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O PAPEL DO PROFESSOR PEDAGOGO NA ORGANIZAÇÃO E COORDENAÇÃO
DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA ESCOLA PÚBLICA A PARTIR DOS
PRESSUPOSTOS DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
URRUTIA, Renata Solange Sandrini Ritter 1
RESUMO
O presente texto relata as reflexões necessárias para a melhoria da qualidade do trabalho pedagógico da escola da rede pública do Estado do Paraná, resgatando as teorias pedagógicas no Brasil, optando por adotar a Pedagogia Histórico-Crítica, que assume a responsabilidade de repensar questões determinantes sobre a função social da escola. Nesta perspectiva, é fundamental retornar aos clássicos que irão fundamentar a prática do professor pedagogo no interior da escola, e permitir-lhe assumir a função de organizador e coordenador do Projeto Político Pedagógico.
PALAVRAS-CHAVE: professor pedagogo, pedagogia histórico-crítica, projeto político pedagógico, teoria e prática educativa
ABSTRACT
The present text tells the necessary reflections for the improvement of the quality of the pedagogic work of the school of the public net of the State of Paraná, rescuing the pedagogic theories in Brazil, opting to adopt the Pedagogy Historic-Critical, that takes the responsibility of rethinking decisive subjects about the social function of the school. In this perspective, it is fundamental to come back to the classic that will base the teacher educator's practice inside the school, and to allow to assume him/her organizer's function and coordinator of Pedagogic Political Project.
WORD-KEY: teacher educator, pedagogy historical-critic, Pedagogic Political Project, theory and educational practice
INTRODUÇÃO
Este artigo propõe-se atender a exigência do Programa de
Desenvolvimento Educacional, promovido pelo Governo do Estado do Paraná (PDE-
PR), como parte da formação continuada de seus professores. O programa visa o
1 Graduada em Pedagogia, Especialista em Didática e Metodologia de Ensino, Professora do Curso de Formação de Docentes da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental do Estado do Paraná e Professora dos Anos Iniciais da Rede Municipal de Ensino de Londrina.
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aprofundamento teórico e a proposição de mudanças na prática escolar da
educação básica no estado.
O plano de formação continuada do PDE-PR fundamenta-se em três
eixos:1º) atividades de pesquisa, 2°) atividades de aprofundamento teórico e 3°)
atividades didático-pedagógicas com suporte tecnológico (Grupos de Trabalho em
Rede-GTR).
Com a possibilidade de desenvolver os eixos da formação
continuada acima citada, surge a oportunidade para a realização de estudos sobre
problemas educacionais, e, no caso do presente artigo, para a valorização do
pedagogo “designando-o” a ocupar o seu espaço como coordenador e articulador
das práticas pedagógicas. Renova-se o anseio de que a escola pública cumpra sua
finalidade: democratizar o ensino oportunizando a todos o acesso ao conhecimento
historicamente produzido de forma intencional e sistematizada.
O resgate dos estudos envolvendo os professores da Rede Estadual
de Ensino e das IES, é fundamental aos pedagogos e professores das disciplinas
específicas do curso de formação de docentes, pois permite reflexões envolvendo,
por exemplo, a natureza e a lógica da educação no sistema capitalista no qual se
destaca a preparação dos sujeitos para o mercado de trabalho. Este modelo societal
não considera a possibilidade de propor aos alunos um patamar mais elevado de
conhecimento do mundo do trabalho, preferindo uma educação em que a relação do
homem com o homem e com a natureza fique em segundo plano. Dessa forma, a
escola amplia e perpetua as posições sociais de “comandantes”e “comandados”.
Com a perspectiva de mudança em relação ao estabelecido,
entende-se o papel do professor pedagogo como fundamental às direções desse
debate, pois possui, em sua formação generalista, conhecimentos sobre a educação
do ponto de vista histórico, filosófico e pedagógico que lhe dão sustentação teórica e
credibilidade para coordenar e articular a construção e implementação do Projeto
Político-Pedagógico na escola, envolvendo todos que trabalham nela.
Acredita-se que o aprofundamento teórico do professor pedagogo
resultará na alteração de sua prática pedagógica. Por isso, é preciso promover o
resgate de reflexões sobre as teorias pedagógicas e sua influência na metodologia
de ensino da escola pública.
Respondendo ao objetivo do PDE-PR, buscaremos a articulação
entre o aprofundamento teórico, a reorganização do PPP da escola (quanto ao tipo
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de sociedade que se pretende e o tipo de homem que correspondente a essa
sociedade), e a busca do restabelecimento da coerência pedagógica na escola: que
práticas permitirão alcançar o modelo de sociedade e homem almejados?
Neste sentido, considera-se que houve a reaproximação entre os
fundamentos da Pedagogia Histórico-crítica, e a política adotada pela Secretaria do
Estado da Educação do Paraná na gestão do Governador Roberto Requião – SEED/
PR.2 A partir dos estudos, pretende-se definir estratégias pelas quais se possa re-
estruturar a prática pedagógica dos professores, redirecionando o processo ensino-
aprendizagem de forma integrada (teoria e prática) e, concomitantemente, resgatar a
função do professor pedagogo como coordenador e articulador do trabalho
pedagógico na escola.
O trabalho de intervenção realizou-se baseado: 1º) Na investigação
prévia sobre o trabalho pedagógico desenvolvido na escola, 2º) No conhecimento
demonstrado pelos professores pedagogos em relação à prática escolar, 3º) No
grupo de estudos com professores pedagogos e docentes do Curso de Formação de
Docentes da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental (IEEL) e
alunos do Curso de Pedagogia da UEL.
