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Laurel Collins

Aos trinta e dois anos de idade, Emily Holcomb vive como uma ermitã, nos arredores de um vilarejo incrustado nas montanhas do Colorado. Até o dia em que ela encontra à sua porta um exemplar do jornal da cidade, com um poema de amor circundado por um coração, para lhe chamar a atenção. Atribuindo a façanha aos garotos das redondezas, que se divertem em fazer pouco dela, Emily vai se confrontar com Ben Thatcher, o editor do jornal, que afirma não ter conhecimento da publicação do poema. Ben se sente, então, compelido a deixar pequenos mimos à porta de Emily, tentando convencer a si mesmo de que seu único intuito é fazer aquela moça simples e tímida sentir-se desejável...

Jo Goodman

Courtney McCIellan já ficou noiva três vezes, e três vezes cancelou o casamento às vésperas da cerimônia, sabendo que teria uma vida infeliz casando-se com um homem por quem não sentisse uma paixão completa e arrebatadora. E quando ela já perdia a esperança de um dia conhecer essa paixão, um amigo de infância aparece inesperadamente, e o que ela acreditava ser amizade revela-se um sentimento novo, uma atração desconhecida, que promete levar a um amor para toda a vida...

REVISORA: LAURA: Digitalização: Marina: Disponibilização: Dani

Querida leitora,

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O amor è um sentimento que desafia o tempo e mexe com as emoções. Deixe que seu coração seja o seu guia nestes dois maravilhosos contos de amor de tempos longínquos, escritos por duas fabulosas autoras dos dias de hoje!

Leonice Pompônio EditoraLaurel Collins e Jo GoodmanSURPRESAS DO CORAÇÃOTradução Silvia Moreira

"The Sccret Hcart" Copyright «PI999 by Linda Lemieux Originalmente publicado em 1999 pela Kensington Publishing Corp.

"Tidewater Promise" Copyright CO 1991 by Jo Goodman Origitialmenle publicado em 1991 pela K.ensitiglon Publishing Corp.

PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP. NY, NY - USA Todos os direitos reservados.

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

As publicações da Editora Nova Cultural não podem ser rcprodu/idiis, total ou parcialmente, seja qual for o meio, mecânico ou eletrônico (inclusive digitalização), sem a permissão expressa da Editora. A reprodução das publicações sem a devida autorização da Editora constitui crime de violação de direito autoral previsto no Código Penal brasileiro.TÍTULO ORIGINAL: THE SECRET HEART (AFFA1RS OF THE HEART) / TIDEWATER PROMISEEDITORA Lconice PomponioASSISTENTE EDITORIAL Patrícia ChavesEDIÇÃO/TEXTO Tradução: Silvia Moreira Revisão: Patrícia ChavesARTE Mônica MaldonadoPRODUÇÃO GRÁFICA Sônia SassiMARKETING/COMERCIAL Andréa RiccelliPAG IN AÇÃO Ana Beatriz Pádua

© 2011 Editora Nova Cultural Ltda. Rua Texas 111 - sala 20" - Jd. Rancho Alegre - Santana do Parnaíba — CEP 06515-200 — São Paulo — SP www.novacultural.com.br

Impressão e acabamento: Prol Editora Gráfica

Capítulo I

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Pine Springs, Colorado 1873

Os últimos raios de sol de um dia de céu azul se infiltravam pelos vãos entre as árvores, confundindo os tons alaranjados com o verde da floresta. O ar estava parado e gelado, o que não calava o entusiasma do chilrear dos pássaros no alto dos pinheiros.

O som alegre animou Emily Holcomb, trazendo um sorriso ao rosto abatido pelo cansaço. Fazia muito tempo que ela só tinha o silêncio como companhia.

Com uma pilha de lenha nos braços, abaixou-se para acrescentar mais um nó de pinho que vira ao pé de uma árvore. Já havia perdido a conta da quantidade de viagens que fizera entre o depósito e a mata naquele dia. Contudo, o excesso de trabalho jamais a assustara.

Agradecera a Deus pelo vento enviado na noite anterior. Ao soprar forte pela montanha, derrubara muito mais galhos secos do alto das tamargas e dos pinheiros amarelados do que ela seria capaz de carregar. A lenha valia ouro, pois era respon-sável por alimentar o forno de ferro que a mantinha aquecida durante as longas noites de inverno.

Conforme se aproximava da cabana de madeira, o cocoricar agudo do galo doeu-lhe nos ouvidos. Ao prestar atenção novamente, percebeu um outro som entremeado ao da ave. Sentiu o coração bater em descompasso.

Praguejando baixinho, segurou a lenha com mais firmeza e apressou o passo. Rezou para que a comoção no galinheiro não fosse culpa do mesmo gato selvagem que ali rondava havia dias. Ao lembrar que já havia perdido uma de suas aves, e não poderia dar-se ao luxo de perder outra, Emily correu, pisando em poças d'água e não se importando em atravessar a ponte de madeira no mesmo ritmo.

Não demorou muito para se arrepender de ter pisado na água, pois logo a umidade atravessou os furos da sola das botas do pai, apesar das várias camadas de jornal para melhor acomodar seus pés em um calçado bem maior. Quando chegou à clareira, sentiu os pulmões arder com a baixa temperatura do ar. As calças estavam molhadas até os joelhos, e os dedos dos pés estavam gelados e dormentes.

Mesmo assim, não se importou com o mal-estar. Tinha coi-sas mais importantes a resolver naquele momento. Devagar, deu a volta no galinheiro. Não havia nenhuma pegada de gato

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sobre a pouca neve que caíra horas antes. A tela estava intac-ta, nenhuma pena voando, ou seja, estava tudo na mais perfei-ta ordem.

Ainda assim, o galo recomeçou a cacarejar, apavorando as galinhas, que bateram as asas desesperadas, dando encontrões umas nas outras.

— Pare de fazer cena, Lothario! — repreendeu Emily. — Não há motivos para se preocupar. Não é à toa que suas namoradas não estão chocando direito. Assustando-as assim, nenhuma se aproximará de você. Às vezes tenho vontade de colocá-lo numa panela.

Protegida pela grade, a ave voou para o ponto mais alto, demonstrando seu descontentamento com a reprimenda. Emily meneou a cabeça, rindo, refletindo que já nem se lembrava mais de quando havia começado a implicar com o galo.

Saindo dali, seguiu até o depósito de madeira, que nada mais era do que algumas tábuas em pé cobertas por um rústico telhado de sapé. O importante era que servia muito bem ao propósito de manter a lenha seca durante o inverno mais tene-broso. Depois de colocar mais uma braçada de pequenos tocos, pegou o machado.

Ao dirigir-se para os galhos maiores, poderia jurar ter ouvido aquele estranho ruído novamente, seguido do cocoricar esganiçado de Lothario. Talvez a ave não estivesse preocupada demais em perder a vida.

Um sorriso brotou no rosto sereno. Brigar com aquele galo ao menos a fazia esquecer problemas maiores. Seus pés aos poucos congelavam, os dedos formigavam de frio. Além disso, não havia comido nada desde o café da manhã. Sentiu o estômago contrair-se, pensando que nem tudo estava tão esquecido.

Parada perto da lenha, com o vento frio gelando-a até os ossos, Emily focou a atenção no fogo acolhedor que do fogão de ferro da cozinha. Assim, tratou de pegar o galho mais longo, apoiá-lo sobre um tronco caído e, com uma machadada só, partiu-o ao meio. Mais outro galho, e o processo foi repetido.

Mais uma vez, o cocoricar de Lothario atrapalhou sua con-centração.

— Não adianta pedir. Por maior que seja a minha vontade de acabar com você, sei que sua carne é muito dura de se comer. Prefiro mastigar couro dos arreios! — gritou ela. — Mesmo assim, aconselho-o a tratar melhor suas amigas. Elas

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não estão colaborando muito ultimamente. Sem o dinheiro da venda dos ovos, não conseguirei manter o rancho por muito tempo. Falta óleo para as lamparinas, estou sem açúcar e res-trita a mais algumas xícaras de café.

Assim dizendo, ergueu o machado mais uma vez, porém não conseguiu um bom corte. Repetiu a ação sem sucesso mais uma vez. Depois de algumas outras tentativas em vão, enrai-vecida, puxou o cabo do machado, deixando a lâmina enterra-da na madeira.

Soltando o cabo no chão, e erguendo os braços para o alto, suspirou, desanimada.

— Não posso reclamar da sorte, mesmo que ela não seja boa. Ouviu isso, senhor pássaro escandaloso? Agora podemos acrescentar mais um item à minha lista de compras que não posso pagar.

Claro que não houve resposta.Quando uma mulher não tem ninguém melhor para con-

versar do que um galo velho, acho que não lhe resta muita esperança, pensou, deixando escapar um suspiro de desânimo. Depois de juntar os tocos que conseguira rachar, voltou para casa. A poucos metros da varanda, viu a ponta de um pedaço de papel sobre a porta de entrada. Desconfiada, parou antes de continuar. Quando imaginara que nada mais poderia acontecer naquele dia, um bilhete surgia à sua frente...

Ao considerar as piores hipóteses, Emily sentiu o sangue esvair do rosto. Então era aquela a razão pela qual Lothario estava tão agitado. Alguém havia se aproximado da casa, enquanto ela estivera fora.

Com passos lentos, subiu os três degraus. Uma surpresa daquelas só poderia trazer más notícias. Ninguém no vilarejo se preocupava em fazer convites sociais, ou visitá-la. Aliás, boa parte dos habitantes a considerava louca, tal como fora seu pai, e o resto nem prestava atenção à sua presença, pela simples razão de ter escolhido viver afastada e sozinha.

Aquela não seria a primeira vez que um incidente daquele tipo ocorria. Emily já recebera recados malcriados, grudados na porta ou na cerca, ovos podres esparramados pela varanda e depredação das macieiras, que seu pai havia plantado assim que haviam se mudado para o rancho.

Com fama de uma velha criada sinistra, vestindo-se como uma fazendeira pobre, reclusa do resto da cidade, ela era o

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alvo favorito dos moleques, quando queriam aprontar alguma tra-quinagem.

No entanto, estava sendo precipitada. Talvez aquele papel não fosse um trote. Quem sabe não seria um bilhete do Dr. Evans. Vez por outra, o médico vinha visitá-la. Assim, deixando a lenha no chão, abaixou-se para puxar a folha de papel, examinando-a com atenção.

Bem, não era um bilhete de ninguém conhecido, tampou-co um recado malcriado de algum dos garotos. Era uma cópia impressa da Pine Springs Gazette.

De fato, o sr. Farley, dono da mercearia local, havia-lhe dito que a cidade contava com um jornal desde o último verão, mas ela nunca tivera a oportunidade de ler um exemplar até então.

O jornal tinha o mesmo formato de tantos outros que já vira em sua cidade natal, Ohio. Havia o obituário de praxe, o calendário das atividades da igreja, anúncios das lojas locais e uma coluna e ditorial.

Nenhuma novidade. Ao passar os olhos por tudo, um cora-ção feito com tinta vermelha no canto da página lhe chamou a atenção. Ali havia uma poesia, que alguém deliberadamente assinalara para que ela visse logo.

"Doce Emily de rara beleza, pele alva como leite e longos cabelos da cor do trigo. Admiro-a de longe, sem nunca ter a coragem de ousar me aproximar... "

Em um primeiro momento, ela ficou parada, lendo e relen-do o verso. Apesar das palavras bem-colocadas, seu coração ficou apertado. Havia acertado desde o princípio. Aquilo era, sim, mais uma brincadeira de mau gosto.

Houve um tempo em que ainda acreditava que alguém poderia lhe declamar uma poesia, quando sua pele não estava tão castigada pelo sol por trabalhar duro durante o dia. Com muita boa vontade, o emaranhado de fios presos em um coque poderia ser chamado de longos cabelos dourados.

Com raiva, fechou a mão em punho, amassando o jornal. Será que aqueles meninos não desistiriam nunca? Já não havia sido motivo de chacota suficiente?

Bando de moleques todos, não tenho dúvida de que foram eles os responsáveis por isto, pensou, enquanto tentava domi-nar as emoções. Se bem que nada seria publicado sem a coni-vência do editor do jornal. Àquela altura, a cidade inteira

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estaria rindo porque a "louca" Emily Holcomb havia arrumado um admirador.

Para piorar ainda mais, Lothario começou a cocoricar novamente. Emily estava cansada e com muito frio. Parte dela queria entrar, acender o fogo, trocar as roupas úmidas e enfiar-se debaixo das cobertas. Por outro lado, a raiva crescia minuto a minuto, quase sufocando-a.

Aquela brincadeira sem-graça havia sido a gota d'água em um dia que não vinha sendo dos melhores. Além do mais, sen-tir ódio era bem mais confortável do que imaginar que poderia sofrer, caso aquele admirador se concretizasse. De qualquer maneira, iria até o vilarejo tirar a história a limpo.

O som surdo da lenha contra o metal rompeu o silêncio da redação do jornal, conforme a madeira se movia dentro do for-no abaulado, queimando, partindo-se, batendo na grelha. Mas Ben Thatcher não se incomodou com o barulho. Sua atenção estava toda voltada para a folha de papel sobre a mesa.

Tad Jenkins, o aprendiz de gráfico, havia colocado mais gravetos no fogo, cerca de meia hora antes. Ben só notaria o frio se os dedos lhe caíssem congelados. Lia e relia o texto escrito com uma pena grossa. Ainda não tinha posto no papel todo o raciocínio. A pena só era recolocada sobre a mesa quando o cabelo liso caía sobre os olhos, atrapalhando a vista. Caso contrário, não pararia de trabalhar enquanto não estivesse totalmente satisfeito. Havia passado o dia inteiro naquela coluna.

Não eram os editoriais que colocavam pão e manteiga na mesa do editor, mas para ele ali estava o coração do jornal.

Ben havia aprendido o ofício com o tio Henry. Este lhe ensinara que ao expressar os sentimentos em uma edição, esta seria lida por várias pessoas e talvez pudesse fazer diferença na opinião pública. Isto é, quando conseguia ordenar os pensamentos e expressá-los corretamente. Assim, mantinha a pena erguida, balançando de um lado a outro, enquanto pensava. Porém, antes de formar um novo raciocínio, a porta se abriu e uma corrente de ar frio invadiu a saía, trazendo Daniel Faraday.

— Boa tarde — cumprimentou o irlandês de ombros largos, tirando o casaco e pendurando-o em um dos ganchos atrás da porta. — Quero dizer, a tarde deve estar boa para os animais peludos, que possuem um casaco de pele natural.

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Quanto a nós, teremos muito trabalho para nos mantermos aquecidos nessa geleira que se prenuncia.

Ben riu do comentário e, pela primeira vez conscientemente, deixou a pena sobre a mesa. Daniel Faraday era o tipo de amigo que demandava atenção total.

— Boa tarde? — indagou, empurrando os óculos mais para cima do nariz e olhando para o relógio de parede. Cinco e meia?! Só então reparou que estava trabalhando com a luz já bem fraca.

— Já sei, você passou o dia inteiro escrevendo, não foi? Como espera ter uma vida social se não chega a pôr o nariz para fora da porta? Venha jantar comigo e Maria uma noite dessas. Faça alguma coisa. Desafie os homens a uma partida de tabuleiro. Cedo ou tarde, todo mundo acaba passando pela mercearia do Farley. Qualquer hora dessas é capaz de você encontrar uma dama do seu gosto.

Meneando a cabeça, Ben atravessou a sala à procura de uma caixa de fósforos para acender os lampiões de querosene. Pela primeira vez no dia sentiu frio, e desenrolou as mangas da camisa.

— Não precisa se preocupar comigo. Você está parecendo minha tia Phoebe.

— Uma mulher de muito bom-senso, diga-se de passagem — comentou Daniel, acomodando-se em uma cadeira perto do forno e esticando as pernas sobre um banquinho. — Ah, agora está bem melhor. Vamos, conte-me sobre o próximo edital.

Ben encontrou a caixa de fósforos dentro de uma das gavetas da escrivaninha, depois virou-se para o amigo.

— O mesmo de sempre. Já passa da hora de esta cidade planejar o futuro. Precisamos de um corpo de bombeiros volun-tários, Daniel. Depois da calamidade da semana passada, isso deveria estar evidente para todos. Por sorte, perdemos apenas a cocheira, mas poderia ter sido muito pior.

— É verdade. Tenho certeza de que conseguirá os volun-tários que precisa. A eminência de novos incêndios deve con-vencer a todos. Se bem que isso não é tudo que precisamos. Acabei de saber que Reed partiu para Central City para explorar uma mina de ouro.

Ben suspirou em desalento. Espantou-se por ainda não ter percebido que Daniel não viera até ali, naquela hora do dia, para uma simples visita social.

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— O diretor da escola? — perguntou, surpreso. — Devemos avisar o padre Tomkins. Afinal, ele também é membro da diretoria.

— Foi ele mesmo que me contou a novidade — Daniel explicou. — Ele vai conversar com a sra. Abrams hoje à noite, o estado de saúde do marido dela piorou bastante. Acho que nós dois poderíamos traçar uma estratégia.

Enquanto ouvia o amigo, Ben ergueu o vidro da lamparina sobre a mesa de trabalho e riscou o fósforo, encostando-o no pavio. Assim que a chama acendeu, a claridade foi aos poucos tomando a sala inteira. Entretanto, a luz bruxuleante pouco aju-dou a melhorar seu ânimo.

— Você quer dizer... um plano?A sensação de não poder fazer nada o desesperava. Já

haviam perdido três professores em menos de um ano. Não havia muita gente capacitada em Pine Springs para assumir o cargo.

— Que espécie de cidade é esta em que vivemos? — diva-gou em alto e bom som. — Temos no mínimo uma dúzia de bares, lugares que agregam os tipos mais duvidosos da região. Mas não conseguimos manter uma escola funcionando por alguns meses seguidos.

Daniel tirou um cigarro de palha do bolso da malha de lã, acendeu e soltou algumas baforadas de fumaça em formato de "O".

— Como somos amigos, não vou levar para o lado pessoal o que acabou de dizer.

— Ora, não deve mesmo — assegurou Ben. — Você con-seguiu sustentar o Wild Rose sozinho por um bom tempo, mas agora é um homem casado, com dois filhos que precisam de estudos tanto quanto as demais crianças da cidade.

— O que sugere que seja feito então? Não conseguiremos manter professores em plena febre do ouro. Muito menos evitar que as professoras aceitem o primeiro pedido de casamento de um mineiro prestes a ficar rico.

Ben recostou-se na cadeira, entrelaçando os dedos atrás da cabeça.

— E se aumentarmos os salários, ou reformarmos a esco-la, ou mais livros... Bem, em resumo, precisamos de dinheiro para tanto.

— Ah, mas há bastante moeda circulando para bebidas, mulheres e boa comida. Garanto que esses homens que só

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pensam na prata não estão nada preocupados com nossas crianças — ponderou Daniel.

— Então temos de forçá-los a pensar.— Se você souber como...— Eu poderia escrever a respeito no próximo editorial da

Gazette.Na verdade, Ben sempre almejara convencer as pessoas a

fazerem o certo por meio de suas letras. Mas não era tão ingê-nuo assim. Além do mais, passar o chapéu pedindo doações não seria suficiente para cobrir as despesas de uma nova esco-la, melhores salários para professores e livros.

— Será um desafio — disse Daniel, afastando a mecha de cabelo da testa e andando até a janela.

— Poderíamos ficar na porta do Whiskey Row e assaltar aqueles que estivessem saindo do bar. Pena que seja ilegal... — Ben disse, já sem muitas idéias a propor.

— Podemos também encontrar duas belas damas, e... bem... Espere um pouco, é isso mesmo! — exclamou Daniel, animado.

— O que foi? — indagou Ben, certo de que havia perdido alguma coisa.

— Um bazar de caridade! Essa é a melhor saída, não acha? Não estaremos contra a lei. Nesses eventos é muito difícil que alguém saia sem ao menos ter gastado algumas moedas. Lembra-se de como as mulheres se uniram para angariar fundos durante a guerra?

— Os Bazares da Fraternidade? É verdade, minha tia Phoebe organizou vários em Chicago.

— E o dinheiro recolhido ajudou bastante os solados. Nós dois sabemos muito bem disso...

Ben assentiu com um sinal de cabeça. Ele e Daniel haviam se conhecido durante a guerra, em um hospital, após a batalha de Shiloh. O ambulatório estava bem provido de medicamentos graças aos tais bazares.

— Nem teremos o trabalho de organizar — sugeriu Ben, piscando para o amigo. — Basta explicar a situação para sua tia, que ela se encarregará de espalhar a notícia para as outras senhoras. Logo teremos tudo resolvido. Garanto que minha Maria ficará muito feliz em participar.

— Acho que podemos usar o salão da igreja, há espaço suficiente para convidar a cidade inteira — propôs Ben, passando a mão pelo queixo com a barba de dois dias por

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fazer. — Até as crianças podem ajudar na decoração, ficando assim com a sensação de que também participaram.

Ben respirou aliviado por ter encontrado uma saída. O plano poderia não dar certo, mas ao menos estavam fazendo alguma coisa.

— Bem, é melhor eu ir para casa. Maria já deve ter coloca-do o jantar na mesa — anunciou Daniel, jogando o restinho do cigarro de palha dentro do forno. — Resolvemos parte do pro-blema. Resta agora encontrarmos uma professora.

Não era difícil entender a razão da preocupação do amigo. A interrupção nos estudos dos filhos significaria maior dificul-dade de aprendizado na medida em que fossem crescendo. Por outro lado, os gêmeos de sete anos de idade ajudavam bastan-te no serviço de casa.

— A primeira coisa que farei amanhã de manhã será tele-grafar para meus amigos jornalistas em St. Louis e Chicago. Vou espalhar anúncios com oferta de trabalho para professores: quinze dólares por mês, mais moradia e alimentação. Duvido que não haja alguém interessado. Até lá manteremos a escola aberta. Posso assumir algumas aulas e aposto que o reverendo Tomkins também não negará apoio.

— Admiro sua boa vontade, Ben Thatcher, principalmente pelo pouco tempo livre de que dispõe e por não ter filhos.

— Ah, sou bem mais egoísta do que imagina. Ao ensinar as crianças a ler, estarei formando novos leitores para o meu jornal.

— Conheço essa sua mania de menosprezar o próprio altruísmo. A mim você não engana.

— Admito que finquei raízes neste lugar. Não quero ver Pine Springs minguar enquanto as minas estiverem boas para o garimpo. Meu tio Henry sempre dizia: "Quanto mais instruídas forem nossas crianças, maior prosperidade para todos nós". Era essa a forma de ele me mandar terminar os deveres de casa.

Daniel sorriu, tirou o casaco do gancho e o vestiu.— Você será um ótimo pai. Se ao menos passasse tanto

tempo se sociabilizando quanto passa escrevendo, as coisas seriam bem mais fáceis.

Ben ignorou o comentário. Daniel e Maria vinham tentando lhe arrumar uma esposa desde sua chegada, no último verão, ao passo que ele próprio não tinha pressa alguma de se casar. Phoebe cuidava muito bem da casa em que

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viviam. Além do mais, uma mulher jamais entenderia a quantidade de horas dedicadas ao jornal.

Claro que desejava casar-se e ter filhos. Contudo, havia preocupações mais urgentes naquele momento. Depois do dever cumprido, haveria tempo suficiente para preocupar-se com assuntos pessoais.

Capítulo II

Não foi difícil de encontrar a redação do Pine Springs Gazette, mesmo no final da tarde. Uma placa com o nome do jornal em letras rebuscadas pendia de um gancho, balançando

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com o vento na parede de um dos poucos edifícios do centro da cidade. Não ficava muito distante do mercado do sr. Farley.

Emily desmontou e amarrou as rédeas da égua em um tronco em uma esquina próxima. Depois acariciou o focinho do animal e recebeu um cutucão no braço do nariz aveludado.

— Desculpe ter forçado você a correr, Arabella. Mas estou com pressa de resolver esse assunto. Você entende, não é? O que será de mim se perder minha autoestima? Não posso dei-xar que tirem isso de mim também. Prometo recompensá-la. Deixei uma maçã suculenta e bem vermelha nos esperando em casa.

A égua balançou a cabeça como se tivesse entendido o recado. Dito isso, Emily seguiu em direção ao jornal. O som das botas sobre o passeio de madeira ressoou alto.

Galopar até ali não a acalmara; a raiva ainda borbulhava em seu estômago. Um pouco antes de chegar ao jornal, viu quando um homem ruivo e corpulento abriu a porta. Por sorte, ele virou na direção contrária e se afastou.

Emily soltou a respiração que havia prendido inconsciente-mente. Imaginou ter perdido a chance de falar com o editor. No entanto, ao se aproximar mais e olhar através do vidro, perce-beu que ainda havia uma luz acesa no primeiro andar.

Com um empurrão decidido, entrou. A sineta da porta soou. Emily não recuou até chegar ao balcão e postar-se ali, batendo com o punho sobre a madeira.

