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    PONTO URBE :ARTIGOSArtes do ax. O sagrado afro-brasileiro na obra de Caryb

    Artes do ax. O sagrado afro-brasileiro na obra de Caryb

    Vagner Gonalves da Silva (USP)[1]

    Introduo:

    Este artigo tem por objetivo analisar a presena do sagrado afro-brasileiro na obra de Caryb, nomeartstico de Hector Julio Pride Bernab, pintor nascido na Argentina em 1911, mas que residiu a maiorparte de sua vida em Salvador, Bahia, onde veio a falecer em 1997.

    A obra de Caryb vasta e abrange pinturas, desenhos, ilustraes, esboos, esculturas, gravuras,cermicas e murais. Utilizou-se de diferentes estilos e tcnicas (modelagem, incrustao, entalhe, alto ebaixo relevo, cinzelao, mosaico, aquarela, pintura a leo) aplicadas em diversos materiais ou suportes(madeira, cimento, argila, ferro, bzios, pedra, ladrilhos). Reconhecido no Brasil e no exterior como umrenomado artista plstico figurativo, algumas de suas obras podem ser encontradas em prdiospblicos, como os murais Fundao da Cidade de Salvador e o Mural dos Orixs, em Salvador,Alegria e Festa das Amricas, no Aeroporto Kennedy em Nova York, e Libertadores, no Memorial daAmrica Latina em So Paulo. Ilustrou livros de autores como Mrio de Andrade, Jorge Amado,Gabriel Garcia Marques, Mario Vargas Llosa, Antonio Olinto, Joo Cabral de Melo Neto, Pierre Verger-,peridicos, capas e encartes de discos de msica popular contendo cantigas de candombl, samba deroda e capoeira.

    A cultura baiana, especialmente aquela vinculada ao mundo do candombl, foi certamente sua maiorfonte de inspirao. E no s a ele, mas a um grupo de artistas de vrias reas, como Pierre Vergerna fotografia, Mario Cravo na escultura, Jorge Amado na literatura, Dorival Caymmi na msica , que emmeados do sculo XX se nutriram desta cultura e do seu aspecto religioso, para a elaborao de umaesttica que acabou por revitalizar as artes baianas e projet-la nacional e internacionalmente. Por meioda obra destes autores, consolidou-se o imaginrio de uma Bahia como terra boa com sua gentemestia, afvel e indolente, pintada em sua exploso de cores fortes, gestos sensuais e comidas comsabores condimentados. Uma Bahia de todos os santos e orixs...

    A principal referncia religiosa deste grupo foi o terreiro Il Ax Op Afonj, que teve seu auge na pocaem que era conduzido por Me Senhora (1942 a 1967), uma me de santo negra que soube aglutinarem torno de si outras importantes lideranas religiosas e uma parcela influente da classe artstica eintelectual[2]. Neste terreiro, ocuparam postos honorficos Jorge Amado, Pierre Verger, Dorival Caymmi,alm do prprio Caryb. Foi durante uma visita a este terreiro, inclusive, que o pintor comeou a sesentir mal vindo a falecer posteriormente.

    Nesse ensaio pretendo indicar os modos pelos quais a obra de Caryb ajudou a consolidar o discursosobre a baianidade, no qual o candombl, sobretudo o de origem queto ou nag (ioruba), foifundamental para a criao de cnones que regularizaram e divulgaram a partir dos anos de 1950, paraalm da prpria Bahia, alguns conceitos de mestiagem tnica e pureza religiosa. Argumento que pormeio da reproduo em suas obras da cosmologia e cosmogonia de um sistema religioso em particular,o candombl baiano queto, o autor ajudou a consolidar no plano artstico uma imagem nacional destesistema enfatizando a articulao dos mitos, ritos e liturgias. Atualmente difcil pensar a representaoartstica do candombl sem que os traos desenhados por Caryb no nos venham mente: orixs emsuas roupas rituais, cenas de dana, uso de cores vivas, gestos e movimentos captados com preciso.

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    Essa articulao, no , entretanto, resultado apenas de um projeto individual do artista, mas dialogacom tendncias coletivas que marcaram as obras do grupo mencionado acima, ainda que com algumasdiferenas.

    Optei por focar os dois trabalhos mais importantes de Caryb nesta rea, o Mural dos Orixs, feito emmadeira entalhada em 1967 e 1968, cujo catlogo com o mesmo ttulo foi publicado em 1971 (edioem preto e branco) e reeditado em 1979 (edio colorida), e A Iconografia dos Deuses Africanos noCandombl da Bahia, livro que rene aquarelas pintadas entre 1950 e 1980.

    A seleo dos trabalhos mencionados neste ensaio, entretanto, no se baseia apenas nestas duasobras mencionadas de Caryb. Foi feita a partir de um universo de cerca de 500 reprodues digitaisde trabalhos do artista (telas, esculturas, painis etc.) utilizados para a elaborao da exposio Ouniverso Mtico de Julio Paride Bernab o baiano Caryb, ocorrida em 2006 no Museu Afro Brasil,com a curadoria do tambm baiano e artista plstico Emanoel Araujo[3]. Foram selecionadasbasicamente aquelas obras que apresentavam temas centrais relacionados religiosidade afro-brasileira. Posteriormente estas obras foram organizadas em seis princpios temticos: 1) Os quatroelementos bsicos dos orixs; 2) Os orixs e suas insgnias sagradas; 3) Os mitos dos orixs; 4) Osritos (etapas da iniciao e festas) dos orixs; 5) Sacerdotes e espaos sagrados; 6) Os orixs nacultura brasileira, ou aquilo que chamei de obras de sntese. Considerando a vasta produo deCaryb, no possvel indicar aqui todas as obras que poderiam ser classificadas com base nestesprincpios, sem contar que muitas delas podem ser classificadas em mais de uma categoria. Portanto,penso que esta categorizao deve ser vista mais como um ponto de partida do que de chegada paraas interpretaes que se seguem.

    1. Murais sagrados.

    Caryb pintou ou esculpiu a maioria das divindades do candombl em vrios suportes e verses, masfoi com a coleo Murais dos Orixs, feita em painis de madeira entalhados, que conseguiu expressarde forma sistemtica sua leitura desta esttica sagrada. Os painis foram encomendados pelo Bancoda Bahia[4] e realizados entre 1967 e 1968. Atualmente encontram-se no Museu Afro-Brasileiro deSalvador[5]. So vinte e sete pranchas. Dezenove delas medem trs metros de altura por um metro delargura e oito medem dois metros de altura por um de largura. A tcnica predominante o entalhe namadeira com incrustaes das insgnias dos orixs feitas de cobre, prata, ouro, ferro, lato, bzios,espelhos e fios de contas.

    (Fonte : http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1361447)

    As pranchas apresentam em geral uma estrutura decomposio temtica semelhante: em cada prancha foientalhado um orix na parte central e superior(ocupando cerca de 65% da altura da prancha, ou seja,aproximadamente do tamanho de um homem, o que daos orixs uma dimenso humana) e os animaisvotivos que lhes so consagrados na parte inferior. Emalguns casos, os assentamentos (vasos e ferramentassobre os quais so feitos os sacrifcios) aparecem naparte lateral.

    Na prancha abaixo[6], vemos um exemplo desta estrutura. Exu foi representado com seu tpico gorrocnico tendo o corpo adornado com bastes em forma de falo e as inmeras cabaas contendo aspoes mgicas que ele costuma carregar. O galo e o bode fazem referncia aos animais de suapreferncia. O pequeno monte de terra, esquerda, representa o altar (que tambm pode ser umapedra) onde geralmente cultuado. O tridente sobre o monte alude ao fato dele ser o senhor dasencruzilhadas.

    Caryb no usou cores para pintar o Mural. Esta opo contrasta com uma das

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  • Caryb no usou cores para pintar o Mural. Esta opo contrasta com uma dascaractersticas mais conhecidas de suas telas, na quais a vivacidade das coresbusca reproduzir a esttica dos terreiros e da vida cotidiana baiana. Nesseuniverso, as cores so importantes elementos identificadores dos orixs.Amarelo para Oxum; preto e vermelho para Exu; branco para Oxal... Porm, decerto modo, ao no modificar a cor original da madeira (ocre), o artista aludiu aocarter sagrado que a rvore e as plantas em geral tem no sistema religioso docandombl, no qual se costuma dizer que sem folha, no h orix. A mata porexcelncia o espao natural de vrias entidades especficas, como Ossaim,Oxssi e Irco. Alm disso, as rvores esto associadas aos antepassadossendo utilizadas como metforas nas sociedades que nelas v a continuidadeentre as geraes passadas (as dos ancestrais representados pelas razes) efuturas (as dos descendentes representados pelos galhos ou frutos). No Mural,os orixs no apenas esto na madeira, mas eles parecem ser feitos dela,como que revelados ou descobertos sob a superfcie escavada da prancha. anatureza divinizada que se expressa.

    Para reproduzir as formas, volumes e texturas dos elementos representados, oartista utilizou duas tcnicas: o entalhe e o incrustamento. Por meio da primeira, esculpiu o corpo evestiu com primor os orixs reproduzindo as roupas dos santos em seus detalhes minuciosos: ariqueza dos bordados e das tramas das rendas, as estampas dos tecidos, a transparncia dos panossobrepostos, formas que adquirem os toros de cabea, os laos, o movimento destas roupas quandoos orixs danam no barraco. Abaixo dois exemplos retirados das pranchas de Ew e Oxagui[7].

    Ao lado, vemos o contraste entre o saiotede palha e a saia de renda transparente.Acima, o movimento dos panosestampados ao redor do corpo do orix acompanha seus gestos na dana de ataque.

    Na prancha dedicada a Oxaluf[8], Caryb parece tecer em madeira a delicadeza do bordado em pontorichilieu presente na saia e nos panos que cobrem o velho orix da criao que se veste somente debranco. O richilieu um dos pontos bordados mais caractersticos da indumentria do candombl. Estpresente no traje tpico das baianas e no pano da costa que os adeptos levam ao ombro. Compeainda a prancha um ib (caracol) entalhado na parte inferior. Este molusco, devido coloraoesbranquiada de seu sangue, a oferenda tpica para Oxaluf que tem por interdito o sanguevermelho. As curvas espiraladas da concha do ibi e suas antenas dianteiras parecem refletir,respectivamente, a posio arqueada do deus ancio e o cajado da criao (opaxor) que ele leva frente do corpo e no qual se apoia para andar. Ambas as figuras foram entalhadas de perfil e numamesma direo. Disto resulta uma analogia entre o movimento lento de ambos.