O grupo de estudos abordou temas relacionados às tendências
pedagógicas que permearam a histórica da educação no Brasil, temas relacionados
às políticas educacionais, como também o aprofundamento da pedagogia histórico-
crítica, adotada pelo Governo do Estado do Paraná em seu sistema de ensino.
A partir dos estudos foram confrontados a fundamentação teórica o
plano de ação docente e a prática avaliativa adotadas pela escola, e contidas no
Projeto Político Pedagógico, a fim de (re) direcionar o trabalho pedagógico realizado
pelo Professor Pedagogo.
O desenvolvimento dessas análises resultou na realimentação do
Projeto Político Pedagógico e (re) direcionamento dos próximos trabalhos de
formação continuada dos professores da escola, bem como, em uma nova
abordagem teórico-metodológica no curso de Formação de Docentes,
especialmente na disciplina “Prática de Formação”.
Outro fator relevante a ser considerado é o debate entre os alunos
da IES e os profissionais que atuam na escola, proporcionando reflexões sobre a
2 Currículo Básico da Escola Pública do Paraná, em 1990, demonstra a vinculação com a pedagogia histórica-crítica, que foi abandonada durante os governos seguintes.
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formação inicial em Pedagogia e a correlação com a prática pedagógica
desenvolvida na escola, o que é de suma importância, pois ampliará a reflexão
sobre os conteúdos de formação dos alunos responsáveis, em breve, pelo
magistério em salas de Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Como já dito, procurou-se neste projeto restabelecer o professor
pedagogo como coordenador e articulador das práticas pedagógicas e, o mais
importante, estimulá-lo a conhecer e “definir o que é fundamental, essencial,
principal e o que é acessório, como forma de restabelecer a função social da escola”
(SAVIANI, 2005, p.22). Segundo este autor, o saber sistematizado e a apropriação
deste pelas novas gerações é que torna necessária a escola.
(...) a compreensão da natureza da educação enquanto um trabalho não-material, cujo produto não se separa ato de produção, permite-nos situar a especificidade de educação como referida aos conhecimentos, idéias, conceitos, valores, atitudes, hábitos, símbolos sob o aspecto de elementos necessários à formação da humanidade em cada indivíduo singular, na forma de uma segunda natureza, que se produz, deliberada e intencionalmente, através das relações pedagógicas historicamente determinadas que se travam entre os homens (Idem: p. 22).
É nesta perspectiva que
(...) a especificidade dos estudos pedagógicos (...) preocupa-se com a identificação dos elementos naturais necessários à constituição da humanidade em cada ser humano e à descoberta das formas adequadas para se atingir esse objetivo (Ibidem).
Levando-se em conta tais afirmações, fica clara a importância do
professor pedagogo, bem como a necessidade de que possua profunda e ampla
fundamentação teórica sobre as concepções pedagógicas presentes na história da
educação brasileira. O reencontro com estas concepções integra o presente artigo
que pretende refletir acerca do trabalho pedagógico realizado no interior da escola e
a possibilidade da reestruturação do Projeto Político Pedagógico garantido a
coerência entre teoria e prática.
A escolha pela matriz teórica da pedagogia histórico-critica, deve-se
ao fato de que, no nosso entendimento, no Estado do Paraná, a proposta de ensino
está pautada no resgate do conhecimento científico e na mudança da prática social
em que o aluno está inserido, transformando-o em cidadão consciente de seus
direitos e deveres, capaz de promover mudanças em sua realidade social e fazendo-
o compreender as relações existentes no mundo do trabalho.
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Portanto, com o intuito de aprofundar os estudos sobre a pedagogia
histórico-crítica, iniciamos com a história das correntes pedagógicas no Brasil, como
foram formuladas e como estas correntes, em especial a pedagogia tradicional e a
pedagogia escalonovista, redirecionaram as práticas pedagógicas. (Saviani, 2005)
2. AS CORRENTES PEDAGÓGICAS NO BRASIL 1500-1932
Percebe-se que a educação, na tentativa de explicar as razões da
marginalidade, utiliza-se da teorias como forma de entender tal fenômeno (SAVIANI,
1998: p. 9). Diante do critério da criticidadade estabelecida por este autor, essas
teorias são divididas em dois grupos denominados teorias não críticas, que vêem a
educação como instrumento de equalização social, superação da marginalidade
(classificadas como a pedagogia tradicional, a pedagogia nova e a pedagogia
tecnicista) e (...) encaram a educação como autônoma e buscam compreendê-la a
partir dela mesma (...), ou seja, desconsideram as determinações sociais na
educação. De forma contrária, as teorias críticas, "(...) se empenham em
compreender a educação remetendo-a sempre a seus condicionantes objetivos" (...),
ou seja, consideram as determinações sociais (estrutura sócio-econômica) atreladas
ao fenômeno educativo. Já as teorias que acreditam que cabe a educação
reproduzir a sociedade capitalista, são denominadas “crítico-reprodutivistas”.
2.1 Pedagogia Tradicional
Para a pedagogia tradicional, também designada como pedagogia
da essência, a educação surge como antídoto à ignorância e como instrumento para
equacionar o problema da marginalidade, estabelecendo-se a idéia de que é
marginalizado o indivíduo que não é esclarecido. Fica claro, portanto, o papel da
escola como disseminadora da instrução, da sistematização do conteúdo e da
transmissão do conhecimento. Desta forma, a escola se organiza centrando-se no
professor bem preparado e, ao aluno, cabe apenas a assimilação dos conteúdos.
