fala-se do passado sem suspender o presente e, muitas vezes, implicando tambem o futuro (SARLO, 2007, p. 32). Esses comentrios podem ser adotados para explicar o filme Hoje tanto em sua narrativa com muitas falas quanto na evocao do passado que est impregnado nos pensamentos e memrias da protagonista. O passado, voltando tona em Repare Bem, faz com que as protagonistas entrevistadas reconstruam lugares e tempos, ressuscitem recordaes, e recriem suas vises do passado que, apesar de adormecidas por algum tempo, em espaos no ex-terior, novamente ressurgem com fora e emoo no decorrer do filme.

    Tomando o caminho de uma explicao dos processos ditatoriais, po-demos citar Sarlo quando esta nos exorta a entender e lembrar o passado:

    Durante a ditadura militar, algumas questes no podiam ser pensadas a fundo, eram examinadas com cautela ou afastadas espera de que as condies polticas mudassem.... evidente que o campo da memria um campo de conflitos entre os que mantm a lembrana dos crimes de Estado e os que propem passar outra etapa, encerrando o caso mais monstruoso de nos-sa histria. .. A questo do passado pode ser pensada de muitos modos e a simples contraposio entre memria completa e es-quecimento no a nica possvel. Parece-me necessrio avan-ar criticamente alm dela, sem dar ouvidos ameaa de que se

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    examinarmos os atuais processos de memria estaremos fortale-cendo a possibilidade de um esquecimento indesejvel. Isso no verdade. (SARLO, 2007, p. 19-21)

    A abertura dos arquivos da ditadura tem suscitado uma revisita his-tria brasileira e, consequentemente, uma tomada de posio. Como sugere Sarlo, h os que mantm a lembrana dos crimes de Estado e os que propem passar outra etapa (SARLO, 2007, p. 19-21).

    Os filmes em anlise, Hoje e Repare Bem, esto incentivando ambos os processos: de reavivar a memria e de iniciar novo perodo. As protagonistas dos mesmos sofrem um processo doloroso de lembrar: Vera, personagem fic-cional, interpreta o que procura encenar, ao passo que as trs entrevistadas por Maria de Medeiros devem realmente voltar ao passado. Como sugere Maurice Halbwachs: as lembranas que nos so mais difceis de evocar so aquelas que no concernem a no ser a ns, que constituem nosso bem mais exclusivo, como se elas no pudessem escapar aos outros seno na condio de escapar tambm a ns prprios (1990, p. 49).

    Cerromaior, sem dvida, colabora para a continuidade de uma mem-ria coletiva que deve analisar histrica e politicamente um passado que no deve ser repetido, mas deve ser revisitado. Segundo Halbwachs, os quadros coletivos da memria no se resumem em datas, nomes e frmulas, eles repre-sentam correntes de pensamento e de experincia onde reencontramos nosso passado porque este foi atravessado por isso tudo (2004, p. 71).

    Os trs filmes analisados podem ser considerados documentos que iro constituir o acervo histrico do passado do Brasil e de Portugal em seus distintos perodos ditatoriais.

    adaptaes e LigaesCerromaior e Hoje so adaptaes. O primeiro uma adaptao da

    obra homnima de Manuel de Fonseca, que em entrevista4 referiu que entre-gara o livro (Cerromaior) a Lus Filipe Rocha porque, depois de ter visto o seu anterior filme A Fuga, tinha ficado convencido que aquele homem tinha mo, 4 Em entrevista a Antnio Tavares Teles na revista Arte e Opinio em 1981.

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    Isso no fcil de fazer escrita, nem em poesia, nem em romance, nem em cinema. E ele faz essas cenas com simplicidade, um sentido de sntese e uma austeridade notveis. (...) Este tipo pode falar do Alentejo, que tem isso tudo, no ?. Por isso acrescente que a sensao ao ver o filme foi a de ver uma coisa indita. No a que eu escrevi, mas uma outra, que eu poderia ter escrito. No vejo o meu romance ali. Vejo qualquer projeco dele que eu no escrevi. Isso torna-me aderente ao filme como quem v uma coisa nova. Afinal eu poderia ter escrito assim (DUARTE, 1981).

    O diretor Lus Filipe Rocha responde interpelao no Jornal de Letras:

    O livro foi o meu ponto de partida e sabido que, em arte, o que conta o ponto de chegada, o resultado final. Neste caso beneficiei de um material j de si riqussimo: o livro de Manuel da Fonseca e o Alentejo. No sei se os mereci, pois o filme sem dvida uma pessoalssima viso de ambos. No me preocupam questes de fidelidade e montei uma obra minha. Fui fiel apenas a mim prprio. Se errei a culpa minha. Mas se eventualmente acertei, ento, sim, devo-o tambm a Manuel de Fonseca e ao Alentejo. A minha preocupao maior ao fazer o Cerromaior foi ser autentico, expressar-me o mais profundamente que sou capaz, aqui e agora, sem querer ganhar a ningum em particu-lar, e muito menos a todos em geral. Respeitei o livro na exacta medida em que sem o livro eu teria feito outro filme. Trata-se de uma lapalissada, que serve para afirmar que respeitei o livro na exacta medida em que me respeitei como autor. Creio que a melhor homenagem que posso fazer ao Manuel da Fonseca. (DUARTE, 1981)

