a c3a9tica social de calvino

A TICA SOCIAL DE CALVINO

Prof. Ms. Christian Medeiros

Os bens terrenos luz de nossa natural

perversidade, tendem a ofuscar nossos olhos

e a levar-nos ao esquecimento de Deus, e

portanto devemos ponderar, atentando-nos

especialmente para esta doutrina: tudo quanto

possumos, por mais que parea digno da

maior estima, no devemos permitir que

obscurea o conhecimento do poder e da

graa de Deus.1

Em princpio necessariamente essencial a explicitao do que entendemos ter sido a

Reforma Protestante do sculo XVI. Para tanto seguimos a mesma perspectiva do telogo e

filsofo catlico Battista Mondin que destaca a Reforma Protestante como um movimento

eminentemente religioso em seu escopo central de suas aes, no entanto, tambm no deixando

de perceber o vasto campo de influncia produzida por ela, que seja no campo social, poltico,

econmico, cientfico etc..., mas a sua origem e agenda so, acima de tudo, eminentemente de

ordem espiritual. Observemos:

A Reforma protestante foi um acontecimento essencialmente religioso,

mas causou ao mesmo tempo profundas transformaes polticas, sociais,

econmicas e culturais. Tambm no desenvolvimento da filosofia a sua

influncia foi decisiva, especialmente na filosofia alem, mas tambm na

francesa, inglesa, americana, italiana, em uma palavra, em toda a filosofia

moderna. Isto justifica e exige um estudo bastante amplo e aprofundado

sobre as causas, os autores e os ideais da Reforma protestante.2

Tambm encontramos a mesma perspectiva em outros autores, o que entendemos

corroborar tal posio. Vejamos o que diz o telogo e economista suo Andr Biler: A

reforma da Igreja, considerada como um movimento autnomo conduzido pela Palavra do Deus

vivo, , na origem, do ponto de vista social, uma fora espiritual revolucionria. (...). A

Reforma, porm, sendo essencialmente espiritual e, acessoriamente, social, seus efeitos

espirituais levam vantagem sobre seu carter social; penetra ela indistintamente em todos os

meios, transpondo todas as barreiras sociais; ganha homens de todas as condies, do povo, do

campesinato e da burguesia, assim como os intelectuais, a nobreza, o baixo e o alto clero, o

regular e o secular.3 Em outra obra destaca: Importa, porm, evitar inverter a ordem dos

valores e de ver na Reforma um movimento principal e prioritariamente poltico ou

socioeconmico. Seria esquecer suas prioridades espirituais. Pois o novo estatuto poltico,

econmico e social, que ela propor, ser apenas a conseqncia de sua preocupao principal:

1Joo Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl 48.3), So Paulo, Paracletos, 1999, p. 355-356.

2 Battista Mondin, Curso de Filosofia, vol. 2, So Paulo, Paulus, 1981, p.27.

3 Andr Biler, O Pensamento Econmico e Social de Calvino, So Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 66,

67.

2 A TICA SOCIAL DE CALVINO Prof. Ms. Christian Medeiros

redescobrir, na sua pureza original, a vida nova proposta pelo Cristo dos Evangelhos, e viver

retamente, no mundo profano, a f crist assim renovada.4 E ainda: A Reforma no foi nem

pretendeu ser em primeiro lugar uma reforma da sociedade apenas; nem mesmo unicamente uma

renovao moral, a base indispensvel sobre a qual se constroem as relaes humanas.

Procurando restaurar um Cristianismo fiel a suas origens, ela pretendia reproporcionar ao mundo

o conhecimento do ser humano, tal qual ele em sua complexidade, e sobretudo indicar a cada

indivduo as possibilidades de suas restaurao, nas perspectiva de uma vida poltica co-

participantes e de relaes econmicas eqitativas. Propunha-se dignificar os fundamentos

originais da vida espiritual, donde derivam os valores morais e cvicos imprescindveis boa

marcha das sociedades.5

Todo discurso possui uma dimenso ideolgica que relaciona aspectos e caractersticas

do texto com o contexto da sua produo e deste modo conduz a uma produo de sentido do

prprio texto. Para Antonio Gramsci (1891-1937) a ideologia uma concepo de mundo que

se manifesta implicitamente na arte, no direito, nas atividades econmicas e em todas as

manifestaes da vida intelectual e coletiva.6 Desta feita podemos entender a ideologia como

um sistema de vida segundo sugeria Abraham Kuyper (1837-1920) como a melhor descrio

do termo alemo weltanschauung, conforme usado primeiramente por Immanuel Kant (1724-

1804) e depois amplamente utilizado pelo idealismo e pelo romantismo alemo. Deste modo

percebemos que a Reforma Protestante do sculo XVI mesmo sendo essencialmente religiosa

acabou por influenciar em uma diversidade de campos, pois se constitui em uma viso de

mundo.

Outro tpico de suma importncia a nfase na valorizao do ser humano no

pensamento de Calvino, tomando como ponto de partida o fato deste ter sido criado imagem e

semelhana de Deus, a quem o ser humano deve viver para louvor. Calvino era um homem de

sua poca, portanto poderamos considera-lo um humanista, mas no um humanista secular e

sim propositor de um humanismo submisso Escritura.7 Observemos em rpidas citaes do

4 Andr Biler, A Fora Oculta dos Protestantes, So Paulo, Cultura Crist, 1999, p. 49.

5 Andr Biler, A Fora Oculta dos Protestantes, So Paulo, Cultura Crist, 1999, p. 50. Cp. A religio pode ser

tanto benfica quanto prejudicial, e as melhores intenes podem ser distorcidas. Mas a Reforma e a Reforma foi um movimento espiritual: espiritual no sentido de construir uma convulso do esprito humano; espiritual tambm no fortalecimento dos vnculos que ligam os indivduos e a sociedade ao Esprito Divino. A Reforma,

atravs da renovao da Igreja, uma tentativa de alertar o mundo. Felipe Fernndez-Armesto, Derek Wilson, Reforma: o Cristianismo e o mundo 1500-2000, Rio de Janeiro, Record, 1997, p. 11. 6 Antonio Gramsci, Concepo Dialtica da Histria, 9. ed., Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1991, p. 16.

7 um erro supor que o duradouro interesse de Calvino pelos estudos humansticos e pelo desenvolvimento cultural do homem fosse um simples remanescente do tempo que precedeu sua converso f evanglica. Sua

preocupao para com os estudos humansticos e para com aquilo que diz respeito ao que humano, est muito

inseparavelmente ligado ao seu modo global de pensar, para permitir uma tal interpretao. De fato num sentido que

precisa ser bem definido e cuidadosamente preservado de m compreenso, Calvino pode ser chamado de

humanista. Atravs de toda a sua vida, ele teve um profundo compromisso para com aquilo que humano.(....) Calvino ataca aqueles humanistas que fazem a apoteose do ser humano e pensam que a realizao daquilo que

humano pode ser alcanada somente na presumida independncia de Deus e de Sua revelao. Ele mesmo como um

humanista, rejeitou aquilo que era o corao da idia de personalidade do Renascimento, a idia de que o homem a

fonte criadora de seus prprios valores e, portanto, no fundo, incapaz de pecar. Se os estudos humansticos eram

caros a Calvino pelo fato de favorecerem o desenvolvimento das virtudes humanas, se as cincias devessem ser

cultivadas como dons de Deus, os humanistas deviam opor-se queles que pensavam que as artes e as cincias

podiam ser empregadas como se fossem suficientes em si mesmas. (...)

Para Calvino, tornou-se possvel relacionar a idia de humanidade anttese religiosa retratada na Escritura. O

caminho foi aberto pela idia de que o homem se torna humano em sua relao com Deus. O homem, em si mesmo,


tema encontrado nas obras do reformador, a ttulo de ilustrao de seu pensamento quanto ao

referido assunto.

No seu comentrio do livro de Gnesis assevera:

Se corretamente voc pesar todas as circunstncias, o homem entre

outras criaturas, uma certa proeminente espcie da Divina sabedoria,

justia e bondade, que foi merecidamente chamado pelos antigos de

microcosmos, um mundo em miniatura.8 Sempre foi uma grande coisa que o principal lugar entre as criaturas fora

dado ao homem.9

Em sua obra de 1537 Instruo na F ao comentar sobre o mandamento No Matars,

afirma:

Aqui somos proibidos de toda violncia e injria e, de modo geral, de

qualquer ofensa que possa ferir o corpo do nosso prximo. Pois se

lembrarmos que o homem foi feito imagem de Deus, devemos

consider-lo como santo e sagrado, de tal forma que ele no possa ser

violado sem que tambm nele seja violada a imagem de Deus.10

Calvino em A Verdadeira Vida Crist:

A Escritura nos ajuda com um excelente argumento, ensinando-nos a no

pensar no valor real do homem, mas s em sua criao, feita conforme a

imagem de Deus. A Ele devemos toda honra e o amor de nosso ser.11

Calvino em sua obra mxima A Instituio da Religio Crist enftico:

preciso agora falar da criao do homem, no s porque , entre as

obras de Deus, a espcie mais nobre e mais admirvel, tanto de sua

justia quanto de sua sabedoria e bondade, mas porque, como dissemos

no incio, Ele no pode ser apreendido plena e solidamente por ns a no

ser pela apreenso de ns mesmos.12

Quando, pois, Deus decretou criar o homem sua imagem, porque tal era obscuro, como explicao repetiu a expresso semelhana; como se dissesse que fazia o homem, no qual se representaria a si mesmo como

imagem, pelos sinais de semelhana que lhe imprimiria. (...) Ento,

mantenho o princpio que h pouco expus: que a imagem de Deus se

estende para toda a excelncia em que sobressai a natureza do homem

verdadeiramente homem quando responde quilo que constitui o modo de ser de sua natureza, quilo para o que

foi criado. Deste modo possvel constatar que o humanum realizado no no isolamento autnomo do homem

em relao a Deus, mas na sua relao com Ele. A autonomia humana pecaminosa, longe de ser o caminho para a

auto-realizao humana, , em si mesma, uma distoro daquilo que humano. Robert D. Knudsen, O Calvinismo