(SAVIANI, 2005)
Para garantia da aprendizagem, fica evidente nessa pedagogia a
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importância da disciplina. Herbart (2003: p. 217) afirma que "A grande tarefa da
educação processar-se-ia sem dificuldade em caso de boa disciplina e governo".
Justificam-se assim a forma de organização das classes, a forma de exposição dos
conteúdos e realização das atividades. Pautada na pedagogia da essência, a
pedagogia tradicional vem reforçar que a essência humana “predeterminada”
justifica as diferenças sociais e individuais.
2.2 Pedagogia da Escola Nova
No momento da ascensão do capitalismo, a burguesia se manifesta
como classe revolucionária. A dominação exercida pela nobreza e pelo clero era
“não-natural, “não-essencial”, mas social e histórica. Os privilégios daquelas classes
não são naturais, nem divinos, mas sociais. A partir desta constatação se funda uma
concepção filosófica que vai privilegiar a existência sobre a essência.
A burguesia reforma a sociedade e substitui sua base anterior por
um suposto “direito natural”, por uma “sociedade contratual”. Ocorre a passagem do
trabalhador servil vinculado a terra, para o trabalhador "livre" que pode vender a
força de trabalho mediante contrato. Na concepção burguesa, a condição primeira
para transformar trabalhadores servis em cidadãos e consolidar a ordem
democrática, é através da escolarização.
À medida em que a burguesia se consolida no poder, existe uma
inversão de interesses, eles não caminham mais em direção à transformação da
sociedade, mas sim a sua manutenção. O modelo de escola tradicional (pedagogia
da essência) deixa de atender às necessidades da burguesia que vai propor uma
pedagogia da existência que veio a ser conhecida como escola nova ou pedagogia
da existência. Essa pedagogia valoriza as diferenças individuais entre os homens,
que estas legitimam as diferenças sociais.
Criticam-se os métodos tradicionais como pertencentes à idade
média, considerados como pré-científicos. A escola nova, então, é apresentada
como científica. Ela articula o ensino com o processo de desenvolvimento da
ciência, ao passo que a escola tradicional articula o ensino com o produto da
ciência.
Na pedagogia nova a ênfase maior é dada ao processo ensino-
aprendizagem. A “descoberta” das diferenças individuais por meio da
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biopsicologização da sociedade e da educação reforça que cada indivíduo é único e,
portanto, a pedagogia deve dar-lhe tratamento diferenciado. Dessa forma, a
educação torna-se o meio para tentar resolver as diferenças individuais. (SAVIANI,
1998) Para o autor, ocorre o deslocamento do eixo da questão pedagógica:
(...) do intelecto para o sentimento, do aspecto lógico para o psicológico, dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos, do professor para o aluno, do esforço para o interesse, da disciplina para a espontaneidade, de uma pedagogia centrada na ciência da lógica para uma pedagogia com inspiração experimental, baseada na contribuição da psicologia e da biologia. (p. 37)
Dessa forma, a escola nova aprimorou o ensino destinado à elite e
rebaixou o nível de ensino destinado as escolas populares. A escola nova agravou o
problema da marginalidade, pois seus mecanismos de recomposição da hegemonia
da classe dominante deslocam preocupação do âmbito político para o âmbito
técnico-pedagógico.
2.3 Pedagogia Tecnicista
Com a exaustão da pedagogia nova e do pressuposto da
neutralidade científica, a pedagogia tecnicista traz como princípios a racionalidade,
eficiência e produtividade. Esta tendência buscou a reorganização do processo
educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional, com o intuito de mecanizar e
fragmentar o processo pedagógico.
Por esta razão, ocorre a proliferação de recursos audiovisuais,
instruções programadas, tele-ensino. Seu elemento principal é a organização
racional dos meios. Professor e aluno são caracterizados como executores de um
processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo dos
especialistas, supostamente habilitados, neutros e objetivos. (SAVIANI, 1998).
Assim, na pedagogia tradicional o ponto central é aprender, na
escola nova é o “aprender a aprender”, no tecnicismo é o “aprender a fazer”.
A escola tecnicista piorou a educação. A burocratização do ensino, a
fragmentação do ato pedagógico e a perda da especificidade da educação, geraram
alto nível da descontinuidade, de heterogeneidade e de fragmentação, praticamente
inviabilizaram o trabalho pedagógico (SAVIANI, 1998). Os excluídos, para a
pedagogia tecnicista são caracterizados como incompetentes e improdutivos.
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2.4 Teorias Crítico-Reprodutivistas
As teorias crítico-reprodutivistas, segundo Saviani (1998), possuem
a percepção da dependência da educação em relação à sociedade. Porém, chegam
à conclusão que a função da educação é reproduzir a sociedade na qual está
inserida. Por isso a denominação de crítico-reprodutivistas. Os seus representantes
enfatizam que inicialmente se crê na função equalizadora da educação, porém, com
o passar do tempo, se evidencia o verdadeiro papel da escola: reproduzir a
sociedade de classes e reforçar o modo de produção capitalista.
2.5. Contexto Histórico da Pedagogia Histórico-crítica
Entre as décadas de 1950 e 1960, iniciam-se no Brasil as
mobilizações populares, “agitando-se, em conseqüência, a questão da cultura e
educação populares” (FÁVERO, 1983), cujos movimentos mais expressivos tivemos
Movimento de Educação de Base (MEB) e o Movimento Paulo Freire de Educação
de Adultos.
A tramitação desse projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional conduz, no final da década de 1950, ao conflito escola particular-escola pública quando os católicos retomam, na defesa da escola particular, os mesmos argumentos do início da década de 30, guardando o mesmo caráter monolítico de então (SAVIANI, apud BUFFA, 1979).
