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A ATIVIDADE DE CONCRETIZAÇÃO DO(A) LEITOR(A) IMPLÍCITO(A) NA ESTRUTURA NARRATIVA: um estudo do folhetim "Laurentina" Irinaldo Lopes Sobrinho Segundo' Wagner Lima Maciel" Márcia Manir Miguel Feitosa'" Maria de Fátima Sopas Rocha •••• RESUMO Estudo do folhetim "Laurentina", publicado em 1879, no periódico "A Flecha", tendo como suporte teórico da Teoria da Literatura a vertente conhecida como Estética da Recepção. Fruto do trabalho desenvolvido pelo projeto "O Folhetim à luz da Estética da Recepção: imagens de leituras e de leitores no Maranhão do século XIX", o presente artigo objetiva analisar a atividade de concretização desempenhada pelo(a) leitor(a) implícito(a) na estrutura narrativa do referido folhetim, assinado pelo sugestivo pseudônimo Vaz Ilha. Palavras-chave: folhetim; Estética da Recepção; leitor. ABSTRACT This study is about the jeuilleton "Laurentina", published ia the periodical "A Flecha", in 1879 and has the theoretical support of the Aesthetic of Reception, a slope of Theory of Literature. This article is result of the project "The Feuilleton inlightened by the Aesthetic of Reception: impressions ofreadings and readers in Maranhão ofthe 19 01 century, which intends to analyze the activity of concretization performed by the reader implicit in the narrative structure ofthejeuilleton afore mentioned, signed by the suggestive pseudonym Vaz Ilha. Keywords:jeuilleton; Aesthetic ofReception; reader. •Aluno do curso de Letras e bolsista de Iniciação Científica do CNPq "Aluno do curso de Letras e bolsista de Iniciação Científica do CNPq "·Prof'. Ora. do Departamento de Letrasda Universidade Federal do Maranbão - Coordenadora do Projeto "O folhetim à luz da Estética da Recepção: imagens de leituras e de leitores no Maranhão do século XIX" •••• Prof'. do Departamento de Letras da Universidade Federal do Maranhão - Co-orientadora do Projeto "O folhetim à luz da Estética da Recepção: imagens de leituras e de leitores no Maranhão do século XIX". 24 Cad. Pesq., São Luís, v. 14, n. 2, p.24-38,jul./dez. 2003

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A ATIVIDADE DE CONCRETIZAÇÃO DO(A) LEITOR(A)IMPLÍCITO(A) NA ESTRUTURA NARRATIVA:

um estudo do folhetim "Laurentina"

Irinaldo Lopes Sobrinho Segundo'Wagner Lima Maciel"

Márcia Manir Miguel Feitosa'"Maria de Fátima Sopas Rocha ••••

RESUMO

Estudo do folhetim "Laurentina", publicado em 1879, no periódico "AFlecha", tendo como suporte teórico da Teoria da Literatura a vertenteconhecida como Estética da Recepção. Fruto do trabalho desenvolvidopelo projeto "O Folhetim à luz da Estética da Recepção: imagens de leiturase de leitores no Maranhão do século XIX", o presente artigo objetivaanalisar a atividade de concretização desempenhada pelo(a) leitor(a)implícito(a) na estrutura narrativa do referido folhetim, assinado pelosugestivo pseudônimo Vaz Ilha.

Palavras-chave: folhetim; Estética da Recepção; leitor.

ABSTRACT

This study is about the jeuilleton "Laurentina", published ia the periodical"A Flecha", in 1879 and has the theoretical support of the Aesthetic ofReception, a slope of Theory of Literature. This article is result of theproject "The Feuilleton inlightened by the Aesthetic of Reception:impressions ofreadings and readers in Maranhão ofthe 19

01century, which

intends to analyze the activity of concretization performed by the readerimplicit in the narrative structure ofthejeuilleton afore mentioned, signedby the suggestive pseudonym Vaz Ilha.

Keywords:jeuilleton; Aesthetic ofReception; reader.

•Aluno do curso de Letras e bolsista de Iniciação Científica do CNPq"Aluno do curso de Letras e bolsista de Iniciação Científica do CNPq"·Prof'. Ora. do Departamento de Letrasda Universidade Federal do Maranbão - Coordenadora do Projeto"O folhetim à luz da Estética da Recepção: imagens de leituras e de leitores no Maranhão do século XIX"•••• Prof'. do Departamento de Letras da Universidade Federal do Maranhão - Co-orientadora do Projeto "Ofolhetim à luz da Estética da Recepção: imagens de leituras e de leitores no Maranhão do século XIX".

