a caminhada para um futuro incerto

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O caminho que Moçambique levou desde a independência.Dissertação do moçambicano Levi Salomão Matsinhe

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    LEV SALOMO MATSINHE

    MOAMBIQUE: UMA LONGA CAMINHADA PARA UM FUTURO

    INCERTO?

    PORTO ALEGRE

    2011

  • LEV SALOMO MATSINHE

    MOAMBIQUE: UMA LONGA CAMINHADA PARA UM FUTURO INCERTO?

    Dissertao apresentada como

    requisito parcial obteno

    do grau de Mestre em

    Relaes Internacionais pelo

    Instituto de Filosofia e

    Cincias Humanas da

    Universidade Federal do Rio

    Grande do Sul

    Orientadora: Prof Dr Maria Susana Arrosa Soares

    PORTO ALEGRE

    2011

  • LEV SALOMO MATSINHE

    MOAMBIQUE: UMA LONGA CAMINHADA PARA UM FUTURO

    INCERTO?MOAMBIQUE: UMA LONGA CAMINHADA PARA UM FUTURO

    INCERTO?

    Dissertao apresentada como

    requisito parcial obteno do

    grau de Mestre em Relaes

    Internacionais pelo Instituto de

    Filosofia e Cincias Humanas da

    Universidade Federal do Rio

    Grande do Sul

    Aprovado pela banca examinadora em 1 de maro de 2011.

    BANCA EXAMINADORA

    ---------------------------------------------------

    Prof Dr Maria Susana Arrosa Soares (Orientadora, UFRGS)

    ---------------------------------------------------

    Prof Dr Ondina Maria Fachel Leal (UFRGS)

    -----------------------------------------------

    Prof. Dr. Ral Enrique Rojo (UFRGS)

    ------------------------------------------------------------

    Prof. Dr. Rivair Macedo (Programa de Ps-Graduao em Histria, UFRGS examinador

    externo)

    Porto Alegre

    2011

  • Dedico este trabalho minha mulher

    Olga Cristina Chitsondzo, s minhas

    filhas Cristiana Raimundo Ndlalane,

    Jssica da Felicidade Lev Matsinhe e ao

    meu filho Lev Salomo Matsinhe Jnior

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a todos que direta ou indiretamente contriburam para que este sonho se tornasse

    uma realidade.

    Em primeiro lugar agradeo ao CNPQ pela concesso da bolsa; Ministra da Funo Pblica

    pela confiana que depositou em mim e por causa disso ter concordado com a minha

    formao.

    O meu agradecimento estende-se ao corpo docente e s secretrias do Programa de Mestrado

    em Relaes Internacionais do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade

    Federal do Rio Grane do Sul. Aos Docentes pelos conhecimentos transmitidos durantes os

    dois anos de formao. s secretrias do Programa Biatriz Accorsi e Nara Widholzer pelo

    apoio e simpatia.

    O meu especial obrigado vai para a minha orientadora Prof Dr Maria Susana Arrosa Soares

    pela pacincia e solicitude durante o percurso da realizao desta dissertao, e a todos

    docentes do programa pelo conhecimentos transmitidos durante os dois anos de formao.

    Agradeo ao Dr. Jos Ibrrahimo Naran Perreira Antunes do Gabinete das Zonas Econmicas

    de Desenvolvimento Acelerado (GAZEDA), ao Centro de Promoo de Investimentos (CPI),

    ao Dr Florncio Chavango do Ministrio do Comrcio, ao Sr. Henrique Manjate do

    Departamento da Dvida Pblica no Ministrio das Finanas, ao Dr. Lus Eugnio Tobela do

    Ministrio da Planificao e Desenvolvimento Dr Regina Macuacua da Kenmare e ao Sr.

    Antnio Mulicote, tambm da Kenmare pela solicitude e disponibilizao de informaes e

    dados que tornaram possvel a elaborao desta dissertao.

    Agradeo em extenso aos meus colegas de turma, em especial para o Leonardo Ales e

    George Sturaro.

    Aos meus pais por me terem nascido; milha mulher e meus filhos pela felicidade, coragem e

    confiana que me do na difcil e tenebrosa caminhada da vida.

  • RESUMO

    A trajetria de Moambique desde a independncia, ocorrida em 1975, at 2009 foi marcada

    pela transio de uma economia centralmente planificada (socialista) para uma economia de

    mercado (capitalista). A transio para o capitalismo abriu espao para financiamentos de

    Ajuda Externa ao Desenvolvimento das Instituies de Bretton Woods (Banco Mundial BM

    e Fundo Monetrio Internacional FMI) e Investimentos Estrangeiros Diretos em forma de

    mega-projetos das corporaes multinacionais em Zonas Francas Industriais e Zonas

    Econmicas Especiais. Entretanto, a aliana da elite nacional como o capital estrangeiro

    favoreceu a corrupo, a transferncia de lucros das multinacionais para os pases de origem,

    fazendo com que a Ajuda Externa ao Desenvolvimento e os Investimentos Estrangeiros

    Diretos no produzissem desenvolvimento econmico e bem-estar social, com se pretendia

    que fosse. Este estudo identificou o Ajustamento Estrutural, a Ajuda Externa ao

    Desenvolvimento, a corrupo e as Zonas Francas Industriais como os principais viles da

    situao de pobreza em que Moambique se encontra e concluiu que Moambique nunca ir

    reduzir a pobreza de forma significativa, contando apenas com ajuda externa, mega-projetos,

    investimentos estrangeiros e ZFI. O que se pensava que seria o remdio para a sada do

    marasmo do subdesenvolvimento de Moambique, (portanto, a ajuda, mega-projetos e ZFI)

    tornou-se um obstculo ao desenvolvimento do pas.

    Palavras-chave: mega-projetos; Zonas Francas Industriais em Moambique; crescimento

    econmico e social de Moambique.

  • ABSTRACT

    The trantion from socialism to capitalism characterized the Mozambican trajectory after its

    independence, held in 1975. This transition gave place to external aid by Bretton Woods

    (World Bank and International Monetary Fund) and direct investments from multinational

    corporations mega-projects in special economic free zones. The alliance between the national

    elite with foreign capital brought corruption, transference of profits from the multinational

    corporations in Mozambique to its countries of origin. Because of this, the external aid and

    foreign investments did not develop the Mozambican economy and also did not bring the

    social well being to the people in Mozambique. This research, identified the structural

    adjustment, external aid, corruption and special economic free zones as the factories of

    poverty in Mozambique, and concluded that Mozambique will never reduce poverty looking

    to external aid, mega-projects, direct foreign investments and special economic free zones.

    What where thought it was an elixir (mega-projects, external aid, foreign direct investments

    and special economic free zones) became an obstacle to development.

    Key words: mega-projects; special economic free zones in Mozambique; economic and

    social growth in Mozambique

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 1- AGRESSO MILITAR E ECONMICA CONTRA MOAMBIQUE

    30

    TABELA 2-FLUXO DE AJUDA POR SETORES 46

    TABELA 3-PROJETO POR DOAODOR/ AGNCIAS DAS NU POR ANO (EM US

    $)

    55

    TABELA 4-EMPRESAS DE ZONAS FRANCAS INDUSTRIAIS

    56

    TABELA 5-COMUNIDADES BENEFICIRIAS DOS PROJETOS DE

    RESPONSABILIDADE SOCIAL DA KMAD

    56

    TABELA 6-IDENTIFICAO E CARACTERIZAO DOS PRINCIPAIS MEGA

    PROJETOS EM MOAMBIQUE

    57

  • LISTA DE GRFICOS

    GRFICO 1- DESENVOLVIMENTO DA PRODUO DE 1975 A 1986

    26

    GRFICO 2- IMPACTO ECONMICO DO PROGRAMA DE REABILITAO

    ECONMICA: ALTERAES ANUAIS EM PORCENTAGEM

    46

    GRFICO 3-EVOLUO DA DVIDA EXTERNA DE MOAMBIQUE

    55

    GRFICO 4- ANLISE DA CARTEIRA DA DVIDA EXTERNA

    56

    GRFICO 5-COMPOSIO DA DVIDA EXTERNA

    56

    GRFICO 6- DVIDA EXTERNA PELOS NOMES DOS CREDORES

    57

  • SUMRIO

    1 INTRODUO

    15

    2 EVOLUO POLTICA, ECONMICA E SOCIAL DE MOAMBIQUE APS A

    INDEPENDNCIA (1975-1983)

    22

    3 OBSTCULOS QUE DETERMINARAM O FRACASSO DO SOCIALISMO EM

    MOAMBIQUE

    28

    3.1 DETERMINANTES GLOBAIS E REGIONAIS

    28

    3.2 CIRCUNSTNCIAS INTERNAS QUE DITARAM O FRACASSO DO PROJETO

    SOCIALISTA

    32

    4 AS REFORMAS NEOLIBERAIS EM MOAMBIQUE (1984-1987) 34

    4.1 O IMPACTO DO PROGRAMA DE REABILITAO ECONMICA EM

    MOAMBIQUE

    34

    4.2 AJUDA EXTERNA EM MOAMBIQUE

    36

    4.3 FATORES QUE LEVARAM MOAMBIQUE A ADERIR AO PROGRAMA DE

    AJUSTAMENTO ESTRUTURAL (PAE)

    42

    4.4 OBJETIVOS DO PROGRAMA DE REABILITAO ECONMICA

    45

    4.5 IMPACTO DO AJUSTAMENTO ESTRUTURAL EM MOAMBIQUE

    54

    4.6 A CRISE DA DVIDA EXTERNA EM MOAMBIQUE

    58

    5 AS ZONAS FRANCAS INDUSTRIAIS (ZFI) E ZONAS ECONMICAS

    ESPECIAIS (ZEE) EM MOAMBIQUE

    59

    5.1 CONCEITO DE ZONA FRANCA INDUSTRIAL E ZONA ECONMICA

    ESPECIAL

    61

    5.2 OBJETIVOS DA CRIAO DAS ZONAS FRANCAS INDUSTRIAIS E ZONAS

    ECONMICAS ESPECIAIS EM MOAMBIQUE

    62

    5.3 VANTAGENS DAS ZONAS FRANCAS INDUSTRIAIS E ZONAS

    ECONMICAS ESPECIAIS

    63

    5.4 CONTEXTO EM QUE SURGEM AS ZONAS FRANCAS INDUSTRIAIS E

    ZONAS ECONMICAS ESPECIAIS EM MOAMBIQUE

    67

    5.5 ZONA ECONMICA ESPECIAL (ZEE) DE NACALA

    68

  • 5.6 ZONA FRANCA INDUSTRIAL (ZFI) DE MOMA

    68

    5.6.1 AREIAS PESADAS DE MOMA (KENMARE)

    69

    5.6.2 PROJETOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL

    69

    5.6.3 EDUCAO

    72

    5.6.5 EMPREGO

    73

    73

    5.6.7 ZONA FRANCA INDUSTRIAL DA BEIRA

    75

    5.8 ZONA FRANCA INDUSTRIAL DE MOATIZE

    76

    5.8.1 MEGA-PROJETO DE EXTRAO DE CARVO MINERAL DA VALE

    MOAMBIQUE

    78

    5.8.2 MEGA-PROJETO DE EXTRAO DE CARVO MINERAL DE BENGA

    (RIVARSDALE)

