a atuação do serviço social junto a pacientes terminais - breves considerações

Upload: alex-guimaraes

Post on 08-Jul-2015

224 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

A atuao do Servio Social junto a pacientes terminais: breves consideraes*Social Services practices towards terminal patients: brief considerationsAndra Branco Simo** Fernanda dos Santos*** Liane de Freitas Oliveira*** Renata Aline dos Santos*** Rita Colen Hilrio*** Sulem Cabral Caetano***Resumo: A forma de encarar a morte modicou-se ao longo dotempo e, atualmente, este acontecimento causa certo pavor. Esse sentimento de pavor pode se agravar no caso de pacientes terminais, pois, alm de terem que enfrentar uma gama de diculdades relativas doena que possuem, passam a lidar constantemente com a questo da morte. Neste contexto, embora o papel do assistente social seja fundamental, ele ainda pouco conhecido e as reexes sobre as possibilidades e limites de atuao dos prossionais junto a pacientes terminais permanecem escassas. Diante disso, o objetivo deste artigo trazer tona algumas consideraes sobre o papel do assistente social junto a esses indivduos. Palavras-chave: Morte. Paciente terminal. Servio Social.

Abstract: The way to face death has changed over time, and currently this event causes fear, which may be worse in the case of terminal patients, because, besides having to face a range of difculties* Artigo produzido a partir das aulas de Ocina de Pesquisa I e Ocina de Pesquisa II, no curso de Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais, Unidade de Contagem. ** Assistente social, mestre em Sociologia pela Texas A&M University, doutora em Demograa pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais, professora da Escola de Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais Unidade de Contagem e assistente social/pesquisadora do Cedeplar/UFMG Contagem, Brasil. E-mail: andrea-simao@ uol.com.br. ***Alunas do oitavo perodo do curso de Servio Social da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais Unidade de Contagem/MG, Brasil.

352

Serv. Soc. Soc., So Paulo, n. 102, p. 352-364, abr./jun. 2010

related to their diseases, they also have to deal constantly with the issue of death. In this context, although the role of a social worker is essential, it is still scarcely known, and the reections on the possibilities and limits of the social workers expertise with terminal patients remain rare. Considering that, the purpose of this paper is to bring to light some thoughts about the social workers role with these individuals. Keywords: Death. Terminal patient. Social Work.

Introduo

E

mbora as pessoas costumem dizer que a morte faz parte da vida ou que desta vida a nica coisa da qual se tem certeza que vamos morrer, o desejo pela morte no algo comum. Pelo contrrio, em geral as pessoas evitam falar sobre o assunto ou, quando o fazem, colocam a morte como algo ainda muito distante delas prprias. Este cenrio muda quando surge algum tipo de doena mais prolongada e com poucas perspectivas de cura. Nesses casos, tanto a pessoa doente quanto seus familiares enfrentam diversas diculdades, as quais incluem desde situaes de medo, ansiedade, dvidas, at longos e dolorosos processos de tratamentos. Diferentes prossionais podem atuar no sentido de amenizar estas e outras diculdades que possam surgir, entre os quais esto o mdico, o enfermeiro e o assistente social. Considerando que a prtica do assistente social nesta seara ainda pouco explorada, o objetivo central aqui desenvolver algumas reexes sobre as possibilidades e limites da atuao deste prossional junto a pacientes terminais. Para tanto, este artigo est dividido em cinco partes, sendo a primeira esta introduo. Para contextualizar a discusso, a segunda parte aborda questes relacionadas concepo histrica da morte e suas implicaes na sociedade contempornea. A terceira parte apresenta alguns aspectos relativos condio do paciente terminal, os estgios que atravessa durante o processo de doena e os cuidados paliativos. A quarta parte levanta algumas questes relativas ao papel do assistente social junto ao paciente terminal e tambm junto sua famlia. Por m, a quinta parte apresenta algumas consideraes nais elaboradas acerca do tema tratado.