    O filme Hoje uma adaptao do livro Prova Contrria, de Fernando Bonassi. Entretanto, assim como Lus Filipe Rocha, a diretora Tata Amaral idealiza seu filme, passando suas impresses ao roteirista Jean-Claude Ber-nardet e aos co-roteiristas Rubens Rewald e Felipe Sholl, que adaptam o texto de origem em uma espcie de transcriao. Adaptaes no necessariamente precisam ser fiis suas fontes e sim integr-las com suas prprias observaes e seus prprios enfoques sobre o tema. A literatura sempre foi fonte de adapta-es ao cinema, mas as mdias diferem e requerem suas prprias identidades. O pesquisador Robert Stam se manifesta em relao s adaptaes:

    a passagem de um meio unicamente verbal como o romance

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    para um meio multifacetado como o filme, que pode jogar no somente com palavras (escritas e faladas), mas ainda com m-sica, efeitos sonoros e imagens fotogrficas animadas, explica a pouca probabilidade de uma fidelidade literal, que eu sugeriria qualificar at mesmo de indesejvel. (STAM, 2009, p. 20)

    Muitos pesquisadores analisaram adaptaes literrias para o cinema, alguns sugerindo fidelidade aos textos de origem, outros incitando o debate com conceitos diversos de recriao, transcriao e at hipercriao. Haroldo de Campos tambm conceituou adaptaes como processos independentes:

    para ns, traduo de textos criativos ser sempre recriao, ou criao paralela, autnoma, porm recproca. quanto mais in-ado de dificuldades esse texto, mais recrivel, mais sedutor en-quanto possibilidade aberta de recriao. Numa traduo dessa natureza, no se traduz apenas o significado, traduz-se o prprio signo, ou seja, sua fisicalidade, sua materialidade mesma, pro-priedades sonoras, de imagtica visual, enfim tudo aquilo que forma, segundo Charles Morris, a iconicidade do signo esttico, entendido por signo icnico aquele que de certa maneira simi-lar quilo que ele denota. O significado, o parmetro semntico, ser apenas e to-somente a baliza demarcatria do lugar da em-presa recriadora. Est-se, pois, no avesso da chamada traduo literal. (CAMPOS, 2004, p. 35)

    Em seu texto Teoria e Prtica da Adaptao: da fidelidade intertex-tualidade, Stam explicita:

    A teoria da adaptao tem sua disposio, at aqui, um am-plo arquivo de termos e conceitos para dar conta da mutao de formas entre mdias adaptao enquanto leitura, re-escrita, crtica, traduo, transmutao, metamorfose, recriao, trans-vocalizao, ressuscitao, transfigurao, efetivao, transmo-dalizao, significao, performance, dialogizao, canibaliza-o, reimaginao, encarnao ou ressurreio. (As palavras com o prefico trans enfatizam a mudana feita pela adaptao, enquanto aquelas que comeam com o prefixo re enfatizam a funo recombinante da adaptao). Cada termo joga luz sobre uma faceta diferente da adaptao. O termo para adaptao en-quanto leitura da fonte do romance, sugere que assim como qualquer texto pode gerar uma infinidade de leituras, qualquer romance pode gerar um nmero infinito de leituras para adap-tao, que sero inevitavelmente parciais, pessoais, conjunturais,

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    com interesses especficos.... Noes de dialogismo e intertex-tualidade, ento, nos ajudam a transcender as contradies in-solveis da fidelidade e de um modelo didico que exclui no apensa todos os tipos de textos suplementares mas tambm a resposta dialgica do leitor/espectador. (STAM, 2008, p. 27-28)

    A adaptao dos dois filmes aqui analisados sugere que houve uma intertextualidade (no sentido conceitual de Julia Kristeva) entre as mdias, sendo que, ao invs da passagem de uma mdia a outra, as duas se intercalam, criando uma interao de vozes polifnicas (usando aqui o conceito de Mi-khail Bakhtin) que traz os ecos do livro, ao mesmo tempo em que o recria e transcria. O mesmo pode ser dito sobre o tema de ambos, que revisita as dita-duras sem, no entanto, procurar uma fidelidade impossvel de ser adquirida. No caso do filme Cerromaior, a intertextualidade abrangente, por incluir um estilo que o diretor admira. Sobre a adaptao de um clssico do Neo-Realismo Lus Filipe Rocha afirma:

    Tenho 33 anos e guardo do Neo-Realismo a memria comovida de algumas das obras capitais da minha adolescncia. Nada mais. Fao cinema nos anos 80. No me preocupam as modas nem as correntes estticas. Fao como sei e vivo e sinto no meu tempo. Culturalmente preocupa-me a cultura portuguesa num momen-to em que nos querem fazer ser mais europeus do que nunca (ou brasileiros...) Nada tenho contra isso, desde que no me roubem o ser tambm e sobretudo portugus. O meu filme , pois, um filme que tenta erguer uma imagem cinematogrfica genuina-mente portuguesa, a partir daquilo que a realidade e a histria do nosso pas tm de mais intimamente seu (nosso!). Tem sido esse o meu trabalho e o da maior parte dos meus colegas. Cada um pelo seu prprio caminho, cada um com a sua voz particular, creio que todos trabalhamos mais ou menos no mesmo sentido. Cerromaior uma minha contribuio, como cineasta, para a identidade prpria da cultura portuguesa. (DUARTE, 1981)

    Tata Amaral, diretora de Hoje, em sua entrevista com Luiz Zanin do Jornal Estado, fala da origem de seu filme, e de sua identificao com cenas do livro e sua adaptao:

    Tudo parte do livro de Fernando Bonassi. Na verdade, uma parte do livro me tocou. quando ela fala em suicdio. Ela fala que sen-

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    tia tanta falta dele que poderia se suicidar. E, nesse ponto, o livro me agarrou. No por acaso. Eu perdi o pai da minha filha desse jeito. Eu tinha 19 anos. O livro era uma plataforma para falar da ausncia. Como voc convive com a ausncia de uma pessoa querida? A outra coisa que a estrutura do livro batia com a pesquisa sobre relato que eu estava fazendo na poca. Vi que a adaptao poderia seguir essa linha de um relato no-linear, que era o que me interessava... O interesse em lembrar de um passa-do que todos ns queremos esquecer. S que, para esquecer, preciso lembrar dele, paradoxalmente. (ZANIN, 2012)

    Os dois diretores, estimulados pelos livros e pelos rumos de seus pa-ses, produziram filmes que falam da identidade e da cidadania, que provocam debates, que reativam a memria e que, cada um sua maneira, revisitam pe-rodos conturbados, de medos e incertezas. Ambos os diretores, Tata Amaral e Lus Filipe Rocha, conquistaram seu estilo prprio, expressando assim em suas imagens suas preferncias e vivncias. O filme-ponte entre os dois outros analisados tambm compartilha o mesmo sentimento de liberdade, de expresso genuna em prol da memria histrica e do compartilhamento que os trs filmes do corpus desta pesquisa sugerem. So filmes premiados de diretores consolidados. Cerromaior obteve o Grande Prmio do Festival Internacional da Figueira da Foz, em 1980 e o Prmio Coln de Ouro no Festival de Cinema de Huelva, em 1981. Hoje foi o filme premiado do Festival de Braslia em 2011, sendo que a atriz Denise Fraga (Vera) recebeu o Trofu Candango de Melhor Atriz. Repare Bem foi vencedor de trs prmios no Festival de Gramado, incluindo o Kikito de Ouro de 2013, e o prmio de melhor filme da seo estrangeira para o jri e os crticos.

    ConclusoOs trs filmes analisados podem ser denominados de filmes-docu-

    mento. Segundo Jacques Le Goff,

    o documento no qualquer coisa que fica por conta do passado, um produto da sociedade que o fabricou segundo as relaes de foras que a detinham o poder. S a anlise do documento enquanto monumento permite memria coletiva recuper-lo e ao historiador us-lo cientificamente, isto , com pleno conhe-

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    cimento de causa ... montagem, consciente ou inconsciente, da histria, da poca, da sociedade que o produziram, mas tambm das pocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silncio. O documento uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento monumento. Resulta do esforo das sociedades histricas para impor ao futuro vo-luntria ou involuntariamente determinada imagem de si pr-prias. (LE GOFF, 1996, p. 545-548)

    A memria e suas associaes tm suscitado temas de pesquisa de tericos e estudiosos nas reas de Comunicao, Histria, Psicanlise e afins. As opinies e conceitos nem sempre convergem, considerando a multiplicidade dos pontos de vista e enfoques. Contudo, os subtemas mais controversos so os relacionados memria subjetiva, memria individual e coletiva, lembrana e aos testemunhos em primeira pessoa. Halbwachs assim se posiciona: a lembrana em larga medida uma reconstruo do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e alm disso, preparada por outras reconstrues feitas em pocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se j bem alterada (HALBWACHS, 2004, p. 75-76). Seu conceito de lembrana pode ser adaptado para o filme-ponte Repare Bem, onde as entrevistadas esto afastadas das cenas que esto relatando, tendo assim interferncias vrias, de suas vidas em outras culturas, de suas experincias pessoais que trazem de volta um amargor difcil de ser superado e de suas resolues de fazer justia aos envolvidos nos massacres que tiraram as vidas de seus entes queridos. A anistia, com certeza, e especialmente pstuma, no poder de maneira nenhuma compensar pelas perdas. Em relao memria individual, Halbwachs acredita que cada me-mria individual um ponto de vista sobre a memria coletiva, [...] este ponto de vista muda conforme o lugar que ali eu ocupo, e [...] este lugar mesmo muda segundo as relaes que mantenho com outros meios (HALBWACHS, 1990, p. 49). Novamente seu conceito de memria individual e coletiva se aplica ao filme de Maria de Medeiros. As entrevistadas falam de suas experincias indi-viduais, mas as mesmas so compartilhadas por muitos militantes, formando