Como uma Fora Cultural, in W. Stanford Reid (ed.), Calvino e sua Influncia no Mundo Ocidental, So Paulo,

Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 13-14, 20. 8 John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Vol. 1, Grand Rapids-MI, Eerdmans

Publishing, 1996, p. 92. 9 John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Vol. 1, Grand Rapids-MI, Eerdmans

Publishing, 1996, p. 227. 10

Joo Calvino, Instruo na F in Eduardo Galasso Faria (ed.), Joo Calvino: textos escolhidos, So Paulo, Pendo

Real, 2008, p. 53. 11

Joo Calvino, A Verdadeira Vida Crist, So Paulo, Novo Sculo, 2000, p. 37. 12

Joo Calvino, A Instituio da Religio Crist, So Paulo, UNESP, 2008, I.15.1.


entre todas as espcies animais. (...) certo que, mesmo em cada uma

das partes do mundo, brilham determinadas mostras da glria de Deus, de

onde se pode perceber que, quando sua imagem foi colocada no homem,

tacitamente se subentende uma anttese que eleva o homem acima de

todas as outras criaturas, tal que o separasse do comum.13

ric Fuchs ao falar sobre a tica de Calvino, especificamente no sub-tpico Uma tica

que uma hermenutica da Escritura, atesta o zelo que possua o reformador pela Palavra de

Deus em sua totalidade, Antigo e Novo Testamento, como fonte nica e determinante para

regular a prtica moral dos homens:

Trata-se, portanto, de saber o que Deus quer de ns. E, para tanto,

preciso pr-se na escola da Bblia. De toda a Bblia. Nesse ponto,

Calvino de um rigor e de uma originalidade notveis (...). O Antigo

Testamento no para ele nem desqualificado, como numa tendncia

catlica dominante que v nele somente a primeira etapa de um processo

evolutivo, nem reduzido a ser apenas a histria de um fracasso, o da lei,

como na interpretao luterana corrente: o Antigo Testamento tem sua

plena validade como substancialmente semelhante ao Novo Testamento.14

Ao expor a respeito do ensino desta Palavra, ambos os Testamentos, afirma Calvino:

Por isso que Davi, depois de declamar descrevendo como a glria de

Deus proclamada pelos cus, como se suas mos so anunciadas pelo

firmamento, e como pela sucesso bem ordenada do dia e da noite a sua

majestade manifestada, passa ele celebrao da Palavra de Deus. A lei do Senhor perfeita, diz ele, e restaura a alma; o testemunho do Senhor fiel e d sabedoria aos smplices. Os preceitos do Senhor so

retos e alegram o corao; o mandamento do Senhor puro e ilumina os

olhos. O que significa o seguinte: A doutrina ministrada pelas obras criadas por Deus universal, dirigi-se a todos, ao passo que a instruo

dada pela Palavra a escola particular dos filhos de Deus.

Ora, quando est claro que a palavra que se prope de Deus, ningum

ser to atrevido (a no ser que seja desprovido de bom senso e de

sentimento de humanidade) que ouse descrer dela e rejeit-la. Mas, como

no todo dia que vm novas comunicaes do cu, e s temos a

Escritura, na qual Deus quis gravar a sua verdade para ser perpetuamente

lembrada, preciso verificar, ainda que resumidamente, a razo pela qual

ela tem autoridade para os fiis, que a recebem como se estivessem

ouvindo a voz do prprio Deus.15

A Bblia, A Palavra de Deus viva e eficaz, portanto age no somente em algum tempo

ou perodo histrico, no est circunscrita ao sculo XVI, mas viva e operante sempre e em

todas as pocas. Em nossa poca no o diferente, suas qualidades agem pelos sculos. A

Bblia apresenta respostas para os dilemas do homem moderno: quem ele ? para onde vai? o

porqu de sua existncia, etc... A Bblia nos ensina sobre a origem, o sentido e o propsito do

homem que foi criado segundo imagem e semelhana do Criador. Ensina-nos sobre a criao, a

queda e a redeno, quadro este que torna a realidade compreensvel. E nos ensina absolutos

13

Joo Calvino, A Instituio da Religio Crist, So Paulo, UNESP, 2008, I.15.3. 14

ric Fuchs, verbete Joo Calvino in Monique Canto-Sperber (org.), Dicionrio de tica e Filosofia Moral, vol. 1, So Leopoldo-RS, Editora Unisinos, 2007, p. 185. Cp. Joo Calvino, As Institutas II.10. 15

Joo Calvino, As Institutas da Religio Crist: edio especial com notas para estudo e pesquisa, So Paulo,

Cultura Crist, 2006, p. 70-71.


morais verdadeiros. Lembremos da assertiva de Calvino: Exercitemos com diligncia para

alcanarmos uma norma mais alta de santidade, at que tenhamos chegado ao melhor de nossa

qualidade espiritual, na qual devemos persistir ao longo de nossa vida. Somente chegaremos

perfeio absoluta quando, libertos deste corpo corruptvel, formos admitidos por Deus em Sua

presena.16

Calvino com grande propriedade em A Verdadeira Vida Crist nos mostra qual deve ser

o alvo que devemos nos concentrar, o dever que precisamos almejar: A perfeio deve ser a

meta final a qual nos dirigir e o propsito supremo em nossas vidas. No justo que atemos um

compromisso com Deus, em que tratemos de cumprir parte de nossas obrigaes omitindo

outras, segundo nosso gosto e capricho. Antes de tudo, o Senhor deseja sinceridade em Seu

servio e simplicidade de corao, sem engano nem falsidade. (...) No cessemos de fazer todo o

possvel para irmos incessantemente mais adiante no caminho do Senhor; e no desesperemos

por causa de nossas escassas conquistas. 17 Na mesma obra tambm afirma: Andando

unicamente na maravilhosa lei de Deus, podemos estar seguros de nossa adoo como filhos de

Deus. (...) Busquemos pois, na Escritura o princpio fundamental para reformar e orientar nossa

vida. (...) O Senhor tem destinado um lugar a cada um de ns, de maneira que no tenhamos

incertezas durante os dias de nossa vida. Desta feita a Sagrada Escritura sua fonte por

excelncia para a construo de todo o seu arcabouo doutrinrio.

Calvino e a responsabilidade tico-social

Nos escritos do reformador do sculo XVI Joo Calvino (1509-1564) encontramos alguns

princpios ticos que so essenciais compreenso do seu pensamento econmico e social que

sejam relacionados vocao/trabalho, ao uso do dinheiro e poupana, e um conceito muito

caracterstico dele, a frugalidade. Todos estes possuem amplas e importantes implicaes sociais

e econmicas, acima de tudo humanas e solidrias, no somente no sculo de sua existncia, mas

produziu grande influncia em todo mundo ocidental, e como no poderia deixar ser, atingiu o

Brasil tambm, mesmo em nosso tempo presente.

Calvino apresenta uma perspectiva muito positiva de apreo pelo trabalho, tomando

como resposta vocao dada por Deus ao indivduo, capacitando-o a realizar uma tarefa, um

trabalho digno em resposta essa ddiva, se constituindo em louvor e adorao a Deus.18

Calvino mostrando como se deve viver e fazer uso dos recursos que se possui, apresenta a

vocao como uma regra que precisa ser seguida, necessrio ter em mente a vocao como

uma regra de vida ordenada pelo Senhor. Vejamos o que Calvino fala sobre a vocao em um

sentido mais abrangente da vida:

digno de nota que Deus manda cada um de ns ter presente, em todas

as aes da vida, sua vocao. Pois Ele sabe com quanta inquietude arde

o esprito humano, com quo inconstante leviandade levado de um lado

para o outro, quo cobiosa sua ambio de abraar coisas diferentes ao

16

Joo Calvino, A Verdadeira Vida Crist, So Paulo, Novo Sculo, 2001, p.77. 17

Joo Calvino, A Verdadeira Vida Crist, So Paulo, Novo Sculo, 2001, p. 77. 18

deveras certo que devemos a Deus no somente uma parte, mas tudo o que temos e somos. Joo Calvino, Exposio de 2 Corntios, (2 Co. 8.13), So Paulo, Paracletos, 1995, p. 175.


mesmo tempo. Sendo assim, para ns, com nossa loucura e temeridade,

no virssemos tudo do avesso, Ele determinou a cada um seus deveres,

segundo os diferentes modos de vida. E, para que ningum ultrapassasse

temerariamente seus limites, chamou a tais maneiras de viver vocaes. Logo, o Senhor atribuiu a cada um sua maneira de viver, como se fosse o

seu posto, para que no fique dando voltas temerariamente de um lado

para outro por toda a vida. Essa distino to necessria que por ela

todas as nossas obras so avaliadas perante Ele; (...) ...o chamado do

Senhor o princpio e o fundamento do agir bem em todas as situaes, e

que aquele que no se submeter a ele jamais manter o reto caminho em

seus deveres. Poder talvez fazer algo elogivel em aparncia; mas isso,

seja l o que for perante o olhar dos homens, diante do trono de Deus ser

lanado fora. Assim, no haver simetria entre as diversas partes de nossa

vida. Por conseguinte, tua vida ser ordenada da melhor forma enquanto

estiver direcionada para esse objetivo, porque ningum, mesmo movido

pela prpria temeridade, tentar mais do que sua vocao agenta, porque

saber que no lcito ultrapassar seus limites.19

Como consequncia natural da vocao nos mostra qual deve ser a perspectiva correta

diante do trabalho: Da nascer um exmio consolo: que, contanto que obedeas deste modo a

tua vocao, no h nenhuma obra to humilde e to baixa que no resplandea diante de Deus e

que no seja por Ele considerada preciosssima. 20 Tambm afirma em outro lugar: Se

seguirmos fielmente nosso chamamento divino, receberemos o consolo de saber que no h

trabalho insignificante ou nojento que no seja verdadeiramente respeitado e importante ante os

olhos de Deus.21

A vocao, ou habilidade para realizao de uma obra, e o trabalho e o seu produto

devem ser sempre tomados como uma ddiva divina, o homem no pode jamais julgar-se

autossuficiente, portanto, a dependncia de Deus deve permanecer como centro vital o que ir

impedir o homem de agir com avareza diante dos seus ganhos.