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1 INTRODUÇÃO

A Literatura, enquanto expres-são artística que faz uso da palavra,demanda a observância de seu ca-ráter inerentemente comunicativo edialógico por parte do estudioso quese propuser a analisá-Ia de modocoerente e científico, uma vez quea alienação a este fato tomará a aná-lise parcial e/ou superficial.

O fenômeno literário se con-cretiza por meio de um processodialético no qual, necessariamente,o autor, a obra e o leitor concorremconcomitantemente para a forma-ção de um sentido que, por sua vez,reflete uma intencionalidade porparte do autor, uma conjuntura his-tórico-social intrínseca à obra e umcritério de valor estético por partedo receptor (leitor), que é produtode sua própria experiência acumu-lada através da leitura de textos an-teriores.

Sendo evidente este fato, des-prezar ou não dar a devida relevân-cia ao dialogismo que permeia todae qualquer produção literária é,igualmente, desprezar a própria es-sência da Literatura, pois, segundoHannelore Link, esta constitui "umcaso especial de comunicação"(LINK apud ZILBERMAN, 1994,p.14).

Desse modo, no contextointeracional da Literatura, o diálo-go entre o emissor (autor) e o re-ceptor (leitor) se concretiza no atoda leitura.

A especificidade da obra lite-rária, no que tange ao seu carátercomunicativo, reside no fato de estase apresentar ao receptor, simulta-neamente, como signo autônomo esigno comunicativo, revertendo-se,no ato da recepção, em signo esté-tico. Signo autônomo na medida emque a formação de seu sentido serealiza por meio da articulação en-tre as partes que constituem o todo.Signo comunicativo porque pressu-põe e demanda um receptor.

A Teoria da Estética da Recep-ção, formulada por Hans RobertJauss em 13 de abril de 1967, napalestra que iniciou o semestre le-tivo na Universidade de Constança,na Alemanha e cujo título foi "Oque é e com que fim se estuda His-tória da Literatura? ", questiona oestudo do fenômeno literário sob aótica da História da Literatura emseus moldes tradicionais, critican-do sua proposta meto dológica, umavez que esta:

história clássica da Literatura [...]apenas se pretende uma forma daescrita da história, mas, na verda-de, move-se numa esfera exterior àdimensão histórica e, ao fazê-lo, fa-

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lha igualmente na fundamentaçãodo juízo estético que seu objeto - aliteratura, enquanto uma fonna dearte - demanda (JAUSS, 1994,p.6).

Os argumentos propugnadospor Jauss, para fundamentar estacrítica contundente, encontram-se,segundo este teórico, no própriofazer histórico-literário, uma vezque os estudos literários que seintitulam históricos, falham ou peloposicionamento histórico, ou pelaindevida adoção de um critério devalor estético que se prende unica-mente a cânones clássicos ultrapas-sados. Ao historiador literário cabeapenas a descrição dos aconteci-mentos concernentes ao fenômenoliterário em um determinado espa-ço, devidamente delimitado emuma escala temporal, sem que hajao pronunciamento de veredictos re-ferentes ao aspecto qualitativo deobras literárias de épocas passadas.

Ao questionar a História daLiteratura em seus moldes tradici-onais, H. R. Jauss apontou suas de-ficiências teóricas e práticas e pro-pôs um novo direcionamento dosestudos literários que se estabele-cem no plano histórico, sem decre-tar, contudo, o fim da perspectivaadotada até então, o que de fato nãoocorreu e evidencia-se ainda hoje.

Com o advento da Estética da

Recepção, o leitor (categoria des-prezada ou negligenciada sob a óti-ca das vertentes da Teoria da Lite-ratura até então em voga, como oEstruturalismo, o Formalismo e oMarxismo) foi alçado a uma posi-ção de destaque e relevância nosestudos literários. Segundo Jauss, oleitor consiste no foco a partir doqual cumpre examinar a Literaturae, mais especificamente, a recepçãode determinada obra.

Desse modo, para Jauss, umestudo histórico da Literatura so-mente seria eficiente e coerente como que propõe, se mudasse o foco deorientação, antes centrado no tex-to, de acordo com uma visãoimanentista ou, então, arraigado auma ideologia externa ao fenôme-no literário. Para o leitor, pois, ain-da segundo o teórico alemão, seuma obra é lida, é porque ela é com-preendida.