    78

    5.8.3 ZONA FRANCA INDUSTRIAL DE BELULUANE

    79

    5.9 CONTRIBUTO DAS ZONAS FRANCAS INDUSTRIAIS NO CRESCIMENTO

    ECONMICO E SOCIAL DE MOAMBIQUE

    82

    6 MEGA-PROJETOS EM MOAMBIQUE

    87

    CONCLUSES

    91

    REFERNCIAS

    95

  • Lista de Abreviaturas

    AED Ajuda Externa ao Desenvolvimento

    ACNUR Alto Comissariado das Naes Unidas Para os Refugiados

    ANC African National Congress

    APIE Administrao do Parque Imobilirios do Estado

    BM Banco Mundial

    Bd M Banco de Moambique, letra maiscula para diferenciar com Banco Mundial

    BPD Banco Popular de desenvolvimento

    COMEA Concil for Mutual Economic Assistance

    DPCCN Departamento de Preveno e Combate s Calamidades Naturais

    MEC Complexo Mineral-Energtico Sul-africano

    CAIL Complexo Agro Industrial do Limpopo

    CIA Central Inteligence Agency

    CONSAS Constellation of Southern Africa States

    DETA Direo de Explorao dos Transportes Areos

    EUA Estados Unidos da Amrica

    EE Empresa Estatal

    EMOCH Empresa Moambicana de Ch

    Felimo Frente de Libertao de Moambique, mais tarde, em 1977, transformado em

    partido de vanguarda marxista leninista

    FAO Food and Agriculture Organization

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    UNICEF Fundo das Naes Unidas Para a Infncia

    GAPO Gabinete de Apoio Produo

    GAZEDA Gabinete das Zonas Econmicas de Desenvolvimento Acelerado

    HIV/SIDA Human Imuno Deficiency Vrus/Sndrome da Imune Deficincia Adquirida

  • HIPC High Indebted Poor Coutries

    IFI Instituies Financeiras Internacionais

    FNUAP Fundo das Naes Unidas Para a Populao

    IED Investimento Estrangeiro Direto

    IDA International Development Association

    KMAD Kenmare Moma Associao de Desenvolvimento

    MONAP Mozambique Nordic Assistance Program

    MOTRACO Mozambique Transmission Company

    MOZAL - Mozambique Aluminium

    OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    OPEP Organizao dos Pases Produtores e Exportadores do Petrleo

    OTAN Organizao do Trado de Atlntico Norte

    ONU Organizao das Naes Unidas

    ONUSIDA Organizao das Naes Unidas para o combate Sndrome de Imune

    Deficincia (SIDA)

    ONGs Organizaes No Governamentais

    OPEP Organizao dos Pases Produtores e Exportadores do Petrleo

    OMS Organizao Mundial de Sade

    PEC Plano Econmico Central

    PRE Programa de Reabilitao Econmica

    PAE Programa de Ajustamento Estrutural

    PMA Programa Mundial de Alimentao

    PNB Produto Interno Bruto

    PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    RAS Repblica Sul Africana

    RDA Repblica Democrtica Alem

    RENAMO Resistncia Nacional de Moambique

  • RFA Repblica Federal Alem

    ROMOS Rodoviria de Moambique Sul

    ROMOC Rodoviria de Moambique Centro

    ROMON Rodoviria de Moambique Norte

    SADCC Southern Africa Development Conference

    SWAPO South West Africa People's Organization

    SASOL Suid Afrikaanse Steenkool en Olie - Carvo e leo Sul-Africanos

    UNESCO United Nations Educational, Scietific and Cultural Organization

    URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas

    UTRE Unidade Tcnica para a Reestruturao das Empresas

    ZANU Zimbabwe African Peoples Union

    ZFI Zonas Francas Industriais

    ZEE Zona Econmica Especial

  • 15

    1 INTRODUO

    A longa caminhada que Moambique iniciou h 34 anos com a independncia

    nacional ocorrida em 1975, foi marcada por uma sucesso de crises. Moambique saiu de

    uma economia planificada centralmente para uma economia de mercado; da guerra para a paz

    e de um sistema poltico de partido nico para o multipartidarismo1. As transformaes

    polticas e econmicas que o pas teve que introduzir, para sair do marasmo que a guerra de

    desestabilizao e a seca tinham provocado e as orientaes das Instituies de Bretton

    Woods (BM e FMI), levaram o pas a um empobrecimento absoluto, endividamento e

    dependncia econmica e poltica de pases ocidentais.

    Problemas e entraves polticos, econmicos e sociais internos (domsticos), regionais

    e globais marcaram as diferentes etapas da histria de Moambique ps-colonial. A agresso

    movida, primeiro, pela Rodsia do Sul, atual Zimbabwe, pela frica do Sul do apartheid e,

    depois, pelo Movimento de Resistncia Nacional de Moambique (Renamo), a seca que

    assolou o pas na dcada de 1980 e a crise econmica dos anos 1980 motivada pela alta dos

    preos do petrleo foram responsveis pelo fracasso do socialismo.

    Por outro lado, o processo de Ajustamento Estrutural, acompanhado pela emergncia

    da corrupo patrocinada e apadrinhada pelas Instituies de Bretton Woods, com apoio das

    elites locais, tomou de assalto o pas em sua fase socialista. Todos esses fatos, conjugados,

    tornaram incerto o futuro do pas.

    Moambique, como Estado soberano, participa do sistema internacional global e

    insere-se num subsistema internacional a regio da frica Austral. O sistema internacional e

    o subsistema regional em que Moambique se insere, composto por entidades polticas

    independentes e outros atores das Relaes Internacionais como Organizaes Internacionais

    e empresas multi e transnacionais que interagem freqentemente umas com as outras com

    base em processos regulamentados produzindo relaes de cooperao e conflitos (HOLST,

    citado por WILLIAMS e OUTROS 1994, p.57- 58).

    No processo de interao com outros Estados e outros atores do sistema internacional,

    Moambique estabeleceu relaes de cooperao. No perodo que se seguiu ao processo de

    independncia, manteve relaes estreitas com os pases do Leste Europeu pertencentes ao

    bloco socialista bem como cooperou com atores globais das Relaes Internacionais como o

  • 16

    FMI, BM, ONU, corporaes multinacionais e pases do bloco ocidental como EUA,

    Inglaterra, Frana. Aps a independncia Moambique tentou construir o socialismo no pas,

    mas no teve o sucesso esperado. Apos a queda do bloco socialista, a alternativa encontrada

    pelo pais levar adiante um programa de desenvolvimento foi submeter-se s polticas neo-

    liberais que, na poca, haviam adquirido hegemonia na economia internacional.

    Na frica Austral, Moambique desenvolveu relaes conflituosas e/ou de cooperao

    com os outros Estados da regio. Desde 1976, o pas sofreu agresses militares da Rodsia do

    Sul, da frica do Sul e uma guerra de desestabilizao movida pela Renamo. Em 1992

    assinou o acordo de paz com a Renamo, ato que marcou o fim do conflito armado em

    Moambique.

    As agresses externas enfrentadas por Moambique resultavam de seu apoio aos

    movimentos de libertao na frica do Sul e no Zimbabwe. Tambm cooperou com todos

    pases da frica Austral que lutavam contra o colonialismo e a discriminao racial na regio

    e participou na construo da Southern Africa Developmente Conference (SADCC) em

    1980, visando criar uma plataforma de integrao regional que libertasse os restantes Estados

    da regio da dependncia da frica do Sul.

    Nos dois principais perodos da histria de Moambique entre 1975 a 2009, houve dois

    perodos: entre 1975 e 1983, tentou-se estabelecer o socialismo no pas e, no segundo, de

    1984 at 2009, procurou-se implantar uma economia capitalista de mercado.

    Aps a independncia, ocorrida em 1975, Moambique teve sua economia planificada,

    baseada no modelo socialista de desenvolvimento, que trouxe expectativas de que o

    desenvolvimento nacional seria alcanado. A construo de Cooperativas Agrcolas (CA) e de

    Consumo (CC), Empresas Estatais (EE) sob gesto do Estado seriam adotadas para

    modernizar as zonas rurais e levar a um rpido desenvolvimento (num perodo de 10 anos).

    Porm, catstrofes ecolgicas e polticos de origem interna, regional e global levaram ao

    fracasso desse desenvolvimento.

    O projeto socialista fracassou em decorrncia de vrias circunstncias: a guerra civil e

    de desestabilizao movida pela Rodsia do Sul de Ian Smith, pela frica do Sul e pelo

    Movimento de Resistncia Nacional de Moambique (Renamo); a alta dos preos do petrleo

    e o desequilbrio ecolgico, que em 1983, provocaram a seca e o aumento da dvida externa

    do pas; a recusa da entrada de Moambique no Council for Mutual Economic Assistance, o

  • 17

    Conselho para Assistncia Econmica Mtua (COMECON) e o fim da Guerra-Fria. O pais,

    ento, optou por um desanuviamento2 em suas relaes com o mundo ocidental, levando

    adiante um projeto de transformao da experincia socialista em um projeto neoliberal.

    Em 1983, iniciou-se a segunda fase da historia da criao do Estado nacional

    moambicano. Moambique, seguindo as recomendaes de Bretton Woods3, liberalizou a

    economia, abriu o mercado e implantou uma democracia multipartidria. Polticas neoliberais

    foram incorporadas no Programa de Ajustamento Estrutural (PAE)4 em 1987. O Programa de

    Reabilitao Econmica (PRE), no mbito do PAE, abriu a economia de Moambique aos

    Investimentos Estrangeiros Diretos (IED); realizaram-se cortes nas despesas pblicas em

    reas sociais crticas, como educao e sade, e as empresas estatais e complexos agro-

    pecurios e industriais foram privatizados. Estas medidas geraram um desemprego em massa,

    que impactou profundamente nas famlias pobres que, perderam o poder de compra, uma vez

    que a maior parte dos chefes de famlias havia perdido o emprego.

    As privatizaes resultantes do Programa de Reabilitao Econmica, alm de terem

    aberto a economia ao Investimento Estrangeiro, deram origem a uma burguesia nacional que

    enriqueceu atravs de mecanismos corruptos, abrindo espao para a implantao de um

    capitalismo selvagem5. A formao do setor privado empresarial, em Moambique, resultou

    de investimentos de capitais locais aliados ao capital externo, formando uma tripla aliana

    Instituies de Bretton Woods Capital Interno Capital Externo (MOSCA 2000, p. 316).

    Nesta dinmica as Instituies de Bretton Woods agiram no front line obrigando os

    pases pobres como Moambique a flexibilizarem suas legislaes de forma a atrair as

    corporaes multinacionais com as quais se associaram as elites locais. Sob uma forte

    influncia das IBWs, a corrupo cresceu e as elites nacionais associaram-se ao capital

    estrangeiro. Dessa associao, entre as elites e o capital estrangeiro, resultou o rool back dos

    recursos da ajuda destinadas ao desenvolvimento do pas para os pases de origem atravs dos

    parasos fiscais, em troca de programas de ajuda como criao de infra-estruturas bsicas de

    sade e educao, visando a sobrevivncia do Estado e no o desenvolvimento do pas.

    A abertura da economia ao Investimento Estrangeiro facilitou a entrada no pas de

    corporaes multinacionais. Em Moambique, as corporaes multinacionais atuam sob a

    forma de mega-projetos localizados em Zonas Francas Industriais (ZFI) e Econmicas

    Especiais (ZEE). As ZFI e ZEE instalaram-se na provncia nortenha de Nampula, onde foi

    fixada a ZEE de Nacala, que abarca os distritos de Nacala-porto e Nacala-a-velha. Na mesma

    provncia, funciona a ZFI de Moma onde foi instalado o projetos das Areias Pesadas de

    Moma da Kenamre na localidade de Topuito.

