a cidade (re)criada pelas crianÇas -muitas cidades possÍveis na cidade de sÃo paulo
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Este artigo busca discutir a relação da criança com a cidade. Uma criança entendida como ator social com direito a participação no cenário urbano e dotada de competência e potencial para a construção de um conhecimento sobre o ambiente urbano que habita. O objetivo é observar como a criança se apropria, transforma, (re)cria e busca seu espaço numa cidade pensada e projeta por adultos para adultos, e como ela atribui novas funções aos espaços de forma a construir seu imaginário urbano a mostrar que suas culturas de infância podem ser vividas nos espaços urbanos num brincar com a cidade não se restringindo somente num brincar na cidade em espaços fechados, programados, planejados como quer o mundo adulto.TRANSCRIPT
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esconderijo como fazem as crianças. A criança com sua inventividade e ludicidade próprias das culturas de infância nos mostra outras cidades possíveis num ato de criação de inúmeras possibilidades de construir e desconstruir os espaços urbanos.
Busca‐se descobrir como as crianças da cidade de São Paulo (re)criam e como se relacionam no/com o espaço urbano.
De um lado temos o mundo adulto que se coloca como o detentor de um conhecimento sobre quais devem ser os espaços destinados à infância, configurados em um brincar na cidade, em locais fechados e institucionalizados, enquanto que do outro lado temos a infância a mostrar que pode construir um outro conhecimento possível sobre o espaço urbano em um brincar com a cidade.
Para que se possa compreender a criança como detentora de um conhecimento e saber do espaço urbano é importante pontuar e clarificar a concepção de infância com que se vai trabalhar. A perspectiva que se vai adotar é a da sociologia da infância tendo a “infância como categoria social e as crianças como sujeitas de direitos, com voz e ação nos seus cotidianos”. (SOARES, 2005, p: 3)
A SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA
A sociologia da infância entende a criança como ator social produtora de conhecimento e saber e reivindica que se considere a criança por si própria com autonomia epistemológica de forma a romper com as adjetivações negativas pautadas nos conceitos de incompetência, imaturidade, ainda não sabe, não pode, não conhece, atribuídas a esta categoria geracional da infância. Propõem‐se revelar a criança na sua positividade como ser ativo, participante e atuante da sociedade em que está inserida, e não como mero objeto passivo de socialização imposta pelos adultos.
As crianças não devem ser vistas como sujeitos passivos que apenas incorporam a cultura adulta que lhes é imposta, mas como sujeitos que interagindo com este mundo cria formas próprias de compreensão e ação a serem parte integrante da sociedade.
O que vemos é uma infância colocada na “sala de espera” em espaços institucionalizados e destinados à elas aonde só é sujeito, cidadão, integrante e participante da sociedade ao se tornar adulto, daí a importância e a contribuição da sociologia da infância de reconhecer a infância como grupo específico, mas não isolado.
É preciso repensar, desconstruir conceitos confirmados de infâncias e crianças enquanto seres de outras espécies, enquanto entidades isoladas do mundo material, físico, afetivo, histórico, cultural e social dos adultos e não pensar na criança, por isso, como um adulto em miniatura ou sujeito
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inacabado da condição humana (…) sujeitos de pouca idade sim, mas que lutam através de seus desenhos, gestos, histórias, falas, imaginação e outras tantas formas de ser e de se expressar pela emancipação da sua condição de silêncio. (SARMENTO, CERISARA, 2004, p: 184185)
São estas múltiplas formas de expressão das crianças que à sua moda compreendem o mundo que as cerca que se busca observar na relação destas com o espaço urbano. Estas manifestações infantis presentes no cenário urbano são provenientes de uma cultura própria das crianças que precisam ser compreendidas e levadas em conta por aqueles que pensam os espaços da cidade.
AS CULTURAS DA INFÂNCIA
A flor
Pede‐se a uma criança: desenhe uma flor! Dá‐se‐lhe papel e lápis. A criança vai sentar‐se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu.
Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor!
As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor!
Contudo, a palavra flor andou por dentro da cabeça da criança, da cabeça pro coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas; ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!
José de Almada Negreiros
Este poema português deixa evidente que a criança tem uma cultura que lhe é própria e precisa ser respeita na sua especificidade.
