a bruxa e a arte do sonhar (doc) (rev) florinda donner grau

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  • 7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau

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    Florinda Donner-GrauFlorinda Donner-Grau

    A bruxa e a arteA bruxa e a arte

    do sonhardo sonhar

    Traduo de

    A. COTA

    Donner! Florinda

    A bruxa e a arte do sonhar / Florinda Donner-Grau;

    traduo de A. Costa. - "io de #aneiro: "ecord: $o%a &ra! '(().

    Traduo de: The *itch+s dream ,$ )-'-(-)

    '. 0ndios 1anomami - "eligio e mitologia. 2. 3ndios 1anomami - 4edicina.

    5. 6amanismo - 7ene8uela. 9. &tnologia - 7ene8uela - Trabalho de campo. ,.T3tulo.

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    T3tulo original norte-americano THE WITCH'S DREA

    Copright ; '(() b Florinda Donner-Grau

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    foi introduzida ao mundo da cura espiritual como antroploga. Mas seufoi introduzida ao mundo da cura espiritual como antroploga. Mas seu

    envolvimento logo se transformou e se aprofundou na dire!o de algoenvolvimento logo se transformou e se aprofundou na dire!o de algo

    "em mais pessoal."em mais pessoal.

    #ste livro $ o relato#ste livro $ o relato e%traordin&rio de suase%traordin&rio de suas e%peri'ncias com Donae%peri'ncias com Dona

    Mercedes, uma %am!Mercedes, uma %am!idosa de uma remota cidade venezuelana conhecidaidosa de uma remota cidade venezuelana conhecida

    por suapor suapopula!o de espiritualistas, feiticeiros e m$diuns. (ra"alhandopopula!o de espiritualistas, feiticeiros e m$diuns. (ra"alhando

    como aprendiz de Dona Mercedes, Florinda testemunhou emcomo aprendiz de Dona Mercedes, Florinda testemunhou emprimeira m!oprimeira m!o

    o poder e a "eleza da verdadeira cura espiritual.o poder e a "eleza da verdadeira cura espiritual.

    )o mesmo tempo, travou contato com muitas pessoas *ue)o mesmo tempo, travou contato com muitas pessoas *ueprocuravam aprocuravam a

    %am! em "usca de a+uda.%am! em "usca de a+uda.#ntremeado com as histrias impressionantes#ntremeado com as histrias impressionantes

    de Dona Mercedes, est& a prpria histria dram&tica de autodesco"ertade Dona Mercedes, est& a prpria histria dram&tica de autodesco"erta

    da autora, pois $ atrav$s dos encontros com essas pessoas *ue Florindada autora, pois $ atrav$s dos encontros com essas pessoas *ue Florinda

    se conscientiza de seus prprios poderes espirituais e se d& conta dose conscientiza de seus prprios poderes espirituais e se d& conta do

    *uanto sua presena se torna importante como au%iliar nos tra"alhos da*uanto sua presena se torna importante como au%iliar nos tra"alhos da

    velha curandeira.velha curandeira.

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    especial para mim. $a %erdade! seu trabalho coincide com o meu! ao

    mesmo tempo ue se des%ia dele. Florinda Donner-Grau J minha

    companheira de trabalho. $Ks dois estamos en%ol%idos no mesmo proeto

    e ambos pertencemos ao mundo de Don #uan 4atus. A diHerena pro%Jm

    do Hato de ela ser mulher. $o mundo de Don #uan! homens e mulheres

    caminham na mesma direo! seguem o mesmo caminho de luta! mas

    esto de lados opostos da estrada.

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    por Florinda Donner-Grau! ue so8inha e contra terr3%eis desa%enas

    mante%e-se calma! permaneceu Iel aos caminhos do guerreiro e seguiu os

    ensinamentos de Don #uan ao pJ da letra.

    arlos astaneda

    $ota da Autora$ota da Autora

    O estado de 4iranda! no nordeste da 7ene8uela! Hoi habitado pelos

    3ndios Caribe e Ciparicoto durante o per3odo prJ-hispQnico. Durante a

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    coloni8ao! dois outros grupos raciais e culturais tornaram-se

    proeminentes por lE: os coloni8adores espanhKis e os escra%os aHricanos!

    tra8idos pelos primeiros para trabalhar em suas plantaLes e minas.

    Os descendentes destes 3ndios! espanhKis e aHricanos deram

    origem R mestia populao ue atualmente sobre%i%e nas peuenas

    aldeias! %ilareos e cidades espalhadas pelo interior e pelo litoral.

    4uitas destas cidades no estado de 4iranda so Hamosas pelos

    seus curandeiros! muitos dos uais tambJm so espiritualistas! mJdiuns e

    bruBos.

    &m meados da dJcada de ?! %iaei para 4iranda. $auele tempo!

    eu era uma estudante de antropologia interessada nas prEticas curati%as e

    acabei trabalhando com uma curandeira nati%a.

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    O dicionErio da "eal Academia &spanhola deIne nagual como uma

    adaptao espanhola para a pala%ra ue signiIca! na linguagem nEuatle

    do eBtremo sul do 4JBico! bruBo ou mago.

    As tradicionais histKrias de naguais homens de tempos antigos

    ue possu3am poderes eBtraordinErios e eram capa8es de atos ue

    desaIam a imaginao continuam a eBistir no 4JBico moderno. 4as!

    tanto nas cidades uanto nas 8onas rurais! os naguais contemporQneos

    so puramente legendErios. &les parecem %i%er somente no Holclore!

    passado de boca em boca! ou no mundo da Hantasia.

    O nagual ue conheci! entretanto! era real. $o ha%ia nada ilusKrio

    nele. Uuando perguntei! sem uerer ser curiosa! o ue o torna%a um

    nagual! ele me apresentou uma eBplicao ao mesmo tempo simples e

    totalmente compleBa sobre o ue Ha8ia e era. &le me disse ue o

    nagualismo comea com duas con%icLes: a certe8a de ue os seres

    humanos so seres eBtraordinErios %i%endo em um mundo eBtraordinErio!

    e a certe8a de ue nem o homem nem o mundo podem ser aceitos como

    %erdade sob nenhuma circunstQncia.

    A partir dessas doces e simples premissas! disse ele! surge uma

    concluso simples: o nagualismo retira uma mEscara para colocar outra.

    Os naguais retiram a mEscara com a ual %emos nKs mesmos e o mundo

    em ue %i%emos como um local comum! sem graa! pre%is3%el e repetiti%o

    e colocam uma segunda! ue irE audar-nos a %ermos nKs prKprios e o

    ambiente ue nos en%ol%e da Horma ue realmente somos: momentos

    emocionantes ue Porescem uma Snica %e8 durante nossa transitKria

    eBistNncia e ue nunca mais se repetem.

    ApKs o encontro com este inesuec3%el nagual! ti%e uma hesitao

    momentQnea ao perceber o medo ue senti ao me deparar com estas

    uestLes como um paradigma imposto. Uuis correr para longe dauele

    3ndio e de sua busca! mas! ao mesmo tempo! no ueria Ha8er isso. Algum

    tempo depois! tomei uma deciso drEstica e me untei a ele e a seu grupo.

    4as esta no J uma histKria sobre auele nagual! embora suas

    idJias e inPuNncia esteam Hortemente presentes em tudo o ue Hao. $o

    J minha tareHa escre%er sobre ele! nem mesmo di8er seu nome. &Bistem

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    outros no grupo ue iro Ha8er isso.

    Uuando decidi acompanhE-lo! ele me le%ou ao 4JBico para

    conhecer uma estranha e Horte mulher! sem me di8er ue ela era

    possi%elmente a mulher mais inPuente e sEbia do grupo dele. eu nome:

    Florinda 4atus. Apesar das roupas malcuidadas ue usa%a! ela tinha uma

    elegQncia comum Rs mulheres altas e magras. O aspecto pElido de sua

    Hace! Ina e se%era! era coroado por tranas de cabelos brancos e

    iluminada por largos e luminosos olhos. ua %o8 rouca e a risada alegre e

    o%ial dissiparam meu temor irracional.

    O nagual me deiBou aos cuidados dela. A primeira coisa ue uis

    saber de Florinda era se ela tambJm era um nagual. orrindo uase

    enigmaticamente! ela apenas reInou a deInio da pala%ra.

    er um bruBo! um mago ou uma Heiticeira no signiIca ser um

    nagual. 4as ualuer um pode se tornar um deles! a partir do momento

    em ue ele ou ela se tornam responsE%eis por um grupo de homens e

    mulheres e em ue encaminham este grupo para um en%ol%imento em

    uma uesto espec3Ica do conhecimento disse ela.

    Uuando perguntei ue uesto era essa! ela respondeu ue para

    estes homens e mulheres o obeti%o era encontrar a segunda mEscara!

    auela ue nos %ai audar a %ermos nKs mesmos e o mundo da maneira

    ue nKs realmente somos: momentos emocionantes.

    &ntretanto! este li%ro tambJm no J a histKria de Florinda! apesar

    do Hato de ela ser a mulher ue me guia em todos os meus atos.

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    $o. Acontece ue %ocN gosta do nagual. A presena dele

    dominou %ocN. Aconteceu o mesmo comigo. Fui dominada pelo nagual

    antecessor. O bruBo mais irresist3%el ue E eBistiu.

    Admito ue %ocN estE certa! mas em parte. &u me importo pela

    busca do nagual.

    $o du%ido. 4as sK isso no J suIciente. As mulheres precisam

    conhecer algumas manobras espec3Icas a Im de encontrar a essNncia de

    si mesmas.

    Uuais manobrasV De ue essNncia %ocN estE Halando! FlorindaV

    e eBiste alguma coisa dentro de nKs ue no conhecemos!

    como habilidades escondidas! coragem e astScia amais imaginadas ou

    uma nobre8a de esp3rito Hrente a dor e o soHrimento! ela aparecerE se nKs

    Hormos conHrontados com o desconhecido! nos momentos em ue estamos

    so8inhos! sem amigos! sem o apoio Hamiliar! sem suporte. e! nessas

    situaLes! no acontecer nada! J porue nKs no temos nada. & antes de

    di8er ue %ocN realmente se importa com a busca do nagual! de%e

    descobrir se eBiste algo dentro de %ocN.

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    sobre auele lugar. $o sa3 de lE numa boa situao.

    em melhor. Assim %ocN poderE enHrentar suas antigas

    desa%enas.

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    pala%ras Hortes e gestos decisi%os! Florinda proibiu-me de pedir! sob

    ualuer circunstQncia! conselhos a ualuer pessoa. Ao saber ue iria

    para uma uni%ersidade! ela me ad%ertiu ue no utili8asse os adornos da

    %ida acadNmica enuanto esti%esse no campo. &u no poderia pedir

    Ha%ores! ter super%isores acadNmicos! nem mesmo pedir ualuer tipo de

    auda a minha Ham3lia e amigos. De%eria deiBar os acontecimentos me

    guiarem para um caminho a ser seguido. &scolhido um! de%eria mergulhar

    nele com a HSria de uma mulher no caminho do guerreiro.

    ,ria R 7ene8uela para Ha8er uma %isita inHormal.

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    pensamentos e aLes.

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    Florinda enterneceu-se! desHa8endo a resposta incisi%a ue esta%a

    pronta para me dar.

    Tudo bem! tudo bem disse de%agar! acenando para ue

    puBasse minha cadeira para mais perto da dela. 7ou di8er o ue

    considero importante para sua %iagem. Feli8mente! no eBistem os

    detalhes ue %ocN tanto procura. O ue %ocN uer eBatamente de mim J

    ue eu diga como agir numa situao Hutura e uando isso %ai acontecer.