Paralelo a mudanças políticas no período, para a pedagogia católica,
a década de 60 foi marcada por diversas experiências na área, enfatizando a
concepção pedagógica renovadora, com a implantação dos colégios de aplicação,
os ginásios vocacionais, renovação do ensino da matemática e ciências, mobilização
universitária. Entretanto, este período também culminou em um modelo renovador
esgotado, uma vez que todas as experiências se encerraram ao final desta década.
Após o golpe militar de 1964, ocorreram como conseqüência,
mudanças na educação, pela “lei 5.540/68 e do decreto 464/69 no que se refere à
reforma do ensino superior e pela lei 5.692/71 no tocante aos ensinos primário e
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médio que passaram a ser denominados de 1º e 2º graus”.
Teoricamente buscou-se uma pedagogia inspirada no capital
humano, mas em termos gerais, buscou-se uma concepção produtivista, que se
manifesta no país na transição das décadas de 50 e 60, presentes nas discussões
da primeira LDB.
Nas duas leis subseqüentes (5.540/68 e 5.692/71), essa concepção já se manifestou com plena clareza, erigindo, como base de toda a reforma educacional, os princípios de racionalidade e produtividade tendo como corolários a não duplicação de meios para fins idênticos e a busca do máximo de resultados com o mínimo de dispêndio. (SAVIANI, 2005: p. 58)
Segundo Schultz (1973) a “teoria do capital humano” foi
desenvolvida de forma positiva, pois demonstrava o valor da educação em termos
econômicos, não mais como um bem de consumo, mas de produção.
Em seguida, na década dos 70, sob a influência da tendência crítico-reprodutivista, surge a tentativa de empreender a crítica da “teoria do capital humano”. Buscou-se, então, evidenciar que a subordinação da educação ao desenvolvimento econômico significava torná-la funcional ao sistema capitalista, isto é, colocá-la a serviço dos interesses da classe dominante: ao qualificar a força de trabalho, o processo educativo concorria para o incremento da produção da mais-valia, reforçando, em conseqüência, as relações de exploração. (SAVIANI, 2005: p. 62)
Na década de 1980, a tentativa de crítica e superação desta teoria,
vai mostrar que a educação não é mera ferramenta capitalista. De acordo com Salm
(1980), o desenvolvimento capitalista não dependa da educação, e tenta teorizar a
importância de separar a escola do trabalho, justificando a existência da escola
como formadora da cidadania.
Após diversos embates contra ou a favor da concepção produtivista,
ganhou novo fôlego nesta mesma década, com o advento do neoliberalismo.
Após a crise da década de 1970, que encerrou a “era de ouro” do desenvolvimento capitalista no século XX, mantém-se a crença na contribuição da educação para o processo econômico-produtivo, mas seu significado foi substantivamente alterado. A teoria do capital humano assume, pois, um novo sentido: passou-se de uma lógica da integração em função de necessidades e demandas de caráter coletivo (a economia nacional, a competitividade das empresas, a riqueza social etc.) para uma lógica econômica estritamente privada e guiada pela ênfase nas capacidades e competências que cada pessoa deve adquirir no mercado educacional para atingir uma melhor posição no mercado de trabalho (SAVIANI, 2005 apud GENTILI, Op. Cit., p.51).
A partir disso, não cabe mais ao Estado estabelecer a Escola como
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criadora de mão-de-obra, mas sim preparar o indivíduo para exercer sua capacidade
de escolha e qualificação para competir junto ao mercado de trabalho. “A educação
passa a ser entendida como um investimento em capital humano individual que
habilita as pessoas para a competição pelos empregos disponíveis”.
Ao longo da história fica claro que a distribuição das concepções
pedagógicas baseou-se na “noção de predominância ou hegemonia”, muito embora
existem exemplos de concepções que não respeitaram a teoria da predominância,
como é o caso, das libertárias, que representaram um papel importante nas
primeiras décadas do século XX.
Finalmente, na década de 1980 “emerge como proposta contra-
hegemônica a concepção pedagógica histórico-crítica” (SAVIANI, 2003 e 2005), para
a qual a educação é colocada como mediadora na “prática social global”, que é o
início e o fim da prática educativa.
Nessa perspectiva nasce uma prática social, através de um método
pedagógico, “onde professor e aluno se encontram igualmente inseridos ocupando,
porém, posições distintas”, criando uma relação de compreensão que leva a solução
de vários problemas, inclusive os impostos pela própria prática social, com
identificação destes problemas, com a criação de instrumentos teóricos e práticos
para compreender e resolver tais questões, além de “viabilizar sua incorporação
como elementos integrantes da própria vida dos alunos” (SAVIANI, 2005).
2.6. Pedagogia Histórico-Crítica
Na tentativa de superar as limitações das pedagogias não criticas e
das critico-reprodutivistas, a pedagogia histórico-crítica, se empenha em analisar e
compreender a questão educacional a partir do desenvolvimento histórico objetivo,
portanto conceituada no materialismo histórico. Conforme Saviani (1991: p. 75) a
pedagogia histórico-crítica
(...) procurava reter o caráter crítico de articulação com as condicionantes sociais que a visão reprodutivista possui, vinculado, porém à dimensão histórica que o reprodutivismo perde de vista.
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Segundo Saviani (1991), o termo “Pedagogia Histórico-Crítica” pode
ser considerado como sinônimo de “Pedagogia Dialética”, uma vez que seus
pressupostos pautam-se no pensamento crítico dialético da educação.