A partir da afirmação de R. G.Collingwood, segundo o qual "sóse pode entender um texto quandose compreendeu a pergunta para aqual ele constitui uma resposta(COLLINGWOOD apud JAUSS,1994,p.37). H. R. Jauss utiliza a ló-gica da pergunta e da resposta comosua principal categoria metodoló-gica, uma vez que esta possibilita ainterpretação da obra e, também, a

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reconstituição do diálogo desta comseu público original e subseqüente.

Tanto em seu caráter artístico quan-to em sua historicidade, a obra lite-rária é condicionada primordial-mente pela relação dialógica entreliteratura e leitor - relação esta quepode ser entendida tanto comoaquela da comunicação (informa-ção) com o receptor quanto comouma relação de pergunta e resposta(JAUSS, 1994, p. 23).

Ao dar relevância ao papel de-sempenhado pelo receptor (leitor)na formação do sentido de obras li-terárias, Jauss opôs às tradicionaisestéticas da produção e da repre-sentação a estética da recepção edo efeito.

O presente artigo visa a anali-sar a atividade desempenhadapelo(a) leitor(a) implícito(a) na es-trutura narrativa do texto - aconcretização - tendo como objetode estudo o folhetim "Laurentina"(publicado no periódico "A Fle-cha", em 1879) e como suporte te-órico a vertente da Teoria da Lite-ratura conhecida como Estética daRecepção.

2 A ESTÉTICA DARECEPÇÃO

Hans Robert Jauss, no ano de1975, realizou uma exposição, du-

rante um congresso bienal de ro-mancistas alemães, no qual historiao surgimento da Teoria da Estéticada Recepção e situa o movimentona ordem dos acontecimentos polí-ticos e intelectuais da década de 60.Esse período foi caracterizado portransformações na vida universitá-ria em particular e na sociedadeocidental de modo geral. Nas uni-versidades surgiram instituiçõesmodernas e descentralizadas, comum maior diálogo entre professorese alunos.

No entanto, foi na sua aulainaugural, na Universidade deConstança, em 1967, que o teóricoalemão expôs a Teoria da Estéticada Recepção pela primeira vez. A"Provocação" de Jauss, como foiconhecida sua conferência, come-ça pela recusa vigorosa dos méto-dos de ensino da História da Lite-ratura, que eram considerados tra-dicionais e desinteressantes. Ele adefme como uma pesquisa sobre osefeitos da Literatura no leitor, bemcomo uma superação doFormalismo e do Marxismo.

A teoria da Escola deConstança busca uma superação doEstruturalismo, que não dava res-postas sobre a Literatura em umadimensão histórica, baseando-seapenas no conceito de estrutura. Oponto de partida da Estética da Re-

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cepção é o Formalismo russo e aTeoria da Crítica Literária Marxis-ta. H. R. Jauss recusa o dogmatismoe vê a possibilidade de abertura dasnovas tendências ou das correçõesque se fizessem urgentes.

Em linhas gerais, a proposta deEstética da Recepção, de uma rea-bilitação metodológica da Históriada Literatura com a intenção detorná-Ia fundamento para uma Te-oria da Literatura, que eqüidistasseentre o Estruturalismo e o Marxis-mo, encontra eco no quepropugnava Hans George Gadamer,ex-professor de Jauss na Universi-dade de Constança, que em 1961publicou a obra Verdade e métodoa partir da qual propõe uma novadireção àHermenêutica, atribuindo-lhe o papel de intérprete da histó-na.

Como Gadamer, que ofereceuao pensamento alemão a possibili-dade de uma reflexão filosófica,Hans Robert Jauss recupera a his-tória como base do conhecimentodo texto e, por essa via, traz de vol-ta o intérprete ou leitor.

No que se refere ao folhetim,o espaço concedido ao leitor cons-titui fator determinante para a con-junção de possibilidades que se con-sideram fundamentais no processode leitura.

Ao se tratar de Estética da Re-

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cepção, deve-se norte ar a análiseconsiderando que o ato de leiturapressupõe uma receptividade, gera-da pelo jogo de interação que seestabelece no processo dialético emque se situam o autor e o leitor ecujas relações - sociais e históricas- são mediadas pelo texto.