Um dos aspectos constantes no pensamento de Calvino diz respeito moderao como

uma perspectiva com vistas a evitar erros e extremismos. Este tambm aplicado liberalidade

em colocar os bens em auxlio aos que necessitam. Comentando 2 Corntios 8.13 Pois no digo

isto para que outros sejam aliviados, e vs, sobrecarregados, assevera:

deveras certo que devemos a Deus no meramente uma parte, mas tudo

o que temos e somos; porm, em sua condescendncia, ele nos poupa na

medida em que ficamos satisfeitos com aquela extenso da participao

que Paulo est delineando aqui, de modo que o seu ensino, aqui, para

ser entendido como uma renncia da estrita letra da lei. Mas, ao mesmo

tempo, tem o sentido de incitar-nos, de tempos em tempos, liberalidade,

j que no devemos ter demasiado receio de ir longe demais; o perigo ,

antes de tudo, fazermos pouco demais. Mas este ensino necessrio para

refutar os fanticos que acreditam que voc no ter feito nada menos do

que despojar-se completamente e depositar tudo num fundo comum. A

nica coisa que conseguem com esta demncia, que ningum chega a

dar esmolas com uma boa conscincia. Portanto, notemos

cuidadosamente a evpieikei,a de Paulo, sua brandura e moderao ao dizer que os nossos donativos agradam a Deus quando aliviamos a necessidade

19

Joo Calvino, A Instituio da Religio Crist, III.10.6, So Paulo, UNESP, 2009. 20


Joo Calvino, A Verdadeira Vida Crist, So Paulo, Novo Sculo, 2001, p. 77.


de nossos irmos, tirando de nossa abundncia, de tal forma que o

resultado no que sejam eles aliviados e ns prejudicados, mas, ao

contrrio, que lhes demos algo proporcional com os nossos prprios

recursos, e que demos com um corao disposto.22

Em seguida, comentando a sequncia do texto, mas para que haja igualdade, continua

apresentando o seu ensino acerca do uso do dinheiro por parte dos cristos, afirmando:

Igualdade, aqui, pode ser considerada de duas maneiras, ou significando

a mtua compensao, quando cada parte d uma quantia equivalente, ou

uma justa proporo. Considero como significando que cada um deve

dar segundo uma justa proporo do que possui. Ele usa o termo com

este significado em Colossenses 4.1, onde exorta os senhores a darem a

seus servos o que eqitativo. Certamente, ele no est querendo dizer

que devam ser eqitativos em condio e status, e, sim, em bondade e

clemncia, pois isto o que os senhores devem a seus servos. Assim

mesmo o Senhor ordena que demos em justa proporo dos recursos que

nos esto disponveis, tanto quanto nossos fundos permitem, socorrendo

queles que se acham em dificuldades, de tal modo que no haja alguns

com extrema abundncia e outros com extrema carncia.23

Calvino prope, o que chama de regra da equidade proporcional, ou seja, enquanto os

membros compartilham uns com os outros, em proporo s suas ddivas e necessidades, esta

participao mtua resulta numa justa sistematizao, ainda que alguns tenham menos e outros

mais, e as ddivas sejam distribudas desigualmente.24 E ainda: Todas as pessoas desejam

possuir o bastante que as poupe de depender do auxlio de seus irmos. Mas quando ningum

possui o suficiente para suas necessidades pessoais, ento surge um vnculo de comunho e

solidariedade, pois que cada um se v forado a buscar emprstimo dos outros. Admito, pois, que

a comunho dos santos s possvel quando cada um se v contente com sua prpria medida, e

ainda reparte com seus irmos as ddivas recebidas, e em contrapartida admite ser tambm

assistido pelas ddivas alheias.25

Sobre a frugalidade e a avareza, alm do enriquecimento ilcito e uso indevido do

dinheiro, novamente apresentando o seu costumeiro equilbrio, alm de comedido e prudente,

continua Calvino. Vejamos:

Moiss admoesta o povo que por algum tempo fora alimentado com o

man, para que soubesse que o ser humano no alimentado por meio de

sua prpria indstria e labor, seno pela bno de Deus. Assim, no man

vemos claramente como se ele fosse, num espelho, a imagem do po

ordinrio que comemos.26

(...) O Senhor no nos prescreveu um mer ou

qualquer outra medida para o alimento que temos cada dia, mas ele nos

22

Joo Calvino, Exposio de 2 Corntios, (2 Co. 8.13), So Paulo, Paracletos, 1995, p. 175. 23



Joo Calvino, Exposio de Romanos, (Rm. 12.6), So Paulo, Paracletos, 1997, p. 430. 26

Eis a parte suprimida: Agora, aproximemo-nos da passagem citada por Paulo. Quando o man desceu, receberam ordem de colh-lo em pores, tantas quantas cada um pudesse comer; mas, como alguns eram mais

espertos do que outros, eles colhiam mais do que realmente necessitavam para o seu uso dirio, e outros menos,

todavia, ningum tomava mais do que um mer para o seu prprio uso privativo, porque esta era a quantidade

estabelecida pelo Senhor. Assim sendo, todos tinham o suficiente para suas necessidades, e ningum tinha carncia.

Isto temos em xodo 16.18. Apliquemos agora a histria preocupao de Paulo. Joo Calvino, Exposio de 2 Corntios, (2 Co. 8.15), So Paulo, Paracletos, 1995, p. 177.


recomendou a frugalidade e a temperana, e proibiu que o homem exceda

por causa da sua abundncia. Por isso, aqueles que tm riquezas, seja por

herana ou por conquista de sua prpria indstria e labor, devem lembrar

que o excedente no deve ser usado para intemperana ou luxria, mas

para aliviar as necessidades dos irmos. Tudo o que possumos man,

seja de que fonte venha, desde que seja realmente nosso, j que as

riquezas adquiridas por fraude ou por meios ilcitos no merecem o nome

de man, seno que, ao contrrio, so codornizes enviadas por Deus em

sua ira. E assim como o man, que era acumulado como excesso de

ganncia ou falta de f, ficava imediatamente putrificado, assim tambm

no devemos alimentar dvidas de que as riquezas que so acumuladas

expensa de nossos irmos so malditas, e logo perecero, e seu possuidor

ser arruinado juntamente com elas, de modo que no conseguimos

imaginar que a forma de um rico crescer fazendo provises para um

futuro distante e defraudando os nossos irmos pobres daquela ajuda que

a eles devida. Reconheo, deveras, que no estamos limitados a uma

igualdade tal que seria errado ao rico viver de forma mais elegante do que

o pobre; mas deve haver uma igualdade tal que ningum morra de fome e

ningum acumule sua abundancia a expensas de outrem. O mer do

homem pobre ser comida comum e uma dieta frugal, e a poro do

homem rico ser mais abundante, segundo suas circunstncias; todavia,

que seja de tal maneira que viva temperantemente e no prejudique a

outrem.27

Calvino apresenta o auxlio ao prximo como culto a Deus, uma vez que todos os bens

que possumos so ddivas do Senhor. O faz ao comentar o texto de Hebreus 13.16 mas no

vos esqueais de fazer o bem, ensina que sejam quais forem os benefcios que faamos pelos

homens, Deus os considera como feitos a ele prprio, e lhes imprime o ttulo de sacrifcio,

continua, se porventura queremos oferecer sacrifcio a Deus, ento devemos invocar seu Nome,

fazer conhecida sua munificncia atravs de aes de graas e fazer o bem aos nossos irmos, e

por fim, a esse ensino adiciona-se uma exortao, com o propsito de estimular-nos

sensivelmente expresso de benevolncia para com nosso prximo. No uma honra trivial o

fato de Deus considerar o bem que fazemos aos homens como sacrifcio oferecido a ele prprio,

e o fato de valorizar tanto nossas obras, as quais no possuem dignidade em si mesmas, que as

denomina de santas. Portanto, onde nosso amor no se manifesta, no s despojamos as pessoas

de seus direitos, mas tambm a Deus mesmo, o qual solenemente dedicou a si o que ordenou

fosse feito em favor dos homens.28

Calvino no captulo dez do terceiro volume de sua obra magna sob o ttulo Como se

deve usar a vida presente e seus meios, apresenta alguns tpico importante de serem

considerados com respeito ao presente tema em anlise.