A morte e a sociedade contemporneaAo longo dos tempos, o olhar do homem sobre a morte, tanto dele prprio quanto do outro, passou por diversas transformaes. De acordo com Aris (1981),Serv. Soc. Soc., So Paulo, n. 102, p. 352-364, abr./jun. 2010

353

na Idade Mdia, por exemplo, a morte era encarada como algo simples e, por esta razo, era aceita como sendo justa, natural e destino de todo ser vivo. No perodo que a antecedia, era importante que o moribundo estivesse rodeado pelos amigos e pela famlia, incluindo as crianas. Quando pressentia que havia chegado a sua hora, o moribundo pedia perdo para aqueles que o rodeavam e, assim, considerava-se preparado para morrer. Nesse perodo da histria, embora o moribundo aguardasse a morte em seu leito, rodeado por entes queridos, ele era protagonista de sua prpria morte, pois tomava as precaues necessrias para o seu m, o qual se tornava um ato pblico. Quanto a esta questo, Aris esclarece que:A cmara do moribundo convertia-se ento em lugar pblico. A entrada era livre... Os transeuntes que encontravam na rua o pequeno cortejo do sacerdote com o vitico acompanhavam-no e entravam atrs dele no quarto do doente. (1981, p. 24)

No perodo que engloba os sculos XVI a XVIII o fenmeno da morte marcado por uma nova caracterstica. Segundo Aris (1981), nesse tempo o homem comeou a pensar na morte do outro. Essa mudana em relao morte acontece, de acordo com o autor, em virtude das transformaes que ocorrem na concepo de famlia, a qual passa a ser muito mais fundada no afeto. Neste sentido, a morte passa a ser vista como uma violao que arranca o outro do convvio familiar de forma abrupta e repentina. Durante o sculo XIX a morte vista como uma transgresso ao afeto e unio ao tirar o homem de sua vida cotidiana. Nessa fase, gerava sentimentos de melancolia. O sentimento de morte como fracasso ainda no era uma caracterstica desse perodo. Somente em meados do sculo XX que a eminncia da morte passa a ser vista como algo que deve ser escondido enquanto for possvel. Sobre isto Aris coloca que:O crculo de relaes do moribundo tende a poup-lo, escondendo a gravidade do seu estado; admite-se, porm, que a dissimulao no pode durar muito tempo e o doente acaba por saber, mas nesse caso os parentes no tm j a coragem cruel de serem eles mesmos a dizer a verdade. (1981, p. 55)

nessa fase que, a partir da intolerncia morte do outro, a morte passa a ser estigmatizada. medida que se procura, a todo custo, a cura para a doena, a proximidade da morte deve ser escondida at o m. Alm disto, diferentemente dos 354Serv. Soc. Soc., So Paulo, n. 102, p. 352-364, abr./jun. 2010

perodos anteriores, morrer em casa deve ser evitado tanto quanto possvel. Os centros mdicos passam a ser encarados como os locais mais apropriados para isso, pois neles que se luta contra o m por meio de cuidados especializados. Nesse contexto, a morte passa a ser um fenmeno tcnico, conrmada pela parada dos sentidos e pela impossibilidade de ao mdica. A equipe hospitalar assume papis outrora desempenhados pelo prprio moribundo e/ou por sua famlia. Aris ilustra o que acontece entre as dcadas de 1930 e 1950 com as seguintes palavras: J no se morre em casa, no meio dos seus, morre-se no hospital, e s. Porque no hospital que se proporcionam cuidados que j no so viveis em casa. no centro mdico que se luta contra a morte (1981, p. 56). Assim, a partir da dcada de 1950 a morte passa para os domnios das Unidades de Terapia Intensiva (UTI), tornando-se assptica e invisvel. O homem moderno evita falar no assunto e vive como se jamais fosse morrer. Este sentimento pode estar aliado ao fato de que, hoje, morrer encarado como algo solitrio, triste, mecnico e desumano. Diferentemente do que ocorria no passado, na atualidade a morte deve ocorrer fora do ambiente familiar. As crianas e mesmo alguns adultos no devem acompanhar esse processo, considerado extremamente traumtico. Alm disso, nos casos de doenas terminais em geral, o doente no decide sobre sua hospitalizao. Neste contexto, a famlia passa a ter um papel fundamental.