    W algo estSpido demais para se perguntar. Como poderia dar instruLes de

    algo ue ainda no eBisteV &m %e8 disso! ensinarei a %ocN como arrumar

    seus pensamentos! sentimentos e reaLes. Com esse trunHo na mo! serE

    capa8 de resol%er ualuer e%entualidade ue possa surgir.

    7ocN realmente estE Halando sJrio! FlorindaV perguntei

    incrJdula.

    er3ssimo assegurou-me. ,nclinando-se na cadeira! disparou a

    Halar com um meio sorriso ue! a ualuer momento! parecia ue iria

    tornar-se uma gargalhada. O primeiro detalhe a ser considerado J Ha8er

    uma a%aliao de si mesma. 7ocN %erE ue! no mundo do nagual! nKs

    somos responsE%eis pelos nossos atos.

    &la me lembrou ue eu conhecia o caminho do guerreiro. Durante

    todo o tempo em ue esti%e com ela! recebi um eBtenso treinamento da

    trabalhosa IlosoIa prEtica dos naguais.

  • 7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau

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    Huriosamente a nada para poder ou%ir e %er sK assim podero %encer!

    sendo humildes pela sua conuista! ou perder! sendo realadas pela sua

    derrota.

    $o caminho do guerreiro! mulheres no se rendem. &las podem

    ser derrotadas milhares de %e8es! mas nunca rendidas. $o caminho do

    guerreiro! acima de tudo! as mulheres so li%res.

    ,ncapa8 de interrompN-la! Iuei olhando de maneira IBa para

    Florinda! completamente Hascinada! embora no pudesse captar o ue ela

    di8ia. enti-me proHundamente desesperada uando ela parou de Halar

    parecendo ue no tinha mais nada a di8er. $o consegui me controlar e

    comecei a chorar de Horma compulsi%a. abia ue o ue ela acabara de

    di8er no me audaria a resol%er meus problemas.

    &la me deiBou chorar por um bom tempo e! ento! comeou a rir.

    7ocN estE realmente chorandoY disse ela com incredulidade.

    7ocN J a pessoa mais sem corao e insens3%el ue E conheci

    disse entre soluos. 7ocN estE prestes a me mandar para sabe-se lE

    Deus onde e no uer me di8er o ue de%o Ha8er.

    4as eu disse Halou ainda rindo.

    O ue %ocN acabou de di8er no tem nenhum %alor em uma

    situao real retruuei com rai%a. 7ocN soa como um ditador

    proHerindo slogans.

    Florinda obser%ou-me alegremente.

    7ocN serE surpreendida pelo uanto usarE destes slogans

    estSpidos Halou. 4as! por agora! %amos chegar a um entendimento.

    $o estou mandando %ocN para um lugar ualuer. 7ocN J uma mulher no

    caminho do guerreiro e J li%re para Ha8er o ue desear. 7ocN sabe disto.

    7ocN ainda no entendeu o ue J o mundo do nagual. $o sou sua

    proHessora! nem sua mentora! ou mesmo responsE%el por %ocN. 7ocN J a

    responsE%el por si prKpria. O ensinamento mais diH3cil de entender no

    mundo do nagual J ue ele oHerece liberdade irrestrita. 4as liberdade no

    signiIca estar li%re.

    Cuido de %ocN porue %ocN tem uma habilidade natural para %er

    as coisas como elas so! tem a capacidade de se aHastar de uma situao

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    e %er a bele8a em tudo isso. ,sto J um presente! %ocN nasceu assim. A

    maior parte das pessoas ue se en%ol%em com o mundo do nagual le%a

    anos para conseguir aHastar-se das situaLes nas uais estE en%ol%ida e

    ser capa8 de %er a bele8a disso tudo.

    Apesar de seu elogio! esta%a prestes a ter um ataue de ner%os.

    &la Inalmente me acalmou! prometendo ue antes de meu a%io partir

    me daria as inHormaLes espec3Icas e detalhadas ue eu tanto ueria.

    &sperei no corredor de embarue da companhia aJrea! mas

    Florinda no apareceu. Desapontada e desanimada! dei liberdade para o

    sentimento de desespero e desapontamento ue crescia dentro de mim.

    em me importar com os olhares curiosos em %olta de mim! sentei-me e

    comecei a chorar. $unca ha%ia me sentido to so8inha. A Snica coisa na

    ual pensa%a era ue ninguJm ha%ia %indo se despedir de mim! ninguJm

    ha%ia %indo me audar com minha bagagem. &sta%a acostumada a me

    despedir dos meus parentes e amigos.

    Florinda tinha me ad%ertido ue ualuer um ue escolhesse o

    mundo do nagual de%eria estar preparado para uma solido Horada. &la

    deiBou claro ue! para ela! solido no signiIca estar so8inho! mas sim um

    estado H3sico de solido.

    Cap3tulo 5Cap3tulo 5

    $unca poderia imaginar ue minha %ida se tornaria to monKtona.

    &m um uarto de hotel de Caracas! so8inha e sem ter noo do ue Ha8er!

    eBperimentei! pela primeira %e8! a solido da ual Florinda ha%ia Halado.

    Tudo ue gosta%a de Ha8er era sentar-me na cama do hotel e assistir R T7

    $o ueria tocar na minha bagagem. Cheguei a pensar em pegar um

  • 7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau

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    a%io de %olta para Zos Angeles. 4eus pais no esta%am na 7ene8uela

    neste per3odo e tambJm no conseguia teleHonar para meus irmos.

    Depois de um esHoro tremendo! comecei a desHa8er minha mala.

    &scondido no meio de uma cala dobrada! encontrei um pedao de papel

    com a letra de Florinda! ue comecei a ler a%idamente.

    $o se preocupe com detalhes. Detalhes tendem a se austar para

    ser%ir as circunstQncias! se alguJm ti%er uma con%ico. eus planos

    de%em ser como pegadas. &scolha alguma coisa e a chame de comeo.

    &nto %E e encare o in3cio. Uuando esti%er cara a cara com o comeo!

    deiBe ue ele a le%e para ualuer lugar poss3%el. ConIo ue suas

    con%icLes no deiBaro ue %ocN escolha um in3cio eBcNntrico. ea

    realista e simples para poder selecionar com sensate8. Faa isso agoraY

  • 7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau

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    sentimento de apreenso ue logo se transHormou em medo. Uuando ele

    me disse ue eu no de%eria ir a cidade de ortes! embora lE Hosse o

    maior centro espiritualista do oeste da 7ene8uela! comecei a Icar

    realmente chateada com ele. &le parecia estar antecipando-se a mim de

    todas as Hormas. &ra eBatamente para esta peuena cidade ue eu esta%a

    planeando ir se nada mais acontecesse.

    #E esta%a uase me despedindo e deiBando a Hesta uando ele me

    disse ue eu de%eria considerar seriamente a possibilidade de ir para a

    cidade de Curmina! no nordeste da 7ene8uela! onde poderia ter um

    sucesso Henomenal! pois a cidade era um no%o e %erdadeiro centro de

    espiritualismo e cura.

    &u no sei como descobri isso! apenas sei ue %ocN estE morta

    de %ontade de estar com as bruBas de Curmina disse num tom de %o8

    seco e prEtico.

    &le pegou um pedao de papel e desenhou um mapa da regio!

    dando-me as distQncias eBatas de Caracas aos %Erios pontos na regio

    onde espiritualistas! bruBos! Heiticeiras e curandeiros %i%eriam. Deu uma

    NnHase especial a um nome: 4ercedes

  • 7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau

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    relacionarem com os dois tipos de pessoas ue os procuram: doentes em

    busca de auda e clientes em busca de ser%ios de Heitiaria. Curandeiros

    so proIssionais ue se empenham! eBclusi%amente! em restaurar a

    saSde e o bem-estar.

    Florinda tambJm He8 uesto de incluir em sua classiIcao uma

    poss3%el combinao destas trNs prEticas.

    Como em um ogo! mas sendo absolutamente sJria a respeito

    dauilo tudo! ela sustentou ue! na tentati%a de restaurar a saSde! eu

    esta%a predisposta a acreditar ue as prEticas de cura no-ocidentais

    eram mais hol3sticas ue a medicina ocidental. &la me He8 %er ue eu

    esta%a errada! porue a cura depende do proIssional e no de um

    conunto de conhecimentos. &la argumentou ue no eBiste nada como as

    prEticas de cura no-ocidentais! desde ue a cura! ao contrErio da

    medicina! no sea uma disciplina Hormali8ada. &la costuma%a go8ar do

    meu prKprio caminho. Fa8ia-me %er ue meu preconceito era como o

    dauelas pessoas ue acreditam ue! se um doente Hoi curado pelo

    tratamento com plantas medicinais! por massagens ou por re8as! a

    doena seria psicossomEtica ou a cura seria resultado de uma sorte

    acidental ue o proIssional no conseguiria entender.

    Florinda esta%a con%encida de ue uma pessoa ue recuperasse a

    saSde! tanto pelas mos de um mJdico uanto de um curandeiro! seria

    alguJm capa8 de alterar em si prKprio os sentimentos Hundamentais do

    corpo e tambJm suas ligaLes com o mundo seria ento! alguJm capa8

    de oHerecer o corpo! assim como a mente! a no%as possibilidades! ue

    uebrariam o habitual molde ue o corpo e a mente tinham aprendido a

    obedecer. ma outra dimenso de conhecimento tornar-se-ia acess3%el e

    as eBpectati%as de doena e cura do senso comum poderiam comear a

    ser tradu8idas como no%os conhecimentos corporais ue se tornaram

    cristali8ados.

    Florinda comeou a gargalhar uando demonstrei uma surpresa

    genu3na ao ou%ir seus pensamentos ue! nauele momento! eram

    re%olucionErios demais para mim. &la me disse ue tudo o ue ha%ia

    Halado surgiu do conhecimento compartilhado com seus companheiros no

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    mundo do nagual.

    eguindo as instruLes do bilhetes de Florinda! deiBei os

    acontecimentos me guiarem. DeiBei-os desen%ol%erem-se sem a menor

    interHerNncia de minha parte. entia ue de%eria ir para Curmina e

    conhecer a mulher sobre a ual o eB-esu3ta ha%ia Halado.

    Uuando Hui! pela primeira %e8! R casa de 4ercedes

  • 7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau

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    &la piscou repetidas %e8es! austando seu olhar para mim.

    7im para a 7ene8uela para estudar mJtodos de cura

    continuei! ganhando cada %e8 mais conIana. &studo em uma

    uni%ersidade norte-americana! mas gostaria! realmente! de ser uma

    curandeira.

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    amigo depois de uma sesso esp3rita em uma das cidades do litoral.

    &mbora seu amigo tenha Icado perpleBo ao me %er so8inha to tarde da

    noite! ela no Icou nem um pouco surpresa.

    7ocN me He8 recordar instantaneamente alguJm ue uma %e8

    conheci Halou. #E passa%a da meia-noite. 7ocN sorriu para mim.

    $o me lembra%a de tN-la %isto ou mesmo de ter estado so8inha na

    praa to tarde. 4as isto poderia ter acontecido na noite em ue cheguei

    a Curmina. Depois de esperar em %o para ue a chu%a ue ca3a hE uma

    semana parasse! Inalmente arrisuei %iaar de Caracas a Curmina. abia

    ue! pro%a%elmente! encontraria desli8amentos de terras pelo caminho

    esses contratempos transHormaram uma %iagem de duas horas em uma

    de uatro. $a hora em ue cheguei toda a cidade dormia e ti%e diIculdade

    para encontrar a pousada prKBima R praa! ue me ha%ia sido

    recomendada por auele padre.