    Na prancha dedicada a Obaluai[9], orix respeitado devido ao seu poder sobre as doenasepidmicas, vemos que o entalhe procurou reproduzir as fibras da palha da costa desfiada (raphiavinifera) utilizada na produo do az (fon) ou ko (ioruba), manto que veste por completo o orix. Por tertido varola, o deus esconde o corpo para disfarar as marcas da bexiga. Na imagem entalhada, porm,essas marcas so visveis nos ombros, cotovelos e pernas expostas.O entalhe dos animais tambmmostra a importncia destes na relao dos adeptos com suas divindades. (No entalhe acima vemosque o movimento da palha reflete o movimento dos pelos do bode). No candombl, cada orix possuiseus animais votivos que so determinados segundo os mitos ou preceitos da tradio[10]. Naspranchas, os animais aparecem entalhados aos ps dos orixs, mostrando que a base do culto destes

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  • o sacrifcio, momento em que os orixs se alimentam com o ax (fora) do sacrificado estabelecendoum pacto entre sacrificante, sacrificado e sacrificador. O sacrifcio no candombl envolve inmerospreceitos. Um deles estabelece que ao ser sacrificado um bicho de quatro ps (quadrpede) precisocal-lo, isto , sacrificar um bicho de dois ps (uma ave) para cada pata do animal sacrificado.

    A prancha, abaixo, que representa Ossaim[11], orix das folhas, exemplar desta concepo. Nelavemos um bode (bicho de quatro ps) que sustenta em suas costas um galo (bicho de dois ps). Estesanimais, por serem as comidas prediletas de Ossaim, aparecem sustentando a divindade que temapenas uma perna (o corpo assume, inclusive, a forma de uma rvore: a perna torna-se o tronco e aparte superior do corpo a copa coberta pelas diferentes folhas dos orixs). significativo o nmero depernas representadas (4, 2, 1) para sustentar, no duplo sentido, essa viso mtica.

    Considerando que os animais e oferendas alimentares (que envolvem espciesvegetais) de um orix tornam-se em geral tabu para seus filhos de santo, podemosdizer que h no candombl uma dimenso totmica latu sensu regularizadoradestes tabus (quizilas ou ewos). E as pranchas, de certo modo, apresentam-secomo emblemas totmicos. No espao expositivo onde elas se encontram, entre oespectador que as observa e os orixs entalhados esto os animais que sedestacam no plano da obra por serem os elementos dinmicos da fora dosdeuses.

    Caryb entalhou os animais reproduzindo na madeira a forma e a textura dos vriostipos de pele dos seus corpos. Por meio de figuras geomtricas conseguiureproduzir a plumagem das aves (como a do galo de Exu, a da coruja de Iyami e ada conqum galinha dangola - de Nan), os pelos dos caprinos (como os docarneiro de Baba Abaol e Orix Ok oe os do bode de Obaluai), a superfcie durados cascos dos animais (como o do tatu de Ibualama e do cgado de Xang) e asfinas escamas que recobrem os peixes de Iemanj. Abaixo, reproduzo detalhes daspranchas contendo estes animais citados[12]:

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  • Utilizando a tcnica do incrustamento, Caryb vestiu os orixs com as ferramentas (espadas, lanas,escudos, leques etc.) e demais elementos que compem o conjunto das indumentrias (bzios, marfim,espelhos, correntes, pulseiras, prata, ferro, ouro etc.). Como os orixs foram esculpidos no tamanhomdio de um homem e as ferramentas incrustadas so iguais quelas encontradas no terreiro, obtm-se assim um efeito de realidade, ou verossimilhana, que estabelece um pacto semntico entre a obraartstica e o poder mgico que estes objetos tem no contexto religioso. Estas ferramentas e elementosnaturais no esto representados na prancha por meio de suas formas entalhadas na madeira. Elasesto l, de fato, como se da presena do objeto em si emanasse sua eficcia ou seu poder simblico.Com isso, as pranchas reforam seu carter de emblema totmico, mencionado anteriormente, e setornam simultaneamente uma reproduo figurativa realista do orix e um objeto-fetiche em si mesmo,tal como um assentamento que feito com elementos variados que tem a ver com o domnio que o orixrege na natureza: pedras, bzios, ferro, prata etc.

    Vejamos alguns exemplos. Nos terreiros, Oxal aparece sempre vestido de branco e usando abeb(leque), ad (coroa) e fil (tiara ou franja de fios que lhe esconde o rosto) na cor prata. Seus colares,braceletes e pulseiras so feitos de elementos desta cor como contas, bzios e marfim. Na pranchadedicada a este orix[13], vemos que estes elementos foram incrustados no corpo da divindade(cabea e braos) e sobre a ampla saia bordada em richelieu. Assim, o orix segura suas ferramentas e vestido de fato com elementos que so utilizados no terreiro.

    Oxum um orix feminino associado riqueza e a fertilidade.Orix da gua doce, vaidosa, gosta de se vestir com muitaspulseiras e colares e admirar sua prpria beleza no espelho.Suas cores so o amarelo, o bronze e o dourado. Na pranchadedicada a ela[14] estes elementos aparecem incrustados sobreseu corpo que assume a forma ondulada dos peixes os quaisaparecem bordados em sua saia.

    Na prancha, abaixo[15], dedicada a Baynni, me de Xang que usa uma coroa de bzios muitogrande, pois sua cabea enorme(Caryb, 1979:44)[16], os bzios foram incrustados de modo aconfigurar a coroa tal como se v nos terreiros.

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  • Os bzios tambm foram utilizados para caracterizar Oxumar, divindade associada ao arco-ris e cobra. Na prancha, abaixo[17], sete linhas entalhadas em forma de curva sobre a cabea da divindaderepresentam as sete cores do arco-ris. Acredita-se que Oxumar o responsvel por levar a gua daterra para o cu, possvel razo de vermos em suas mos duas cobras com a cabea em forma de setaapontando para cima. O corpo das cobras possuem sulcos como se fossem rios sinuosos quecaminham em direo ao cu. Quando incorporado nos terreiros, este orix usa colares feitos de bziostranados no peito, como os que vemos na figura entalhada, representando tanto as cobras que carregae domina quanto sua capacidade de propiciar a riqueza (os bzios eram utilizados como moeda, daseu simbolismo com a fortuna).

    Se a figura dos orixs entalhados cria um efeito de metfora, a incrustao das insgnias dos deusescria um efeito de metonmia, pois no se trata de representar com uma figura (a imagem entalhada)outra figura (o deus propriamente dito), mas de vestir ou cobrir a imagem do deus entalhado com oselementos ou insgnias realmente usadas por estes. Os objetos incrustados visam expressar umaconcepo ou um conceito abrangente do que o orix associando a obra artstica ao universo mticodo qual orix e a prpria obra fazem parte.

    Estendendo a possibilidade de pensar as pranchas como portais para os conceitos religiosos, o Muraldos Orixs apresenta algumas divindades com base no imaginrio ou na mitologia, seja porque estesdeuses no entram em transe e, portanto, so santos que no se vestem (no se tem uma imagem decomo so), seja porque o artista quis enfatizar uma imagem para alm daquela do deus vestido nobarraco, uma metfora artstica do seu domnio, poder e ax.

    Um exemplo foi visto acima na prancha de Ossaim na qual o corpo da divindade feito das vrias folhasusadas no culto aos orixs[18].

    Outro exemplo a prancha de Ogum, abaixo[19], o deus ferreiro que forjou as armas de guerra e osutenslios agrcolas usados pelos homens. Seu corpo constitudo de objetos diversos como correntes,facas, pregos, chaves, cadeados, ferraduras, arados e enxadas. Alguns destes objetos so utilizadosnos terreiros para o culto aos orixs, como o agog, campnula de duas ou uma boca utilizada noacompanhamento musical dos atabaques, e o adj, sino utilizado para chamar ou saudar os orixs.

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  • Esta imagem de Ogum uma leitura dos assentamentos da divindade encontrados expostos nasentradas ou nos altares internos dos terreiros, conforme se v nas fotos abaixo. Em geral, so feitos deuma espcie de assemblage de objetos de ferro (como os j citados) colocados em um alguidar (baciade barro) tendo ao lado esculturas antropomrficas do orix feitas de ferro. Um importante elemento acompor o assentamento a ferramenta de Ogum que tem o formato de um arco e flecha com miniaturasde instrumentos agrcolas penduradas no arco. Na prancha, trs destas ferramentas aparecem emdestaque ao lado da cabea de Ogum.

    Exemplo da inspirao mitolgica presente no Mural pode ser dado pelas pranchas de Ob e Iemanj[20]. Ob uma das trs esposas de Xang, ao lado de Oxum e Ians. Por ser pouco feminina eguerreira dificilmente conseguia angariar os privilgios do marido. Oxum, alm de bela e vaidosa, eraexcelente cozinheira e seus pratos sempre agradavam o deus do raio, o que a tornava a esposapreferida. Por insistncia de Ob, Oxum ento revela o segredo de sua comida: um pedacinho de suaorelha era cozido junto com os quiabos da iguaria preferida do rei. Ob, ansiosa por agradar, corta suaorelha direita, prepara-a conforme as instrues e serve ao marido. Ao mastigar aquela estranhacomida, Xang, enfurecido com a ousadia da mulher, amaldioou Ob. Por isso, essa divindade sempreque dana no barraco esconde envergonhada orelha com as mos. Na prancha, uma Ob de olhosfechados, para no ver o prprio engano, esconde o rosto com seu escudo de guerra. Por outro lado,estas armas (escudo e espada) enfatizam sua melhor qualidade: a predisposio para a luta e otrabalho. Ao contrrio, na prancha da rival Oxum, a presena do disco de cor dourada, que ela seguracomo a um espelho e no qual mira vaidosamente sua prpria face, serve para indicar que suasprincipais armas so a beleza e o poder da seduo dela decorrente.

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  • Iemanj a senhora do mar cujos filhos so peixes. Naprancha, abaixo[21], a vemos sustentada por dois delese cercada por criaturas aquticas. O formato de seucorpo o de um peixe e sua saia apresenta estampascomo se fossem escamas. Com a mo direita seguraum leque de prata que tem um espelho ao centro. Coma outra mo segura uma concha prximo orelha. Coma cabea inclinada parece ouvir as ondas do mar. Ela a me de todos os orixs. No interior de seu ventre osdeuses foram gerados com suas particularidades eidentificaes. Para enfatizar este aspecto damaternidade, fundamental na mitologia de Iemanj no Brasil, seu ventre escavado aparece exposto,como indica o detalhe da prancha direita, e nele podemos ver alguns destes deuses, como Xangcom seu machado bifacial e Ogum com sua espada.

    A relao de Iemanj com as sereias, as mes dgua,as ondinas etc. parece ter sido o ponto de partida paraCaryb produzir a sua verso desta entidade. Nosestudos abaixo, publicados no catlogo sobre o Muraldos Orixs, vemos que a ideia de mulher-peixe ou sereia orientou os vrios esboos feitos.

    Alm dos orixs, o Mural composto por quatrodivindades de cultos especiais: Yami Oxorong(grandes mes ou ancestrais femininos), Baba Abaol(egungun ou, traduzindo, ancestrais masculinos), If(orculo) e Ibeji (gmeos associados no Brasil aosespritos infantis).