No encontramos ascetismo no reformador, nem, contudo, algum adepto do hedonismo,

pois, estes ismos refletem posicionamentos extremados diante da realidade da vida, assim, o que

temos em Calvino, algum dirigido pela Palavra, propondo uma perspectiva de uso moderado

dos bens. Vejamos:

Se preciso viver, preciso tambm que nos sirvamos dos meios

necessrios para isso. E no podemos evitar aquelas coisas que parecem

27


Joo Calvino, Exposio de Hebreus, (Hb. 13.16), So Paulo, Paracletos, 1997, p. 394, 395.


sujeitas mais ao prazer que necessidade. Logo, preciso que tenhamos

uma medida, a fim de usar tais coisas com conscincia limpa, seja por

necessidade, seja por prazer. A medida, no-la prescreve o Senhor com

sua Palavra, quando ensina que a vida presente uma espcie de

peregrinao para os seus, por meio da qual se encaminham ao reino

celestial. Se preciso ao menos passarmos pela terra, no h dvida de

que, enquanto isso, devemos usar seus bens, a fim de que mais ajudem do

que retardem nosso percurso. Por isso, Paulo aconselha a nos servimos

deste mundo como se dele no nos servssemos, e a comprarmos as

posses com a mesma disposio com que as vendemos (1 Co 7, 31).29

Para Calvino, o uso dos dons de Deus no desencaminhado quando se atm

finalidade para a qual seu autor os criou e destinou, j que Ele os criou para nosso bem, no para

nossa destruio. Por essa razo, ningum se manter no caminho mais retamente do que aquele

que olhar com diligncia para esse fim. Ora, se pensarmos na finalidade para a qual Ele criou os

alimentos, descobriremos que quis atender no somente a nossa necessidade mas o nosso deleite

e satisfao. Da mesma forma as roupas, alm da necessidade, atendem ao decoro e

honestidade. Nas ervas, rvores e frutas, alm das vrias utilidades, h a graciosidade da

aparncia e o prazer do perfume.30 A finalidade de tudo quanto Deus d ao homem a ao de

graas: Ele criou todas as coisas para ns a fim de que o reconhecssemos como autor, e que

recompensemos sua indulgncia para conosco por meio da ao de graas.31

Assim, neste contexto, apresenta Calvino sua regra urea de comportamento e perspectiva

quanto aos bens materiais deste mundo, aqueles que desfrutam deste mundo, que o faam como

se no desfrutassem, uma vida com moderao, usemos este mundo como se no o

usssemos32:

Mas no h caminho mais seguro e mais curto do que aquele que se faz

pelo desprezo da vida presente e pela meditao da imortalidade celestial.

Pois da seguem duas regras: que aqueles que desfrutam deste mundo,

que o faam como se no desfrutassem; os que se casam, como se no se

casassem; os que compram, como se no comprassem, como prescreve

Paulo (1 Co 7, 31). Em seguida, que saibam suportar a penria com no

menor paz e pacincia do que se fosse uma abundncia moderada.

Aquele que prescreve que desfrutes deste mundo como se no o

desfrutasses, no somente corta toda intemperana da gula, na comida e

29

Joo Calvino, A Instituio da Religio Crist, III.10.1, So Paulo, UNESP, 2009. Continua no mesmo

pargrafo: Pois houve alguns, de resto homens bons e santos, que, como vissem que a intemperana e a luxria correm com desenfreada licenciosidade, a menos que sejam mais severamente contidas, e como desejassem corrigir

to pernicioso mal, ocorreu-lhes, como nica sada, permitir ao homem o uso dos bens corpreos contanto que a

necessidade o exija. , evidentemente, uma deciso piedosa; mas foram austeros demais. Pois (o que muito

perigoso) ataram as conscincias com ns mais apertados do que aqueles com os quais so ligadas pela Palavra de

Deus. Alm disso, para eles, necessidade te absteres de todas as coisas sem as quais podes passar. Assim, segundo

eles, apenas nos seria lcito acrescentar algo ao po comum e gua. ainda maior a austeridade de outros, como

se conta de Crates de Tebas, que jogou suas riquezas no mar, porque pensava que, se elas no se perdessem, ele

haveria de se perder por causa delas. Hoje, porm, muitos, enquanto buscam um pretexto com que justificar sua

intemperana da carne no uso das coisas externas, e no intuito de deixar o caminho aberto para o lascivo, afirmam

como certo, o que de modo algum lhes concedo, que a liberdade no deve ser restrita por nenhuma regra, mas que se

deve permitir conscincia de cada um o servir-se de tudo o que lhes parea lcito. Admito que, nesse ponto, no

devemos nem podemos obrigar as conscincias com frmulas fixas e rgidas. Mas, como a Escritura nos fornece

regras gerais sobre seu uso legtimo, certamente devemos ser limitados em conformidade com elas. 30





na bebida, mesa, nas residncias, nas roupas, a vida efeminada, a

ambio, a soberba, a altivez, a morosidade, mas tambm todo cuidado e

afeto que ou te impeam ou te afastem da contemplao da vida celestial

e do empenho em cultivar a alma. Com efeito, verdadeiro este antigo

dito de Cato: Grande cuidado no vestir, grande descuido na virtude, bem como era provrbio comum que Aqueles que muito se ocupam do cuidado de seu corpo devem ser negligentes com sua alma. Logo, embora a liberdade dos fiis com respeito s coisas externas no deva ser

obrigada por uma frmula fixa, certo, no entanto, que est sujeita a esta

lei: que os fiis sejam indulgentes consigo o menos possvel; ao contrrio,

que tenham a inteno constante de inclinar-se a prescindir de toda

ostentao de abundncia suprflua, pois no s o luxo deve ser

reprimido, e acautelem-se diligentemente para que no transformem

auxlios em empecilhos.33

Se o cristo deve ser desapegado coisas materiais, ento a usura condenada:

Neste versculo Davi prescreve aos santos a no oprimirem seu prximo

com usura, nem a for-lo a aceitar suborno em favor de causas injustas.

() Lembremo-nos, pois, de que toda e qualquer barganha em que uma parte injustamente se empenha por angariar lucro em prejuzo da outra

parte, seja que nome lhe damos, aqui condenada. () Aconselharia a meus leitores a ser precaverem de engenhosamente inventar pretextos,

pelos quais tirem proveito de seus semelhantes, e para que no imaginem

que qualquer coisa pode ser-lhes lcita, quando para outros grave e

prejudicial.

Com respeito usura, rarssimo encontrar no mundo um usurrio que

no seja ao mesmo tempo um extorquidor e viciado ao lucro ilcito e

desonroso. Conseqentemente, Cato desde outrora corretamente colocava

a prtica da usura e o homicdio na mesma categoria de criminalidade,

pois o objetivo dessa classe de pessoas sugar o sangue de outras

pessoas. tambm algo muito estranho e deprimente que, enquanto todos

os demais homens obtm sua subsistncia por meio do trabalho, enquanto

os cnjuges se fatigam em suas ocupaes dirias e os operrios servem

33

Joo Calvino, A Instituio da Religio Crist, III.10.4, So Paulo, UNESP, 2009. Em a Verdadeira Vida Crist,

So Paulo, Novo Sculo, 2001, p. 73-74, encontramos:

No h um caminho mais direto ( gratido), do que o de tirarmos nossos olhos da vida presente e meditar na imortalidade do cu.

Disto se deriva dois grandes princpios: O primeiro ...que os que so casados, sejam como se no o fossem; e os que choram, como se no chorassem; e os que se alegram, como se no se alegrassem; e os que compram, como se

no possussem; e os que desfrutam deste mundo, como se no o desfrutassem... O segundo que devemos aprender a superar a pobreza quieta e pacientemente, e desfrutar da abundncia com

moderao.

2. Aquele que nos ordena a que usemos este mundo como se no o usssemos, no somente nos probe toda falta de

moderao em comer e beber, nos prazeres indecorosos e excessivos, na ambio, no orgulho e na fastuosidade em

nosso lar, como tambm em cada cuidado e afeto que faa diminuir nosso nvel espiritual ou que ameace destruir

nossa devoo.

Nos tempos antigos, Cato observou que havia uma grande preocupao pela aparncia exterior do corpo, porm um

grande descuido na observncia das virtudes.

Tambm h um antigo provrbio que nos recorda que aqueles que pem muita ateno no corpo, geralmente

descuidam da alma.

3. De modo que, ainda que a liberdade dos crentes em relao ao uso das coisas externas no pode ser restringida

por regras rgidas e extremistas, todavia, e para que sejamos o menos indulgentes possvel, esta liberdade tem de

estar sujeita lei de Deus.

Pelo contrrio, devemos de forma contnua e com toda resoluo, empenhar esforos para sairmos do meio de tudo

aquilo que suprfluo, e evitar todo desdobramento de uma atitude v e de luxo.

Cuidemos em converter em pedra de tropeo, tudo que o Senhor nos de [sic] para enriquecer nossa vida (1 Cor.

7.29-31).


comunidade com o suor de sua fronte, e os mercadores no s se

empenham em variados labores, mas tambm se expem a muitas

inconvenincias e perigos os agiotas se deixam levar por vida fcil sem fazer coisa alguma, recebendo tributo do labor de todas as outras pessoas.

Alm disso, sabemos que, geralmente, no so os ricos que so

empobrecidos por sua usura, e, sim, os pobres, precisamente quem

deveria ser aliviado.34

E ainda sobre a cobrana de juros, o que poderia ser realizado, mas com parmetros

definidos, ou seja, o trabalho o meio prioritrio por excelncia concedido por Deus para suprir

as necessidades do homem. Observemos Calvino sobre os juros:

O lucro que obtm algum que empresta seu dinheiro no interesse lcito,

sem fazer injria a quem quer que seja, no est includo sob o epteto de

usura ilcita. () Em suma, uma vez que tenhamos gravada em nossos coraes a regra de eqidade que Cristo prescreve em Mateus: Portanto, tudo quanto quereis que os homens vos faam, fazei-lhes tambm o

mesmo [7.12], no ser necessrio entrar em longa controvrsia em torno da usura.35

Calvino apresenta uma regra no somente para os abastados de bens, mas tambm uma

que deve ser aplicada por aqueles que esto debilitados financeiramente, desta feita a pacincia:

A outra regra ser que aqueles para quem as coisas so apertadas e parcas

saibam suportar com pacincia sua pobreza, para no se verem

atormentados por uma cobia imoderada. Aqueles que o conseguem,

aproveitaram no pouco na escola do Senhor. Assim como dificilmente

pode ter com o que provar que discpulo de Cristo aquele que, nessa

parte, no tenha ao menos aproveitado nada. Pois, a despeito de o apetite

das coisas terrenas vir acompanhado de muitos outros vcios, aquele que

sofre a penria com impacincia mostra, entretanto, o vcio contrrio na

abundncia. Entendo por isso que quem se envergonha de sua roupa

pobre vangloriar-se- de uma cara; quem no se contenta com uma

refeio frugal inquietar-se- com o desejo de outra, mais lauta, e abusar

com intemperana tambm das iguarias, se as provar; quem com grande

dificuldade e esprito inquieto suporta uma condio humilde, se chegar a

obter honras, de modo algum poder abster-se de um comportamento

arrogante. Logo, aproximem-se todos aqueles para quem a prtica da

piedade no fingida, para que aprendam, a exemplo do apstolo, tanto a

estar saciados como a ter fome, a viver na penria e na abundncia (Fp 4,

12).36

34

Joo Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, So Paulo: Edies Paracletos, 1999, (Sl 15.5), p. 297-298. 35

Joo Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, So Paulo: Edies Paracletos, 1999, (Sl 15.5), p. 299. 36


So Paulo, Novo Sculo, 2001, p. 74-75, encontramos:

1. O outro princpio que o pobre deveria aprender a ser paciente sob as privaes, para no se encontrar atormentado com uma excessiva paixo pelas riquezas.

