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Revista Virtual Direito Brasil – Volume 1 – nº 2 - 2007 1 A Apresentação e o Pagamento do Cheque na Lei nº 7.357/85 Maria Bernadete Miranda Mestre em Direito das Relações Sociais, sub-área Direito Empresarial, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Coordenadora e Professora do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito de Itu e Professora de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Mediação e Arbitragem da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis de São Roque. Advogada. Resumo Objeto destas reflexões é o estudo do pagamento do cheque, que se faz mediante sua apresentação ao sacado, que será o ato preliminar e obrigatório entre as relações do portador com o Banco que deve pagá-lo, pois o estabelecimento bancário somente toma ciência da ordem quando o título lhe é exibido. Abordaremos também o não pagamento, a devolução do cheque e a insuficiência de fundos, e como conseqüência a faculdade do protesto cambiário. Abstract I object of these reflections it is the study of the payment of the check, that is made by means of its presentation to the taken out, that will be the preliminary and obligatory act among the relationships of the carrier with the Bank that should pay it, because the bank establishment only takes science of the order when the title is it exhibited. We will also approach the non payment, the refund of the check and the inadequacy of funds, and as consequence the ability of the protest cambiário. 1. Histórico O instituto do cheque é bastante antigo, cuja história se confunde com a letra de câmbio, porém bem mais recente do que a cambial. Na antiguidade, câmbio era toda permuta e principalmente a de dinheiro. Os comerciantes de praças diferentes corriam os riscos de roubo e extravio quando tinham de remeter dinheiro para realizar seus negócios, criando-se assim o sistema de troca, em que a remessa da moeda passou a ser feita sem o transporte. O devedor da quantia entregava a um depositário ou banqueiro da mesma cidade a importância para ser paga ao seu credor de outra praça. Este

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Revista Virtual Direito Brasil – Volume 1 – nº 2 - 2007

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A Apresentação e o Pagamento do Cheque na Lei nº 7.357/85

Maria Bernadete Miranda

Mestre em Direito das Relações Sociais, sub-área Direito Empresarial, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Coordenadora e Professora do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito de Itu e Professora de Direito Empresarial, Direito do Consumidor e Mediação e Arbitragem da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis de São Roque. Advogada.

Resumo

Objeto destas reflexões é o estudo do pagamento do cheque, que se faz

mediante sua apresentação ao sacado, que será o ato preliminar e obrigatório

entre as relações do portador com o Banco que deve pagá-lo, pois o

estabelecimento bancário somente toma ciência da ordem quando o título lhe é

exibido. Abordaremos também o não pagamento, a devolução do cheque e a

insuficiência de fundos, e como conseqüência a faculdade do protesto cambiário.

Abstract

I object of these reflections it is the study of the payment of the check, that

is made by means of its presentation to the taken out, that will be the preliminary

and obligatory act among the relationships of the carrier with the Bank that should

pay it, because the bank establishment only takes science of the order when the

title is it exhibited. We will also approach the non payment, the refund of the check

and the inadequacy of funds, and as consequence the ability of the protest

cambiário.

1. Histórico

O instituto do cheque é bastante antigo, cuja história se confunde com a

letra de câmbio, porém bem mais recente do que a cambial.

Na antiguidade, câmbio era toda permuta e principalmente a de dinheiro.

Os comerciantes de praças diferentes corriam os riscos de roubo e extravio

quando tinham de remeter dinheiro para realizar seus negócios, criando-se assim

o sistema de troca, em que a remessa da moeda passou a ser feita sem o

transporte. O devedor da quantia entregava a um depositário ou banqueiro da

mesma cidade a importância para ser paga ao seu credor de outra praça. Este

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depositário tinha, na cidade onde residia o credor, outro depositário, a quem

ordenava, por carta, fosse feito o pagamento da importância avençada. Tal ordem

escrita deu origem à letra de câmbio, podendo esse mecanismo ser considerado

como verdadeiro sistema bancário em que a carta contendo a ordem,

representaria o cheque.