De acordo com Saviani (1991, p. 95) a utilização da “expressão
Pedagogia Histórico-Crítica tem o intuito de “traduzir a passagem da visão crítico
mecanicista, crítico a-histórica para uma visão crítica dialética”, cujo sentido básico é
a “articulação de uma proposta pedagógica” com compromisso não apenas de
manter a sociedade, mas de provocar a sua transformação compreendendo a
realidade social e a sua influência sobre a educação.
Em relação à lógica dialética, Saviani (2003: p.14) explica que ela é
uma lógica concreta, ou seja, não uma lógica das formas, mas dos conteúdos e,
nesse sentido, o método se tornaria vazio sem sua relação com o conteúdo. O autor
insiste na ideia que os conhecimentos interessam à educação enquanto práxis,
enquanto elementos, meios e formas inseridos na sociedade. Dessa forma, os
conhecimentos, os saberes, têm que estar ordenados, dispostos e distribuídos de
forma adequada ao processo de ensino-aprendizagem.
A pedagogia histórico-crítica busca superar as pedagogias da
essência e da existência dialeticamente, ou seja, incorporar as suas críticas
recíprocas em uma proposta radicalmente nova. O cerne dessa novidade consiste
na superação da crença da autonomia ou dependência absoluta da educação em
face das condições sociais vigentes (SAVIANI, 2008, p.129).
Esta pedagogia compreende “a educação como sendo o ato de
produzir direta e intencionalmente em cada indivíduo singular a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI 2003, 13),
empenhada em colocar em ação métodos de ensino eficazes. Situa-se, para além
dos métodos tradicionais e novos visando superar por incorporação as contribuições
dessas duas tendências pedagógicas. Nessa perspectiva, seus métodos estimularão
a atividade e iniciativa dos alunos sem abrir mão da iniciativa do professor,
favorecendo o diálogo dos alunos entre si e com o professor, sem deixar de valorizar
o diálogo com a cultura acumulada historicamente, levando em conta o interesse
dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, sem perder
de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e graduação
para efeitos do processo de transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos
(Saviani, 2007a: p. 69).
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O autor propõe cinco passos determinantes na metodologia da
pedagogia histórico-crítica: 1º) prática social inicial, comum a professores e alunos,
mas vivenciada diferentemente pelo professor (visão sintética) e pelos alunos (visão
sincrética); 2º) problematização na qual serão levantadas questões que precisam ser
resolvidas na prática social; 3º) instrumentalização, entendida como a transmissão
de instrumentos teóricos e práticos necessários aos alunos na sociedade; 4º)
catarse que consiste na "elaboração superior da estrutura em superestrutura na
consciência dos homens" (GRAMSCI, 1978: 53), sendo o ponto culminante neste
processo, em que ocorre a efetiva incorporação dos instrumentos culturais,
transformando-se em elementos ativos da mudança social e o 5º) é a prática social
final quando, de um lado os alunos ascendem ao nível sintético, e de outro reduz-se
a precariedade da síntese do professor (GRAMSCI, 1978).
A pedagogia histórico-crítica se consolida como uma pedagogia
crítica, que busca, no seio da prática social global, os elementos necessários para a
sua transformação. Para Saviani (2005, p. 141), trata-se de uma dialética histórica
expressa no materialismo histórico, que é justamente a concepção que procura
compreender e explicar o todo desse processo, abrangendo desde a forma como
são produzidas as relações sociais e suas condições de existência até a inserção da
educação nestas.
Concordando com o autor, recomenda-se tomar cuidado com as
análises que se faz em relação às correntes pedagógicas. Segundo ele não nos
cabe aderir ou rejeitá-las em função de slogans, mas sim, citando Scheffler (1985),
criticá-las pelo aspecto literal e prático, devendo suas doutrinas originárias ser
objetos de avaliação independente e obedecendo às exigências da crítica científica.
A pedagogia histórico-crítica tem como fonte a compreensão
dialética do movimento histórico e suas categorias chaves, as quais nos remetem
aos clássicos. Considera não apenas a contribuição de Marx, pois este que sem
uma sustentação pedagógica nos clássicos, é insuficiente. Para Saviani (2003, p.
18).
(...) Se queremos extrair uma pedagogia dali, também não poderemos ficar no dogmatismo e numa visão muito estreita. Somente será possível sair disto e formular algo consistente na relação e com a presença dos clássicos. Não só com os clássicos da cultura de um modo geral, da Filosofia, mas também da Pedagogia. É necessário ver como os processos pedagógicos formularam e como as correntes da pedagogia tradicional e da escola nova surgiram.
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O mesmo autor cita alguns dos clássicos utilizados pela pedagogia
histórico-crítica e que dentre outros estão: Snyders, Manacorda, Suchodolski,
Gramsci e o próprio Marx.
3. O PROFESSOR PEDAGOGO COMO COORDENADOR E ARTICULADOR DO
TRABALHO PEDAGÓGICO NA ESCOLA
Como implementação do Projeto do PDE-PR, procedemos à
reflexão sobre a importância de restabelecer aos professores pedagogos a reflexão
sobre e a responsabilidade operacional da articulação dos conhecimentos
pedagógicos envolvendo o corpo docente. Isto se justifica dada a ausência de
valores e referenciais claros por parte dos professores para subsidiar seus trabalhos
em sala de aula.
O que eu posso recomendar aos professores é que voltem aos clássicos (...) senão vocês ficam flutuando por aí, envolvendo-se com novos paradigmas que são moda e acabam perdendo-se nessas modas. Em um ou dois anos elas acabam e passando vem outra onda e nada de consistente permanece (SAVIANI, 2003, p. 19).