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O que vemos nos espaços urbanos são vários desenhos desta flor, aonde as crianças imprimem suas formas e dão novas atribuições e significados ao ambiente que está a sua volta, onde os bancos da praça se transformam em barco e carro, os postes de iluminação em árvores que podem ser escaladas. Mesmo que o mundo adulto não consiga enxergar no banco um barco ou um carro, a criança o consegue perfeitamente a revelar que existe culturas de infância.
Como aponta SARMENTO (2003) esta alteração da lógica formal não significa que as crianças tenham um pensamento ilógico, pelo contrário há uma organização lógica que possibilita que a criança transite entre o mundo real e o mundo imaginário de forma a apropriar, reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia.
“As crianças são capazes de inventar, em contextos criados pelos adultos, os seus próprios subcontextos, que permanecem a maior das vezes invisíveis para os adultos, mas que são bem visíveis e notórios para as crianças”. (CORSARO, 1985 apud GRAUE, WASLH, 2003, p: 29)
O conceito de culturas da infância tem sido discutido no âmbito da sociologia da infância. Por este conceito entende‐se “a capacidade das crianças em construírem de forma sistematizada modos de significação do mundo que são distintos dos modos de significação dos adultos”. (SARMENTO, 2003, p:54)
As crianças apresentam, portanto, modos específicos de significações e comunicação e criam modos próprios de interpretar e se relacionar com o mundo. Elas são “atores sociais de pleno direito e não como menores ou componentes acessórios, implica o reconhecimento da sua capacidade de produção simbólica e a constituição das suas representações e crenças em sistemas organizados, isto é, em culturas”. (SARMENTO; PINTO, 1997, p: 20)
São os elementos constituintes das culturas de infância: a ludicidade, a fantasia (transposição do imaginário do real) e a reiteração (princípio do qual as coisas podem ser feitas várias vezes, ela não tem fim) que se busca detectar no ambiente urbano.
Coloca‐se em questão as culturas de infância no espaço urbano da cidade de São Paulo de forma a desvendar como a cidade participa do mundo das diversões das crianças.
A experiência de viver na cidade pode ser muito diferenciada a constituir culturas da infância no seu plural aonde fatores geográficos, sociais, econômicos têm que ser levados em conta. Para uma criança que mora na periferia de uma grande metrópole como São Paulo a busca de lazer e diversão implica deslocar‐se enquanto que aquelas crianças que moram em bairros nobres têm mil formas de divertimento a serem consumidos, ainda que confinados e pré‐estabelecidos.
De um lado ficam os parques, shoppings, clubes, cinemas, parques de diversão erguidos sob uma noção de lazer criado para o consumo que é vendido. Do outro a
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casa, quintal, a rua com a noção do lazer gratuito sem infra‐estrutura. O que vemos são culturas de infância que se constroem em situações e oportunidades diferenciadas num mesmo espaço urbano.
Se por um lado há para classe média e alta um lazer em espaços segregados e exclusivos aonde as crianças são confinadas em espaços planejados e programados, por outro há uma institucionalização das crianças da periferia aonde são oferecidos como lazer o seu próprio espaço escolar através do programa recreio nas férias2, escola aberta3 e a construção dos CEUS.4 Isso porque o mundo adulto tem uma visão protecionista da criança aonde a cidade oferece perigos para ela, por isso o melhor é que fiquem seguras a brincar nestes espaços fechados.
Formas de confinamento da infância que negam a vertente lúdica da vida urbana, mas as crianças nos mostram que não estão condenadas a este confinamento como enuncia SARMENTO (2003) nos estudos das crianças de guerra que aponta que é possível criar um outro mundo. As crianças “ganham” a cidade que lhes foi interditada a brincar com os espaços de modo a ressignificá‐lo a atribuir novas funções aos mesmos a criar seus mundos e culturas num ambiente urbano construído por adultos e para adultos.
A CRIANÇA E A CIDADE
Ao contrário, as cem existem
A criança é feita de cem. A criança tem cem mãos, cem pensamentos, cem modos de pensar, de jogar e de falar. Cem sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar, cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos para inventar, cem mundos para sonhar.
A criança tem cem linguagens (e depois cem, cem, cem), mas roubaram‐lhe noventa e nove. A escola e a cultura lhe separam a cabeça do corpo. Dizem‐lhe: de pensar sem as mãos, de fazer sem a cabeça de escutar e não falar, de compreender sem alegrias, de amar e maravilhar‐se.