— Gostaria de falar com o editor, por favor!Sentado a uma mesa, um homem moreno largou a pena

ao lado do tinteiro e levantou-se devagar.— É o senhor, por acaso?Houve um longo e constrangedor silêncio. Ela bem sabia

estar sendo estudada, desde o chapéu de feltro e as roupas desbotadas sob o pesado casaco de lã até as botas de couro.

O homem arregalou os olhos cinzentos por trás dos ócu-los, deixando-a corada. Na certa estranhara a maneira como ela estava vestida, bem diferente das outras mulheres da cidade.

— E então? — Emily insistiu.— Sim, sou eu mesmo...Ao vê-lo afastar-se da mesa, ela o estudou também. As

calças de lã marrom cobriam as pernas longas, e uma malha da mesma cor, porém em tom mais claro, vestia os ombros largos.

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O rosto de maxilares largos estava sombreado pela barba por fazer.

A maneira como ele pareceu sem graça fez com que Emily se arrependesse por ter invadido o local, abordando-o com cer-ta agressividade. Mesmo porque ele não incorporava o monstro imaginado.

Quando estava prestes a desculpar-se, lembrou-se da folha de jornal no bolso da camisa, voltando a sentir a raiva que a levara até ali.

— Meu nome é Emily Holcomb. Vim fazer uma reclamação. É sobre algo que li em seu jornal — disse ela. Desdobrando a folha, esticou-a sobre o balcão. — Encontrei isto enfiado debaixo da minha porta. O senhor ou algum de seus amigos pode achar engraçado divertir-se à custa de alguém como eu. Sei que sou diferente, sr. Thatcher. Mas não achei graça nenhuma.

— Está insinuando que o artigo não seja sério? — ques-tionou Ben. — Acho que a senhorita deveria estar lisonjeada por alguém querê-la bem a ponto de escrever algo assim tão... especial.

Não havia nenhum sinal de que ele estivesse mentindo, o que a tomou totalmente de surpresa.

— Não é possível que acredite que algo assim seja verda-deiro. Olhe para mim, sr. Thatcher. Tenho trinta e dois anos bem vividos, digamos assim. Não acho que alguém se inspiraria em mim para poetar.

Emily sentiu uma pontada do coração. Não fazia idéia de que a realidade verbalizada de maneira tão crua a feriria tanto. Assim dizendo, desviou o olhar, e o mesmo silêncio embaraço-so de antes tomou conta do ambiente. Disfarçando o desconforto, ela começou a andar pelo lugar.

Uma enorme impressora rotativa dominava o fundo da sala. Em uma mesa próxima havia centenas de suportes com os tipos móveis para a tipografia.

O que mais chamou a atenção foi a estante repleta de livros. Volumes com capa de couro e títulos em letras douradas estavam dispostos lado a lado. O primeiro que capturou o olhar dela foi O Mercador de Veneza. Os parágrafos pareciam saltar de sua memória, ao pronunciar baixinho:

— Sou um judeu. Os judeus não têm olhos? Não têm mãos, órgãos, dimensões, sentidos, afetos ou paixões? Não ingerem os mesmos alimentos, não se ferem com as armas,

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não estão sujeitos às mesmas doenças, não se curam com os mesmos remédios, não se aquecem e refrescam com o mesmo verão e o mesmo inverno que aquecem e refrescam os cristãos? Se nos espetardes, não sangramos?

— O que disse? — questionou Ben do outro lado da sala, fingindo não tê-la ouvido.

Emily apenas suspirou, ignorando a pergunta. Estava tomada pela vontade de tocar cada um daqueles volumes. Fazia tanto tempo que não lia algo diferente... Contudo não tinha a menor intenção de continuar por ali mais tempo do que o necessário.

Fale logo a que veio, diga por que está aqui e vá embora!, pensou, voltando a atenção para Ben.

— Por ser novo em Pine Springs, sr. Thatcher, é bem capaz de não ter ouvido falar a meu respeito. Sou a diversão e o esporte favorito dos moleques da cidade. Eles não levam nada a sério. Sempre encontro bilhetes ofensivos presos à minha cerca. Ou então minhas macieiras são assaltadas. No ano passado fizeram um espantalho parecido comigo e o colocaram bem à vista, no bar Whiskey Row.

Sentindo o sangue subir-lhe às faces novamente, Emily baixou o rosto, envergonhada sem razão.

— Não há muito o que fazer contra nada disso — conti-nuou. — Gostaria de me certificar de que ao menos o jornal não mais publicará esse tipo de desaforo.

Ben deu um passo em direção ao balcão, e depois de uma tossidela, explicou-se:

— Creia-me, srta. Holcomb, eu não fazia idéia de que esse poema significasse outra coisa além do que parece. Alguém o deixou sobre minha mesa, com o pagamento pelo anúncio e eu... bem... Pensei que estivesse dando uma mãozinha ao cupido.

Emily o encarou desconfiada, ainda sem saber se acredita-va na promessa.

— Tenho sua palavra de que nenhum outro poema será impresso no seu jornal?

— Ah, sim. Claro!Ouvindo aquilo, ela soltou um longo suspiro, expirando o

resto da raiva que ainda a oprimia. Talvez não tivesse valido muito a pena ter se exposto, indo até ali. O que conseguira? Será que resgatara ao menos um pouco do orgulho ferido?

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— Conto com o senhor, então — disse ela, virando-se para sair.

Já estava com a mão na maçaneta quando Ben resolveu falar:

— Tem certeza de que isso é uma brincadeira? Pela sua experiência, pode ser difícil acreditar, mas existem homens que são capazes de enxergar além da beleza exterior de uma mulher.

A frase de impacto a impediu de seguir o movimento. Tinha de admitir que aquele homem era inteligente, falava bem, mas obviamente conhecia muito pouco da natureza humana.

— Por acaso considerou que pode haver alguém com medo de expressar seus sentimentos para a senhorita? Por que não poderia existir um admirador secreto de fato?

Emily balançou a cabeça antes de virar-se para responder.— Espero que cumpra com o prometido, sr. Thatcher —

cobrou ela, puxando a maçaneta, não tão impulsivamente quanto havia feito ao chegar. — Tenha uma boa noite.

Um bom tempo depois que ela havia saído da sala, Ben ainda continuava parado no mesmo lugar, com o olhar fixo na porta. Nunca antes em sua vida havia encontrado uma mulher tão singular, uma irresistível mistura das maiores contradições possíveis.

Emily não possuía uma beleza rara, mas sim madura. Já não exibia o esplendor da juventude. Alguém que se vestia como homem, mas capaz de citar Shakespeare com detalhada perfeição. Ah, claro, que a havia ouvido recitar o monólogo de Shylock, palavra por palavra, embora fingisse não prestar aten-ção para poupá-la do embaraço. Ali estava uma mulher que não se considerava uma musa para inspirar poemas e, no entanto, transmitia uma desmedida sensibilidade através dos olhos azuis profundos, que o comovera.

De repente, sentiu-se tomado pela curiosidade. Quem seria de fato aquela mulher? De onde teria vindo? Aquela havia sido a primeira vez que a vira na cidade, desde sua mudança. Bem, na certa não teria reparado nela se houvessem se cruzado na rua.

Por se vestir como um senhor idoso com um chapéu de feltro mais velho ainda, as linhas de um corpo feminino não eram evidentes. De longe não era possível distinguir as linhas delicadas de seu rosto, muito menos o olhar expressivo. Sem

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mencionar que só quando ela dera as costas ele reparara na trança loira e malfeita. Era de se indagar a razão pela qual ela se vestia daquela forma. E por quê?

Eram inúmeras as dúvidas que povoavam a mente dele, mas, procurando afastá-las, achou por bem voltar ao trabalho. Ainda havia muito que fazer naquela noite. Não havia tempo paradistrações. Além do mais, já tinha decidido não mais publicar nada que causasse embaraço à srta. Emily Holcomb. Portanto, não haveria mais motivos para divagações.

Ao ouvir a sineta da porta, Ben levantou os olhos na espe-rança de vê-la voltar, mas infelizmente era Tad Jenkins.

— Sua tia Phoebe me pediu para trazer esta cesta com o jantar — anunciou o garoto, logo após ter deixado o cachecol e o casaco pendurados perto da porta. — Fui instruído para garantir que você coma tudo o que está aí. Ela acha que se deixar por sua conta, você é capaz de morrer de fome.

Assim dizendo, o garoto tirou a toalha xadrez que cobria a cesta, estendeu-a sobre a mesa e foi dispondo ali pote após pote.

Ao ver a quantidade de comida, Ben imaginou que poderia alimentar uma família inteira: uma torta de galinha, doze pãe-zinhos recheados, uma garrafa com café quente e um generoso pedaço da famosa torta de limão da cidade.

Depois de tudo arrumado, Tad sentou-se em uma cadeira ao lado, cruzando os braços sobre o peito, pronto para observar se a tarefa seria devidamente cumprida. Uma das coisas mais importantes que havia aprendido desde que começara a traba-lhar no jornal era nunca desobedecer a uma ordem de Phoebe Dunham.

— Trabalhei por noites a fio ao lado do meu tio Henry. Fui para a guerra, atravessei o país para montar meu próprio jor-nal, e minha tia ainda não confia em mim o suficiente para ras-par um prato de comida.

Tad olhou para os pãezinhos como se os quisesse devorar um a um. Ben sabia que o garoto já havia jantado. Phoebe não o deixaria passar fome. Mas aos quinze anos de idade, não haveria comida suficiente para fartar o estômago de um menino ainda em fase de crescimento.

Pegando um dos pãezinhos, Ben o jogou na direção dele e o pegou desavisado, mas em tempo de reagir e agarrar o quitute.

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— Vou servir um pouco de café também. E faça o favor de me ajudar com estas tortas, não conseguirei dar conta de tudo.

O garoto puxou uma cadeira e sentou-se à mesa também. Logo os dois se fartavam com a refeição. Ben serviu café. Tad estendeu a caneca, sem tirar os olhos do jornal que estavam sobre a mesa.

— Por que estamos procurando uma nova professora? — indagou entre uma mordida e outra.

— Perdemos o sr. Reed. Ele partiu para as montanhas para procurar ouro.

— Acho que ninguém sentirá falta dele. Não era um pro-fessor tão bom. Ele não sabia nem a metade do que você sabe sobre a guerra, nem imagina qual seja a diferença entre uma arma de guerra portátil e um canhão. Além de não ter autori-dade nenhuma para manter a disciplina entre os alunos mais velhos.

— Isso inclui você também? -— perguntou Ben, em tom zombeteiro.

Tad nem se deu o trabalho de responder, o que fez com que Ben pensasse sobre a falta de disciplina dos meninos e o tamanho da encrenca que poderia causar.

— O que você sabe sobre Emily Holcomb? — perguntou Ben, sem tirar os olhos do jornal.

O garoto enfiou um último pedaço de biscoito na boca e tomou um gole de café antes de responder. Uma expressão de alguém que tivesse comido algo indigesto passou pelo rosto maroto. Ben fingiu não notar e aguardou pacientemente a resposta.

— Emily, a louca? A velha eremita que vive sozinha nas montanhas?

— Eu não a chamaria assim...— Bem, moro em Pine Springs desde que me conheço por

gente. Ela vive ali desde sempre.— Sozinha?— Havia um senhor também. Creio que ele deve ter morri-

do. Há muito tempo que ninguém o vê pela cidade.— E ninguém sabe nada a respeito dela? Quem é, ou de

onde veio?Se alguém tiver esse tipo de informação. Garanto que não

sou eu — respondeu Tad, dando de ombros. — Para mim, ela é apenas uma mulher mal-humorada que nos enxota de suas terras sempre que tentamos roubar algumas maçãs do pomar.

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Ben puxou o jornal que Emily havia deixado ali, com o poema marcado com um coração. Tad arregalou os olhos antes mesmo de ser inquirido.

— Não tenho nada a ver com isso, sr. Thatcher. Juro! Foram alguns amigos. Eles acharam que seria uma piada excelente se escrevessem um poema de amor para ela e o publicassem no jornal, onde o vilarejo inteiro leria. Como se alguém pudesse realmente se apaixonar por Emily, a louca.

Ben sentiu o coração pesar mais do que chumbo. E pensar que havia tentado convencê-la de que era possível que exis-tisse mesmo um admirador secreto. Aliás, ele mesmo gostaria de acreditar também. Assim, estaria livre da culpa pela amar-gura evidente naquele rosto delicado. Infelizmente ela estava com a razão desce o princípio. Aqueles moleques haviam feito chacota de sua situação. Em vez de reprimir Tad, lançou um olhar reprovador que fez o garoto tremer.

Eles trouxeram o poema pronto — explicou o menino, junto com o dinheiro para a publicação. Tudo o que fiz foi prometer que não contaria a ninguém. Nunca pensei que ela fosse ler.

— Claro que leria, pois puseram uma cópia do jornal debaixo da porta da srta. Holcomb — acusou Ben, fazendo o jornal escorregar pela mesa até onde Tad estava sentado. — Veja, o poema está circulado com um coração. Há poucos minutos, ela esteve aqui para reclamar. Posso jurar que ela não achou graça nenhuma na brincadeira.

— Ela esteve aqui?! — exclamou Tad pálido, parando de comer. — Aqui, no escritório?

Com um sinal afirmativo de cabeça, Ben respondeu sem desfazer o semblante contraído.

— Desculpe-me. Nunca pensei que... quero dizer, não quis... — A voz do garoto falhou, mostrando o quanto havia ficado sem-graça. — Não seria melhor se eu fosse até a casa dela pedir desculpas?

— Ótima idéia — concordou Ben, achando que assim as coisas ficariam bem resolvidas. Mas mudou de idéia no instante seguinte: — Melhor não. Acho que ela não gostaria que mexessem na ferida.

— Então, o que eu faço?— O jornal é meu, portanto a responsabilidade é minha —

Ben murmurou alto, com outros pensamentos distraindo-o.

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Amaldiçoada fosse a srta. Emily Holcomb e aqueles lindos olhos azuis que refletiam uma indisfarçável tristeza. Ele ainda não resolvera o que faria, mas estava convencido de que precisaria pensar em algo para consertar a situação.

Emily acordou de repente e viu-se encarando de perto os olhos de seu gato amarelo, que acabara de pular na cama.

— Ora, Percy, saia daqui — ordenou ela, empurrando-o para o lado.

Era muito cedo e estava aconchegante demais sob a col-cha de patchwork que a mãe lhe presenteara, para pensar em se mexer. Em certos momentos, o tempo parecia não existir. Quando isso acontecia, ela fechava bem os olhos e quase se convencia de que ainda era uma garota na casa da família em Ohio. Naquela época, ainda sonhava e tinha todo o tempo do mundo à sua frente. Bastava concentrar-se um pouco mais para sentir o cheiro do café fresco, que a mãe preparava diariamente, e visualizar o pai lendo o jornal na cadeira de balanço na sacada da casa.

Eram muito raras as oportunidades que tinha para divagar daquele jeito. Mesmo porque Percy não a deixava dormir além do horário de rotina. Afinal, eram tantos os pássaros e ratos para caçar...

O bichano começava sua incursão forçando a cabeça por baixo da mão de Emily. Se não fosse acariciado, punha-se a miar alto, demonstrando toda a sua irritação.

Tudo bem... — reclamou ela com um suspiro.Não adiantava brigar. Percy ganharia no final das contas.

Não haveria de ser diferente naquela manhã. Assim, jogando as cobertas para o lado, cobriu o gato de brincadeira. Durou pouco, pois o bichano logo reapareceu piscando os olhos, com cara de interrogação, sem saber o que fizera de tão errado.

Emily puxou o xale de lã de cima da poltrona ao lado da cama. O chão de tábuas gelou os pés descalços. Tremendo, cal-çou um par de chinelos e seguiu para reacender o forno. Depois de repetida a curta rotina de sempre, já estava desperta e com a cabeça cheia de idéias.

Arrastando os chinelos, seguiu até a porta, em um misto de curiosidade e apreensão. Desde que achara o jornal ali embaixo, acrescentara mais essa etapa às manhãs. Aliás, desde o fato que tanto a aborrecera, todo dia encontrava algo à sua espera na varanda... uma surpresa.

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Da primeira vez havia um pequeno buquê de miosótis azuis, mas nenhum recado ou dica. Mais uma vez, claro que assumira que haviam sido os moleques fazendo graça de novo.

No entanto, no segundo dia, encontrara um lenço borda-do, embrulhado em papel de seda, com três palavras escritas a lápis: "Seja minha namorada". Seria outro trote?

Mas o laço que embrulhava o pacote era de boa qualidade. A caligrafia no papel era firme, e não de uma criança ou adolescente, o que a intrigou mais ainda. Lembrou-se então do comentário do editor do jornal, sr. Thatcher: "Talvez a senhorita tenha de fato um admirador secreto".

Talvez sim... Mas seria tola demais se criasse qualquer expectativa. Quem sabe... Porém, conhecia os passos daquela estrada o suficiente para saber que se magoaria quando chegasse ao destino final. Houve um tempo em que tivera esperanças, mas elas foram apagadas de uma só vez, impetuosamente.

Ah, existiam tantas coisas que ainda desejava fazer... Planejara ler todos os livros possíveis, aprender de tudo. Queria ter tido tempo de fazer com que sua mãe se orgulhasse de seus méritos. Só que ela tinha morrido cedo e o pai enlouquecera. Ele havia colocado na cabeça que ficaria rico se mudassem para o Colorado, onde estavam as minas de ouro. Infelizmente não eram aqueles os planos de Emily, mas que alternativa tinha senão seguir o pai?

O fogo já estava aceso, e ela passeava de um lado a outro da sala. Ao olhar para trás, viu Percy meneando a cabeça como se não entendesse seu comportamento bizarro. Resolveu não adiar mais, estava difícil controlar a curiosidade. E, ao contrário dos dias anteriores, quando olhava pela janela à procura de algum movimento, abriu a porta da frente de supetão. No ins-tante seguinte, como em um passe de mágica, o gato a ultrapassou e sumiu entre as árvores.

O vento frio da manhã a fez tremer. A camisola de flanela grudou nas pernas longilíneas. Ao olhar para baixo, lá estava a surpresa do dia. Um pequeno pacote quadrado a aguardava. Com uma das mãos ainda segurando o xale, abaixou-se, pegou o embrulho e correu para dentro de casa. Com o coração aos pulos, seguiu até a escrivaninha, onde os outros pequenos tesouros haviam sido guardados.

Desde que aquele mistério se iniciara, parte dela acreditava se tratar de uma enorme brincadeira, mas havia

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uma ponta de dúvida que a enchia de esperança, por mais que não admitisse. Por isso colocara todas as lembranças no mesmo lugar, para que, sempre que duvidasse, pudesse se certificar da materialização do que provavelmente seria um sonho.

Naquele dia, o embrulho era mais pesado do que os ante-riores. Com as mãos trêmulas, ela puxou o cordão marrom que prendia o papel. Quando vislumbrou o que havia dentro, sus-pendeu a respiração por alguns instantes.

— Oh, meu Deus! — exclamou, sem acreditar no que tinha nas mãos.

Era um livro com alguns sonetos de Shakespeare. Ainda emocionada, passou os dedos sobre a capa de couro, sentindo o relevo das letras douradas. Lembrou-se de que sua mãe pos-suíra um daqueles. Não foram poucos os livros que ganhara de herança e que tivera de deixar para trás, quando da mudança.

Dentro do livro, havia uma fita de cabelo de veludo azul, usada como marcador. Ao abrir na página, encontrou sublinha-do o Soneto 17:

Se eu pudesse escrever a beleza dos teus olhos,E em números atuais, enumerar todas as tuas graças,A geração futura diria "esse poeta mente"Tais toques celestiais jamais tocariam faces humanas.

Depois de ler, Emily fechou os olhos. Não era possível que aquilo fosse mais uma chacota. Não podia ser. Os garotos do vilarejo eram inteligentes, mas não tinham cultura suficiente para citar William Shakespeare para se comunicar. Não... aquilo era trabalho de alguém bem mais inteligente. Mas quem?

Desde que chegara, não fizeram muitas amizades, além do dr. Evans e a esposa, Martha, que a convidaram para visitá-los depois da morte de seu pai. Tinha também o sr. Farley, o dono da mercearia, mas com a idade próxima à de Matusalém. Quem então seria seu admirador? O ferreiro? O açougueiro? O caixa do banco?

De repente vários homens desfilaram por sua mente. Ao lembrar-se de um jovem irlandês, mais charmoso do que qualquer outro que conhecera, sentiu uma pontada no coração. Durante todo o tempo depois do rompimento, desejara muito que ele voltasse, apesar de todo o mal que havia feito. Agora,

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rezava a Deus para que não fosse ele a lhe enviar aqueles mimos.

Ainda parada diante da escrivaninha, Emily passou a mão sobre a fita de veludo, deixando o livro de lado. Não queria mais ponderar sobre a identidade de seu admirador. Bastava a existência de alguém.

Além do mais, havia coisas práticas a considerar naquela manhã. Pretendia ir ao mercado, pois já estava quase sem suprimentos: farinha, açúcar, café... e querosene para as lamparinas. O inverno ainda não mostrara sua força, mas se resolvesse surpreendê-la, acabaria isolando-a na cabana durante semanas.

Depois de colocar alguns vidros de geleia em uma sacola, Emily acomodou ovos em uma caixa especial. Não tinha dúvida de que o sr. Farley faria a troca por mantimentos, talvez desse até para trazer tudo sem ter de gastar nada.

O fogo ainda não estava forte o suficiente para aquecer a casa toda, por isso precisou vestir-se rápido. Escolheu um macacão surrado. Sem pensar, depois de dias, pegou a escova para arrumar os cabelos. Decidira não trançá-los, apenas os prenderia com a fita de veludo que acabara de ganhar. Para terminar, vestiu um casaco de lã, arrematando com o lenço bordado no bolsinho superior.

A mulher que viu refletida no espelho tinha uma aparência bem mais suave do que a de costume. Na verdade, Emily havia baixado um pouco a guarda e estava consciente do fato, embo-i ra seu lado racional ainda suplicasse para que tivesse cuidado com o que estava por vir. Por ora, estava feliz e não mais se sentia tão sozinha.

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Capítulo III

Ben terminara de montar todas as linhas daquela edição. Tad observava atentamente sobre seus ombros.

— Você já me viu repetir este processo milhões de vezes. Já está praticando há meses. Vamos ver em quanto tempo você é capaz de juntar todos os tipos de uma linha sozinho.

Respirando fundo, o garoto pegou uma das varetas e sen-tou-se em frente às caixas de tipos. Mal tivera tempo de come-çar a pensar em como faria quando a porta da frente se abriu de repente para a entrada de uma senhora.

Alta e magra, Phoebe Dunham sempre fora uma presença marcante aonde quer que fosse. Naquele dia, estava particular-mente elegante, com um chapéu de seda preto e um casaco de lã com gola de pele de raposa.

— Acabo de conhecer uma mulher intrigante — disse ela ao colocar a cesta de compras sobre a mesa de Ben.

Com o nariz empinado, começou a puxar as luvas, dedo por dedo.

— E quem é ela, tia Phoebe?— Encontrei-a no mercado de Farley. Uma pessoa bem

fora do comum. Vestia-se como um fazendeiro, mas usava um laço de veludo no cabelo e um lencinho bordado no bolso.

Ben arregalou os olhos. E pensar que sua intenção era apenas...

— Deve ser Emily, a louca. Phoebe fuzilou o garoto com o olhar.

— Comentário muito indelicado, meu jovem, e não faz jus àquela moça — ralhou ela, enquanto desabotoava o casaco, pendurando-o junto aos outros nos ganchos de parede. — Ela se ofereceu para me ajudar a organizar o bazar de caridade.

— Espere um pouco — interrompeu Ben, tentando se concentrar. — A senhora está dizendo que encontrou a srta. Holcomb no mercado e que conversaram? Ela chegou até a oferecer ajuda para organizar o bazar?

— Isso mesmo. Não entendo a razão de tamanho espanto.— Estranho bastante, senhora — comentou Tad, bem mais

comedido com as palavras. — A srta. Holcomb é... quero dizer, ela não é muito sociável. Quase nunca vem até o vilarejo. E dificilmente conversa com estranhos.

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Ignorando os comentários, Phoebe puxou uma cadeira e sentou-se de frente para o sobrinho.

— Bem, fui eu que puxei o assunto — confessou. — Mas ela não me pareceu tímida. Conversamos bastante. Achei-a bem inteligente e simpática.

— É mesmo? — Ben indagou, porém não saberia explicar por que a informação o agradara.

Distraído e assimilando tudo, caminhou até a janela. Pensara em fazer algo de bom, mas nunca imaginara que seu plano desse tão certo.

Na verdade, estava orgulhoso de si mesmo. Os pequenos presentes que vinha deixando na porta de Emily deviam ter despertado a curiosidade, além de fazê-la recuperar a confian-ça que precisava para reintegrar-se à sociedade local.

— Posso saber do que está falando? — questionou Phoebe.— Alguns moleques fizeram uma brincadeira de mau gos-

to com ela — explicou Ben, contando a história desde a publi-cação do poema no jornal, como havia resolvido remediar a situação, convencendo Emily de que realmente existia um admirador secreto.