Não se pode precisar, exatamente a data em que o cheque teve origem,

pois alguns autores vêem na Grécia a gênese do instituto, outros atribuem o

cheque aos romanos sob a alegação de que em Roma os argentários recebiam

depósitos pecuniários, efetuando pagamento por ordem do depositante. Afirmam

alguns que a antiga frase de Cícero mostra que o cheque foi usado pelos

romanos: “Qui de CC C HS CC pressentia solverimus, relique rescribemus” - “Dos

restantes 400 sestérios, pagos 200 à vista, mandarei pelo resto uma ordem de

pagamento”. “Rescribere”, na frase de Cícero, significa a transferência, no livro do

banqueiro, da conta de um cliente para a outra, configurando-se, assim, uma

ordem de pagamento, portanto, um cheque.

Na Idade Média, conheceu-se, também, a ordem de pagamento ou

mandato de pagamento, que era muito parecido com o cheque.

Porém na atualidade, o cheque remonta aos fins da Idade Média e

princípios do Renascimento, tendo como causas o progresso comercial das

cidades italianas e a conseqüente expansão do serviço bancário.

Os Bancos medievais lançavam em seus livros os depósitos que podiam

ser movimentados pelos clientes mediante títulos emanados dos próprios

estabelecimentos ou mediante ordens do depositante. Na Itália, o Banco de Santo

Ambrósio, por exemplo, permitia o uso de ordens de pagamento, em contas

correntes, ordens estas que configuravam um cheque.

O Banco de Santo Gerígio emitia os “biglietti di cartulario”, que tiveram

grande aceitação tanto quanto o dinheiro contado.

No século XVI, os ingleses incorporaram essas ordens de pagamento à

sua prática bancária e as regulamentaram com o nome de cheque. Denominação

esta que parecia derivar das “exchequeter bill”, ou “exchequeter debenturis”, que

os reis giravam sobre a tesouraria real.

Na Inglaterra o cheque se popularizou tanto nas operações mercantis que

muitos doutrinadores dizem ser nesse país o berço de tal figura.

A primeira regulamentação sobre o cheque surgiu na França, com a Lei de

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14 de julho de 1865, completada posteriormente pela Lei de 19 de fevereiro de

1874; porém, a procedência da primeira referência oficial do instituto, segundo

alguns autores, seria o Brasil, quando o Governo aprovou o regulamento do

Banco Comercial da Província da Bahia, mediante o Decreto nº 438, de 13 de

novembro de 1845, que dizia: “As operações do Banco serão... receber

gratuitamente dinheiro de quaisquer pessoas para lhes abrir contas correntes e

verificar os respectivos pagamentos e transferências por meio de cautelas

contadas dos talões que devem existir no Banco, com a assinatura do proprietário

na tarja, contanto que tais cautelas não sejam de quantia menor de cem

cruzeiros”.

A partir daí temos a descrição do cheque, porém, a palavra cheque só veio

aparecer em nossa legislação no ano de 1893, por meio da Lei nº 149-B : Art. 16

– “As disposições desta lei se aplicam aos seguintes títulos sempre que forem ao

portador: a) recibos e cheques ou mandatos passados para serem pagos na

mesma praça em virtude de conta corrente ...”

2. O Cheque no Brasil

No Brasil, em 1906, coube ao Presidente Rodrigues Alves, por intermédio

do Ministro da Fazenda, Leopoldo de Bulhões, a iniciativa de, confiar ao Dr.

Ubaldino do Amaral, na época presidente do Banco do Brasil, a tarefa de elaborar

o anteprojeto de lei sobre a regulamentação do cheque no País; “no intuito de

suprir lacuna de nossa legislação e atender às necessidades do comércio,

dotando-o de um instrumento de maior eficácia para o desenvolvimento de suas

transações”, conforme Exposição de Motivos.

O anteprojeto transformou-se no Decreto-lei nº 2.591, de 07 de agosto de

1912, que vigorou durante muito tempo. O Brasil adotou com reservas o Decreto

nº 57.595, de 07 de janeiro de 1966, a Lei Uniforme sobre o cheque que passou a

sobrepor-se ao citado Decreto-lei, segundo entendimento do Supremo Tribunal

Federal em decisão prolatada em 1971.

Atualmente, em nosso País, o cheque encontra-se disciplinado pela Lei nº

7.357, de 02 de setembro de 1985, que acolheu quase todos os princípios do

direito chéquico uniforme.

A referida lei consta de setenta e um artigos distribuídos em doze capítulos

que cuidam de toda a matéria pertinente ao cheque.