Só na Páscoa e no Natal dizem‐lhe: de descobrir o mundo que já existe e de cem roubaram‐lhe noventa e nove. Dizem‐lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a ciência e a imaginação, o céu e a terra, a razão e o sonho são coisas
2 Recreio nas férias é um projeto que o governo criou para oferecer atividades recreativas, brincadeiras para as crianças que estão em período de férias. 3 Escola aberta é um projeto criado pelo governo com o intuito de promover atividades de lazer nas escolas nos fins‐de‐semana para as crianças participarem. 4 CEUS são centros educacionais unificados. Foram construídos 21 ceus pelo governo de Marta Suplicy aonde centraliza no espaço escolar os espaços de lazer das crianças: piscina, teatro, parque, pista de skate.
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que não estão juntas. Dizem‐lhe: que as cem coisas não existem, a criança diz: ao contrário, as cem existem. (Loris Malaguzzi, 1996)
A cada momento as crianças nos mostram que a cidade pode ser conhecida de cem maneiras. Se hoje aquele banco pode ser uma casa, amanhã já pode ser um carro e, assim elas vão imprimindo no espaço urbano seu caráter lúdico e imaginativo através de cem modos de pensar, de jogar, de falar a dizer que as cem existem, cem maneiras de ver e conhecer a cidade, mesmo que o mundo adulto diga que não há por uma falta de compreensão da epistemologia, do sentimento e da realidade infantil.
A infância persiste em seus modos de ser. O criar, o brincar, o sonhar esbarram nos ideologismos dos adultos: “agora não pode”, “agora não é hora”, “este não é lugar para isto”, no entanto elas persistem a tornar claro que a criança possui inúmeras formas de expressão, de comunicação, de ser, existir e conhecer o mundo.
Benjamin (1992, apud FORTUNA, 1999, p: 27) “assinalava que mais importante do que conhecer uma cidade era saber perderse nela, sobreviver na ausência de guias, sem orientações ou trajetos préestabelecidos”.
Nos tempos atuais foi negada a infância a possibilidade de perder‐se na cidade porque esta é vista como local de perigo e risco, portanto, não é lugar onde as crianças devam estar. Configura‐se o que denomino de territorialização da infância aonde a escola e a família se constituem como território do cuidado, da proteção e da educação e a cidade como território do risco e do perigo.
Na construção desta tríade criança‐escola‐família não há espaço para a cidade como território que a criança possa conhecer, participar, aprender.
É importante recorrer a história para ver como a cidade vai definindo através de fronteiras imaginárias o lugar de cada coisa e de cada uma das categorias geracionais (adulto, criança e idoso).
Até o século XVIII as muralhas eram tidas como características das cidades. As cidades eram todas cercadas por muralhas onde do lado de fora desta estava o perigo, os animais selvagens, assaltantes nômades, exércitos invasores, e do lado de dentro esta a segurança aonde se podia desfrutar da liberdade longe dos medos e perigos. Hoje o que temos é uma insegurança dentro da própria cidade.
Nas cidades medievais não havia segregação entre os locais de moradia e trabalho. A casa do artesão era simultaneamente uma unidade de consumo e produção na qual se engajavam os adultos, jovens e crianças que compunham a família. A vida cotidiana das crianças estava misturada com os adultos sendo notável a abundância das crianças nas cenas da multidão no qual a vida privada se passava mais na rua do que em casa.
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Na idade média, no início dos tempos modernos as crianças misturavamse com os adultos assim que eram consideradas capazes de dispensar a ajuda das mães ou das amas, aproximadamente aos sete anos. A partir desse momento ingressavam imediatamente na grande comunidade dos homens, participando com seus amigos, jovens ou velhos dos trabalhos e dos jogos de todos os dias. (ARIES, 1981, p: 275)
As ruas neste período se configuravam como espaço coletivo, e as crianças perambulavam com ou sem finalidade. Elas não eram segregadas ou separadas dos demais porque a rua fazia parte do seu mundo.
Na sociedade medieval a atividade lúdica era um dos principais meios disponíveis para estreitar laços coletivos, isso acontecia durante as festas quando as crianças, jovens e adultos participavam dos folguedos de modo igual. Era o espaço onde se dava o aprendizado da criança realizado a partir dos cuidados de muitas pessoas sem distinção etária aonde a diversidade era encarada com naturalidade e o espaço de brincar era o espaço público.