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    assim uma cadeia de eventos que formam uma memria coletiva. Apesar do distanciamento, as vivncias durante a ditadura podem encontrar eco em ou-tros que tambm foram engajados nas causas contra a ditadura. Em relao ao ponto de vista que o autor cita, acreditamos ser relativo a cada individuo, considerando que alguns militantes se comportaram de maneira mais radical que outros e assim a subjetividade individual. questes de subjetividade so bem explcitas nos pensamentos e con-ceitos de Sarlo:

    Vivemos uma poca de forte subjetividade e, nesse sentido, as prerrogativas do testemunho se apiam na visibilidade que o pessoal adquiriu como lugar no simplesmente de intimidade, mas de manifestao pblica. Isso acontece no s entre os que foram vtimas, mas tambm e fundamentalmente nesse territ-rio de hegemonia simblica que so os meios audiovisuais. Se h trs ou quatro dcadas o eu despertava suspeitas, hoje nele se reconhecem privilgios que seriam interessantes de examinar. disso que se trata, e no de questionar o testemunho em primeira pessoa como instrumento jurdico, como modalidade de escrita ou como fonte da histria, na qual em muitos casos ele indis-pensvel, embora crie o problema de como exercer a crtica que normalmente se exerce sobre outras fontes. (SARLO, 2007, p. 21)

    Sarlo no invalida os testemunhos e sim os coloca em relativizao por analisar tambm a mudana social que fez com que o eu tomasse seu lugar nas redes sociais, nas interaes de amizade e mesmo na intranet e suas opes no trabalho e nas profisses. A proliferao de gadgets eletrnicos e a facilidade na transmisso de mensagens mudaram radicalmente a comunicao social. Os sel-fies se tornaram uma maneira rpida e eficiente de exibir habilidades, de discutir trivialidades e de enviar imagens cotidianas sem valor. A mudana se reflete hoje nas diversas instncias comunicacionais, tornando as opinies individuais mani-festaes pblicas. Os dirios, antes to escondidos e guardados com chave, hoje so enviados a amigos e mesmo a desconhecidos. Apesar da crtica implcita de Sarlo supervalorizao dos testemunhos, seus comentrios sobre a memria, mesmo sendo parcialmente contraditrios, explicitam a necessidade histrica e de exerccio de cidadania que devem ser exercidos pelos testemunhos.

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    A memria um bem comum, um dever (como se disse no caso europeu) e uma necessidade jurdica, moral e poltica. Alm da aceitao dessas caractersticas, bem difcil estabelecer uma perspectiva que se proponha a examinar de modo crtico a nar-rao das vtimas. Se o ncleo de sua verdade deve ser inquestio-nvel, tambm seu discurso deveria ser protegido do ceticismo e da crtica. A confiana nos testemunhos das vtimas necessria para a instalao de regimes democrticos e o enraizamento de um princpio de reparao e justia. Pois bem, esses discursos testemunhais, sejam quais forem, so discursos e no deveriam ficar confinados numa cristalizao inabordvel. Sobretudo por-que, em paralelo e construindo sentidos com os testemunhos sobre os crimes das ditaduras, emergem outros fios de narraes que no esto protegidas pela mesma intangibilidade nem pelo direito dos que sofreram. (SARLO, 2007, p. 47)

    O elemento mais importante em todos os conceitos de memria e de democratizao e cidadania a revisita aos perodos ditatoriais, desde que esta revisita seja crtica e relativizada, evitando o maniquesmo de rotular os considerados bons e os considerados maus. Essa dicotomia no se justifica. A revisita, como conhecimento do passado e preparao do futuro, pode ser uma ferramenta importante no processo de instaurao de novos procedimen-tos que levem os pases com passados ditatoriais a analisar com mais clareza e discernimento suas aes polticas e sociais. No futuro, quando no mais contaremos com testemunhos que vivenciaram as ditaduras, acreditamos que ser atravs dos filmes que o passado ser conhecido. Sendo assim, filmes que representam processos autoritrios so relevantes, sejam eles ficcionais, basea-dos em fatos reais ou documentrios. Ricoeur proferiu uma palestra intitulada Memory, history, oblivion na Conferncia Internacional Haunting Memories? History in Europe after Authoritarianism, em 8 de maro de 2003 em Budapeste. Nessa ocasio, teceu diversos comentrios sobre memria, histria e esquecimento, que podem ser aplicados nossa pesquisa:

    a questo do dever de memria ou de outros problemas cruciais que apelam a uma poltica da memria anistia vs crimes im-prescritveis - podem ser colocados sob o ttulo da reapropriao do passado histrico por uma memria instruda pela histria, e