    Iami Oxorong o nome genrico que recebem as feiticeiras (ajs) na tradio iorub. Soreverenciadas no candombl, mas pouco se sabe sobre a histria e extenso de seu culto no Brasil,parecendo no ter se difundido a no ser como referncia em outros ritos, como no pad ou ipad (ritopara Exu e para os ancestrais masculinos e femininos). Nas ltimas dcadas, devido crescentedivulgao de mitologias oraculares de origem iorub, a meno a estas entidades tem sido maisfrequente. So tidas como feiticeiras que assumem forma de pssaro, por isso, chamadas de assenhoras do pssaro da noite (Moura, 1994), sendo a coruja (wiwi, em iorub) o smbolo de seutemvel poder. Na prancha[22], abaixo, este mistrio representado por uma figura central de mulhercom cabea de pssaro (os chifres representado os bicos das aves) que segura duas cabaascontendo pssaros, metfora do mistrio e poder. Uma figura menor, no alto esquerda, representauma Iami (mulher-pssaro) ou os pssaros que estas enviam para enfeitiar as pessoas. No candombl,teme-se que a sombra (ojiji) projetada pelas asas destes pssaros possa causar malefcios a quem nose proteger.

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  • Bab Abaol, abaixo[23], um egungun ou bab (pai) erepresenta um antepassado divinizado. O culto deegungun, de origem iorub, tambm envolvido emmistrio e praticado no Brasil em poucos e exclusivosterreiros. Em geral, o egungun veste-se com uma roupafeita de tiras de panos ornamentadas com bzios eespelhos e presas no topo de um chapu plano deformato quadrado. Bzios e espelhos aparecemincrustados nos relevos que representam essa roupa. Obzio utilizado como moeda na frica Ocidentalrepresenta o poder de troca e a comunicao entrevivos e mortos, homens e deuses, sem a qual no hequilbrio no mundo. Em geral, onde se cultua egungunno se cultuam os orixs, embora alguns destes possam ser homenageados, sobretudo os que tmalgum vnculo com a morte, como Nan, Obaluai e Ians. Apesar desta separao de culto, osegunguns, esto estreitamente vinculados aos orixs, pois representam espritos de antepassados queem vida foram iniciados ou eram filhos de orixs. Bab Abaol, por exemplo, um egungun vinculado aXang. Em sua roupa foram entalhados inmeros oxs (machado bifacial, smbolo desta divindade) e ocarneiro consagrado a Xang.

    If ou Orunmil, orix da adivinhao representado na prancha abaixo[24], no incorpora, por isso foirepresentado por seu sacerdote, o babala, que segura em sua mo direita o opel-if, um colar feitode oito metades de sementes (da rvore opel, Schrebera arborea) atados a uma corrente e queformam duas metades de quatro caroos cada. De acordo com a posio da queda destas metadesquando lanadas ao cho, o adivinho traa sobre um disco de madeira, o opon-if (entalhado na moesquerda do babala), recoberto por um p amarelo, um risco (para as metades que caem com a partecncava voltada para baixo) ou dois riscos (para as metades que caem com a parte cncava voltadapara cima). Cada configurao de oito posies (organizadas em duas fileiras paralelas de quatroposies), obtidas num lance do colar, forma um signo chamado de odu (associado ao destino), o qualremete a um conjunto especfico de poemas ou narrativas mticas sobre a natureza do mundo, a vida dosorixs e as frmulas mgicas usadas por estes nos tempos imemoriais para resolver problemas e obterboa fortuna (sade, riqueza, longevidade, filhos etc.). O conjunto das 256 possibilidades decombinaes destas posies est dividido em dois grupos: o primeiro formado pelas dezesseis

    posies nas quais as duas fileiras paralelasapresentam a mesma posio de cada das metades eso chamadas de baba odus (ou odus pais); osegundo, pelas outras 240 posies e so chamadasde omo odus (odus filhos). Os mitos de If, divulgadoscom maior intensidade a partir do final do sculo XIX,vem organizando desde ento a cosmologia da religiofon-ioruba na frica e na sua dispora nas Amricas.Caryb sabendo da importncia deste sistema nodesenvolvimento do corpus mtico do candomblentalhou na parte superior da prancha os dezesseissignos principais, os baba odus, como se a prpriaprancha fosse um opon-if. Na prancha v-se tambm

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  • que os traos feitos no disco de madeira, que o babalasegura com a mo esquerda, reproduzem as posies destas dezesseis metades no colar de If, queele exibe em sua mo direita. Isso demonstra o cuidado de Caryb em expressar sua artecoerentemente com os ensinamentos religiosos. Vale lembrar que o odu que aparece entalhado chamado de gnd mj, no qual repondem os orixs Ogum, Oxssi, Oxum e Nan[25].

    Atualmente, os mitos de If, organizados segundo os odus, tem sido muito divulgados, sobretudo entreos terreiros mais comprometidos com a manuteno ou recuperao das tradies de origem iorub.Entretanto, a prtica do jogo de opel-if, como sistema de adivinhao propriamente dito, pouco sedifundiu no Brasil devido, entre outros fatores, complexidade de seu manuseio e a falta de um corpode sacerdotes especializados. O que se popularizou, de fato, foi o jogo de bzios que realizado pormeio de dezesseis conchas marinhas e que guarda alguma relao com os odus pais do opele-if. Osbzios geralmente so lanados no interior de um crculo formado por fios de contas. Dezesseispossibilidades de arranjos podem ser obtidas de acordo com a quantidade de conchas que caem coma parte aberta para cima ou para baixo. Tal como no opel-if, cada configurao obtida corresponde atemas mticos associados aos orixs e o sacerdote deve saber relacionar estes temas com osproblemas ou as finalidades que levaram o consulente a consultar o jogo-de-bzios. No detalhe daprancha, acima direita, vemos um jogo de bzios feito a partir da incrustao na madeira de fios decontas coloridos e dezesseis bzios. A posio destes bzios (14 abertos e 2 fechados) estrelacionada ao odu Ik, correspondente entidade Egum (Braga, 1988:169), esprito dos mortos.Finalmente, a figura de um galo na base do painel parece indicar a importncia do sacrifcio ou dopagamento do jogo a Exu, como forma de propiciar a comunicao dos homens com os deuses. Exu,orix mensageiro que ocupa um lugar de destaque no sistema oracular o agente mtico que propicia ofluxo entre o dom e o contra-dom. Em alguns mitos, Exu aparece, inclusive, como o deus que ensinou Orunmila o jogo do opel-if e seu derivado, o jogo de bzios, sem os quais os deuses no poderiamser cultuados e os homens no poderiam contar com a proteo destes.

    Caryb se baseou, para conceber o Mural dos Orixs, em informaes provenientes de sua prpriaexperincia nos terreiros baianos, de suas leituras e de conversas com pesquisadores e sacerdotes doculto aos orixs. No catlogo do Mural, alm das fotografias de cada prancha, h reprodues dosestudos feitos, o que nos d uma compreenso do que se buscou representar em cada uma delas.Nestes estudos, Caryb anotou informaes bsicas que julgava importantes tais como a definio decada orix, seu domnio natural, os animais que eles comem[26], suas cores e dias da semana, seusadornos e insgnias, suas relaes com os santos catlicos e de parentesco mtico entre si etc. Emmuitos esboos, ao lado destas informaes, o informante, assim designado pelo autor, apareceidentificado: Olga de Alaketo, Antonio Santana (Ob Kankanf), Waldeloir Rego, Menininha do Gantois,Prof. Agenor, Didi Deoscoredes dos Santos, Pierre Fatumbi Verger[27]. Trata-se, portanto, de umcircuito seleto de famosos pais e mes de santo e de pesquisadores. Ou seja, os esboos reproduzemas concepes e as vestimentas dos orixs segundo a prtica adotada nos terreiros que faziam partedesta rede. Ew (orix das guas) esta identificada como sendo do candombl de Menininha doGantois. Onil (orix protetor da casa), como sendo cultuado no Ax Op Afonj. Algumas variaesnestas concepes tambm so anotadas, como se v no esboo de Oxagui que apresenta duaspossibilidades de paramento: Orix Giyan [Oxagui] de Tia Massi danava sem escudo. Numa mo opilo e na outra a espada. O de Cosme era com escudo e espada, levava o pilo amarrado cintura.O de Cosme acabou sendo escolhido para ser entalhado[28].

    As instrues sobre o material a ser usado e o mtodo de produo das peas das incrustaestambm esto registradas nestes estudos. No esboo da prancha de Ogum, abaixo, h uma anotaosobre o caldeiro de ferro: Encomendar ao ferreiro da Ladeira da Conceio, ferros de Ogum dediversos tamanhos, cravos e escpulas para fixar os ferros. Agogs pequenos e badalos, adjs

    A regio da Ladeira da Conceio e da Ladeira da Montanha (no estudo o nome da segunda apareceriscado e substitudo pelo da primeira), localizada no centro de Salvador, era conhecida por abrigar asoficinas dos ferreiros que executavam as ferramentas utilizadas no culto aos orixs (Amado, 1971:32).Ainda hoje possvel encontrar na regio ferreiros famosos, como Jos Adrio, ou Z Diabo, queinclusive j exps suas ferramentas em inmeras galerias e museus brasileiros e do exterior. Conclui-se,

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    portanto, que os ferros utilizados na prancha foram fabricados por gente da religio (ferreiros-artesos).E outros materiais e insgnias parecem tambm ter tido a mesma procedncia, como se v na anotaofeita nos esboos para a produo da prancha dedicada ao orix Ok, abaixo[29], (orix da agriculturaque toca uma flauta de osso e que pouco cultuado no Brasil).

    Escreveu Caryb no centro do esboo, reproduzidoabaixo, as seguintes instrues para execuo da flauta,vista em detalhe acima: Para fazer a flauta conseguirossos de animais consagrados a Orix Oc na Casade Olga [de Alaketo].

    Comose v, oMuralfoi

    concebido por Caryb como uma expresso artstica do universo religioso que o fascinava. Entretanto,mais do uma expresso, o artista buscou fazer com que o Mural fosse parte desse universo econservasse, ele prprio, a dimenso religiosa que pretendia expressar. Esta concepo resultavacertamente da prpria posio do autor que circulava entre estes dois universos, o da arte e o dareligio, e ao que tudo indica no fazendo deles dimenses distintas, seno convergentes ousimultneas[30].

    Ainda no universo da arte, Caryb retoma com o Mural a tradio nordestina do entalhe, da escultura emmadeira, da serigrafia e da gravura que de certo modo, est presente nos cordis que relatam os mitos,lendas e histrias populares. Nesse sentido, a lenda dos orixs contada via os painis como sefossem episdios de uma estrutura narrativa mais ampla. A ausncia de cores no Mural talvez sejacompensada pelo volume das figuras e seu impacto em termos visuais[31].