— Aposto que ela se sentiu muito melhor — concordou Tad, assim que a história terminou de ser contada.

— Acho que sim, parece que o truque funcionou — comen-tou Ben, esperando que a tia o congratulasse.

Mas ela reagiu ao contrário do esperado.Respirando fundo e ruidosamente, Phoebe levantou-se e,

com passos firmes, andou de um lado a outro da sala antes de encará-los de novo.

— Que par de cabeças duras e insensíveis! Isso não vai funcionar nunca. Será que não conseguem enxergar mais de um palmo adiante do nariz? Você criou um príncipe que escreve poemas e deixa presentes. Claro que ela viria até a cidade o quanto antes. Ela o está procurando! E agora, o que pretende fazer?

Ben afundou-se na cadeira, sentindo-se como o menino que levava bronca da tia depois de fazer arte quando criança.

— Eu só queria... quero dizer, pensei que...— Não, você não pode ter pensado nada. Você criou esse

jogo maldoso para livrar-se da consciência pesada, e nem sequer considerou as conseqüências. O que acha que acontecerá quando ela não receber mais as lembrancinhas? Como acha que ficarão seus sentimentos?

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O coração de Ben batia tão alto e descompassado que com certeza Tad e a tia o ouviam. Quem sabe não teria sido precipitado demais, mas não admitiria ter agido errado, uma vez que suas intenções tinham sido as melhores.

— Acredito que ela gostou do fato de alguém admirá-la e se dar o trabalho de ir até sua casa deixar presentes —justificou ele, estreitando a distância que o separava da tia. Incapaz de acrescentar um argumento melhor, disse a primeira coisa que lhe veio à mente: Sem contar que ela sempre terá os pequenos troféus como recordação.

Phoebe o encarou nos olhos, não convencida pelo que acabara de ouvir.

Um lencinho e uma fita de cabelo? Essas coisas não a aquecerão em uma noite fria. Você não tem o direito de brincar com os sentimentos dessa moça.

Ben olhou para Tad procurando apoio, mas o garoto havia voltado a se ocupar com a linha tipográfica, esquivando-se da confusão. Com a culpa pesando-lhe sobre os ombros, Ben sen-tiu tremores ao imaginar que, em vez de alentar o coração de Emily, havia dado razões para entristecê-la ainda mais.

— Eu só queria ajudar — repetiu. — Ainda acho que vai dar tudo certo. Agora que ela aceitou participar do bazar, terá a chance de encontrar os solteiros da cidade, e algum se inte-ressando verdade por ela.

Phoebe o encarou levantando uma das sobrancelhas. Sem jeito para responder, Ben trocou o peso do corpo de uma perna para outra. Nunca soubera como reagir diante de reprimendas daquele tipo.

— Talvez depois de mais alguns laços no pacote, eu possa me aproximar e conversar com ela, sabe como é, quem sabe... — disse ele quando o silêncio se tornou insuportável.

— Sei muito bem como você lida com esses assuntos. É preciso ter muita habilidade e delicadeza. Deixe que eu mesma resolvo a questão.

Assim dizendo, Phoebe pegou o casaco e vestiu-o sem demora. Tad tossiu forçosamente para chamar a atenção de Ben, pro-tegendo-se do olhar de Phoebe atrás da enorme impressora.

— O que ela pretende fazer?Ben respondeu balançando a cabeça. Aquela não era a

primeira, e provavelmente não seria a última vez que Phoebe

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intervinha quando pressentia que o sobrinho estava em encren-ca. E daquela vez, a confusão estava formada.

Uma estranha mistura de alívio e arrependimento tomou-o de repente. Nos últimos dias, divertia-se em arranjar presentes para Emily e entregá-las ao raiar do dia. De certa forma, de fato, havia se tornado um admirador, embora nunca fosse admitir isso. Piscando os olhos, voltando à realidade, encontrou a tia encarando-o, esperando por uma resposta.

— Vamos, não fique aí parado. Vá buscar a charrete, ou por acaso imagina que vou andar?

— Aonde vamos? — indagou ele, ainda um tanto distraído.— Ora, até o chalé da srta. Holcomb, aonde mais?O coração de Ben deu um salto, porém, àquela altura, não

saberia identificar se era de apreensão ou de expectativa.Olhando de fora, a casa de Emily era menor do que

parecia. Havia apenas um cômodo, dividido ao meio. De um lado havia a cozinha, com o forno, uma mesa pequena e duas cadeiras. Do outro, uma sala de estar com uma escrivaninha, uma cama coberta por uma colcha de patchwork colorida e uma cadeira de balanço. Havia um sótão também, com espaço suficiente para manter suprimentos.

Emily vivia com modéstia, mesmo assim recebia convida-dos com toda a graça de uma dama bem-educada. Sem demo-ra, puxou a cadeira de balanço para perto do forno e ofereceu-a para Phoebe sentar-se. Em seguida preparou chá e alguns biscoitos com geleia de framboesa.

— Há quanto tempo vive aqui sozinha?Ben deu uma tossidela de espanto. Era de se esperar que

a tia não perdesse tempo, mas ir direito ao assunto o pegou de surpresa.

— Desde que meu pai faleceu — Emily contou enquanto servia as xícaras de chá e sentava-se diante de Ben, do outro lado da mesa. — Isso faz... deixe-me pensar quantos anos...

Ben precisou empenhar-se bastante para não lançar olhares acintosos, mas estava perdendo a batalha. Com os cabelos presos para trás, amarrados com a fita de veludo azul, Emily estava com um semblante mais calmo do que o seu. A impressão era a de que estava perdida em pensamentos não muito agradáveis, tanto que seu rosto empalideceu.

— Faz dez anos — completou. — Nossa, eu ainda não tinha me dado conta de que estou aqui há tanto tempo.

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— Não deve ser fácil arcar com tudo sozinha — Phoebe insinuou, franzindo a testa.

— Meu pai me deixou um pomar com as únicas macieiras da região. Tenho uma horta na clareira perto do riacho também. Quando o tempo está bom, cultivo verduras, cebolas e melões para vender. Mas não há muito o que se fazer nesta época do ano. Dependo do dinheiro da venda de ovos e geleias.

— E muito trabalho — comentou Ben.— Não vejo nenhum mal nisso, sr. Thatcher — rebateu ela,

encostando-se no espaldar da cadeira.Um calafrio percorreu o corpo dele. A intenção era apenas

ser gentil, mas não havia sido bem interpretado.— Eu não quis dizer... digo...Phoebe mordeu um biscoito e pousou a xícara no pires,

acentuando o ruído para assim preencher o vazio constrange-dor que se formou.

— Esta geleia é uma delícia, querida. Aposto que colocou um ou dois ingredientes especiais.

— Nada além de umas gotas de licor de laranja. A receita é de minha mãe.

Aliviado por ser acudido, Ben suspirou. Sorte que a tia o salvara do olhar dardejante de Emily. Ainda não descobrira a razão de não conseguir encontrar as palavras corretas para falar sempre que se via diante daquela mulher.

— Considerando que mal nos conhecemos, imagino que esteja curiosa para saber o que vim fazer aqui, não é? — per-guntou Phoebe, dando seqüência à conversa.

Ben não saberia avaliar a curiosidade das duas mulheres, mas falando por si mesmo, estava ansioso por qualquer detalhe que pudesse saber daquela mulher intrigante. Conhecia bem a tia para ter certeza de que estava tramando alguma coisa, embora ainda não tivesse identificado o quê. Não haviam tro-cado uma palavra sequer no caminho da cidade até o rancho de Emily.

— Fico feliz que tenha vindo — respondeu a anfitriã com um sorriso. — E seu sobrinho também. Quase não recebo visitas.

O sangue subiu ao rosto de Ben ao ouvi-la lhe fazer refe-rência. Talvez fosse melhor ser ignorado, ou que fosse invisível, assim não teria contratempo algum na próxima vez em que deixasse um presente à porta do chalé.

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— Eu sabia que tinha um bom coração. Só não tinha certe-za de que... — Phoebe, mais uma vez, interveio para quebrar o pesado silêncio.

— Diga, sra. Dunham.Presumindo que ninguém estivesse reparando no que

fazia ou dizia, Ben levantou-se e atravessou a sala, indo postar-se diante da janela. Dali podia observar o campo e a cerca de madeira que dividia a propriedade. Não gostava de deixar a tia como dona da situação. Mesmo porque era difícil prever o que aconteceria no minuto seguinte. Mas teria de se conformar, pois não restava nada a fazer.

Perscrutando o ambiente, acabou por encontrar uma prateleira improvisada com alguns livros. Agachou-se para observar melhor e encontrou muito mais do que esperava. Ali havia volumes de ficção, desde Dickens a Hawthorne e Twain; viu também um atlas, um livro de História dos Estados Unidos e alguns tomos de Shakespeare. Vê-los ali cuidadosamente dis-postos trouxe um sorriso ao rosto de Ben, que ao voltar a aten-ção para as duas, ouviu a tia se pronunciar:

— Não gostaria que tomasse meu pedido como uma impo-sição, Srta. Holcomb...

— Por favor, pode me chamar de Emily, sra. Dunham. E diga o que tem em mente — contemporizou a moça mais nova.

— Está bem. — Phoebe ajeitou-se melhor na cadeira para continuar com a proposta: — Acho que assumi uma responsa-bilidade muito maior do que posso cumprir. Preciso de ajuda.

Assim dizendo, ela puxou um lencinho da manga da blusa c começou u torcê-lo por entre os dedos.

Meu orgulho sempre me prega peças. Recuso-me a admi-tir que estou ficando velha, por isso achei que daria conta de organizar o Bazar do dia dos Namorados... mas acho que não vou dar conta sozinha.

— Ora, tia Phoebe, a senhora sabe que me ofereci para ajudá-la sempre que possível — Ben interveio.

A resposta veio como um olhar gélido e crítico, o bastante para fazê-lo entender que deveria continuar quieto. Ben de fato achava que ela estava sobrecarregada, mas já havia levado uma repreensão por interferir no assunto.

Acataria a bronca, pois certamente aquela encenação toda fazia parte de algum plano. Afinal já vira a tia em ação não só dando conta da limpeza de uma casa inteira, desde a fuligem da chaminé até a varanda, como também convencendo

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as pessoas mais difíceis a colaborar, quando lhe era convenien-te. Costumava também ir sozinha às compras. Saindo carrega-da do mercado, até a padaria do outro lado do vilarejo, e ainda parando na volta para visitá-lo no jornal.

Agora ali estava ela, fazendo-se de frágil em mais um de seus estratagemas, sorrindo com total candura para a dona da casa.

— Isso não é trabalho para homens. Emily sabe bem disso — falou, sem olhar para Ben. — Precisamos arrumar a deco-ração e escolher as músicas que devem ser tocadas. Todas as doações devem ser catalogadas, além da montagem de um cardápio especial. A maioria das senhoras da cidade tem família para cuidar, com pouco tempo sobrando para caridade.

— Eu já lhe disse mais cedo que a ajudaria da maneira que for possível — prontificou-se Emily. — Posso cozinhar ou cuidar da decoração.

— Eu sei, minha querida, agradeço pela oferta generosa. E por isso mesmo que me sinto intrusiva se pedir mais.

— Mais?Ben sentiu um calafrio de temor correr pela espinha.— Teremos uma série de missões diferentes que

precisaremos cumprir na semana que vem. Não acho que conseguirei atender a todas. O que você acha de vir morar em minha casa para facilitar?

— Morar com a senhora? — repetiu Emily, arregalando os olhos.

Não só ela ficou surpresa, como Ben também. E pensar que havia sugerido à tia que apenas "colocasse mais algumas fitas no presente". O que estaria se passando naquela mente estrategista? E por que raios havia necessidade de convidar Emily Holcomb para morar sob o mesmo teto que eles?

— Será apenas por uma ou duas semanas, até o bazar terminar — garantiu Phoebe.

Emily baixou a cabeça, considerando a idéia.— Bem, confesso que não há muito o que fazer por aqui

nesta época do ano. Mas tenho de cuidar dos animais.— Não se preocupe corri isso. Ben pode pedir a Tad que

faça esse favor para nós.— Mesmo assim, não tenho muitos amigos na cidade. As

pessoas podem não gostar de tratar comigo, já que estão acos-tumados com a senhora.

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— Não seja tola. Aposto que todos vão achá-la tão charmosa quanto eu achei.

— Se a senhora acha que dará certo... Phoebe abriu um sorriso de vitória.

— Tenho certeza, minha querida.Contudo, Emily hesitou por uns momentos, como se

tivesse se lembrado de algo importante.— E o que faço com Percy? Não posso abandoná-lo. Percy?

Com o cenho franzido, Ben imaginou a quem ela se referia. Seria um irmão? Um primo distante? Ou um namorado?

— Quem é esse? — indagou, sem pensar duas vezes.Não apenas a pergunta impulsiva o surpreendeu, como

seu tom de voz, que soou como se estivesse com ciúmes.Emily não precisou responder. Assim que se levantou da

mesa, ouviu-se um arranhar na porta da frente. Ela a abriu para dar passagem a um gato amarelo gordo. Sem qualquer cerimô-nia, o bichano subiu na mesa e desafiou Ben com seus grandes olhos cor de mel.

— Esse deve ser Percy...Que os céus me ajudem, implorou Ben mentalmente.Phoebe havia passado dos limites daquela vez. A

perspectiva para as próximas semanas não era nada agradável. Teria de dividir espaço com uma mulher, cuja simples presença o fazia sentir-se como se estivesse sentado sobre um cacto espinhoso. E para piorar a situação, havia também o... o...

Mal completou o pensamento e sentiu o nariz começar a cocar, antecipando o ataque de espirros. O gato.

A casa ainda estava às escuras. A sra. Dunham havia se recolhido pontualmente às nove horas da noite, seguida por

Tad pouco depois, outro hóspede da família acomodado nos fundos da casa.

Emily tinha insistido para lavar a louça do jantar, na espe-rança de chamar o sono. Contudo, não adiantou nada, visto que ficou ainda mais agitada. Se bem que poderia desculpar-se, pois o dia havia sido longo. O primeiro dia inteiro que passara na cidade depois de tanto tempo morando nos arrabaldes.

Então, em vez de subir para o quarto acolhedor no sótão que lhe tinha sido destinado, resolveu andar um pouco pela

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casa, parando diante de um espelho ao lado da porta de entrada.

A mulher que viu refletida parecia uma estranha. Fazia muito tempo que não se vestia de maneira tão feminina. Nunca pensara em grandes figurinos para cortar lenha, plantar legu-mes, consertar o telhado da casa ou limpar o galinheiro. Optava sempre pelas peças mais práticas e disponíveis.

Naquele dia, a sra. Dunham havia insistido para vesti-la como se fosse uma boneca chinesa em tamanho natural. Emily não viu por que não aceitar a oferta.

A sensação de usar roupas de baixo de um tecido fino era indescritível. O vestido de lã azul nada tinha a ver com uma manta velha, conforme Phoebe insinuara. Depois de alguns ajustes, ninguém diria que a roupa não havia sido confecciona-da sob medida.

Permitindo que a vaidade tomasse conta de si, ela rodopiou diante do espelho. O perfume de lavanda inundou o ambiente inteiro com o movimento das saias. Mesmo feliz, sabia que tudo não passava de um sonho e que seria melhor que não se acostumasse. Afinal, estava ali apenas temporariamente.

Por mais que se esforçasse para permanecer racional, ao colocar as mãos sobre o cabelo e sentir a fita de veludo, não conteve a imaginação sobre o tal admirador secreto. Verdade que a razão principal para ter vindo a Pine Springs era ajudar Phoebe Dunham, mas não negava que tomara a decisão contando em encontrar com ele. Onde estaria escondido? Será que se passasse mais alguns dias acabaria por encontrá-lo?

— Largue de ser boba — repreendeu-se baixinho.Balançando a cabeça, rindo de si mesma, ajoelhou-se em

frente à lareira. Precisava manter os pensamentos em foco, nada de divagações românticas. Agir com os dois pés no chão seria a melhor atitude a tomar. Decidindo que se esforçaria para agir daquela forma, colocou mais alguns gravetos para alimentar o fogo e admirou as chamas mais altas que se formaram.

Logo o calor irradiou-se por toda a sala. Emily esticou as mãos para aquecê-las. As chamas eram o que existia de real para se esquentar e não um admirador secreto.

Ao levantar-se depois de longos minutos, notou o brilho de uma espada pendurada na parede. Curiosa, aproximou-se e,

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depois que seus olhos se acostumaram à sombra, conseguiu ler o que estava gravado.

"Pertencente ao Coronel Henry Dunham... Agosto, 1861."O sr. Dunham havia morrido alguns anos antes. Como tan-

tos outros, não se recuperara dos ferimentos de guerra. Algo muito triste de ser lembrado.

Emily pegou a moldura com um daguerreótipo que estava em uma prateleira logo abaixo, esperando ver o rosto do coronel Dunham impresso. E, de fato, encontrou, um oficial de meia-idade em uniforme oficial, com um bigode grisalho c olhar carinhoso. O que não esperava era que houvesse outro oficial ao lado. Ben Thatcher.

Engraçado que jamais imaginara que ele pudesse ser um veterano de guerra. Na verdade, Emily não tinha pensado nada de muito concreto a respeito daquele homem até então. Os caminhos dos dois não haviam se cruzado durante o dia todo. Segundo Phoebe, Ben dedicava todo o seu tempo ao jornal. Recordou-se de que ele tampouco havia contribuído para con-vencê-la a mudar-se para a cidade. Pensando melhor, o rela-cionamento não começara bem por causa do poema publicado no jornal. Considerando as chances de o poema e os presentes serem verdadeiros, refletiu que deveria se desculpar com ele. Colocando a moldura de volta no lugar, ainda não tinha vontade alguma de se recolher. Sentou-se no sofá da sala. Em vez de acalmar-se, estava cada vez mais agitada. Ao colocar a mão em uma mesinha ao lado, esbarrou em um livro. Não pen-sou duas vezes antes de folheá-lo. Havia inúmeros recortes de jornal, todos escritos por Ben Thatcher. Prova de que Phoebe tinha orgulho do sobrinho.

Mesmo com a fraca luz da lamparina, Emily começou a ler. Eram histórias sobre os mais diversos assuntos, detalhando eventos locais e pessoas interessantes. Sem dúvida, os edi-toriais eram os artigos mais interessantes. Havia um recorte do The Workingman s Journal sobre o trabalho de crianças em uma fábrica de bebidas de Chicago. Logo em seguida outro, escrito da Gazette de Ben, detalhando a necessidade de Pine Springs possuir um corpo voluntário de bombeiros.

A escrita era fácil, mas carregada de paixão. Emily apre-ciou cada palavra lida. Depois de tudo aquilo, estava mais do que comprovado que não havia dado crédito suficiente ao dono do jornal.

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Da mesma maneira como se enganara naquele julgamento em particular, repetira o erro a respeito de muita gente de Pine Springs; razão pela qual se mantivera afastada por tanto tempo. Se bem que, em parte, havia sido por conta do preconceito de seu pai. Na época, ele havia reclamado muito por o lugar não ter correspondido às suas expectativas e acabara descontando nos habitantes do vilarejo. Além disso, para contribuir com a opinião de Emily, houve a participação de Tim 0'Shea. Além de morador da cidade, ele a havia magoado muito. Por isso, ao voltar para casa para curar as feridas, ela resolvera que a partir de então iria até o vilarejo apenas para o essencial. Agora, entendia como sua atitude fora errada.

Percy começou a arranhar a porta, tirando-a do devaneio. Colocando o livro onde o havia encontrado, levantou-se para buscar o bichano. Tinha visto quando o gato saíra atrás de Tad. Depois devia ter pulado da janela e saído de casa.

— Pare de fazer barulho, Percy! Vai acordar a casa toda — ralhou ela, abrindo a porta e abaixando-se até a altura em que esperava encontrar o gato.

Contudo, deparou-se com um par de botas. Levantando-se lentamente, acabou por ficar frente a frente com Ben Thatcher. Ele também ficou surpreso por encontrá-la tão repentinamente. Mas, em vez de fazer qualquer comentário, abriu um sorriso encantador. Apesar de toldados pelo chapéu de feltro, os olhos acinzentados brilharam, causando um rubor instantâneo no rosto de Emily.

— Desculpe-me, achei que meu gato estivesse querendo entrar — murmurou ela, quando finalmente encontrou voz para expressar-se, e afastando-se de lado para dar passagem.

— Essa porta emperra de vez em quando, por isso é preci-so forçar — explicou Ben, tirando o casaco e o chapéu, pendu-rando-os no cabideiro.

Emily estava tão sem graça que não sabia o que fazer, ficou apenas a observá-lo.

— Sua tia já foi se deitar. Se quiser comer alguma coisa, posso preparar — ofereceu por fim.

— Obrigado, já jantei. Phoebe costuma mandar uma cesta para mim e para Tad sempre que trabalhamos até mais tarde. Preciso mesmo é me aquecer um pouco em frente à lareira.

Emily meneou a cabeça e virou-se para sair, quando Ben a segurou pelo braço.

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Por favor, eu adoraria se me fizesse companhia para conversarmos um pouco.

Embora estivesse de mangas compridas, ela sentiu a pele levantar em arrepios com o toque da mão quente. Engraçado que não tinha reparado antes na altura dele e em como seus ombros eram largos.

De repente teve a sensação de estar flutuando, ao se deixar conduzir. Nada a estranhar, já que fazia tempo que não tinha contato físico com quem quer que fosse. Mas a situação iria se reverter, decidiu ela, a começar por aquela noite.

— Acho que é uma boa idéia — aceitou.

Capítulo IV

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Ben agachou-se em frente à lareira, aquecendo as mãos. Mesmo de costas, ainda resistia à tentação de olhar para trás e ficar admirando a mulher que estava parada logo à frente da porta de entrada. Contudo, sabia que o começo daquele rela-cionamento não havia sido dos melhores. Com um jeito todo especial, Phoebe havia conseguido reverter a situação, além de "acrescentar alguns laços ao pacote" de maneira acertada.

Emily estava linda. O vestido de lã azul tinha um corte simples, mas perfeito para acentuar as curvas do corpo delicado. Os cabelos loiros, presos ainda pela fita de veludo, compunham um belo contraste com a roupa escura.

— A senhorita está muito bonita — elogiou ele, na esperança de parecer educado, mas reservado.

De nada adiantaria a Emily saber como ele estava agitado por sua simples presença. Na certa se assustaria, mesmo por-que nem ele próprio entendia a diversidade de sentimentos que o assolava.

— Obrigada, sr. Thatcher.À luz fraca da lareira, os olhos dela pareciam maiores e

escuros. A postura na defensiva assemelhava-se à de um pequeno animal assustado, pronto para fugir a qualquer instante.

Em um primeiro momento, quando chegara ao jornal, havia deixado a impressão de ser uma mulher forte. Mas naquele momento, talvez por estar fora de seu ambiente, assumira aquele ar de insegurança.

— Como seremos amigos, acho melhor me chamar apenas de Ben, e eu a chamarei de Emily — sugeriu ele, sorrindo. — O que acha?

— Por mim, está tudo bem — assentiu ela, aquecida pelo sorriso encantador.

— Por que não vem se sentar no sofá? Não é muito confor-tável ficar em pé e longe do fogo.

Sem responder, ela obedeceu. Antes de se sentar, pegou o livro de recortes e o colocou de volta onde o havia encontrado, imaginando se ele já havia reparado que estava fora do lugar.

— Espero que minha tia não a tenha aborrecido com longas histórias sobre meus méritos.

— Nada disso. Não foi ela que me mostrou os recortes. Abri por curiosidade. O senhor... quero dizer, você deveria se orgulhar do seu trabalho.

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— Acha mesmo?Animado com o elogio, Ben sentou-se no mesmo sofá, cui-

dando em deixar uma distância comportada.— Acho, sim. O senhor... — hesitou ela, mais uma vez. —

Você tem mesmo jeito com as palavras. Não vejo como os moradores da cidade possam recusar seu pedido de se criar um corpo de bombeiros.

Ben respirou fundo, embriagando-se da essência de rosas e lavanda, perfume característico de Emily. Naquele estado de torpor seria difícil concentrar-se. Para disfarçar, tirou os óculos e limpou-os com um lenço.

— Acredito que nem todos os cidadãos daqui possuam um forte senso de comunidade. Essa é uma das razões que nos fez decidir promover um bazar beneficente para atrair um novo professor.

— Professor? Mas sua tia Phoebe me disse que o dinheiro seria usado para comprar livros e construir uma escola.

Ben assentiu com um movimento de cabeça.— E verdade, mas o problema é bem maior do que isso.

Muitos não fincaram raízes aqui. Outros ainda pensam em Pine Springs como uma mina.

— Foi isso que trouxe meu pai para cá, embora soubesse que a exploração de minas atrai a pior espécie de gente. Por essa razão ele não gostava que eu viesse até a cidade.