  • 18

    Na provncia central de Sofala foi instalada a ZFI da Beira que alberga os projetos de

    Ferro e Ao da Beira (BL&SP) e o projeto petroqumico da Beira. Ainda no centro do pas,

    localiza-se a ZFI de Moatize, na provncia de Tete com dois projetos de explorao de carvo

    mineral: o projeto da Vale Moambique ( antiga Companhia do Vale do Rio Doce) e da

    Rivarsdale ( um consrcio australiano e a Tata Steel indiana).

    No Sul do pas, na provncia de Inhambane, localiza-se o projeto de extrao de gs

    natural de Pande, pertencente Sasol e, em Maputo a ZFI de Beluluane que alberga vrias

    empresas que prestam servios Mozambique Alumunium (MOZAL) e, a prpria MOZAL,

    que funciona em regime de ZFI.

    Durante o perodo de economia planificada no existiam Zonas Francas Industriais

    nem Econmicas Especiais. Entretanto, a partir de 1987, com as mudanas ocorridas na

    economia internacional e a conseqente aceitao das polticas do FMI e do BM, houve uma

    modificaes na legislao moambicana, para facilitar a liberao da entrada de capitais

    estrangeiros e de empresas multinacionais. Com a entrada de capitais estrangeiros e essas

    modificaes legais, instalaram-se as Zonas Francas Industriais e Zonas Econmicas

    Especiais, que deram origem aos enclaves econmicos que caracterizaram a economia do

    pas.

    As potencialidades econmicas de Moambique tm despertado o interesse de

    investidores estrangeiros interessados em investir em ZFI e ZEE, como tambm de

    pesquisadores nacionais e estrangeiros interessados em compreender a problemtica de

    desenvolvimento de frica, em geral, e da frica austral, em particular.

    Estudos relativos problemtica de desenvolvimento da frica, em geral, e da frica

    austral, em particular, sub-regio do continente africano onde Moambique se localiza, tm

    sido desenvolvidos em pases que, como o Brasil, possuem interesses de natureza variada, que

    os levam a analisar o futuro da frica, em geral, e da frica Austral, em particular. Tais

    estudos tm sido desenvolvidos em Sucia, Inglaterra, Brasil, Estados Unidos da Amrica,

    Portugal, Noruega e outros.

    Com relao ao desenvolvimento de Moambique, todavia, reduzido o nmero de

    pesquisadores que produzem trabalhos sobre a origem e as circunstncias que tm

    obstaculizado o avano o desenvolvimento do pas aps a sua independncia. Chama ateno

    o reduzido nmero de intelectuais moambicanos que se tm preocupado em encontrar as

    razes que levaram Moambique atual situao de pobreza, desemprego e analfabetismo.

    Moambique , segundo o ltimo relatrio de Desenvolvimento Humano, um dos pases com

    menor ndice de Desenvolvimento Humano do mundo, ocupando a 165 posio na tabela de

  • 19

    classificao. Importantes excees de intelectuais cometidos com a atual situao de pobreza

    do pas so: Carlos Nuno Castel-Branco, Joo Mosca, Jos Castiano e outros. Quanto

    produo de estudos de autores estrangeiros sobre Moambique, destacam-se as contribuies

    de Hans Abrahamsson e Anders Nillson, Joseph Hanlon e Kenneth Hermele.

    Em geral, os trabalhos produzidos pelos autores mencionados tm privilegiado as

    variveis econmicas, sociais e polticas do subdesenvolvimento moambicano com destaque

    para os conflitos polticos com pases vizinhos. Nesses estudos no tratado com devido rigor

    o carter de enclave da economia moambicana.

    Essa constatao, motivou a escolha do tema, desta pesquisa que destaca o

    Ajustamento Estrutural, o papel da Ajuda Externa e a criao e expanso das Zonas Francas

    Industriais e as Zonas Econmicas Especiais em Moambique como fatores de atraso do

    desenvolvimento econmico e social do pas.

    Esta pesquisa tem como objeto de estudo identificar as razes e os atores que, no

    perodo analisado, contriburam para que Moambique, apesar de dispor de uma abundncia

    de recursos- energia eltrica, gs natural, carvo mineral, areias pesadas- ; ser beneficirio de

    Ajuda Externa ao Desenvolvimento e receber Investimentos Estrangeiros Diretos, no tenha

    conseguido desenvolver sua economia, melhorar bem-estar de sua populao e desenvolver

    uma poltica externa voltada aos interesses do pas.

    Para tanto, os objetivos sero: 1. analisar a dependncia econmica e financeira de

    Moambique com relao aos pases ocidentais e s Instituies Financeiras Internacionais; 2.

    relacionar o fracasso dos programas de Ajustamento Estrutural, com ajuda externa e a

    presena do capital estrangeiro (MOSCA 2005, p. 316); 3. analisar o papel das relaes

    entre as elites nacionais e o capital estrangeiro, caracterizadas pela corrupo, na

    permanncia da situao de atraso e pobreza predominante na sociedade moambicana.

    O perodo em estudo vai do ano de 1975, quando Moambique se tornou

    independente, at 2009 e est dividido em dois sub-perodos. O primeiro de 1975 a 1987,

    quando ocorreu a experincia de criao de uma economia planificada, de orientao

    socialista e, o segundo, de 1987 a 2009, quando a economia do pas transformou-se numa

    economia capitalista de mercado. Entre os dois perodos houve um perodo de transio do

    socialismo para o capitalismo entre 1983 e 1987, no qual a economia moambicana entrou em

    colapso devido guerra de desestabilizao, desequilbrio ecolgico e deu-se o incio s

    conversaes que terminaram com a aceitao de Moambique como membro do FMI e do

    BM em 1984.

  • 20

    A dissertao baseia-se na teoria da dependncia e no conceito de enclave econmico.

    Ambos permitem compreender a dependncia econmica e financeira de Moambique com

    relao s Instituies Financeiras Internacionais e ao Investimento Estrangeiro Direto e o

    papel das ZFI e ZEE no empobrecimento do pas.

    O conceito de enclaves econmicos6 possibilita a anlise da estrutura de dependncia

    da economia moambicana. Ele permite avaliar e analisar o papel dos mega-projetos das

    corporaes multinacionais que se localizam nas Zonas Francas Industriais e Zonas

    Econmicas Especiais e os mecanismos econmicos e legais que permitem sua autonomia

    com relao economia nacional. Ao mesmo tempo, possibilita entender seu descolamento da

    sociedade e os reduzidos ganhos desta resultantes de seu funcionamento.

    As autoridades governamentais e a classe capitalista moambicana aliaram-se s

    corporaes multinacionais. Esta aliana deu origem dependncia econmica internacional e

    a supresso da autonomia poltica do pas. Tais ligaes com as elites do centro, funcionam

    como pontes de interesse e conexo (GALTUNG 1971)7, citado por (CHASE DANN 2008,

    P.723). Grupos poderosos politicamente, em face da debilidade econmica e necessidade de

    manter o poder, associaram-se a empresas estrangeiras criando enclaves econmicos que

    caracterizam a economia de Moambique (CARDOSO e FALETTO 2004, p.100).

    A primeira parte da dissertao descreve a evoluo poltica, econmica e social de

    Moambique no perodo ps-independncia, quando ocorreu a experincia poltica e

    econmica socialista.

    A segunda aborda primeiro, o impacto das reformas neoliberais sobre a sociedade

    moambicana, introduzidas em 1983; em segundo lugar aborda a substituio da constituio

    socialista por uma constituio democrtica, e; em terceiro lugar o Programa de Reabilitao

    Econmica implantado em 1987.

    Em ultimo lugar descreve as Zonas Francas Industriais e Zonas Econmicas Especiais

    criadas como recurso para a implantao da nova poltica neoliberal pautada pelos rgos

    internacionais.

    Para a realizao desta dissertao foi usado o mtodo de estudo de caso com recurso

    fontes primrias baseadas em entrevistas com quadros seniores do Gabinete de Zonas

    Econmicas de desenvolvimento acelerado (GAZEDA), do Ministrio das Finanas, do

    Ministrio de Comrcio e do Projeto de Areias Pesadas de Moma Kenmare.

  • 21

    Foram, tambm, usadas, como fontes secundrias, obras produzidas por diversos

    autores, documentos do GAZEDA, do Centro de promoo de Investimentos (CPI), do

    Ministrio das Finanas, Ministrio da Indstria e Comrcio e do Ministrio da Funo

    Pblica.

  • 22

    2 EVOLUO POLTICA, ECONMICA E SOCIAL DE MOAMBIQUE APS A

    INDEPENDNCIA (1975-1983)

    A evoluo poltica, econmica e social de Moambique aps a independncia,

    ocorrida em 1975, foi marcada pela tentativa de construo de um modelo socialista de

    desenvolvimento. De 1975 a 1977 foram introduzidas reformas econmicas e sociais visando

    consolidar o socialismo8 como modelo de desenvolvimento econmico e social. A

    propriedade privada foi substituda pela propriedade estatal e pelas cooperativas agrcolas;

    foram construdas aldeias comunais; as empresas e o patrimnio imobilirio antes pertencente

    aos colonos portugueses foram nacionalizados; reas sociais como sade e educao foram,

    tambm, nacionalizados. A Frelimo9 deixou, em 1977, de ser um movimento de libertao e

    passou a ser um partido de vanguarda maxista-leninista.

    As polticas econmicas introduzidas para implementar o socialismo foram as

    seguintes: eliminao da propriedade privada dos meios de produo; eliminao das

    autoridades comunitrias pela sua alegada ligao com o poder colonial; nacionalizao das

    propriedades privadas abandonadas por estrangeiros de origem portuguesa e indiana;

    organizao da produo rural em cooperativas e propriedades coletivas e estatais, que

    demandava a concentrao da populao em aldeias comunais; gesto centralmente

    planificada da economia e assinatura de acordos de cooperao com a ex- Unio das

    Repblicas Socialistas Soviticas (URSS) e outros pases do bloco leste. Como resultado

    destas medidas, entre 1977 e 1981 conseguiu-se deter a queda nos nveis de produo e a

    exportao aumentou 83% (ABRAHAMSSON & NILSSON, 1994, p. 44).

    A Frelimo deu incio estruturao do novo poder e a sociedade inspirada na

    ideologia marxista-leninista. Assumiu as funes de partido Estado; centralizou o poder e

    a planificao da economia; a organizao da populao e da economia passou a ser

    controlada pela burocracia partidria no poder; os discursos passaram a fazer referncia ao

    capitalismo como um sistema de explorao, coletivizao dos meios de produo, a terra

    como propriedade do Estado e prioridade da resoluo das necessidades do povo.

    (MOSCA 2005, p.148-9)

    O Segundo (JOS 2005, p.5) citando o artigo 4 da constituio de 1975, o projeto

    poltico, econmico e social que o Estado moambicano pretendia adotar foi explicitado na

    Constituio de 1975. A constituio fixava como objetivos fundamentais: nomeadamente, a

  • 23

    eliminao das estruturas de opresso e explorao coloniais e tradicionais e da mentalidade

    que lhes est subjacente; e extenso e reforo do poder popular democrtico; a edificao de

    uma economia independente e a promoo do progresso cultural e social; e edificao da

    democracia popular e a construo das bases material e ideolgica da sociedade socialista10

    .

    O novo Estado independente devia satisfazer s necessidades da populao atravs da

    eliminao da propriedade privada. Para tal, foram feitas nacionalizaes em seis reas: terra,

    banca, parque imobilirio (edifcios de habitao) em reas sociais como sade, educao e

    agncias funerrias.