2.1 Recepção e efeito

o leitor, no processointeracional da Literatura, ocupa oespaço de destinatário de uma de-terminada mensagem (texto) que,por sua vez, funciona, também,como canal da relação dialógicaestabelecida entre autor (emissor) eleitor (receptor) no ato da leitura.Desse modo, a recepção constituio fenômeno que ocorre quando umaobra literária é lançada e que se re-pete, posteriormente, ao longo dahistória de sua existência, ou seja,este termo designa a acolhida queo público leitor de um determinadocontexto histórico e estético dispen-sa a uma determinada obra, marcan-do, assim, a própria vitalidade doobjeto literário, que se verifica porsua capacidade de se manter emconstante diálogo com o público.

De acordo com os pressupos-tos metodológicos da Teoria da Es-tética da Recepção, a História daLiteratura, para que seus estudos

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respondam satisfatoriamente à em-presa a que se propõem, deve ater-se de modo especial à recepção,sendo, desse modo, mais coerentecom o papel desempenhado peloleitor no fenômeno literário.

A resposta ou reação do leitorou de toda uma ideologia atuanteem um sistema estético ou históri-co-social' de um certo período, auma obra literária representa o efei-to. Através deste efeito, a relaçãoentre a Literatura e a vida socialtoma-se direta e indissociável, umavez que este pode representar osurgimento de novas orientaçõesestéticas, normas de comportamen-to, condutas sociais ou ideológicas,modificando, portanto, o status quo.

2.2 Concretização

o texto literário, devido ao seucaráter subjetivo, dialético edialógico, apresenta em sua estru-tura pontos de indeterrninação, la-cunas e vazios que são preenchidospelo receptor no ato da leitura(interação), deflagrando, assim, oprocesso interacional inerente aofenômeno literário, e, conseqüente-mente, à formação do sentido daobra.

Fundamentado por estaconstatação, Wolfgang Iser (teóri-co alemão parceiro de H. R. Jauss e

importante elemento na formaçãoda Teoria da Estética da Recepção)utiliza o conceito de concretizaçãocomo sendo, justamente, a ativida-de desempenhada pelo(a) leitor(a),ao entrar em contato com o texto,isto é, preencher os vazios presen-tes na obra por meio da ativação desua experiência estética, fruto deseu diálogo com textos anterior-mente lidos e concretizados. Dessemodo, na complexa engrenagemque forma a estrutura do texto lite-rário, o leitor se toma peça precípuapara a realização do sentido e, aomesmo tempo, responsável pelarecepção da obra, que só pode sercompreendida, in totum, enquantoforma de comunicação.

Wolfgang Iser retomou o con-ceito de concretização de dois es-tudiosos do fenômeno literário,Roman Ingarden e Felix Vodicka,de maneira a conjugar seus pontosde vista, sem, contudo, contradizê-los. Para R. Ingarden, o leitor é o"responsável pelo preenchimentodos pontos de indeterminação pró-prios ao estrato dos objetos apresen-tados" (ZILBERMAN, 1994, p.14).Porém "essa circunstância não con-fere maior relevância ao destinatá-rio, nem restringe a autonomia daobra" (ZILBERMAN, 1994, p.14-15). F. Vodicka refere-se à ativida-de concretizadora numa acepção

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diferente. De acordo com esse teó-rico do Círculo Lingüístico de Pra-ga,

a concretização depende antes docódigo introjetado pelo recebedor,sendo, pois, uma categoriasemiótica e estando sujeita a mu-danças, por variar entre épocas,classes, situações, diferentes(ZILBERMAN, 1994, p.23).

W. Iser, com base nas conclu-sões de R. Ingarden, decreta a exis-tência de uma estrutura de apelo[Appelstruktur], pois o texto literá-rio não se apresenta como um todohermético; seu sentido advém daatividade de concretização desem-penhada pelo leitor que, de acordocom o pensamento de F. Vodicka,depende dos códigos que o recep-tor introjeta na obra. Porém, W. Isernão contraria Ingarden:

as orientações dadas pelo texto seimpõem ao leitor, cujas predispo-sições não têm força suficiente paraalterar ou afetar a estrutura básica(e, neste caso, imutável) de umaobra de arte (rSER. apudZILBERMAN, 1994, p.65).

2.3 Leitor implícito e leitorexplícito

Wolfgang Iser faz odiscemimento de leitor implícito eleitor explícito, partindo do pres-

suposto de que há dois tipos deconcretização: uma que responde aohorizonte implícito de expectativas,sendo de cunho intraliterário, umavez que se apresenta como uma pro-posta viável para a formação de sen-tido da obra; e outra, extraliterária,que é referente à analise das expec-tativas que têm sua origem na ex-periência existencial dos leitoresreais.