O paciente terminal: estgios e cuidados paliativosEm 1969, o estudo On death and dying (Sobre a morte e o morrer), realizado pela psiquiatra norte-americana Kbler-Ross, causou grande impacto na rea dos cuidados de sade ao apresentar uma reexo sobre os processos de negao, raiva, barganha, depresso e aceitao, considerados estgios pelos quais as pessoas passam quando esto na fase nal de vida. Segundo Kbler-Ross, o primeiro estgio, denominado da negao, aparece na maioria dos doentes terminais e comum, tambm, em pacientes que so informados de maneira abrupta, prematura ou leviana sobre sua condio. A negao, de acordo com a autora, funciona como um para-choque, uma defesa temporria que, em seguida, substituda pela aceitao parcial. A raiva o estgio que vem aps a negao. Ela acontece, fundamentalmente, contra a equipe mdica, contra a famlia e at contra a religio. Quando estServ. Soc. Soc., So Paulo, n. 102, p. 352-364, abr./jun. 2010

355

vivenciando essa etapa, o doente fala mal de tudo e de todos, queixa-se constantemente e procura chamar a ateno daqueles que o rodeiam com mensagens que indicam que as pessoas no devem se esquecer de que ele ainda est vivo. Alm disso, nessa etapa, alguns pacientes terminais agem como se pudessem comprar sua sade, o que, em geral, torna o processo ainda mais doloroso. A tentativa de negociar o estado de sade um comportamento que faz parte do terceiro estgio, denido como a barganha. Nessa fase, o paciente terminal tenta trocar com Deus, com o mundo ou com a religio o bom comportamento pelo prolongamento da vida ou, simplesmente, por alguns dias sem ter que enfrentar a dor fsica. A depresso, caracterstica do quarto estgio, acontece quando a negao, raiva e a barganha cedem lugar a um sentimento grande de perda. Nessa fase, tudo perde a razo de ser: a famlia, o trabalho e os amigos no so mais encarados como importantes, pois o paciente sente que est prestes a perder tudo e todos que ama. O ltimo estgio, denido como sendo o da aceitao, aquele no qual o paciente, j tendo passado por todos os outros estgios, para de lutar, de ter raiva, de barganhar. Fisicamente ele sente-se mais debilitado, mostrando desejo de car sozinho e de dormir por mais tempo. Apesar disso, emocionalmente, ele se sente melhor. Pacientes terminais que atravessam perodos mais longos de negao so os que apresentam mais diculdade para chegar ao estgio de aceitao. Os pacientes que passam mais facilmente por todos os estgios so aqueles encorajados a extravasar a raiva, chorar ou falar de seus sentimentos. Ao tratar dos diferentes estgios vivenciados pelo paciente terminal, Kbler-Ross (1981) tambm desenvolve algumas consideraes sobre o papel da famlia no processo da morte. Um dos argumentos de que, em geral, a famlia no sabe como lidar com a morte. Neste sentido, a autora ressalta que, ao receber a notcia da provvel morte de um ente querido, a reao manifesta pela famlia tanto pode contribuir para que o mesmo se revolte ou aceite sua condio. Quanto a isso, ela coloca que:Se no levarmos em conta a famlia do paciente terminal, no poderemos ajud-lo com eccia, os familiares desempenham um papel preponderante, e suas reaes muito contribuem para a prpria reao do paciente. (Kbler-Ross, 1981, p. 163)

Nesse contexto, cabe equipe de prossionais que atua junto a pacientes terminais contribuir para que as famlias e os pacientes compartilhem seus senti356Serv. Soc. Soc., So Paulo, n. 102, p. 352-364, abr./jun. 2010

mentos uns com os outros e fortaleam os laos que existem entre eles. Em geral, h uma tendncia de afastamento, pois, de um lado, o paciente no quer incomodar a famlia e, de outro, a famlia no quer acompanhar o paciente para que ele no sinta que seu m est prximo. Tal situao gera ansiedade, dvidas e normalmente faz com que a famlia se sinta muitas vezes culpada por no poder fazer algo para salvar o outro. Nos anos de 1990 surgem formas alternativas para amparar no s o paciente como tambm sua famlia. Uma delas, talvez a que mais tem crescido ao longo dos anos em todo o mundo, a que envolve cuidados paliativos, ou seja, a denominada medicina paliativa. Esta nova abordagem do paciente terminal e de sua famlia nasceu da necessidade de melhorar a qualidade de vida dos pacientes para os quais a cura no mais possvel. Segundo a Organizao Mundial da Sade (OMS), em 1990, cuidado paliativo podia ser denido da seguinte forma:O cuidado ativo total de pacientes cuja doena no responde mais ao tratamento curativo. Controle da dor e de outros sintomas e problemas de ordem psicolgica, social e espiritual so prioritrios. O objetivo dos cuidados paliativos proporcionar a melhor qualidade de vida para os pacientes e seus familiares

Alguns anos aps, mais precisamente em 2002, a OMS reviu e ampliou tal conceito, enfatizando no somente a questo da qualidade de vida, mas tambm a questo da preveno do sofrimento. Nessa nova verso, cuidado paliativo passou a ser denido comouma abordagem que aprimora a qualidade de vida, dos pacientes e famlias que enfrentam problemas associados com doenas ameaadoras de vida, atravs da preveno e alvio do sofrimento, por meios de identicao precoce, avaliao correta e tratamento da dor e outros problemas de ordem fsica, psicossocial e espiritual.