No fim do século XIX as crianças começam a ser separadas do mundo dos adultos e sua aprendizagem que antes era tida na rua com o contato com os outros que ali circulavam passa a ser substituída pela escola.
A criança foi separada dos adultos e mantida a distância numa espécie de quarentena, antes de ser solta ao mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio. Começou então um longo processo de enclausuramento das crianças que se estenderia até nossos dias, e ao qual se dá o nome de escolarização. (ÀRIES, 1981, p: 11)
As crianças começam neste momento a perder o espaço da rua, o direito à cidade, seus novos espaços passam a ser a escola e a família.
“A família e a escola retiraram juntas a criança da sociedade dos adultos. A escola confinou uma infância outrora livre num regime disciplinar cada vez mais rigoroso”. (ÁRIES, 1981, p: 277)
Segundo PRIORE (2006) a modernidade passa a ver a criança como um futuro adulto em construção que precisa ser educado e a família passa a valorizar o foro íntimo e a vida privada.
Para a burguesia o espaço público deixa de ser a rua e passa a ser a sala de visitas da sua casa. Do ponto de vista do modelo burguês de morar casa e rua são dois termos em oposição: a rua é terra de ninguém, perigosa que mistura classes, sexos, idades, posições na hierarquia, e a casa é o território íntimo e preservado.
As crianças que até então viviam desde pequenas no mundo dos adultos a aprenderem na prática o que necessitariam para sobreviver passam a ser separadas por grupos de idade e mandadas a escola. O espaço público vai
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perdendo seu uso multifuncional, a deixar de ser local de encontro, de prazer, de lazer, de festa, de espetáculo aonde a vida privada emerge marcada cada vez mais pelo medo e enclausuramento.
PROTEÇÃO DA CASA E A INSEGURANÇA DA RUA
Para as crianças, o deslocamento se restringe porque a cidade, como obra dos adultos, reflete a divisão social do trabalho onde casa e escola são os lugares onde a criança deve estar, enquanto a rua, ou a cidade de maneira geral, são os lugares onde só os maiores têm livre circulação. (CASTRO, 2004, p: 73)
Podemos estabelecer uma relação entre casa e rua com família e cidade respectivamente. É impossível pensar em cidade sem imaginar de imediato um aglomerado de casas e ruas que surgem como espaços distintos quer do ponto de vista físico quer do ponto de vista sociológico.
A rua é o espaço aberto, público, onde se desenvolve a vida coletiva, é o lugar do movimento, das novidades, dos deslocamentos, do desconhecido, das descobertas, mas é também lugar dos riscos e perigos. A casa é o contrário de tudo isso, abriga uma coletividade muito mais restrita, organizada pelo parentesco, pelos laços de sangue, um espaço protegido separado da rua onde não há lugar para o estranho.
Enquanto a casa é o lugar da família, é o espaço íntimo, privado e de proteção, a rua é o lugar do perigo, do anonimato. Casa e rua se encontram, portanto, num jogo de oposições entre risco e proteção.
À infância foram designados dois espaços: casa e escola, aonde lhe foi atribuída o ofício de aluno e de filho, estou a procurar o ofício de criança a revelar o sujeito criança que está no filho e no aluno. “Casa e escola são os novos espaços que se erguem em oposição ao espaço externo, e as crianças são encerradas nesses novos locais onde ocorrerá sua preparação para entrada no mundo adulto”. (VASCONCELLOS; MOREIRA, 2005, p: 29)
A cidade se constitui como lugar de passagem das crianças que estão a transitar entre as suas duas instituições socializadoras: família e escola, a cidade se transforma no elo de ligação, metaforicamente uma ponte entre a casa e a escola a colocar a infância na “sala de espera” de sua condição de cidadão com direito a cidade. Se durante os dias da semana não vemos as crianças na cidade porque estão nos espaços que lhes foram designados pela divisão do trabalho: casa e escola, durante os fins de semanas encontramos as crianças nos parques, playgrounds, shoppings, outras formas de confinamento da infância.
Não queremos ver as crianças na cidade porque esta é tida como perigosa e violenta, uma vez que o sentimento da nova urbanidade se sustenta no medo e na desconfiança aonde a “sociedade se organizou em torno de uma procura infinita de
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proteção e insaciável aspiração à segurança”. (BAUMAN, 2005, p: 11). Temos medo das crianças circularem sozinhas pela cidade, medo de se machucarem, medo da violência, isso porque temos uma visão protecionista acerca da infância o que resulta cada vez mais no seu confinamento em espaços institucionalizados.