Aqueles que observam esta moderao, no tm feito pouco progresso na escola do Senhor, e os que no tm

avanado desta forma na vida espiritual, tm dado provas muito escassas de seu discipulado em Cristo.

2. A paixo pelas coisas terrenas no s est acompanhada de outros vcios, como tambm que aquele que

impaciente sob a privao manifestar o vcio oposto quando estiver no meio do luxo.

Isto significa que aquele homem que se envergonha de um [sic] vestimenta simples, estar orgulhoso quando usar

um [sic] bem cara.


H ainda uma terceira regra sobre o uso das coisas terrenas, que possui ntima ligao

com os preceitos da caridade, as quais contas sero prestadas diante de Deus. Vejamos:

Ensina-nos que todas as coisas nos so dadas pela benignidade de Deus e

destinadas a nosso bem-estar, de forma que sejam como um depsito do

qual um dia havemos de prestar contas. Por conseguinte, preciso

administr-las como se soasse sempre em nossos ouvidos aquela

sentena: Presta conta de tua administrao [Lc 16, 2]. E, ao mesmo tempo, recordemos quem nos exige tal prestao de contas, a saber,

aquele que tanto nos recomendou a abstinncia, a sobriedade, a

frugalidade e a modstia, e que execra o luxo, a soberba, a ostentao e

finalmente a vaidade; que no aprova outra dispensao de bens do que

aquela que est unida caridade; que por sua prpria boca j condenou

todos os deleites que afastam o esprito do homem da castidade e da

pureza, ou que envolvem a mente em trevas.37

Comentando o texto de Paulo a Timteo, especificamente a expresso Porque nada

trouxemos para o mundo, assevera Calvino:

Nossa cobia um abismo insacivel, a menos que seja ela restringida; e

a melhor forma de mant-la sob controle no desejarmos nada alm do

necessrio imposto pela presente vida; pois a razo pela qual no

aceitamos esse limite est no fato de nossa ansiedade abarcas mil e uma

existncias, as quais debalde sonhamos s para ns. (...) ...cada um de ns

prev que suas necessidades absorvero vastas fortunas, como se

possussemos um estmago bastante grande para comportar metade da

terra. (...) Para assegurarmos que a suficincia [divina] nos satisfaa,

aprendamos a controlar nossos desejos de modo que a no querermos

mais do que necessrio para a manuteno de nossa vida. Ao qualificar

de alimento e cobertura, ele exclui o luxo e a superabundncia. Pois a

natureza vive contente com um pouco, e tudo quanto extrapola o uso

natural suprfluo. No que algum uso mais liberal de possesses seja

A pessoa que no est contente com uma comida moderada, se sente incomodada porque deseja um manjar

suculento, e quando tiver uma oportunidade, manifestar seu temperamento irascvel.

Aquele que estiver inquieto ou insatisfeito por estar vivendo sob privaes e humildade, no ser capaz de guardar-

se do orgulho e da arrogncia quando desfrutar da opulncia.

Portanto, aqueles que querem ser sinceros em sua devoo, tratem fervorosamente de seguir o exemplo apostlico:

Sei o que passar necessidade e sei o que ter fartura. Aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstncia. (Fil. 4.12). 37


So Paulo, Novo Sculo, 2001, p. 75, encontramos:

3. A escritura tambm menciona um terceiro princpio mediante o qual, se limita o uso das coisas terrenas, e j o temos mencionado ao falarmos dos preceitos da autonegao.

Posto que todas as coisas nos so dadas pela divina bondade para nosso benefcio, ao mesmo tempo se convertem

em depsitos confiados a nosso cuidado, dos quais um dia teremos que prestar contas.

Devemos ento administr-las de tal maneira como se incessantemente ouvssemos a seguinte advertncia:

Apresenta as contas de tua administrao... 4. Recordemos tambm quem que pede estas contas. Aquele que nos recomenda de maneira to especial

guardar a sobriedade, a frugalidade e a modstia.

tambm a quem aborrece os excessos, o orgulho, a arrogncia e o exibicionismo.

Aquele que no aprova a administrao que fazemos de Suas bnos, a menos que sejamos motivados pelo amor.

quem, de sua prpria boca, condena todos os prazeres que nos separam da castidade e da pureza, e que nos

convertem em pessoas estpidas e nscias. (Fil. 4.12; Luc. 16.2). Em outro lugar afirma: Visto que nosso Pai celestial nos concede todas as coisas por sua livre graa, devemos ser imitadores de sua graciosa benevolncia, praticando tambm atos de bondade em favor de outrem; e em razo de

nossos recursos virem dele, no somos mais que despenseiros dos dons de sua graa. Joo Calvino, Exposio de 2 Corntios, (2 Co. 8.4), So Paulo, Paracletos, 1995, p. 169.


condenado como um mal em si mesmo, mas a ansiedade em torno delas

sempre pecaminosa.38

J na segunda carta de Paulo aos Corntios afirma: Os crentes gozam de genuna riqueza

quando confiam na providncia divina que os mantm com suficincia e no se desvanecem em

fazer o bem por falta de f. (...) Ningum mais frustrado ou carente do que aquele que vive sem

f, cuja preocupao com suas posses dilui toda a sua paz.39

Para Calvino, rico era aquele que no desejava mais do que j possua, onde diz:

Confesso, deveras, que no sou pobre; pois no desejo mais alm daquilo que possuo.40 E

ainda: Pr o corao nas riquezas significa mais que simplesmente cobiar a posse delas.

Implica ser arrebatado por elas a nutrir uma falsa confiana. (...) invariavelmente observado

que a prosperidade e a abundncia engendram um esprito altivo, levando prontamente os

homens a nutrirem presuno em seu procedimento diante de Deus, e a se precipitarem em

lanar injria contra seus semelhantes. Mas, na verdade o pior efeito a ser temido de um esprito

cego e desgovernado desse gnero que, na intoxicao da grandeza externa, somos levados a

ignorar quo frgeis somos, e quo soberba e insolentemente nos exaltamos contra Deus.41 E

mais: quando depositamos nossa confiana nas riquezas, na verdade estamos transferindo para

elas as prerrogativas que pertencem exclusivamente a Deus.42

Para Calvino todas as ddivas que o homem recebe de Deus devem ter um uso social em

benefcio do prximo. Pois, temos de compartilhar liberalmente e agradavelmente todos e cada

um dos favores do Senhor com os demais, pois isto a nica coisa que os legitima. Todas as

bnos de que gozamos so depsitos divinos que temos recebido com a condio de distribu-

los aos demais. No podemos imaginar uma incumbncia mais apropriada a uma sugesto mais

poderosa que esta.43 E ainda:

A Escritura (...) adverte-nos de que todas as graas que obtemos do

Senhor nos foram confiadas por Ele com a condio de que contribuamos

ao bem comum da Igreja; e, portanto, que o uso legtimo de todas essas

graas implica a comunicao liberal e benigna delas aos demais. Para

manter essa comunicao, no se poderia imaginar nenhuma outra regra,

nem mais certa nem mais poderosa, pois nos ensina que todos os bens

que valorizamos nos foram dados por Deus em depsito, e que os passou

para nossas mos com a condio de que os repartamos em benefcio do

prximo. A Escritura vai ainda mais longe quando compara essas graas

s faculdades de que os membros do corpo humano foram dotados.

Nenhum membro tem sua faculdade prpria para si nem a aplica para uso

privado, mas a transfere aos outros membros, e no tira da outro proveito

seno aquele que procede do bem-estar comum do corpo como um todo.

Assim, seja o que for que o homem piedoso possa, deve poder em

benefcio de seus irmos; preocupando-se consigo em particular apenas

na medida em que seu esprito est voltado para a edificao geral da

Igreja. E assim, que isto seja para ns um mtodo para a benignidade e a

beneficncia: somos administradores de tudo o que Deus nos conferiu

38

Joo Calvino, As Pastorais, (1 Tm. 6.7, 8), So Paulo, Paracletos, 1998, p. 168-169. 39

Joo Calvino, Exposio de 2 Corntios, (2 Co. 9.11), So Paulo, Paracletos, 1995, p. 193-194. 40

Joo Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, So Paulo, Paracletos, 1999, p. 46. 41

Joo Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 2, (Sl. 62.10), So Paulo, Paracletos, 1999, p. 580. 42

Joo Calvino, As Pastorais, (1Tm. 6.17), So Paulo, Paracletos, 1998, p. 182. 43



com que podemos ajudar ao prximo, e estamos obrigados a prestar

contas de nossa administrao. Alm de tudo, essa a nica dispensao

correta, a exigida pela regra da caridade. Assim, no somente ocorrer

que uniremos sempre a preocupao com o bem-estar alheio com o

cuidado de nossa prpria utilidade, mas at subordinaremos este quela.44

Calvino ao comentar a segunda carta de Paulo aos Corntios no captulo 8 onde este os

encorajava a arrecadarem dinheiro com vistas a auxiliar aos de Jerusalm, pois passavam por

grande fome e dependiam a sua existncia da misericrdia externa de outros irmos, o

reformador apresenta alguns ensinos sobre o tema em questo. Afirma: Porque, ainda que seja

universalmente consensual que uma virtude louvvel prestar ajuda ao necessitado, todavia nem

todos os homens consideram o dar como sendo uma vantagem, nem tampouco o atribuem

graa de Deus. Ao contrrio disso, acreditam que alguma coisa sua, ao ser doada, perdeu-se.45