    &nHeitiada pela certe8a dela em saber ue eu esta%a %indo para

    %N-la! Halei sobre ele e sobre o ue ele me tinha dito na cerimMnia de

    casamento em Caracas.

    &le insistiu bastante para ue eu a conhecesse disse.

    4encionou ue seus antepassados Horam bruBos e curandeiros Hamosos

    durante o per3odo colonial e ue eles Horam perseguidos pela ,nuisio.

    7ocN sabia ue! nauele tempo! as Heiticeiras acusadas eram

    mandadas para Cartagena! na ColMmbia! onde eram ulgadasV

    perguntou e imediatamente continuou a Halar. A 7ene8uela no era

    suIcientemente importante para ter um tribunal da ,nuisio.

    Fe8 uma pausa e! olhando direto nos meus olhos! perguntou:

    Originalmente! onde %ocN planea%a estudar os mJtodos de

    curaV

    $o estado de 1aracu eu disse %agamente.

    ortesV indagou. 4aria Zion8aV

    alancei a cabea concordando. A cidade de ortes J o principal

    local de culto a 4aria Zion8a. Di8em ue ela nasceu do relacionamento

    entre uma princesa indiana e um conuistador espanhol! e Hoi reconhecida

    por ter tido poderes sobrenaturais. Xoe! J re%erenciada por milhLes de

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    %ene8uelanos como uma santa milagrosa.

    4as eu segui o conselho do eB-padre e %im para Curmina

    disse. TambJm con%ersei com duas curandeiras. Ambas concordaram

    ue %ocN J a mais sEbia! a Snica ue poderia eBplicar-me os mJtodos da

    cura.

    ,mpensadamente! pois tinha acabado de criE-los nauele momento!

    Halei sobre os mJtodos ue ueria seguir: obser%ao direta e participao

    em algumas das sessLes de cura ao mesmo tempo em ue as gra%aria e!

    mais importante de tudo! entre%istar sistematicamente os pacientes ue

    ti%esse obser%ado.

    A %elha mulher concorda%a com a cabea! rindo de %e8 em uando.

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    ueima%a no altar. A chama bruBuleante deiBa%a um rastro solitErio de

    Humaa negra. $a parede! surgiu a sombra de uma mulher com uma

    bengala na mo! ue parecia empalar a cabea dos homens e das

    mulheres ue! mantendo os olhos Hechados! ocupa%am! ao meu lado! as

    %elhas cadeiras de madeira dispostas em c3rculo pela sala.

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    masculina! interrompendo os cQnticos de dona 4ercedes.

    A brasa %ermelha dos charutos perHurou a escurido ene%oada

    como olhos acusadores esperando a concordQncia do resto do grupo.

    &stou %endo ela concordou le%antando-se da cadeira e

    passando por cada uma das pessoas da sala! parando por um instante

    diante de cada uma.

    errei de dor ao sentir alguma coisa aIada perHurando meu ombro.

    7enha comigo ela murmurou em meu ou%ido. 7ocN no estE

    em transe. Com medo de ue eu Hosse resistir! ela me pegou com

    Irme8a pelo brao e me encaminhou R cortina %ermelha ue ser%ia como

    porta.

    4as %ocN me pediu ue %iesse insisti antes ue Hosse posta

    para Hora da sala. $o %ou aborrecer ninguJm se puder Icar sentada

    em um canto.

    7ocN estE aborrecendo os esp3ritos murmurou enuanto

    puBa%a a cortina sem Ha8er barulho.

    Andei atJ a co8inha no Hundo da casa! onde! normalmente!

    trabalha%a R noite transcre%endo as Itas e organi8ando os dados de

    campo! ue gradualmente aumenta%am. m enBame de insetos ronda%a a

    Snica lQmpada! ue pendia do teto da co8inha. &ssa lu8 Hraca ilumina%a a

    mesa de madeira armada no meio do aposento! mas deiBa%a os cantos Rs

    escuras! onde as pulgas reina%am e cachorros sarnentos dormiam. m dos

    lados da co8inha! ue tinha um Hormato retangular! se abria para o ardim.

    &ncostados nas outras trNs paredes! escuras pela Huligem! erguiam-se um

    reser%atKrio para comida Heito de barro! um Hogo de uerosene e um tubo

    de metal redondo cheio de Egua.

    Andei pelo ardim enluarado. A lae de cimento! onde CandelEria

    a acompanhante de dona 4ercedes coloca%a a roupa para uarar ao sol

    todos os dias! parecia uma poa d+Egua prateada. As cordas do %aral

    pareciam uma mancha branca contra a escurido das paredes de gesso

    ue cerca%am o ardim. Delineadas pela lua! Er%ores Hrut3Heras! plantas

    medicinais e o canteiro de %egetais Horma%am uma escura massa

    uniHorme! mo%imentada apenas pelos insetos e pelo barulho estridente

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    dos grilos.

    7oltei para a co8inha e Hui atJ o Hogo %er a panela ue E esta%a

    Her%endo. A ualuer hora do dia ou da noite! sempre ha%ia alguma coisa

    para comer lE. $ormalmente! ha%ia uma sopa reHorada Heita de carne!

    galinha ou peiBe! dependendo do ue esta%a dispon3%el! e todo tipo de

    %egetais e ra38es.

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    4ercedes ou! tal%e8! uma de suas pacientes! ou! ento! uma parente de

    CandelEria! esperando ue ela sa3sse da sesso.

    Desculpe disse. ou no%a aui. Trabalho com dona

    4ercedes.

    A mulher ia concordando com a cabea enuanto eu Hala%a. &la me

    deu a impresso de saber sobre o ue eu esta%a Halando.

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    $este momento! comecei a sentir minha energia se es%aindo e

    deiBei escapar uma sJrie de gritos Huriosos e penetrantes.

    CandelEria %eio correndo para onde eu esta%a. &la percorreu a

    distQncia entre a sala! na ual esta%a acontecendo a sesso esp3rita! e o

    pEtio antes ue eu ti%esse tempo de tomar algum ar e gritar mais uma

    %e8.

    &stE tudo bem agora ela Icou repetindo num tom de %o8

    reconHortante! ue parecia %ir de longe dali.

    Gentilmente! acariciou minha cabea mas no consegui parar de

    tremer. &! sem uerer! comecei a chorar.

    $o de%ia ter deiBado %ocN so8inha desculpou-se. 4as

    uem poderia imaginar ue uma musia seria capa8 de %N-laV

    Antes ue os outros participantes da sesso sa3ssem para %er o ue

    esta%a acontecendo! ela me le%ou para a co8inha. Audou-me a sentar e

    me deu um copo de rum. ebi e! ento! contei a ela o ue ha%ia

    acontecido no pEtio. $o instante em ue terminei de beber a dose e de

    contar o meu relato! senti-me sonolenta! distra3da! mas longe de estar

    bNbada.

    DeiBe-nos a sKs! CandelEria disse dona 4ercedes! ao entrar

    em meu uarto. AlJm de me colocar na cama! CandelEria ha%ia posto um

    colchonete ao lado para estar unto de mim uando eu acordasse.

    $o sei como di8er isso dona 4ercedes comeou a Halar

    depois de um longo silNncio ! mas %ocN J uma mJdium. empre soube

    disso. eus olhos agitados pareciam estar suspensos em uma

    substQncia cristalina ao estudar atentamente meu rosto.

    A Snica ra8o para eles terem deiBado %ocN participar da sesso

    J porue %ocN tem sorte. 4Jdiuns tNm boa sorte.

    Apesar da minha apreenso! comecei a rir.

    $o ria disso repreendeu-me. ,sso J sJrio. $o pEtio! %ocN

    chamou um esp3rito so8inha. & o mais importante dos esp3ritos! o esp3rito

    de um dos meus antepassados! %eio atJ %ocN. &la uase no aparece!

    mas! uando o Ha8 J por algum moti%o importante.

    &la J um HantasmaV I8 esta pergunta estSpida.

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    Claro ue ela J um Hantasma respondeu com Irme8a.

    $Ks entendemos as coisas da maneira como Homos ensinados.

    $o hE des%ios disto. $ossa con%ico J de ue %ocN %iu o mais

    assustador dos esp3ritos e de ue somente um mJdium %i%o pode

    comunicar-se com o esp3rito de um mJdium morto.

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    disse enHaticamente. Coisas como essa somente pertencem ao mundo

    dos mJdiuns e %ocN nunca de%e discutir esse mundo com mais ninguJm.

    &u! com certe8a! poderia ter a%isado ue no ti%esse medo dauele

    esp3rito! mas no acene para ela tolamente.

    &la me audou a sair da cama e Hoi me le%ando para Hora da casa!

    atJ o ponto onde eu ha%ia %isto a mulher. Ao Icar ali! em pJ! obser%ando a

    escurido ue nos cerca%a! me dei conta de ue no tinha a menor idJia

    se eu ha%ia dormido durante algumas horas ou uma noite e um dia

    inteiros.

    Dona 4ercedes parecia adi%inhar minha dS%ida.

    o uatro da manh Halou. 7ocN dormiu cerca de cinco

    horas.

    &la se abaiBou no mesmo local onde a mulher este%e. Agachei-me

    ao seu lado! entre os arbustos de asmins ue pendiam

    das %ene8ianas de madeira como se Hossem uma cortina

    perHumada.

    $unca me ocorreu ue %ocN no soubesse Humar disse e

    comeou a rir auela gargalhada seca e estridente. &la alcanou o bolso

    da saia! apanhou um charuto e acendeu-o. &m um encontro de

    espiritualistas! nKs Humamos charutos enrolados R mo. &spiritualistas

    sabem ue o cheiro do tabaco auda os esp3ritos. Depois de uma

    peuena pausa! ela colocou o charuto aceso em minha boca. Tente

    Humar ordenou.

    Traguei! inalando proHundamente. A grossa Humaa me He8 tossir.

    $o inale disse sem paciNncia. DeiBe-me mostrar como J.

    &la pegou o charuto! tragando-o repetidamente! inspirando e eBpirando

    em um curto espao de tempo. 7ocN no uer ue a Humaa %E para

    seus pulmLes mas sim para sua cabea

    eBplicou. &ssa J a maneira como os mJdiuns chamam os

    esp3ritos. A partir de agora! %ocN estarE chamando os esp3ritos deste local.

    & no Hale sobre isso atJ %ocN ser capa8 de condu8ir so8inha uma sesso

    esp3rita.

    4as eu no uero chamar os esp3ritos protestei sorrindo.

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    Tudo o ue uero J ter um lugar em um desses encontros e assistir.

    &la retrucou com uma assustadora determinao:

    7ocN J uma mJdium e mJdiuns no %o a uma sesso para

    assistir.

    Uual a ra8o da sessoV perguntei! mudando o assunto.

    Fa8er perguntas aos esp3ritos respondeu prontamente.

    Alguns esp3ritos do grandes conselhos. Outros so maus. &

    acrescentou com um toue de mal3cia: Uual esp3rito irE aparecerV

    Depende do estado de ser do mJdium.

    Os mJdiuns esto R mercN dos esp3ritosV perguntei. Olhando

    para mim! ela Icou em silNncio durante um longo

    tempo sem deiBar transparecer ualuer sentimento em seu rosto.