A todo o momento escutamos “expressões corriqueiras como “lugar de criança é na escola” ou “a rua não é lugar de criança” e outras do gênero delimitam espacialmente o que os adultos definem por territórios destinados ou vedados para as crianças”. (VASCONCELLOS, MOREIRA, 2005, p: 41)
Crianças e jovens permanecem como atores invisíveis a não ser quando se viabiliza de forma negativizada: quando muros e prédios da cidade aparecem pichadas elas, então, aparecem como personificações do caos e da desordem citadina, ou quando se inicia o ano letivo escolar, e as ruas aparecem congestionadas de carros, então crianças aparecem como problema do trânsito. (CASTRO, 2001, p: 38)
A espacialidade complexa que é a cidade não contempla os desejos e interesses das crianças, já que a visão adultocêntrica vê a criança somente no ambiente escolar e familiar, não havendo sentido levar em conta suas opiniões já que a cidade não é o espaço que lhe foi designado.
“Distanciados de participarem da construção e da ocupação do espaço da cidade, às crianças fica destinado o espaço da casa, do play, da escola e, cada vezes menos freqüentemente, de rua. Espaços que são construídos para ela e não por ela”. (CASTRO, 2004, p: 74)
Se antes as crianças podiam circular e brincar livremente pelos diversos espaços da cidade como mostra Florestan Fernandes (1979) nas “Trocinhas do Bom Retiro” com o rápido processo de urbanização os espaços públicos de socialização foram cedendo terreno para os espaços privados. A infância passa a ser confinada em espaços institucionalizados aonde é o adulto que organiza o tempo e o espaço da criança, “os adultos que decidem e dispõe sobre as formas geográficas e físicas, sentimentais e sociais de viver na cidade”. (CASTRO, 2004, p: 19). Os adultos configuram na cidade quais espaços destinados as crianças e como estes devem ser a constituir um brincar na cidade, enquanto que a criança quer brincar com a cidade.
BRINCAR NA/COM A CIDADE
Estou sentada na mesa da sala do meu apartamento a ler Aventuras Urbanas de Lúcia Rabello Castro e pensar na relação da criança com a cidade. Divago nos meus pensamentos, me perco nos meus olhares, na sala há uma enorme porta de vidro aonde posso ter uma visão da rua de Braga, o que vejo é o estacionamento do supermercado Macro, ele está vazio, sem carros, é domingo, crianças brincam de bola. Este espaço que o
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mundo adulto constrói com a finalidade única de ser um estacionamento neste momento é recriado e resignificado pelas crianças que dão a este espaço outra função e sentido. As linhas brancas impressas no asfalto estão ali para demarcar o espaço reservado para cada carro agora se transforma em delimitações do tamanho do gol e do campo do jogo de futebol.” (notas de campo – 18 de Fevereiro de 2007 – Braga)
“Ando pelas ruas da Avenida Central a acompanhar as crianças que estão a ir para o encontro de fantasias, é Carnaval. Caminho junto à elas até a Câmera Municipal e observo que as crianças fazem de sua diversão e brincadeira a vala, o bueiro que o mundo adulto designa para ter a função de escoar a água. As crianças transformam os buracos da vala a sua diversão de jogar os confetes de Carnaval, e vêlos cair naquele buraco escuro, imenso e sem fim é o que estimula a imaginação das crianças.” (notas de campo – 16 de Fevereiro de 2007 – Braga)
As crianças buscam fazer da cidade, dos pequenos espaços, dos becos, dos trajetos, dos espaços uma obra também sua, já que a cidade especialmente seus espaços públicos foi planejada, organizada e implantada por adultos.
Estamos diante de uma cidade pensada, projetada e construída por adultos e para adultos que adota como “parâmetro o cidadão adulto, abandonando os cidadãos não adultos”.(TONUCCI, 1997, p: 181) onde as crianças buscam o seu espaço porque não gostam dos espaços rigidamente definidos, separados, dedicados a elas. Preferem os espaços utilizados de formas diferentes de acordo com as exigências da brincadeira, isso porque “os espaços para as crianças brincarem separados e especializados não é para satisfazer as exigências do brincar das crianças, mas sim responder as preocupações dos adultos”. (TONUCCI, 1997, p: 95)
LIMA (1989) critica esta pretensão dos adultos, arquitetos, planejadores urbanos e políticos acharem que podem construir espaços voltados para os interesses e desejos que não são os seus sem consultarem e escutarem o que a criança tem a dizer.