Ao primeiro tipo deconcretização, corresponde o leitorimplícito: aquele a quem o texto sedirige diretamente, discernido pormeio da análise das estruturas ob-jetivas da obra. À concretizaçãoextraliterária corresponde o leitorexplícito: o indivíduo inserido emum contexto histórico-social que seapresenta como o principal respon-sável pela recepção de um determi-nado texto literário, ao acolhê-Ianegativa ou positivamente, de acor-do com um critério de valor e desua experiência estética.

Para um efetivo desempenhoda atividade do historiador literário,H. R. Jauss privilegia, a priori, aconcretização do leitor implícito,por se tratar do primeiro passo paraa definição da recepção e do efeitode uma obra literária em distintasépocas, espaços e por diferentespúblicos leitores.

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3 A LITERATURAFOLHETINESCA

3.1 O romance folhetim

Na segunda metade do séculoXIX, a diminuição do analfabetis-mo e a criação de uma imprensamais acessível favoreceram apopularização de um gênero literá-rio: o romance-folhetim. O termo"folhetim" - feuilleton - era atribu-ído inicialmente ao espaço vazio norodapé dos jornais - rez-de-chaussée - que era destinado à pu-blicação de diversas formas de en-tretenimento. O proprietário do jor-nal parisiense La Presse, Êmile deGirardin, utilizou o termo "folhe-tim" para indicar a forma do roman-ce publicado em capítulos, com cer-ta freqüência e regularidade, que foicada vez ocupando um lugar demaior destaque. Em 1840, a formadefinitiva do folhetim foi configu-rada; passara a ser escrita estrita-mente para a divulgação em capí-tulos, adaptando a estrutura narra-tiva às exigências que as publica-ções teriam a cumprir. SegundoAlexandre Dumas, essa estruturadeveria conter diálogos vivos, compersonagens tipificados e, acima detudo, demonstrar senso apurado nomomento do corte do capítulo, man-

tendo o suspense e incentivando oleitor à compra do próximo núme-ro.

Na França, o gênero literáriofolhetinesco, seguindo a correnteromântica, teve excelente acolhidajunto ao público-leitor durante todoo século XIX. A partir de 1885, pro-liferaram no Brasil os folhetins deautores nacionais, que no geral eramimitações de narrativas francesas.Apenas ocasionalmente apareciamcostumes ou algum hábito típico daregião. A maior parte dessas obrasoferecidas aos leitores apresentavaum estilo ingênuo, "água com açú-car".

o folhetim torna-se progressi-vamente um grande fenômeno deaprovação popular, contando coma participação do leitor que definea linha da trama, censura o compor-tamento dos personagens e decidepela supressão ou ressurreição des-tes. Ele também apresenta notáveiscaminhos de compreensão de umaépoca, do seu público-leitor, essen-cialmente feminino. Isso só se tor-nou possível depois que foi conce-dido às mulheres o direito ao livreexercício da leitura, antes feito àsescondidas.

Esses romances eram especi-almente dirigidos a moças e mulhe-

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res que, numa sociedade dominadapelos homens, encontravam, naque-le gênero literário, matéria para ali-mentar seus sonhos e fantasias como "príncipe encantado", fugindo,assim, de maneira efêmera, da suacondição de mulheres submissas eenclausuradas.

Os jornais foram o principalmeio de veiculação do romance-fo-lhetim. A veiculação diária de par-te das histórias garantia a vendadaqueles periódicos e, algumas ve-zes, foi o principal motivo de suapublicação.

Ao fazer parte do cotidiano,especialmente do público feminino,o folhetim fornece elementos paraa compreensão de época, do própriopúblico-leitor e da interação autor-obra-leitor, a ser analisada com oauxílio da Teoria da Estética daRecepção.

3.2 "A flecha"

Em princípios do ano de 1879,o maranhense Celso Magalhães e oportuguês Manuel de Bethencourt,apoiados por outros nomes de des-taque no circuito intelectualludovicense de então, fundaram operiódico "A Flecha". Paula Duarte,Aluízio Azevedo, Eduardo Ribeiro,Agripino Azevedo e João Afonsodo Nascimento eram os principais

contribuintes para a redação destejornal que, devido às suas particu-laridades, representou efetivamen-te um grande avanço na história daimprensa maranhense. A partir doadvento de "A Flecha", depois deaproximadamente 35 anos de atra-so em relação à imprensa nacional,o jornal maranhense passou a con-tar com um importante recurso vi-sual: a ilustração.