    &nto! em um tom de %o8 pro%ocador disse:

    $o! se eles Horem Hortes. Continuou a me encarar

    Huriosamente e! logo depois! Hechou seus olhos. Uuando ela os abriu de

    no%o! eles esta%am sem ualuer eBpresso.

    Aude-me a ir para meu uarto murmurou. egurando na

    minha cabea! ela se endireitou. ua mo desceu atJ meu ombro e depois

    atJ meu brao. Os dedos rios en%ol%iam meu pulso como ra38es

    carboni8adas.

    ilenciosamente! nos arrastamos pelo corredor escuro! no ual

    bancos de madeira e cadeiras cobertas com couro de cabra erguiam-se

    inPeB3%eis contra a parede. &la caminhou para dentro do uarto. Antes de

    Hechar a porta! me disse mais uma %e8 ue mJdiuns no Halam sobre seu

    mundo.

    abia! desde o instante em ue a %i na praa! ue %ocN era uma

    mJdium e ue %iria me %er aIrmou. m sorriso! cuo signiIcado no

    entendi! cru8ou seu rosto. 7ocN te%e ue %ir para me tra8er alguma

    coisa do meu passado.

    O uNV

    &u no me conheo por completo. 4emKrias! tal%e8 disse

    %agamente. Ou tal%e8 estea tra8endo a minha %elha sorte de %olta.

    &la acariciou minha Hace com o dorso da mo e sua%emente Hoi Hechando a

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    porta.

    Cap3tulo Cap3tulo

    &mbalada por uma brisa sua%e e pela risada de uma criana ue

    brinca%a na rua! cochilei durante toda a tarde em uma rede pendurada

    entre dois pJs de Hruta-do-conde. TambJm me distra3a com o odor do

    sabo em pK misturado ao Horte odor de creolina com o ual CandelEria

    la%a%a o cho duas %e8es por dia! no importando o uanto esti%esse suo.

    &sperei atJ uase seis horas. &nto! uando 4ercedes

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    balana%a precariamente preso ao teto de bambu. &sta%a cin8ento de

    poeira e as aranhas conHeccionaram suas teias em %olta dos prismas. m

    calendErio! daueles ue se arranca uma pEgina a cada dia! cobria a parte

    de trEs da porta.

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    desamparo ! suponho ue estE tudo bem.

    Com um rEpido mo%imento de cabea! 4ercedes

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    &stou doenteV perguntou sua%emente! olhando para dona

    4ercedes.

    O seu esp3rito J ue estE resmungou. eu esp3rito estE em

    um grande turbilho. &la colocou a bSssola de %olta no armErio de %idro

    e! ento! postou-se por trEs do %elho homem! repousou suas mos na

    cabea dele.

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    sentado em cima do meu peito! e! uando abro meus olhos! %eo as

    pupilas amarelas de um cachorro. &las se abrem cada %e8 mais e mais! atJ

    ue me engolem... ua %o8 sumiu. ArHando! ele olhou por toda a sala.

  • 7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau

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    Cap3tulo ^Cap3tulo ^

    Certa de ue eu ha%ia dormido demais no%amente! %esti-me rEpido

    e corri corredor abaiBo. Ciente de ue as dobradias iriam ranger! abria

    porta do uarto de 4ercedes

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    poder de curar e de preudicar. &la tirou as mos do meu colo e comeou a

    balanE-las no ar! como se uisesse apagar as pala%ras ue acabara de

    di8er. Comeou a olhar em %olta da sala e! ento! deliberadamente

    mo%imentou suas pernas magras e descarnadas para Hora da rede e enIou

    os pJs num %elho sapato rasgado! ue deiBa%a o dedo do pJ para Hora.

    eus olhos pisca%am alegremente! ao endireitar a blusa e a saia preta com

    ue ha%ia dormido.

    egurando no meu brao! le%ou-me para Hora.

    DeiBe-me mostrar-lhe uma coisa antes de sairmos para dar uma

    %olta Halou! dirigindo-se para a sala de trabalho. &la Hoi direto ao altar

    macio! todo Heito de cera derretida. Comeou com uma simples %ela

    disse por minha tatara%K! ue tambJm era uma curandeira.

    ua%emente! ela correu suas mos pela lustrosa! uase transparente

    superH3cie.

  • 7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau

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    nSmero de curandeiros e pacientes ue %ocN entre%iste! %ocN nunca

    aprenderE desta maneira. m curandeiro de %erdade precisa primeiro ser

    um mJdium e um espiritualista! e! depois! um Heiticeiro. m sorriso

    mara%ilhado iluminou seu rosto. $o Iue chateada se um dia desses

    eu ueimar o seu bloco de anotaLes Halou casualmente. 7ocN estE

    perdendo seu tempo com essa coisa sem sentido.

    Comecei a Icar seriamente preocupada. $o gostei da perspecti%a

    de %er meu trabalho %irar cin8a.

    7ocN sabe o ue realmente importaV perguntou e em seguida

    respondeu sua prKpria pergunta. As coisas ue esto por trEs dos

    aspectos superIciais da cura. Coisas ue no podem ser eBplicadas mas

    podem ser eBperimentadas. &Bistiram muitas pessoas ue estudaram os

    curandeiros. &les acredita%am ue apenas olhando e Ha8endo perguntas

    conseguiriam entender o ue mJdiuns! Heiticeiras e curandeiros Ha8em.

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    XistKrias sobre HJ. XistKrias sobre sorte. XistKrias sobre amor. &la

    encostou sua cabea perto da minha e! num suspiro sua%e! completou:

    XistKrias sobre Hora e histKrias sobre Hraue8a. &sse serE meu presente

    para %ocN se manter calma. &la pegou meu brao e me le%ou para Hora.

    7amos dar o nosso passeio.

    $ossos passos ecoa%am solitErios na rua deserta! margeada por

    altas caladas de concreto. 4urmurando baiBinho! ob%iamente

    preocupada em no acordar as pessoas ue dormiam pelas casas por

    onde nKs passE%amos! 4ercedes

  • 7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau

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    lados.

    &la parou de Halar por um instante para tomar HMlego e! depois!

    apontou para os barracos ue cobriam os morros ue en%ol%iam a cidade.

    & estes posseiros Hormaram uma no%a cidade completou. &la

    se le%antou e caminhou atJ o Inal da rua principal! onde

    os morros comea%am. arracos constru3dos com Holhas de metal

    enrugado! grades e pedaos de papelo pendiam dos degraus da ladeira.

    Os proprietErios dos barracos prKBimos Rs ruas da cidade Ha8iam ligaLes

    clandestinas nos postes de lu8. O isolamento dos Ios era Heito

    grosseiramente com Itas coloridas. $Ks %iramos em uma rua lateral!

    depois em uma %iela e! Inalmente! seguimos um estreito caminho ue

    desemboca%a no Snico morro da regio ue ainda no ha%ia sido ocupado

    pelos posseiros.

    O ar! ainda Smido do or%alho da madrugada! cheira%a a alecrim

    sil%estre. &scalamos atJ uase o topo! onde crescia uma Er%ore solitEria.

    entamo-nos no cho Smido! coberto de peuenas margaridas amarelas.

    7ocN consegue ou%ir o barulho do marV 4ercedes

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    entregando bisnagas Hrescas ou se era a pol3cia recolhendo os Sltimos

    bNbados da madrugada.

    Descubra uem J recomendou.

    Desci alguns metros e a%istei um senhor deiBando um ipe %erde

    estacionado ao pJ do morro. O casaco dele pendia sobre os ombros e ele

    usa%a um chapJu de palha.

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    homem mais uma %e8. eus olhos pareciam ter absor%ido o esplendor do

    sol! pois eles brilha%am como se esti%essem pintados com Hogo.

    Octa%io CantS estE indo atJ minha casa para seu tratamento

    periKdico ela Halou. Tal%e8! aos poucos! ele possa contar uma histKria

    para %ocN. ma histKria sobre como a oportunidade unta a %ida das

    pessoas e como algo ue sK as Heiticeiras conhecem pode prendN-las em

    um sK Hardo.

    Octa%io CantS balanou a cabea concordando. ma tentati%a de

    sorriso partiu de seus lEbios. A barba rala em seu ueiBo era branca como

    os cabelos ue sobra%am para Hora do chapJu de palha.

    Octa%io CantS E Hora oito %e8es atJ a casa de dona 4ercedes.

    Aparentemente! ela o %em tratando de tempos em tempos desde ue ele

    era o%em. AlJm de ser %elho e Hraco! ele era um alcoKlatra. &ntretanto!

    dona 4ercedes enHati8ou ue todas as doenas dele eram pro%enientes do

    esp3rito. &le precisa%a de encantamentos e no de medicina.

    $o in3cio! ele diIcilmente Hala%a comigo! mas ento! tal%e8 por

    sentir mais conIana em mim! comeou a Halar. Ficamos con%ersando

    sobre a %ida dele durante horas. $o comeo de cada uma de nossas

    sessLes! ele! in%aria%elmente! parecia ue iria sucumbir ao desespero!

    solido e culpa. ,nsistia em saber por ue eu esta%a interessada na sua

    %ida. 4as ele sempre se controla%a e recupera%a a conIana. $o restante

    do encontro! ue podia ser de uma hora ou uma tarde inteira! Hala%a sobre

    si mesmo como se ele Hosse uma outra pessoa.

    Octa%io puBou um pedao do papelo liso para o lado! dando lugar

    a um buraco ue ser%ia como porta do barraco. $o ha%ia lu8 lE dentro e a

    Humaa pungente do Hogo minguado da lareira de pedra He8 com ue os

    olhos dele lacrimeassem. Apertou-os e Hoi tateando o caminho pela

    escurido. Tropeou em algumas latas e bateu com a canela em um

    engradado de madeira.

    4aldito lugar Hedorento Bingou ao sentir o cheiro. entou-se

    por um momento no cho suo de papJis e esticou as pernas. $o canto

    mais distante do miserE%el barraco! ele %iu um homem %elho cochilando

    em um pu3do banco traseiro! retirado de um carro. Apesar dos caiBotes!

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    cordas! Harrapos e latas espalhados pelo cho! ele Hoi andando

    %agarosamente! des%iando-se dos entulhos! atJ o lugar onde o homem

    esta%a deitado.

    Octa%io acendeu um HKsHoro. ob a lu8 Hraca! o %elho parecia morto.

    Os mo%imentos de seu peito eram to le%es ue ele parecia no estar

    respirando. As bochechas eram grandes e se destaca%am no rosto magro

    e negro. A cala cEui! sua e rasgada! esta%a enrolada na altura da

    panturrilha. A blusa de manga comprida! tambJm cEui! esta%a abotoada

    atJ bem perto de seu pescoo enrugado.

    7ictor #ulioY Octa%io gritou! sacudindo-o %igorosamente.

    Acorde! meu %elhoY

    &le se meBeu! abrindo! por um momento! os olhos cercados de

    rugas. O branco descolorado de seus olhos Hoi a Snica coisa ue deu para

    %er antes ue ele os Hechasse no%amente.

    AcordeY Octa%io berrou eBasperado. &le tateou por um chapJu

    de palha ue esta%a ogado no cho perto dele e enIou com Hora na

    cabea do homem de cabelos brancos e desleiBados.

    Uuem %ocN pensa ue JV grunhiu. O ue uerV

    ou Octa%io CantS. Fui designado pelo preHeito para ser seu

    audante ele eBplicou com um certo ar de importQncia.