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3. Personagens Essenciais do Cheque

No cheque a relação passa somente entre três pessoas básicas: o sacador

ou emitente, o sacado e o beneficiário ou tomador, podendo ser acrescentado o

endossante e o avalista.

a) O sacador ou emitente - é o que ordena o pagamento, o correntista

legitimado a criar o cheque por força de pacto celebrado com o Banco-sacado. É

considerado sujeito ativo na relação contratual bancária, ele dá a ordem de

pagamento que o Banco deve cumprir, desde que haja fundos disponíveis na sua

conta corrente.

Diz a Lei nº 7.357/85, em seu Art. 4º: “O emitente deve ter fundos

disponíveis em poder do sacado e estar autorizado a sobre eles emitir cheque,

em virtude de contrato expresso ou tácito”.

Existe o contrato expresso, quando o acordo de vontade é explícito

reduzido a termo, quer com cláusula do contrato de conta corrente, quer como

pacto adjecto. Esse acordo será tácito, quando as partes não o deixam escrito em

algum lugar, mas se verifica que o Banco autorizou o cliente a sacar cheques. A

entrega do talonário ao cliente constitui por si só autorização para criar o título.

O sacador ou emitente tanto pode ser pessoa física como pessoa jurídica.

Tratando-se de pessoa física deverá ser observado o que dispõe o Código Civil e

referente as pessoas jurídicas o que dispõe as normas do Direito Societário.

b) O sacado - é quem recebe a ordem para efetuar o pagamento da

importância consignada no cheque. Ao contrário do emitente que poderá ser

qualquer pessoa, o sacado necessariamente deverá ser empresa bancária.

Diz o Art. 3º: “O cheque é emitido contra banco, ou instituição financeira

que lhe seja equiparada, sob pena de não valer como cheque”.

A lei fala em “Banco ou Instituição Financeira”, sendo que a segunda

expressão é mais abrangente, compreendendo tanto o Banco em sentido estrito

(de depósito, de desconto e de pequenos empréstimos) como as outras empresas

bancárias previstas em Lei, como por exemplo, as caixas econômicas.

c) O beneficiário ou tomador - da mesma forma que o sacador ou emitente

poderá ser pessoa física ou jurídica, não precisando sequer ter seu nome lançado

no título.

O sacado pode ser o beneficiário do cheque, pois nada obsta a que o

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emitente dê a ordem em favor do próprio Banco onde tem a disponibilidade de

fundos.

Pode também o sacador ser beneficiário do cheque, se o emite em seu

próprio favor, para a retirada de dinheiro da conta corrente.

O sacador e o sacado podem ser a mesma pessoa, desde que o Banco

emita o cheque contra sua própria tesouraria.

O sacador equipara-se ao aceitante de uma letra de câmbio e contra ele se

dá a ação cambiaria direta, que é executiva.

O cheque admite também a intervenção de terceiros, endossante e

avalista.

Diz o Art. 17: “O cheque pagável a pessoa nomeada, com ou sem cláusula

expressa “à ordem”, é transmissível por via de endosso”.

Endosso é uma declaração lançada nas costas “in dorsum” do título

cambial. Tecnicamente, indica dois atos jurídicos diversos: a transferência da

propriedade do título e o mandato. O endosso poderá ser em branco e em preto.

Endosso em branco é aquele em que se omite o nome do beneficiário,

fazendo-se parecer um título ao portador, transfere-se pela tradição, sem

responsabilidade do possuidor.

Endosso em preto ou nominativo, ou completo, é o que lança no verso do

título a fórmula da transferência, com o nome do beneficiário, data (facultativa) e

assinatura do beneficiário.

Diz o Art. 29: “O pagamento do cheque pode ser garantido, no todo ou em

parte, por aval prestado por terceiro, exceto o sacado, ou mesmo por signatário

do título”.

Aval é derivado do francês “à val”, quer dizer em baixo e traduz a garantia

prestada em forma cambial ao pagamento de um cheque ou, por extensão, ao

título de crédito.

O aval é uma obrigação autônoma e independente das outras, vincula

pessoal e diretamente ao portador do cheque o seu avalista e é formal,

decorrendo da simples assinatura do avalista, pouco importando a sua causa ou

origem.

Devemos observar que o Banco sacado não tem obrigação para com o

portador do cheque, pois não está vinculado cambiariamente no título, uma vez

que o não assina, mas simplesmente age como mandatário do emitente no

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cumprimento da ordem. Sendo assim, não é passível de ser coagido judicial ou

extrajudicialmente a pagar o montante devido, pois, sua responsabilidade é para

com o emitente e deriva do contrato que este celebrou.