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    ferida muitas vezes por ela. ... Se a tratarmos de um modo no li-near mas circular, a memria pode aparecer duas vezes ao longo da nossa anlise: antes como matriz da histria, se nos colocar-mos no ponto de vista da escrita da histria, depois como canal da reapropriao do passado histrico tal como nos narrado pelos relatos histricos... A memria coletiva no est privada de recursos crticos; os trabalhos escritos dos historiadores no so os seus nicos recursos de representao do passado; con-correm com outros tipos de escrita: textos de fico, adaptaes ao teatro, ensaios, panfletos; mas existem igualmente modos de expresso no escrita: fotos, quadros e, sobretudo, filmes (pen-semos em Shoah de Claude Lanzmann, em A Lista de Schindler de Spielberg). ... O esquecimento , certamente, um tema em si mesmo. Diz respeito noo de rasto: rastos cerebrais, im-presses psquicas, documentos escritos dos nossos arquivos. O que a noo de rasto e esquecimento tm em comum , antes de tudo o mais, a noo de apagamento, de destruio. Mas este processo inevitvel de apagamento no esgota o problema do esquecimento. O esquecimento tem igualmente um polo ativo ligado ao processo de rememorao, essa busca para reencontrar as memrias perdidas, que, embora tornadas indisponveis, no esto realmente desaparecidas. De uma certa forma, essa indis-ponibilidade encontra a sua explicao ao nvel de conflitos in-conscientes. (RICOEUR, 2003).

    H diversas implicaes na palestra de Ricoeur que dizem respeito ao tema de nossa pesquisa. Em primeiro lugar, o dever de memria como rea-propriao do passado histrico, dever esse que est presente nos trs filmes do corpus. Em segundo lugar, em relao memria coletiva que, como cita o autor, no se recria somente pelos historiadores e sim por diversas mdias in-cluindo filmes, o que nosso caso. Talvez o cinema seja a mdia mais apropria-da para a perpetuao da memria histrica, considerando que trabalha com imagens em movimento, dilogos, reflexes, plonges, trilhas sonoras, elipses, flashbacks e pontos de vista mltiplos e simultneos, sendo a mdia mais com-pleta para a transmisso de eventos passados e de posturas crticas diversas, produzindo um caleidoscpio de possibilidades de leituras, interpretaes e posicionamentos. Em terceiro lugar, no que o texto da palestra menciona sobre o esquecimento, ou seja, a noo de rastros e arquivos mentais, especialmente sobre que o autor denomina de polo ativo na busca de memrias.

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    O filme Cerromaior evoca lugares e tempos que refletem a situao daquele determinado momento histrico, quando Portugal e Espanha estavam sob jugos autoritrios. Hoje busca o esquecimento sem sucesso; o polo ativo no permite o apagamento de sua memria. Repare Bem reflete as trs instn-cias: se reapropria do passado em modo de memria circular, tendo vivido a histria da ditadura no passado e agora tendo que reconstru-la; documenta um momento trgico atravs de imagens fortes e de grande emoo; e reme-mora situaes dolorosas para cumprir seu dever de cidadania. Conclumos este texto com uma citao de Le Goff que encapsula con-cisamente o tema desta pesquisa: o que sobrevive no o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas foras que ope-ram no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam cincia do passado e do tempo que passa, os historiado-res(LE GOFF, 1996, p. 535).

    RefernciasBAPTISTA-BASTOS, A. O Filme e o Realismo. Porto: Porto Editora, 1979.CAMPOS, H. de. Da traduo como criao e como crtica. In. Metalinguagem & outras metas. So Paulo: Perspectiva, 2004.COSTA, J. B.. Histrias do Cinema. Lisboa: Imprensa Nacional, 1991.DUARTE, M. J. Lus Rocha sobre Cerromaior. Jornal de Letras, Lisboa, 1981.HALBWACHS, M. A memria coletiva. So Paulo: Vrtice, 1990. _______________. A Memria Coletiva. So Paulo: Editora Centauro, 2004.LE GOFF, J. Histria e Memria. 4. ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996.MEDEIROS, M. de. Entrevista AC. Adoro Cinema, 22 de agosto de 2013. Dispon-vel em http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-103831/ Acesso em: 18 mar. 2016.PINA, L. de. Histria do Cinema Portugus. Lisboa: Publicaes Europa Amrica, 1986. REIA-BAPTISTA, V. Linguagens Flmicas, Cinema e Pedagogia da Comunicao. Revista Comunicar, Huelva, n. 4, 1998. RICOEUR, Paul. A memria, a histria, o esquecimento. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007._____________. memory, History, oblivion. Palestra Budapeste. March 3, 2003. Disponvel em http://www.uc.pt/fluc/lif/publicacoes/textos_disponiveis_online/pdf/memoria_historia Acesso em: 20 abr. 2016.