Quando o autor faz essa afirmação, baseia-se no fato de que,
mesmo com a passagem dos modismos pela escola, a Pedagogia Histórico-Crítica
por pautar-se nos clássicos, mantêm certa consistência teórica. Para o autor, os
clássicos preenchem os requisitos da consistência teórica (SAVIANI, 2003).
Para a pedagogia histórico-crítica é fundamental estabelecer a
função social da escola: transmissão do conhecimento sistematizado, com a
mediação do adulto, buscando o resgate da importância do trabalho pedagógico e
da especificidade deste trabalho, sem deixar-se cair no espontaneismo. Esta
concepção se contrapõe a, por exemplo, uma visão Piagetiana (baseada em Kant),
na qual se secundariza a importância do trabalho pedagógico e se resume o papel
da escola como complementar a educação familiar ou até desnecessária.
Colocando-se a frente deve estar o professor pedagogo,
desenvolvendo estudos que permitam refletir sobre as práticas pedagógicas em sala
de aula. A finalidade dessas reflexões, dentre outras, deve ser problematizar o
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caráter pragmático da escola e a incoerência entre teoria e prática quanto ao tipo de
ensino desejado pela escola e manifesto no Projeto Político Pedagógico.
Como visto anteriormente, concepções cuja relação teórica-prática
são antagônicas não podem coexistir quando falamos em ação pedagógica. A
práxis, como diz Saviani (2003):
É um movimento prioritariamente prático, mas que se alimenta da teoria para esclarecer o sentido, para dar direção à práxis. Então, a prática tem primado sobre a teoria à medida que é originante. A teoria é derivada, isto significa que a prática é, ao mesmo tempo, fundamento, critério de verdade e a finalidade da teoria. (p.15)
Havendo esta coerência na escola, por meio do direcionamento
pedagógico, pode-se dizer que estará sendo realizado um trabalho no qual "... a
pedagogia é a condução à cultura, é o caminho pelo qual se chega ao domínio da
cultura, e a cultura como significando os modos da existência humana produzida
pelos próprios homens" (Idem: p.15).
4. A CRISE DA EDUCAÇÃO
Com o intuito de compreender a educação no momento atual,
propusemos o grupo de estudos voltado à abordagem de alguns elementos que
podem levar a repensar os fatores que podem ter contribuído para a crise
educacional brasileira.
O grupo de estudos a que nos referimos a pouco visou, portanto, o
aprofundamento teórico sobre o fenômeno educacional e a relação com o
pedagógico na escola.
Em cada país, a crise que atingiu o mundo moderno se manifesta de
maneiras diversas, e na América ocorreu na educação, que acabou se
transformando em um problema político. Se for comparada esta crise na educação
com as revoluções que sucederam a Primeira Guerra Mundial, entre tantos outros
problemas ocorridos até o termino da Segunda Guerra Mundial, se verá que a crise
na educação é quase insignificante, porém, se assim o fosse, o problema não teria
atingido um nível indesejado, inclusive sem controle, pelas autoridades ligadas a
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área. Existe a idéia de que são problemas restritos às fronteiras históricas e
nacionais, e tal crença é falsa, pois se ocorre aqui, pode ocorrer em qualquer outro
país (ARENDT, 1961).
Uma crise nos obriga a voltar às questões mesmas e exige respostas novas ou velhas, mas de qualquer modo julgamentos diretos. Uma crise só se torna um desastre quando respondemos a ela com juízos pré-formados, isto é, com preconceitos. Uma atitude dessas não apenas aguça a crise como nos priva da experiência da realidade e da oportunidade por ela proporcionada à reflexão (ARENDT, 1961: p. 223)
Talvez pela mistura de culturas e grupos étnicos, a crise da
educação na América seja potencializada, ou talvez por ser o único lugar no mundo
em que ela seja um fator político, mas é indiscutível o papel “diferente e
incomparavelmente mais importante politicamente do que em outros países”
(ARENDT, 1961).
Enfim, a questão é entender por que os níveis escolares na Europa
são mais altos que na América? Obviamente não é por “ser este um país jovem” em
comparação ao Velho Mundo, muito pelo contrário.
E isso é verdadeiro em um dúplice sentido: em parte alguma os problemas educacionais de uma sociedade de massas se tornaram tão agudos, e em nenhum outro lugar as teorias mais modernas no campo da Pedagogia foram aceitas tão servil e indiscriminadamente. Desse modo, a crise na educação americana de um lado, anuncia a bancarrota da educação progressiva e, de outro, apresenta um problema, imensamente difícil por ter surgido sob as condições de uma sociedade de massas e em resposta às suas exigências (ARENDT, 1961, p. 227).
Com esse quadro, tem-se a impressão que esse caos ocorre
apenas nos grupos sociais menos “abastados”, mas se analisarmos casos como da
Inglaterra, percebe-se que os alunos na faixa de onze anos, participam de exames,
nos quais 10% são eliminados na participação de cursos superiores. Portanto, o que
torna a crise educacional na América tão grave, e apesar da tentativa da aplicação
da igualdade, tal nivelamento só pode existir “à custa da autoridade do mestre ou às
expensas daquele que é mais dotado, dentre os estudantes” (ARENDT, 1961).
5. O PAPEL DOS PROFESSORES E A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
A partir da análise da “crise” educacional, que permitiu uma visão
16
ampla do fenômeno na América do Norte e latina nos voltamos para o
aprofundamento da pedagogia histórico-critica e do papel do professor a partir das
políticas educacionais contemporâneas.
Segundo Saviani (2003: p. 33), “a relação entre teoria e prática é a
mais fundamental da pedagogia”, portanto a teoria da educação trata da prática
educativa, enfim, uma não se explica sem a outra.