— Imagino como não se sentiu sozinha.Emily não respondeu, preferindo virar o rosto e deixar o

olhar prender-se pelas chamas da lareira durante alguns longos minutos, antes de franzir a testa e retomar a conversa:

— Se julgarmos que meu pai veio para cá atrás de ouro, a atitude de isolamento foi hipócrita. Com o tempo, a febre dele cedeu, desistiu do garimpo e passou a cultivar a terra.

Ao ouvir a história, Ben compreendeu melhor a razão que a mantivera afastada de Pine Springs por tanto tempo. Não fora apenas pela atitude das pessoas da cidade, mas também pelo cuidado excessivo do pai.

Movido por um forte e inexplicável impulso, decidiu mos-trar a ela o quanto Pine Springs era um lugar agradável de se morar.

— Boa parte de nós gostaria que a cidade prosperasse — argumentou ele. — A tarefa não é fácil, admito. Sou membro da diretoria da escola. Perdemos três professores no ano passado: uma porque se casou e os outros dois deixaram seduzir-se pela

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febre do ouro. É por isso que estamos tão desesperados para fazer o que for preciso para contratar alguém devotado à profissão, além de não ter planos de se mudar daqui.

O coração de Emily bateu em descompasso. De uma hora para outra, sentiu a boca seca, sem conseguir engolir. Era óbvio que parte daquelas reações se davam por estar diante de um homem bonito e atraente, porém havia muito mais do que apenas atração.

Quando conhecera Phoebe Dunham no mercado, havia sido invadida por um pressentimento de que seu destino estava prestes a mudar. Convencera-se de que Deus as havia colocado juntas por alguma razão. Agora, finalmente as coisas começavam a fazer sentido.

Quando criança, Emily adorava ler livros e aprender tudo o que pudesse. Seu sonho sempre fora tornar-se professora. De fato, obtivera a licenciatura e chegara a lecionar durante um ano em Ohio. Mas precisara abandonar a carreira quando o pai decidira mudar- se para o Colorado.

Como se a decepção não fosse suficiente, conhecera Tim 0'Shea. O relacionamento não poderia ter sido mais desastroso, razão pela qual se escondera no chalé depois de ter sido abandonada. Mas a vida havia preparado boas surpresas, pro-porcionando o encontro com Phoebe e o sobrinho, trazendo os bons tempos de volta.

Emily teve vontade de falar a respeito, mas não conseguiu pronunciar uma só palavra. Apesar de aquele trabalho como professora ser o que almejara durante muito tempo, não acreditava nas chances de poder preenchê-lo.

Como convenceria Ben ou qualquer outra pessoa? Imaginou que não aceitariam que Emily, a louca, aquela que se vestia com macacões velhos do pai, que tinha a cabeça cheia de ideais de independência e mãos calejadas pelo trabalho na roça, fosse professora das crianças do vilarejo.

Sem alternativa, suspirou tristonha.De repente Ben levantou-se e seguiu para o hall, deixan-

do-a confusa. Será que o havia aborrecido por manter-se cala-da por tanto tempo? Ou teria dito algo que não o agradara? Logo percebeu que estava enganada quando o viu tirar algo do bolso do casaco, retornando com um exemplar da última edi-ção da gazeta. Estendeu a folha a ela e sentou-se novamente, muito próximo dessa vez.

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Essa será a edição de amanhã — anunciou com entusias-mo. — Escrevi um editorial sobre os problemas em se contratar uma professora. Gostaria que lesse e desse sua opinião.

Insegura, Emily tentou ler algo através dos olhos dele. Não viu nada além de um pedido de ajuda honesto. Mesmo assim, ainda não acreditava que ele estivesse realmente interessado em sua opinião. Aceitou a folha, aproximando-a dos olhos.

— Talvez precise de mais luz...Ben fez menção de levantar-se, mas ela o impediu, colo-

cando a mão sobre o braço forte. Ao sentir os músculos fortes, mesmo que por tão breve instante, ela corou e puxou a mão, como se a tivesse queimado.

— Não precisa. Consigo ler com a luz da lareira apenas — respondeu, ciente da proximidade dos corpos.

As pernas praticamente coladas a impossibilitavam de focar a atenção. Assim que leu as primeiras linhas, encantou-se com o estilo da escrita, esquecendo-se do contato.

O artigo era enfático e convincente, versava sobre as res-ponsabilidades dos moradores de Pine Springs para com seus filhos, explicando como todos acabariam lucrando com os benefícios da educação.

— Você realmente sabe escrever, Ben Thatcher. Acho que qualquer um que ler isto se convencerá de sua razão e não hesitará em ajudar.

— Espero que esteja certa.— Posso ficar com este exemplar?Animado e lisonjeado, ele assentiu com um movimento de

cabeça. Emily dobrou a folha e prendeu-a no cinto do vestido. Depois não conseguiu voltar a fitá-lo nos olhos de novo. Havia muito mais por trás daquele rosto bonito do que ela imaginara. Naquela tarde soubera que ele não era apenas o editor do jornal, mas também um veterano de guerra, membro da diretoria da escola e um convincente escritor apaixonado pelo ofício.

— No que depender de mim, farei de tudo para que o bazar beneficente seja um sucesso — disse finalmente, quebrando o desconforto do breve silêncio.

Ben tomou-lhe a mão. Os dedos longos e a palma quente praticamente incendiaram os sentidos dela.

— Fico extremamente grato por sua ajuda... Quero dizer, a cidade inteira está agradecida.

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Longos minutos se passaram antes que ela puxasse o bra-ço. Procurou convencer-se de que não gostaria que suas mãos calejadas e unhas quebradas fossem percebidas. No entanto, havia um sentido subentendido muito mais forte que ainda não estava preparada para assumir.

— Devo-lhe minhas desculpas — disse ela com a intenção de distraí-lo.

— Não entendi — respondeu Ben, franzindo o cenho.— Por causa da maneira como invadi seu escritório

naquelamanhã. Fui injusta ao acusá-lo pelo poema, que julguei ofensivo.

— Ah, isso. Não se preocupe. Não foi a primeira vez que alguém ficou bravo com algo que eu tenha publicado. Sei tam-bém que não foi a última — acrescentou ele, demorando um pouco para entender o verdadeiro motivo das desculpas. — Está me dizendo que descobriu que existe mesmo um admira-dor secreto?

Sem levantar o rosto, fingindo redesenhar a estampa da almofada com a ponta dos dedos, ela meneou a cabeça.

— Viu só? Bem que achei que estava se desvalorizando, não acreditando que alguém pudesse realmente se interessar por você. Diga-me, quem é ele?

— Ainda não sei, mas ele tem deixado presentes na minha porta.

— Que tipo de presentes?Emily hesitou em falar, percebendo que havia errado ao

comentar aquilo justamente com um jornalista, cuja curiosida-de era latente. Não sabia até onde ele poderia chegar para des-cobrir todo o mistério. Portanto, não havia alternativa senão contar tudo.

Um pequeno buquê de flores de seda, um lenço bordado, uma fita de cabelo, um livro...

Hem, agora que está morando na cidade, talvez o admi-rador tenha coragem de se apresentar.

— Acho que não. O poema dizia que eu seria apenas admi-rada de longe.

Ben não se convenceu daquela versão dos fatos.— Se esse homem a está cortejando com sonetos shakes-

pearianos, deve ser levado a sério.— Na verdade, não me importo.

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Ali estava um exemplo típico de uma grande mentira. Apesar de precavida, procurando proteger-se de todas as maneiras, era visível a curiosidade que a movia para descobrir quem era o homem misterioso. No entanto, naquele momento, o assunto deixara de ser importante. Assim, tratou logo de abrir um sorriso tímido.

— Eu só queria me desculpar com você. Não sou assim tão rude quanto pareci apenas por causa de um poema.

Por mais uma vez os olhares se prenderam. A intensidade com a qual era observada a fez tremer inteira.

— Bem, acabei por descobrir isso sozinho...O que será que ele pretendia, encarando-a daquela

forma? Havia um estranho magnetismo naquele olhar, algo que a fazia flutuar, impedindo-a de pensar em outra coisa que não fosse aquele homem sedutor. Quando deu por si, ele havia inclinado a cabeça, roçando os lábios nos seus. Uma onda de arrepios varreu-a desde a ponta dos pés até os fios do cabelo.

— Oh — sussurrou, rendendo-se ao carinho.Quando estava prestes a relaxar totalmente, uma bola de

pelo alaranjado voou de algum lugar, caindo diretamente no colo de Emily. Ben afastou-se, assustado.

— Percy! — ralhou ela.O gato não se abalou com a reprimenda, espreguiçando-

se e ajeitando-se em uma melhor posição para deitar.— Sinto muito — Emily desculpou-se, voltando a atenção

para o bichano: — Será que um dia aprenderá a ser mais bem-educado?

Ben calou-se por um breve instante, dando uma tossidela em seguida.

— De onde ele surgiu?— Não faço idéia, poderia estar deitado em qualquer

lugar. Aquela prateleira de canto ali é o lugar mais provável. Ele se acha um exímio caçador. Temo que o ataque seja sua especialidade.

— Não me esquecerei desse detalhe — brincou ele, giran-do os olhos.

O silêncio prevaleceu novamente, como se um convidado inesperado e indesejado, mesmo sendo um felino, houvesse quebrado a magia do momento.

Ainda assim, Ben esforçou-se para de longe acariciar a cabeça de Percy. O gato o encarou com expressão de poucos amigos. Ben começou a espirrar sem parar.

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Emily pegou o gato nos braços e levantou-se.— Bem, está ficando tarde. Melhor eu me recolher. Tendo

de levantar cedo amanhã se quiser acompanhar o ritmo de sua tia.

— Ainda é cedo.Mal ele terminou de falar para ceder a outra série de

espirros.— Acho melhor, você me parece ter alguma... reação

desagradável a gatos. Desculpe-me por isso também. Tentaremos não cruzar seu caminho enquanto estiver em casa.

Já passava da meia-noite quando Emily acordou de repen-te, sentando-se na cama. De súbito, ainda com um restinho de consciência antes de pegar no sono profundo, um pensamento perturbador lhe veio à mente.

Não havia comentado com ninguém sobre o livro que havia recebido de presente. Então, como Ben saberia que o tal admirador a estava "cortejando com sonetos de Shakespeare"? Ora, só havia uma resposta plausível... Ben Thatcher havia enviado o presente.

Os fatos juntaram-se em uma lógica perfeita. Ele era dono do jornal que havia imprimido o primeiro poema, havia sido a tia que a procurara, encorajando-a a vir passar uns tempos na cidade...

Por mais que se esforçasse, não se recordava de tê-lo encontrado antes daquela noite na redação. Por outro lado, ele poderia tê-la visto em uma de suas idas ao mercado. O que mesmo ele havia dito, quando ela insistira que o poema era uma brincadeira de mau gosto? "Existem homens que enxergam além da aparência física." Será que ele falava por si? Havia, porém, uma dúvida ainda mais importante: como ela se sentia diante do fato?

— O sol se põe atrás da árvore imponente. O machado do lenhador foi esquecido, terminara o trabalho de ceifar.

Ben remexeu-se na cadeira, na tentativa de encontrar uma posição mais confortável. As crianças revezavam-se em ler o livro de histórias em voz alta havia mais de uma hora. A sensação era de que um dia inteiro havia se passado.

Da pequena mesa emprestada para ser a do professor, ele levantou os olhos e observou as duas fileiras de bancos, onde estavam os alunos. Bem, ao menos por um dia aquelas crian-ças seriam seus alunos. Durante o resto da semana o reverendo Tomkins tomava seu lugar.

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Ao inspecionar a sala, viu o quanto se deteriorava com o passar do tempo. Pine Springs não tinha um prédio especifico para a escola. As aulas eram ministradas no salão da igreja. Não havia carteiras. Quando precisavam escrever, as crianças apoiavam os cadernos nos joelhos. Os poucos livros de que dispunham tinham de ser usados em conjunto.

Mesmo diante do cenário desolador, Ben mantinha um sorriso no rosto ao pensar em Emily. Depois da noite em que haviam sido interrompidos pelo gato, não haviam tido mais oportunidade de ficarem a sós. Depois daquele encontro, ele vinha se esforçando para jantar em casa quase todas as noites. Lembrou-se do que dissera Daniel, seu melhor amigo. Talvez ele tivesse razão ao afirmar que ele estava adiando por tempo demais os planos para um futuro calmo e seguro.

Sempre que ficava sozinho, era ela quem habitava seus pensamentos. E não era sem razão. Emily era uma mulher inteligente, bonita e esforçada. Aos poucos foi se convencendo de que o futuro solitário que havia previsto para si mesmo estava cada vez mais distante.

— Ai!O grito agudo o trouxe de volta à realidade.— Ai! Sr. Thatcher, Tommy está me cutucando... Peça a

ele para parar.Louisa Fleming passava a mão no braço, fazendo beicinho.

Suspirando de impaciência, Ben levantou-se, atravessou a sala e foi se postar atrás da parte culpada.

— Sr. Harper, se não puder manter as mãos ocupadas com outras coisas, eu o colocarei sentado lá na frente. Por enquan-to, por que não se senta ao lado do sr. Gaines?

Ben nem sequer esperou uma resposta. Tratou logo de levantar o garoto pelo colarinho e puxá-lo até um banco do outro lado da sala. Ao virar-se, notou outro garoto fazendo arte. Fred Gaines ocupava-se em talhar suas iniciais no banco vazio logo à sua frente, com uma faquinha.

— Eu fico com isso — pediu bem, surpreendendo o garoto, esticando a palma da mão. — Depois da aula, vamos falar sobre seu castigo, sr. Gaines, e sobre como pretende pagar pelo conserto de propriedade da igreja.

Resmungando, o garoto entregou a faca. Ben colocou-a sobre a mesa e andou pela classe para conferir se ninguém mais estava aprontando. Verdade que aquela não era a melhor maneira de tratar os alunos, mas ele também não havia sido

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talhado para lecionar. Contudo, até então a diretoria da escola não havia recebido nenhuma resposta para o anúncio de professor.

Senhor... Mande-nos um professor, por favor, implorou ele, imaginando que sua prece seria ouvida logo pelo simples fato de se encontrar dentro de uma igreja.

O desespero não foi apenas porque estava quase no limite de sua paciência, e ainda não nem hora do lanche, mas tam-bém porque estava cansado de ler rimas, fazer contas, explicar a História...

— Sarah, por favor, continue a leitura.— E a resplandescência do Oeste, a relva sobre a qual

andamos, quando o fardo do lenhador tiver terminado...Enquanto estavam todos ocupados, Ben saiu para o vestí-

bulo. Os pertences dos alunos estavam amontoados sobre uma prateleira, os casacos pendurados em uma longa fileira de gan-chos. O aposento deveria estar vazio, mas de repente viu-se diante de Emily.

Sob o xale de lã preto, um vestido cinza com gola rendada branca caía graciosamente sobre o corpo curvilíneo; mais um dos vestidos de Phoebe, ajustado para ela. Com as faces rosadas pelo frio e os olhos brilhantes, ela carregava duas embalagens de comida.

— Desculpe-me — disse ela, também surpresa por encon-trá-lo tão de repente. — Estive visitando a sra. Faraday. Ela havia se esquecido de mandar o lanche dos meninos. Eu me ofereci para trazer no caminho de volta para a casa de sua tia.

— Foi muito delicado de sua parte — Ben respondeu, sem esconder o quanto ficara sem-graça com a chegada ines-perada.

Ao pegar as embalagens, as mãos se encostaram e ele percebeu o quanto as dela estavam frias.

— Você está sem luvas! Deve estar congelando. Venha se aquecer um pouco diante do forno.

— Não se preocupe. Eu não tinha intenção de interromper a aula.

— Não tem importância alguma. Estamos praticando leitu-ra. As crianças vão gostar de ter audiência.

Quando entraram na sala, a bagunça era generalizada. Meninas gritando, dois garotos rolando no chão...

— Sr. Thatcher!— Deus do céu! O que está havendo aqui?

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Louisa Fleming foi a primeira a se antecipar para responder:

— Fred deu um soco no nariz de James porque ele o cha-mou de covarde. Agora James está sangrando. Por favor, faça com que eles parem!

Para prazer dos próprios e dos outros garotos, os dois con-tinuavam a se espancar. O sangue corria pelo rosto de James Potter, mas nem assim ele deixou de lutar. Naquele momento puxava o cabelo de Fred, fazendo o garoto urrar de dor. Nenhum deles mostrava a menor disposição de terminar a luta.

Ben soltou um suspiro exasperado e, separando-os, colo-cou-os de pé, postando-se entre os dois.

— Sr. Gaines! Sr. Potter! Parem com isso agora!Não foi surpresa alguma quando sua ordem foi solene-

mente ignorada. Os dois mantinham a cabeça abaixada, agora lutando contra a mão forte de Ben. Perdendo a paciência, Ben não sentiu remorso algum em puxar a orelha de um deles.

— Ai!Com isso, James Potter acalmou-se, e Fred recebeu o mes-

mo tratamento.— Está doendo!— Ao menos assim tenho a atenção de vocês! Os dois

estão cansados de saber que uma das regras da escola é que não se pode brigar. Mas parece que esqueceram a educação em casa. Não vou tolerar desobediência! — ralhou ele, puxando os dois para a varanda, descendo as escadas.

Sem delicadeza alguma, jogou-os sobre os bancos de neve que ladeavam a passagem. Os dois se sentaram, cabisbaixos.

— Vocês deveriam se envergonhar. Os dois são os alunos mais velhos da classe, deveriam servir de exemplo para os outros. Comportar-se assim é o melhor que podem fazer?

Os garotos continuavam imóveis. Era difícil saber se esta-vam ouvindo o sermão ou planejando a próxima peraltice.

— Os mineiros bêbados, freqüentadores do Whiskey Row, comportam-se melhor do que vocês — continuou Ben, sentan-do-se em um dos degraus da escada. — Se não aprenderem a agir como pessoas civilizadas, é lá que terminarão suas vidas.

—Foi ele que começou defendeu-se Fred. —Acusou-me de ser covarde por ter entregado minha faquinha ao senhor. Um homem precisa defender sua honra, não é verdade?

— Falta muito para um moleque de catorze anos chegar a ser um homem.

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— Faço quinze anos na primavera — interrompeu James.— Você também está bem longe da maturidade —

retorquiu Ben. — Ninguém é julgado pela quantidade de socos no primeiro que for contra suas idéias. O segredo está em superar as diferenças e conviver pacificamente. Um homem é julgado pelas coisas que construiu e que lhe dão orgulho, algo do tipo de uma casa, um mercado... ou uma escola.

Assim dizendo, Ben levantou-se e cruzou os braços sobre o peito. Havia saído no calor da discussão, esquecendo-se de vestir o casaco. Estava frio demais ali para continuar com a bronca. Ainda mais porque presumia que os meninos não haviam apreendido nem a metade do que tinha dito.

— Depois que estiverem com a cabeça mais fria, voltem para a classe e peçam desculpas a todos pelo inconveniente. Caberá aos outros decidir se os perdoam ou não. — Encerrando a conversa, ele bateu com as mãos nas calças para limpá-las e voltou para a sala de aula.

Ben esperava encontrar os ânimos alterados, tal como dei-xara quando saíra. Para sua grande surpresa, estavam todos sentados, ocupados com as tarefas. Em um canto da sala, os mais novos adivinhavam a letra que um aluno mais velho colo-cava em um pequeno quadro negro. Outro grupo continuava a leitura que haviam iniciado antes da briga. Emily estava de pé, em frente à mesa do professor.

— Sim, afinado é o som emitido pelos galhos e folhas sussurrantes; bem-vinda seja a brisa e as ventanias que nos levantam os cabelos...

— Muito bem! — exclamou ela com um entusiasmo enco-rajador. — Pode continuar. Leia o próximo verso.

Ao perceber que Ben havia voltado para a sala, apressou-se a postar-se ao lado dele.

— Espero que não se importe por eu ter assumido a aula. Pensei que os controlaria melhor se os mantivesse ocupados.

— Diante disso, só me resta admitir que você já deu aulas antes — comentou ele, encantado com o resultado.

Desde que a conhecera, suspeitara que Emily escondia segredos nas profundezas de sua alma. A certeza veio com aquela demonstração de competência.

— O que quer dizer? — indagou ela, na dúvida de ter extrapolado limites. — Ah, sim. Já dei aulas antes. Houve uma época em que era o meu sonho.

— E o que aconteceu?

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— Quando minha mãe morreu, precisei largar os estudos para cuidar do meu pai. Não tive alternativa quando ele decidiu vir para cá.

Ben apenas balançou a cabeça, sem saber ao certo o que pensar diante das novidades. A cidade precisava de uma nova professora com urgência, e ela estava ali, bem debaixo do nariz de todos eles. Entretanto, a idéia não o tranqüilizou. Ao con-trário, deixou-o ainda mais inquieto. Agora que tinha desco-berto Emily, não tinha tanta certeza de querer compartilhá-la com mais alguém.

Capítulo V

Não foi difícil convencer Emily a continuar com a aula até o final do dia. Além de mostrar-se muito disposta, ela experimentou uma felicidade que havia muito não tinha sequer notícias.

As crianças eram inteligentes, ansiosas por aprender. Talvez pelo excesso de energia, eram um tanto indisciplinadas. Porém, bastava apenas dirigi-las para algo mais produtivo do

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que brigas, que todas acabavam se saindo muito bem. Ao final do dia, ela sentiu-se perfeita para o cargo.

Ben mostrou-se aliviado por ter se livrado da responsabi-lidade. Passou a mesa com os livros e material para ela, e foi sentar-se no fundo da classe para observá-la e encorajá-la.

Vez ou outra ela titubeava, mas nada que a fizesse perder a compostura ou não recuperar o controle em seguida. Cada minuto que passava aumentava sua autoconfiança. Só enten-deu o quanto estava saudosa das aulas quando tomou a frente daquela classe. A alegria de ajudar uma criança era ímpar. A avalanche de sentimentos positivos chegava a ser tão des-concertante que a deixara insegura. Imaginou se estaria mesmo apta para assumir a posição.

No final da tarde, agradecia a Ben por ter trazido seu sonho de volta. O sol já estava se pondo quando os dois entregaram a última criança aos pais. Enquanto um limpava as cinzas do fogareiro, o outro enfileirava os bancos e juntava os livros. Por fim, entraram juntos no vestíbulo para se aprontarem para sair.

— Foi um longo dia. Espero que não esteja zangada por eu ter pedido que ficasse.

— Zangada? Imagine, eu me diverti muito!— Verdade?Ben a encarou com mais atenção, certifícando-se de que

ela não estava apenas sendo gentil. Quando seus olhares se cruzaram, ficou evidente que havia algo que os unia, bem maior do que a vontade de ensinar, ou algo parecido.

— As crianças são autênticas. Dizem o que pensam. A vida assim é bem mais simples — desconversou ela, disfarçando o rubor das faces.

Havia um segundo sentido no que dissera, mas Ben não entendeu. Aliás, passara a tarde inteira tentando adivinhar o que ele estaria pensando. O que esperava dela, afinal? Se fosse ele seu admirador secreto, quando será que planejava revelar a verdade?

Ben empurrou a porta da frente da igreja para que ela passasse. Ao sair, Emily deslumbrou-se com o lindo final de tarde. Naquela época do ano, anoitecia de uma hora para outra. O sol parecia ter pressa em descer por trás das montanhas, visíveis apenas pelas sombras escuras no horizonte. O céu registrava a despedida do dia com diferentes tonalidades no céu, desde o alaranjado dos últimos raios de luz,

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avermelhando-se e escurecendo, ao deixar-se cobrir por inteiro pelo manto azul-escuro, pontilhado por estrelas brilhantes.

— Lindo anoitecer, não é? — perguntou Ben com a voz rouca. — Chicago não tem uma vista dessas. Sempre faço essas comparações quando começo a indagar se vale a pena lutar por esta cidade.

Emily meneou a cabeça e permitiu que ele a tomasse pelo braço, para descerem pela rua central.

— Muita gente passou por Pine Springs, alguns até devastando-a em um sentido ou outro, mas conseguimos reerguê-la.

— Acredito que sim — respondeu ela, sem saber ao certo se ele conversava apenas para não ficar em silêncio, ou se começava a descrever algo mais importante.

— Acho que dias melhores estão por vir. Assim que Jeffries construir um novo estábulo e o prédio do banco ficar pronto, a zona Norte da cidade estará pronta. A cidade ficará com outro aspecto. Aguarde e verá. Sem esquecer que logo construiremos a escola também, claro.

— Acredito que o bazar do Dia dos Namorados renderá bons fundos para as obras.

— Tia Phoebe faria acontecer de um jeito ou de outro — comentou ele, curvando os cantos da boca em um sorriso maroto.

Emily considerou aprofundar uma pouco mais a conversa. Estava farta de trocas de gentilezas e amenidades. Desejava de fato conhecer melhor aquele homem instigante.

— Você é um nobre, Ben Thatcher.— Nada além do normal. Sigo apenas os dogmas que fun-

damentam nosso país. Qualquer um que tenha lutado nos cam-pos de batalha de Shiloh, ou no Forte Donelson, ou qualquer outro, precisa acreditar no que o move a dar a vida por uma causa. Se não fosse assim, não haveria razão para batalhar.