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    SARLO, B. Tempo passado: cultura da memria e guinada subjetiva. So Paulo: Com-panhia das Letras e Belo Horizonte/MG: Editora UFMG, 2007.STAM, R. A Literatura Atravs do Cinema: realismo, magia e arte da adaptao. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.______. Introduo Teoria do Cinema. Campinas, SP: Papirus, 2009.______. Teoria e Prtica da Adaptao: da fidelidade intertextualidade. Ilha do Desterro, Florianpolis, n. 51, jul/dez. 2006. Disponvel em https://periodicos.ufsc.br/index.php/desterro/article/view/2175-8026.2006n51p19/9004 Acesso em: 25 jun. 2016.ZANIN, L. Entrevista Tata Amaral. O Estado de So Paulo. 22 nov 2012. Disponvel em http://cultura.estadao.com.br/blogs/luiz-zanin/hoje-entrevista-com-tata-amaral/ Acesso em: 28 mai. 2016.

    Referncias audiovisuaisCERROMAIOR. Portugal, 1980. Luis Filipe Rocha. HOJE. Brasil, 2011. Tata Amaral.REPARE Bem. Portugal/Brasil, 2013. Maria de Medeiros.

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    CRianas, memRias e Cinema: Revisitando as ditaduRas miLitaRes Latino-ameRiCanas

    da dCada de 1970

    Priscila Ferreira Perazzo1

    Roberto elsio dos santos2

    Uma das caractersticas dos governos autoritrios que dominaram a cena poltica de pases latino-americanos ao longo dos anos 1970 foi a censura expresso artstica. Naquele momento no se veiculava nada que no fosse permitido pelos regimes. Mas, com o final das ditaduras e o advento da so-ciedade democrtica, o cinema latino-americano passou a produzir inmeros filmes, sobretudo pelculas que retratavam esse perodo sombrio da histria recente. Foram realizados documentrios ou filmes de fico que tiveram os horrores dos regimes militares como tema. Entre outros fatores, um dos que mobiliza essa filmografia foi a tentativa de impedir que esses fatos cassem no esquecimento, ou seja, a possibilidade pelo cinema da preservao da mem-ria, da lembrana constante daquilo que no se queria lembrar, mas no se deveria esquecer.

    Em certa medida, evocar a lembrana parece ser uma das funes da imagem em nossa sociedade. E o cinema se torna um dos meios pelo qual a

    1 Doutora em Histria Social pela USP, professora da Escola de Comunicao e do Programa de Ps-gra-duao em Comunicao da Universidade Municipal de So Caetano do Sul (USCS), coordenadora do Laboratrio Hipermdias/Memrias do ABC da USCS.2 Livre-docente em Comunicao pela ECA-USP e professor da Escola de Comunicao e do Programa de Ps-graduao em Comunicao da Universidade Municipal de So Caetano do Sul (USCS).

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    memria se expressa e se comunica, pelo qual deixa a iluso de que o esque-cimento se esvai entremeado nas imagens. Como nos adverte Boris Kossoy (2004, p. 50) que, mesmo pensando a imagem fotogrfica, nos auxilia na in-terpretao da imagem flmica, dentre as diferentes formas de informao transmitidas pela mdia, as imagens, em geral se constituem num dos susten-tculos da memria. As lembranas precisam ser evocadas e, por isso, s vezes, se apoiam em testemunhos (HALBWACHS, 1990). Nesse sentido, podemos revisitar as histrias das ditaduras latino-americanas tendo a evocao da me-mria pelo cinema.

    Todavia, no consideramos aqui que tais filmes sejam testemunhos no sentido tradicional do termo (atestar algum acontecimento verdico), que o considera como a expresso da verdade. Pelo contrrio, pretendemos discutir as narrativas ficcionais trazidas pelo cinema, que no so nem menos, nem mais verdadeiras que as experincias vividas. Mas, como suportes da memria, nos permitem relembrar esses perodos histricos uma vez que nos trazem o passado por meio de um relato. As narrativas, mesmo a ficcional, em especial o cinema, que emprega elementos como cenografia e figurinos que remetem a um determinado tempo histrico tm o poder de recriar o passado. De acordo com Ferro (1992, p. 13):

    Entre cinema e histria, as interferncias so mltiplas, por exem-plo: na confluncia entre a Histria que se faz e a Histria compre-endida como relao de nosso tempo, como explicao do devir das sociedades. Em todos esses pontos o cinema intervm.