    2. Iconografia dos deuses africanosO livro Iconografia dos deuses africanos no candombl da Bahia rene 128 aquarelas de Caryb,pintadas entre 1950 e 1980, com introduo de Jorge Amado, que o classifica de obra maior, e ediogrfica de Emanoel Araujo. Ao final apresenta textos de Waldeloir Rego (Mitos e ritos africanos daBahia) e de Pierre Verger (Orixs da Bahia). A capa, abaixo[32], contm um conjunto de insgnias dosorixs dando uma mostra do colorido e das formas que compem essa iconografia. Interessa-nos aquianalisar algumas aquarelas apresentadas e o principio organizador deste material: o xir do candombljeje-nag.

    Xir uma estrutura sequencial de louvao (comcantigas ou rezas) dos orixs cultuados num terreiro oumesmo numa "nao" (modelo de rito), indo de Exu aOxal. Devido profuso de divindades vindas dastradies religiosas dos grupos tnicos africanostrazidos ao Brasil, o xir serviu para articular a relaodestes deuses entre si, seja por relaes de parentescomtico, origens regionais ou domnios da natureza quecompartilham. Apesar de conter algumas variaes,conforme o terreiro ou a nao, em geral o xirapresenta a seguinte ordem de homenagem aos orixs:Exu (que deve sempre ser homenageado em primeirolugar), Ogum, Oxssi, Obaluai, Ossaim, Oxumar,Xang, Oxum, Loguned, Ians, Ob, Nan, Iemanj eOxal (que deve ser homenageado por ltimo, pois deus maior da criao). Durante o xir, um a um, todosos orixs so saudados e louvados com cantigas

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  • prprias, s quais correspondem danas e coreografiasque particularizam as caractersticas de cada um. nesse momento, de grande efervescncia ritual, que asdivindades "baixam" em seus filhos e executam, elasprprias, suas danas. Assim, sempre que um terreiro promove um toque, seja uma sesso ordinriaou uma festa de orix (toque especial destinado louvao de um ou mais orixs), o xir seguido.

    Nesse sentido, ao exibir as aquarelas ordenadas segundo este princpio, o livro pretende manter-se, eleprprio, parte do mundo que quer representar. Tal como no Mural dos Orixs, a obra em si parecequerer-se contaminar pelas regras e preceitos do que retrata. E como no candombl, nada ditoexplicitamente, pois o conhecimento vem da observao das regras do segredo e a curiosidadeexcessiva malvista, tambm o livro deixa que o leitor identifique ou no esta estrutura a depender dograu de familiaridade que ele tiver em relao ao sistema religioso.

    Baseado no xir, o livro pode ser visto em trs sees: 1) Iniciao (nascimento), 2) Xir dos Orixs e3) Morte (axex)[33].

    Na primeira, h uma espcie de introduo musical. Caryb apresenta a orquestra do candombl pormeio de trs aquarelas que retratam os instrumentos musicais (atabaques, agog e xeker) e os seustocadores, os alabs. Considerando que a msica fundamental nessa religio, pois para danar eestar entre os seus que os orixs descem no corpo dos filhos, compreensvel que no livro, como navida real, estes instrumentos e seus tocadores anunciem o contato dos homens com os deuses docandombl.

    Em seguida, o foco desta seo uma sada de ia apresentada numa sequncia de onzeaquarelas[34]. Como a finalidade de um toque atribui um "sentido particularizado" estrutura do xir, assadas de ia so os momentos plenos da expresso da vida religiosa do povo-de-santo, pois nelas osorixs nascem publicamente, assim como seus filhos nascem (ou renascem) para o culto aos orixs.Nestas festas, o ia (iaw), iniciado, normalmente costuma fazer quatro aparies em pblico[35],conhecidas como: "Sada de Oxal" ou "de branco" (ou, ainda, sada de "muzenza", no rito angola[36]);Sada "de nao" ou "estampada"; Sada "do ekodid" ou "do nome" e Sada "do rum" ou "rica". Naprimeira "sada", o ia (em transe) totalmente vestido de branco, reverencia Oxal. Na segunda, o iavem vestido e pintado com as cores da "nao" de sua divindade de cabea. A terceira sada, tambmchamada "sada do ekodid" (pena vermelha de papagaio, relacionada com a fala), o momento emque o orix, incorporado em seu filho, d um salto para o alto e grita rapidamente o seu nome "secreto".Na quarta sada, o orix aparece vestido com suas roupas especficas acompanhadas de suas"ferramentas" (insgnias) para danar, pela primeira vez, em pblico. Assim, as quatro apariespblicas do iniciado so momentos privilegiados de elaborao (ou nfase) da identidade religiosa doindivduo e do grupo. Caryb focou este processo de iniciao, desde seu incio. A primeira aquarela(Primeira manifestao de que o orix quer ser feito, p. 25), abaixo, mostra um momento em que oorix de um no iniciado se manifesta. Em geral, a pessoa perde o controle dos movimentos, numaespcie de desmaio, e os filhos da casa lhe cobrem o corpo imobilizado antes de retir-la do barracopara que possa recobrar seus sentidos.

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  • Este chamado do orix significa que o santo est prximo, mas s poder se manifestar plenamente(danar, por exemplo) se a pessoa concordar em se iniciar. Ou seja, para que o orix se manifeste nacabea (ori) de uma pessoa preciso que esta cabea seja preparada ritualmente. Na iniciao apessoa, de certo modo, morre (desmaia) para a vida anterior e renasce para uma nova etapa marcadapela comunho com seu orix. A nfase na cabea como sede do ax e da identidade, destacada emduas aquarelas deste grupo, abaixo, um bom exemplo da aguada percepo de Caryb sobre aimportncia desses ritos nesse processo de construo da identidade, como, alis, demonstra aexpresso fazer a cabea, que significa iniciar-se no candombl.

    Comparo, acima, uma das aquarelas deste grupo (Cabeas de pessoas que se iniciam no candombl,p.29) com uma gravura de Rugendas, (Negros moambiques [37]), na qual so exibidas asescarificaes tnicas faciais como smbolos da identidade individual e grupal. Aqui pode se constatar aimportncia das marcas sobre a pele na construo da identidade. As pinturas iniciticas feitas com ascores sagradas - branco (efum), azul (waji) e vermelho (osun) - inscrevem na pele do iniciado umaidentidade afro-brasileira da mesma forma que as escarificaes tnicas africanas. E, considerandoainda que no candombl algumas escarificaes so feitas no corpo do ia, como marca do processoinicitico, vemos que as aquarelas buscaram mostrar a importncia que as cores e os traos tem naidentidade dos modelos de ritos e das divindades. As pinturas rituais, embora no sejam perenes nasuperfcie da pele em relao s escarificaes, possuem um forte sentido no contexto religioso. Porrepresentar um pacto com o sagrado (com o orix, o terreiro, a nao) a pessoa levar essas marcaspara o resto de sua vida. Costuma-se dizer no candombl que um iniciado uma pessoa que foipintada. Se pintar o ia um ato sagrado, o artista ao pintar a figura do ia pintado busca captar asacralidade deste momento. Da ser ntida a postura de incorporao destes iniciados (esto de olhosfechados).

    O carter sagrado que as cores e as formas tem neste sistema religioso foi certamente um grandeapelo para Caryb. Por isso sua arte to tributria da fora e da vivacidade destas cores e seuscontrastes.

    Reproduzo, abaixo, as aquarelas Nome de Iaw, esquerda, e Terceira sada da pessoa que seinicia, direita.

    Por fim, duas aquarelas abordando a quitanda dos ias[38] encerram este grupo.

    A segunda seo, Xir dos Orixs, forma o ncleo central do livro com 102 pranchas nas quais os orixsso apresentados na ordem em que so saudados no xir, ou seja, abre com Exu e fecha com Oxal. E,

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  • entre os dois, so apresentadas aquarelas referentes a Ogum; Oxossi; Logun Ed; Ibualama; Otin; Iyami;Omolu; Ossaim; Roc; Tempo; Oxumar; Xang; Axob; Nan; Ibeji; Ians; Oxum; Ob, Ew; Iemanj; If;Oxal e Er. Ainda que algumas destas divindades no sejam cultuadas em todos os terreiros ouhomenageadas na ordem do xir propriamente dito, como If (orculo da adivinhao) e Er (entidadeinfantil), existe uma lgica classificatria nessa organizao. Por exemplo, Oxossi; Logun Ed; Ibualamae Otin so orixs da caa. Yami Oxorong so feiticeiras temidas e por isso esto ao lado de Omolu,tido como grande feiticeiro e curandeiro. Ossaim, Roc e Tempo so deuses fitoltricos, embora Temposeja uma divindade cultuada nos candombls do rito angola.

    Para cada orix h um conjunto de 4 ou 5 pranchas em mdia por meio das quais trs temas sodesenvolvidos: orixs, ferramentas e cerimnias. No primeiro, o orix apresentado individualmentecom seus paramentos. No segundo, as ferramentas do orix so destacadas e desenhadasindividualmente e, no terceiro, as cerimnias em homenagem s divindades so enfocadas por meio decenas de festas pblicas, em geral, nas quais os deuses paramentados danam com suas armas einsgnias. Esta estrutura ou sintagma composto destes temas (orixs + ferramentas + cerimnias )poderia ser descrito em termos visuais da seguinte forma, a partir de trs aquarelas do conjuntodedicado a Ians:

    No desenvolvimento do tema Orixs, Caryb buscouretrat-los enfatizando os aspectos centrais de suaidentidade mtica.

    Na postura de Ians, acima, com nariz erguido, vemos aaltivez desta rainha, esposa de Xang, senhora dos ventos e das tempestades. Sua coragem e valentia somarcas de seu comportamento associadas ao seupoder de seduo.

    Abaixo, esquerda, o orix da guerra Ogum retratado em posio de ataque, empunhando a espada.Seu peitoril, capacete e tornozeleiras preparam-no para a batalha com a um soldado. A posio daspernas e a cabea altiva indicam deciso e predisposio para o combate, afinal este o orix quesegue frente abrindo os caminhos.

    Para retratar Oxum, abaixo, direita, deusa do ouro e do cobre, o artista destacou o amarelo de suaroupa. Os laos pendentes para um lado e saia para o outro indicam os movimentos pendulares esuaves de sua dana que reproduzem as guas dos rios. Os ps entrecruzados e a leve inclinaolateral da cabea reforam a ideia de delicadeza e leveza de seu corpo ondulado e enfatiza as formastidas por femininas. Leque (abebe), colares, braceletes, pulseiras e chapu com grandes laos e fios deconta sobre o rosto revelam a vaidade da deusa.

    No desenvolvimento do tema Ferramentas, o procedimento de desenh-las individualmente e comdestaque em relao indumentria geral do orix, permitiu ao artista explorar suas formas esignificados em detalhes. Tal como os rostos pintados dos ias, as ferramentas so as expresses deidentidade, poder e realeza dos orixs. Com elas eles expressam o domnio sobre o qual reinam emanipulam suas foras mgicas contra ou a favor dos homens.