    AudanteV Halou sem con%ico enuanto se senta%a. $o

    preciso de auda.

    &le calou os %elhos sapatos sem cadaro e andou pela sala escura

    atJ encontrar uma lanterna a gasolina. Acendeu-a. &sHregou os olhos e!

    piscando %Erias %e8es! estudou atentamente o o%em.

    Octa%io CantS tinha uma altura mediana e mSsculos Hortes!

    deiBados R mostra pela aueta a8ul-escura sem botLes. A cala! ue

    parecia ser grande demais para ele! cobria parte das suas botinas no%as e

    engraBadas. 7ictor #ulio deu um risinho! imaginando se Octa%io CantS as

    roubara.

    &nto %ocN J o no%o homemV disse rispidamente! tentando

    determinar a cor dos olhos de Octa%io! escondidos por um bonJ %ermelho

    de beisebol. &ram olhos astutos! da cor da terra molhada. 7ictor #ulio %iu

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    ue ha%ia alguma coisa decididamente suspeita a respeito dauele o%em.

    $unca %i %ocN por aui disse. De onde %ocN %emV

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    &ra o%em como %ocN uando Hui indicado por outro preHeito para

    ser o assistente de um idoso 7ictor #ulio recordou.

    &sta%a decidido e impaciente para comear a trabalhar. Olhe

    para mim agora. O rum E no ueima mais minha garganta.

    Agachando-se no cho! 7ictor #ulio procurou por sua bengala. &la

    pertencia Ruele %elho homem. &le me deu antes de morrer.

    Ze%antou a bengala escura e muito polida para Octa%io. &la Hoi

    Heita com madeira de lei da Poresta ama8Mnica. $unca uebrarE.

    Octa%io olhou de relance para a bengala e perguntou

    impacientemente:

    As coisas de ue nKs precisamos E esto auiV Ou ainda

    teremos ue apanhE-lasV

    #ulio deu um sorriso Horado.

    A carne estE sendo macerada desde ontem. #E de%e estar pronta.

    &stE Hora do barraco num tonel de ao.

    7ocN %ai me mostrar como apurar a carneV Octa%io perguntou.

    7ictor #ulio riu. &le perdera todos os dentes da parte da Hrente de

    sua boca. Os dois molares amarelados ue lhe resta%am pareciam dois

    pilares em sua boca ca%ernosa.

    $o hE nada para mostrar Halou entre dois risinhos.

    Apenas %ou atJ o HarmacNutico todas as %e8es ue uero

    preparar a carne. &le J o Snico ue a amassa atJ ue ela Iue tenra. $a

    %erdade! eBplicou! para ue Iue mais com um marinado.

    Deu um grande sorriso. empre apanho a carne no

    matadouro! uma cortesia do preHeito. Tomou outro gole da bebida. O

    rum me auda a me preparar. Coou o ueiBo seco.

    Os cachorros %o me pegar um dia desses murmurou!

    oHerecendo a garraHa pela metade a Octa%io. W melhor %ocN ter uma

    tambJm.

    $o! obrigado. Octa%io recusou polidamente. $o bebo com

    o estMmago %a8io.

    7ictor #ulio abriu a boca! pronto para Halar alguma coisa. &m %e8

    disso! apanhou sua bengala e o saco de estopa e indicou a Octa%io ue o

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    acompanhasse para Hora do barraco. ,ntrospecti%o! ele parou por um

    momento e Icou olhando para o cJu! ue no esta%a nem escuro nem

    claro! mas tra8ia um estranho e opressi%o tom cin8ento. &le ou%iu o latido

    de um cachorro longe dali.

    Ali estE a carne disse apontando com o ueiBo o tonel de ao!

    em cima de um toco de Er%ore. &le entregou a Octa%io um rolo de corda.

    erE mais HEcil carregar o tonel se %ocN amarrE-lo nas costas.

    &Bperiente! Octa%io en%ol%eu o tonel de ao com as cordas!

    colocou-o nas costas! cru8ou as cordas pelo peito e! por Im! amarrou-as

    seguramente abaiBo do umbigo.

    ,sto J tudo de ue precisamosV perguntou! e%itando o olhar

    IBo do %elho homem.

    Tenho algumas cordas sobressalentes e uma lata de uerosene

    no meu saco 7ictor eBplicou e tomou outro gole de rum.

    Distraidamente! colocou a garraHa no bolso.

    m atrEs do outro! eles seguiram os sulcos secos ue di%idiam os

    canteiros de cana-de-aScar. Tudo esta%a uieto! com eBceo do

    sussurrar dos grilos e da le%e brisa ue atra%essa%a as Holhas da cana.

    7ictor #ulio tinha problemas para respirar. eu peito do3a. &le se sentia to

    cansado ue ueria parar para descansar no cho duro. 7oltou-se e Itou

    seu barraco a distQncia. m pressentimento atra%essou sua mente! o Im

    esta%a prKBimo. &lea sabia hE tempos ue esta%a muito %elho e Hraco

    para suportar todo trabalho ue de%eria Ha8er. &ra uma uesto de tempo

    para ue arrumassem um no%o homem.

    7enha! #ulio Octa%io chamou impacientemente. &stE Icando

    tarde.

    A cidade continua%a dormindo. Apenas poucas mulheres! a

    caminho da igrea! esta%am acordadas. Com suas cabeas cobertas por

    %Jus negros! elas passaram correndo pelos dois homens e no

    responderam a seus cumprimentos. $as estreitas caladas de concreto!

    ces de rua esuelJticos e aparentemente doentes se estica%am em

    Hrente das portas Hechadas! apro%eitando a proteo das casas silenciosas.

    ob o comando de 7ictor #ulio! Octa%io arriou o tonel de ao no

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    cho e abriu a tampa apertada. tili8ando um longo alicate de madeira

    ue ha%ia tra8ido no saco de estopa! o %elho homem retirou pedaos de

    carne do tonel. &! como em todo o caminho ue percorreram para chegar

    atJ a cidade! alimentou todos os cachorros ue passaram por eles.

    Furiosamente! sacudindo o rabo! eles de%ora%am a carne Hatal.

    Os ces %o te comer no inHerno um homem gordo gritou

    antes de sumir por entre as largas portas de madeira da %elha igrea

    colonial! no outro lado da praa.

    $enhum caso de rai%a este ano 7ictor #ulio berrou de %olta!

    limpando o nari8 na manga da camisa. Acredito ue eles esto bem

    alimentados para o alJm.

    Contei de8essete Octa%io lamentou-se! coando as costas

    machucadas. Temos um monte de cachorros mortos para apanhar.

    O maior deles nKs no %amos ter ue carregar 7ictor #ulio

    Halou! com um estranho sorriso em seu rosto. &Biste um cachorro ue

    no de%e morrer na rua.

    O ue uer di8erV perguntou! %irando a aba do bonJ de

    beisebol para a parte de trEs da cabea. m olhar de dS%ida estampou-se

    em seu rosto.

    Os olhos de 7ictor #ulio eram estreitos e! nauele momento! suas

    pupilas brilharam com um lampeo demon3aco. O corpo magro e %elho

    tremeu antecipadamente.

    &stou eBcitado. Agora! nKs %amos matar o pastor alemo do

    mercador libanNs.

    7ocN no pode Ha8er isso Octa%io protestou. &le no J um

    co de rua. $o estE doente. &stE bem alimentado. O preHeito Halou

    apenas ces de rua doentes.

    7ictor #ulio pragueou em %o8 alta e! ento! olhou para seu audante

    com uma eBpresso cruel. &le esta%a certo de ue auela era a Sltima %e8

    ue teria acesso ao %eneno. e no Hosse Octa%io! outra pessoa estaria

    encarregada de cuidar dos ces atJ o Inal do prKBimo per3odo de seca. &le

    podia compreender ue o o%em homem no ueria causar nenhum

    transtorno para a cidade! mas era algo ue ele no podia entender. &le

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    ueria matar auele cachorro desde ue ele o ha%ia mordido. &ssa era sua

    Sltima chance.

    &sse cachorro J treinado para atacar 7ictor #ulio disse.

    Todas as %e8es ue ele se perde! morde alguJm. &le me atacou alguns

    meses atrEs.

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    7amos sair rEpido daui Octa%io assobiou! amarrando o tonel

    nas costas.

    $o tem problema 7ictor #ulio gargalhou. ma sensao de

    orgulho in%adia seu corpo enuanto procura%a alguma coisa para subir.

    7amos Octa%io insistiu. $Ks %amos ser pegos.

    $o %amos 7ictor #ulio assegurou-o com calma! subindo em

    um caiBote de madeira bambo ue ele! apropriadamente! encostou no

    muro. Ficou nas pontas dos pJs e procurou pelo cachorro enrai%ecido.

    Zatindo Huriosamente! o animal baba%a gosma e sangue numa tentati%a

    de arrancar o ue esti%esse preso em sua garganta. uas pernas Icaram

    r3gidas. &le caiu. &spasmos %iolentos sacudiram seu corpo. 7ictor #ulio

    %ibrou.

    &le J duro de morrer murmurou! descendo do caiBote. &le no

    sentia nenhuma emoo por ter matado o pastor alemo do libanNs.

    Durante todos os anos em ue en%enenou cachorros! ele sempre e%itara

    olhar suas mortes. #amais gostou de matar os %ira-latas sem dono da

    cidade! mas esse Hoi o Snico trabalho ue arranou.

    m medo %ago atra%essou o corao de #ulio. &le olhou para a rua

    %a8ia. &ntortou o polegar para trEs e colocou sua bengala entre ele e o

    punho. 4antendo o brao estendido! comeou a mo%er a %ara de um lado

    para o outro to rEpido ue parecia ue a bengala esta%a suspensa no

    meio do ar.

    Uue tipo de brincadeira J essaV Octa%io perguntou!

    obser%ando-o encantado.

    $o J uma brincadeira. W uma arte. ,sto J o ue eu Hao melhor

    7ictor eBplicou tristemente. De manh e R tarde! eu entretenho as

    crianas na praa com minha bengala danarina. Algumas delas so

    minhas amigas. &ntregou a %ara para Octa%io. Tente. 7ea se %ocN

    consegue Ha8er.

    7ictor #ulio riu das tentati%as desaeitadas de Octa%io em segurar a

    bengala corretamente.

    o anos de prEtica o %elho homem Halou. 7ocN tem ue

    Horar seu polegar para trEs! atJ ue ele toue no punho. & tem ue mo%er

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    o brao mais rEpido de Horma ue a bengala no tenha tempo de cair no

    cho.

    Octa%io de%ol%eu-lhe a bengala.

    W melhor ue apanhemos aueles cachorrosY eBclamou!

    surpreendido pela lu8 da manh e pelos raios %ermelhos ue apareciam no

    hori8onte.

    7ictor #ulio! espere por mim uma criana berrou atrEs deles.

    Descala! com o cabelo preto preso sem eito no alto da cabea! uma

    garotinha de seis anos alcanou os dois homens. 7ea o ue minha tia

    trouBe para brincar comigo disse! mostrando um Ilhote de pastor

    alemo para o %elho homem. Dei o nome de orboleta. &la parece uma!

    no pareceV

    7ictor #ulio sentou-se no meio-Io. A garotinha sentou-se ao seu

    lado! colocando o bonito e gorducho Ilhote no colo dele. Distraidamente!

    ele correu seus dedos por todo o pNlo negro com manchas amarelas.

    4ostre a ela como %ocN Ha8 a dana das bengalas a menina

    pediu.