    O Decreto Lei n 16/76, de 13 de Fevereiro de 1975, permitia a interveno e tutela

    do Estado sobre as empresas e as propriedades agrcolas abandonadas e sabotadas pelos seus

    antigos proprietrios. Durante o perodo de transio, muitos cidados estrangeiros

    abandonaram (ou foram forados a abandonar) o pas. Entre eles estavam os proprietrios de

    unidades fabris, comerciantes e profissionais qualificados. A produo decresceu

    rapidamente; o comrcio rural entrou em colapso, uma vez que comerciantes asiticos e

    portugueses haviam abandonado o pas; os camponeses no podiam vender o seu excedente

    do seu trabalho ou comprar bens de consumo. Muitos farmeiros portugueses abandonaram as

    farmas matando o gado e destruindo tratores. Todavia, era necessria a interveno do Estado

    sobre as empresas abandonadas para garantir o emprego e continuao da produo (JOS

    2005, p. 6-7) citando (HANLON 1984, p. 72)11

    .

    Os Ministrios da Agricultura, Indstria e Comrcio responsveis pela tutela das

    empresas abandonadas e sabotadas, criaram os Gabinetes de Apoio Produo (GAPO)

    (CARDOSO 2000, p. 133)12

    citado por (MOSCA 2005, p.148). Os Gabinetes de Apoio

    produo tinham como funo centralizar a gesto, a solicitao de financiamentos banca,

    assistncia tcnica, apresentao de planos de investimento e de bens de consumo de

    equipamentos a importar e elaborao da contabilidade.

    Os grandes monoplios constitudos por grandes plantaes, parcelas de terra

    abandonadas pelos portugueses e as grandes empresas de fornecimento de energia eltrica,

    gua e telecomunicaes foram transformadas em Empresas Estatais (EE). As propriedades

    agrcolas estatais foram criadas imagem dos sovkhoz13

    soviticos. Por exemplo, as grandes

    plantaes de ch na provncia da Zambzia deram origem a Empresa Moambicana de ch

    (EMOCH) e as grandes parcelas do Complexo Agro Industrial do Limpopo (CAIL)

    abandonadas pelos portugueses foram o exemplo de empresas estatais socialista: grandes em

    dimenses, com infra-estrutura que permitissem a intensificao produtiva e com aldeias

    comunais.

  • 24

    Aps a tomada do poder pelo governo de transio, em 1974, e particularmente

    depois da independncia, a socializao do meio rural tornou-se uma prioridade.

    Devia ser feita atravs das aldeias comunais, empresas estatais e cooperativas

    agrcolas. A cooperativizao era concebida como uma forma de eliminar o

    individualismo, e as aldeias comunais para eliminar a disperso e as dificuldades de

    controlo da populao e facilitar a prestao de servios sociais (educao, sade,

    gua e melhoria da habitao) (CASAL 1992, p. 45) citado por (MOSCA 2005,

    p.176).

    Este modelo de organizao da produo era resultado da adoo da experincia das

    Ujamaa House, adquirida na Tanznia, onde a direo a Frelimo permaneceu durante grande

    parte da luta de libertao. (ABRAHAMSSON & NILSSON, 1994, p. 38)

    As populaes foram concentradas em aldeias comunais e as propriedades

    antigamente pertencentes a colonos portugueses em cooperativas agrcolas, propriedades

    estatais e coletivas. As aldeias visavam garantir a assistncia social e fornecimento de

    servios bsicos de saneamento, habitao sade e educao s populaes. A transformao

    das propriedades abandonadas em propriedades estatais e cooperativas agrcolas visava

    responder necessidade de industrializao, atravs dos excedentes agrcolas, aumentando a

    produo e produtividade agrcola, e substituir o chibalo (trabalho forado) por uma forma de

    trabalho mais digna.

    Durante a luta de libertao nacional surgiu a idia de industrializar rapidamente com

    os excedentes agrcolas. Para que isso pudesse acontecer, a agricultura devia ser mecanizada

    para produzir excedentes para exportao, alimentos e metria-prima para a indstria. O

    campo devia ser modernizado, e para tanto devia ter suas atividades mecanizadas, o uso da

    quimizao e intensificao produtiva. Para tanto foram realizados grandes investimentos no

    setor agrcola, importaram-se equipes de tcnicos e equipamentos dos pases socialistas com

    dezenas de profissionais especializados de vrias reas14

    .

    A agricultura foi mecanizada rapidamente para aumentar a produtividade e para

    substituir o chibalo e o trabalho manual duro, na perspectiva de restituir a dignidade ao

    cidado, por uma forma de agricultura moderna. As populaes foram concentradas em

    aldeias comunais e, as propriedades abandonadas foram transformadas em propriedades

    estatais e cooperativas agrcolas, sendo que as propriedades estatais deviam financiar as

    cooperativas.

    Aps a independncia, as grandes empresas pblicas do perodo colonial passaram

    diretamente para o controle do Estado moambicano; tal foi o caso das empresas de transporte

    areo (a Direo de Explorao dos Transportes Areos DETA que deu origem s Linhas

    Areas de Moambique LAM); os Caminhos de Ferro de Moambique (CFM) que

  • 25

    mantiveram o mesmo nome. As empresas rodovirias de transporte de passageiros foram

    integradas em trs grandes monoplios regionais sul, centro e norte com o nome de

    Rodoviria de Moambique Sul (ROMOS), Rodoviria de Moambique Centro (ROMOC) e

    Rodoviria de Moambique Norte (ROMON).

    Os bancos portugueses que operavam em Moambique foram estatizados e criadas

    duas novas instituies: o Banco de Moambique (BdM), com funes de Banco Central e de

    operaes externas e o Banco Popular de Desenvolvimento (BPD), banco comercial com

    atribuies de financiamento da economia.

    Paralelamente, foi nacionalizado o sector imobilirio e setores sociais como sade e

    educao. O parque imobilirio passou tutela da Administrao do Parque Imobilirio do

    Estado (APIE).

    Com a nacionalizao das reas de sade e educao, houve melhoria e expanso da

    rede sanitria e educacional. O nmero de docentes de nvel bsico e secundrio aumentou de

    dez para vinte mil em 1982 e fez-se um plano para alfabetizar os adultos. Entre 1975 e 1980,

    o analfabetismo diminuiu de 93% para 70%. As escolas secundrias e profissionais no

    encerraram, a Universidade de Loureno Marques passou a ser designada Universidade

    Eduardo Mondlane (UEM). A educao tornou-se gratuita e as acessibilidades deixaram de

    estar determinadas pelas condies econmicas das famlias, aumentou o nmero de escolas

    de ensino bsico.

    A rede sanitria expandiu-se. O nmero de postos de sade aumentou quatro vezes

    durante os primeiros sete anos da independncia e o nmero de habitantes por instituio de

    sade materno-infantil, aumentou. Foi levada a cabo uma das mais louvveis campanhas de

    vacinao do mundo em que todas as crianas foram beneficiadas.

    O projeto de desenvolvimento socialista implantou-se no terceiro congresso da

    Frelimo, em 1977, quando a Frelimo deixou formalmente de ser um movimento de libertao

    e assumiu a condio de partido marxista-leninista. A transformao da Frelimo em partido de

    vanguarda marxista-leninista visava no s a implantar um modelo de desenvolvimento

    socialista, como tambm convencer os pases socialistas da sua opo pelo socialismo, como

    forma de atrair apoio do bloco socialista para a materializao do projeto de desenvolvimento

    socialista uma vez que a escolha poltico-ideologica da Frelimo limitava o apoio do bloco

    ocidental.

    A base social do poder assentou-se na aliana operrio-camponesa. Os pases

    socialistas foram considerados aliados naturais; houve uma intensificao das relaes

    diplomticas com pases socialistas com o objetivo de obter apoio financeiro para os mega-

  • 26

    projetos de agricultura. Contudo, a tentativa de Moambique integrar o Concil for Mutual

    Economic Assistance (COMECON), foi frustrada em 1981.

    A partir de 1977 o governo tomou a iniciativa de estruturar e aplicar o modelo

    econmico socialista. A gesto da economia passou a ser centralmente planificada. Foi

    aprovado o Plano Estatal Central (PEC), instrumento de direo econmica.

    Entre 1977 e 1981 a economia registrou um crescimento significativo. Algumas

    empresas recuperaram a sua produo. Elaborou-se o Plano Prospectivo Indicativo (PPI), para

    10 anos, 1980 e 1990, integrado por um conjunto de metas econmicas e sociais, com o

    objetivo de acabar com o subdesenvolvimento e construir um pas socialista (MOSCA 2005,

    p. 210).

    GRFICO 1- DESENVOLVIMENTO DA PRODUO DE 1975 A 1986

    Fonte: Ratilal, 1990, och informao Estatstica, CNP, in Abrahamsson e Nilsson (1994, p. 47)

    Depois da bonana veio a tempestade. A seca e guerra de desestabilizao provocaram

    uma crise que levou ao decrescimento da economia. O desequilbrio ecolgico que assolou a

    regio da frica Austral entre 1982 e 1983, que provocou a seca e a guerra de

    desestabilizao poltica e econmica movida primeiro pela Rodsia do Sul, depois pela

    frica do Sul e mais tarde pela Renamo, foram responsveis pela crise econmica.

  • 27

    A guerra tinha como alvos preferenciais as infra-estruturas econmicas e sociais:

    estradas de ferro, rodovias, fbricas, escolas e hospitais. Com a seca, o ndice de produo de

    alimentos baixou ao mesmo tempo em que a guerra bloqueava as vias de escoamento campo

    cidade provocando escassez de alimentos dos dois lados campo e cidade.

    A estrutura poltica do Sistema Internacional fez com que a guerra em Moambique

    fosse enquadrada no padro do conflito global leste oeste, no contexto da Guerra Fria. O

    incorporamento do conflito moambicano dentro dos padres do conflito global, justificava o

    realismo poltico que caracterizou o mundo ps segunda guerra mundial, 1945 1990. Os

    principais protagonistas os Estados Unidos da Amrica (EUA) e a URSS tinham a idia do

    potencial destrutivo que significaria uma confrontao direta. Por isso, o conflito foi

    transferido para outros pases majoritariamente do terceiro mundo como Moambique.

    A Poltica Externa americana com relao frica do Sul desempenhou um papel

    preponderante tanto na manuteno da boa relao da frica do Sul e os pases vizinhos, por

    um lado e, por outro, na relao conflituosa que caracterizou as relaes frica do Sul e

    Moambique na dcada de 1890 1990, na administrao Botha. A poltica dos direitos

    humanos de Carter tinha influenciado a constructive engageent de Ronald Reagan que teve

    impacto na total strategy de Pieter Botha, depois de Vorster.

    Em 1977, j tinha sido iniciada por Vorster a estratgia das Constellation of Southern

    Africa States (CONSAS) - poltica de constelao de Estados com o objetivo de integrar todos

    os pases da frica Austral no mesmo sistema econmico cujo centro seria a frica do Sul.

    Este projeto foi de novo retomado por Botha na dcada de 1980, todavia, no teve sucesso,

    pois a maior parte dos pases da frica Austral fundaram a organizao dos pases da Linha

    da Frente, em 1977 que foi mais tarde, em 1980, substituda pela SADCC Conferncia para

    a Coordenao do Desenvolvimento da frica Austral.