A possibilidade de se ser solicito com relao o dinheiro em favor daqueles que necessitam no

uma tarefa possvel apenas queles que esto abastados; notemos bem como podemos ser

sempre liberais mesmo quando mergulhados na mais terrvel pobreza, se suprimos as

deficincias de nossas bolsas pela generosidade de nossos coraes46 e ainda, os que do de

seus minguados recursos se mostram condescendentes alm de suas possibilidades uma vez que

de seus pobres meios ainda fazem alguma doao a outrem.47 Ensina a liberalidade e no a

mesquinhez, o seu oposto: O que nos torna mais avarentos do que deveramos em relao ao

nosso dinheiro o fato de sermos to precavidos e enxergarmos to longe quanto possvel os

supostos perigos que nos podem sobrevir, e assim nos tornamos demasiadamente cautelosos e

ansiosos, e passamos a trabalhar to freneticamente como se devssemos suprir de vez as

44

Joo Calvino, A Instituio da Religio Crist, III.7.5, So Paulo, UNESP, 2009. frente, no pargrafo seguinte,

continua Calvino: Ademais, a fim de no esmorecermos ao fazer o bem (o que de outra forma necessariamente ocorreria em seguida), convm citar outro trecho do apstolo: O amor paciente, no se irrita (1 Co 13, 4). O Senhor prescreve que se faa o bem a todos, sem exceo, ainda que eles sejam, em sua maior parte, completamente

indignos, se so julgados pelos prprios mritos. Mas aqui a Escritura apresenta uma excelente razo, ao ensinar-

nos que no devemos examinar o que os homens meream por si, mas sim considerar em todos a imagem de Deus,

qual devemos toda honra e amor. Ela deve ser observada ainda mais diligentemente naqueles que so da famlia da f (Gl 6, 10), enquanto neles renovada e restaurada pelo Esprito de Cristo. Assim, qualquer um que se apresente agora e que esteja necessitado da tua ajuda, no tens motivo por que te recusares a dedicares-te a ele. Dize que um

estranho; mas o Senhor mesmo imprimiu nele uma marca que te deve ser familiar, em virtude da qual probe que

menosprezes tua carne (Is 58, 7). Dize que um homem desprezvel e sem valor; mas o Senhor demonstra que ele

algum honrado para com ele; mas Deus como que o colocou em seu lugar, a fim de que, diante dele, reconheas os

benefcios com os quais Deus te prendeu a si. Dize que ele indigno de te ds ao menor trabalho por causa dele;

mas a imagem de Deus, por causa da qual ele te foi recomendado, esta digna de que te does e a tudo quanto tens.

E se ele no apenas no for merecedor de benefcio algum, mas at tiver te provocado com injrias e malefcios,

nem mesmo isso razo justa para que deixes de abra-lo com amor e prosseguir nos deveres do amor (Mt 6, 14;

18, 35; Lc 17, 3). Dirs que ele merecedor de algo muito diferente. Mas que merece o Senhor? Ele que, quando

te ordena perdoar a esse homem qualquer pecado que tenha cometido contra ti, certamente quer consider-lo

cometido contra Ele. Este , de fato, o nico caminho para chegar quilo que to contrrio natureza humana,

alm de difcil: amar aos que nos tm dio, devolver males com bens, oferecer bnos aos que nos caluniam (Mt 5,

44); se nos lembrarmos que no devemos pensar na malcia dos homens, mas considerar neles somente a imagem de

Deus, que, com sua beleza e dignidade, nos persuade a am-los e abra-los, uma vez apagados e esquecidos seus

delitos. Joo Calvino, A Instituio da Religio Crist, III.7.6, So Paulo, UNESP, 2009. Tambm afirma: Embora a liberdade dos fiis com respeito s coisas externas no deva ser obrigada por uma frmula fixa, certo, no entanto, que est sujeita a esta lei: que os fiis sejam indulgentes consigo o menos possvel; ao contrrio, que

tenham a inteno constante de inclinar-se a prescindir de toda ostentao de abundancia suprflua, pois no s o

luxo deve ser reprimido, e acautelem-se diligentemente para que no transformem auxlios em empecilhos. Joo Calvino, A Instituio da Religio Crist, III.10.4, So Paulo, UNESP, 2009. 45



Joo Calvino, Exposio de 2 Corntios, (2 Co. 8.3), So Paulo, Paracletos, 1995, p. 168.


necessidades de todo o curso de nossa vida, e afigura-se-nos como grande perda quando uma

mnima parcela nos tirada. Mas aquele que depende da bno do Senhor tem o seu esprito

livre dessas preocupaes ridculas, enquanto que, ao mesmo tempo, tem suas mos livres para a

prtica da beneficncia.48 O homem despenseiro das ddivas de Deus: visto que nosso Pai

celestial nos concede todas as coisas por sua livre graa, devemos ser imitadores de sua graciosa

benevolncia, praticando tambm atos de bondade em favor de outrem; e em razo de nossos

recursos virem dele, no somos mais que despenseiros dos dons de sua graa.49 Apresenta a

Cristo como o grande exemplo de solicitude: ele fez-se pobre porque abriu mo de sua

possesso e por algum tempo deixou de exercer seus direitos. (...) ...ele santificou a pobreza em

sua prpria pessoa, para que os crentes no mais retrocedam diante dela, e por meio de sua

pobreza ele nos enriqueceu, para que no mais achemos difcil tomar de nossa abundancia e a

usemos em favor de nossos irmo.50 Uma advertncia: o Senhor no deseja que sejamos

influenciados pela esperana de recompensa ou alguma retribuio em troca de nossa doao,

mas ainda que os homens sejam ingratos, de modo que parea termos perdido o que lhes

doamos, devemos perseverar em fazer o bem.51 A disposio em dar deve ser tomada como

culto52

a Deus, como uma disposio natural do corao, que tanto ricos como pobres podem e

devem faz-lo: a disposio em dar no avaliada pelo que voc no tem, ou, em outras

palavras, Deus jamais exige que voc contribua mais do que seus recursos o permitem. Por este

critrio, ningum deixado com alguma escusa, visto que os ricos devem a Deus um grande

tributo, e os pobres ficam destitudos de razo para se envergonhar se o que do muito

pouco.53

Ainda na segunda carta de Paulo aos Corntios, desta feita no captulo nove, afirma

Calvino qual a finalidade das ddivas que Deus concede aos seus: Deus no nos faz o bem

com o fim de cada um de ns guardar para si mesmo o que recebe, mas para que haja mtua

participao entre ns, de acordo com os reclamos das necessidades.54 Ainda expressamente

assevera: ...assim como no nascemos unicamente para ns mesmos, tambm o cristo no deve

viver unicamente para si mesmo, nem usar o que possui somente para os seus propsitos

particulares ou pessoais. (...) J que dar assistncia s necessidades de nosso prximo uma

parte da justia e de forma alguma a menor parte , os que negligenciam esta parte de seu

dever devem ser tidos no conta de injustos.55

Com qual esprito os cristos devem ajudar aqueles que necessitam? Calvino responde de

modo claro e direto:

48

Joo Calvino, Exposio de 2 Corntios, (2 Co. 8.2), So Paulo, Paracletos, 1995, p. 167-168. 49




Cada um deles deve contribuir segundo sua capacidade, e acrescenta, segundo seu modo de raciocinar, que Deus no considera a quantidade, e, sim, o corao. Pois quando ele diz que um corao disposto aceitvel a Deus

segundo a capacidade de cada homem, ele quer dizer o seguinte: Se ofereceis uma pequena oferta tirada de vossos parcos recursos, a vossa inteno to valiosa aos olhos de Deus como se fosse um rico a fazer uma grande oferta

tirada da sua abundncia. Joo Calvino, Exposio de 2 Corntios, (2 Co. 8.11), So Paulo, Paracletos, 1995, p. 174. 53



Joo Calvino, Exposio de 2 Corntios, (2 Co. 9.10), So Paulo, Paracletos, p. 193.


Ao praticar uma caridade, os cristos deveriam ter mais do que um rosto

sorridente, uma expresso amvel, uma linguagem educada.

Em primeiro lugar, deveriam se colocar no lugar daquela pessoa que

necessita de ajuda, e simpatizarem-se com ela como se fossem eles

mesmo que estivessem sofrendo. Seu dever mostrar uma verdadeira

humanidade e misericrdia, oferecendo sua ajuda com espontaneidade e

rapidez como se fosse para si mesmos.

A piedade que surge do corao far com que se desvanea a arrogncia e

o orgulho, e nos prevenir de termos uma atitude de reprovao ou

desdm para com o pobre e o necessitado.

Quando um membro de nosso corpo fsico est enfermo, e todo o

organismo tem que se pr em ao para restaur-lo e voltar sade, no

temos uma atitude de desprezo em relao a esse membro enfermo, nem

cuidamos ou sustentamo-lo por obrigao, mas com nossa melhor

vontade.

A ajuda mtua que as diferentes partes do corpo oferecem umas s outras,

no considerada pela lei da natureza como um favor, mas, sim, como

algo lgico e normal, cuja negativa seria cruel. Portanto, se um homem

tem realizado um servio a outro, no deve considerar-se livre de todas as

suas demais obrigaes. Por exemplo, se algum rico e tem dado parte

de sua propriedade, porm em troca se nega a ajudar a outros em seus

problemas, no pode considerar-se escusado de haver cumprido com

todas as suas obrigaes.