Instala‐se aí uma tensão na (re)criação da cidade entre “territórios de criança” e os “territórios pensados para elas”, de um lado o mundo adulto a dizer que as crianças devem brincar na cidade em espaços fechados e monitorizado, do outro as crianças a mostrar que pode brincar com a cidade reinventando‐a e adotando outras maneiras de imaginá‐la e conferir‐lhe sentido a questionar o “status quo”. Isso evidencia que o espaço vivido e percebido da criança se opõe ao espaço concedido do desenhador das cidades e do político.
É na cidade, fora de casa, que as crianças buscam uma certa independência e autonomia em relação aos adultos de forma a construir sua identidade social e
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cultural a atiçar o imaginário, daí a importância de ver as crianças “movimentandose atuando exatamente no mesmo mundo em que as outras pessoas o fazem, e não somente dentro desses limitados mundos de brincadeira, do cuidado e da aprendizagem que tem sido indicados para eles”. (CASTRO, 2001, p: 76)
A cidade deve ser, portanto, o lugar onde crianças e adultos possam viver juntas, mas é evidente a incompreensão da infância como ator social com direito a cidade. Isso porque ainda consideramos as crianças como seres imaturos e incompletos com direitos de provisão5 e proteção6 somente, sem a concessão ao direito a participação7.
As práticas sociais dos adultos face à infância são dominadas pelo paradigma da propriedade (meu filho, meu aluno, sei o que é melhor para ele), paradigma da proteção e do controle que considera a criança um ser frágil sem autonomia, ainda incapaz que precisa ser protegido e paradigma da periculosidade onde a criança se desloca pela cidade com bastante restrição.
Quando falamos das crianças na cidade é importante deixar claro de que cidade estamos a falar. A cidade de que falo é a cidade de São Paulo, uma grande metrópole do Brasil que assistiu um crescimento populacional sem precedentes na sua história acompanhado de um crescente medo, insegurança perante a violência.
O espaço da rua antes tido como lugar para brincadeira das crianças se transforma em via de passagem para carros e, as crianças passam a ser confinadas nos playgrounds, condomínios, praças e parques onde “jogam jogos em clubes esportivos melhor que nas ruas, escalam o playground melhor que as árvores”. (CHRISTENSEN, 2002, p: 66)
São Paulo, hoje em dia é uma cidade de muralhas. Levantase por toda a parte barreiras materiais. Uma nova estética de segurança preside a todo o tipo de construções e impõe uma lógica sem precedentes baseado na vigilância e no isolamento. (BAUMAN, 2005, p: 35)
A cidade apresenta‐se como espaço das diferenças sociais, culturais, étnicas e religiosas a compor um cenário diverso, por isso, é importante falar dos lugares na cidade destinados às crianças da periferia e às crianças de classe média e alta. A organização espacial da cidade e a distribuição dos equipamentos e dos espaços de lazer é feita de forma desigual, muitas vezes eles estão concentrados nos bairros onde moram pessoas de melhor poder aquisitivo restando ao morador da periferia a casa, a rua, a escola para suas vivências.
“Para cada criança do local existe também um lugar de criança, um lugar social designado pelo mundo adulto e que configura os limites de sua vivência”. (VASCONCELLOS, 2005, p: 39)
5 Direitos de provisão estão relacionados aos direitos sociais: saúde, educação, segurança. 6 Direitos de proteção contra abuso físico, exploração, injustiça. 7 Direito de falar, ser consultada e ouvida.
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As crianças de classe média e alta vivem isoladas da cidade por meio dos vidros das automóveis, janelas de suas casas, muros dos condomínios, paredes do shopping, grades dos clubes, parques e escolas, espaços limitados que se constituem como ilhas infantis em meio à cidade onde as crianças vão de um espaço privado a outro espaço privado.