    7ictor #ulio colocou o cachorro no cho e tirou a garraHa de rum de

    dentro do bolso. &m um sK gole! bebeu todo o l3uido ue resta%a e depois

    ogou a garraHa %a8ia para dentro do saco de estopa. Xa%ia uma eBpresso

    desolada em seus olhos uando ele Itou o rosto alegre da menina. Zogo

    ela cresceria! pensou. &la no se sentaria mais ao seu lado! embaiBo das

    Er%ores da praa e no o audaria mais a encher latas %a8ias com Holhas!

    imaginando ue elas se transHormariam em ouro durante a noite. &le Icou

    imaginando! tambJm! se ela passaria a berrar e encarnar nele como

    Ha8iam as crianas mais %elhas. &le cerrou os olhos.

    7amos %er se a bengala uer danar murmurou. Coando os

    oelhos! ue rangiam! le%antou-se.

    Tanto Octa%io uanto a garotinha Icaram olhando pasmos para a

    %ara.

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    Octa%io colocou o tonel no cho e sentou-se para admirar a

    habilidade do %elho. 7ictor #ulio parou de cantar no meio de uma Hrase.

    ua bengala caiu no cho. Com um olhar de surpresa e horror! %iu o Ilhote

    lamber o suco da carne en%enenada ue escorria do tonel.

    A garotinha apanhou a bengala! aHagando a ponta Inamente

    talhada! e de%ol%eu-a para 7ictor #ulio.

    $unca tinha %isto %ocN deiBE-la cair lamentou consolando-o.

    A %ara estE cansadaV

    7ictor #ulio repousou suas mos trNmulas na cabea dela! puBando

    seu rabo-de-ca%alo gentilmente.

    7ou le%ar orboleta para passear ele disse. 7olte para

    cama! antes ue sua me a encontre aui Hora. 7eo %ocN mais tarde na

    praa. 7amos catar Holhas untos. &le segurou o gordo Ilhote em seus

    braos e acenou para ue Octa%io o acompanhasse rua acima.

    Os cachorros de rua no esta%am mais deitados na Hrente das

    portas Hechadas e sim estendidos! rios! com as pernas esticadas! nas ruas

    empoeiradas. /s olhos opacos encara%am o %a8io. m a um! eles eram

    amarrados por Octa%io com as cordas ue 7ictor #ulio trouBera no saco.

    orboleta! enuanto seu corpo se agita%a con%ulsi%amente!

    %omitou sangue em cima da cala do %elho. &le balana%a a cabea em

    desespero.

    O ue %ou di8er para auela crianaV murmurou! colocando

    rapidamente o Ilhote en%enenado com os outros.

    Fi8eram duas %iagens e arrastaram os cachorros mortos para Hora

    dos limites da cidade! passando pela casa do libanNs! passando pelos

    campos %a8ios! atJ descerem um barranco completamente seco. 7ictor

    #ulio os cobriu com uma camada de gra%etos secos! depois encharcou a

    pilha com a lata de uerosene ue ha%ia tra8ido com ele e tascou Hogo. Os

    cachorros ueimaram lentamente! impregnando o ar com o cheiro de

    carne e pNlo ueimados.

    Com a garganta ardendo com a Humaa e a poeira! eles subiram o

    barranco arHando. $o andaram muito atJ se ogarem sob a sombra de

    uma acEcia toda Porida de %ermelho.

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    7ictor #ulio se esticou no cho duro! ainda Hrio da noite. uas mos

    tremiam ao colocar! Irmemente! a bengala contra o estMmago. Fechou os

    olhos e tentou normali8ar sua respirao! torcendo para ue isso

    diminu3sse a dor ue comprimia seu peito. Desea%a dormir para se perder

    nos sonhos.

    Tenho ue ir andando Octa%io Halou um pouco depois. Tenho

    outros trabalhos para Ha8er.

    Fiue comigo o %elho implorou. Tenho ue contar R menina

    sobre o cachorro. &le se sentou e Itou-o uase implorando. 7ocN pode

    me audar. Zogo as crianas %o ter medo de mim. &la J uma das poucas

    ue so aHE%eis.

    O tom irreal de inHelicidade na %o8 dele assustou Octa%io. &le se

    encostou no tronco da Er%ore e Hechou os olhos. $o seria obrigado a %er o

    medo e a perda rePetidos no rosto do %elho homem.

    7enha comigo atJ a praa. DeiBe todos saberem ue %ocN J o

    no%o homem 7ictor #ulio pediu.

    $o uero Icar nesta cidade Octa%io disse asperamente.

    $o gosto desta histKria de matar cachorros.

    $o J uma uesto de gostar ou no comentou. 0 uma

    uesto de HJ. &le sorriu ansiosamente e deiBou seu olhar %agar na

    direo da cidade. Uuem sabe %ocN no tenha ue Icar aui para

    sempre murmurou! Hechando os olhos no%amente.

    O silNncio Hoi uebrado pelo som de %o8es rai%osas. Da parte de

    baiBo da rua! %inha um grupo de rapa8es liderados pelo Ilho mais %elho do

    libanNs. &les pararam a alguns passos dos dois homens.

    7ocN matou meu cachorro o menino libanNs gritou e! ento!

    chutou o cho a poucos cent3metros do pJ de 7ictor #ulio.

    Apoiando-se na bengala! o %elho homem le%antou-se.

    O ue Ha8 %ocN pensar ue Hui euV perguntou! tentando

    ganhar algum tempo. uas mos tremiam incontrola%elmente enuanto

    ele procura%a pela garraHa de rum em seu saco. Fitou o Hrasco %a8io! sem

    entender. $o se lembra%a de ter bebido a Sltima dose.

    7ocN matou o cachorro os garotos repetiam em coro. 7ocN

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    matou o cachorro. Amaldioando-o e batendo nele! eles tenta%am

    agarrar a bengala e o saco de estopa.

    7ictor #ulio correu para trEs. randindo sua bengala! balanou

    cegamente a %ara contra os sarcEsticos garotos.

    DeiBem-me so8inhoY gritou por seus lEbios trNmulos.

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    Octa%io correu ladeira abaiBo e se aoelhou ao lado do corpo inerte

    de 7ictor #ulio. alanou-o %igorosamente. O %elho abriu os olhos. ua

    respirao %inha em espasmos. ua %o8 era um le%e murmSrio.

    abia ue o Im esta%a prKBimo! mas pensei ue Hosse apenas o

    do meu trabalho. $unca pensei ue seria dessa maneira. uas pupilas

    tremula%am com uma estranha lu8 ao Itar os olhos do audante. De

    repente! a lu8 se es%aiu.

    Octa%io balanou-o Hreneticamente.

    4eu DeusY &le estE morto murmurou para si mesmo! e ento

    He8 o sinal-da-cru8. &le ergueu seu rosto suado na direo do cJu. ma lua

    pElida podia ser %islumbrada! apesar do brilho E oHuscante do sol. &le

    ueria re8ar mas no conseguia lembrar-se de uma simples orao. ma

    Snica imagem atra%essa%a sua mente: uma multido de cachorros

    caando o %elho homem pelos campos.

    Octa%io sentiu ue suas mos comearam a Icar geladas e o corpo

    tremer.

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    Cap3tulo ?Cap3tulo ?

    Octa%io CantS ti%era a Sltima sesso da temporada. Colocou o

    chapJu e le%antou-se da cadeira.

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    4ercedes

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    Musias so estranhas. Zembro-me dauela Inlandesa ue costuma%a

    beber um copo de urina depois do antar para no engordar. & a mulher

    ue %eio da $oruega para pescar no mar do Caribe. AtJ onde saiba! ela

    nunca conseguiu pegar nada.

    4as os donos de embarcaLes briga%am entre si para %er uem iria

    le%E-la para pescar.

    "indo ruidosamente! as duas mulheres se sentaram no cho.

    ma pessoa nunca sabe o ue se passa na cabea de uma

    musia CandelEria continuou. &las so capa8es de ualuer coisa.

    &la ria em espasmos! cada um mais alto ue o anterior. &! ento! %oltou a

    polir seus potes.

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    $o! a sombra J algo ue todos os seres humanos possuem!

    algo mais Horte do ue a alma ela respondeu parecendo estar

    aborrecida.

    W isso a3! musia disse dona 4ercedes. Octa%io CantS

    permaneceu preso durante muito tempo... um ponto onde a HJ une %idas.

    &le no te%e Hora suIciente para Hugir disso. &! como CandelEria E disse!

    a sombra de 7ictor #ulio o minou. Todos nKs temos uma sombra! uma Hraca

    ou uma Horte.

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    !arte Dois!arte Dois

    Cap3tulo )Cap3tulo )

    &sta%a antecipando os sons ue usualmente ecoa%am pela casa

    toda manh de uinta-Heira! uando CandelEria rearruma os pesados

    mK%eis da sala de estar. ,maginando se conseguiria dormir de %erdade sob

    auele tumulto! andei atJ a sala.

    FeiBes de lu8 passa%am pelos buracos nos toldos de madeira ue

    cobriam as duas anelas %oltadas para a rua. A mesa de antar com seis

    cadeiras! o soHE escuro! os armErios abarrotados! a mesa de %idro para o

    caHJ! e desenhos emoldurados de paisagens campestres e de cenas de

    touradas na parede! esta%am eBatamente como CandelEria arrumara na

    Sltima uinta-Heira.

    Andei atJ o ardim! onde encontrei CandelEria meio escondida atrEs

    de um arbusto de hibiscos. eu cabelo Hrisado! tingido de %ermelho! ha%ia

    sido penteado para trEs e esta%a preso por dois prendedores enHeitados

    com pedrinhas. Argolas douradas e brilhantes enHeita%am suas orelhas.

    eus lEbios e unhas %ermelho-cintilantes combina%am com as cores de

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    seu %estido de algodo tingido. eus olhos longos sob pElpebras ue

    nunca se abrem totalmente! tra3am uma eBpresso sonhadora.

    O ue a He8 acordar to cedo! musia CandelEria perguntou.

    Ze%antando-se! ela alisou a longa saia e o apertado corpete de seu %estido

    ue re%ela%a um pedao generoso do seio.

    $o ou%i %ocN meBer os mK%eis esta manh Halei. 7ocN %ai

    sairV

    em responder! ela correu para a co8inha! suas sandElias HrouBas

    escorrega%am do calcanhar enuanto ela corria.

    &stou cheia de coisas para Ha8er hoe declarou! parando por

    um momento para aeitar o pJ de %olta na sandElia.

    &stou certa de ue %ocN %ai conseguir Halei. 7ou audE-la.

    Colouei Hogo na lenha do Hogo e me sentei R mesa com o ogo de chE

    chinNs totalmente descasado. Ainda so ?:5. 7ocN estE atrasada

    apenas meia hora.

    Ao contrErio de dona 4ercedes! ue era totalmente indiHerente a

    horErios! CandelEria di%idia seu dia em tareHas! cada uma delas com

    horErios determinados. &mbora ninguJm se sentasse R mesa para comer

    na mesma hora! ela IBa%a o horErio do caHJ eBatamente Rs sete da

    manh. _s oito! ela E esta%a %arrendo o cho e tirando o pK dos mK%eis.

    &la era alta o bastante para limpar as teias de aranha ue se Horma%am

    nas uinas e o pK das prateleiras. &! Rs '' horas! a sopa diEria E esta%a

    sendo esuentada no Hogo.