    Nas ferramentas abaixo, vemos na primeira aquarela, esquerda, uma representao do bculo deExu em forma de pnis (og), pois ele o senhor da fertilidade (p. 49). A ele todos os sacrifcios devemser direcionados em primeiro lugar, por isso usa um penteado pontiagudo e saudado como o senhorda faca (ob), destacada ao centro. Na condio de mensageiro ele o dono das encruzilhadas,representadas no garfo esquerda. Propicia, ainda, o movimento da energia vital presente em todos osseres, por isso as formas espiraladas que representam o crescimento lhe so dedicadas, como a haste direita.

    Na segunda aquarela, vemos as armas do senhor do ferro e da metalurgia, Ogum. (p. 59). Faces ou

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  • pequenas miniaturas de armas e instrumentos agrcolas pendurados numa haste reta ou em forma dearco so seus smbolos tpicos. As formas da ferramenta, localizada direita e acima na tela, servirampara compor a face esculpida de Ogum no Mural dos Orixs.

    Na aquarela dedicada aos oxs, machados bifaciais de Xang, senhor da justia e dos raios, abaixo esquerda, vemos que o artista procurou registrar as inmeras possibilidades de construo simtricahorizontal e vertical desta ferramenta. A variao das pontas so verses de uma forma bsica queocupa o centro da tela. Nela o rei parece sustentar o ox na cabea enquanto seus braos em arcoreproduzem esta forma.

    E, finalmente, na aquarela abaixo, direita, vemos o xaxar de Obaluai. Com esta vassoura feita depalha da costa e bordada com bzios e cabaas, o orix das epidemias e das doenas, da sade e dacura pode afastar os males ou lan-los contra seus inimigos. O perfil da ferramenta e seus pingentesde bzios lembram o corpo do prprio deus que quando em transe na terra se veste com um capuz depalha da costa para que no lhe vejam as marcas da varola, conforme comentamos em relao prancha dedicada a Obaluai.

    No tema Cerimnias, relacionei as aquarelas sobre festas e cerimnias religiosas. Caryb pintoupraticamente a totalidade de festas que marcam o calendrio litrgico anual dos terreiros.

    Em geral, para cada orix ou grupo de orixs celebrada uma festa anual cuja data normalmente segueo calendrio cristo catlico. Em junho, ms de So Joo Batista e So Pedro, so comuns as"Fogueiras de Xang". Para Obaluai, feita a festa do Olubaj, em agosto, devido ao dia de SoRoque que comemorado neste ms. Em setembro realizam-se as guas de Oxal (cujo ciclo culminacom a Festa do Pilo de Oxagui), o que tambm pode acontecer em dezembro, poca do Natal cristoe por Oxal estar associado ao Senhor do Bonfim ou Jesus. Tambm em setembro feita a Festa deEr (Ibeji ou Vunje), espritos infantis associados a S. Cosme e S. Damio comemorados neste ms.Em outubro, a Feijoada de Ogun, que tambm pode ocorrer em abril, devido comemorao de SoJorge realizada no dia 23 deste ms. As Festas das Iabs, como o Ipet de Oxun ou o Acaraj de Ians,acontecem em dezembro, no ms que se comemora o dia Nossa Senhora da Conceio e de SantaBrbara com quem elas so associadas, respectivamente.

    Caryb seguiu a ordem do xir para apresentar as aquarelas destas festas pblicas e das cerimniasde oferendas e sacrifcios. Assim, a primeira cerimnia apresentada em Iconografia um Pad de Exu.Este rito deve ser feito sempre antes de qualquer toque ou festa, independentemente de quem seja odono dela (orix homenageado). Para sua realizao necessrio haver o sacrifcio de sangue queocorre nos assentamentos desta divindade e a oferenda de bebidas (lcool e dend) e outros alimentosque ocorre geralmente no espao do barraco sendo acompanhado de msica e dana. significativo,portanto, que Caryb tambm comece a srie de suas cerimnias pintadas apresentando umaaquarela sobre estes ritos, conforme vemos abaixo:

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  • Caryb baseou-se para pintar estas cerimnias e ritos, assim como os orixs, em observaes feitasnos terreiros que frequentava. Entre estes esto, pela ordem que so mencionados no livro: Ax OpAfonj, Candombl de Procpio, Casa Branca do Engenho Velho, Candombl do Gantois, Candombldo Bate Folha, Pai Cosme, Olga de Alaketu, Candombl de Rafael Boca Torta, Candombl do Bogun,Candombl do Paizinho e Il Oxumar. Alm das cerimnias ocorridas em terreiros, retratou duas festasque ocorrem no litoral baiano no dia 2 de fevereiro: a famosa Festa de Iemanj no bairro do RioVermelho, em Salvador, e no bairro de Arempebe, na costa baiana.

    A maioria dos terreiros mencionados tido como os mais tradicionais e importantes do candomblbaiano, na tradio nag, jeje e angola, o que torna as aquarelas de Caryb tambm um importantedocumento etnogrfico, alm de artstico, sobre estas tradies. Muitos ritos e cerimnias mencionadasno so, inclusive, comuns em outros terreiros no resto do Brasil, como a Procisso de Iamass, do AxOp Afonj, ou o sacrifcio para Oxssi feito com arco e flecha. Por outro lado, a Feijoada de Ogum, queteria sido uma inveno do terreiro de Procpio de Ogunj (Lima, 2010) hoje praticada em muitosterreiros. Abaixo, estas trs cerimnias mencionadas:

    No seria possvel analisar aqui todas as aquarelas, mas gostaria de mencionar dois aspectos geraisque poderiam se aplicar a interpretao geral delas[39]. O primeiro refere-se ao cuidado de Caryb emmostrar as vrias etapas ou dimenses que envolvem a realizao de uma festa. o caso do Olubaj,cerimnia feita em homenagem a Obaluai, na qual todas as comidas dos orixs devem ser preparadase servidas ao pblico. Para custear a festa, os filhos da casa pedem donativos nas ruas e em trocaoferecem pipoca, alimento que representa as feridas do orix e usado para limpeza fsica e espiritualquando passado pelo corpo. Abaixo, duas ias so retratadas nesta atividade, carregando o cesto depipocas. Em outra aquarela, Caryb mostra o desenvolvimento da festa j no espao do barraco, eesse o segundo aspecto a ser mencionado. O artista em seus quadros capta exatamente o momentomais esperado das festas, aquele que sintetiza as caractersticas dos deuses e o clmax dashomenagens a eles. No Olubaj, um dos momentos mais aguardados quando o deus danando eagitando sua roupa de palha da costa se atira ao cho, como que possudo pela peste, e comea a secoar desesperadamente at que um al (pano litrgico) estendido sobre seu corpo para esfriar ouconter a virulncia de sua manifestao. Na aquarela, os dedos de Omolu parecem transmitir acontradio de seu corpo ou de sua magia: vtima da doena, mas ao mesmo tempo capaz deextermin-la.

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  • Ajer

    Na aquarela dedicada a festa de Xang, chamada Ajer, (p. 150), abaixo, o artista retrata o momentoem que o deus, incorporado em seus filhos, coloca na boca bolas de algodo embebidas em azeitefumegante demonstrando seu poder sobre o fogo que, segundo o mito, ele cospe pela boca enquantoatira raios com as mos.

    Na aquarela Pet de Oxum, no Candombl CasaBranca, (pag.195), abaixo, reproduzida uma festa em homenagem a Oxum, na qual servido o Petou Ipet, um de seus pratos preferidos feito de inhame com camaro cozido no dend. Vemos uma cenaem que o ritual feito no barco da Oxum, uma construo em alvenaria na forma de um barcolocalizada na entrada do terreiro. Esta cena significativa, pois se sabe que na frica muitos doscapturados que embarcavam para serem vendidos no Brasil como escravos eram obrigados a darvoltas na rvore do esquecimento para que perdessem ( fora de alguma suposta feitiaria) seus eloscom o passado[40]. Nesta festa e na aquarela que a retrata, vemos, porm, que as memrias foramaqui reconstrudas ao redor de uma outra rvore sagrada (a da lembrana?) plantada dentro do barco. inevitvel, portanto, no comparar esta embarcao de Oxum com o navio negreiro do qual pareceser uma anttese. O barco de Oxum, divindade das guas, est preso terra, porm reconstituiu o quefoi trazido na mente dos africanos em sua travessia pelas guas do Atlntico. Na proa vemos asquartinhas dos orixs como que sinalizando que com os homens no barco vieram seus deuses. A forado sagrado aqui surge como forma de resistir experincia dispersiva do desterro e estabelecer novosdilogos com presente.

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  • Por fim, fechando o xir, so apresentadas as aquarelas em homenagem a Oxal, senhor da criaoque pode se manifestar como orix jovem e guerreiro, chamado de Oxagui, ou orix velho e respeitadocomo criador dos homens, chamado de Oxaluf. A aquarela dedicada a este deus, Festa de Oxalufan,(p. 239), abaixo, mostra uma procisso que sintetiza a cosmogonia dos deuses cultuados no xir. O velho deus arqueado e apoiado em seu cajado da criao, o opaxor, dana sob o al (pano branco)estendido pelos orixs Ogum e Xang que vo frente, seguidos por dois Obaluai e, por fim, umaOxum e outro orix no identificado

    Findo o xir preciso fechar o ciclo anual das festas dos orixs, o que ocorre geralmente no incio daquaresma quando os sacrifcios de animais e as festas so suspensas. Este ritual, conhecido porOlorogun, foi retarado por Caryb na aquarela de mesmo nome: Olorogun - Ritual de encerramento dasfestas por um perodo (p. 242), reproduzida abaixo:

    Na terceira seco do livro, os temas da morte (axex)e do culto aos antepassados aparecem nas dez ltimas aquarelas. No candombl acredita-se que apsa morte de um iniciado preciso separar aquilo que a iniciao uniu, ou seja, libertar o orix do ori,agora sem vida, no qual ele foi assentado. O rito fnebre, chamado axex, consiste ento em promovereste desligamento por meio de sacrifcios, cnticos, danas e rezas para que tambm o esprito domorto (egum) no atrapalhe mais os vivos. No caso de mortos ilustres possvel que eles sejamcultuados como egunguns, sobre o qual comentamos acima por ocasio do mural dedicado a BabaAboul.

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  • Esta seo do livro se inicia com a aquarela Fazendo Mari (p. 248), abaixo. O mari o nome dado folha de dendezeiro desidratada e desfiada formando uma espcie de cortina de tiras. Geralmente colocado sobre os batentes das portas e janelas do terreiro protegendo os espaos da influncia deenergias negativas e perturbadoras. consagrado a Ogum que muitas vezes se veste com tiras de mari[41]. tambm muito utilizado no culto aos mortos e antepassados. No livro, a presena destaaquarela exatamente no fim da seo do xir e incio da dos ritos fnebres parece indicar a mudanatemtica como uma passagem da vida para a morte, do Lesse orix para o Lesse Egum[42].