Na verdade o conceito de pedagogia se reporta a uma teoria que se estrutura a partir e em função da prática educativa. A pedagogia, como teoria da educação, busca equacionar, de alguma maneira, o problema da relação educador-educando, de modo geral, ou, no caso específico da escola, a relação professor-aluno, orientando o processo de ensino e aprendizagem (SAVIANI, 2003, p. 35).
Assim, sob o foco da pedagogia, existem duas concepções, a
primeira dá prioridade à “teoria sobre a prática”, e, no limite, a prática se dissolveria
na teoria, a segunda supervaloriza a prática em detrimento da teoria. Na primeira
temos a pedagogia tradicional cujo objetivo é como ensinar e, na segunda temos a
pedagogia nova, que foca as teorias de aprendizagem, em como aprender
(SAVIANI, 2003).
Entender o trabalho docente tem sido foco de muitas pesquisas na
atualidade, e não podemos separar aquele das linhas políticas implementadas na
América Latina, e no resto do mundo.
Evangelista & Shiroma (2003) defendem a idéia que o professor
acaba sendo realmente um obstáculo para o objetivo do Estado de reformar a
educação, seja por oposição crítica, seja por falta de entendimento do real objetivo
de tal reforma, e concordam com Costa (2005) para quem o objetivo principal das
reformas neoliberais atuais é que “o professor sabe tudo deverá dar lugar a um
professor que se propõe aprender, e o professor obstáculo tornar-se-á um professor
agente da inovação”.
Para as autoras, os organismos internacionais tentam reduzir a
organização do magistério que possa amedrontar o Estado. Por esta razão
implantam a reforma na educação, na qual se destaca a política de
profissionalização do professor com objetivo de controlar, não de qualificar os
docentes (OZGA, 2001).
(...) Está em questão manter o estoque da força de trabalho nacional, o processo de reprodução da capacidade de trabalho e, ao mesmo tempo, a
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gestão da pobreza. Se essas são as motivações objetivas para a luta pelo sentido teleológico da Educação, os projetos em disputa não são difíceis de serem compreendidos, pois se trata da recomposição da hegemonia capitalista ou, das necessidades de recomposição das condições gerais da produção capitalista e da perspectiva histórica daqueles que se lhe opõem (OLIVEIRA, 2000 apud EVANGELISTA & SHIROMA, 2003).
Tais projetos na verdade divulgam uma péssima imagem do
professor,
(...) como corporativista; avesso às mudanças; acomodado pela rigidez da estrutura de cargos e salários da carreira docente; desmotivado, pois não há diferenciação por mérito, por desempenho, ou seja, como obstáculo às reformas. (p. 536)
Krawczyk (apud EVANGELISTA & SHIROMA,2003) defende que a
reforma educacional visa mais a um novo gerenciamento da educação pública, do
que tratar de “questões educativas”.
No caso brasileiro, as recentes Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, Resolução 1/06 do Conselho Nacional de Educação – CNE – (Brasil, 2006), explicitam, simultaneamente, uma restrição nos conteúdos da formação docente, centrados numa perspectiva de saber instrumental, e um alargamento das funções docentes incorporando, por exemplo, tarefas de gestão e outras não diretamente ligadas ao ensino (EVANGELISTA, 2006).
Acentua-se a “a preocupação com a eficiência e a eficácia do
trabalho docente”, que utiliza novas tecnologias para se inserir em uma “lógica
racionalizadora, técnica, pragmática”.
Assinale-se que a Resolução 1/06 não faz uso do termo professor, aparecendo fortemente a idéia de docência. Em outras palavras, estabelece a primazia da docência como ação em detrimento do professor como sujeito (EVANGELISTA & SHIROMA, 2007, p. 536).
Enquanto não houver participação dos professores enquanto
transmissores de conhecimentos científicos, com intuito de conscientização e
construção de cidadãos, serão alvos de criticas, em especial duas: ou que é
corporativista e descomprometido com a educação dos menos desfavorecidos, ou é
incompetente, responsável pela falhas de seus alunos (EVANGELISTA &
SHIROMA, 2007).
Segundo LLavador (2003, p. 115), para atender o novo mercado, o
professor desenvolve uma subjetividade branda que corresponde a um profissional
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brando. O desafio é criar a “capacidade coletiva de nossa constituição como sujeitos
históricos, capazes de apropriar-nos da dimensão pública da escola e do
conhecimento como direito social”.
A educação encontra dificuldade em compatibilizar comportamentos
antigos e novos como as tecnologias e a facilidade a informações. O professor,
como mediador, tem de administrar esta postura, ora de forma branda, ora com
autoridade, pois sua profissão exige um respeito extraordinário pelo passado.
Durante muitos séculos, isto é, por todo o período da civilização romano-cristã, não foi necessário tomar consciência dessa qualidade particular de si próprio, pois a reverência ante o passado era parte essencial da mentalidade romana, e isso não foi modificado ou extinto pelo Cristianismo, mas apenas deslocado sobre fundamentos diferentes (ARENDT, 1961: p.244).
Usar o passado como modelo era, como na civilização romana,
considerar os antepassados base do comportamento para seus descendentes,
postura contrária, “não só com nosso mundo e com a época moderna, da
Renascença em diante, como, por exemplo, com a atitude grega diante da vida”
(ARENDT, 1961).
Ao considerar os princípios da educação temos de levar em conta esse processo de estranhamento do mundo; podemos até admitir que nos defrontamos aqui presumivelmente com um processo automático, sob a única condição de não esquecermos que está ao alcance do poder do pensamento e da ação humana interromper e deter tais processos (ARENDT, 1961: p. 244).