    Paranagu (1985, p. 90), ao questionar a existncia de um cinema lati-no-americano, considera que os cinemas da Amrica Latina, assim no plural, raramente se comunicam entre si, apesar ou por causa do seu desenvolvimento desigual e descombinado. Porm, como muitos desses pases passaram pela experincia histrica traumtica dos regimes repressivos, diversos filmes re-alizados desde os anos 1980 passaram a abordar esse tema e vrios deles, sob a mesma perspectiva: a da memria do ressentimento, como Pra frente Brasil (Brasil, 1982, de Roberto Farias), dirigido em 1982 por Roberto Farias, que aborda a tortura e a brutalidade nos anos de chumbo.

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    Maria Stella Bresciani e Mrcia Naxara (2001, p. 9) nos trouxeram essa ideia de memrias e ressentimentos quando se preocuparam em discutir o avesso da face historicamente datada da obrigao da memria, essa memria involuntria construda como estratgia de luta. As autoras, organizadoras de um colquio sobre o tema em 2000 na Unicamp, que deu origem publicao Memria e (res)sentimento (2001), fizeram o seguinte questionamento: como podemos separar as memrias de sentimentos negativos das evocaes som-brias das nossas lembranas e das inquietaes terrveis da histria?

    Por sua vez, os estudiosos do cinema e da memria na Comunicao, tambm se perguntam sobre como as memrias transitam pelas mdias, pro-vocando as lembranas ou os esquecimentos de acontecimentos das nossas vidas, que se transformam em outras memrias, que se impem de forma ma-terial como os filmes, e expem, por meio dessa linguagem, o que guardado no interior recndito e, muitas vezes, ressentido.

    Pensando nisso, foram selecionados quatro filmes do cinema latino-a-mericano para serem analisados nesse texto, uma vez que so entendidos como produtos da memria nas mdias, que reconstroem episdios histricos, como as ditaduras da dcada de 1970 em pases como Brasil, Argentina e Chile, e que aparecem como uma memria discursiva de um perodo, de um grupo e, mais, de personagens caracterizados por crianas: O ano em que meus pais saram de frias (Brasil, 2006, com direo de Cao Hamburger), Kamchatka (Argentina, 2002, de Marcelo Pineyro), Infncia clandestina (Argentina, 2011, realizado por Benjamin avila) e Machuca (Chile, 2004, dirigido por Andrs Wood), so produes cinematogrficas latino-americanas inovadoras por tratar da me-mria do obscurantismo ditatorial pelo olhar infantil, contrapondo violncia e inocncia, sentimento e ressentimento.

    Essas produes cinematogrficas so expresses da memria que re-velam a recordao da afronta, no acompanhada do desejo de vingana, como se caracteriza o ressentimento, mas de uma metfora do vingar-se ao provocar a evocao de uma memria, uma lembrana que no se esquece. Esse parece ser o papel do cinema nesse momento, que reelabora umsentimento reserva-do de qualquer ofensa e permite uma lembrana, mesmo que dolorosa, da-quela palavra, acontecimento ou ato ofensivo. A ofensa foi o sistema opressivo

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    das ditaduras que provocou a excluso dos direitos cidadania. A ofensa foi a orfandade de crianas que tiveram seus pais violentamente arrancados de suas vidas, tenha sido pelo assassinato ou pelo desaparecimento desses militantes. A ofensa foi a solido desses meninos, foi a infncia abortada pela clandestini-dade, foi o encontro precoce com a morte de pessoas queridas. A ofensa foi a perda inclemente da liberdade.

    Certo que estas no foram as nicas produes cinematogrficas re-alizadas no sculo XXI que abordaram o tema de regimes ditatoriais a partir do olhar infantil. No filme romeno Como eu festejei o fim do mundo (Romnia, 2006, de Catalin Mitulescu), por exemplo, um garoto de 7 anos testemunha e, ao mesmo tempo, piv da queda do ditador Nicolae Ceausescu, nos anos 1980. J em A culpa do Fidel! (Frana, 2006, da diretora Julie Gavras), cuja trama se passa na Frana, no incio dos anos 1970, uma menina de 9 anos atribui ao lder cubano, por influncia da faxineira que foi exilada de Cuba, o fato de se sentir abandonada pelos pais, intelectuais engajados, sempre envolvidos em discusses polticas. Neste filme, h vrios pontos de contato com os filmes Machuca e Infncia Clandestina. No primeiro, uma mesma cena se repete na sequncia em que o menino assiste pela televiso ao golpe contra o presidente chileno Salvador Allende. No segundo, o menino assiste pela televiso a not-cia de que seu pai fora morto em confronto com militares, sendo considerado o lder do movimento Montoneros3, contra a ditadura, em 1979.

    Alm da presena de crianas como protagonistas/narradoras e de re-gimes truculentos, esses filmes tambm possuem outros pontos em comum: os protagonistas so os contadores das histrias e so meninos na fase de des-coberta do mundo e das relaes amorosas, tpicas da pr-adolescncia. Mas essas vivncias das crianas, nas tramas dos filmes, foram atropeladas pelas urgncias do momento poltico, provocando nos personagens sentimentos ambguos e conturbados, que se relacionavam s descobertas da vida e de si prprios. E as descobertas do mundo em que viviam.