    As aquarelas seguintes retratam as inverses que os ritos fnebres propiciam. Se a iniciao envolve autilizao de vrias cores aplicadas na pintura dos ias e no colorido das suas roupas de sadas, agoratodos recebem apenas a pintura efum (de cor branca) sobre a cabea e se vestem de branco(Cerimonial fnebre, p.251). No candombl a cor do luto o branco e no o preto, como nocatolicismo romano[43]. E no axex os atabaques usados para louvar os orixs so substitudos porjarros percutidos com abanos de palha pelos alabs. (Axex no Candombl de Ciraco, p.253).

    Tudo o que for usado neste rito deve ser coberto e ao final do ciclo, que pode durar vrios dias,despachado juntamente com os assentamentos e insgnias do orix do falecido (Axex cerimonialfnebre, p. 255).

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  • Por fim, as aquarelas sobre os egunguns desenhadoscom suas roupas coloridas feitas de tiras de pano bordadas com miangas, espelhos e bziosretomam o ciclo da vida ps-morte tal como se acredita no candombl. A possibilidade de oscultuadores ilustres de orixs se tornarem eles prprios objeto de culto e poderem voltar ao mundo dosvivos, como fazem os orixs, para poder danar e estar entre os seus descendentes, mostra o cartercclico desta religio onde o importante estar aqui e desfrutar das cores, danas, msica, gestos,comidas, bebidas e muita festa (Amaral, 2002).

    Nesse sentido, Iconografia convida-nos a acompanhar o processo de insero e desligamento dosadeptos da religio utilizando o xir como princpio organizador e tambm os matizes das cores docandombl em sua dimenso simblica. Os orixs da criao, que vestem branco, como Oxal, porexemplo, so apresentados ao final do livro, ao lado dos ritos fnebres, pois, afinal, no candombl a corda morte branca, a mesma da criao. A paleta de cores das aquarelas exibidas ao longo daspginas do livro desemboca assim no branco predominante das penltimas pginas, antes de voltar aocolorido das roupas estampadas dos egunguns (antepassados divinizados) das pginas finais.

    Vale lembrar ainda que o livro, fechando com os antepassados ilustres, de certo modo tambm volta sua abertura, pois a primeira aquarela nele apresentada dedicada por Caryb memria de BibianaMaria do Esprito Santo, ou Senhora, me de santo do candombl do Ax Op Afonj (p. 3). Comovimos, Caryb pertencia ao quadro dos obs de Xang neste terreiro e conviveu com a ialorix at amorte desta ocorrida em 1967. O santo de cabea de Senhora era Oxum, associada a Nossa Senhorada Conceio por ambas regerem a fertilidade e a maternidade. Esta associao e o prprio apelido(Senhora) com que a ialorix era conhecida levaram Caryb a represent-la comparando sua posiode liderana e carisma com a da Nossa Senhora catlica, como se v nas duas aquarelas abaixo:

    Sentada em seu trono, a ialorix representada como uma grande me. Na gravura da esquerda vesteuma ampla saia amarela, cor de Oxum, e um pano da costa vermelho, cor de Xang, padroeiro do OpAfonj e junt (segundo santo) de Senhora. Por trs, a porta azul protegida por um mari indica que ali um espao sagrado do candombl zelado por ela[44]. A gravura da direita, Homenagem a MeSenhora - Iya Nass (1968-71), reproduz a ialorix na mesma posio da anterior. Porm, a formatriangular das vestes alude imagem consagrada de Nossa Senhora Aparecida (tambm consideradanegra) com seu manto azul. Na parte superior da tela, pairam, como se fossem anjos da guarda, osorixs Xang (com roupas de listras vermelhas) e Oxum (tendo o corpo em forma de sereia). Noprimeiro plano, uma cabea de animal (ainda com as folhas rituais na boca) e quatro metades de obi(um fruto tambm conhecido por noz de cola, Cola acuminata) indicam alafia, ou seja, confirmam queo sacrifcio foi aceito. No contexto da religiosidade popular catlica e do candombl essas duasveneradas mes parecem compor duas verses que se fundem em traos e cores significando, pormeio delas, o tringulo: maternidade, amor e sacrifcio.

    Sendo o ser humano um intermedirio para a vinda dos orixs terra, Caryb foi muito sensvel aopapel dos homens e mulheres na manuteno do candombl, sobretudo ao legado dos grandessacerdotes e sacerdotisas retratados em suas atividades cotidianas no terreiro e em momentos detranse em que suas figuras mitificas se impem unindo o carisma da pessoa ao de seu orix. Abaixo,uma aquarela de Pai Cosme (Sacrifcio para Oxaguian Candombl de Pai Cosme, p. 231) e daIans de Olga de Alaketu (p. 173).

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  • Por fim, gostaria de retomar a questo mencionada anteriormente sobre as imagens produzidas porCaryb a partir da mitologia dos orixs e sua relao com a produo fotogrfica de Pierre Verger.

    Sendo o candombl uma religio originariamente de tradio oral, a fixao dos mitos por meio depublicaes escritas trouxe uma nova forma de preservao, organizao e reproduo daquilo que seconhecia sobre os deuses, seus domnios, suas histrias, seus gostos, personalidades e formas deculto. O registro de mitos dos orixs data das primeiras etnografias feitas em Salvador na virada dosculo XIX e desde ento pode ser encontrado na maioria das publicaes de pesquisadoresacadmicos e dos prprios religiosos. Pierre Verger foi, a partir da segunda metade do sculo XX, opesquisador que mais organizou fontes e publicou os mitos recolhidos por ele no Brasil e na fricaOcidental ou traduzidos da literatura etnolgica africanista inglesa e francesa. Caryb, chamado ailustrar inmeras destas publicaes de Verger e de outros autores, acabou dando uma visualidadepara a narrativa desses mitos que se difundiu entre adeptos e o pblico mais amplo. Para muitosleitores familiarizados com esta parceria, o trao de Caryb indissocivel das narrativas mticas oudas fotografias de Pierre Verger. E vice-versa[45]. Muitos desenhos de Caryb parecem ter sido feitos apartir das fotos de Verger, como a aquarela de Exu, mostrada na pgina 44. Em duas recentespublicaes, Caryb & Verger Gente da Bahia (2008) e Caryb, Verger e Caymmi Mar da Bahia.(2009), as fotografias de Verger e os desenhos de Caryb foram mesclados comprovando asafinidades entre os projetos artsticos dos dois autores, no s pelo tema comum, mas tambm pelaforma de abord-lo. Reproduzo, abaixo, duas destas imagens mescladas presentes nas capas dessesdois livros, respectivamente:

    A fora da ilustrao feita por Caryb parece residir nomodo pelo qual buscou sintetizar numa nica imagem,

    ou em poucas, aquilo que lhe parecia ser a mensagem central dos mitos dos orixs.

    No livro As Sete Lendas Africanas da Bahia (1979), baseado em relatos orais registrados pelo etnlogoWaldeloir Rego, Caryb publicou um conjunto de serigrafias, comentadas por Jorge Amado, na qual asxilogravuras reproduzem num sistema visual uma sntese dos motivos mticos. Em Foi Deus quem crioua primeira orix, abaixo, v-se num primeiro plano uma ia catulada (com a cabea raspada) e pintadarepresentando a prpria galinha dangola, associada ao rito de iniciao (Vogel; Mello e Barros, 2005).Narram os mitos que o mundo era feito de gua e Oxal para criar terra firme derramou um punhado deterra sobre a gua e pediu para uma galinha ciscar e espalhar o material criando os continenteshabitados pelos homens e pelos orixs. E para espantar a Morte (Iku) desse mundo criado, Oxal pintouuma galinha preta com tintas brancas e a soltou no mercado. A Morte assustada com esse animal queela nunca tinha visto antes saiu correndo (Vogel et alii, 1993:63). A posio da ia (no vemos, porexemplo, suas mos) lembra a ave e sua cor preta com galinhas faz meno galinha do mito. No choum obi sobre um prato anuncia alafia (sinal de que os deuses esto satisfeitos). Ao fundo, vemosOxal, divindade da criao, um bode e uma galinha dangola, animais votivos tpicos dos sacrifciosdas iniciaes.

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  • Em As Iyabs de Xang, abaixo, vemos o orix sentado em seu trono de rei, segurando o machadobifacial e soltando fogo pela boca. Ao seu redor esto suas trs mulheres (iyabs). Na parte superior datela aparecem Oba, esquerda, que esconde a orelha com a mo, e Oxum, direita. Na parte inferior,Ians solta fogo pela boca, numa clara aluso ao mito em que ela rouba o fogo de Xang, e porta oschifres de bfalo aludindo ao seu segredo de ser uma mulher-bfalo. Doze cabeas soltando fogo pelaboca aparecem abaixo do trono, seis esquerda e seis direita. O nmero 12 est associado a Xangem vrios mitos: so 12 os seus avatares e so 12 os seus ministros, os Obs de Xang, seis daesquerda e seis da direita.

    Outra aquarela significativa desta mitologia pintada de Caryb Xang carregando Oxal, abaixo, publicada em Iconografia (p.225). Segundo o mito, Oxal teria sido preso injustamente nas terras deXang que por conta disso entrou num perodo de infortnios: seca, fome, guerra etc. Consultado obabala, Xang, senhor da justia, descobre a injustia cometida e manda soltar o velho orix. Comodesagravo, pede que as mulheres de seu reino vistam-se de branco e em procisso levem jarros degua para lavar o deus da cor branca. Essa procisso conhecida como guas de Oxal rememoradanos terreiros e sempre que um Xang em transe encontra um Oxal em transe durante as festas ajuda-o

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  • a caminhar.

    As afinidades eletivas entre Caryb e Verger so evidenciadas quando comparamos Iconografia dosdeuses africanos no candombl da Bahia com Orixs, Deuses Iorubs na frica e no Novo Mundo, dePierre Verger, lanado em 1981, que rene fotografias tiradas no mesmo perodo em que Carybpintava cenas do candombl. Os dois livros, lanados com apenas um ano de diferena, sofundamentais para a compreenso do processo de valorizao e canonizao nacional (e internacional)das imagens do candombl baiano do rito jeje-nag.