  • 28

    3 OBSTCULOS QUE DETERMINARAM O FRACASSO DO SOCIALISMO EM

    MOAMBIQUE

    3.1 DETERMINANTES GLOBAIS E REGIONAIS

    Circunstncias polticas regionais e globais inviabilizaram a implantao do

    socialismo em Moambique. A Guerra-Fria e a presena de governos de minoria branca na

    Rodsia do Sul e na frica do Sul15

    so apontados como alguns graves e profundos

    obstculos que impediram a construo do socialismo em Moambique.

    A frica do Sul recebia apoio do ocidente, sobretudo da Inglaterra e dos EUA e

    Moambique dos pases do Leste e da China. O que fez com que as relaes entre os dois

    pases fossem influenciadas pelo conflito Ocidente Leste no mbito da Guerra-Fria.

    A frica do Sul alm de ser importante produtor mundial de ouro e de outros minrios

    importantes destinados ao mundo ocidental industrializado, era o bastio ocidental branco na

    frica Negra. Moambique era um Estado negro marxista-leninista, que alm de ter recebido

    apoio da Unio Sovitica e da China durante a luta armada de libertao nacional, contou com

    ajuda desses pases socialistas no apoio ao Congresso Nacional Africano (ANC), para derrotar

    o apartheid e o capitalismo na frica do Sul. (ABRAHAMSSON & NILSSON 1994, p. 103)

    A poltica externa de Moambique era favorvel aos movimentos nacionalistas16

    contra a ocupao colonial na Nambia, o apartheid na frica do Sul e contra o governo de

    minoria branca na Rodsia do Sul. Moambique apoiou o Zimbabwe African Peoples Union

    (ZANU), do Zimbabwe; o African National Congress (ANC), da frica do Sul e o South

    West Africa People's Organization (SWAPO) e, em cumprimento deciso da Organizao

    das Naes Unidas (ONU) de embargo contra o governo ilegal de Ian Smith fechou a

    fronteira com a Rodsia do Sul o que motivou uma srie de ataques militares da Rodsia do

    Sul e da frica do Sul contra Moambique.

    O apoio que Moambique passou a dar aos movimentos nacionalistas regionais, depois

    da independncia, fez desaparecer os Estados tampo de que a frica do Sul se fazia rodear

    antes da independncia de Moambique. A Sudoeste encontrava-se a Nambia ocupada pela

    frica do Sul; ao Norte a Rodsia do Sul de minoria branca e a Nordeste a colnia

    portuguesa de Moambique que dependia economicamente da frica do Sul.

    A Rodsia do Sul atacou militarmente Moambique como retaliao ao apoio deste

    pas guerrilha da ZANU e ao fechamento da fronteira. Com a independncia de

  • 29

    Moambique, desapareceria a aliana do governo de Ian Smith com o poder colonial

    portugus, instalado em Moambique, e o seu adversrio, a Frelimo que apoiava a ZANU,

    seria reforado pela Inglaterra, que pretendia aumentar as sanes, contra a Rodsia,

    oferecendo apoio econmico a Moambique.

    A interveno sul-africana em Angola, fez desaparecer o compromisso de no

    agresso e no apoio ao ANC, traado no acordo secreto de 1974 entre a frica do sul e

    Moambique. Os dois pases comearam a violar o acordo. Moambique deu retaguarda ao

    ANC e por conta disso, a frica do Sul foi levando a cabo uma campanha de ataques militares

    contra Moambique. A frica do Sul atacou Moambique em nome de perseguio de

    agentes do ANC, que se encontravam em Moambique e da the comunist total onslaugh17

    no mbito da total strategy18 do ento presidente sul-africano Pieter Botha.

    O pas, desde a independncia, tinha sido vtima de uma guerra de agresso

    conduzida primeiro pela Rodsia do Sul e depois pela frica do Sul. Esta guerra

    englobava todas as formas inimaginveis de agresso, desde bombardeamentos

    areos at criao da Resistncia Nacional de Moambique (Renamo), uma

    organizao homicida selvagem, desde ataques perpetrados por comandos tanto

    contra civis como contra alvos econmicos estratgicos, at a desestabilizao

    econmica, atravs do corte de linhas de energia, reduzindo os rendimentos em

    divisas (HERMELE 1990, p. 6).

    Os ataques militares sul africanos a Moambique eram, tambm, uma demonstrao

    de fora para que o pas reconhecesse a importncia econmica da frica do sul. Os sul-

    africanos queriam que Moambique reconhecesse a importncia econmica de continuar a ser

    leal e de cooperar economicamente com a frica do Sul. Para provar, a frica do Sul

    diminuiu o nmero de mineiros moambicanos de 120.000 para 40.000 entre 1975 e 1976

    (ABRAHAMSSON & NILSSON 1994, p. 103). Os ataques dirigiam-se infra-estrutura

    econmica e sociais tais como: ferrovias, rodovias, pontes, complexos industriais, escolas e

    hospitais. Os ataques tinham como objetivo sabotar o parque industrial para impedir o

    crescimento econmico do pas. A tabela 1mostra o impacto da poltica de hostilidade.

  • 30

    TABELA 1- AGRESSO MILITAR E ECONMICA CONTRA MOAMBIQUE

    Atividade Militar

    Nmero de escolas primrias fechadas 1983-1987 2600

    Porcentagem de rede escolar destruda 45%

    Nmero de postos de sade fechados 1982-1987 820

    Porcentagem de rede de sade destruda 31%

    Nmero de lojas rurais fechadas 1981-1988 3200

    Porcentagem de rede Rural destruda 50%

    Guerra econmica

    Reduo do n de trabalhadores migrantes moambicanos na frica do Sul 1975-1987 67%

    Reduo da mercadoria da frica do Sul em trnsito pelo Porto de Maputo 1975-1983 80%

    Reduo dos rendimentos de servios frica do Sul 1975-1987 93%

    Fonte: HERMELE, Kenneth (1990, p. 7). Moambique numa encruzilhada econmica e poltica na era do

    Ajustamento estrutural

    Em 1976, teve inicio a guerra da Renamo, desencadeada pelos servios secretos da

    Rodsia do Sul, por grupos dissidentes da Frelimo, por antigos militares moambicanos das

    foras especiais do exrcito portugus e, ainda, por colonos portugueses com interesses

    econmicos que, contra a sua vontade, tinham abandonado e residiam na Rodsia e na frica

    do Sul. Com a independncia do Zimbabwe, a frica do Sul passou a financiar a Resistncia

    Nacional de Moambique e a us-la como seu instrumento de desestabilizao militar em

    Moambique (MOSCA 2005, p. 142) citando (FLOWER 1987)19

    e (BERNARDO 2003)20

    .

    Aps a independncia do Zimbabwe, a polcia secreta sul-africana passou a ter o

    controle da Resistncia Nacional de Moambique e a fazer o seu financiamento. O

    movimento passou a constituir o instrumento principal da desestabilizao militar de

    Moambique movida pela frica do Sul (ABRAHAMSSON & NILSSON, 1994, p.

    102).

    Moambique alm de apoiar o Congresso Nacional Africano (ANC), fato que

    incomodava a frica do Sul, tinha uma localizao geoestratgica junto ao Oceano ndico que

    conferia-lhe um papel importante no mbito da Southern Africa Developmenta Coordenation

    Conference Conferncia para a Coordenao do Desenvolvimento da frica Austral

    (SADCC).

    Moambique responsabilizava-se pelo setor de transportes e comunicao que

    contribuiu para que o regime do apartheid fosse isolado. A melhoria de infra-instruturas, de

    transportes e comunicao como linhas frreas e portos, com apoio de governos nrdicos

    como a Sucia, faria com que as transaes comerciais dos pases do interior passassem a ser

  • 31

    feitas atravs de Moambique e no pela frica do sul. Estas aes foram punidas pelo

    presidente Botha que deu incio desestabilizao militar e econmica.

    O papel que Moambique assumiria no mbito da SADCC21

    na rea de transportes e

    comunicao22

    custou a destruio das suas infra-estruturas econmicas e sociais (escolas,

    hospitais, rodovias, estradas de ferro, pontes, etc.). As destruies visavam enfraquecer

    economicamente o pas e boicotar as iniciativas estrangeiras (norueguesas e suecas) de

    revitalizar e fortificar o sector de transportes e comunicao de Moambique.

    Uma vez forte, o setor moambicano de transportes e comunicao, viabilizaria as

    iniciativas de desenvolvimento regional da SADCC, apertando cada vez mais o cerco para a

    frica do Sul.

    A vingana sul-africana derivava, tambm, da opo socialista de Moambique, que

    frustrou os projetos de expanso geopoltica e imperialista da frica do Sul na regio da

    frica Austral no mbito da Constellation of Southern Africa States (CONSAS) Poltica

    de Constelao de Estados23

    - e para que o sucesso alcanado em Moambique nas reas de

    educao e sade no fosse um exemplo para a maioria negra que reivindicava cada vez mais

    da excluso social o que tornaria o ANC mais radical.

    O socialismo em Moambique no preocupava apenas os sul africanos. Preocupava,

    tambm, os americanos. Washington estava preocupado com a presena sovitica e

    radicalizao da Frelimo com a sua transformao num partido de vanguarda marxista-

    leninista em 1977. A situao piorou quando em 1981, Moambique expulsou diplomatas

    americanos acusados de serem gentes da Contra Inteligncia Americana (CIA) 24

    . A partir

    daqui as relaes entre EUA e Moambique deterioraram-se. A oposio direita de Reagan

    comeou a exigir que os EUA apoiassem a Renamo e durante muito tempo os EUA negaram

    ajuda internacional a Moambique. (ABRAHAMSSON & NILSSON, 1994, P. 88)

    As relaes diplomticas de Moambique com o Ocidente, a partir deste evento foram

    de azedume. A ajuda dos pases ocidentais a Moambique diminuiu significativamente e

    ajuda de emergncia da ONU ficaram condicionados soluo do desentendimento com os

    EUA. Moambique passou a enfrentar um bloqueio diplomtico do Ocidente que se estendeu

    at 1984 quando foi aceito como membro do Fundo Monetrio Internacional e do Banco

    Mundial.

  • 32

    3.2 CIRCUNSTNCIAS INTERNAS QUE DITARAM O FRACASSO DO PROJETO

    SOCIALISTA

    Circunstncias internas tambm foram responsveis pelo fracasso do projeto socialista

    em Moambique. A extino das autoridades comunitrias ligadas ao poder colonial

    (autoridades gentlicas); a falta de propriedades fundirias para os camponeses; a construo

    das aldeias comunais; a transformao das propriedades pertencentes a antigos colonos

    portugueses, em propriedades coletivas e cooperativas agrcolas; o projeto de

    desenvolvimento industrial baseado na modernizao atravs da mecanizao agrria; a

    radicalizao da poltica do partido no poder e as medidas tomadas no terceiro congresso da

    Frelimo, que resultaram na implementao da ideologia marxista-leninista, contriburam para

    a crise econmica e o fracasso do projeto socialista em Moambique.

    A Frelimo considerava as autoridades comunitrias obscurantistas, classistas e

    exploradoras do povo. As autoridades coloniais cobravam os impostos, impunham as culturas

    obrigatrias e recrutavam a mo-de-obra para realizar trabalhos forados nas grandes

    plantaes o chibalo. O papel destas autoridades como intermedirias na opresso do povo,

    foi o motivo de ciso com o novo poder da Frelimo, fato que fez com que se aliassem mais

    tarde Renamo como alternativa de poder.