    Assim ue tudo esti%esse conclu3do! ela se encarrega%a de suas

    Pores. "egador na mo! primeiro caminha%a para cima e para baiBo do

    pEtio! depois no ardim! molhando as plantas com amor. _s duas horas!

    pontualmente! la%a%a roupas! mesmo ue ti%esse apenas uma toalha para

    la%ar. Depois ue as roupas esti%essem passadas! ela lia Hotono%elas. $o

    Inal da tarde! recorta%a Hotos de re%istas! colocando-as em um Elbum de

    HotograIas.

    O padrinho de &lio este%e aui ontem R noite ela sussurrou.

    Dona 4ercedes e eu Icamos con%ersando com ele atJ o sol nascer. &la

    apanhou o milho socado e co8ido na tarde anterior e comeou a bater a

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    massa para preparar o bolo de milho ue comer3amos no caHJ da manh.

    &le de%e ter mais de oitenta anos. & ainda no conseguiu se recuperar

    da morte de &lio. Zucas $une8 acusou-o da morte do garoto.

    Uuem J &lioV perguntei.

    O Ilho de dona 4ercedes CandelEria murmurou! di%idindo a

    massa em peuenas rodelas. &le tinha apenas ') anos uando morreu

    tragicamente. ,sto Hoi hE muito tempo. &la arrumou uma mecha de

    cabelo para trEs da orelha e completou: W melhor no di8er a ela ue eu

    contei ue ela te%e um Ilho.

    Colocou os bolos de milho em uma grelha para serem assados no

    Horno e ento me Itou! com um grande sorriso maldoso em seus lEbios.

    7ocN no acredita em mim! acreditaV perguntou! mas impediu

    ue eu respondesse le%antando uma das mos. Tenho ue me

    concentrar no caHJ. 7ocN sabe como dona 4ercedes Ica Huriosa se ele no

    estE Horte ou suIcientemente doce.

    Considera%a CandelEria suspeita. &la tinha o hEbito de contar

    histKrias inacreditE%eis sobre a curandeira! como uma %e8 em ue disse

    ue dona 4ercedes ha%ia sido capturada por um grupo de na8istas

    durante a egunda Guerra 4undial e trancaIada em um submarino.

    &la J uma mentirosa dona 4ercedes uma %e8 me

    conIdenciou. & mesmo uando Hala a %erdade! eBagera de tal modo

    ue a torna uase uma mentira.

    CandelEria! sem pro%a%elmente saber de minhas suspeitas! limpou

    o rosto com o a%ental ue ha%ia amarrado em %olta do pescoo. &nto!

    com um mo%imento rEpido e abrupto! ela se %irou e correu para Hora da

    co8inha.

    7igie os bolos gritou do corredor. &stou cheia de coisas para

    Ha8er hoe.

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    apertando os olhos para se adaptar R luminosidade. "ecostou-se na soleira

    da porta por um instante antes de se a%enturar pelo corredor.

    Corri atJ seu lado! peguei no seu brao e le%ei-a atJ a co8inha.

    eus olhos esta%am %ermelhos. ua boca esta%a cerrada e ela tinha uma

    aparNncia triste. Fiuei pensando se ela! tambJm! tinha passado a noite

    acordada. Xa%ia sempre a possibilidade de CandelEria estar di8endo a

    %erdade.

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    de Hrente para eles! nunca uando esto atrEs.

    ,maginei se CandelEria esta%a com medo de ue eu mencionasse

    &lio! pois ela parou atrEs de dona 4ercedes! gesticulando discretamente

    para ue eu permanecesse em silNncio.

    Dona 4ercedes parecia determinada a ler nossos pensamentos

    primeiro olhou para mim! depois para CandelEria! com um olhar IBo e

    %a8io. uspirando! segurou sua caneca e bebeu o resto do caHJ.

    &lio tinha poucos dias uando sua me! minha irm! morreu

    Halou olhando para mim. &le era minha alegria. Ama%a-o como se ele

    Hosse meu prKprio Ilho. orriu ligeiramente e! depois de uma peuena

    pausa! continuou a Halar sobre &lio. Disse ue ninguJm o consideraria

    bonito. &le tinha uma boca grande e sensual! um nari8 reto com narinas

    largas e o cabelo era sel%agem e encaracolado. 4as o ue Ha8ia &lio

    irresist3%el para os o%ens e %elhos eram seus grandes! negros e lustrosos

    olhos! ue brilha%am com alegria e bem-estar.

    4inuciosamente! dona 4ercedes contou sobre as eBcentricidades

    de &lio. &mbora ele esti%esse se tornando um curandeiro! raramente

    perdia seu tempo pensando no curandeirismo. &le esta%a muito ocupado

    em se apaiBonar e deiBar de se apaiBonar. Durante o dia! Ica%a

    tagarelando por horas a Io com as o%ens mulheres e garotas ue %inham

    %N-lo. A noite! com o %iolo na mo! ia Ha8er serestas para suas paueras.

    DiIcilmente %olta%a antes do amanhecer! a no ser uando no era bem-

    sucedido nas suas a%enturas amorosas. &nto! chega%a mais cedo e a

    di%ertia com os espirituosos! mas nunca %ulgares! relatos dos seus

    sucessos e Hracassos amorosos.

    Com uma curiosidade mKrbida! Iuei esperando ue ela Halasse

    sobre a morte trEgica dele. enti-me desapontada uando ela Itou

    CandelEria.

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    Dona 4ercedes sorriu docemente como uma criana tentando! com

    diIculdade! esconder um segredo.

    Cap3tulo (Cap3tulo (

    Gargalhadas! %o8es eBcitadas e o som abaHado das mSsicas de

    +u1e"o% escapa%am dos peuenos restaurantes e bares ue margea%am

    as ruas ue le%a%am para Hora de Curmina. $a Hrente do posto de gasolina!

    antes de chegar R estrada! os galhos das Er%ores troncudas nos dois lados

    da rua se cru8a%am como arcos! criando uma tran]ilidade irreal.

    $a estrada! passamos por solitErios barracos! Heitos de bambu e

    cobertos de barro. Todos eles tinham portas estreitas! poucas anelas e

    telhados de sapN. Alguns deles eram pintados de branco! outros mal

    tinham a cor do barro. Flores! principalmente gerQnios ue cresciam em

    panelas %elhas e latas de Herro! pendiam de beirais largos. `r%ores

    maestosas! cobertas de Pores douradas e %ermelho-sangue! encobriam

    meticulosamente os limpos uintais! onde mulheres esta%am la%ando

    roupas em bacias de plEstico ou colocando-as para secar em arbustos.

    Algumas nos cumprimenta%am! outras apenas acena%am

    impercepti%elmente com a cabea.

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    CandelEria! sentada no banco de trEs do meu ipe! me Hoi

    mostrando o caminho.

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    "oraimaY As Heiticeiras esto auiY

    Assim ue chegamos R porta da Hrente! uma mulher peuena e

    enrugada parou para saudar-nos. orrindo! ela abraou CandelEria e

    depois dona 4ercedes.

    &sta J minha me CandelEria Halou com orgulho. O nome

    dela J "oraima.

    Depois de uma le%e hesitao! "oraima tambJm me abraou. &la

    no tinha mais ue um metro e meio e era muito magra. sa%a um longo

    %estido preto. Tinha cheios cabelos negros e os olhos brilha%am como os

    de um pEssaro. Os gestos tambJm eram como os de um pEssaro!

    elegantes e rEpidos enuanto nos le%a%a para dentro do %est3bulo escuro!

    no ual uma peuena lQmpada esta%a acesa embaiBo de um uadro de

    o #osJ.

    "adiante de satisHao! ela pediu para nKs a seguirmos pela larga

    galeria! em Horma de Z! ue limita%a o pEtio interno! onde um limoeiro e

    uma goiabeira encobriam a sala de antar! a cJu aberto! e uma espaosa

    co8inha.

    4ercedes

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    uma decepo.

    Como posso ter IlhosV CandelEria retrucou indignada. ou

    solteiraY

    Ca3 na gargalhada. A aIrmao dela no implica%a somente o Hato

    de ela no ser casada! mas tambJm de ser %irgem. A eBpresso insolente

    no seu rosto no deiBa%a nenhuma dS%ida de ue ela se orgulha%a do

    Hato.

    CandelEria se debruou no parapeito! ento se %irou e nos encarou.

    $unca contei para %ocN ue tenho um irmo. $a %erdade! um

    meio irmo. &le J bem mais %elho do ue eu. $asceu na ,tElia. Como meu

    pai! %eio para a 7ene8uela para Ha8er Hortuna. &le tem uma empresa de

    construo. & agora J rico.

    "oraima concordou! enHaticamente! com a cabea.

    O meio irmo dela tem oito Ilhos. &les adoram passar os %erLes

    conosco completou.

    &m uma repentina mudana de humor! CandelEria riu e abraou a

    me.

    ,magineY eBclamou. A musia no conseguia conceber ue

    eu ti%esse uma me. Com um sorriso tra%esso! completou: & o ue J

    pior! ela nem mesmo acredita%a ue eu tinha um pai italianoY

    $este eBato instante! a porta de um dos uartos se abriu e o

    senhor! ue tinha %isto na anela! parou do lado de Hora do %arando. &ra

    troncudo! com Inos traos ue lembra%am muito CandelEria. &le tinha se

    %estido Rs pressas. A camisa Hora abotoada de Horma errada! o cinto de

    couro! ue segura%a sua cala! no ha%ia sido passado em todas as

    passadeiras! e os sapatos esta%am desamarrados. &le abraou CandelEria.

    Guido 4iconi ele se apresentou para mim! depois se

    desculpou por no nos ter recebido na porta. Uuando criana!

    CandelEria era to bonita uanto "oraima Halou! en%ol%endo a Ilha em

    um caloroso abrao. K uando cresceu! comeou a Icar parecida

    comigo.

    Di%idindo claramente uma piada particular! os trNs ca3ram na

    gargalhada. alanando a cabea com satisHao! "oraima olhou para o

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    marido e para a Ilha com inabalE%el admirao. &la pegou no meu brao e

    me le%ou para baiBo.

    7amos nos untar a dona 4ercedes sugeriu.

    O uintal! cercado por uma cerca de estacas! era enorme. $o ponto

    mais distante! erguia-se um casebre com telhado de sapN. entada numa

    rede! presa em duas %igas da peuena casa! esta%a 4ercedes

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    Dona 4ercedes nunca Halou sobre mimV A %o8 tinha uma

    curiosa macie8 ue nunca ou%ira antes. &la di8 ue eu nasci Heiticeira.

    Xa%ia muitas perguntas passando por minha cabea! mas no

    sabia por onde comear.

    CandelEria! sem se importar com a minha conHuso! encolheu os

    ombros num gesto um tanto ou uanto impotente.

    7amos almoar Guido 4iconi sugeriu! do alto da escada. &u e

    CandelEria o seguimos. De repente! ele se %irou e me

    encarou.

    4ercedes

  • 7/23/2019 A Bruxa e a Arte Do Sonhar (Doc) (Rev) Florinda Donner Grau

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    eBiste um sucessor! ue tem o %erdadeiro conhecimento. 7ictor #ulio tinha

    um conhecimento real sobre matar cachorros e He8 uma ligao

    in%oluntEria com Octa%io CantS. Disse a %ocN ue Octa%io permaneceu

    muito tempo na sombra de 7ictor #ulio e ue dona 4ercedes estE me

    dando a dela. Ao deiBar certas pessoas contarem suas histKrias! ela estE

    tentando colocar %ocN! por alguns momentos! sob a sombra deles. 7ocN!

    ento! poderE sentir a roda da oportunidade girar e como uma Heiticeira

    pode audar esta roda a se mo%er.

    em sucesso! tentei di8er a ela ue suas inHormaLes esta%am me

    deiBando proHundamente conHusa. &la me Itou com olhos brilhantes e

    conIE%eis.