    Organizando os temas dos captulos de Orixs por partes possvel notar que sua estrutura semelhante a de Iconografia com exceo da terceira parte (axex e egungun) ausente no livro deVerger[46]. A primeira parte identificada englobaria os trs primeiros captulos (Orixs, Iniciao eCerimnias) nos quais h uma apresentao das caractersticas gerais dos orixs e de suascerimnias de iniciao na frica (Nigria e Daom) e no Novo Mundo (Brasil, mais especificamenteBahia, Cuba e Haiti). Na segunda parte, cada um dos quinze captulos apresenta um orix tal como seu culto nas regies mencionadas. A sequncia dos captulos, cujos ttulos so os nomes dos orixsenfocados, segue a ordem do xir: Exu, Ogum, Oxssi, Ossain, Orunmil, Oranian, Xang,Oi-Ians, Oxum, Ob, Iemanj, Oxumar, Obalua-Omolu-Xapan, Nan Buruku, Orixal-Obatal-Oxal. Em Orixs, Verger esta interessado em demonstrar mais as permanncias entre essescultos nas duas costas do Atlntico do que suas rupturas. Para Caryb, embora as influncias africanasfossem importantes, seu foco foi muito mais o perfil do candombl tal como era vivido na Bahia. Emuitas imagens do fotgrafo francs sobre este candombl acabaram servindo de modelo para osquadros do pintor argentino, e ambas as imagens acabaram circulando e estabelecendo um modelovisual seguido por muitos terreiros fora da Bahia.

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    Iconografias, se comparado com o Mural dos Orixs, retrata o candombl de uma forma maisdocumental ou realista. No h na obra licenas poticas ou um uso da imaginao artstica paraconstruir formas concretas que expressem conceitos mticos abstratos, como nas pranchas de Ogum ouOssaim, j mencionadas. As aquarelas parecem pleitear o status de fotografias pintadas, de registrodo que foi visto tal como foi visto, ainda que reelaborado artisticamente. A tcnica utilizada por Caryb diferente, sem dvida, daquela utilizada por Rugendas, apenas para retomar a comparao entre osdois artistas feita anteriormente de forma pontual. Mas em ambos h o desejo premente de expressar arealidade vista para justificar o seu retrato. Para o artista viajante do sculo XIX tratava-se de, por meiodos seus desenhos estilo bico-de-pena, apresentar um pas pitoresco aos olhos europeus. Para o artistado sculo XX, tambm um viajante estrangeiro, porm muito mais envolvido com o mundo que serviu detema para a sua pintura, tratava-se de expressar os valores construdos no mbito dos terreiros, tambmpitorescos se vistos sob o ngulo de sua dinmica religiosa singular, para uma comunidade mais ampla.Este aspecto destacado na introduo de Jorge Amado ao afirmar que o livro de Caryb tem duasdimenses: uma de documento preciso e fruto de longa pesquisa e, outra, de recriao artstica. Mas,continua o escritor, a pesquisa na obra de Caryb no deveria ser vista como algo frio ou distante,porm fruto da convivncia ntima do artista com o candombl baiano.

    3. Snteses

    Na obra de Caryb vemos que os orixs podem ser expresses de princpios universais, mas tambmcontextuais. No primeiro aspecto, os orixs aparecerem como elementos da prpria natureza humana edivina. No segundo, eles ajudam a pensar os contextos sociais como a prpria formao da sociedadebrasileira e sua suposta propenso ao encontro de diferentes contribuies tnicas e culturais.

    Vejamos o primeiro item. Nas religies afro-brasileiras, costuma-se dizer que os orixs estorelacionados aos quatro elementos bsicos da natureza: gua, associada s divindades femininas(como Iemanj, senhora do mar, e Oxum, deusa dos rios); terra, associada s divindades protetoras oufitoltricas (como Obaluai, senhor das doenas e da cura; Oxossi, deus da caa, e Ossaim, senhor daservas e das folhas); fogo, associado aos orixs do dinamismo (como Exu, o grande deus mensageiro;Ogum, o ferreiro e guerreiro; e Ians, deusa dos raios) e ar, associado aos orixs da criao, comoOxal.

    Caryb procurou expressar esta cosmoviso por meio de quatro gravuras nas quais retratou estesquatro elementos, segundo a idia corrente no candombl de que os deuses e seus filhos so feitos deuma mesma matria mtica, ou seja, se o ori (cabea) de um homem feito de gua porque nele foicolocado esse elemento que tambm constitutivo do orix ao qual pertence, ou, como se diz nocandombl, de quem filho[47]. Assim, uma pessoa filha de um determinado orix no porque elatenha herdado deste orix suas caractersticas, mas porque ela prpria traz em si as marcas daqueleelemento do orix com o qual compartilha. Pessoa e orix so verses destes elementos ou princpiosque se sobrepem numa inter-relao mediada pelo culto da pessoa ao seu orix e ao seu prprio ori.Nessas gravuras, vemos como estes elementos (suas cores e formas) se fundem com as formas docorpo humano rompendo as possveis fronteiras entre o plano da natureza (dos elementos) e o plano dacultura (onde os homens se reelaboram como seres entre a natureza e a cultura[48]). Nesse sentido, oelemento natural divino e humano (ou cultural) simultaneamente, conforme se v nas quatro telasabaixo.

    Em A gua predomina a cor azul e as curvas das ondas formam as curvas de um corpo feminino quepor sua vez delineiam um peixe. Nesse caso, alude-se a relao do mar com Iemanj e com seu animalvotivo, o peixe. Essa afinidade Caryb tambm explorou na prancha dedicada a Iemanj no Mural dosOrixs.

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  • Na aquarela A Terra predomina a cor ocre e vemos duas verses de uma mulher deitada numa espciede gruta. Os rgos de seu corpo foram pintados como se fossem formaes rochosas: os dedos deuma das mos so estalagmites, porm os da outra mo perfuram a superfcie e oferecem um fruto. Osolhos fechados e a cabea pendente destas mulheres parecem indicar, entretanto, que dormem ou queesto mortas (enterradas). Tal como os brotos de plantas ou as sementes so enterradas paragerminar, os primeiros sepultamentos humanos - que ocorreram no mesmo perodo da domesticaodas plantas e dos animais-, provavelmente sinalizavam a possibilidade de os enterrados renasceremem outros planos da vida, seja fisicamente ou em forma de alma ou esprito dos antepassados. Paramuitos analistas as flores com que os mortos so enterrados simbolizam este renascimento. Aqui a terra vista como a me, um smbolo da fertilidade reforado pela posio destas mulheres com suaspernas entreabertas ou das mos sobre o ventre. Mas tambm espao da morte ou da transformao. Atela parece reafirmar o imaginrio da vida e da morte, da sade e da doena, da riqueza da fertilidade,assim como os orixs associados terra tem esses atributos como Obaluai, Oxssi e Ossaim.

    Na tela O Fogo predominam os tons avermelhados e opreto. Dois corpos humanos so delineados com as formas sinuosas de labaredas. A posio dosbraos abertos para o alto e do tronco nos remete forma do tridente de Exu, orix do fogo, dosmovimentos, da comunicao e da transformao, cujas cores so o vermelho e o preto. Vemos,inclusive, que na cabea das figuras aparecem adereos em forma de chifre ou ob (faca), smbolos dopoder, tal como esta entidade tem sido representada no Brasil e na frica.

    Por fim, na tela O Ar predominam as cores claras ou esmaecidas numa aproximao dos orixs dacriao que se vestem de branco. Aqui corpos humanos em movimento ascendente tornam-seesvoaantes, areos, como se feitos do prprio elemento que representam.

    Com relao ao segundo item, os orixs como expresses de princpios sociais formadores da culturabrasileira, a obra de Caryb pode ser vista como parte do projeto de valorizao da identidade nacionalque tem como centro as ideias de miscigenao e sincretismo. Nesse sentido, dialoga com a obra deautores como Gilberto Freire e Jorge Amado.

    Para abordar este tema, comparo dois quadros que, a meu ver, sintetizam esse aspecto da viso demundo presente na obra de Caryb que tem o candombl como influncia central.

    Bahia, acima, que bem poderia se chamar Brasil,apresenta os vrios planos e convergncias que caracterizam a cultura brasileira. Numa espcie dealpendre ou sobrado, visto desde dentro, temos ao centro a imagem de uma Nossa Senhora Negra queleva ao colo o seu menino Jesus igualmente negro. Seu leno amarelo faz dela tambm uma Oxum,orix da fertilidade e da maternidade. direita So Lazaro, exibindo as feridas na pele e vestindo oscolares de Omolu, conversa abraado com Oxossi. Este orix da fartura parece prover a comunidadecom a carne dos animais caados que segura diante de Nossa Senhora-Oxum. Uma ia pintada, direita, quase escapa da cena. Do lado esquerdo, Santo Onofre, vestido de folhas e portando umacabaa tambm Ossaim, orix das folhas. Ambos eremitas, seres das matas e dos segredos dascuras. Ainda deste lado, um Obaluia, com seu manto de palha da costa, tem diante de si uma quituteirade acaraj. Talvez seja a prpria Ians, cuja comida votiva preferida o acaraj e com quem Obaluai, o

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  • deus da varola, em vrios mitos se enamorou. Sob o caixote da quituteira, uma miniatura de mulherdescansa (mistrios de Caryb!). No andar de cima, a cena se concentra numa oferenda ritual realizadapor duas iniciadas (a da esquerda assume a posio mencionada anteriormente de galinha dangola).Um bode preto indica o sacrifcio ritual e devido cor do animal, Exu ser o homenageado. Capoerista,prostituta olhando de uma janela com veneziana vazada por um corao (um prostbulo?), casalnamorando, a torre de uma igreja (em frente ao prostbulo?), saveiros no mar azul, homem dormindo,outro carregando jaca e outro ainda chupando cana, cachorro, mulheres vestidas moda dos trajesrituais dos candombls baianos, tudo isso compe o cotidiano em que tudo se encontra e se esbarra.Cada ser entretido em sua vida, mas compondo com sua atitude a vida do outro. Orixs, santos ehomens de chapus de palha todos fazem parte de um contnuo.