Os cuidados paliativos no prolongam a vida, nem tampouco aceleram a morte. Na verdade, eles so implementados para atender, de forma mais humanizada possvel, ao paciente e sua famlia. Os prossionais que adotam essa postura procuram estar presentes nas diferentes fases do processo de doena e dando no somente suporte fsico, mas tambm assistncia emocional, social e espiritual durante a fase terminal e de agonia do paciente. Alm disso, esses prossionais tambm procuram auxiliar a famlia e os amigos a lidar com a questo. Nesse cenrioServ. Soc. Soc., So Paulo, n. 102, p. 352-364, abr./jun. 2010

357

emerge a questo: quais as possibilidades de atuao do assistente social junto aos pacientes terminais e seus familiares?

O assistente social na sade e sua atuao junto ao paciente terminalNo Brasil, a busca pela ampliao e garantia dos direitos relativos aos servios e aes de sade um movimento contnuo e que vem se fortalecendo desde a Constituio Federal e a implantao do Sistema nico de Sade, em 1988. A partir dessa poca, uma srie de exigncias vem se colocando aos setores da comunidade cientca e prossional que se dedicam s questes relacionadas com a sade. Uma delas diz respeito forma de abordar as questes relativas sade, a qual deve levar em conta no somente aspectos fsicos dos indivduos, mas tambm fatores socioeconmicos, culturais e ambientais que inuenciam e determinam as condies de vida e sade dos mesmos. Sade no signica apenas a ausncia de doena. Nogueira e Mioto (2006), citando Ceclio, armam que os fatores que determinam a sade podem ser divididos em quatro conjuntos, a seguir explicados:O primeiro so as boas condies de vida, entendendo-se que o modo como se vive se traduz em diferentes necessidades. O segundo diz respeito ao acesso s grandes tecnologias que melhoram ou prolongam a vida. importante destacar que, nesse caso, o valor do uso de cada tecnologia determinado pela necessidade de cada pessoa, em cada momento. O terceiro bloco refere-se criao de vnculos efetivos entre usurios e o prossional ou equipe dos sistemas de sades. Vnculos devem ser entendidos, nesse contexto, como uma relao contnua, pessoal e calorosa. Por m, necessidades de sade esto ligadas tambm aos graus de crescente autonomia que cada pessoa tem no seu modo de conduzir a vida, o que vai alm da informao e da educao. (p. 12)

Nesse contexto, Nogueira e Mioto ressaltam que no possvel compreender ou denir as necessidades de sade sem levar em conta que elas so produzidas nas relaes sociais que se estabelecem dentro de um ambiente fsico, social e cultural. Nessa perspectiva, se instituem as aes dos assistentes sociais, as quais devem estar voltadas para a promoo da qualidade de vida tanto em situaes em que a sade prevalece como naquelas em que os processos de doena se instalam. Como prosso, historicamente o Servio Social tem sua ateno voltada para a compreenso da questo social. Em sua trajetria, os prossionais da rea tm participado e trabalhado no debate das alternativas de enfrentamento de tais questes, 358Serv. Soc. Soc., So Paulo, n. 102, p. 352-364, abr./jun. 2010

buscando, no mbito da sade, atuar de acordo tanto com os princpios discutidos e preconizados pelos defensores da reforma sanitria como pelos dispostos no Cdigo de tica que rege a prosso. Neste sentido, Nogueira e Mioto (2006, p. 12-13) ressaltam o seguinte:Como se v, a denio de necessidades de sade ultrapassa o nvel de acesso a servios e tratamentos mdicos, levando em conta as transformaes societrias vividas ao longo do sculo XX e j no XXI, com a emergncia do consumismo exacerbado, a ampliao da misria e da degradao social e das perversas formas de insero de parcelas da populao no mundo do trabalho. Mais que isso, envolve aspectos ticos relacionados ao direito vida e sade, direitos e deveres. Nesse sentido, necessrio apreender a sade como produto e parte do estilo de vida e das condies de existncia, sendo que a situao sade/doena uma representao da insero humana na sociedade.