Ela ouviu o argumento eloqüente e resolveu não opinar contra. Discutir política não era uma coisa que a agradava.

Sendo assim, seguiram em silêncio. Durante alguns minu-tos os únicos ruídos eram os flocos de neve esmagados pelas botas dos dois, e notas abafadas de um piano, provavelmente provenientes do Whiskey Row.

O vento cortante batia na pele delicada do rosto de Emily, como se fossem inúmeros alfinetes de gelo. Mesmo em movi-mento, ela já não sentia mais os dedos dos pés e das mãos. No

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entanto, não se importou nem um pouco; seu maior interesse era ouvir e analisar todos os sinais emitidos por Ben. O perfume másculo de pinho e o calor que emanava do corpo musculo-so a faziam esquecer qualquer outra sensação, de tão encantada que estava.

— Você tem o dom de lidar com crianças — comentou ele. — Não é difícil entender por que quis tanto ser professora.

— Tem razão. Eu havia me esquecido o quanto gostava do ofício. Obrigada por ter me deixado ajudá-lo na escola.

Chegaram ao centro da cidade ainda de braços dados. Quem os visse passar, julgaria que estavam juntos não apenas como conhecidos. A idéia trouxe um sorriso aos lábios de Emily, embora ela mesma não tivesse noção disso.

O tempo esfriava consideravelmente a cada minuto passado. Era quase hora do jantar, razão pela qual as ruas não estavam mais tão lotadas. Cruzaram com dois senhores, que seguiam na direção do Wild Rose Café, cumprimentaram-se com um gesto de cabeça e aguardaram até que uma carroça passasse para que pudessem atravessar a rua.

A casa que Ben dividia com Phoebe ficava bem próxima da rua principal. Não demoraram a chegar ao portão, pelo menos foi o que Emily pensou. Não havia muito tempo para que ele dissesse o que pretendia antes de alcançarem a porta da frente.

Ben antecipou-se para abrir o portão de madeira, pintado de branco, tal como o resto da cerca que circundava a casa.

— Você tem um coração de ouro, Emily. Ainda bem que tia Phoebe conseguiu convencê-la a vir para a cidade.

— Estou feliz por estar aqui. Tive experiências gratificantes que jamais julgaria possíveis aqui.

Os dois atravessaram o jardim, e já estavam no segundo ücgniu da pequena escada quando ele decidiu se pronunciar dc novo:

Espero que isso signilique que vai continuar na cidade depois do bazar.

Emily procurou ver a expressão dos olhos de Ben, mas infelizmente estava muito escuro, e o rosto dele parcialmente sombreado.

— E isso que deseja?Soltando o braço dela, Ben a segurou pela cintura,

estreitando a distância entre os corpos.— Eu quero...

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Houve um momento de indecisão. Os rostos estavam tão próximos que o calor da respiração dele aquecia o rosto de Emily. Ao virar-se, ela viu o brilho dos olhos dele ressaltar no escuro e não conseguiu mais desviar a atenção.

— Acho que você sabe o que quero.Não, ela não fazia idéia, mas também não iria perguntar.

Mesmo porque, no instante seguinte, estavam com os lábios colados. Foi um beijo ansioso, na pressa de compensar o tempo perdido, antes da confissão silenciosa do desejo das línguas, que se encontravam no mais perfeito bailado da sedução. Quando se separaram, ela tremia inteira.

— Nunca encontrei uma mulher como você antes — sus-surrou ele, abraçando-a. — Quando estamos juntos, o mundo fica diferente.

O coração de Emily bateu em descompasso. Não eram aquelas as palavras que sempre desejara ouvir? Então por que estava tão assustada?

— Está ficando tarde. Acho que devemos entrar — disse por fim.

Ouvindo isso, Ben a soltou com uma tossidela.— Tem razão. Obrigado mais uma vez por ter me ajudado

esta tarde. O que aconteceu enfatiza nossa necessidade de encontrar logo um bom professor. Por mais que tenhamos nos esforçado, o reverendo e eu não tivemos muito sucesso até agora.

— Eu ficaria muito feliz se pudesse continuar ajudando — reforçou ela, respirando fundo, ainda se refazendo do beijo caudaloso. — Isto é, pelo menos enquanto nenhum outro candidato se apresentar. E também se sua tia não se importar, é claro.

— Está dizendo que aceita assumir as aulas? — indagou ele, arregalando os olhos. — Nós ficaríamos extremamente gratos.

A reação de Ben a surpreendeu. Depois de ter se ofereci-do, Emily esperava que a idéia fosse rejeitada no primeiro ins-tante, imaginando que sua fama pudesse sobrepujar as boas intenções.

— Tem certeza de que as pessoas vão aceitar a idéia de que Emily, a louca, lecione?

— Duvido que alguém associe a eremita à srta. Holcomb, a bela professora. Não se preocupe com tia Phoebe. Você já a ajudou o suficiente.

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Com um sorriso tímido, Emily procurou não voltar a aten-ção para os olhos dele. Em princípio, realizara o desejo de lecionar e arrumar companhia, pois a idéia da concretização de sonhos não amainou a sensação de pânico que se assomou ao tremor. Naquele momento, o que mais desejava era correr para o quartinho no sótão, pular na cama e esconder-se debaixo dos cobertores.

O jogo do "admirador secreto" começara como uma brin-cadeira inofensiva. No entanto, o mundo inteiro mudou depois daquele primeiro beijo, a começar pela compreensão de que tinha se apaixonado por aquele homem. A dura realidade era que, até então, ele não havia oferecido nada, nenhuma promessa, ou um futuro juntos. Emily bem sabia que depois de abrir o coração para um homem, era apenas uma questão de tempo para que acontecesse a decepção.

— Nunca mais... — murmurou ao virar-se para entrar na casa. A promessa foi feita em um tom suave, e por certo Ben não a tinha ouvido.

Com os cotovelos apoiados no balcão do bar, Ben levantou o copo e entornou o uísque restante. De olhos fechados, sentiu o líquido descer queimando pela garganta. Infelizmente, a bebida em nada ajudava a acalmar o maremoto de emoções em que vivera nos últimos dias.

— Ben? O que está fazendo aqui?Ao ouvir a voz familiar, ele levantou a cabeça rápido o

suficiente para ver o ambiente inteiro girar.— Estava esperando por você.A tontura levou alguns minutos para passar. Só então ele

conseguiu focalizar Daniel, a seu lado. Com um gesto de mão, o amigo dispensou o barman, que estava prestes a encher o copo de Ben novamente.

— Acho que não estava apenas me esperando — comen-tou Daniel, tirando o copo da mão do outro e virando-se para o garçom: — Manuel, traga um prato do que seja lá o que for que Maria tenha feito para o jantar e um café bem forte.

Assim dizendo, Daniel levantou-se, passou o braço forte pela cintura do amigo e conduziu-o até uma mesa em um canto. Ben deixou-se cair na cadeira, afundando a cabeça nas mãos.

— Você conhece as mulheres... Está casado — falou com voz embriagada. — Por favor, diga-me o que fazer. Ela está me evitando e não entendo a razão.

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— De quem estamos falando? Quem está fazendo o quê? — Daniel quis saber, sentando-se do outro lado da mesa.

— Emily... isto é, a srta. Holcomb... mal levantou os olhos do prato durante o jantar. Depois que terminamos a refeição, não tive tempo de me aproximar porque ela subiu correndo para o quarto.

— Estamos falando da nova professora? — indagou Daniel, erguendo as sobrancelhas de espanto, rindo logo em seguida. — A moça que está morando em sua casa? Devo agradecer aos céus. Eu já tinha perdido as esperanças de vê-lo apaixonado.

— Pode rir à vontade, mas não se esqueça de que estamos falando do meu futuro.

Manuel se aproximou da mesa com um prato contendo um suculento bife e uma espiga de milho, e uma caneca de café. Depois de colocar tudo diante de Ben, desapareceu com a mes-ma rapidez com que chegara.

— Vamos, coma um pouco — sugeriu Daniel.Ben respirou fundo, sentindo a náusea aumentar. Não se

tratava da bela refeição, mas sim porque estivera bebendo de estômago vazio.

— Acredite em mim. Vai se sentir melhor depois de comer. Obedecendo, Ben pegou a caneca e tomou um gole do café escaldante que quase lhe queimou a língua. Em seguida mor-deu o milho, que abriu seu apetite, entusiasmando-o a partir para a carne também.

— Você está falando a sério sobre essa mulher? — inda-gou Daniel.

— Sim... quero dizer, acho que sim.— Ela sabe dos seus sentimentos?— Estou tentando dizer a ela, mas...— O que quer dizer com "tentando"? Por acaso já disse

que a ama e que não pode viver sem ela? Por acaso já se ajoelhou e a pediu em casamento? Sei lá, fez qualquer coisa do gênero?

Ben franziu a testa ao ouvir aquilo. Os pensamentos gira-vam alucinados em sua cabeça, não o deixando ouvir direito. Sentiu como se alguém tivesse lhe colocado dois tampões de algodão nos ouvidos.

— Casamento?— Claro, não estamos falando do seu futuro e o resto da

sua vida? Por Deus, homem, não é à toa que a pobre moça o está ignorando. Ela não faz idéia do que você está pensando.

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Distraído, Ben empurrava a comida no prato com o garfo. Seria mesmo aquele o motivo pelo qual Emily estivera tão eva-siva nos últimos dias? Era de se estranhar, pois ele achava que seus sentimentos estavam evidentes, como se escritos na testa. Será que era tão difícil perceber suas reais intenções?

Quero me casar declarou ele, verbalizando um desejo que até então não havia assumido. — Ela é inteligente e linda, além de prestar atenção a todos os meus devaneios.

Daniel esticou o braço sobre a mesa, apoiando-o no ombro do amigo.

— Fico feliz por você. Mas não é a mim que precisa con-vencer.

— Suponho que deveria chamá-la para conversar.— E um bom começo. Se bem que eu esperaria até

amanhã, pelo menos. Agora o cheiro forte de bebida é capaz de embriagá-la também. Parece que você estava dormindo no fundo do barril de uísque.

Ben pegou a caneca e virou o conteúdo de um só gole. Tinha esperança de que o café ajudasse a ordenar as idéias, mas infelizmente não teve muito sucesso.

— O que devo dizer a ela? Melhor esperar até amanhã quando estiver mais sóbrio...

— E a mim que você pergunta? Sou um pobre irlandês, cultivador de batatas que mal sabe ler e escrever... Você é o homem das letras, meu amigo.

— Mas a experiência é sua.— Mulheres são estranhas — explicou Daniel com um sus-

piro. — As vezes nem elas mesmas sabem o que querem para si e acham que nós as proveremos. Se minha experiência valer para alguma coisa, vá procurá-la...

Mal entrou na cozinha, Emily foi recebida pelo delicioso e doce aroma dos pães de Phoebe no forno. A promessa era de entregar pelo menos doze bandejas daquelas para o bazar. Ao que tudo indicava, ela cumpriria a tarefa com louvor.

— Boa tarde — Emily cumprimentou.Phoebe saiu de dentro da despensa com uma tigela de

massa apoiada no quadril. O avental branco e parte da roupa estavam cobertos de farinha. Havia também algumas manchas brancas no nariz e no queixo, contribuindo para suavizar o semblante sempre tão sério.

— Como foi o seu dia, querida? Conseguiu que as crianças aprendessem alguma coisa?

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Emily sorriu ao pendurar o xale atrás da porta. Em seguida, tirou outro avental do gancho ao lado e vestiu-o.

— Não é tão difícil assim — respondeu ela, abrindo a tor-neira da pia para lavar as mãos. Depois tirou a tigela das mãos de Phoebe e sentou-se para continuar a bater a massa com uma colher de pau. — A senhora passou a tarde aqui nesta cozinha? Por que não me esperou? Dois pares de braços podem fazer o trabalho bem mais rápido.

— O trabalho não me assusta. Estou acostumada. Além do mais, é por uma boa causa.

— É verdade — Emily assentiu, meneando a cabeça. — Agora que estou aqui, por que não aproveita para sentar-se um pouco e descansar?

— Não estou nem um pouco cansada — a senhora respondeu, apertando os lábios.

— Mesmo assim, insisto para que me deixe terminar de sovar e assar os pães.

Depois de semanas morando sob o mesmo teto que Phoebe, Emily aprendera que aquela era a única maneira de lidar com a tia de Ben. Além das palavras incisivas, ela puxou a outra pelo braço e, com as mãos sobre os ombros franzinos, fez com que se sentasse.

— Assim está melhor. Preciso sentir que sou útil para algu-ma coisa.

— Ora, não precisa se preocupar com isso. Ben me contou que você tem feito sacrifício suficiente ao empenhar-se para lecionar.

Emily não respondeu; fingiu-se concentrada em misturar a massa, resolvendo que faltava um pouco mais de farinha. Ele gosta de você.

Phoebe mal terminou a frase e o rosto de Emily já se cobria com uma máscara carmim. Claro que a experiente senhora notou seu embaraço. Aliás, nada se passava naquela cidade que não fosse observado por ela. No entanto, Emily teve esperança de que o rubor no rosto fosse atribuído à sua proximidade do forno.

Doce ilusão. De fato, a última coisa que queria naqueles dias era falar sobre Ben. Se pudesse, o impediria inclusive de invadir seus pensamentos sem aviso prévio. Até então manti-vera os sentimentos abafados, trancafiados em algum lugar do coração. Porém não tinha certeza do que aconteceria se abrisse um vão, por menor que fosse. Temia libertar um ciclone que a

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denunciaria até para os pássaros que cantavam do outro lado da janela.

— Você não gosta dele? Ben é um bom rapaz, eu o criei para tanto.

Para esconder o embaraço, Emily virou-se de costas, jogando a massa sobre a pedra da pia, fingindo sová-la. Quando achou que estava no ponto, abriu-a com o rolo de massa. Se ao menos conseguisse se concentrar apenas no que estava fazendo...

Não contente com a ausência de resposta, Phoebe levantou-se e se aproximou.

— Eu teria de ser cega, surda e muda para não ter notado os olhares de esguelha trocados entre vocês nestas últimas semanas. Meu sobrinho foi literalmente alvejado. Ele a segue como se fosse um animalzinho de estimação. Mas você não é tão transparente quanto ele, portanto preciso que me conte o que sente.

Se fosse qualquer outra pessoa a abordá-la daquela maneira, Emily não teria gostado. Conhecendo um pouco mais sobre aquela senhora e sabendo que não havia má intenção, apenas curiosidade, ela riu antes de titubear para responder:

— Eu... sinceramente não sei. Achei que já tinha resolvido o que queria da vida, hoje já não sei mais. E pensar no assunto me apavora.

Bastou assumir a insegurança para voltar a tremer. Assim, largou o rolo de madeira e respirou profundamente. Phoebe a abraçou com um carinho de mãe.

— Não há razão para tanto medo. Não importa o que este-ja sentindo.

O gesto de afeto surpreendeu Emily. Jamais esperaria que alguém aparentemente fria e em pleno controle das emoções se doasse daquela forma. Teria sido fácil aceitar o ombro amigo e chorar todas as lamúrias, mas permitiu-se ser afagada por pouco tempo antes de se afastar gentilmente. Não havia o que temer? Será que Phoebe tinha idéia do que acabara de dizer?

— Ah, engano seu — contrapôs. — Será que não sabe que, quando uma mulher abre o coração, arrisca-se a perder todo o resto?

Depois de enxugar as mãos no avental, Emily começou a andar de um lado para outro na cozinha.

— "Ah, quanto o homem pode esconder dentro de si, apesar da aparência de anjo!" São palavras de Shakespeare,

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mas não consigo pensar em algo melhor para expressar o que sinto.

— Acho que não estou acompanhando seu raciocínio — admitiu Phoebe.

— Não vou deixar que isso aconteça comigo de novo. E melhor não amar. Viver sozinha é muito mais seguro!

— Minha querida, duvido que pense assim de fato. Phoebe a alcançou de novo, pousando o braço sobre seus ombros. Emily não retribuiu o gesto de carinho, mas também não desencostou da parede, onde se apoiava com os braços cru-zados sobre o peito. A anfitriã entendeu e afastou-se, respeitando o espaço de sua hóspede, porém sem deixar de observá-la.

— Acho que entendi tudo. Alguém a magoou muito. Deve ter sido um homem em quem confiava e acreditava possuir seu amor. Foi isso que aconteceu, não foi?

Emily mal conseguiu responder com um movimento de cabeça.

— Se desprezar essa nova chance de amar e ser feliz, dei-xará que esse homem ganhe. Acha sinceramente que isso seja justo? Lembre-se de que ele já levou consigo uma parte do seu coração. Espante os fantasmas, minha filha.

Aquele era o conselho mais sábio que Emily ouvia em anos. — Um homem difere muito do outro — Phoebe continuou. — Meu marido Henry foi bom e leal durante trinta e três anos de casamento. E você nem considera dar a Ben uma chance de ele provar seu amor?

Ouvindo a acusação, Emily baixou a cabeça, fitando a pon-ta dos pés.

— E verdade...— Você sabe o quanto a admiro. Eu ficaria muito feliz se

fizesse parte de nossa família. Se estiver certa de que isso não é o melhor para sua vida, ou se não quiser mesmo, então sabe-rei entendê-la e me calarei. Só espero que não se baseie no medo para decidir alguma coisa.

Depois de muito tempo com o olhar perdido através da janela, Emily encarou Phoebe.

— Prometo que não.

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Capítulo VI

Daniel estava com a razão. Phoebe e as outras senhoras tinham cuidado dos mínimos detalhes para que nada saísse errado no bazar do Dia dos Namorados. Eles sabiam exata-mente quais atividades chamariam mais atenção das pessoas, e quais as que mais impressionariam o público.

No final das contas, os homens também tiveram sua parti-cipação. Foram eles os responsáveis por arrumar as barracas, colocar tábuas como balcões para as mesmas, colher ramos de folhas para completar a decoração de laços brancos e corações de papel vermelho, cortados pelas crianças.

Ben perscrutou o ambiente, orgulhoso; tinha de admitir a competência de todos aqueles que haviam trabalhado para transformar o salão da igreja em um lugar tão festivo.

As mulheres já estavam em suas barracas, ainda arrumando os jogos e os brindes, além de outras coisas comuns

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em qualquer bazar. Havia artigos de porcelana pintada, sachês, bordados de toda espécie. Phoebe havia encomendado artigos de outras cidades, miudezas que custavam barato mas que chamavam a atenção para aqueles afeitos a novidades. Houve a preocupação especial de colocar alguns jogos de azar para os mais velhos, geleias e doces caseiros, cachecóis de tricô e meias de lã.

Estavam todos muito empenhados em fazer bons negócios. Ao admirar o trabalho de longe, Ben antecipou que quando os cálculos fossem feitos no final da festa, os lucros seriam suficientes para construir a escola.

Entretanto, havia outras preocupações que estavam distantes de um final igualmente feliz. Durante toda a sua vida, ele ouvira conselhos de várias pessoas que o ajudaram a contrabalancear decisões. E naquele momento em que precisava encontrar as palavras certas, não havia uma alma que o pudesse ajudar, deixando-o totalmente perdido.

Como faria para pedir a mão de Emily Holcomb em casa-mento?

— Ben!De tão imerso que estava em seus pensamentos,

assustou-se quando o reverendo Tomkins gritou seu nome, acenando para chamar a atenção. O senhor de cabelos grisalhos estava sentado a uma das mesas, com ares de quem se divertia bastante. Ali haviam sido dispostos diversos pratos de massas de maneira a formar um incrível colorido. Daniel sentava-se do lado direito do padre em sua melhor roupa de domingo, e também parecia satisfeito com o sucesso da festa.

Engolindo o desconforto, Ben seguiu até os amigos, des-viando-se de pessoas e barracas.

— Venha sentar-se conosco. Tome uma taça de sidra. Temos muito que comemorar hoje — ofereceu o reverendo.

— E verdade — concordou Daniel.Assim que se sentou, Ben logo foi servido de uma taça da

bebida.— Você merece um brinde, Daniel. A idéia foi sua.— Nada disso, eu apenas imaginei a situação. Houve

muito trabalho executado depois disso. Além de tudo, foi você quem convenceu as senhoras a ajudar.

— Não é isso que importa agora. Pela cidade e especial-mente pelas crianças, agradeço a vocês dois — interrompeu o reverendo. — Acabei de conversar com a sra. Dunham, que

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está tomando conta do caixa. Se as vendas continuarem nesse ritmo, conseguiremos cumprir a meta de angariar fundos para construir a escola. E se Deus permitir, ainda poderemos com-prar alguns livros e mantimentos. A partir daí, só nos restará um problema a ser resolvido: encontrar uma nova professora.

Daniel e Ben trocaram olhares significativos. Não era possível saber o que o reverendo pretendia com aquele comentário.

— Coloquei anúncios em diversos jornais — explicou Ben.— Não obtivemos nenhuma resposta por enquanto. Acho

que é apenas uma questão de tempo...— Por que esperar mais? — indagou o padre. — Andei

assistindo a algumas aulas na semana passada. Devo admitir que já temos uma professora perfeita bem diante de nós. Sugiro que façamos uma proposta para a srta. Holcomb para que assuma em caráter oficial as classes. No entanto, acho que seria prudente pedirmos que assine um contrato comprometendo-se a não se casar. Os outros condados estão procedendo dessa forma. Acho que ela não se oporá. O que vocês acham? Ela deve estar por aqui. Por que não vamos procurá-la para fazer a oferta?

Ben foi pego de surpresa, sentindo-se como se tivesse levado um soco na boca do estômago. Como discordar do reve-rendo? Emily era perfeita para o trabalho. Ele mesmo havia comprovado ao deixá-la assumir em seu lugar. Eram poucas as pessoas que conhecia que tinham tanta habilidade para lidar com crianças. Se permitisse que os dois falassem com ela naquele momento, Emily era capaz de aceitar, mesmo com a cláusula que a impedia de se casar. E o que faria com os planos para o futuro que vislumbrava para ambos?

— E uma sugestão muito interessante — comentou Daniel. Ben olhou para o amigo, sem acreditar no que ouvira.

Afinal havia confidenciado a ele seus sentimentos. Mas antes que tivesse chance de reagir, o outro acrescentou:

— Porém, não é hora de tratarmos de negócios. Acho que devemos continuar a aproveitar o dia, depois ir para casa e dormir. Amanhã as decisões finais serão tomadas com mais calma.

— Acho a decisão mais ponderada do momento — concordou Ben.

O reverendo sacudiu os ombros e alcançou uma fatia de pão para acompanhar o prato de massa.

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— Se estiverem de acordo, então podemos esperar até segunda-feira de manhã.

Ben respirou, aliviado. Por sorte havia ganhado um tempo extra para se aproximar de Emily. Depois de terminar o cálice de sidra, despediu-se dos amigos e voltou a circular pelas barracas. O recinto estava abarrotado de gente, dificultando a movimentação.

Ele já tinha circulado por mais de uma hora e não vira sinal de Emily. Talvez ela estivesse trabalhando nos bastidores. Recatada como era, na certa aquele seria o trabalho de sua preferência. Mas, de qualquer modo, tinha de estar em algum lugar. Restava apenas descobrir onde.

— Está procurando alguém, meu caro?Os músculos de Ben enrijeceram no mesmo instante.

Lembrou-se das inúmeras vezes em que, quando criança, pres-tes a aprontar alguma arte, ouvira aquela mesma voz pegá-lo em flagrante. Por isso não foi novidade alguma virar-se e encontrar Phoebe.

— A senhora me assustou! Seria melhor se usasse um sini-nho — brincou ele.

— Se bem me lembro, alguém já fez essa tentativa. Lembra-se que, aos doze anos, você me presenteou com uma corrente de prata no meu aniversário? Aquele com uma porção de pingentes? Você havia me pedido para usá-la diariamente. Naquela hora percebi que se tratava de uma artimanha sua para poder fumar com seus amigos atrás do estábulo.

— E a senhora perdeu o presente — Ben respondeu rindo. Phoebe também sorriu. Aliás, era uma das poucas vezes em que ela demonstrava divertir-se de fato.

— Não foi nada disso.— Foi essa a explicação que ouvi para não usar a corrente.— É mesmo? Acho que eu estava enganada. Tenho quase

certeza de que ainda a tenho na minha caixa de jóias.Ben riu sozinho. Havia sido ingênuo demais por achar que

poderia enganar a tia, tão mais experiente. Mesmo tanto tempo depois, ela ainda sempre estaria um passo à frente dele.

— Se estiver procurando por Emily, irá encontrá-la na últi-ma barraca do fundo —: informou Phoebe, estendendo o braço e apontando para o local. — Ela organizou um joguinho para as crianças mais novas. Quem derrubar mais pinos de madeira com uma bola, ganha um prêmio.

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Ben não perdeu tempo para seguir na direção das barracas de jogos. Encontrou Emily agachada, dando atenção para um dos filhos de Daniel, que se preparava para jogar a bola.