4. O Pagamento do Cheque e sua Apresentação

O pagamento do cheque se faz mediante a apresentação ao sacado, que

deverá pagar, pois o estabelecimento bancário só toma ciência da ordem quando

o título lhe é exibido.

A apresentação traz em si o pedido de pagamento, diz o Art. 32: “O cheque

é pagável à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrário”.

Observando o referido artigo acima transcrito, podemos dizer que o

chamado cheque pré-datado não existe, pois o que temos ao pré-datarmos um

cheque para uma apresentação posterior é uma prática de usos e costumes do

comércio; para que assim as pessoas simplifiquem as operações de crédito com a

simples apresentação de um cheque com uma data posteriormente marcada à

Câmara de Compensação. O cheque é uma ordem de pagamento à vista.

O cheque deve ser apresentado para pagamento na agência bancária

indicada no seu anverso, que é a dependência onde o emitente tem conta para

fins de emissão chéquica.

A apresentação pode ser pessoal ou por intermédio da rede bancária,

sendo que no primeiro caso, o portador legitimado dirige-se à agência bancária

indicada no título, que é aquela onde o emitente tem sua conta corrente para fins

de emissão de cheque e onde estão depositadas as suas assinaturas. No

segundo caso, basta depositar o cheque em conta corrente de banco a sua

escolha, e o pagamento far-se-á pela Câmara de compensação.

Em qualquer hipótese o apresentante sujeita-se a um prazo breve, pois diz

o Art. 33: “O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da

emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser

pago; e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou exterior”.

Justifica-se a brevidade do prazo, pelo fato de ser o cheque instrumento de

pagamento e, portanto, possuir uma vida curta, pois torna-se desnecessário

obrigar o correntista emitente a manter provisão de fundos em poder do sacado

por um período muito longo. Findo o prazo de apresentação, pode o emitente

revogar o cheque mediante contra-ordem, onde o cheque então não será mais

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pago.

Diz o Art. 35: “O emitente do cheque pagável no Brasil pode revogá-lo,

mercê de contra-ordem dada por aviso epistolar, ou por via judicial ou

extrajudicial, com as razões motivadoras do ato”.

Parágrafo único - “A revogação ou contra-ordem só produz efeito depois de

expirado o prazo de apresentação e, não sendo promovida, pode o sacado pagar

o cheque até que decorra o prazo de prescrição, nos termos do Art. 59 desta Lei”.

Porém, apesar de decorrido o prazo de apresentação, deverá o Banco, se

não houver contra-ordem nem oposição, e a conta corrente tiver fundos, pagar o

cheque até a data da prescrição.

A prescrição diz respeito à ação de cobrança executiva do cheque, o seu

prazo é de 06 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação,

conforme mencionado no Art. 59: “Prescreve em 06 (seis) meses, contados da

expiração do prazo de apresentação, a ação que o Art. 47 desta Lei assegura ao

portador”.

O emitente, ao lançar em circulação o cheque, obriga-se a possuir fundos

suficientes para saldá-lo e a mantê-los em sua conta corrente durante o prazo

destinado à apresentação. Esta obrigação não cessa, mesmo decorrido este

tempo, motivo pelo qual o emissor fica adstrito a possuir a disponibilidade em

moeda até a data da prescrição, ou seja, enquanto o cheque mantém íntegras as

suas características jurídicas.

O cheque estando prescrito deixa de valer como título de crédito

cambiariforme, passando a ser apenas documento comprobatório de dívida do

emitente para com o portador legitimado, o qual, se desejar cobrá-lo judicialmente

deverá valer-se da via ordinária ou do procedimento monitório, provando o

negócio que deu caução ao cheque. Este valerá apenas como início de prova,

porque depois da prescrição, sua literalidade e abstração desaparecem.

5. A Obrigação do Banco na Apresentação do Cheque

Quando o título é apresentado ao Banco surge a obrigação de pagar, que é

de natureza extracambiária, pois não deriva do cheque propriamente, mas do

contrato de conta corrente celebrado com o sacador. O descumprimento da

obrigação contratual torna o Banco responsável por danos que cause ao emitente

correntista. Caso o Banco não possa honrar o pagamento no dia em que o

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cheque lhe é apresentado, pode valer-se da marcação, porém com o

consentimento do apresentante.