importante destacar tambm que a rea da sade tem, historicamente, concentrado um grande nmero de assistentes sociais De acordo com Bravo et al. (2007), a partir dos anos 1990, com a implementao da gesto descentralizada da sade, h uma ampliao da contratao de prossionais do Servio Social na rea. Nesse perodo, a demanda por esse prossional aumenta em decorrncia da utilidade do mesmo para o atendimento das questes cotidianas envolvendo situaes relacionadas com a sade dos indivduos. Neste sentido, Costa (2000), citando Netto, arma que:Um mercado no se estrutura para o agente prossional mediante as transformaes ocorrentes no interior do seu referencial ou no marco de sua prtica, antes, estas transformaes expressam exatamente a estruturao do mercado de trabalho, posto que uma prosso no se constitui para criar um dado espao na rede scio-ocupacional, mas a existncia deste espao que leva constituio prossional. (2000, p. 36)

O mercado de trabalho dos assistentes sociais na rea de sade vem crescendo. Especicamente nos hospitais, esses prossionais so requisitados para o desenvolvimento de diversas atividades, dentre as quais Costa (2000) destaca as seguintes:Em geral o assistente social responsvel pela sensibilizao e mobilizao dos usurios nas situaes relativas captao de sangue, realizao de exames complexos, tratamento fora do domiclio, necropsias, superao de preconceitos/tabus emServ. Soc. Soc., So Paulo, n. 102, p. 352-364, abr./jun. 2010

359

relao ao tratamento da doena etc. Alm destas, so de responsabilidade do assistente social as comunicaes em geral. No caso dos hospitais, essas comunicaes referem-se a altas, bitos e/ou estados de sade do paciente, nos centros de sade e ambulatrios especializados, o assistente social concentra-se nas comunicaes sobre resultados de exames, particularmente aqueles que indicam srio comprometimento do estado de sade, ou doenas transmissveis, como o caso da Aids, ou, ainda, de doenas crnico-degenerativas, como o caso das neoplasias, leucemias etc. (Bravo, 2000, p. 52-53)

Cabe aos assistentes sociais, de acordo com Bravo e Matos (Bravo et al., 2007, p. 43), formular estratgias que busquem reforar ou criar experincias nos servios que efetivem o direito social sade, em uma ao articulada com outros prossionais que defendam o aprofundamento do Sistema nico de Sade. O assistente social deve, ainda, se mostrar disponvel ao paciente e aos seus familiares, buscando conhecer suas reais necessidades e procurando assegurar os direitos e benefcios dos mesmos. Nesta direo, Nogueira e Mioto (2006, p. 8) comentam o seguinte:Nesta acepo, ca evidente que a integralidade no atributo especco de uma determinada prosso nem de um servio, mas compreende distintas prticas prossionais interdisciplinares que se articulam no campo da promoo da sade, atravs de diferentes servios e instituies.

Nesse cenrio, possvel argumentar que no cabe somente ao assistente social integrar as equipes que tratam de pacientes terminais, mas tambm se preparar para a realizao deste trabalho que permeado por inmeros desaos. Um dos primeiros a ser enfrentado pelos prossionais que ingressam nessa seara est na bagagem de conhecimentos adquiridos durante a vida acadmica. fato que, ao longo do curso, poucos so os espaos que permitem que o estudante se torne preparado para tratar das questes relacionadas s doenas terminais e morte. Apesar desta lacuna, possvel dizer que, de maneira geral, a formao dada aos alunos permite que os mesmos desenvolvam uma capacidade de escuta e de entendimento de questes objetivas e subjetivas envolvidas nas situaes que atendem. Este fato abre possibilidades para que o assistente social seja um prossional participativo e criativo e que pode construir propostas para atender s necessidades dos indivduos com algum tipo de demanda na sade. No caso dos pacientes terminais, o prossional do Servio Social tem a possibilidade de atuar na direo dos cuidados paliativos. Dessa forma, diante de um 360Serv. Soc. Soc., So Paulo, n. 102, p. 352-364, abr./jun. 2010