Ela estava linda como uma flor de primavera. Os cabelos, arrumados em cachos, presos por pequenos grampos com flo-res miúdas, conferiam-lhe uma graça adicional. O vestido não era de Phoebe, pois caía com perfeição sobre o corpo feminino. O corpete estava bem ajustado e a blusa de baixo ressaltava os seios fartos. Ben imaginou que aquele deveria ser o resultado do projeto no qual as duas haviam trabalhado nos últimos dias. De seu quarto ouvira o som característico da máquina de costura, mas até então não havia desconfiado do que pre-tendiam.

— Pelo que vejo, o jogo não está atraindo apenas as crian-ças — comentou a tia, alcançando-o e parando a seu lado.

Seguindo o comentário, Ben olhou em volta e percebeu que havia vários cavalheiros rondando a barraca. A atenção de todos obviamente não era o jogo.

— Será que o pacote agora está com laços suficientes? Ben virou-se para a tia com uma sobrancelha erguida.

Phoebe assumiu um ar de falsa ingenuidade. Ele bem sabia que merecia a zombaria, afinal a idéia de deixar Emily um pouco mais feminina havia sido sua. A idéia inicial era vesti-la em um estilo mais feminino para que encontrasse um admirador de verdade. Contudo, esse plano havia sido arquitetado antes de os dois se conhecerem melhor. Bem antes da descoberta de que aquela gema especial não precisava de polimento algum para brilhar com esplendor.

— Não era isso mesmo que você queria?Observando a cena, ele viu quando Sam Jeffries acercou-

se e puxou conversa com Emily.— Ben? — chamou Phoebe, cutucando-o no braço.— Já entendi o recado, tia — respondeu ele, soando mais

ríspido do que pretendia. — Sou mesmo um cabeça-dura. Não enxerguei a verdade mesmo diante do meu nariz. Com licença, deixe-me fazer o que é preciso.

Assim dizendo, ele se afastou sem olhar para trás. Aliás, nem era preciso, foi possível sentir o sorriso vitorioso de Phoebe.

O bazar do Dia dos Namorados tinha sido um banquete para todos os sentidos: as cores vibrantes da decoração, o

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perfume das flores que pendiam presas em tiras nas barracas, o aroma do tabaco, misturado à sidra quente; o burburinho de vozes, o som do banjo animado, instigando casais a procurarem a pista de dança.

Emily admitiu que se divertia bastante. A convicção de que era melhor viver sozinha provou ser apenas confortável, mas sem nenhuma graça ou emoção. De repente viu-se rodeada por várias pessoas, algumas que já tivera a chance de encontrar nas raras vezes em que vinha até a cidade, e tinha de admitir que estava adorando a companhia.

— Não precisa atirar a bola, Charlie — instruiu ela, ao curvar-se para ensinar ao garoto a melhor posição para jogar. — Se você deixar que ela deslize até os pinos, vai conseguir derrubar mais.

O menino ruivo obedeceu às instruções. A bola de madeira deslizou pelo chão, derrubando mais da metade dos pinos. Com os olhos arregalados, ele pulou e bateu palmas de alegria.

— Muito bem! — exclamou Emily. — Viu como é fácil? Agora diga para a srta. Farley quantos pontos você fez para que ela anote.

O menino saiu correndo no segundo seguinte. Sorrindo, Emily levantou-se para ficar frente a frente com um homem corpulento.

— De fato, a senhorita tem muito jeito com crianças — comentou ele.

— Ora, muito obrigada, senhor...?— Jeffries, senhorita, Sam Jeffries — respondeu ele,

enfiando as mãos nos bolsos da calça de lã cinza e estufando o peito. — Sou proprietário do estábulo. É um negócio muito rendoso, isto é, era, antes do incêndio que devastou a cidade no mês passado. Mas estou reconstruindo-o, com planos de ampliação. Eu ficaria muito satisfeito se me der o prazer de uma visita para conhecer a obra.

— Obrigada, sr. Jeffries. Assim que eu puder, passarei por lá — disse ela com um sorriso educado.

Mal terminou de falar, outro rapaz também se antecipou com uma pressa atabalhoada, com a mão estendida. Emily reconheceu o caixa do banco, que já encontrara algumas vezes.

— Sou Frank Reynolds, senhorita. Estou muito contente em poder conhecê-la.

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— Muito prazer — disse ela, meneando a cabeça e puxan-do a mão rapidamente.

De repente, viu-se sendo cortejada por alguns rapazes da cidade, e em vez de sentir-se lisonjeada, achou que mais pare-cia uma mercadoria nova na prateleira.

— Com licença, senhores — desculpou-se ela, abrindo caminho entre os dois. — Preciso voltar ao trabalho.

Respirando aliviada, afastou-se para recolocar os pinos em pé. Porém, quando bateu os olhos na pista improvisada do jogo, o trabalho já havia sido feito.

— Boa tarde, srta. Holcomb.Ben estendeu a mão para ajudá-la a levantar-se. Emily

sentiu o coração bater em descompasso, impressionando-a com o efeito da simples presença daquele homem.

Quando ficou em pé, ainda com as mãos apoiadas nas dele, ela olhou para aqueles olhos expressivos atrás das lentes dos óculos e sentiu as pernas fraquejar. Ben estava mais bonito do que de costume. A roupa, escolhida com muito critério para a ocasião, ressaltava o corpo musculoso. O cabelo molhado estava penteado para trás, afastando a franja que sempre cobria parte da testa.

— Os músicos já começaram a tocar. Sei que as organiza-doras se dispuseram a dançar com todos aqueles que fizessem doações ao fundo para a construção da escola.

Emily balançou a cabeça. Talvez aceitar aquela idéia em particular não tivesse sido a melhor das opções. Os outros dois pretendentes ainda estavam por perto, ansiosos por novas investidas. Ela riu sozinha, imaginando Frank dançando com todo aquele jeito desengonçado, e ficou com pena dos pés das damas.

— Com todo o respeito, gostaria de convidá-la para dançar — convidou Ben em alto e bom som para afastar os rivais. — Aliás, comprei todas elas.

Emily imaginou que não deveria ter sido barato fechar seu caderninho de danças. Se por um lado se sentia aliviada por não precisar deslizar pelo salão nos braços de fãs desconheci-dos, por outro estava tensa ao reconhecer as sensações avas-saladoras que invadiam seu coração. Imaginou se suas pernas obedeceriam e se os batimentos de seu coração não desafiariam os instrumentos de percussão, tocando ainda mais alto.

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— O que vou fazer com as crianças? E o jogo? — questio-nou ela, procurando livrar-se da proximidade constrangedora de uma dança.

— Acho que já cumpriu sua quota. Além do mais, esses dois cavalheiros, que não perderam nenhum lance do jogo, estão perfeitamente capacitados para continuar seu trabalho — assentiu Ben, dirigindo-se para Frank e Sam.

Os dois balançaram a cabeça, perplexos por terem sido pegos de surpresa.

— Tudo pela caridade — concordou Frank.Nada mais poderia ter sido dito. Ben os havia deixado sem

argumentos. Assim, segurando o braço de Emily, conduziu-a até a pista de dança, um espaço improvisado, aberto no meio da multidão.

Por sorte, a música não era muito rápida, ao contrário do ritmo do coração de ambos. Fazia muito tempo que ela não dançava. Contudo, apesar da vontade de sair correndo, manteria a promessa feita a Phoebe. Não permitiria de modo algum que o medo a impedisse de qualquer ato que fosse.

Além do mais, Ben vinha sendo muito gentil em todos os sentidos. Não havia motivo algum para duvidar de suas inten-ções, ou mesmo temer. Para ajudá-la a sentir-se mais à von-tade, ele estava bem relaxado e confiante. Mesmo assim, não tirava os olhos dos próprios pés, como se estivesse com medo de pisar em falso.

— A festa está muito animada — comentou ela, na esperança de que conversar sobre trivialidades amenizasse a falta de jeito dos dois para dançar.

— Acho que está melhor do que esperávamos. Tenho certeza de que alcançamos o objetivo.

— Você deve estar feliz. Não tenho dúvida de que agora será possível contratar uma professora para as crianças.

— Nós já encontramos a candidata ideal — respondeu ele de pronto.

Emily respirou fundo para controlar a emoção, que chegou a surpreendê-la pela intensidade.

— Sim, mas pelo que eu saiba, meu trabalho era apenas temporário.

Ben a encarou, deixando a impressão de que diria algo extremamente importante, desistindo no último segundo. Depois de um longo minuto de silêncio, ele apertou a mão delicada que repousava sobre a sua.

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— Você é a mulher mais bonita da noite, Emily.O elogio a pegou totalmente desprevenida, tanto que pre-

cisou esforçar-se para não tropeçar. Porém, esqueceu-se de fechar a boca, assumindo a evidente expressão de espanto.

— O vestido ajudou bastante — disse ela, ainda sem conseguir dominar de todo o desconforto. — A cor me cai bem, quero dizer, pelo menos foi o que sua tia disse. Foi ela quem criou e idealizou o modelo, eu apenas costurei.

Bem a encarou no fundo dos olhos. A conversa sem muito sentido não o interessava. Havia algo bem mais sério a ser dito.

— Esperei o momento certo para dizer algo importante, mas, confesso que agora não consigo achar as palavras certas.

Acho que já deixei claras as minhas intenções e... bem, peço desculpas se minhas atitudes a constrangeram.

Emily não encontrou uma brecha para responder, nem mesmo saberia o que acrescentar. Sorte que a música parou, interrompendo o assunto.

Algumas pessoas aplaudiram os músicos, enquanto se preparavam para iniciar um novo número. Houve um início de confusão quando os novos pares se formaram e os mais altera-dos reclamavam por ter suas parceiras trocadas.

— Por que não nos sentamos em um lugar mais calmo? — Ben sugeriu. —Assim poderemos conversar sem interrupções. Acho que já provei não ser muito bom na dança.

— Mas você comprou todas as minhas danças.O olhar profundo e cheio de malícia substituiu muito do

que ele tinha para dizer.— Você sabe muito bem que não estou interessado em

dançar.Desde que a convivência dos dois havia aumentando, Ben

supunha que seus pensamentos podiam ser adivinhados de tão evidentes. Mal sabia que Emily mal ordenava as próprias idéias quando estavam juntos, que dirá arriscar saber as dele.

A bem da verdade, ela não tinha a menor idéia do que se passava na cabeça de Ben, ou o que pretendia... ou, quem sabe, recusava-se a admitir certas coisas por puro temor.

Enquanto dava asas à imaginação, seguiu-o até uma mesa reservada no fundo da sala. Depois de vê-la acomodada, ele saiu para buscar algo para beber, prometendo voltar o mais rápido possível.

Emily aproveitou o momento de privacidade para avaliar melhor aquela mistura de sentimentos que a deixava tão

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confusa. Sabia que Ben Thatcher era um bom homem. Ao que tudo indicava, estava prestes a receber uma proposta de casamento. Mesmo tendo negado esse desejo por tantos anos, bem no fundo do coração sabia o quanto ansiava por encontrar o amor eterno. Então, por que estava tão aflita?

Se bem que a ansiedade não estava apenas relacionada à vida amorosa. Havia algo mais que a preocupava bastante. As senhoras da cidade e ela haviam se empenhado para que o bazar fosse um sucesso. Agora, prestes de chegar ao fim, e pelo movimento, era possível estimar como o esforço tinha dado bons resultados. A verba levantada daria não só para construir a nova escola e comprar material, como também para pagar um salário para um bom professor. E se isso acontecesse, ela seria substituída.

Quando aceitara o trabalho, sabia que seria apenas temporário, enquanto não se encontrasse outra pessoa mais capacitada. Entretanto, não esperava se afeiçoar tanto aos alunos. Lecionar durante aquele curto período de tempo tinha lhe conferido a certeza de que de fato era uma excelente professora. Por essa e por outras razões, não tinha intenção nenhuma de desistir de lecionar.

Porém, estava ciente de que se aceitasse o emprego teria de abdicar do casamento. Terrível dilema.

Respirou fundo para se acalmar, assim seria mais fácil conversar sobre o assunto com Ben. Com sorte, chegariam a uma solução juntos. Afinal de contas, até então, ele fizera de tudo para vê-la bem e feliz. Havia sido ele que a ajudara a reconstruir a autoconfiança, fazendo o papel de "admirador secreto". Por esforço dele, com a ajuda de Phoebe, convencera-se a sair do reduto seguro para vir à cidade, onde havia conhecido tanta gente interessante. E acima de tudo, a idéia de torná-la professora temporária havia sido dele também. Não restava dúvida de que seria Ben também quem encontraria a melhor solução para o impasse que logo se criaria.

— Boa tarde, srta. Emily.Ela olhou para trás e viu o aprendiz de Ben, Tad,

segurando um prato cheio de pães variados.— Boa tarde. Se conseguir comer tudo isto, duvido que

passará fome pelo resto do mês! — exclamou ela, sorrindo.— Eu peguei um pouquinho de cada prato. Isto é, tudo

menos o pãozinho doce de tia Phoebe. Todos foram vendidos, não sobraram nem as migalhas.

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— Não se preocupe. Sei o quanto você gosta de doces. Quando ela estava assando os pães, guardei uma porção deles para você. Estão dentro do forno, na casa dela.

— Para mim? Puxa vida, obrigada, eu não esperava...Tad colocou o prato sobre a mesa, arrumou o colarinho da

camisa e, com as mãos entrelaçadas nas costas, baixou a cabe-ça. Alguma coisa o aborrecia bastante.

— A senhorita tem sido tão boa para mim desde que che-gou... Deixou Percy dormir comigo, deixa que eu ande em seu cavalo quando vou até sua casa alimentar os bichos... bem, no mínimo, devo retribuir sendo honesto. Sinto-me péssimo por ter ajudado que aquele poema fosse publicado no jornal.

— Você participou daquilo? — indagou Emily, sem enten-der por que o garoto levantava aquela questão tão fora de hora.

— Fui eu que permiti que os garotos entrassem no escri-tório da Gazette para deixar o poema sobre a mesma do sr. Thatcher. Eu não contei a ninguém que sabia quem o havia deixado ali. Se eu a conhecesse melhor naquela época, jamais teria permitido que...

— Quer dizer que Ben... — conjecturou ela.— Ah, não, senhorita — assegurou Tad, arregalando os

olhos. — Na verdade, quando descobriu como a magoamos, ele deu um jeito de consertar as coisas. Ele não queria que pen-sasse mal da cidade. E no final, tudo deu certo. Ben disse para tia Phoebe que se ela a enfeitasse um pouco, todo mundo se encantaria com a senhorita.

Houve um longo e desconfortável silêncio antes de Tad falar novamente:

— A senhorita me perdoa?Emily estava perplexa, sem ar, mesmo assim meneou a

cabeça.— Claro que sim, Tad. Agora vá se divertir.Não foi preciso mandar de novo. O rapaz pegou o prato e

saiu rapidamente dali.Ao levantar-se, Emily ficou tonta, apoiando-se na mesa.Bastaram apenas alguns segundos para que se refizesse.

Em seguida, saiu do salão às cegas. De uma hora para outra, tudo o que havia acreditado desde que chegara à cidade desmoronou como um castelo de areia à mercê das ondas do mar.

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A realidade nua e crua era que Ben jamais a achara espe-cial. Sua intenção fora apenas amenizar a culpa pela brincadei-ra cruel dos moleques. Fora ingênua demais em não perceber a artimanha antes.

A voz da razão, antes apenas um sussurro, dominou-lhe a mente. Ben só queria que ele servisse aos seus propósitos, quando ajudara Phoebe a trazê-la para morar em sua casa. Pior, havia pedido que a tia melhorasse sua aparência, segundo o garoto acabara de contar. Ao lembrar-se do trabalho para costurar o vestido, sentiu náuseas.

E pensar que havia considerado Ben Thatcher um homem diferente. Ah, como se enganara! Ali estava um belo exemplo de egoísmo pertencente a todos os outros homens que conhecera.

Quem sabe se, de alguma forma, ele descobrira sua vontade de lecionar? Talvez tivesse visto os livros quando fora com Phoebe ao chalé, pois naquela ocasião já era sabida a necessidade de se encontrar uma nova professora para a escola local.

Pensando assim, ela empurrou a porta da saída do salão. O vento gelado bateu em seu rosto como se fossem inúmeros alfinetes, mas ajudou-a a recuperar os sentidos, enquanto cor-ria noite fora.

Capítulo VII

O salão estava lotado de convidados, sinal de boa sorte para os membros da diretoria da escola, menos para quem pro-curava um lugar calmo para fazer um pedido de casamento.

Ben precisou ficar na fila para conseguir duas taças de sidra e, equilibrando-as, abriu caminho para voltar para a mesa. Precisou parar algumas vezes para cumprimentar amigos, educadamente desculpando-se para logo voltar ao caminho. A estratégia estava dando certo até encontrar com o dr. Evans.

— Ben! Ben Thatcher! — chamou o senhor grisalho.Ao chegar mais perto, o médico estendeu a mão, mas

vendo que seria impossível ser cumprimentado de volta, limitou-se a dar tapinhas nas costas do outro.

— Faz dias que quero dizer que fiquei encantado por você e sua tia terem trazido Emily Holcomb para a cidade. Acredito

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que não tenha sido fácil tirá-la da concha. Para ser bem hones-to, eu não acreditaria se não a tivesse visto hoje.

O interesse de Ben prendeu-o à conversa. Já tinha consi-derado procurar o médico para saber um pouco mais daquela mulher solitária, que agora possuía seu coração. O dr. Evans era uma lenda viva na cidade. Havia sido um de seus fundadores. Contudo, ainda não encontrara um bom motivo para questioná-lo sobre Emily. E naquele momento, como que por milagre, ali estava o médico disposto e animado para conversar.

— Suponho que o senhor a conheça melhor do que ninguém — comentou Ben, apoiando as taças em uma mesa próxima.

Bem, Emily haveria de entender a razão do atraso de um ou dois minutos.

— Bem, a história nãó é das mais felizes. O pai a arrastou para cá quando a cidade era apenas um campo de mineração de ouro. Não havia nada além de tendas e a lamacenta rua principal. Ela cozinhava, lavava a roupa e tomou conta do pai quando ele adoeceu... O chalé onde mora hoje é um palácio, em comparação ao lugar em que viviam.

— Que tipo de homem era o sr. Holcomb?— Não era má pessoa, mas estava infectado pela febre do

ouro. Ele comprou um pedaço de terra, tirou licença para explo-rá-la e fez buracos gigantescos em toda a sua extensão. Depois de convencer-se de que não havia nenhum tesouro escondido ali, acalmou-se e passou a arar a terra. Foi então que construiu uma casa decente para eles. Contudo, atirava em qualquer um que se aventurasse a prospectar sua propriedade. Quando ele faleceu, minha esposa e eu convidamos Emily para morar conosco. Ela gostou da idéia. A vida teria seguido tranqüila se aquele sujeito não tivesse atrapalhado tudo.

— Quem? — indagou Ben, lembrando-se de que já consi-derara algo similar. — Eu bem que imaginei que algo a havia magoado muito.

— Magoar seria leve demais para descrever o que fizeram com aquela pobre menina — explicou o médico, respirando fundo com pesar. — Ele era um rapaz charmoso e atraente. Até hoje ainda me culpo por não ter percebido o golpe antes do infortúnio final. Se bem que ninguém suspeitou de nada. Timothy Michael 0'Shea era capaz de convencer até um animal predador a não atacar sua presa. Ele chegou em um navio

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repleto de irlandeses, todos ávidos para enriquecer por aqui. Emily foi cortejada com flores e poemas. Logo ficaram noivos. Não tenho dúvida de que se casariam mesmo, mas ele desco-briu que a terra da família Holcomb não valia nada.

— Um caça-dotes — dardejou bem, demonstrando despre-zo em cada palavra.

— A história terminou com ela, vestida de noiva, esperan-do por ele no altar. Uma judiação. Depois disso, os macacões surrados do pai substituíram os vestidos, e ela se isolou naque-le chalé, só voltando a freqüentar a cidade depois que você apareceu.

— Não é à toa que ela não confia em ninguém — comentou bem, como se estivesse falando sozinho.

— Agora a vejo como era antes animada a ajudar na esco-la, encontrando um lugar para si. Tomara que as velhas feridas tenham finalmente cicatrizado.

— Quem sabe... — respondeu Ben, olhando diretamente para a mesa onde a tinha deixado. A cadeira estava vazia. Ao tentar respirar, sentiu como se uma couraça de aço estivesse lhe comprimindo o peito. — Se me der licença, dr. Evans, pre-ciso ir agora.

As taças de sidra ficaram esquecidas sobre a mesa. Em desespero, Ben andava o mais rápido possível, olhando de um lado para outro. Emily não estava nas barracas de jogos e nem sentada junto a Phoebe no caixa. Onde teria se metido? Depois de perguntar a várias pessoas se a tinham visto, encontrou-se com Tad.

— Ela estava aqui agora mesmo — explicou o garoto. — Conversamos um pouco. Ela é uma pessoa boa... Bem, eu esta-va com a consciência pesada pelo que tinha feito. Finalmente criei coragem e pedi desculpas.

— Desculpas? Como assim?— Ora, por ter ajudado meus amigos a publicarem o

poema. Ela não merece que façam troça de sua solidão.— Isso quer dizer que contou que não há admirador secre-

to nenhum?Tad fez um sinal afirmativo com a cabeça.— Isso mesmo. Não há com o que se preocupar. Eu disse a

ela que você não teve nada a ver com a história. Ao contrário, havia encontrado uma maneira de reverter a situação. Está tudo bem agora. Ela me perdoou.

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Ben ficou mudo. Não podia culpar o garoto por ter dito a verdade. Ele bem sabia que, depois dos presentes, Emily havia desconfiado de que ele era o seu fã e não fizera nada a respei-to. Aproveitara a situação para continuar o flerte.

Claro que alguém que visse a situação de fora não entenderia suas verdadeiras razões para não ter revelado nada antes.

Mas quem mais o interessava decerto estava muito decepcionada com tudo. Ainda mais depois de ter passado pela horrível experiência de ter sido largada no altar.

— Obrigado, Tad. Aposto que você foi mesmo perdoado.Assim dizendo, Ben virou-se para sair, blasfemando contra

si mesmo. Havia sido o único culpado por tudo ter saído do controle. Imaginou que Emily provavelmente voltara para casa para, sozinha, resolver o que fazer. Quem sabe se partisse dali correndo, não a encontraria ainda no caminho? Explicaria a sua versão dos fatos e se desculparia. Claro que ela o entenderia...

— Senhoras e senhores! Ben estava tão entretido em seus pensamentos que mal

notou que a música havia parado de tocar, antes de a voz do reverendo reverberar por toda a sala.

— Por favor, senhoras e senhores! Tenho um comunicado a fazer. As senhoras das nossas mesas de tíquetes acabaram de me informar que alcançamos nosso objetivo de angariar verbas para construir a nova escola.

Uma salva de palmas, seguida de um burburinho de excla-mações e risos, interrompeu-o de continuar.

— Acreditamos que ainda tivemos lucro — a voz do reve-rendo voltou a sobrepujar as dos demais ali presentes. — Com esse dinheiro compraremos livros e outros materiais escolares, além de reservar um fundo para a contratação de um novo professor. Gostaria de lhes agradecer pela participação. Gostaria de passar a palavra ao presidente do conselho da escola, sr. Ben Thatcher, que trabalhou arduamente para que conseguíssemos atingir nossa meta. Venha até aqui, Ben, diga alguma coisa.

Antes de ele se dar conta do que havia acontecido, as pes-soas viraram-se para trás e começaram a aplaudi-lo. Mesmo querendo sair dali o mais rápido possível para procurar por Emily, não lhe restou alternativa senão assumir o discurso.

— Bem... boa tarde a todos e obrigado por terem vindo. Enquanto pensava no que dizer, Ben vasculhava a sala a

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procura de um sinal, ou um relance do vestido cor de lavanda. Ainda tinha esperança de que ela não houvesse fugido. Talvez estivesse escondida em algum canto, permitindo que ele falas-se a todos da comunidade.

— Estamos todos aqui reunidos neste final de tarde com o compromisso de tornar Pine Springs uma comunidade de sucesso, um lugar melhor para criarmos nossos filhos.

Aquela era a primeira vez em que ele se incluía em uma fala daquele gênero. Por mais que estranhasse o fato, suas palavras refletiam seus sentimentos. Queria formar uma família com Emily, isto é, se ela o aceitasse. O coração de Ben batia descompassado ante a possibilidade de o sonho não se concretizar. Eram muitas as chances de ela não perdoá-lo. Precisava sair dali com urgência e encontrá-la o quanto antes.

— Doando nosso dinheiro para essa finalidade, estaremos ajudando a propiciar às crianças de Pine Springs uma educação melhor, além de um prédio exclusivo para a escola, mapas, livros e outros materiais. Em um primeiro momento, isso tudo pode não parecer tão importante, mas é fundamental para demonstrar nosso comprometimento com um futuro melhor para nossos filhos.