João Afonso do Nascimento(1855-1924) foi o responsável porgrande parte das ilustrações impres-sas em "A Flecha", que represen-tam uma preciosa contribuição àpesquisa sobre a história dos usos ecostumes maranhenses, na segun-da metade do século XIX.

"A Flecha" se apresentavacomo um periódico essencialmen-te satírico. Seus textos, notas e se-ções exercitavam um humor fino ecáustico, uma verdadeira artilhariasarcástica por parte dos redatorescujo principal alvo estava na socie-dade maranhense e nos seus costu-mes. Os artigos eram assinados porpseudônimos que atestavam acomi cidade do jornal, tais como:Xixi; Pli-Pli; Pim-Pom; Peteleque;Pinto Galo, etc. Devido à grandeprofusão de pseudônimosregistrados e à dificuldade de esta-belecer uma relação com o quadrode colaboradores dojornal, o conhe-

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cimento da verdadeira autoria dostextos publicados apresenta-secomo uma empresa de difícil exe-cução.

À época do aparecimento de"A Flecha", o Maranhão, no que dizrespeito à sua produção intelectuale literária, encontrava-se em umperíodo de pouca efervescência;embora, no contexto nacional, eravasta a gama de idéias a serem dis-cutidas. Segundo Jomar Moraes, naintrodução fac-similar do jornal:

A Flecha surgiu em momento pro-pício ao debate das grandes causasque agitaram a vida brasileira nasúltimas décadas do século XIX, emque estavam no ar as questões daabolição da escravatura, da procla-mação da República, de uma novaestética literária, enfim - uma con-fluência de anseios renovadores emtodos os sentidos, que vinham nobojo da idéia nova, esse caudalosoideário que, inspirado no materia-lismo cientificista, tinha como ex-pressões o evolucionismo, odeterminismo, o contra-espiritualismo, o liberalismo, oanticlericalismo, o positivismo, onaturalismo, o livre-pensamento(A FLECHA, 1980, p. 3).

Dentre seus textos destaca-seo folhetim jocoso "Laurentina",publicado em 1879, e que consti-tuirá objeto de estudo no item a se-guir.

3.3 "Laurentina"

Escrito em sete capítulos,"Laurentina" trabalha habilmente aexpectativa dos leitores no desen-volver de sua trama rocambolesca,na qual as características estéticasultra-românticas são articuladas demodo satírico e peculiar.

Assinado pelo pseudônimoVaz Ilha, o folhetim tem como en-redo a relação trágico-amorosa dospersonagens Laurentinae Lauro. Oautor-narrado r, lançando mão derecursos irônicos e apelativos, mos-tra-se hábil na estruturação de suanarrativa, com o intuito de susten-tar o envolvimento do leitor, numclaro processo de interação em quese defrontam o texto, com seu uni-verso de valores e o horizonte deexpectativas do autor, e o leitor, aquem cabe atualizar a mensagemficcional, mediante o preenchimen-to dos vazios abertos, deixados pelamão da autoria.

4 LAURENTINA: a atividade deconcretização dofa) leitor(a)implícito(a)

A atividade de concretizaçãoé exercida continuamente pelota)leitor(a) implícito(a) na estrutura dotexto por meio da narrativa estrate-gicamente elaborada, mantendo o

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receptor (leitor) em suspense, con-dição sine qua non para umasatisfatória e eficiente acolhida dopúblico do gênero folhetinesco, eevidência inequívoca do êxito ob-tido pela obra.

Na literatura folhetinesca, umadas principais estratégias utilizadas,com o intuito de estabelecer umatensão (expectativa) sobre o desen-rolar dos fatos, diz respeito ao cor-te dos capítulos, que obedece aoduplo princípio de continuidade -são os mesmos personagens quereaparecem - e descontinuidade -as ações narradas são diversificadas-, fazendo com que o receptor (lei-tor), antes mesmo de entrar em con-tato com o próximo capítulo, ativesua experiência estética, devida-mente inserida em um horizonte deexpectativa de acordo com a pro-dução literária da época.

Inicia-se, assim, o processo deconcretização que culminará, pormeio da conexão seqüencial entreos capítulos, na formação do senti-do do texto, de acordo, obviamen-te com as marcas textuais contidas,no corpus da obra, bem como comos pontos de indeterminação intrín-secos à natureza literária, que cons-tituem a estrutura de apelo textual.