O brincar ao ar livre foi sendo substituído pelo brincar em espaços interiores cobertos, de menor dimensão no qual dinheiro e lazer apresentam uma incompatibilidade que opõe os interesses do mundo adulto aos anseios infantis. Como o espaço urbano pode gerar renda e multiplicar capital, os adultos tendem a apropriar‐se das áreas que devem ser das brincadeiras e transforma o divertimento em atividade lucrativa aonde “as áreas de lazer não foram feitas para jogar bola, brincar de mocinho e bandido, bater piqueesconde, soltar pipa, pular amarelinha e exercitar o corpo e o movimento”. (VOGEL; LEITÃO, 1995, p: 125)
Enquanto que as crianças de classe média e alta possuem um leque de opções de lazer, as crianças da periferia, ao contrário, são carentes destes equipamentos e a falta de dinheiro manifesta nestas o poder criativo o que resulta numa grande diversidade de brinquedos feitos com materiais nada convencionais: bonecas de pedras, tijolos, barro, casca de melancia, etc. Para quem mora na periferia a busca de lazer e diversão implica deslocar‐se o que demanda disposição, tempo e dinheiro.
As políticas públicas buscam ofertar para estas crianças da periferia práticas esportivas e de lazer com o intuito de retirá‐las da rua, ou seja, da proximidade com a violência, drogas e marginalidade. As construções dos vinte e um CEUS (centros educacionais unificados) nas áreas da periferia da cidade de São Paulo que tem como objetivo ser um centro de lazer da comunidade com piscina, quadras, teatro, pista de skate e os programas de governo Recreio nas Férias e Escola Aberta são formas de institucionalização e confinamento das crianças no seu espaço escolar diário para que não fiquem na rua onde há violência, perigo e risco.
Para a classe média e alta o shopping se apresenta como um lugar seguro onde os pais podem deixar suas crianças a brincar tranqüilamente no piso do lazer em espaços cercados como uma ilha, enquanto fazem as suas compras.
Os espaços e elementos do cotidiano comuns nas cidades se contrapõem aos equipamentos e dispositivos especializados para o lazer porque consideramos que os parques de diversão, as áreas de lazer, as quadras de esporte, clubes cumprem com mais eficiência e perfeição a função de recrear e divertir em relação às ruas, praças, calçadas, o que é uma ilusão porque o lazer na rua se revela portador de uma criatividade.
Não devemos, portanto, cair no simplismo de atribuir a rua um valor intrínseco de inadequação às práticas do lazer e, em conseqüência, tirar as crianças de lá para confiná‐las em espaços planejados, programados, segregados e repetitivos a negar
NASCIMENTO, N. (2007) A cidade (re)criada pelas crianças ‐muitas cidades possíveis na cidade de São Paulo. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade de Évora
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a vertente lúdica da cidade. Podemos recorrer a ÁRIES (1981) para abordar a relação histórica do adulto com o lúdico. O autor apresenta a espontaneidade que os adultos tinham com os jogos e brincadeiras no início do século XVII aonde não existia uma separação entre brincadeiras e jogos das crianças e adultos como acontece hoje. Os jogos e festas eram o principal meio de socialização que incentivava a coletividade das pessoas – era a época da valorização do lúdico, mas com o advento do capitalismo o trabalho passou a ser obrigatório para os adultos e o lúdico passou a não fazer mais parte de suas vidas a estar presente apenas no mundo das crianças.
Temos que atribuir à rua seu valor instrutivo e educativo, por isso, é preciso compreender como já foi enunciado na Carta das Cidades Educadoras de Barcelona em 1990, que além das instituições sociais como a escola e a família, a educação também deve ser competência da cidade uma vez que “viver na cidade implica aprender com, na e a partir da cidade”. (CASTRO, 2004, p: 24) Adotar uma perspectiva da cidade como espaço de aprendizagem.
“Sair de casa, recorrer às ruas, conhecer seu ambiente é uma exigência importante para o crescimento não só social, mas também cognitivo da criança”. (TONUCCI, 1997, p: 61)
Para além da cerca do quintal, do muro da casa, do portão do jardim e da grade do parquinho, começa um universo de mil formas, possibilidades espaços e acontecimentos. O espaço controlado e vigiado do lar cede terreno à rua, à praça, ao bairro. Aí começa a cidade e com ela o variadíssimo leque de contatos, relações, espetáculos e equipamentos que podem satisfazer os mais ousados e fantasiosos sonhos de lazer e diversão. (VOGEL; LEITÃO, 1995, p: 118)
A criança brinca com a cidade e seus espaços a imprimir ativamente sua presença neste espaço a realizar uma transformação lúdica dos objetos cotidianos e dos espaços urbanos, assim uma porta que para o adulto serve para passar, para a criança está a possibilidade de se esconder por detrás desta. Os objetos cotidianos e seus espaços se transformam através de uma leitura metafórica e o uso lúdico que a criança realiza sobre eles, onde armários se transformam em refúgios e esconderijos, as mesas em casas.