    Vrios dos dirigentes mais tradicionais do poder poltico ou cultural da sociedade

    moambicana sentiram-se desamparados quando a Frelimo denunciou os seus

    hbitos e costumes como `tribaise `obscurantistas. Aqui, quebrou-se um lao da

    luta armada, quando a Frelimo fez compreender que os polgamos e religiosos no

    pertenciam ao partido marxista-leninista em que a Frelimo se tinha transformado em

    1977, apenas dois anos aps a independncia. Esta ruptura com o poder tradicional

    teve considerveis conseqncias e foi aproveitado pelas foras hostis

    transformao social e ao socialismo (HERMELE 1990, p. 5).

    Com a independncia os camponeses esperavam receber terra, instrumentos de

    trabalho e aumentos salariais, prometidos durante a mobilizao. Contrariamente s

    expectativas, os camponeses foram agrupados em aldeias comunais, foram criadas

    cooperativas agrcolas, propriedades coletivas e estatais para evitar a propriedade privada,

    marginalizando, deste modo, as populaes. A estratgia no enquadrou as razes pelas

    quais um importante estrato do campesinato tinha apoiado a luta de libertao, a recuperao

  • 33

    da terra da qual os camponeses haviam sido desapossados pelos portugueses (HERMELE

    1990, p. 5). Os camponeses mantiveram-se sem acesso propriedade, o que decepcionou a

    maior parte da populao rural que viu suas terras serem ocupadas pelas cooperativas e

    empresas estatais. Este aspecto foi bem aproveitado pela Renamo, que ao servio da poltica

    externa sul-africana e da Guerra Fria, contra Moambique, usou o descontentamento popular

    para obter apoio e bases junto s populaes rurais.

    A criao das aldeias comunais e as cooperativas foi outro n de estrangulamento

    entre as populaes rurais e as autoridades da Frelimo. Embora tivessem o objetivo de

    socializar o meio rural, eliminar o individualismo e a disperso das populaes que

    dificultaria a prestao de servios essenciais de sade, educao, gua, habitao e

    saneamento do meio, as aldeias comunais e as cooperativas no consideraram os costumes e

    a importncia do espao na organizao social e econmica das famlias. Elas foram

    concebidas fundamentalmente como uma mudana fsica do local de residncia (MOSCA

    2005, p. 160). Esta transformao chocou-se com os valores histricos e antropolgicos das

    populaes.

    A modernizao da agricultura exigia a participao de tcnicos especializados,

    maquinarias e recursos financeiros. Mas, os tcnicos vinham do estrangeiro, sobretudo, dos

    pases do Leste e Nrdicos, e no conheciam a realidade local. Utilizaram recursos

    tecnolgicos que resultaram no empobrecimento dos solos. Os recursos para financiar estes

    projetos vinham dos pases do Leste e Nrdicos, o que levou o pas ao endividamento e

    dependncia externa.

    O resultado de tais projetos foi uma crise econmica que inviabilizou o socialismo em

    Moambique. Com a crise econmica, Moambique viu-se obrigado a filiar-se Concil for

    Mutual Economic Assistance (COMECON), mas no foi aceito. Como alternativa, a Frelimo

    desenvolveu negociaes com pases ocidentais e as Instituies de Bretton Woods (IBWs)

    em 1983, e, em 1984, foi aceito como membro do Fundo Monetrio Internacional (FMI) e do

    Banco Mundial (BM). Tais fatos levaram abertura da economia do pas aos Investimentos

    Estrangeiros Diretos (IED) e deu origem ao Programa de Reabilitao Econmica (PRE) no

    contexto do Programa de Ajustamento Estrutural (PAE).

  • 34

    4 AS REFORMAS NEOLIBERAIS EM MOAMBIQUE (1984-1987)25

    As reformas neoliberais foram iniciadas em 1984 com a aceitao de Moambique

    como membro do Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetrio Internacional (FMI) e

    introduzidas em 1987, com o Programa de Reabilitao Econmica (PRE)26

    . O PRE surgiu no

    contexto do Programa de Ajustamento Estrutural (PAE)27

    inspirado nas decises do Consenso

    de Washington.

    As reformas visavam substituir o modelo socialista de desenvolvimento pelo

    capitalismo. Empresas do Estado foram privatizadas; reduziram-se os gastos do Estado com

    educao e sade e; em 1990 uma nova constituio foi aprovada com o objetivo de acomodar

    a democracia multipartidria e propriedade privada.

    A guerra, a seca, a crise econmica dos anos 1980 e o isolamento diplomtico haviam

    piorado a situao econmica e social e aumentado as necessidades de apoio externo de

    Moambique. A guerra havia destrudo as infra-estruturas econmicas e sociais como escolas,

    hospitais, vias frreas, indstrias e rodovias; a seca causou a escassez de alimentos; a crise

    econmica agravou a dvida externa e o isolamento diplomtico impedia o acesso ajuda

    internacional de emergncia na rea alimentar.

    As reformas neoliberais foram introduzidas para garantir a concesso de ajuda de

    emergncia por causa da fome, acabar com a guerra de desestabilizao (movida pela Renamo

    com suporte da frica do Sul), negociar o reescalonamento da dvida e acesso a novos

    crditos e romper o isolamento diplomtico com os pases ocidentais.

    4.1 O IMPACTO DO PROGRAMA DE REABILITAO ECONMICA EM

    MOAMBIQUE

    O Programa de Reabilitao Econmica em Moambique teve duas fases. O Programa

    de Reabilitao Econmica (de 1987 a 1990) e o Programa de Reabilitao Econmica e

    Social (PRES) de 1990 at aos anos 2000. A terapia de choque imposta pelo Fundo Monetrio

    Internacional, provocou cortes drsticos nas despesas pblicas, a reduo de salrios e um

    aceleradssimo processo de privatizaes de empresas estatais e bancos comerciais, o que

    provocou graves e profundas manifestaes sociais.

  • 35

    Greves, mobilizaes sociais, conflitos sociais e degradao moral da sociedade

    caracterizaram esse processo. A conseqncia de inmeras manifestaes de

    descontentamento (greves e mobilizao de cidados e trabalhadores), levou em 1990,

    transformao do Programa de Reabilitao Econmica em Programa de Reabilitao

    Econmica e Social. (MOSCA 2005, p. 350)

    Em 1983 Moambique vivia uma forte crise econmica causada pela seca, o

    fechamento da fronteira com a Rodsia do Sul, o isolamento diplomtico e a guerra de desestabilizao. Este estado das coisas agravou a dvida externa do pas que chegou a

    atingir 97% e precisava ser escalonada (HERMELE 1990, p. 2). Para resolver o problema

    da fome e as conseqncias da guerra, em 1981 Moambique tentou, sem sucesso, filiar-se ao

    COMECON para obter apoio, no s para enfrentar a fome como tambm para acabar com a

    guerra de desestabilizao. Diante da recusa, Moambique encetou negociaes com o mundo

    ocidental, que condicionou a ajuda, o reescalonamento da dvida e novos financiamentos,

    assinatura de acordo de paz com a frica do Sul e adeso s Instituies de Bretton Woods

    (IBWs) Fundo Monetrio Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM). As IBWs

    impuseram a Moambique um conjunto de obrigaes:

    Cortar as despesas do governo diminuio de salrios e servios sociais.

    Acabar com o envolvimento do Estado na economia e, o acesso ao crdito s podia ser

    determinado pelas foras de mercado.

    Privatizar servios e empresas do Estado ou controladas pelo Estado.

    Acabar com subsdios e controlo de preos.

    Desvalorizar drasticamente a moeda.

    Abolir os regulamentos que restringiam as atividades das empresas privadas.

    Liberar o comrcio internacional de barreiras e minimizar as taxas de importao e

    exportao; a produo nacional no podia ser protegida.

    Encorajar o investimento e as exportaes (HANLON, 2008 p. 39).

    Mutatis Mutandi28

    , Moambique iniciou um processo de reformas polticas e

    econmicas para atender s condicionalidades impostas pelas IBWs para conceder ajuda

    solicitada. Foram feitas reformas na poltica interna e externa do pas. A Frelimo deixou de

    ser um partido de vanguarda marxista-leninista e deu incio ao estabelecimento de alianas

    com os antigos poderes comunitrios.

    Apesar de ter resgatado o pas dos escombros da guerra e da fome que matava

    milhares de pessoas, as reformas neoliberais, em Moambique, tiveram conseqncias

  • 36

    deletrias. O desemprego, a dvida externa, a corrupo, fuga de quadros do setor pblico para

    o setor privado; Organizaes No Governamentais e representaes de Instituies

    Financeiras Internacionais e a degradao da qualidade de vida dos cidados foram as

    conseqncias da implementao das polticas reformistas.

    As reformas mais do que aliviar o pas da desastrosa situao em que se encontrava,

    apoiaram os interesses polticos e econmicos dos pases ocidentais e das grandes corporaes

    multinacionais.

    Moambique precisava romper o isolamento diplomtico para se aproximar de pases

    influentes como os EUA, a Comunidade Econmica Europia (CEE) atual Unio Europia

    (EU) subscrevendo-se ao tratado de Lom29

    . A aproximao ao Ocidente permitiria ao pas

    receber ajuda para enfrentar a crise econmica, a guerra, filiar-se s Instituies Financeiras

    Internacionais (IFI) e receber investimentos privados atravs do Investimento Estrangeiro

    Direto (IED) (ABRAHAMSSON & NILSSON, 2001, p. 180).

    4.2 AJUDA EXTERNA EM MOAMBIQUE

    Com o Ajustamento Estrutural realizado, em 1987, Moambique comeou a receber

    ajuda bi e multilateral de emergncia de diversos pases do mundo; de Instituies Financeiras

    Internacionais; de Organizaes No Governamentais internacionais e de Agncias das

    Naes Unidas, pois, a partir de 1982 a Unio Sovitica tinha deixado de ser o parceiro

    estratgico para a soluo das que Moambique enfrentava a guerra e a crise econmica.

    O governo da Frelimo comeou a aproximar-se do Ocidente e, em 1983 Moambique

    aceitou a proposta dos EUA de realizar um acordo com a Repblica da frica do Sul, em que

    as duas partes se comprometiam a no apoiar aes contra outro pas a partir do seu territrio.

    Em 1984 foi assinado o acordo de Nkomati e, conseqentemente, Moambique pde ser

    membro do FMI e do BM, reduzindo suas relaes com a Unio sovitica (ABRAHAMSSON

    & NILSSON, 2001, p. 180-1).

    A necessidade urgente de ajuda alimentar internacional e de novos crditos

    internacionais, juntamente com a necessidade de apoio internacional poltico e

    diplomtico para a luta contra o regime de minoria branca na frica do Sul, fizeram

    com que Moambique alterasse as suas alianas internacionais. A juntar a isso veio

    o fato de Moambique no ter sido aceito como membro da organizao de

    cooperao econmica dos pases de Leste, Concil of Mutual Economic Aid

    (COMECON). Por essa razo, ficaram frustradas as possibilidades de uma

    cooperao aprofundada com os pases socialistas, como alternativa ao sistema de

  • 37

    crditos ou ao apoio poltico dos pases ocidentais. As exigncias do Ocidente eram

    inequvocas. A ajuda alimentar internacional, assim como o aumento de acesso a

    crditos internacionais e a prorrogao do prazo de pagamento das dvidas, exigiam

    a introduo de uma economia de mercado cuja estabilidade pudesse ser aprovada

    pelo Fundo Monetrio Internacional. Para alm disso, havia a exigncia

    incondescendente de negociaes de paz com a frica do Sul e de cessao de

    apoio de Moambique ao Congresso Nacional Africano (ANC) (ABRAHAMSSON

    & NILSSON, 1994, p. 110).