quadro de doena terminal, o assistente social deveria ser capaz de, junto com outros prossionais, aprimorar a qualidade de vida do paciente, oferecendo ao mesmo e a sua famlia suporte emocional e social. Ouvir o paciente e tambm o seu familiar poderia ser o ponto de partida para os prossionais da rea que atuam junto a pacientes terminais dentro da abordagem que se denomina como cuidados paliativos. Neste sentido, a preocupao destes prossionais deve ir muito alm daquelas relacionadas com os aspectos externos e biolgicos da doena, voltando-se, tambm, para as dimenses psicossociais e espirituais que permeiam o paciente que possui uma doena terminal. De acordo com Ballone (2003), o prossional que adota o mtodo paliativo vai atuar no s respeitando as vontades do mesmo, mas tambm seus sentimentos. Neste sentido, o autor ressalta que: nessa fase, a paliativa, que a autonomia do paciente deve adquirir maior relevncia e autoridade na tomada de decises. Para tal, fundamental que o mdico e a famlia tenham plena noo do curso da doena, da fase em que se encontra e do que, realmente, est ao alcance da medicina sem sacricar a j precria qualidade de vida do paciente. (p. 2)

Assim, na prtica, o assistente social, junto com os demais prossionais, deve fortalecer o sistema de apoio ao paciente, evitando que o mesmo tenha de enfrentar situaes que gerem sentimentos como abandono, limitao, dependncias etc. Enm, em conjunto com outros prossionais, o assistente social deve agir de forma a contribuir para que esse paciente se sinta respeitado, valorizado e amado. Alm disso, em diversos casos o prossional pode auxiliar no resgate da dignidade que, muitas vezes, se perde com a descoberta da doena e a impossibilidade de cura. Tal dignidade resgatada a partir de pequenos gestos, tanto por parte da famlia quanto da equipe responsvel pelos cuidados com o paciente. Entre tais gestos esto a escuta da vontade dele e a busca de compreenso da mesma. Sobre esse aspecto, Kubler-Ross (1981) considera que:Seus desejos e opinies deveriam ser respeitados, eles mesmos deveriam ser ouvidos e consultados. Se seus anseios so contrrios s nossas crenas e convices no que tange a cirurgias futuras ou tratamentos, deveramos falar abertamente deste conito e deixar que o paciente tome a deciso. (p. 182)

Diante do exposto, possvel argumentar que, embora a formao acadmica no oferea todos os requisitos necessrios para a atuao do assistente socialServ. Soc. Soc., So Paulo, n. 102, p. 352-364, abr./jun. 2010

361

junto a pacientes terminais, esse prossional, pelas outras habilidades que desenvolve ao longo de sua formao e vida prossional, pode contribuir para aprimorar a qualidade de vida dos mesmos, pois detm um saber que imprescindvel na ateno ao paciente e sua famlia: a capacidade de escuta e de leitura da realidade social.

Consideraes finaisAo longo da histria, os avanos na medicina tiveram vrias consequncias, entre as quais est o aumento do controle sobre os processos de doena e, por conseguinte, sobre o prolongamento da vida. Apesar disto, ainda existem inmeras diculdades para lidar com as situaes que envolvem doenas terminais. As doenas terminais envolvem, em geral, situaes de stress, em que o sofrimento fsico e o emocional se misturam e causam vrias diculdades e desaos para aqueles que vivenciam o processo. Embora os avanos tecnolgicos na rea mdica permitam que muitas das diculdades de uma doena terminal sejam minimizadas, algumas questes necessitam de cuidados que vo alm do que a parte fsica do indivduo precisa. Como apontado ao longo do estudo, o doente terminal, ao lidar com sua situao, passa por vrios estgios, e sua famlia muitas vezes no sabe como lidar com os mesmos, piorando um quadro que j no fcil de ser trabalhado. Nesse ponto, possvel pensar no papel do assistente social e na proposta denominada como cuidados paliativos, pois, apesar da evoluo nos tratamentos e do aumento no nmero de prossionais envolvidos nos cuidados com pacientes terminais, ainda h uma carncia na ateno ao mesmo e sua famlia. Em virtude do exposto, importante lembrar que Moritz (2002) enfatizou o papel da equipe hospitalar, apontando que essencial que os prossionais que a integram detenham conhecimentos e capacidade para analisar as situaes e os contextos envolvendo os pacientes terminais e suas famlias. Isto tudo deve acontecer dentro de um ambiente de muito dilogo e de troca de informaes, para que o trabalho desenvolvido atinja de forma eciente e ecaz os resultados desejados na humanizao e no cuidado de cada paciente. Nesse sentido, a proposta de cuidados paliativos fundamental e precisa ser conhecida pelos assistentes sociais. uma das poucas propostas que permite o desenvolvimento de um trabalho que une os prossionais, o paciente e a famlia na 362Serv. Soc. Soc., So Paulo, n. 102, p. 352-364, abr./jun. 2010