Ben podia escrever muito bem, porém não era muito bom em expressar sentimentos. Emily provavelmente já sabia daquele detalhe. Mas escolher cada um daqueles presentes que deixara em sua porta havia demandado muito cuidado. Além de não terem sido apenas atos isolados para aliviar uma culpa. O objetivo maior tinha sido agradá-la. O lenço bordado e a fita do cabelo eram acessórios que tinham pertencido à sua mãe. Estavam guardados havia anos em um porta-joias, esperando a pessoa certa para usá-los. Na época, não tinha idéia de quem seria essa mulher. Agora, tinha certeza de que nenhuma outra poderia usá-los além de Emily.

— Existem outras pessoas a quem precisamos agradecer pela ajuda em realizar este evento. Primeiro meus colegas de direção: o reverendo Tomkins e o sr. Daniel Faraday, autor da idéia de um bazar beneficente do Dia dos Namorados; os membros da associação comercial da cidade, sr. Jeffries, sr. Farley e sr. Wilkins, que doaram não apenas o material para montarmos as barracas, como também dedicaram parte de seu tempo para montar tudo. Além deles, as senhoras, cujas mãos habilidosas e corações dedicados transformaram o evento em

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algo tão especial: minha tia Phoebe Dunham, as meninas Farley, sra. Maria Faraday...

E minha doce Emily, onde quer que esteja, completou a frase em pensamento.

Emily abotoou o corpete e estudou-se diante do espelho atrás da escrivaninha.

O vestido de morim verde não era tão chique quanto os que Phoebe Dunham havia emprestado, mas era seu; apesar de ter ficado guardado por anos.

Depois de amarrar um avental na cintura, virou-se para a cama, onde Percy havia se acomodado, parecendo um paxá esparramado sobre a colcha. O bichano limitou-se a levantar apenas a cabeça para observá-la com desdém.

— Não precisa me olhar desse jeito. Posso muito bem colocar um vestido se achar que fico bem — disse ela.

Assim dizendo, pegou o pacote que estava sobre a escrivaninha e o colocou de volta no baú, de onde tirara a roupa antiga. Ali dentro havia quase uma vida em lembranças de toda sorte. Era como se fosse sua caixa de Pandora, a ser aberta raramente e com o maior cuidado.

Mesmo naquele momento, quando acreditava que todas as feridas passadas estivessem curadas, sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha ao levantar a tampa do baú. A primeira coisa à vista era uma pasta com os documentos de posse das terras. Ao passar a mão pelo couro, suspirou. E pensar que por aquilo o pai a fizera atravessar o continente. A idéia era tornarem-se ricos, mas a realidade provou-se bem diferente. De herança sobraram apenas acres de pinheiros e crateras vazias.

Colocando a pasta de lado, ela removeu alguns coletes e vestidos, parando de súbito ao encontrar o delicado vestido de lã azul, com o corpete repleto de pequenas flores do campo, agora amareladas. Aquele havia sido seu vestido de noiva, que infelizmente não servira como tal. Agora repousava ali como um troféu de sua tolice.

Colocando-o de lado, continuou a remexer e encontrou o que estava procurando. Ainda era uma criança quando a mãe a presenteara com aquela caixa de chapéu, para que guardasse seus pequenos segredos e tesouros. Qualquer outra pessoa que encontrasse a caixa acharia estranho seu conteúdo, mas para ela, cada objeto tinha um significado especial: uma cauda de pavão, uma pedra cor-de-rosa brilhante, que recolhera da beira

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de um lago já nem se lembrava quando, um desenho a lápis da antiga casa, um maço de cartas de Timothy cheias de poemas, amarrado com uma fita vermelha.

Fechando os olhos, recolocou as coisas de volta. Havia sido um erro abrir a comporta de antigas emoções e deixar-se afundar daquele jeito. Não fazia idéia de que cada peça daquelas ainda exercia tamanho poder sobre suas emoções. Ora, mas não havia sido a razão pela qual estava ali? Nos últimos tempos colecionara outros itens que a fizeram sofrer também.

Assim, pegou o pacotinho que havia colocado a seu lado, desembrulhou e tirou dali um por um, colocando-os dentro da caixa de chapéu: um lenço bordado, uma fita de cabelo, um livro de sonetos e uma folha de jornal. Antes de tampar, resol-veu ler o tal poema que havia dado início a toda a história entre ela e Ben.Doce Emily de rara beleza...

Foi preciso forçar para conseguir engolir o nó que se for-mara em sua garganta. Como havia sido ingênua de não ter desconfiado da artimanha desde o começo! Tudo havia sido perfeito demais para ser verdadeiro. Admiradores secretos só existiam mesmo em livros. Ainda assim, se houvesse alguém sequer parecido, não haveria de se interessar por ela.

Para restaurar o pouco de orgulho e amor-próprio que ainda restavam, dobrou rapidamente a folha de jornal, colocando-a na caixa, e esta dentro do baú. Só depois de baixar a tampa e trancar tudo foi que conseguiu respirar direito. Com tudo o que a fizera sofrer trancafiado, pelo menos ficava a impressão de que estava livre para viver em paz dali em diante.

No entanto, não estava nem um pouco aliviada. A mágoa ainda lhe doía no peito. Apesar do grande esforço para se con-trolar, bastou uma lágrima furtiva escorrer pelo rosto, e não houve como reprimir o choro convulsivo.

Afinal, o que havia de tão errado em acreditar que contos de fada e finais felizes podiam ser reais? Não era a única que havia confiado em um homem e desejara dividir o resto de sua vida com ele. Por que havia dado certo para pessoas como Phoebe Dunham e o coronel Henry, dr. Evans e a mulher, Maria Faraday e Daniel, para mencionar apenas alguns moradores da cidade? Por que apenas ela havia feito escolhas tão erradas? Talvez o destino quisesse que passasse o resto da vida sozinha.

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Miando e se espreguiçando, Percy enfiou-se entre as per-nas dela e o baú, procurando acomodar-se ali por perto. Emily o pegou no colo, abraçando-o com carinho.

— Eu sei, querido — disse ela, ainda soluçando. — Não posso reclamar de solidão. Tenho sorte em ter você, minha casa...

Ao som do galo cacarejando, Percy levantou as orelhas. Sem muito ânimo, Emily soltou-o e levantou-se, dirigindo-se para a porta.

— Lothario, seu galo velho e barulhento! — gritou. — Aposto que está tendo alucinações com tigres novamente.

Sem pensar duas vezes, tirou a tranca da porta e a escancarou. Quase desmaiou de susto ao deparar-se com Ben ali parado. Ele também se surpreendeu, pois estava tentando prender um pedaço de papel no vão entre as madeiras.

Emily não queria que ele a visse com os olhos vermelhos e inchados. Tentou fechar a porta, mas ele foi mais rápido, colo-cando o pé na frente.

— Não a culpo por estar brava — disse ele, forçando pas-sagem até entrar na sala. — Peço que apenas ouça o que tenho a dizer.

— Não quero ouvir nada — respondeu ela, esforçando-se para parecer fria tanto quanto possível. —Ah, não se preocupe. Não o culpo por ter publicado aquele poema no jornal. Tad me disse que não foi culpa sua. Confesso que a conversa do "admi-rador secreto" foi comovente. Imagino que tenha me tomado como uma tola ingênua.

— Admito que no princípio foi o que pensei para aliviar o peso na minha consciência. Mas mudei de opinião e passei a admirá-la de verdade.

— Isso foi antes ou depois de sua tia me enfeitar toda? — questionou Emily, sem mover um músculo sequer.

— Antes de quê? Como?— Não faz mal, isso não tem a menor importância agora.

No final das contas, deu tudo certo. Você conseguiu o que que-ria, uma pessoa que ajudasse a levantar fundos, e alguém para dar aulas enquanto outro professor não era contratado. Está tudo bem. Agora, por favor, vá embora e me deixe em paz.

Ben deu um passo, segurando-a pelos ombros.— Sei sobre suas decepções, Emily. Assumo a culpa por

parte delas, inclusive. Só Deus sabe o quanto eu lamento por

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isso. Você acredita mesmo que eu a usei? — ele perguntou, sacudindo-a de leve.

Ela arregalou os olhos de espanto, mas não respondeu nada. Baixou a cabeça e fixou o olhar na barra da saia.

Naquele momento, Ben teve medo de que a tivesse perdi-do para sempre. O pavor gelou o sangue que lhe corria pelas veias. Estava naquele estado desde a noite anterior, quando chegara em casa e não a encontrara lá. Ficara apenas o perfu-me dela impregnado no vestido jogado em um canto do quarto. Foi quando o desespero o acometeu, facilitando mesurar o quanto a amava. Jurou que faria qualquer coisa para trazê-la de volta.

Parado ali diante de uma mulher, aparentemente indiferente, imaginou que talvez não conseguisse convencê-la.

— Emily?Ela continuou imóvel. O peito inflava suavemente a cada

nova inspiração. Depois de alguns minutos sem que os olhares se encontrassem, ele a soltou. Como poderia pedi-la em casa-mento depois de tanta desilusão? Dando um passo atrás, Ben resolveu partir.

— Não. — A voz soou mais como um lamento.— Não?— Você tem razão. Não acredito que tenha sido tão cruel

— respondeu ela, encarando-o nos olhos, esperando que ele dissesse alguma coisa que consertasse a situação como em um passe de mágica.

Pego de surpresa, Ben ficou sem saber por onde começar. Porém, tinha certeza absoluta de que faria o que fosse possível para convencê-la de suas intenções.

— A escola de Pine Springs já tem uma professora. O conselho discutiu o assunto e resolveu que, se você aceitar, gostaríamos que assumisse o cargo em base permanente. Não podemos pagar muito, mas será apenas no começo.

— Está me dizendo que fui escolhida?— Exatamente.— Qual é a sua posição?— Por Deus, Emily! — exclamou ele, levantando os braços.

— O que eu mais quero é mantê-la por perto. Será que não é óbvio?

— Acho que não estamos mais falando da escola, não é mesmo? — perguntou ela, sentindo o coração levitar de alegria.

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Ben limitou-se a responder com um movimento de cabeça, sem desgrudar os olhos daquela mulher tão querida.

Ah, como ela desejava acreditar no que lia no brilho daqueles olhos! Sentiu-se perdida entre os sonhos e o medo. A voz de Phoebe veio-lhe à mente. A velha senhora sabia que aquele momento haveria de chegar, por isso tratara de desafiá-la a superar barreiras e afastar para sempre os fantasmas do passado. Emily lembrou-se de que havia prometido que não deixaria que nada interferisse em sua decisão. A possibilidade de sofrer ainda mais, caso estivesse enganada, impossibilitou-a de dar o primeiro passo.

— Confie em mim — pediu Ben.Certo de que já havia provado suas intenções por tê-la

procurado e oferecido o cargo de professora, ele esperou ansioso pela reação dela.

De repente Emily piscou, lembrando-se de um detalhe vis-to pouco antes, e abriu a porta novamente. Ali, preso entre um dos vãos estava a última edição da Gazette.

Ao passar os olhos rapidamente pelas notícias, ela não viu nada de diferente, o formato era o mesmo, o editorial, a não ser pela chamada principal:

EMILY. EU TE AMO. QUER CASAR COMIGO?Boquiaberta, puxou o jornal com a mão trêmula.— Este é...— ...o único exemplar? Não, a esta altura Tad já entregou

os outros exemplares para a cidade inteira. Se não me aceitar, serei alvo de eterna chacota. Não me importo. Não tenho medo de gritar para o mundo meus sentimentos.

Assim dizendo, ele atravessou a sala em dois passos e puxou-a para si, beijando-a na testa.

De olhos fechados, Emily permitiu que o contato daqueles lábios úmidos aquecesse seu coração.

— Eu te amo, minha querida. Se ultrapassar suas fronteiras, tenho certeza de que serei correspondido.

Com os olhos marejados, ela se afastou o suficiente para encará-lo, embora ainda perplexa.

— Se está me pedindo em casamento... Como posso aceitar e ser professora ao mesmo tempo? O contrato...

— Meu maior desejo é vê-la feliz. Isso é o mínimo que você merece. Se lecionar lhe faz bem, é isso que providenciarei.

— Mas como será possível?

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— Acho que se esqueceu de que sou presidente do conselho da escola. No que me diz respeito, não me oporei a que minha esposa lecione. Duvido que alguém se oponha. Claro que haverá uma hora em que suas obrigações em casa a afastarão por alguns dias da escola, mas não será nada com que tia Phoebe não possa nos ajudar.

— Oh, meu Deus...Antes que ela completasse a frase, Ben segurou-lhe o

queixo, levantando o rosto miúdo para encará-la nos olhos.— Então, srta. Emily Holcomb, qual é sua resposta? Será

que consegue esquecer o passado e tentar me amar?— Tentar? Mas eu já te amo, Ben. Confesso que venho

lutando contra esse sentimento desde que o conheci.Como se uma represa houvesse rompido as comportas, a

euforia tomou conta de Ben. Curvando-se para capturar os lábios dela com os seus, ele a envolveu, levando-a a submergir naquela onda gigantesca de sentimentos plenos.

— Não precisa mais lutar contra nada, nunca mais — ele sussurrou-lhe ao ouvido, em um intervalo de beijos rápidos pelo rosto. — Não sou Timothy 0'Shea, minha visão é mais ampla do que a daquele bastardo egoista. Não há motivos para temer nosso amor. Sei valorizar as coisas importantes da vida. Prefiro morrer a vê-la sofrer. Então, quer se casar comigo, Emily?

Do brilho que surgiu das profundezas do azul dos olhos dela, Ben entendeu que finalmente a havia conquistado. Conforme deslizava as mãos do rosto para a pele alva do pescoço, foi possível atribuir outro significado àquela faísca que pouco antes incendiara seu corpo.

Emily soltou um longo suspiro, expelindo o passado junto com o ar dos pulmões. Havia chegado o momento de abrir os braços para a vida e ser feliz ao lado daquele homem maravilhoso.

— Claro que sim! — exclamou ela.Percy ronronou alto, roçando-se nas pernas dos dois,

cansado de ser ignorado. Ben olhou com o canto dos olhos para baixo e foi o suficiente para que começasse a espirrar.

Sorrindo, Emily se lembrou da alergia e da concessão que Ben fizera ao permitir que levasse o gato para casa de Phoebe. Só agora conscientizava-se de como estivera cega aos peque-nos sinais.

— Vá para fora, Percy. Vá caçar alguns passarinhos — pediu ela, olhando para o bichano.

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Depois de mais alguns miados, o gato resolveu fazer uma concessão e saiu andando lentamente.

— Não é nada pessoal, meu amigo. Emily e eu precisamos ficar sozinhos — anuiu Ben.

Depois de soltar o bichano, ela voltou a enlaçar o pescoço do amado, entremeando os dedos por entre a farta cabeleira, puxando-o para mais perto.

— Não estaremos sozinhos... — murmurou ela, roçando a boca nos lábios dele — ...mas juntos.

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Capítulo I

24 de dezembro de 1796

Todos têm uma opinião. Era difícil ser um McClellan e não ter uma opinião bem definida. Aliás, era impossível ser um membro da família e não declarar-se como tal.

Algumas vezes era possível chegar a um consenso, mas nem sempre. Difícil mesmo era prever quais seriam as estraté-gias utilizadas por cada um, ou quais as linhas de argumenta-ção e quem apoiaria quem. Existiam laços de família a serem considerados, além dos afetos fraternais e dos novos integran-tes da família, como esposas e maridos.

Casar-se com um McClellan era o mesmo que já ter nasci-do como um membro da família. Como se não bastasse, ainda havia as alianças. Os homens mantinham-se unidos de um lado e as mulheres se comprometiam a ficar do outro.

Agora estavam reunidos como uma forte equipe para cele-brar o Natal e um casamento. O Natal não demoraria a chegar, conforme o previsto, e o casamento tinha sido cancelado.

Courtney McClellan estava na extremidade do piso de ladri-lhos da varanda, encostada a uma das pilastras brancas. Por causa da temperatura mais baixa do final da tarde, ela passou as mãos sobre os braços. Seria bom se estivesse com um xale, porém o frio não era suficiente para fazê-la deslocar-se até o quarto para buscar um.

Na verdade, o frio vinha de dentro para fora, pensou ela. Nos lábios, um sorriso de autodesprezo. Aquele gelo interior havia sido a razão de ela ter rompido o noivado com George Monroe.

A maior parte da família, aturdida, ainda lotava a sala de estar, discutindo sobre os méritos de seu anúncio de última hora.

Ao fechar os olhos, Courtney podia ver o pai com um avental branco, tamborilando os dedos sobre a madeira do aparador da lareira, presidindo a reunião familiar. Se respirasse fundo, seria capaz de sentir o perfume das guirlandas que enfeitavam a sala e das cestas de laranjas, decoradas com laços e salpicadas com trevos.

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Courtney lembrou-se de que aquela fragrância, que caracterizava como um presságio do inverno e das celebrações de fim de ano, não impactara em nada sua maneira de pensar, e nem a disposição de seu pai depois de ouvir a notícia de que ela havia acabado de dar.

De onde estava, podia ouvir os clamores espontâneos da discussão que seguia na sala. Sentiu na pele o desapontamento e a censura de seus queridos avós, dos pais e de algumas tias e tios, que estavam ali como convidados. A cada voz ouvida, mais ela se contraía.

— Nossa filha tem opinião própria — sua mãe disse ao pai. — Você me ajudou a criá-la assim. Acho que não podemos for-çá-la a fazer nada.

Em seguida veio a reprimenda do avô:— Quando um homem pede a mão de uma mulher em

casamento, ele espera que ela mantenha sua palavra até o dia da cerimônia.

— Pelo menos Courtney não está grávida — interveio tia Rae, muito prática.

Um coro de vozes masculinas se elevou diante do comen-tário tão direto. E durante alguns minutos Courtney não foi o centro das atenções. Ela teve vontade de beijar a tia por lhe prestar aquele favor.

Contudo, não tardou muito para retomarem o assunto anterior:

— É o terceiro casamento que ela rompe — argumentou alguém. — O terceiro!

— Estamos falando do futuro dela!— Mas isso é um escândalo familiar!A resposta a esse argumento veio de imediato:— Essa é uma característica da família McClellan. Você

não pode culpá-la por seguir o exemplo de casa.Courtney cobriu os ouvidos com as mãos em uma tentati-

va de silenciar todas aquelas vozes. No entanto, não foi o sufi-ciente, pois conseguiu ouvir o veredito firme de seu pai:

— Da próxima vez que ela pensar em casamento, quero saber apenas depois do fato consumado.

Foi nesse momento que Courtney decidiu voltar para a sala e dar sua opinião sobre o assunto. O aposento mergulhou em um silêncio mortal diante de sua chegada.A luz pálida do sol da tarde, filtrada pelos vidros das janelas altas e estreitas, deixava visível o pó saído das paredes azuis e

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das madeiras pintadas de branco do forro. As cortinas leves dançavam ao sabor da brisa que soprava do rio, fazendo som-bra sobre o piso de tábuas corridas de imbuía até perto da mesa de jantar.

Alguém se levantou para fechar a janela. As sombras pararam de dançar e a luz do sol voltou a incidir inerte, agora sobre os ombros de Courtney.

Ela saíra ao pai na estatura, embora mais baixa que ele, era mais alta que a média das mulheres, e à mãe na constitui-ção delicada. Seus olhos verde-acinzentados eram espelhos dos olhos de Salem, mas o brilho provocante e misterioso vinha de Ashley. A boca carnuda vinha do lado de Lynne, a covinha era da família McClellan. Os cabelos escuros como a noite, ela herdara do pai e da mãe.

Courtney estava com os braços estendidos ao lado do corpo e os ombros empertigados. As faces estavam coradas, mas sua voz soou bem calma.

— Vocês estão enganados se pensam que eu fico noiva e quebro o compromisso com a mesma falta de comprometimen-to ou sentimento de uma brincadeira de escola — enfatizou ela, com toda a dignidade. — Eu não pretendia magoar ninguém.

Quero desfrutar o mesmo amor que minha mãe divide com meu pai, ou o mesmo que tia Rae tinha por Jericho. Ou ainda, o amor que tio Noah e Jess vêm desfrutando nestes últimos oito anos. Por que eu me contentaria com menos do que meus avós tiveram, ou tio Gareth e Darlene, ou tia Leah e Troy?

Courtney olhou atentamente para o pai antes de continuar a falar:

— Eu jamais teria um sentimento semelhante em relação a George Monroe, Tom Bradwater ou John Rourke. Papai, quero acreditar que esse amor existe, mais ainda não o encontrei.

Os dedos de Courtney começaram a tremer. Ela, então, empinou o queixo e escondeu as mãos entre as pregas do ves-tido verde.

— Entretanto, se eu me tornei uma vergonha para a família, aceito o que decidirem fazer.

Dito isso, seus olhos ficaram rasos de lágrimas, prendendo-se aos cílios. A partir daquele instante, sua voz mostrou-se tão trêmula quanto os dedos.

Courtney sentiu uma onda de calor colorir seu rosto ao recordar a ameaça que fizera. Antes de se desculpar pelo que

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havia dito, preferiu sair correndo da sala, não obedecendo às ordens do pai para que voltasse. O orgulho de família e a dor que abatia seu coração impediram-na de voltar.

Atravessando a varanda a passos largos, desceu os degraus da pequena escada e seguiu a trilha que levava ao rio. Durante a sua infância, aquele caminho era de relva batida e lama. Ela adorava a sensação da terra fria na sola dos pés descalços. Agora havia pedregulhos cobrindo o caminho, que a cutucavam mesmo através da sola dos sapatos.

O tecido de cetim farfalhou quando a saia fez uma meia-volta, seguindo os movimentos de Courtney ao olhar para trás e vislumbrar a mansão.

A propriedade dos McClellan aninhava-se ao final de uma extensa alameda real, ladeada por carvalhos altos que compe-tiam por um pedaço do céu azul com as quatro imensas chami-nés da mansão. Todas as janelas contavam com uma veneziana branca. Os raios de sol refletiam nas vidraças. As paredes de tijolo vermelho e o telhado de ardósia absorviam o calor.

Quando criança, Courtney costumava velejar com os pais no veleiro Clarion. Sua maior diversão era correr pelo convés atrás dos irmãos. A brincadeira era ser o primeiro a avistar a terra, conforme se aproximavam do rio James, vindos do Atlântico.

Havia uma dezena de residências no litoral da Virginia, mas nenhuma delas mexia com o coração de Courtney tanto quanto a Mansão McClellan.

A bem da verdade, a propriedade podia ser considerada um vilarejo. Além das acomodações construídas para os criados e a cozinha de verão, ainda havia galpões para a secagem e armazenamento da colheita do tabaco, estábulos para abrigar os cavalos de raça e um cais para o embarque dos bens oriun-dos da plantação e animais.

A propriedade resumia-se a um grande negócio de família. Alguns parentes eram responsáveis por cuidar da fazenda, da plantação e colheita da safra, de sua rotação e dos locais do armazenamento do tabaco. Outros se ocupavam com a criação de cavalos de raça. Noah era advogado em Richmond e notifi-cava a todos sobre as leis. O pai de Courtney era responsável pelo embarque da mercadoria.

O caminho de pedregulhos seguiu por uma colina. Courtney parou no topo e respirou fundo. Mesmo no inverno

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havia uma certa riqueza naquele litoral, algo similar a uma substância que podia ser sentida junto com a maresia, e com o ritmo do vaivém das ondas, lambendo a areia.

Courtney abrigou-se à sombra dos pinheiros. Os galhos secos roçavam-lhe a cabeça conforme o vento varria a região. A saia grudava nas pernas longilíneas e o cabelo esvoaçava para trás do rosto e dos ombros. Ela permaneceu ali por longos minutos, admirando a extensão de águas azul-acinzentadas e a crista branca das ondas.

Da mesma forma que sentia pertencer à terra, sabia que tinha herdado do pai a paixão pelo mar. Em seguida, começou a descer a encosta e parou de novo.

De onde estava, ela avistou uma embarcação de um mas-tro único, que dançava sobre as águas cristalinas como se fosse uma aranha marinha. A solitária vela branca e triangular estava curvada para trás, capturando o vento.

Courtney sentiu-se à vontade e saiu correndo, deslizando com tanta facilidade pela superfície que parecia estar levando o vento, e não o contrário.

No momento em que teve certeza do destino da embarca-ção, levantou as saias e correu em direção ao cais.

Cameron Prescott ancorou o barco, prendendo-o à madeira do pontilhão. Ele se movia pelo convés com a mesma graça de sua embarcação, silenciosa e ágil, com confiança e propósito. Tirou chapéu de três pontas, enxugou a testa com o antebraço e voltou a assentar o chapéu sobre os cabelos loiros. Olhou para o cais por sobre os ombros. Linhas finas de expressão ladeavam os olhos azuis ao sorrir para Courtney.

— Vamos, Court, me dê a mão. Você não era tão inútil assim.

— Seu tolo — ela respondeu com um sorriso.Courtney pulou no deque sem se importar com as saias,

tampouco com o recato. No segundo seguinte já estava ajudan-do Cameron com as amarras da vela.