Por mais importante que seja, cada homem deve dar-se conta que

devedor a seu prximo, e que o amor lhe manda dar at o limite de sua

capacidade.56

O grande fator motivador para auxlio e ajuda ao prximo est no fato de que este foi

criado e imagem e semelhana do Criador. Uma vez que o bem que fazermos aos homens

Deus considera como sacrifcio oferecido a ele prprio.57

Em A Verdadeira Vida Crist enfatiza: A Escritura nos ajuda com um excelente

argumento, ensinando-nos a no pensar no valor real do homem, mas s em sua criao, feita

conforme a imagem de Deus. A Ele devemos toda honra e o amor de nosso ser.58 Continua

apresentando o fato de o homem ser imagem e semelhana de Deus como o fator de primordial

impulso para fazer-lhe o bem, vejamos:

De modo que se algum aparece diante de vocs necessitando de seus

amveis servios, no h razo alguma em recusar-lhe tal ajuda.

Suponhamos que seja um estranho que necessita de nossa ajuda; mesmo

por ser estranho, o Senhor tem posto nele Seu prprio selo e lhe tem feito

como algum de tua prpria famlia; portanto, te probe de desprezar tua

prpria carne e sangue.

Suponhamos que seja vil e indigno; ainda assim, o Senhor lhe destinou

como adorno, Sua prpria imagem.

Suponhamos que no tenha nenhuma obrigao de servi-lo; ainda assim,

o Senhor o tem colocado com se fosse Seu prprio substituto, de modo

que nos sintamos obrigados pelos numerosos e incontveis benefcios

recebidos.

56

Joo Calvino, A Verdadeira Vida Crist, So Paulo, Novo Sculo, 2001, p. 39-40. 57

Joo Calvino, Exposio de Hebreus, (Hb. 13.16), So Paulo, Paracletos, 1997, p. 394. 58



Suponhamos que seja algum indigno do mais mnimo esforo a seu

favor, porm a imagem de Deus nele digna de dispormos a ns mesmo

e nossas possas a ele.

Se ele no tem te mostrado amabilidade, mas que, pelo contrrio, tem te

maltratado com injrias e insultos, ainda assim no h razo para no

rode-lo com teu afeto e faz-lo objeto de toda classe de favores.

Voc poderia dizer que ele merece um trato muito diferente, porm, o que

que nos ordena o Senhor, no que perdoemos as ofensas de todos os

homens e que remetamos a causa a Deus?

Este o nico caminho para obter aquilo que no s dificultoso, mas

que tambm repugnante natureza humana: amar a quem nos odeia,

corresponder s injrias com amabilidade e devolver bnos por

insultos.

Recordemos sempre que no temos de pensar continuamente nas

maldades do homem, mas, antes, darmos conta de que ele portador da

imagem de Deus.

Se com nosso amor cubrimos [sic] e fazemos desaparecer as faltas do

prximo, considerando a beleza e a dignidade da imagem de Deus nele,

seremos induzidos a ama-lo [sic] de corao. Ver. Heb. 12.16; Gal. 6.10;

Is. 58.7; Mat. 5.44; Luc. 17.3 e 4.59

Calvino e a Educao: expresso tica60

O ano de 1536 tem grande importncia para Genebra no campo da educao61

, pois

Calvino redige um programa de governo para a cidade onde enfatiza a necessidade do

conhecimento, para tanto solicitava a criao de escolas na cidade. Apresentou um projeto

educacional gratuito para a cidade de Genebra, destinado tanto a meninos quanto a meninas; aqui

encontramos o incio da primeira escola primria, gratuita e obrigatria de toda a Europa.62

Dizia Calvino que o saber era necessidade pblica para assegurar boa administrao poltica,

apoiar a igreja indefesa e manter a humanidade entre os homens.63

A descrio, o testemunho e a concluso do historiador da educao Lorenzo Luzuriaga

muito pertinente, pois revela o poder de influncia de Calvino no campo cultural e social de

Genebra, e tambm de outras partes da Europa, observemos com ateno:

Publicou, ainda, em 1558, um sistema de educao elementar no idioma

vernculo, para todos, e que compreendia o ensino de leitura, escrita,

aritmtica, religio e exerccios de gramtica. Fundou principalmente

seus famosos collges, escolas secundrias que chegaram a constituir

modelo para os ulteriores Colgios e Liceus da Frana. Neles se

deveriam formar os funcionrios civis e os eclesisticos, por meio das

humanidades e da instruo religiosa. Por sua influencia realizaram-se as

59

Joo Calvino, A Verdadeira Vida Crist, So Paulo, Novo Sculo, 2001, p. 37-38. 60

Para maiores informaes em um estudo amplamente fundamentado e mais abrangente ver: Hermisten Maia

Pereira da Costa, Joo Calvino 500 anos: introduo ao seu pensamento e obra, So Paulo, Cultura Crist, 2009, p. 325-346. 61

Para maiores detalhes quanto ao presente assunto ver: Gerald L. Gutek, Historical and Philosophical Foundations

of Education: a biographical introduction, 3. ed., New Jersey, 2001, p. 84-97. 62

Hermisten Maia Pereira da Costa, Joo Calvino 500 anos: introduo ao seu pensamento e obra, So Paulo, Cultura Crist, 2009, p. 334. 63

Lorenzo Luzuriaga, Histria da Educao e da Pedagogia, 11. ed., So Paulo, Editora Nacional, 1979, p. 112.


reformas pedaggicas de Genebra, que chegou a ser o refgio dos

perseguidos da Europa toda por questes religiosas e um dos principais

centros de saber do Continente. As idias calvinistas se estenderam,

assim, aos huguenotes na Frana, aos vales da Holanda e Blgica, aos

puritanos na Inglaterra, aos presbiterianos na Esccia e mais tarde s

colnias inglesas da Amrica. Do ponto de vista educacional, o

movimento calvinista foi qui mais eficiente que o prprio movimento

luterano.64

O campo de influncia do pensamento de Joo Calvino no restrito ao ambiente

educacional em Genebra e na Europa de um modo geral, ele estende a outras reas diversas da

intelectualidade humana a partir da Reforma Protestante do sculo XVI. As cincias de um

modo geral devem muito teologia de Calvino, vejamos o relato do historiador da cincia, o

holands Reijer Hooykaas:

O tema central da teologia da Reforma era a glria de Deus. Kepler escreveu, em 1598, que os astrnomos, na qualidade de sacerdotes de

Deus no que diz respeito ao livro da natureza, deviam ter em mente no a

glria de seu prprio intelecto, mas, acima de tudo, a glria de Deus. (...)

A Igreja reformada ensinava que a obrigao de glorificar a Deus por

todas as Suas obras deve ser cumprida por todas as faculdades do homem,

e no somente pelos olhos, mas tambm pelo intelecto. Calvino era de

opinio que aqueles que negligenciavam o estudo da natureza eram to

culpados como aqueles que, ao investigarem as obras de Deus, se

esqueciam do Criador. Reprovava veementemente aqueles fantsticos antagonistas da cincia que diziam que o estudo apenas torna os homens

soberbos e que no reconheciam que isto levava ao conhecimento de Deus e orientao da vida. Reiteradas vezes afirmou que a pesquisa cientfica algo que penetra muito mais profundamente nas maravilhas

da natureza do que a mera contemplao. Ao fazer essa declarao, no

se referia fsica especulativa de sua poca, mas s slidas disciplinas empricas ento existentes, ou seja, a astronomia e a anatomia, que

revelavam, segundo ele, os segredos do macrocosmo e do microcosmo.65

A Academia foi inaugurada em 05 de junho de 1559, na igreja de Saint-Pierre, sob a

direo de Beza66

, possua as cadeiras de grego, hebraico e filosofia. Neste ano foi lanada a

ltima edio das Institutas. Temos tambm a primeira reunio do snodo da Igreja Reformada

da Frana. Diz Giles: A Academia representa o pice do sistema. (...) ...o xito da escola

imediato, a ponto de atrair alunos da Frana, da Inglaterra, da Holanda e da Esccia, pases em

que serve de modelo.67 Nas palavra de Pierre Bertrand: ela ser a primeira fonte da Genebra

64

Lorenzo Luzuriaga, Histria da Educao e da Pedagogia, 11. ed., So Paulo, Editora Nacional, 1979, p. 112. 65

R. Hooykaas, A Religio e o Desenvolvimento da Cincia Moderna, Braslia, Editora da Universidade de Braslia,

1988, p. 137-138. 66

Ao apontar Beza como lder, ele escolheu um humanista conhecido internacionalmente e um homem das letras que escrevia e amava poesia e j havia publicado uma pea. Beza pronunciou um discurso na cerimnia inaugural

em 5 de junho de 1559, apresentando uma histria da educao no passado, referindo-se a como Moiss aprendeu a

sabedoria dos egpcios e congratulando o Conclio por propiciar que Genebra compartilhasse da gloriosa obra de

difuso de um conhecimento que estava livre de supersties. Ronald Wallace, Calvino, Genebra e a Reforma: um estudo sobre Calvino como um Reformador Social, Clrigo, Pastor e Telogo, So Paulo, Cultura Crist, 2003, p.

89. 67

Thomas Ransom Giles, Histria da Educao, So Paulo, E.P.U., 1987, p. 126.


intelectual68 ; e ainda afirmou que a prpria cidade foi fundada sobre a Palavra de Deus,

grandemente ensinada.

Sobre a estrutura e a frequncia da Academia, observa Wallace:

Havia duas sees na instituio como um todo. Normalmente, uma

criana ia primeiro para o colgio ou Schola Privata, com sete sries, que

levava gradualmente o aluno a ganhar habilidade para ler grego e latim e

no estudo da dialtica. Entre os autores estudados estavam Virglio,

Ccero, Ovdio, Csar, Iscrates, Lvio, Xenofontes, Polbio, Homero e

Demstenes. Depois vinha a academia ou a Schola Publica, em que

diferentes cursos eletivos poderiam ser escolhidos dentre uma variedade

de assuntos oferecidos Teologia, Hebraico, Grego, Poesia, Dialtica e Retrica, Fsica e Matemtica.