O Banco, antes de efetuar o pagamento, deverá averiguar a existência de

fundos na conta do sacador, se o título é autêntico, se o apresentante é realmente

o beneficiário, bem como, examinar também a regularidade dos endossos,

quando houver mais de uma transferência, sendo que esta mesma obrigação será

também do Banco apresentante do cheque à Câmara de compensação. Diz o

Art. 39: “O sacado que paga cheque “à ordem” é obrigado a verificar a

regularidade da série de endossos, mas não a autenticidade das assinaturas dos

endossantes. A mesma obrigação incumbe ao Banco apresentante do cheque a

Câmara de compensação”.

O Banco deve ser rigoroso no exame do cheque, pois responde civilmente

pelo pagamento do cheque falso, falsificado ou alterado, conforme dispõe o

parágrafo único do Art. 39: “Ressalvada a responsabilidade do apresentante, no

caso da parte final deste artigo, o Banco sacado responde pelo pagamento do

cheque falso, falsificado ou alterado, salvo dolo ou culpa do correntista, do

endossante ou do beneficiário, dos quais poderá o sacado, no todo ou em parte,

reaver o que pagou”.

Estando o cheque em ordem, o Banco deve pagá-lo, convertendo-o em

dinheiro.

6. A Prova do Pagamento do Cheque pelo Banco

Ao efetuar o pagamento de um cheque, o Banco deveria devolvê-lo ao

correntista emitente para fins de controle e prova de pagamento, mas isto não

ocorre na prática. Diz o Art. 68: “Os Bancos e casas bancárias poderão fazer

prova aos seus depositantes dos cheques por estes sacados, mediante

apresentação de cópia fotográfica ou microfotográfica”.

Portanto o estabelecimento bancário não precisa enviar os cheques ao

correntista para provar a movimentação da conta, o que deverá enviar

periodicamente serão os extratos de conta que reproduzem graficamente os

ingressos e as retiradas. Se o cliente solicitar, o Banco poderá, fazer prova dos

pagamentos efetuados através de cópia fotográfica ou microfotográfica dos títulos

pagos, conforme dispõe o referido artigo acima transcrito.

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7. A Apresentação Simultânea dos Cheques e a Insuficiência de

Fundos

O pagamento dos cheques deverá ser feito na medida em que forem sendo

apresentados ao sacado.

Diz o Art. 40: “O pagamento se fará à medida em que forem apresentados

os cheques e se dois ou mais forem apresentados simultaneamente, sem que os

fundos disponíveis bastem para o pagamento de todos, terão preferência os de

emissão mais antiga e, se da mesma data, os de número inferior”.

Se forem apresentados dois ou mais cheques simultaneamente, e o

emitente não tiver fundos disponíveis em sua conta corrente, que bastem para o

pagamento de todos, o Banco deverá pagar o de emissão mais antiga, e se forem

da mesma data, os que tiverem número inferior, presumindo-se que tenham sido

emitidos com anterioridade.

8. Cheque em Moeda Estrangeira

O Cheque emitido em moeda estrangeira em outro País, para pagamento

no Brasil, deverá ser pago pelo Banco sacado, no prazo da apresentação, em

moeda nacional conforme o câmbio do dia do pagamento. Se o Banco não pagar

o cheque, na sua apresentação, dará o direito ao portador de optar entre o

câmbio do dia da apresentação e o do dia do pagamento, para fins de conversão

em moeda nacional, conforme o Art. 42: “O cheque em moeda estrangeira é

pago, no prazo de apresentação, em moeda nacional ao câmbio do dia do

pagamento, obedecida a legislação especial”.

Parágrafo único – “Se o cheque não for pago no ato da apresentação, pode

o portador optar entre o câmbio do dia da apresentação e o do dia do pagamento

para efeito de conversão em moeda nacional”.

9. Morte ou Incapacidade do Emitente

Após a emissão do cheque, pode ocorrer que o correntista venha a morrer

ou tornar-se incapaz, porém o título não perderá o seu efeito, pois, o portador

legitimado terá o direito de exigir o pagamento do cheque, e o banco sacado não

poderá negar-se a fazê-lo durante o período da apresentação, desde que

verificada a regularidade da emissão.

Diz o Art. 37: “A morte do emitente ou sua incapacidade superveniente à

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emissão não invalidam os efeitos do cheque”.