O narrador-autor, do folhetim"Laurentina", desenvolve seu enre-

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do com plena ciência da atividadeconcretizadora exerci da pelo desti-natário de sua mensagem. Dessemodo, lança mão de variados recur-sos narrativos, para que o leitor,enquanto entidade implícita e explí-cita, enverede no labirinto textuale, seguindo as "pistas", descubrauma "saída" (sentido), que é o pro-duto tanto de seu exercícioconcretizador, quanto da habilida-de do autor, evidenciada pela capa-cidade de articular as partes do tex-to de modo coerente e coeso.

Um primeiro ponto que mere-ce destaque, no que tange à ativi-dade de concretização, são os títu-los dos sete capítulos que, por si só,já fazem referência à tensão que irátomar conta da narrativa: Romanceque promete; Romance que aindapromete; Romance que continua aprometer; Romance que é grandeem promessas; Romance que con-tinua para satisfazer a impaciênciade alguns leitores; Romance queestá quasi acabando; Romance quenão acabou a mais tempo por cau-sa do theatro.

Cônscio da expectativa ge-rada no(a) leitor(a), ansioso(a) pordesvendar o conteúdo dessas "pro-messas", por conta dos títulos es-trategicamente atribuídos aos capí-

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tulos, o narrador-autor tece umaconexão sutil entre as três primei-ras partes da narrativa, exigindo,assim, que o receptor interaja como texto, questionando-o, levantan-do hipóteses, preenchendo as lacu-nas deixadas, visando a reverter anarrativa folhetinesca, fragmentáriae fragmentada, em um todo plenode sentido.

No primeiro capítulo,Laurentina encontra-se à beira-mar,meditando, à espera de um"D.Juan". Por obra do acaso, ela oantevê entre as vagas, porém, pres-tes a se consumar o encontro, o flu-xo narrativo é interrompido e é fei-to o corte no capítulo. No capítulosubseqüente, a ação narrada é ou-tra, as unidades de tempo e espaçotambém. Em um café, um grupo derapazes bebe e dialoga, na expecta-tiva do aparecimento de um supos-to "héroe". Surge, então, Lauro que,apesar de ser o personagem centralna trama, não merece uma descri-ção minuciosa por parte do narradorque repassa esta atividade aos lei-tores implícitos na estrutura narra-tiva:

Era Lauro.Poupem-nos ou desculpem umapintura de Lauro. Imaginem umheróe de romance, cada qual segun-do a sua fantasia e ahi o teem (AFLECHA, 1980, p.35).

Lauro estabelece um diálogocom personagens secundários pre-sentes neste trecho, no qualquestionamentos são levantados:"(Lauro) E onde foste parar?" (AFLECHA, 1980, p.35).

Contudo, as respostas nãoconstam do texto. A indeterminaçãopaira sobre a trama, deixando o pla-no narrativo fértil para a atividadedo receptor:

- Não sei, concluía Lauro levantan-do-se.E saio.Olharam-se todos attonitos, cadaum com uma interrogação nosolhos (A FLECHA, 1980, p.35).

o que se encontra no terceirocapítulo é a transcrição de uma car-ta direcionada a Laurentina, na qualsão feitas promessas de amor e de-voção. Porém, antes do término daleitura da missiva e, mais do queisso, antes da explicitação do reme-tente, o fluxo narrativo é novamen-te interrompido de maneira estraté-gica: "- Que é isto? que papelada éesta? - Ah! Meu pae!" (A FLECHA,1980, p.44).

Devido à estruturaçãofolhetinesca, a conexão lógico-se-mântica entre os três primeiros ca-pítulos se faz única e exclusivamen-te no plano da concretização implí-cita. O próprio autor-narrador

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depreende e confirma este fato noprincípio do capítulo IV, que cons-titui um espécie de exegese do fo-lhetim.

É uma explicação este capitulo.Lauro amava Laurentina.Faço aos leitores a justiça de crerque já haviam percebido isto (AFLECHA, 1980, p.66).

Contudo, alguns pontos deindeterminação mais específicosainda persistem na narrativa. A ati-vidade de concretização se faz cons-tante no ato da leitura, de modo queo diálogo entre autor (emissor) eleitor (receptor), mediado pela obra(mensagem), venha a satisfazer dú-vidas, questionamentos e lacunaspresentes. O autor deve conduzir oleitor, por meio da estrutura de ape-lo, à formação do sentido precípuodo texto, tendo, porém, perspicáciapara não incorrer na falha, extrema-mente prejudicial à tensão narrati-va, de explicitar seu enredo intotum. Desse modo, estaria induzin-do o leitor e restringindo sua auto-nomia, desprezando sua experiên-cia estética e comprometendo a ati-vidade de concretização.