As crianças buscam, portanto, apropriar‐se da cidade e transformar, resignificar e recriar os espaços que os adultos constroem de forma a reconfigurarem seu próprio espaço. Vemos os espaços urbanos serem (re)criados e resignificados pelas crianças aonde os espaços construídos pelos adultos e para os adultos ganham outro sentido e função.
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“Os espaços, prédios, ruas são permanentemente reinventados pelo modo como grupos, galeras se apropriam desses espaços impregnandolhes de outras perspectivas de ser e viver na cidade”. (CASTRO, 2004, p: 163)
IMPORTÂNCIA DA CRIANÇA NA CIDADE
É importante que os administradores conheçam os pontos de vista, as exigências das crianças para que um profissional as tenham em conta quando projetam os espaços (TONUCCI, 1997, p: 126) a considerar as crianças como leitoras da cidade que trazem valiosas contribuições com seus olhares e formas de apropriação do espaço urbano.
A presença da racionalidade infantil na cidade nos ensina que os espaços a todo o momento podem ser (re)criados, (re)desenhados e transformados a tornar evidente que os espaços e objetos podem ter múltiplas funções.
As crianças têm muito a contribuir na cidade e para a cidade, seja pela sua interferência na construção dos espaços físicos, a dar suas opiniões que dão uma outra perspectiva que o adulto não tem, a configurar um ambiente urbano mais lúdico, a quebrar com as cenas repetitivas da cidade, seja pela sua espontaneidade que rompe com o clima de silêncio e estranhamento instaurado entre os adultos da modernidade urbana “que habitam um lugar cheio de desconhecidos que convivem em estreita proximidade” (BAUMAN, 2005, p: 33) onde as pessoas passam umas pelas outras sem se falar, se olhar, se tocar a deixar as relações sociais cada vez mais distantes. As crianças descontraem o ambiente urbano, olham e falam com aqueles que não conhecem, fazem rir os rostos sérios, tensos e sisudos dos adultos a desfrutar da “pedagogia do olhar que a rua promove, olhase tudo e todos”. (CASTRO, 2004, p: 61)
Essas atitudes das crianças são condenadas pelos adultos que dizem para não falar com estranhos e não chamar a atenção em público, mas “para as crianças a cidade apresentase como lugar de desfrute e diversão algo cheio de novidades e atrações oferecidas sem cessar”. (CASTRO, 2004, p: 122)
A criança colabora para alterar a cidade seja nas relações sociais que nela se constrói (contribuição de seu contato físico e social com os adultos e suas reinvenções dos espaços) seja na participação do espaço físico da cidade a ajudar a pensar os espaços que se erguem no espaço urbano.
A criança com sua inventividade e lúdico próprios das culturas de infância nos mostra outras cidades possíveis num ato de criação de inúmeras possibilidades de construir e desconstruir os espaços urbanos, a permitir “olhar o mundo através das infinitas recomposições que a imaginação nos permite”. (CASTRO, 2004, p: 215)
Não é pelo fato das crianças falarem diferente do adulto, utilizar meios de expressões e linguagens que lhes são próprias que devem ser consideradas inaptas
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a contribuir para a vida na cidade. Pelo contrário, por trazer sua diferença que dialoga com adulto a colocar um outro ponto de vista, uma outra perspectiva de se ver a cidade é que evidencia a importância da construção de um espaço público que compreenda múltiplas perspectivas aonde a criança pode mostrar aquilo que está oculto aos olhos dos adultos.
A criança nos ensina, portanto, que os espaços da cidade são multifuncionais e podem ser utilizados e conhecidos de diversas formas onde a cada dia adotam uma função diferente a tornar o conhecimento destes espaços sempre dinâmico, basta você brincar com a cadeira e ficar de ponta cabeça invertendo a posição habitual que um novo ponto de vista é conquistado.
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