Quando de sua abertura, a Academia tinha seiscentos alunos. O nmero

de matriculados aumentou no primeiro ano para novecentos. Eles vinham

de toda a Europa e a lista de professores e alunos famosos

impressionante. O prprio Calvino escreveu os regulamentos para a

instruo. Os professores tinham de assinar uma confisso de f que,

entretanto, no inclua a predestinao. Kampschulte, o bigrafo catlico

romano de Calvino do sculo 19, ressalta que poucas dcadas depois

disso, quando Acquaviva, o general da ordem jesuta, estabeleceu seu

currculo educacional, o qual foi extensivamente baseado nos

regulamentos da academia de Genebra, demonstrou sua profunda gratido

a Calvino por sua viso abrangente sobre questes acadmicas.69

A preocupao, o zelo e o impulso em labutar no campo educacional por parte de Calvino

estava ntima e intrinsecamente associado ao seu conceito de que o homem fora criado imagem

e semelhana de Deus, portanto, este deveria ser servio em todos os mbitos possveis. Desta

feita, o homem possui a capacidade essencial de aprender e produzir conhecimento:

Seguem-se as artes, sejam liberais, sejam manuais, pelas quais h de se

aprender. Tambm nelas aparece a fora da sutileza humana, uma vez

que certa aptido inerente a todos ns. Ainda que nem todos sejam

capazes para o aprendizado de tudo, h um indcio satisfatrio de uma

energia comum, pois no se encontra ningum em que no se descubra

uma perfeita compreenso de alguma arte. E no dispe da energia e da

facilidade apenas para aprender, mas para imaginar algo novo em alguma

arte, ou para ampliar e lustrar o que algum tenha antes ensinado. E

Plato, uma vez que disseminou um erro, ao ensinar que tal compreenso

nada mais fosse que a recordao, obriga-nos assim a confessar, por uma

excelente razo, que seu princpio foi inspirado pelo entendimento

humano. Portanto, esses ensinamentos atestam abertamente que a

compreenso universal da razo e da inteligncia est incutida de forma

natural nos homens. Assim, entretanto, universal o bem, dado que nele

cada um deva reconhecer por si a graa peculiar de Deus.70

68

Pierre Bertrand, Survol de LHistoire de Genve, Genve, Labor et Fides, s/d, p. 62. 69

Ronald Wallace, Calvino, Genebra e a Reforma: um estudo sobre Calvino como um Reformador Social, Clrigo,

Pastor e Telogo, So Paulo, Cultura Crist, 2003, p. 88-89. 70

Joo Calvino, A Instituio da Religio Crist, So Paulo, UNESP, 2008, II.2.14.


Palavras Finais

O plpito foi o instrumento por excelncia usado por Calvino. Uma das principais

caractersticas da reforma protestante do sculo XVI est no fato de que durante este perodo

ocorreu um verdadeiro retorno fiel pregao da Palavra de Deus. W. Stanford Reid afirma:

Poder-se-ia quase dizer que a reforma trouxe o renascimento da pregao.71 Patrick Collinson

diz que: o sermo era provavelmente o meio mais poderoso de comunicao oral do alto para

baixo, tambm faz uma assertiva deveras pertinente em nossos dias ao afirmar que o plpito

tinha sido construdo para sermes, e no para dana. 72 Tambm diz que a Reforma

prescreveu uma nova primazia dos ouvidos sobre os olhos.73 J John H. Leith afirma: A

reforma (...) foi o maior reavivamento da pregao na histria da igreja. (...) A pregao estava

no prprio centro da reforma em Genebra.74 John Stott: A Reforma deu centralidade ao

sermo.75 Paulo Anglada: os reformadores foram principalmente pregadores da Palavra.76

Emile Doumergue: Calvino o pregador de Genebra, moldando por suas palavras o esprito da

Reforma do sculo XVI.77

Observemos as palavras do escritor e jurista brasileiro Fbio Konder Comparato,

professor de direito da Universidade de So Paulo-USP: movido pelo dever de pregar

integralmente a Palavra do Senhor (...) Calvino permaneceu sempre rigidamente apegado idia

de que tudo, inclusive a prpria f, nos vem de Deus, pois desde o pecado original nada de bom

nos advm por nosso prprio mrito.78 Claramente Comparato atesta hoje o zelo que possua

Calvino pela pregao.

Patrick Collinson nos instiga com duas perguntas: Como Calvino conseguiu fazer o que

fez? Como foi que por volta de 1553 a magistratura civil j se tornara ainda mais zelosa do que

o prprio Calvino na deciso de viver segundo o Evangelho? Eis sua resposta: A resposta

mais simples sua capacidade de pregao no plpito, que fez Genebra submeter-se vontade

de Deus. Foi um ataque impiedoso aos ouvidos da cidade. Havia sermes dirios, e trs aos

domingos. A contribuio de Calvino foi de 260 sermes por ano.79 Continua ainda Collinson,

diz que: o sermo era provavelmente o meio mais poderoso de comunicao oral do alto para

baixo, tambm faz uma assertiva deveras pertinente em nossos dias ao afirmar que o plpito

71

W. Stanford Reid, A Propagao do Calvinismo no Sculo XVI in: W. Stanford Reid (ed.), Calvino e sua

influncia no mundo ocidental, So Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 49. 72

Patrick Collinson, A Reforma, Rio de Janeiro, Objetiva, 2006, p. 194. 73


John H. Leith, A Tradio Reformada: uma maneira de ser a comunidade crist, So Paulo, Pendo Real, 1996,

p. 125. 75

John Stott, Eu Creio na Pregao, So Paulo, Vida, 2003, p. 24. 76

Paulo Anglada, Introduo Hermenutica Reformada: correntes histricas, pressuposies, princpios e

mtodos lingsticos, Ananindeua, Knox Publicaes, 2006, p. 20. 77

Leroy Nixon, John Calvin, Expository Preacher, Grand Rapids, Eerdmans, 1950, p. 38 Apud Ronald Hanko,

Calvino o Pregador, in: http://www.cprf.co.uk/languages/portuguese_calvinpreacher.htm. 78

Fbio Konder Comparato, tica: direito, moral e religio no mundo moderno, So Paulo, Companhia das Letras,

2006, p. 177. 79

Patrick Collinson, A Reforma, Rio de Janeiro, Objetiva, 2006, p. 115.


tinha sido construdo para sermes, e no para dana. 80 Tambm diz que a Reforma

prescreveu uma nova primazia dos ouvidos sobre os olhos.81

James Montgomery Boice, pastor presbiteriano, ao falar sobre o meio pelo qual possvel

restaurar a vitalidade de igreja em nossa poca com doutrinas bblicas que mudaram o mundo,

cita inevitavelmente o pregador Calvino, enfatizando: Calvino no tinha outra arma a no ser a

Bblia. Desde o princpio, sua nfase tinha sido no ensino da Bblia... (...). Calvino pregou

biblicamente todos os dias, e sob o poder daquela pregao a cidade comeou a ser transformada.

Como as pessoas de Genebra adquiriram conhecimento da Palavra de Deus e foram mudadas por

ela, a cidade se tornou, como John Knox chamou mais tarde, uma Nova Jerusalm de onde o

evangelho se difundiu para o resto da Europa, Inglaterra e o Novo Mundo.82 E por fim conclui:

Provavelmente nunca existiu um exemplo mais claro de reforma moral e social extensivas do

que a transformao de Genebra sob o ministrio de Joo Calvino, e isto foi realizado quase

completamente pela pregao da Palavra de Deus.83 frente ao falar sobre o culto ainda

afirma: Quando a Reforma correu por toda a Europa no sculo 16, houve uma exaltao

imediata da Palavra de Deus nos cultos protestantes. Joo Calvino particularmente levou isto a

cabo, com perfeio, ordenando que os altares (centro da missa em latim) fossem removidos das

igrejas e que um plpito, com uma Bblia sobre o mesmo, fosse colocado no centro do templo.

No era para ficar de um lado do cmodo, mas exatamente no centro, onde todas as linhas da

arquitetura levariam os olhares atentos do adorador ao Livro, o qual, sozinho, contm o caminho

da salvao e destaca os princpios sob os quais a igreja do Deus vivo deve ser governada.84

Um dos principais bigrafos e historiadores de Calvino, o francs Emile Doumergue

(1844-1937), em 1909 quando da comemorao dos quatrocentos anos do nascimento de Calvino

e do mesmo plpito que pregou o reformador, afirmou: Para mim, o Calvino verdadeiro, que

explica todas as outras faces de Calvino, o Calvino pregador de Genebra, que moldou o esprito

dos reformadores do sculo dezesseis por meio de suas palavras. (...) Embora Calvino seja

lembrado como um telogo que restabeleceu os marcos doutrinrios enterrados sob os

escombros de sculos de confuso, ou como um argumentador inteligente cujo nome os

oponentes tentaram ligar a crenas que consideravam odiosas, a verdade que Calvino via si

mesmo, antes de tudo, como um pastor da igreja de Cristo e, portanto, como algum cuja

principal tarefa deve ser pregar a Palavra.85 Calvino considerava a pregao o incomparvel

tesoura da Igreja.86

Assim percebemos que Calvino no fora um revolucionrio social ou poltico ao expor

conceitos ticos, mas simplesmente um pastor que prega com fidelidade Palavra de Deus

percebendo todas as implicaes de um viver em obedincia mesma.

80



James Montgomery Boice, O Evangelho da Graa, So Paulo, Cultura Crist, 2003, p. 81. 83



In Steven J. Lawson, A Arte Expositiva de Joo Calvino, Sao Jos dos Campos-SP, Editora Fiel, 2008, p. 18; vd.

tb. Leroy Nixon, John Calvin, Expository Preacher, Grand Rapids, Eerdmans, 1950, p. 38 Apud Ronald Hanko,

Calvino o Pregador, in: http://www.cprf.co.uk/languages/portuguese_calvinpreacher.htm. 86

Nicholas Wolterstorff, A Liturgia Reformada, in: Donald K. McKim (ed.), Grandes Temas da Tradio

Reformada, So Paulo, Pendo Real, 1998, p. 250.

a c3a9tica social de calvino

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