    Moambique realizou uma srie de reformas polticas e econmicas. Subscreveu-se ao

    Programa de Ajustamento Estrutural e a constituio marxista-leninista de 1975 foi

    substituda por uma constituio democrtica. Em 1991 a Frelimo deixou de ser um partido

    de vanguarda marxista-leninista e adotou uma constituio que introduziu o sistema

    multipartidrio. A economia deixou de ser planificada centralmente e passou a economia de

    mercado mais liberal. (ABRAHAMSSON & NILSSON, 1994, p. 106)

    Moambique comeou, a partir de ento, a receber ajuda bi e multilateral. Recebeu

    ajuda humanitria de emergncia de Organizaes No Governamentais ocidentais e norte

    americanas. A ajuda vinha em resposta calamidade natural que assolou o pas entre 1982 e

    1983 a seca que provocou fome. Recebeu ajuda, financiamentos feitos diretamente ao

    governo e/ou atravs de transferncia de governos, dos EUA e de pases europeu e de

    Instituies Financeiras Internacionais como o Fundo Monetrio Internacional e o Banco

    Mundial para o governo moambicano. A ajuda que Moambique recebeu serviu para pagar

    as importaes petrleo, alimentos, medicamentos e etc. no para reconstruir as indstrias

    dos ramos de alimentao, vesturio, e processamento de produtos agrcolas que tinham sido

    destrudas pela guerra, que iriam competir com as indstrias ocidentais. Foi promovida a

    importao no lugar da promoo da produo domstica.

    A ajuda externa veio dos Estados Unidos da Amrica, da Comisso Europia

    (Inglaterra, Espanha, Alemanha, Portugal, Itlia, Frana, Pases Baixos, Dinamarca, Noruega,

    Sucia, Sua e outros). Essa ajuda destinava-se a apoiar projetos nas reas de educao,

    fornecimento de gua e saneamento, governo e sociedade civil, direitos humanos, transportes

    e comunicao, agricultura, energia, bancos e servios financeiros, comrcio, sade e outras.

  • 38

    TABELA 2-FLUXO DE AJUDA POR

    SETORES

    Fonte: ODAmoz Mozambique Donor Atlas 2008

    Tambm houve ajuda humanitria de agncias das Naes Unidas: Food and

    Agriculture Organization (FAO), Organizao das Naes Unidas para o combate Sndrome

    de Imune Deficincia (SIDA) (ONUSIDA), Programa das Naes Unidas para o

    Desenvolvimento (PNUD), United Nations Educational, Scietific and Cultural Organization

    (UNESCO), Fundo das Naes Unidas Para a Populao (FNUAP), Alto comissariado das

    Naes Unidas Para os Refugiados (ACNUR), Fundo das Naes Unidas Para a Infncia

    (UNICEF), Programa Mundial de Alimentao (PMA), Organizao Mundial de Sade

    (OMS), de Organizaes No Governamentais (ONGs) como a Care Internacional, United

    StatesAgency For International Development (USAID). O PMA contribuiu com 30.000

    toneladas de milho e a Sucia, atravs da ASDI contribuiu com 30 caminhes para o

    transporte da ajuda at os pontos de distribuio.

  • 39

    TABELA 3-PROJETO POR DOAODOR/ AGNCIAS DAS NU POR ANO (EM US $)

    2060 projetos correntes

    Doador 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total

    ADB 91.313.433 125.765.509 79.519.403 88.997.531 190.889.996 112.582.090 0 689.067.961

    AUSTRIA 5.364.967 8.045.313 2.961.644 8.962.306 6.918.143 5.763.160 77.714 38.093.247

    BELGICA 7.894.541 10.425.272 11.338.825 9.857.074 10.863.813 11.457.940 6.000.000 67.837.465

    CANADA 18.397.753 20.187.152 26.339.160 53.080.621 66.415.098 66.973.362 67.102.549 318.495.695

    DINAMARCA 45.469.339 44.266.356 65.886.172 61.121.212 41.433.096 69.168.674 68.024.691 395.369.540

    COMISSO

    EUROPEIS 102.546.237 94.609.132 108.011.105 122.576.003 94.222.466 22.992.249 7.526.697 552.483.890

    FINLAND 25.937.587 28.173.683 27.915.227 38.081.997 44.777.581 36.914.293 12.742.000 214.542.369

    FLANDRES 19.999.097 3.950.994 20.317.946 5.026.241 3.163.357 4.833.827 0 57.291.463

    FRANA 18.199.689 20.112.314 19.094.099 20.123.827 21.689.643 28.298.794 31.547.844 159.066.210

    ALEMANHA 15.888.553 27.632.824 35.998.416 40.055.233 38.967.168 28.660.293 8.590.000 195.792.487

    IRLANDA 26.474.160 26.679.693 60.471.666 65.144.143 56.054.949 55.785.714 55.785.714 346.396.039

    ITLIA 26.379.424 34.277.546 42.360.984 30.145.766 24.127.511 42.865.226 27.645.714 227.802.171

    JAPO 406.204 13.742.935 20.323.041 14.425.062 25.393.997 18.802.254 10.841.623 103.935.116

    MCC 0 4.506.226 1.600.796 8.577.864 49.421.287 97.044.348 140.496.667 301.647.188

    IRLANDA 56.289.724 62.413.387 81.284.764 100.740.329 67.151.024 76.572.381 65.823.477 510.275.087

    NORUEGA 59.594.350 59.708.053 65.454.300 71.686.744 64.686.978 71.226.942 58.204.959 450.562.326

    PORTUGAL 26.399.003 25.451.430 22.982.003 24.271.229 11.333.089 29.040.411 0 139.477.164

    ESPANHA 22.008.321 26.931.634 35.050.423 30.642.591 29.509.829 20.495.469 15.342.857 179.981.124

    SUECIA 78.971.158 95.545.149 97.957.851 114.034.930 109.847.968 102.301.552 91.130.867 689.789.475

    NOVAZELNDIA 15.715.209 12.438.363 19.498.224 20.449.960 12.130.952 476.190 0 80.708.898

    REINO UNIDO 78.395.833 171.597.169 122.271.496 40.266.563 93.888.600 130.924.510 135.117.647 772.461.818

    USAID 58.348.343 73.467.636 106.064.761 191.836.674 133.417.470 180.672.397 180.672.397 924.479.678

    BANCO

    MUNDIAL 240.820.000 222.685.000 239.682.821 311.140.000 129.828.000 174.300.000 103.230.000 395.369.540

    GRANDE TOTAL 1.040.812.926 1.212.612.769 1.312.385.125 1.471.243.900 1.326.132.015 1.388.152.077 1.085.903.419 8.837.242.230

    Agencias das NU 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total

    FAO 2.971.132 5.226.900 4.413.123 5.082.151 8.312.157 5.084.633 3.528.592 34.618.688

    GLOBALFUND 16.384.567 23.387.475 42.336.774 50.176.449 45.599.209 0 0 177.884.474

    IFAD 2.545.281 2.934.694 3.442.971 3.949.338 1.431.545 3.200.000 796.840 18.300.669

    UNAIDS 73.540 209.252 203.688 317.126 607.000 145.000 0 1.555.606

    UNDP 4.829.293 6.612.487 15.569.895 12.009.739 1.900.000 2.072.830 2.011 42.996.255

    UNESCO 0 182.178 993.800 2.975.777 20.000 0 0 4.171.755

    UNFPA 0 0 23.827.111 10.364.137 4.036.434 0 0 38.227.682

    UNHABITAT 442.992 161.581 0 0 0 0 0 604.573

    UNHCR 0 0 450.750 1.346.058 1.389.185 0 0 3.185.993

    UNICEF 7.466.660 8.110.257 28.281.870 45.188.136 35.079.279 250.000 0 124.376.202

    UNIDO 0 863.000 1.268.000 2.245.000 6.736.000 6.280.000 2.480.000 19.872.000

    WFP 27.248.000 28.784.000 32.247.600 45.356.998 22.234.694 0 0 155.871.292

    WHO 0 0 0 1.496.985 3.101.650 3.411.815 3.411.815 11.422.265

    GRANDE TOTAL 61.961.465 76.471.824 153.035.582 180.507.894 130.447.153 20.444.278 10.219.258 633.087.454

    NB: Os valores totais das agncias das NU incluem financiamentos bilaterais reportados pelo ODAmoz.

    Fonte: Comisso Europia, Naes Unidas e Embaixada da Irlanda em Moambique

    Apesar do elevado montante de ajuda humanitria em bens de alimentao e

    financiamentos para o desenvolvimento que o pas recebeu, a situao das populaes no

    melhorou substancialmente, como seria de se esperar. A ajuda alimentar americana era

    poltica30

    e visava pressionar o Governo de Moambique a abandonar o socialismo.

  • 40

    Por outro lado, as aes de emergncia tm sido de curto prazo e, Moambique no foi

    exceo, por isso, no se compatibilizaram com as perspectivas de desenvolvimento do pas

    do Programa de Reabilitao Econmica, como por exemplo, a promoo da produo e a

    produtividade da economia nacional com a finalidade de aumentar o volume das exportaes

    e diminuir as importaes para equilibrar a balana de pagamentos.

    A interveno do Estado no monitoramento do processo de distribuio da ajuda

    humanitria de emergncia foi limitada. No foi estabelecido um sistemas de controle da

    distribuio da ajuda alimentar de emergncia o que estimulou o crescimento de desvios,

    roubos, corrupo (ABRAHAMSSON & NILSSON, 1994, p. 123).

    Por seu turno, os fundos de ajuda ao desenvolvimento disponibilizados pelas

    Instituies Financeiras Internacionais, ao invs de serem aplicados em projetos de

    desenvolvimento, foram aambarcados para fins que no estimularam a produo interna de

    bens de consumo e de promoo de desenvolvimento econmico e social do pas e; mesmo

    sabendo que os fundos disponibilizados para desenvolvimento do pas eram investidos em

    infra-estruturas contraproducentes, como casas e carros de luxo, o BM e FMI seguiam

    transferindo recursos alimentando a corrupo e gangsterismo na gesto de bens

    pblicos, como referem Couto, (MOSSE, 2004) e (HANLON, 1991) mais adiante.

    A ajuda alimentar devia ser canalizada atravs do Ministrio do Comrcio Interno,

    pela empresa estatal de comercializao de produtos agrcolas (AGRICOM), pela rede

    comercial existente nas reas rurais, ou atravs do rgo estatal de combate s situaes de

    emergncia, DPCCN (Departamento de Preveno e Combate s Calamidades Naturais) ora

    vinculado ao Ministrio dos Negcios Estrangeiros. Mas os EUA exigiram que a distribuio

    fosse feita por estruturas separadas do Estado, as ONGs internacionais (ABRAHAMSSON &

    NILSSON, 1994, p. 111). Vrias ONGs internacionais como a CARE internacional, uma

    ONG norte americana, a ASDI e instituies das NU como o PMA responsabilizaram-se pela

    distribuio da ajuda alimentar.

    A CARE assumiu o poder executivo dentro do DPCCN sem uma estrutura

    administrativa competente para proceder ao transporte e distribuio dos bens destinados

    ajuda alimentar. Os tcnicos estrangeiros no tinham competncia tcnica para a tarefa de

    distribuio da ajuda. O pessoal da CARE era constitudo por antigos membros do peace

    corps sem qualquer experincia profissional sobre transporte e logstica e as autoridades

    moambicanas no haviam recebido os curricula vitae dos tcnicos estrangeiros, o que tornou

    impossvel influenciar em seu recrutamento. Por isso, a CARE no foi capaz de desenvolver

    um mtodo de controle dos fretes e desalfandegamento dos produtos e de controle de peas

  • 41

    sobressalentes das viaturas usadas na distribuio dos bens (ABRAHAMSSON & NILSSON,

    1994, p. 121).