    No quadro acima, intitulado A grande Mulata III, v-se uma composio semelhante com a do quadroanterior, do ponto de vista dos temas que o compem. No primeiro plano, a oferenda de farofa para Exuesta sendo preparada. direita, abaixo, Oxum paramentada de amarelo e com seu leque mo,conversa com um provvel So Jernimo devido ao leo que o circunda. Mas ele tambm Xang, quegosta de se vestir de vermelho e tem o leo como smbolo de sua realeza africana. Seu machadobifacial encontra-se aos seus ps. Acima de Xang, aparece Exu com seu og (porrete flico) sobre osombros e chapu em forma de gorro pendido para trs. esquerda uma mulher nua de seios grandes(Iemanj ou Oxum?) se mira no espelho. No ltimo plano, um saveiro e o mercado vermelho de SantaBrbaraIans se destacam. Capoeristas, marinheiros, mulheres conversando, cenas de boemia numbar, entre outros motivos, preenchem os demais planos da tela. Mas desta vez Nossa Senhora foideslocada para a esquerda. Em seu lugar, central na outra tela, uma negra (ou mulata, segundo o ttulode Caryb) de propores gigantes aparece nua deitada numa cama com as pernas entreabertas. Suavagina ocupa o centro da tela de onde parecem ter sado todas as pessoas e coisas que com elacompartilham a cama. Aqui parece que as supostas dualidades entre Natureza e Cultura, Carne e Almase dissipam. Sabemos que no mistrio da Imaculada Conceio, a virgem Maria[49] escutou com aAlma (Cultura) o anjo do Senhor e concebeu, no pela via do sexo (Natureza), seu filho, homem-deus[50], que veio para salvar os outros homens da barbrie do pecado original. O milagre desta MulataGrande, entretanto, inverter essa cosmologia crist em favor de paganismo festivo e sexualizado, noqual o mundo (a cultura) concebido pelo canal do sexo (da natureza). isso o que, alis, nos conta omito em que Iemanj, violentada por seu filho, Ogum, corre e, ao cair, faz sair de seu ventre toda a legiode orixs existentes. Na cultura africana e afro-brasileira o sagrado vem da terra e do baixo corpo, porisso tudo o que diz respeito a estes sagrado. Os sentidos do corpo so todos acionados na religio (aviso das cores vivas e formas naturais, a audio das msicas e rezas, o gosto e o olfato das comidasvotivas bem temperadas, o xtase da possesso). Esse princpio, que une o sagrado ao profano, oextraordinrio ao cotidiano, o catlico ao africano, enfim o corpo como mediao entre a natureza e acultura parece ter cativado os olhos de Caryb e o fez escolher viver junto ao povo da Bahia.

    converted by Web2PDFConvert.com

  • voltar ao topoConcluso

    Vimos, por meio de algumas obras aqui selecionadas, que Caryb retratou os orixs segundo a estticadas indumentrias e insgnias usadas nas festas cclicas dos terreiros, quando os santos (orixs) seapresentam em transe no corpo de seus filhos. Indumentrias e insgnias, ou as coisas do santo, sobastante valorizadas para os adeptos e se destacam tambm para aqueles que se aproximam destareligio. Afinal, trata-se do deus vestido e o que ele veste se reveste de uma urea de magia e poder.Um santo tem de apresentar bonito, ainda que possamos encontrar entre os adeptos diferentespercepes do que a beleza ou o belo. Beleza pode ser a simplicidade de suas vestes, mas tambmo luxo delas, seu apego tradio ou a forma como ela reelaborada sem perder de vista o preceitoritual. Das roupas dos orixs emana o carter sagrado da presena deles na terra. Assim, os aparatosdo orix so produzidos pelos artesos, artistas ou especialistas existentes nas comunidades religiosaspor meio de uma arte que envolve tcnicas e preceitos, ou seja, por meio do que poderamos chamar deuma arte do ax (Silva, 2008). A beleza desta produo, para os adeptos, resulta de sua funoesttica e sagrada que dinmica e contextual.

    Caryb procurou traduzir para a sua representao artstica dos orixs esta esttica no por meio deuma meno incidental, mas mantendo-se o mais fiel possvel aos elementos originais que o inspiravam.Sua arte procura capturar, mas refazendo em outro plano, o ax que possui essa arte existente nosterreiros. Seu trabalho , por isso, farto de preciosismos ao reproduzir em detalhes os trajes feitos depanos variados, desde o simples chito at as rendas e brocados mais finos, os panos da costaestampados, os toros presos cabea com uma tcnica sofisticada de amarrao, as saias rodadaspara as deusas femininas, os camisus (batas) bordados em richelieu, os grandes laos pendentessobre as amplas saias, os colares feitos de guias e jias, balangands, leques espelhados, cetros,insgnias, braceletes, pulseiras, enfim a roupa do santo com a qual os deuses se mostram em termosde forma e movimento. Neste sentido, o artista buscou recriar a imagem dos orixs tambm capturandomomentos especiais no cotidiano dos terreiros em que as funes esttica e sagrada se sobrepem ese expressam exemplarmente, como nas danas rituais realizadas nos barraces dos terreiros. Paraisso, selecionou posies e ngulos dos orixs que destacassem seus atributos mticos e aquilo quejulgava ser o foco dos rituais retratados. Afinal, um santo considerado bonito no apenas em funoda sua indumentria, mas tambm quando sua dana e seus gestos atendem a expectativa dacomunidade religiosa que espera ver neles a rememorao de seus atributos mticos: orixs guerreiroscom suas danas agitadas e cheias de rodopios e simulaes de ataque, orixs femininos com suasdanas sensuais e cheias de gestos leves e acolhedores, orixs da sade exibindo suas fstulas egarantindo a cura, enfim expresses ou emanaes do ax que se acredita poder compartilhar naquelemomento de sua presena na terra. E talvez o ax da arte de Caryb venha desse esforo paracompreendera exuberncia dessa arte do terreiro que faz do sentido religioso o epicentro de seusmovimentos, cores e formas. Ou seja, captar a vivacidade e a energia desta arte religiosa deslocando-ade seu centro principal de produo e concedendo a ela um tom simultaneamente nacional e universal.

    Do ponto de vista artstico, as pinturas Bahia e A Grande Mulata III, parecem nutridas pela tradionacionalista da arte brasileira. impossvel ver o segundo quadro, por exemplo, e no ter em mente otema das mulatas de Di Cavalcanti. Mulheres sensuais e homens altivos, cenas de samba e festaspopulares, o elogio da mestiagem, enfim, temas brasileiros que Caryb retoma agora por meio dareligio que se torna o grande apangio de um Brasil onde terreiros, igrejas, prostbulos, bares, ruas,portos, pessoas de diferentes etnias e classes sociais convivem lado a lado.

    Pelas mos de Caryb, o candombl e os orixs, alm de expresses religiosas particulares, setornaram expresses artsticas aladas categoria de cones nacionais e de arte pblica. Isso porque aobra de Caryb, desde sua origem, j mostrava essa potencialidade ao fazer um elogio s celebraesdo povo e sua mestiagem. Assim percebida, foi ento patrocinada por governos e empresas privadas,ajudando a promover um dilogo entre o espao comunitrio e reservado (muitas vezes secreto) dosterreiros e os espaos pblicos, nos quais as representaes seletivas de certos terreiros nagspassaram a representar hegemonicamente a herana negro-africana. No sem motivo que o Muraldos Orixs foi realizado sob encomenda de um banco baiano e Iconografias dos deuses africanos nocandombl da Bahia foi publicado com o apoio do Governo do Estado da Bahia, Instituto Nacional doLivro e Universidade Federal da Bahia. A apresentao do livro coube a Antonio Carlos Magalhes,poltico conservador e governador da Bahia por trs vezes, que foi um dos maiores responsveis pelapatrimonializao da cultura afro-baiana com vistas a criao de uma base popular de apoio poltico.Trafegando neste circuito, a obra de Caryb fez convergir, independentemente da vontade de seucriador, mritos intrnsecos e demandas socio-polticas extrnsecas a ela. E, assim, ganhou galerias,salas de exposio, mostras, catlogos e consequentemente uma grande visibilidade.

    Caryb assim o estrangeiro que, seguindo as pegadas de outros dois tambm estrangeiros, PierreVerger e Roger Bastide, promoveu uma imagem do candombl que acabou consagrada por outrosolhares: governo, terreiros, artistas, academia, crticos de arte etc. E ainda que esta imagem no tenhasido identificada como "de candombl", propriamente dita, pelo pblico em geral, comps com outras imagens de formas coloridas e alegres (como as dos painis do aeroporto de Miami) uma viso demundo exuberante e em certo sentido idlica[51].

    Enfim, o candombl como espao habitado por deuses e heris, por gente de toda parte e cor, pobres e

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    ricos, talvez tenha sido o lugar encontrado por Caryb para a realizao de seu mito pessoal de junoda arte com a religio, assim como o de muitos artistas e intelectuais de sua gerao na Bahia: JorgeAmado, Pierre Verger, Roger Bastide, Dorival Caymmi, entre outros. Um mito pessoal que se nutriu deuma mitologia nacional que continua viva e poderosa na construo da identidade do Brasil mestio,gigante pela prpria natureza, deitado em bero esplendido, como a mulata grande da tela...

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    Anexo 1 Iconografia dos Deuses africanos no Candombl da Bahia

    INTRODUO DESENVOLVIMENTO CONCLUSO

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  • Nascimento Iniciao

    Vida Xir Morte -Axex

    - Atabaques -Instrumentosmusicais docandombl p.18

    - Agog e xeker -Instrumentosmusicais docandombl p.20

    - Alabs -Tocadores doinstrumental docandombl p.22

    - Primeiramanifestao deque o orix querser feito p. 24

    - Cabeas depessoas que seiniciam nocandombl:X a n g , Ians,Oxal, Nan,Ogum p. 26

    - Cabeas depessoas que seiniciam nocandombl p.28

    - Iaw - Pessoaque se inicia nocandombl p.30

    - Iaw - C a n d o m b l deRufino p. 32

    - Primeira sadada pessoa que seinicia p. 34

    - Segunda sadada pessoa que seinicia p. 36

    - Terceira sadada pessoa que seinicia p. 38

    - Nome de iaw p. 40

    - Quitanda deiaw p. 42

    Orixs Ferramentas Cerimnias aosOrixs

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  • - Exu p. 46

    - Ferramentasde Exu p. 48

    - Pad - Ritual quese faz antes deinicia a festa p.50

    - Casa de Exu p.52

    - Ogum Deus daguerra e do ferro p. 54

    - Ogum Candombl AxOp Afonj (Aninha) p. 56

    - Ferramentasde Ogum p.58

    - Ritual para Ogum[Mari] p.60

    - Feijoada deOgum, nocandombl deProcpio p. 62

    - Oxssi deus dacaa p. 64

    - Logun Ed divindade da caa p.66

    - Ibualama CasaBranca de Eugniado Engenho Velho p. 68

    - Otin divindadeda caa p. 70

    - Ferramentasde Oxossi p.72

    Sacrifcio paraOxossi [Porcoflexado] p. 74

    Ritual para Oxossi,no Candombl doGantois[Quartinhas] p. 76

    - Assento deIyami OxorongOlga p. 78

    - Omolu Candombl do BateFolha p. 80

    - Omol no Gantois p. 82

    - Ferramentasde Omolu p.84

    - Xaxar deOmolu, no -Candombl doBate Folha p.86

    - Ritual de Omolu,deus da peste p.88

    - Ritual de Omolu p. 90

    - Ritual de Omolu p. 92

    - Olubaj de Omoluno Ax Op afonj p. 94

    - Olobaj de Omolu Candombl doEngenho Velho p.96

    - Ossaim danando p. 98

    - Ferramentade Ossaim p.100

    - Ferramentasde Ossaim,deus das ervas p. 102

    - Cantando folhas,no Candombl dePai Cosme p.104

    - Roc de Olga deAlaketu p. 106

    - Ferramentade Rco deOlga de Alaketu

    - Festa de Rco no Candombl deOlga de Alaketu

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  • p. 108

    p.110

    - Candombl doBate Folha p. 112

    Tempo Divindadedos povos deAngola p. 114

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