10. O não Pagamento do Cheque pelo Banco e sua Devolução

O banco pode deixar de pagar o cheque por insuficiência de fundos, por

irregularidade formal do título, por desconformidade da assinatura do emitente e

por contra-ordem ou oposição. Nestes casos deverá devolvê-lo ao apresentante,

declarando no verso o motivo do não pagamento. Declaração esta, que deverá

ser escrita e datada no próprio cheque, com a indicação do dia de apresentação,

constituindo prova da recusa de pagamento.

É muito importante a declaração do não pagamento, pois, nos termos da lei

atual do cheque, isto fará as vezes do protesto cambiário, podendo o portador

promover a execução contra os endossantes do cheque e seus avalistas, e ainda,

o portador que não apresentar o cheque em tempo, ou não comprovar a recusa

de pagamento pela declaração ou pelo protesto, irá perder o direito de execução

contra o emitente, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo de

apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe seja imputável,

conforme o Art. 47, II, § 3º - “O portador que não apresentar o cheque em tempo

hábil, ou não comprovar a recusa de pagamento pela forma indicada neste artigo,

perde o direito de execução contra o emitente, se este tinha fundos disponíveis

durante o prazo de apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe

seja imputável”.

11. Falta de Provisão de Fundos

Quando o cheque é devolvido por insuficiência de fundos, uma das

hipóteses mais freqüentes de falta de pagamento poderá ser, reapresentado 02

(dois) dias após a apresentação, e, se por ocasião da apresentação, a conta

continuar sem fundos disponíveis, irá caracterizar-se o mau uso do cheque,

acarretando graves conseqüências ao emitente.

Anteriormente, tínhamos a Circular nº 162, de 26 de agosto de 1971, do

Banco Central, que determinava o encerramento da conta corrente quando o seu

titular fizesse uso indevido do cheque, caracterizando-se pela segunda

apresentação do cheque, feita após o mínimo de dois dias úteis da primeira

apresentação, sem que a conta tivesse fundos disponíveis e suficientes para o

pagamento do cheque.

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Hoje, temos a matéria disciplinada pela Resolução nº 1.631, de 24 de

agosto de 1989, do Banco Central, que prevê o Cadastro de Emitentes de

Cheques sem Fundos, no qual deve ser incluído o nome dos correntistas que

façam mau uso do cheque, conforme o Art. 4º da referida Resolução: “Fica a

critério de cada estabelecimento a abertura, manutenção ou encerramento de

conta de depósitos à vista cujo titular figure ou tenha figurado no Cadastro de

Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), observando-se as disposições do Art.

2º, podendo o Banco Central do Brasil determinar o seu encerramento”.

Diz o Art. 2º: “No fornecimento de talonários de cheque, deve-se observar:

a) é vedada a entrega se o correntista ou o seu procurador figurar no

Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF) de que trata o Capítulo III

deste Regulamento ou quando tiverem restrição cadastral;

b) o primeiro talonário somente poderá ser entregue mediante expressa

autorização da administração da agência”.

Para que o correntista tenha uma boa reputação perante o Banco, sem

dúvida, a sua principal obrigação será a de manter fundos suficientes em sua

conta corrente para que o sacado acolha as ordens de pagamento que lhe são

dirigidas.

Quando o correntista emitir cheques sem fundos, ele não só irá constituir

uma violação ao contrato da conta corrente bancária, além de crime; como

também irá colocar em risco a credibilidade do instituto e do estabelecimento de

crédito contra o qual é sacado, comprometendo ainda todo o sistema bancário,

daí, termos a intervenção do Banco Central com normas específicas, visando a

evitar o mau uso do cheque.

O beneficiário que tiver o cheque devolvido, após a apresentação, por falta

de fundos, terá o direito de obter do Banco sacado, as informações necessárias à

identificação e localização do emitente, tais como: nome completo, número

registro geral, endereço residencial e comercial, conforme o Art. 24 da Resolução

nº 1.631/89: “O Banco sacado é obrigado a fornecer ao portador do cheque

devolvido por falta de fundos todas as informações que permitam a identificação e

a localização do emitente”.

12. O Protesto Cambiário

Quando ocorrer o não pagamento do cheque, terá o beneficiário o direito

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ao protesto cambiário, típico dos títulos de crédito como a letra de câmbio, a nota

promissória e a duplicata.

Protesto deriva do latim “protestare” que significa, declarar alto e em bom

som, afirmar, é a apresentação pública do título do devedor para pagamento.