    Questionado sobre estas irregularidades, o representante do financiador americano

    fez o seguinte comentrio: nunca foi inteno da poltica externa dos EUA reforar a administrao moambicana ajudando a formar uma organizao estatal nacional

    para o combate emergncia. Pelo contrrio, quanto mais depressa essas tentativas

    corroerem, mais fcil se tornar para os interesses privados e para as ONGs

    encarregarem-se da distribuio da ajuda de emergncia e chegar aos grupos alvo.

    Tm a minha autorizao para citar as minhas afirmaes quanto este ponto (ABRAHAMSSON & NILSSON, 1994, p. 121).

    Com a distribuio da ajuda conduzida de forma catica e desordenada, era evidente

    que no se conseguisse lograr os objetivos desejados, uma distribuio eficiente dos bens aos

    grupos afetados pela fome e pela guerra. Tudo havia sido feito para o descrdito do processo

    pelos doadores que passaram a exigir que a distribuio fosse feita atravs de estruturas

    paralelas separadas do Estado e do DPCCN e que deviam ser controladas por rgos

    multilaterais nas NU ou ONGs estrangeiras. Estas exigncias reduziram a soberania do pas e

    o seu direito de tomar decises de forma independente sobre o direcionamento e realizao da

    ajuda de emergncia fazendo com que as pessoas que estavam em frente enriquecessem cada

    vez mais a custa deste processo.

    A ajuda alimentar teve efeitos negativos em Moambique. Ela no estimulou a

    produo local, na medida em que os prprios doadores vinculavam as necessidades de ajuda

    aos interesses das suas polticas agrrias. Os produtos agrcolas que chegavam a Moambique

    eram adquiridos a preos do mercado internacional subvencionado, o que fez com que a ajuda

    alimentar em Moambique se tornasse um obstculo ao desenvolvimento da produo interna

    de produtos alimentares. Por outro lado, a ajuda alimentar estimulou o roubo e a corrupo.

    Algumas regies do Norte de Moambique, no haviam sido afetadas pela seca,

    mantinham alguns excedentes de produo de bens alimentares que podiam ser destinados

    para socorrer as populaes afetadas pela fome. Mas, os doadores internacionais recusaram-se

    a comprar excedentes de alimentos produzidos em Moambique. A ajuda alimentar no foi

    posta disposio de Moambique em forma de dinheiro com o qual o pas pudesse comprar

    alimentos localmente ou no mercado internacional e transport-los para a populao, segundo

    as necessidades e prioridades identificadas pelo governo. Foram os doadores que puseram a

    comida disposio, ditando, eles prprios as condies e deixando para Moambique sem

    poder influenciar o processo (ABRAHAMSSON & NILSSON, 1994, p. 121).

  • 42

    Por outro lado, os doadores impuseram que a distribuio da ajuda de emergncia

    fosse gratuita. Por ser gratuita, tambm, atingiu populaes que tinham poder de compra, das

    reas urbanas, por exemplo. Este fato, levou diferenciao entre as populaes urbanas e

    rurais. As pessoas com poder de compra, passaram a revender os alimentos dando origem

    roubos e corrupo. Eles enriqueceram ainda mais e bloquearam a produo nacional de

    alimentos. Esta situao fez com que a ajuda alimentar no fosse benfica para Moambique

    (ABRAHAMSSON & NILSSON, 1994, p. 124).

    A ajuda alimentar no correspondeu s reais necessidades da populao. Ela estava

    vinculada s polticas agrrias dos pases doadores. Eram fornecidos cereais que no

    correspondiam aos padres de consumo das populaes criando uma nova dependncia a

    longo prazo. Foi fornecido trigo e arroz no lugar de milho branco que constitui a base da

    alimentao da populao moambicana (idem).

    4.3 FATORES QUE LEVARAM MOAMBIQUE A ADERIR AO PROGRAMA DE

    AJUSTAMENTO ESTRUTURAL (PAE)

    Razes internas, regionais e globais estiveram na origem do Ajustamento Estrutural

    que inspirou o Programa de Reabilitao Econmica (PRE) em Moambique. A crise

    econmica que assolou o pas no perodo compreendido entre os anos 1982 e 1987, provocada

    pela guerra de desestabilizao econmica e poltica; a reduo de receitas em divisas devido

    ao fechamento da fronteira com a Rodsia do Sul e a reduo do uso de infra-estruturas de

    transportes e comunicao (portos e caminhos de ferro) pela frica do Sul; a necessidade de

    ajuda dos pases ocidentais em decorrncia da recusa de apoio do COMECON e a crise

    econmica que gerou a alta de preos de petrleo, so apontados como principais fatores que

    levaram Moambique a aderir ao Programa de Ajustamento Estrutural (PAE) que em

    Moambique, foi denominado Programa de Reabilitao Econmica (PRE).

    Moambique tinha conseguido sair da crise econmica do perodo ps independncia,

    quando os colonos portugueses abandonaram o pas e, entre 1980-81, a economia do pas

    havia crescido. Todavia, a guerra de desestabilizao, o fechamento da fronteira com a

    Rodsia do Sul, em 1976, o bloqueio diplomtico do Ocidente, a diminuio do recrutamento

    de mo-de-obra moambicana para trabalhar nas minas da frica do Sul, do trfego sul

    africano na rede de transportes e comunicao de Moambique e o cancelamento do acordo

    de pagamento do trabalho de moambicanos nas minas sul-africanas em diferido, resultaram

  • 43

    numa grave recesso econmica e no agravamento da dvida externa que acompanharam a

    evoluo poltico-econmica do pas at 1987, quando foi criado o Programa de Reabilitao

    Econmica (PRE).

    Em 1976, em cumprimento deciso da ONU de embargo ao governo ilegal de Ian

    Smith, Moambique encerrou a fronteira com a Rodsia do Sul. O encerramento da

    fronteira com a Rodsia reduziu o trfego internacional de mercadorias, uma das

    principais fontes de divisas; os prejuzos decorrentes das sanes e de agresses da

    Rodsia do Sul foram estimados em 16.500 mil contos. (CARDOSO 2000, p. 133)31

    citado por (MOSCA 2005, p. 147).

    Em Abril de 1978, o Governo da frica do Sul rescindiu unilateralmente o Acordo

    de 1928 assinado com o governo colonial, atravs do qual parte do salrio dos

    trabalhadores moambicanos nas minas era utilizado para adquirir ouro ao preo

    fixo. Assim, receitas que durante dcadas financiavam a economia colonial,

    subitamente deixaram de fazer parte da arrecadao de divisas para a nossa balana

    de pagamentos (RATILAL)32

    .

    A produo industrial e agrcola haviam parado em decorrncia da guerra e da

    estiagem; as exportaes haviam diminudo e a dvida externa aumentara. A produo

    agrcola s podia satisfazer 10% das necessidades que o mercado tinha de bens alimentares. A

    indstria trabalhava a cerca de 20-40% da sua capacidade instalada. Os preos do mercado

    paralelo eram 20-40 vezes mais altos do que os preos oficiais. Entre 1980 e 1981 o Produto

    Nacional Bruto (PNB) tinha diminudo 30%. (ABRAHAMSSON & NILSSON 1994, p. 48).

    A crise do petrleo provocou o colapso econmico de Moambique. Durante o

    perodo dessa crise, nos anos de 1980, Moambique recebeu petrleo da Unio das

    Repblicas Socialistas Soviticas (URSS), Arglia, Lbia e Angola. Da Lbia recebeu petrleo

    a crdito, at 1983 e de Angola recebeu 3 navios com 35000 toneladas de petrleo (RATILAL

    in jornal SAVANA 07.05.2010)33

    . A intensificao da guerra no incio dos anos 1980; a

    queda das exportaes e a subida dos preos de petrleo e das taxas de juro resultaram na falta

    de dinheiro para as importaes. As exportaes caram abruptamente provocando um

    colapso econmico em Moambique.

    A fome e a guerra seguiam matando gente. As populaes eram obrigadas a

    deslocarem-se das suas reas de residncia para outras consideradas mais seguras nos pases

    vizinhos e/ou junto aos arredores das cidades; a estiagem devastava os campos e, na URSS

    principal aliado de Moambique estava em curso a Perestrica e a glasnost34 que

    culminaram com o fim do bloco socialista que marcou o fim da Guerra- Fria em 1990.

    Em 1981, Moambique tentou em vo obter o apoio da COMECON. Diante de um

    quadro de sofrimento das populaes afetadas pela fome, guerra e visvel gradual

  • 44

    decadncia da URSS na dcada de 1980, Moambique decidiu recorrer aos pases ocidentais e

    s Instituies de Bretton Woods (IBWs) com o objetivo de obter recursos e financiamentos

    para a recuperao econmica do pas.

    A economia foi reestruturada seguindo as regras do Consenso de Washington e das

    polticas neoliberais. Foi criada a Unidade Tcnica para a Reestruturao das Empresas

    (UTRE). Foi aprovada a Lei n 15/91, regulamentada pelo Decreto n 28/91 que fixava

    normas para a reestruturao e regulamentao do setor empresarial do Estado, incluindo a

    sua privatizao e, importantssimos bancos comerciais (O Banco Comercial de Moambique

    BCM e o Banco Popular de Desenvolvimento BPD). Estes bancos tinham assegurado a

    sobrevivncia do Estado durante o crtico perodo da guerra.

    4.4 OBJETIVOS DO PROGRAMA DE REABILITAO ECONMICA

    O Programa de Reabilitao Econmica tinha o objetivo de realizar reformas

    econmicas no quadro do Ajustamento Estrutural do FMI e BM, que preparassem

    Moambique para receber Ajuda Externa ao Desenvolvimento:

    1) Reverter o declnio da produo e restaurar um nvel mnimo de consumo e rendimento para

    toda a populao, particularmente nas reas rurais.

    2) Reduzir substancialmente os desequilbrios financeiros internos e reforar as contas externas e

    as reservas.

    3) Aumentar a eficincia e estabelecer as condies para um regresso a nveis mais altos de

    crescimento econmico logo que a situao de segurana e outras limitantes exgenas

    tivessem melhorado.

    4) Reintegrar os mercados oficiais e paralelos.

    5) Restaurar a disciplina das relaes financeiras com parceiros comerciais e credores

    (HERMELE 1990, p. 14).

    Apesar da ajuda destinar-se a resolver os problemas econmicos e sociais que

    assolavam o pas, ela aumentou a pobreza e reduziu o poder do Estado sobre as corporaes

    multinacionais, que investiam no pas. A dvida externa aumentou e o pas passou a depender

    econmica e financeiramente da ajuda externa dos pases ocidentais. Quanto mais ajuda o pas

    recebia mais dependente dela se tornava uma vez que a ajuda no se destinava a construo

    infra-estruturas que emancipariam o pas da condio de pobreza.

  • 45

    4.5 IMPACTO DO AJUSTAMENTO ESTRUTURAL EM MOAMBIQUE

    Apesar do declnio econmico, no perodo de 1985-1990 ter apresentado uma

    reverso, o ajustamento estrutural ocorrido em Moambique teve conseqncias perversas. As

    classes mais pobres, sobretudo das cidades, sentiram o efeito mais cruel do ajustamento

    estrutural. Os funcionrios pblicos viram os seus salrios diminudos, reduzindo o seu poder

    de compra, sem poder levar os seus filhos escol