    Uuando uma Heiticeira inter%Jm! nKs di8emos ue a sombra dela

    girou a roda da oportunidade disse pensati%amente e! depois de rePetir

    por um instante! completou: A histKria de meu pai poderia esclarecN-la!

    mas no de%o estar presente uando ele Hor contE-la a %ocN. &u o inibo.

    empre Hao isso. 7irou-se para o pai atrEs de si e gargalhou. ua risada

    era como uma eBploso cristalina! ue ecoa%a pela casa inteira.

    Acordado! Guido 4iconi tossia na cama e imagina%a se a noite! ue

    parecia imensa pelo tran]ilo sono de "oraima! E estaria terminando.

    ma eBpresso de ansiedade cru8ou seu rosto ao olhar para o corpo nu de

    sua mulher! escuro em contraste com os lenKis brancos! e para o rosto

    dela! escondido por uma mecha de cabelo. Gentilmente! ele aHastou o

    cabelo para trEs. &la sorriu. Os olhos se abriram le%emente! relu8entes

    entre as grandes e eriadas pestanas! mas ela no acordou.

    Tomando cuidado para no perturbE-la! Guido 4iconi le%antou-se e

    olhou para Hora da anela. &sta%a uase amanhecendo. &m um uintal

    prKBimo! um cachorro comeou a latir para um bNbado ue canta%a

    cambaleando rua abaiBo. Os passos e a cano do homem sumiram na

    distQncia. O co %oltou a dormir.

    Guido 4iconi saiu da anela e agachou-se para apanhar! embaiBo

    da cama! uma peuena mala ue ele mantinha escondida ali. Com a

    cha%e ue guarda%a em um cordo em %olta do pescoo! unto com a

    imagem da 7irgem 4aria! ele abriu a Hechadura e procurou

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    atrapalhadamente por uma larga bolsa de couro! enIada entre as roupas

    dobradas. m estranho sentimento! uase uma premonio! o He8 hesitar

    por um momento. &le no amarrou a bolsa em %olta de sua cintura.

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    moedas! ela di%idia a cama com os homens.

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    parei de acreditar ue ela nasceu uma Heiticeira. &la o con%idou para

    entrar por um peueno corredor ue da%a para uma grande sala! ue

    estaria %a8ia se no Hossem trNs cadeiras encostadas na parede. 4ais

    adiante! ha%ia um uarto! separado da sala por uma cortina. &m um dos

    lados! debaiBo de uma anela! esta%a um beliche! no ual "oraima ogou a

    peuena mala. Do outro lado! ha%ia uma rede pendurada! na ual a

    menina tinha ido deitar-se.

    &le seguiu "oraima por um corredor peueno atJ a co8inha e os

    dois se sentaram a uma mesa no meio do aposento.

    Guido 4iconi pegou a mo de "oraima e! como se esti%esse

    eBplicando coisas para uma criana! disse para ela ue no Hora

    CandelEria ue o ha%ia tra8ido atJ a cidade! mas sim a represa ue iria ser

    constru3da nas montanhas.

    $o! isto J apenas o ue estE na superH3cie. 7ocN %eio porue

    CandelEria o trouBe atJ aui "oraima balbuciou. Agora! %ocN %ai Icar

    aui com a gente. $o %aiV

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    ua%emente! preocupado em no acordE-la! Guido 4iconi acariciou

    as bochechas dela e! depois! caminhou na ponta dos pJs atJ o peueno

    %est3bulo! iluminado pela lu8 de uma lamparina a uerosene.

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    o %ale e depois! %agarosamente! subiu a sinuosa estrada de terra. 4iconi

    le%antou-se e olhou para trEs pela Sltima %e8. Os telhados de casas

    acolhedoras e a igrea branca com um campanErio o I8eram Icar com os

    olhos cheios de lEgrimas. Como ele adora%a o som dauele sino. Agora!

    ele nunca o ou%iria no%amente.

    ApKs descansar por um momento sob a peuena sombra de uma

    amendoeira Porida na praa! Guido recomeou sua caminhada por uma

    rua estreita! ue termina%a em um lance de degraus tortos ca%ados no

    morro. &scalou metade do caminho e! ento! parou para %islumbrar o

    porto abaiBo dele: Za Guaira! uma cidade cra%ada entre a montanha e o

    mar! com casas cor-de-rosa! a8uis e multicoloridas! as duas torres da

    igrea! e a %elha casa da alHQndega ue %igia%a o porto como um Horte

    antigo.

    As eBcursLes diErias atJ este ponto remoto tornaram-se uma

    necessidade. &ra o Snico lugar onde ele se sentia seguro e em pa8. _s

    %e8es! ele Ica%a ali durante horas olhando os grandes na%ios ancorando.

    Tenta%a adi%inhar! pelas bandeiras ou pela cor da chaminJ! a ual pa3s o

    na%io pertencia.

    A %isita semanal! na cidade! ao posto da alHQndega era to

    essencial para seu bem-estar uanto olhar os na%ios. #E Ha8ia um mNs

    desde ue ele deiBara "oraima e CandelEria e continua%a indeciso se

    de%eria ir direto para a ,tElia ou se de%eria Ha8er uma escala em $o%a 1or@.

    Ou! como o senhor Xl@ema! um dos oIciais ha%ia sugerido! ele tal%e8

    de%esse conhecer o mundo primeiro! embarcando em uma das Hragatas

    alems ue na%ega%am para o "io! uenos Aires! atra%essa%am a `Hrica e!

    ento! chega%am ao mar 4editerrQneo. 4esmo sem le%ar em conta estas

    atrati%as possibilidades! ele no conseguia con%encer-se a comprar a

    passagem de %olta para a ,tElia.

    $o conseguia entender o poruN. Ainda ue! no Hundo de sua

    alma! ele soubesse.

    4iconi subiu atJ o topo da escada e %irou em um estreito caminho

    sinuoso! ue le%a%a atJ um grupo de palmeiras. entou-se no cho! suas

    costas encostadas em um tronco! e abana%a-se com seu chapJu. O

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    silNncio era absoluto. As Holhas da palmeira pendiam inertes. 4esmo os

    pEssaros pareciam %oar com esHoro! como Holhas presas ao cJu sem

    nu%ens.

    &le ou%iu uma bre%e risada ecoando nauele silNncio. &spantado!

    olhou em %olta. O som estridente Ha8ia-o lembrar da risada da Ilha. &! de

    repente! o rosto dela se materiali8ou ante seus olhos. ma imagem Huga8!

    abstrata! Putuando numa lu8 tNnue to pElida ue o rosto parecia estar

    en%ol%ido por um halo.

    Com mo%imentos rEpidos e abruptos! como se esti%esse tentando

    apagar a imagem! Guido 4iconi abanou-se com o chapJu.

    Tal%e8 Hosse %erdade ue CandelEria tenha nascido uma Heiticeira!

    rePetiu. A criana poderia ser a causa da sua indeciso em partirV! ele

    perguntou a si mesmo. eria ela a ra8o de suas tentati%as Hrustradas em

    tra8er R mente! por mais ue ele tentasse! o rosto de sua mulher e Ilhos

    na ,tEliaV

    Guido 4iconi le%antou-se e perserutou cuidadosamente o

    hori8onte.

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    rapidamente. Acometido de um sSbito mal-estar! Hechou os olhos e se

    recostou em uma parede. AlguJm pegou no seu brao. &le abriu os olhos!

    mas tudo o ue %ia eram lu8es negras girando na sua Hrente. 4ais uma

    %e8! ou%iu a %o8 de uma criana chamando-o.

    De%agar! ele comeou a melhorar do mal-estar. Os olhos ainda

    esta%am um pouco embaados uando olhou para o rosto assustado do

    senhor Xl@ema! o alemo do posto da alHQndega.

    $o sei como cheguei atJ aui! mas uero Halar com %ocN

    Guido 4iconi gagueou. ZE das montanhas! acabei de %er um na%io

    italiano atracando no porto. Uuero comprar minha passagem para casa

    agora mesmo.

    O senhor Xl@ema balanou a cabea incrJdulo.

    7ocN tem certe8aV perguntou.

    Uuero comprar minha passagem para casa 4iconi insistiu

    inHantilmente. Agora mesmoY ob os olhos do senhor Xl@ema! ele

    completou! elo]ente! como se tudo auilo I8esse sentido: Finalmente

    uebrei a magiaY

    Claro ue %ocN uebrou. O senhor Xl@ema descon%ersou!

    tran]ili8ando-o e le%ando-o para a Hrente do guichN.

    Olhando para cima! Guido 4iconi obser%ou o alto e desolado

    alemo mo%er-se para trEs do balco. Como sempre! o senhor Xl@ema

    usa%a um terno branco de linho e sandElias pretas de pano. ma mecha

    de cabelo grisalho! ue crescia em um dos lados da cabea! tinha sido

    cuidadosamente penteada e distribu3da pela careca. O rosto esta%a sendo

    marcado pelo implacE%el sol tropical e! sem dS%ida! pelo rum.

    O senhor Xl@ema apanhou um pesado li%ro-ra8o e colocou-o! sem

    Ha8er barulho! em cima do balco.

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    O senhor Xl@ema caiu na gargalhada e meBeu-se Ha8endo um

    estrondoso barulho. &ntretanto! uando ele Halou! sua %o8 tinha uma

    curiosa docilidade.

    &sta%a apenas brincando. &u prKprio o le%arei atJ o na%io.

    O senhor Xl@ema acompanhou-o atJ o hotel e o audou a untar as

    bugigangas dele. Depois de ter certe8a de ue iria ter uma cabina

    particular! como ele ha%ia reuisitado e pago! o alemo deiBou-o com o

    comandante do na%io.

    Ainda tonto! Guido 4iconi olhou em %olta! imaginando por ue no

    ha%ia alguJm no dec1 do na%io italiano! ancorado no p3er nSmero no%e.

    &le apanhou uma cadeira ue esta%a ao lado de uma mesa no dec1, abriu-

    a e repousou a cabea no encosto de madeira. &le no esta%a louco.

    &sta%a no na%io italiano! repetia para si mesmo! torcendo para dispersar a

    constatao de ue no ha%ia outra pessoa em %olta. Depois de descansar

    por um momento! andou atJ outro dec1 e conIrmou para si prKprio ue a

    tripulao e os outros passageiros esta%am em algum lugar do na%io. &ste

    pensamento restaurou sua conIana.

    Guido 4iconi le%antou da cadeira e! debruando-se sobre o

    corrimo! olhou para o p3er abaiBo. 7iu o senhor Xl@ema acenando!

    olhando para ele.

    4iconiY o alemo gritou. O na%io estE le%antando Qncora.

    7ocN tem certe8a de ue uer ir emboraV

    Guido 4iconi sentiu um suor Hrio. m temor irracional in%adiu-o.

    Ficou com saudades de sua %ida tran]ila e sua Ham3lia.

    $o uero ir gritou de %olta.

    7ocN no %ai ter tempo de apanhar a bagagem. A prancha de

    desembarue E Hoi erguida. 7ocN tem ue pular agora. 7ocN tem ue cair

    na Egua. e %ocN no pular agora! no o HarE nunca mais.

    Guido 4iconi %acilou por um segundo. $a sua mala esta%am as

    Kias