Vaz Ilha, autor-narrador-estra-tegista, conhece bem este preceito:

Vou romper estas trevas, vou nar-rar tudo e já n'este capítulo, por-que odeio o sistema de certos ro-

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mancistas que pousam um ponto deinterrogação em frente dos leitorese dizem: - é o que vamos explicarno seguinte capítulo.Eis um modo de torturar a curiosi-dade, que eu não approvo (A FLE-CHA, 1980, p.66).

Porém, na conclusão do mes-mo capítulo, o autor-narrado r inci-ta de maneira mais intensa, ainda,a expectativa do leitor pelo desfe-cho da obra. Vaz Ilha dá com umamão e tira com a outra:

Fica, pois, explicado o mysterio quetranspiraram os primeiros capítulose promettemos continuar esta nar-rativa na primeira occasião (A FLE-CHA, 1980, p. 67).

Nos capítulos V e VI, o autornarra a consumação do amor entreLaurentina e Lauro. Este fato veioa despertar a ira do "Commendador***", personagem anônimo, pai deLaurentina, que incumbiu seu filho,Carlos, de disputar um duelo comLauro em defesa da honra dadonzela. Lauro mata Carlos. O"Commendador ***", vendo seufilho morto, é acometido por umaapoplexia e também falece. Algu-mas pessoas, que assistiam a estafatídica cena, também duelam en-tre si resultando em mais dois ca-,dáveres. Lauro presenciava atônitoa cena, quando avistou Laurentinase aproximando. A jovem donzela

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se precipita na direção de Lauro eaperta fortemente a garganta doamado.

Nova interrupção no fluxo nar-rativo, coincidente com o clímax doenredo. É aberta mais uma "fenda"no corpus textual, para que o pú-blico leitor adentre no campo fértilda obra e, exercendo seu papel de"semeador" (concretizador), façabrotar o sentido deste romance fo-lhetim.

O último capítulo de"Laurentina" reserva ao receptorum acontecimento inaudito:Laurentina, num ataqueintempestivo de cólera, ao se depa-rar com os cadáveres do irmão e dopai, mata o amado Lauro. Porém, odesfecho do capítulo se apresentaainda mais surpreendente, uma vezque Laurentina é assassinada abordoadas por uma personagem se-cundária quase sem referências natrama: uma professora inglesa,Mistress Linderley, preceptora dafamília da personagem-título que,após cometer o assassínio, suicida-se com um golpe de tesoura najugular. Suas últimas palavras (queironicamente são também as pri-meiras em toda a narração), profe-ridas enquanto agoniza sobre o ca-dáver de Lauro: "- For always ...",mais uma vez atraem o leitor para

o exercício concretizador e, dessemodo, fazem com que estedepreenda que Mistress Linderleyera apaixonada por Lauro. A reve-lação de um amor platônico e forade suspeitas conclui a narrativa de"Laurentina". Um artifíciofolhetinesco jocoso que traz à bailauma crítica irônica a uma estéticaliterária que, à época da publicaçãodeste romance folhetim, chegava aseu ocaso - a estética ultra-rornân-tica.

Em um derradeiro intento deastuciosidade e interação com oCa)leitor(a) implícito(a) na estruturanarrativa de "Laurentina", Vaz Ilha,no epílogo anexo ao capítulo VII,faz uma provocação ao seuinterlocutor por meio do texto:

Somos forçados a terminar aqui,por falta de gente.Mas quem sabe ainda ao que podeacontecer!Estariam bem mortas aquellas setepessoas?[...]É o que havemos de ver no roman-ce que temos em mão, para conti-nuar este (A FLECHA, 1980,p.158).

5 CONCLUSÃO

De acordo com os pressupos-tos da Teoria da Estética da Recep-

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ção, pode-se observar que é de am-pla pertinência a sua aplicação aoestudo do gênero folhetim, poisatravés dos conceitos desenvolvi-dos sobre recepção e efeito, leitor(a)implícito(a), concretização, eviden-ciou-se a atividade interacional doleitor com o objeto literário.

Com essa análise mais acuradado folhetim, também se tornou pos-sível identificar o público a queeram destinadas essas narrativas,seus hábitos, expectativas e seuscostumes. Demonstra-se atravésdisso a relação indissociável entreliteratura e sociedade, em que umase reflete na outra.

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