    So filmes cuja narrao se d em primeira pessoa. Mesmo que no ex-plicitamente, quem conta a histria so os filhos, que tambm so os protagonis-3 Montoneros foi uma organizao poltico-militar argentina e de guerrilha urbana. Seus integrantes lu-tavam pela desestabilizao da ditadura militar instaurada em 1976, clamavam o retorno de Juan Do-mingo Pern ao poder e a realizao de eleies democrticas. O auge desse movimento se deu en-tre 1970 e 1979.

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    tas e em algum momento fazem um relato explcito de seus sentimentos. Evo-cam um tempo passado revivido por eles quando adultos. Essa situao nos leva a considerar tais relatos como narrativas das memrias dos personagens, que buscam as lembranas dos momentos de afeto e de terror. A ideia de compre-ender o passado se atinge colocando-se a perspectiva de um sujeito e reconhe-cendo subjetividade o lugar da primeira pessoa do relato. Como na literatura, a primeira pessoa do relato e os discursos indiretos livres possibilitam modos de subjetivao do narrado. dessa forma que o mercado de bens simblicos, como pode-se considerar o cinema, vem se propondo a reconstruir a textura da vida alojados na rememorao da experincia (SARLO, 2007, p. 21).

    Nesse sentido, este texto apresenta filmes produzidos no Brasil, na Ar-gentina e no Chile no sculo XXI, que tratam da represso nos momentos de exceo, tendo como narradores e/ou protagonistas crianas que viveram aquela poca. Pode-se considerar parte de uma produo cinematogrfica da Amrica Latina sobre as experincias das ditaduras da dcada de 1970 sob o olhar de meninos protagonistas que evocam suas memrias para recontar suas experincias e as histrias de seus pases.

    Desse modo, o objetivo aqui discutir as relaes entre memria e subjetividades nos contextos das ditaduras latino-americanas na dcada de 1970, a partir dos filmes O ano em que meus pais saram de frias (Brasil, 2006), Kamchatka (Argentina, 2002), Infncia clandestina (Argentina, 2011) e Ma-chuca (Chile, 2004), considerando as narrativas cinematogrficas do ponto de vista das crianas protagonistas, o que nos permite traar um elo entre fico e memria dos afetos e da poltica. Para realizar este intento, os filmes sele-cionados foram analisados a partir das de discusses sobre a construo da memria, dos silenciamentos e do esquecimento, sob os conceitos de memria do ressentimento e memria manipulada.

    no brasil: os pais saram de frias...O filme O ano em que meus pais saram de frias deve ser entendido no

    contexto posterior ao que se convencionou chamar de retomada do cinema brasileiro. Com a crise inflacionria, o fechamento de salas de exibio e a extino da Embrafilme, no incio da dcada de 1990, a produo cinemato-grfica nacional diminuiu drasticamente.

  • DITADURAS REVISITADAS

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    Mas, com o sucesso de Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, dirigido por Carla Camurati em 1995, a implantao de leis de incentivo (a exemplo da Rouanet e a do Audiovisual), o crescimento dos multiplexes em shopping centers e a consolidao da Globo Filmes, parte do Sistema Globo, como pro-dutora e distribuidora, a quantidade de filmes brasileiros voltou a aumentar.

    Sobre a expresso retomada do cinema brasileiro, Leite (2005, p.128) afirma que ela no aceita pela totalidade dos profissionais ligados s ativida-des cinematogrficas no pas. Para os crticos da expresso, no houve propria-mente uma retomada. O que aconteceu foi uma longa interrupo, motivada principalmente pelo fechamento da Embrafilme. Da mesma forma, Butcher (2005, p. 14) assevera que o:

    Termo to desgastado quanto manipulado, retomada o nome dado ao cinema brasileiro hoje. Ele designa o processo de recu-perao da produo cinematogrfica do Brasil depois de uma de suas mais graves crises, no comeo dos anos 90.

    Uma das caractersticas desse perodo a diversidade temtica e est-tica das obras (comdias, dramas, histrias de poca, documentrios, filmes com temticas sociais etc.). Nesse sentido, O ano em que meus pais saram de frias pode ser entendido como um filme da nossa memria poltica, que retrata o perodo mais sombrio da ditadura civil-militar no Brasil. O que o diferencia de outras produes, como Cabra cega (Brasil, 2005, realizado por Toni Venturi) e Hoje (Brasil, 2011, dirigido por Tata Amaral), justamente o narrador-protagonista, um garoto que deixado por seus pais, militantes que precisam se esconder, para ficar com o av paterno, que mora no Bairro do Bom Retiro, em So Paulo.

  • Cartografias, Memrias e Representaes Audiovisuais

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    Figura 1. O protagonista v-se em meio euforia com a Copa do Mundo e com conflitos polticos e culturais Fonte: Divulgao do filme

    Mas, como o av morre subitamente, o garoto passa a viver com um vizinho judeu, no momento em qu