O grande problema da educação atualmente é a necessidade de
equilíbrio entre autoridade (professores) e tradição (pais), sem que haja estrutura
para ambos. A reforma não vai acontecer, pois em sentido comunitário um joga a
responsabilidade da educação para o outro. Para tal mudança, deve ficar claro que a
função da escola é “ensinar às crianças como o mundo é, e não instruí-las na arte
de viver” (ARENDT, 1961: p. 247).
É inevitável que durante o processo de educação o retorno ao
passado seja uma constante. Deve-se esclarecer também que nem se pode “educar
adultos nem tratar crianças como se elas fossem maduras”, mas nesta divisão
existente, isso não pode se tornar um abismo entre eles, porém mesmo não se
identificando onde começa e termina esta divisão, na educação, “ao contrário da
aprendizagem, precisa ter um final previsível” (ARENDT, 1961: p. 247).
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(...) Ele não visa mais a introduzir o jovem no mundo como um todo, mas sim em um segmento limitado e particular dele. Não se pode educar sem ao mesmo tempo ensinar; uma educação sem aprendizagem é vazia e portanto degenera, com muita facilidade, em retórica moral e emocional. É muito fácil, porém, ensinar sem educar, e pode-se aprender durante o dia todo sem por isso ser educado. Tudo isso são detalhes particulares, contudo, que na verdade devem ser entregues aos especialistas e pedagogos (ARENDT, 1961: p. 246 - 247).
Enfim, conceituar educação vai além de tudo que já foi dito, mas é
marco do amor e responsabilidade pelo mundo no intuito de salvá-lo da destruição, é
o amor pelas crianças a ponto de não abandoná-las a própria sorte, mas sim
prepará-las para renovar o mundo por meio da conscientização de sua cidadania
(ARENDT, 1961).
Deve-se entender a educação e as práticas pedagógicas em
perspectiva histórica, sua evolução, enfatizando as Teorias do Ensino, que
estiveram no auge até o final do século XIX, tendo o século seguinte como
fundamentação pedagógica e servindo de transição para a Teoria da Aprendizagem.
Todos os conceitos tradicionais, desde Platão, Kant, Fichte e Hegel,
até Herbart-Ziller, objetivavam sempre ao ensino, centrando-se na formação
intelectual, “pensavam a escola como uma agência centrada no professor, cuja
tarefa é transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade segundo uma
gradação lógica”. A função do aluno é assimilar os conteúdos transmitidos.
Nesse contexto a prática era determinada pela teoria que a moldava fornecendo-lhe tanto o conteúdo como a forma de transmissão pelo professor, com a consequente assimilação pelo aluno. Essa tendência atinge seu ponto mais avançado na segunda metade do século XIX com o método de ensino intuitivo centrado nas lições de coisas (SAVIANI, 2005: p. 57).
Por outro lado, “as correntes renovadoras”, desde Rousseau,
Pestalozzi e Froebel, Kierkegaard, Stirner, Nietzsche e Bergson, até o movimento da
Escola Nova, pedagogias não diretivas, institucional e construtivista enfatizam o
"como aprender”. Enfim, na teoria da escola nova subtende-se a escola como um
ponto de interação entre aluno e professor na “construção do conhecimento”
(SAVIANI, 2005). O processo pedagógico evidencia-se por meio da “compreensão
intelectual para a atividade prática”, do professor para o aluno, a “prática determina a
teoria”, essas características fundamentam o movimento da Escola Nova desde o
século XIX, até o início da segunda metade do século XX e, mesmo enfrentando
críticas, sua versatilidade é predominante, por exemplo o construtivismo, uma das
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teorias mais difundidas hoje.
De acordo com Valdemarin (2004b), nosso sistema de educação cria
nova perspectiva para o educador. Analisando Dewey (1979) afirma que atualmente
há uma tendência segunda a qual “o professor é um aluno e o aluno é, sem saber,
um professor” acentuando a necessidade de que nenhum deles tenha consciência
de seu real papel no contexto educacional, proporcionando a participação do
docente neste caminho, em condições de igualdade com o aluno e não como
individuo possuidor de conhecimento, único e exclusivamente dirigente do processo
de aprendizagem. No entanto vemos tal tendência como um dos grandes
responsáveis pela crise atual da educação-escolar, da qual decorrem a
inconsistência dos resultados educacionais e o ecletismo pedagógico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio das reflexões acerca das teorias e sabendo-se da função
social da escola pública, é possível vislumbrar o caminho a ser seguido e como o
professor pedagogo deve direcionar suas ações enquanto responsável pela
organização do trabalho pedagógico na escola.
O primeiro passo está sendo dado em função da melhoria da escola
pública do Paraná, com a formação continuada de professores, pedagogos, gestores
e demais trabalhadores que podem promover estudos e refletir sobre as diretrizes
educacionais do Estado procurando e propondo melhores formas de conduzir o
ensino público.
A oportunidade de disseminar esses estudos e reflexões está sendo
dada por meio do Programa de Desenvolvimento da Educação, dos grupos de
trabalho em rede, acompanhada pela ampliação dos recursos para investir na infra-
estrutura das escolas. Trata-se, porém, de muito mais do que isso, trata-se de
assumirmos o compromisso social com nossas crianças e adolescentes para que
encontrem na escola a oportunidade de acesso ao conhecimento historicamente
acumulado com o intuito de democratizarmos o saber sistematizado, a escola o
lugar privilegiado em que poderão ter acesso a ele.
Assim, todos na escola devem assumir o compromisso em ensinar,
21
transformando a escola num local onde de fato se ensina e se aprende.
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