Segundo a Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, em seu Art. 1º

“Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o

descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de

dívida”.

Quando um título não é pago na data prevista, o credor pode exigi-lo

publicamente, através do Cartório de Protesto de Título, no primeiro dia útil

posterior ao do vencimento.

Dá-se a falta de pagamento, quando o sacado a quem o título deve ser

apresentado, não é encontrado ou se a ele apresentado, não o pagar, sem recusa

formal. Dá-se a recusa de pagamento se o título, uma vez apresentado por

portador legitimado, não é solvido, com negativa formal do sacado legítimo. Para

o cheque prevalecem ambas as situações relacionadas.

O protesto é um ato público e solene e serve para demonstrar de maneira

inequívoca que o título foi apresentado em tempo oportuno e o sacado deixou de

convertê-lo em dinheiro, tendo, ainda, que salvaguardar os direitos cambiários

emergentes do documento.

Devemos ressaltar que o protesto é facultativo para fins de execução

judicial do cheque, conforme dispõe o § 1º do Art. 47: “Qualquer das declarações

previstas neste artigo dispensa o protesto e produz os efeitos deste”.

Porém, como é grande a publicidade de um protesto, será um excelente

meio de compelir o devedor a saldar o débito, pois o cheque protestado pode

implicar restrição ao crédito do emitente na praça, pois os serviços de proteção ao

crédito e as agências de informações costumam anotar em seus arquivos; hoje

em dia todos os protestos que se realizam foram substituídos por sofisticados

computadores.

13. Lugar e Tempo do Protesto

O protesto se faz no Cartório de Protesto de Títulos, no lugar do

pagamento ou do domicílio do emitente, porém antes de expirado o prazo para a

apresentação do cheque. Se a apresentação ocorrer no último dia do prazo, o

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protesto será feito no primeiro dia útil subseqüente.

Diz o Art. 48: “O protesto ou as declarações do artigo anterior devem fazer-

se no lugar de pagamento ou do domicílio do emitente, antes da expiração do

prazo de apresentação. Se esta ocorrer no último dia do prazo, o protesto ou as

declarações podem fazer-se no primeiro dia útil seguinte”.

A Lei nº 9.492/97, em seu Art. 6º, também refere-se ao lugar do protesto:

“Tratando-se de cheque, poderá o protesto ser lavrado no lugar do pagamento ou

do domicílio do emitente, devendo do referido cheque constar a prova de

apresentação ao Banco sacado, salvo se o protesto tenha por fim instruir medidas

pleiteadas contra o estabelecimento de crédito”.

Ao receber um cheque para protesto, o oficial do cartório deverá observar

as seguintes regras: a) a entrega do cheque para protesto deverá ser prenotada

em livro especial e o protesto tirado (realizado) no prazo de 03 (três) dias úteis a

contar do recebimento do título; b) antes de concluir-se o protesto, deverá intimar

o emitente e seus coobrigados, que poderão efetuar o pagamento no cartório,

evitando assim o protesto, ou então, justificando o não pagamento; c) não pago, o

cheque será então protestado, lavrando-se em livro especial e expedindo-se ao

portador o documento comprobatório do ato, chamado instrumento de protesto,

que deverá ser datado e assinado pelo oficial público.

O instrumento de protesto deverá conter: a) a transcrição literal do cheque,

com todas as declarações nele inseridas, na ordem em que se acham lançadas;

b) a certidão da intimação do emitente, de seu mandatário especial ou

representante legal, e as demais pessoas obrigadas no cheque; c) as respostas

dadas pelos intimados ou a declaração da falta de resposta; d) a certidão de não

haverem sido encontradas ou de serem desconhecidos o emitente ou os outros

obrigados, realizada a intimação, nesse caso, pela imprensa.

Depois de registrado em livro próprio, o instrumento de protesto será

entregue ao portador legitimado ou a pessoa autorizada para retirá-lo.

Se o cheque for pago após o protesto, este poderá ser cancelado

mediante a apresentação de cópia autenticada da quitação, segundo Art. 48, § 4º:

“Pago o cheque depois do protesto, pode este ser cancelado, a pedido de

qualquer interessado, mediante arquivamento de cópia autenticada da quitação

que contenha perfeita identificação do título”.

Revista Virtual Direito Brasil – Volume 1 – nº 2 - 2007

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Referências Bibliográficas

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