busca de alternativas para minimizar o sofrimento e possibilitar promoo da qualidade de vida de pacientes que se encontram diante de uma doena terminal. Entre os vrios desaos que permeiam a prosso na atualidade est a necessidade de contribuir para a construo e a objetivao de polticas sociais mais justas. Desse modo, a compreenso sobre as necessidades que vm surgindo na rea de sade fazem parte da possibilidade de interveno e atuao do assistente social. Nota-se uma carncia muito grande nesse setor, o que constitui um desao, porm no um limite para o prossional que engajado e comprometido. Nesse sentido, espera-se que este artigo possa contribuir para o conhecimento e a reexo da categoria diante das diversas demandas sociais, alm de propor uma articulao entre saber e prtica no atendimento ao paciente terminal. Artigo recebido em out./2009

Aprovado em mar./2010

Referncias bibliogrficasARIS, Philippe. Sobre a histria da morte no Ocidente desde a Idade Mdia. Lisboa: Teorema, 1981. BALLONE G. J. Medicina paliativa e qualidade de vida. Disponvel em: . Acesso em: 2003. BRASIL. Congresso Nacional. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, 1988. ______. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispe sobre as condies para a promoo, proteo e recuperao da sade; a organizao e o funcionamento dos servios correspondentes e d outras providncias. Braslia, 1990. ______. Ministrio da Sade. Cuidados paliativos oncolgicos: controle de sintomas. Rio de Janeiro: Inca, 2001. Disponvel em: . Acesso em: 16 ago. 2008. BRAVO, Maria Ins Souza et al. (Org.). Sade e Servio Social. So Paulo: Cortez, 2007. BRUM, Eliane. A enfermaria entre a vida e a morte. Devemos prolongar a vida ou aceitar o m? poca, So Paulo, n. 539, p. 56-60, 2008.Serv. Soc. Soc., So Paulo, n. 102, p. 352-364, abr./jun. 2010

363

COHN, Amlia. Medicina social a reforma sanitria brasileira: a vitria sobre o modelo neoliberal. Seccin Especial: Reformas Progresistas en Salud. Disponvel em: . Acesso em: 3 nov. 2008. COSTA, Maria Dalva Horcio da. O trabalho nos servios de sade e a insero dos(as) assistentes sociais. Servio Social & Sociedade, So Paulo, ano XXI, n. 62, mar. 2000. KLBER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. So Paulo: Martins Fontes, 1981. MINAYO, M. C. S. O desao do conhecimento: pesquisa qualitativa em sade. So Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1999. ______ (Org.). Pesquisa social: teoria, mtodo e criatividade. 13. ed. Petrpolis: Vozes, 1999. MORITZ, Raquel Duarte. O efeito da informao sobre o comportamento dos prossionais de sade diante da morte. 2002. Tese (Doutorado em Engenharia de Produo) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis. NOGUEIRA, V. M. R.; MIOTO, R. C. T. Desaos atuais do Sistema nico de Sade SUS e as exigncias para os assistentes sociais. In: MOTA, E. E. et al. (Org.). Servio Social e sade: formao e trabalho prossional. So Paulo: Cortez, 2006. v. 1, p. 218-241. PESSINI, Leo. Cuidados paliativos. Alguns aspectos conceituais, biogrcos e ticos. Prtica Hospitalar, Rio de Janeiro, ano VII, n. 41, set./out. 2005. SILVA, Ronaldo Corra Ferreira da; HORTALE, Virginia Afonso. Cuidados paliativos oncolgicos: elementos para o debate de diretrizes nesta rea. Caderno de Sade Pblica, Rio de Janeiro, out. 2006.

364

Serv. Soc. Soc., So Paulo, n. 102, p. 352-364, abr./jun. 2010