— Inútil, eu? — indagou ela, demonstrando uma agilidade com as cordas e nós tal qual qualquer marinheiro experiente. — Se você não fosse o meu melhor amigo, Cam, eu... eu...

— Você o quê? — perguntou ele, aproximando-se e enla-çando-a pela cintura.

Courtney ficou na ponta dos pés, passou os braços pelo pescoço dele e beijou-lhe as duas faces antes de abraçá-lo com carinho.

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— Eu o usaria como isca de pesca.— Os peixes me rejeitariam.Dando um passo para trás, Courtney o avaliou. Cameron

correspondeu ao olhar, mas com um brilho maroto nos olhos. Ela gostava da espontaneidade dele, pois ele a tratava com honestidade, como faria com qualquer outro amigo. Não era preciso medir palavras ou atitudes, ele a conhecia muito bem para saber que a boa educação e o decoro faziam parte do relacionamento.

— Você tem razão — concordou ela, presenteando-o com um lindo sorriso ornado por covinhas. — Os peixes iriam mes-mo rejeitá-lo. Você é muito alto e magro. — Enfiou as mãos sob o casaco dele, na tentativa de fazer-lhe cócegas. — Está vendo? Não há o que pegar aqui.

Cameron estalou a língua.— Eu não sou magro, mas sim elegante.O suspiro que ela emitiu não tinha nada de delicado.— Quem lhe disse isso? — ela quis saber, afastando um

cacho de cabelo da testa. —Aposto que foi Mavis Hamilton, ou talvez Alice Parks. Ela está sempre averiguando quando você chegará de viagem. Acho que tem alguém flertando com você, Cam.

Ele a puxou para junto de si outra vez, aproximando os corpos. Em seguida fingiu tirar-lhe o nariz com dois dedos, ignorando as reclamações e apertando-a com mais força, quando ela tentou escapar.

— Bem, então é melhor que você esteja sempre por perto para colocar ordem na casa, não é?

— Não é bem assim. — O sorriso de Courtney sumiu de seu rosto. — Sou eu que devo agradecer por tê-lo por perto para me colocar na linha.

Percebendo que havia algo errado, Cameron soltou-a para depois encará-la no fundo dos olhos.

— O que houve, Court? O que você aprontou agora?— Por que a pergunta é sempre o que eu fiz? — reclamou

ela, franzindo o cenho. — Por que não pode ter sido meu pai, ou minha mãe, ou qualquer outra pessoa que tenha me mago-ado?

— Foi George Monroe? O que aquele safado aprontou?— Cameron segurou-lhe o queixo, forçando-a a levantar o

rosto. — Se ele a magoou...Courtney colocou a mão sobre a dele e balançou a cabeça.

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— Não é nada disso. Acho que você estava certo em sua primeira pergunta, Cam. A culpa foi minha. Eu desisti do noivado de novo — contou ela, desviando o rosto. Com receio de que fosse ouvir uma reprimenda, não percebeu a expressão de preocupação no rosto de Cameron. — Não haverá nenhum casamento amanhã. Eu rompi o compromisso com George ontem à noite e contei à minha família hoje.

— Entendo... — Cameron afastou uma mecha de cabelo que caía sobre a testa dela. — Venha, vamos sair deste frio e ir para o aconchego da casa. Lá você poderá me contar os deta-lhes dessa sua última façanha.

Courtney cruzou os braços sobre o peito.— Não quero voltar para lá. Mas se quiser ir, não vou pren-

dê-lo aqui. Sei que depois de tanto tempo ausente, você quer rever todos.

Sim, aquilo era um fato. Cameron já estava fora havia três meses, até que a família precisou que ele voltasse. Antes disso, também havia completado uma outra tarefa de igual duração. Naquela ocasião ele comandava outro navio. Ainda o assustava o fato de que os McClellan confiavam e o tratavam como um membro do clã.

Tinha sido o pai de Courtney que o levara para trabalhar com a família, contratando-o como mensageiro de bordo para o Clarion quando ele tinha pouco mais de dez anos de idade. Aos treze anos, mostrara-se apto para trabalhar para Noah e Jess McClellan, sendo muito valente quando a filhinha do casal tinha sido raptada. O fato acontecera dez anos antes. E fora nessa mesma época que ele descobrira que era muito mais tolo do que corajoso.

Nenhum membro da família McClellan, desde então, havia se interessado pela modesta recusa de Cameron em dizer que pouco contribuíra para salvar a criança. Abandonado pela pró-pria família, ele estava feliz por ter escapado da mão pesada de seu pai.

Mesmo que a história de sua procedência não tivesse ficado muito clara, o que importava para Cameron era o fato de ele ter se tornado um membro da família McClellan. E Courtney, que havia sido uma de suas primeiras amigas, acabara se tornando mais como uma irmã, ou confidente.

Ao menos, sob a perspectiva de Courtney, aquela sua visão não era compartilhada com Cameron.

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— Claro que quero ver toda a família, mas isso pode espe-rar — declarou ele com um suspiro. — Vou ficar aqui até o Ano Novo, por isso prefiro ouvi-la antes de mais nada. — Ele tirou o casaco e colocou-o sobre os ombros dela, ajeitando a gola para lhe cobrir as orelhas. A camisa branca de Cameron inflava tal qual a vela do barco, levando-o a prendê-la no cós das calças largas. — Assim está melhor.

— Você vai ficar com frio.— Estou bem. Para onde quer ir?— Vamos até o gazebo?— Está bem. — Cameron jogou a sacola de pertences para

dentro da cabine do barco, voltou-se para ela de novo e, segu-rando-a pela cintura, levantou-a até o deque. — Vá na frente.

Courtney estendeu a mão para ajudá-lo a subir. Ele aceitou e continuou a segurar-lhe a mão até a metade do caminho para o gazebo.

— Vamos, conte-me o que andou fazendo nesses últimos meses — pediu Courtney.

— Pensei que o assunto a ser discutido seria você.— Ainda não. Está ficando enfadonha demais essa história

de eu sempre chorar no seu ombro.— Não se preocupe, eles são largos o suficiente para

ampará-la.Courtney parou para estudá-lo. Estranho não ter notado

aquelas costas largas antes. Talvez, se não tivesse se ocupado tanto em molhar as camisas dele com suas lágrimas, tivesse conseguido observá-lo melhor.

— O que foi agora? — Cameron quis saber, percebendo o ar de preocupação no semblante dela.

— Como? — Courtney o encarou. — Não foi nada sério, mas acabo de perceber como sou egoísta.

— Bem, se for só isso...Ela sorriu diante do tom seco e indiferente da voz dele.

Cameron sempre conseguia fazê-la rir.— Você é sempre muito atencioso comigo. Agora vamos,

conte-me como passou esses últimos meses.— Se estiver esperando que eu narre minhas aventuras,

pode perder as esperanças. Fiquei a maior parte do tempo no mar. Ah, sim, passei umas semanas em Calais, depois em Paris.

— Ah, Paris... — divagou Courtney. — Estive lá com meus pais, mas já faz tanto tempo... A cidade continua linda?

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— Choveu quase todos os dias em que estive por lá. Vi a cidade pela janela do meu quarto. Quando parou de chover, o sol apareceu para refletir no calçamento de pedra. A rua pare-cia ter sido pavimentada de ouro. Acho que jamais esquecerei aquela vista.

Qualquer outra pessoa que tivesse descrito a cidade teria mencionado a Catedral de Notre-Dame ou o Palácio Real, ou talvez contado sobre o tráfego ao longo do rio Sena, os merca-dos lotados, talvez até tivesse feito referência a Sorbonne. Já Cameron acabara de relatar detalhes sobre o reflexo dos raios de sol nas ruas. Com um sorriso, ela apoiou a cabeça no ombro dele, enquanto andavam.

Dentro da mansão, a tia de Courtney, era, sinalizou para que a cunhada viesse olhar pela janela da sala. Quando Jess chegou, ela afastou um pouco mais a cortina para melhorar a visão de ambas.

— O que quer me mostrar, Rae? Ah, já vi. Não precisa nem responder. Aquele rapaz deveria vestir um casaco — observou Jess.

— Agora não é hora de ser prática — ralhou Rae ao soltar a cortina e esboçar um sorriso sarcástico. — Está certo, ria o quanto quiser, mas você há de convir que ele vem rodeando Courtney há tempos. Ela é a única que consegue prendê-lo a ponto de ele não vir vê-la primeiro.

Rae tem razão, pensou Jess, afastando um pouquinho a cortina de novo para dar mais uma espiada. Cameron era mais novo que ela apenas dez anos, mas ela o tomara como um filho. Ensinara-lhe cultura geral, corrigira seus modos rudes e o encorajara a atender William e Mary. Contudo, ele só ficara em terra por dois anos, o chamado do mar fora mais forte.

Mas Jess não havia encarado o fato como uma falha, ainda mais porque, ao entrar na cabine dele no Christobel, encontra-ra as paredes revestidas de prateleiras com livros.

— Você sabia que Cameron estava para chegar? — Jess indagou, curiosa. — Não parece tão surpresa em vê-lo.

— Sei que ele costuma vir para celebrar o Natal.— Isso eu também já soube, mas não foi o que perguntei.

Você sabia que ele estava para chegar?— Ora, acredito que ele quisesse estar presente ao casa-

mento de Courtney.— Disso eu já não tenho mais tanta certeza.

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Lançando um sorriso misterioso por sobre o ombro, Rae saiu da sala de jantar à procura de Ashley. Na certa a mãe de Courtney se interessaria em saber sobre a pontualidade de Cameron.

Suspirando, tanto divertida quanto ansiosa pelos comentá-rios e pela tendência de Rae a criar tramóias, Jess também saiu atrás da cunhada.

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Capítulo II

Então eu precisei pagar as multas — contou Cameron. — Caso contrário, eles teriam de passar mais uma noite na prisão de Paris e eu teria de zarpar sem a metade da minha tripulação.

Courtney divertia-se a valer. Seus olhos estavam mareja-dos. Riu mais ainda quando Cameron, sempre galanteador, ofe-receu-lhe a manga da camisa. Ela empurrou o braço dele para longe e secou os olhos luminosos com a ponta dos dedos. A única covinha no canto da boca de Courtney aprofundou-se ainda mais.

— Oh, Cam, e pensar que você diz não ter passado por nenhuma aventura... Achei que os franceses fossem mais blasé sobre suas idas aos bordéis.

— Não quando as casas se enchiam com marinheiros ame-ricanos, não deixando espaço algum para os pobres franceses. Asseguro-lhe que esse era um assunto de suma importância.

— Como é que você não foi preso também? — questionou ela, olhando-o de soslaio.

— Eu estava no barco trabalhando sobre os detalhes da negociação de venda do tabaco.

— É mesmo?Cameron confirmou com um gesto de cabeça.— Você teria ido ao bordel mais tarde? — insistiu ela.— Vamos lá, Court, o que, exatamente, você quer saber?

— ele perguntou, vendo-a se contorcer inteira e sentindo uma nesga de pena. — Esse bordel em especial estava cheio de sofás pequenos, de estofamentos vermelhos e uma série de anjos de mármore. Os drinques eram servidos em um balcão de madeira. À frente, algumas mulheres vestidas apenas com uma camisa fumavam charutos e jogavam xadrez.

Courtney divertia-se, mas também estava desconfiada.— Você está inventando tudo isso agora.— Isso não é verdade. Os quartos eram de... Ela o tomou

pela mão.— Vamos, Cam, diga-me quantos quartos havia no estabe-

lecimento.O sorriso dele era enigmático, deixando a certeza de que

nenhuma resposta objetiva sairia daqueles lábios.

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— Todos os quartos eram revestidos com papéis de pare-de na cor lavanda e rosa. Os dosséis eram da mesma cor. Em um dos cantos, suspenso por correntes, havia um espelho enorme.

— Ah, não, agora você está brincando comigo. — Quando Cameron elevou as sobrancelhas um pouco, ela já não teve mais tanta certeza. — Está ou não?

— As mulheres não eram tão bonitas, não quanto você deve estar imaginando. Mas eram amáveis, curiosas a nosso respeito. Elas não estão acostumadas a encontrar americanos com muita frequencia.

Courtney estalou a língua em sinal de descrédito.— Ora, como você e seus marinheiros responderam às

perguntas delas se nem ao menos falam francês?— Eu disse que elas ficaram curiosas e não que nos criva-

ram de perguntas.— Ah, você quer dizer que... que... — De repente as pala-

vras sumiram dos lábios de Courtney.Ele limitou-se a menear a cabeça.— A curiosidade se restringia a termos comparativos.

Nenhum de nós falava nada. — Cameron observou-a corar. — Até que enfim! Eu já estava achando que você não ia nem ficar vermelha com meu relato.

Em um repente, ela o atingiu com uma cotovelada e saiu correndo até o gazebo. Cameron ficou observando-a se distan-ciar. Os longos cílios, mais escuros do que os cabelos, tolda-ram-lhe a visão dos cabelos compridos cor de ébano balançando contra o vento e da figura esguia deslizando pelo campo. O vento tinha lhe levantado a barra do vestido, deixando visíveis as anáguas rendadas e as curvaturas delicadas dos tornozelos.

Cameron contraiu os lábios. Os olhos azuis estavam dis-tantes, demonstrando certa tristeza. Entretanto, quando ela se virou no meio da escada para o gazebo, só conseguiu vislum-brar-lhe o sorriso.

O gazebo era uma estrutura octogonal pintada de branco. Os intervalos entre uma pilastra e outra eram preenchidos por finas ripas de madeira entrelaçadas. O teto era de madeira entalhada. Em todos os lados havia tábuas que serviam como bancos. No alto da cúpula, do lado de fora, havia um barco de ferro que apontava de que lado soprava o vento.

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— Não estamos muito protegidos do vento aqui — comen-tou Courtney, sentando-se em um dos bancos e batendo na madeira, convidando-o para se sentar a seu lado.

— Dentro da casa deve estar mais confortável — observou ele, sentando-se perto dela. Encostando-se na treliça, Cameron esticou as longas pernas para a frente.

— A casa está mais cheia do que aqui, mas se quiser ir para lá...

— Isso quer dizer que a família toda veio para a fazenda — ele continuou a falar, ignorando o comentário de Courtney.

— Há crianças em todos os quartos. Vovó não para de contar as cabecinhas para se certificar de que nenhum dos pequenos tenha fugido. Ao todo, somos dezesseis. Quero dizer, dezessete, contando com você. Vamos fazer a ceia na cozinha, você já deve saber, enquanto que os mais velhos jantarão na sala de jantar.

— Sugiro que nos revoltemos. Vamos nos sentar à mesa de jantar e forçar a primeira e segunda geração da família a festejar na mesma mesa.

— Isso não tem muita graça, Cam. Você comanda um barco. Ninguém o trata como uma criança, pelo menos não enquanto você não chega até aqui.

Cam resolveu se abster de fazer qualquer comentário.Não havia razão para lembrá-la de que ela era a mais

culpada por aquilo acontecer. Contudo, surpreendeu-se ao ouvir o comentário sobre comando. A impressão que se tinha era de que Courtney ainda o via como um mensageiro, recebendo ordens em vez de dá-las, evitando responsabilidades em vez de assumi-las.

— Não quero mais ser tratada como se eu não tivesse mais bom senso que meus primos menores.

— Por que não me conta mais sobre seu noivado? — pediu ele. — Pelo que pude perceber, a notícia não foi muito bem recebida.

Os cantos da boca de Courtney curvaram-se para cima.-— Você pode imaginar, não é? Fiz a família inteira passar

vergonha. Minha mãe recebeu a notícia melhor que meu pai, claro, mas sei que ela ficou muito desapontada. — Courtney puxou o casaco de Cameron, para cobrir melhor o ombro. — Preferi dar a notícia a todos de uma só vez, evitando os boatos e o fato de um contar para o outro, aumentando a história a cada vez. Assim, esperei que todos estivessem reunidos na sala

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de estar para fazer o anúncio. Ninguém se importou em espe-rar que eu saísse para começar com as críticas. Talvez achem que sou surda.

Courtney desencostou-se da treliça, sentindo que lhe mar-cava as costas. Cameron estava com os braços cruzados sobre o peito, a cabeça inclinada para o lado, observando-a.

— E qual foi o veredito final depois do debate? Todos fica-ram contra você ou alguém a apoiou?

Courtney sorriu e o encarou com os olhos apertados e expressão irônica, pois estava ciente de que Cameron bem sabia como eram as discussões na família McClellan.

— Acho que as opiniões ficaram divididas. Os homens se mantiveram de um lado e as mulheres de outro. Até meus avós se dividiram.

Cam levantou as sobrancelhas e assobiou rapidamente.— Presumo que a discussão tenha sido séria, então.

Respondendo com um aceno de cabeça, ela passou a mão pelo braço dobrado de Cameron e apoiou a cabeça no ombro largo.

— Eu arruinei o Natal de todo mundo. — O riso curto de Courtney não foi de alegria. — Acontece que eu tinha planejado o casamento para o dia de Natal de propósito. Não queria que todos perdessem a viagem, como já aconteceu nos meus outros dois noivados. Como sempre fazemos uma festa no Natal, achei que não haveria necessidade de uma preparação extra. Sem dizer que minha mãe decora a casa de um jeito tão bonito que não ficaria faltando nada.

— Ora, quanta consideração a sua...Courtney levantou a cabeça e estudou a expressão dele,

sem saber se levava o comentário a sério ou não.— Eu achei que foi mesmo. Achei que estava agindo da

melhor maneira — disse ela, recostando a cabeça no ombro dele de novo.

— Court, por acaso você chegou a considerar que preparou tudo dessa forma porque no fundo sabia que não haveria casamento algum?

— Que coisa horrível de se dizer! — exclamou ela, emper-tigando-se. — Eu tinha intenção de me casar com George Monroe, por isso fiquei noiva, caso contrário, não teria aceitado o pedido de casamento.

Cameron não ligou muito para a braveza dela.— Então, ainda não entendi por que não haverá casamen-

to amanhã.

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— Eu não o amo!— Mas amou.— Claro que sim.Antes de seguir com a discussão, Cameron pensou um

pouco.— O que aconteceu para você mudar de idéia?De repente, Courtney levantou-se e foi para o lado oposto

do gazebo. Dali, por entre as árvores, era possível divisar o mastro do barco de Cameron, balançando conforme o movi-mento das águas.

— Não aconteceu nada — ela respondeu baixinho. — Acordei ontem de manhã com a certeza de que não o amava e de que não havia nenhuma outra razão para me casar.

— Isso quer dizer que não há nada errado com George.— Nada. — Courtney balançou a cabeça. — Ele é genero-

so, atencioso e se entende muito bem com minha família. Com todos eles. Você e eu sabemos o valor desse feito. Temos mui-tos interesses em comum e ele não deixou de gostar de mim por eu ter opinião própria. Na verdade, mostrou até um alto nível de consideração.

— O modelo da perfeição.A última coisa que Courtney precisava naquele momento

era alguém para contradizê-la a toda hora.— Quem veio antes dele? Foi Tom Broadwater? Courtney

balançou a cabeça.— Também não havia nada errado com Tom. Ele era até

muito bonito, inteligente e me aceitou exatamente como sou. Ele nunca se importou por eu ser tão perfeita quanto ele.

Isso porque ele não viu nada em você além de sua beleza, pensou Cameron.

— Entendo... E antes de Tom? Foi Peter Davies, não? Demonstrando sua indignação, Courtney virou-se de costas.

— Ah, meu Deus! Eu nunca disse que me casaria com Peter. Essa foi a história de fachada. Por favor, Cam, me dê o crédito de possuir o mínimo de bom-senso. Peter e eu nunca combinamos. Ele não gostava de andar a cavalo, nem de vele-jar... Ele passeava por sua plantação de carruagem! Dá para imaginar? Sem contar que tinha hábitos de velho para o meu gosto.

— Muito velho? Ele era mais novo que Tom e George. Ambos estão na casa dos trinta. Peter não deve ter mais do que vinte e oito anos.

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— Bem, para mim, ele parecia mais velho que o meu avô.— Quer dizer que você nunca foi noiva de Peter. —

Cameron deu uma tossidela. — Quem sobrou? João não-sei-das-quantas?

Courtney não estava achando graça nenhuma naquela conversa.

— Ah, você sabe muito bem que o sobrenome dele era Hoth Rourke. Não foram poucas as vezes em que chorei no seu ombro por causa dele.

— Você achava que ele não a amava.— Eu tinha apenas dezessete anos! Não acreditava que

ele tivesse me notado.— Mas notou.— Isso só aconteceu porque você me ajudou a deixá-lo

enciumado. — Courtney sentou-se no banco oposto ao de Cameron. — Você se arrependeu por ter me ajudado?

— Como assim? Fingir que estava interessado em você? Ela meneou a cabeça afirmativamente.

— Mas eu estou interessado em você.— Ora, você sabe do que estou falando.— Sei, sim — respondeu ele, depois de um breve

intervalo, os olhos azuis implacáveis. — Sei a que você se refere, e não, não me arrependo de nada.

— Eu achei que... quero dizer, já que as coisas não saíram conforme eu tinha planejado... bem... pensei que talvez você tivesse se arrependido de ter participado.

— Não sou eu que fico noivo e desmancho o compromisso em seguida. Como você descobriu que não amava John?

Courtney levantou as mãos em sinal de desalento.— Não havia nada nele que eu não amasse. Só sei que de

repente descobri que não sentia mais emoção alguma. — Ela precisou levantar o queixo, não em desafio, mas para evitar que lágrimas lhe escorressem pelo rosto. — O problema não é deles, Cam. Nunca foi. Sou eu. Acho que tem algo errado comigo.

Cameron levantou-se e atravessou o gazebo até onde ela estava. Depois ergueu-a pelos braços e a abraçou. Logo a cami-sa dele estava encharcada de lágrimas, até então represadas.

— O que vou fazer da minha vida? — indagou Courtney, desconsolada.

— Esse não é o fim do mundo, Court.Não era bem isso que ela gostaria de ter ouvido.

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— Mas eu gostaria que fosse.Cameron encontrou um lenço em um dos bolsos do

casaco.— Tome, enxugue as lágrimas. — Ele sorriu quando ela

obedeceu sem questionar. — Pode colocar o lenço em qualquer um dos bolsos. Isso mesmo. Agora me conte por que tem tanta certeza de que o problema é seu e não dos pretendentes.

— Não quero mais falar sobre isso.— Está bem. — Cameron achou melhor não forçá-la a

nada. — Então diga por que está tão decidida a evitar sua família agora. O pior já passou. Você já deu a notícia...

— É verdade — ela respondeu com relutância. Em seguida levantou a cabeça e afastou-se um pouco para vê-lo melhor. — Eu ameacei meu pai.

Cameron estreitou os olhos, assumindo uma expressão séria.

— O que foi que você fez, Court?— Mas não fui a única, ele também foi muito rude comigo.— Tenho certeza de que deve ter sido mesmo. — Porque

ninguém é capaz de fazer um santo barganhar com o diabo, ele pensou. — Gostaria de saber qual foi a desculpa dessa vez.

— Bem, eu disse que ele não precisava se preocupar com outro noivado. Pretendo me casar com o primeiro homem em quem puser os olhos e assunto encerrado.

— Você falou assim com seu pai?— Sim.— E? — Cameron tomou o cuidado de manter a voz inal-

terada.— E o quê? E exatamente isso que pretendo fazer. Tomei

tanto cuidado ao fazer minhas escolhas no passado e veja o resultado. — Courtney abriu um sorriso como se estivesse fazendo troça do próprio comportamento. — Dessa vez não vou tomar cuidado nenhum. Na verdade, eu estava tentando imaginar como faria para encontrar um homem aqui na fazen-da. Não me parece que teremos muitos pretendentes por aqui, muito menos depois que a notícia do que fiz com o pobre George se espalhar por aí. Serei uma pária da sociedade. E quanto a você, Cam?

Cameron a encarou com os olhos arregalados. O coração retumbava com tanta força no peito que ele chegou a duvidar se estaria sendo ouvido.

— O que eu tenho com isso?

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Courtney vestiu o casaco dele, as mangas cobrindo suas mãos. Ela, então, começou a dobrá-las.

— Você mesmo, como acha que posso encontrar alguns homens por aqui?

Para sorte de Cameron, ela não estava prestando atenção à sua reação. E ele, que estava prestes a fazer o maior papel de tolo de sua vida! Antes de qualquer atitude, ele decidiu respirar fundo e com isso amenizar a dor da angústia; tentando também manter o equilíbrio, uma vez que a terra parecia lhe fugir dos pés. Mais uma vez, os longos cílios toldaram-lhe os olhos claros.

— Não, Court. Não faço a menor idéia de como você pode-ria encontrar um noivo por aqui. — Cameron imaginou que não poderia haver dor maior do que ficar ali olhando-a enrolar as mangas do casaco, indiferente aos sentimentos que dilacera-vam seu coração. Sendo assim, decidiu se afastar. — Se não se importar, vou cumprimentar a família.

Courtney parou de ajeitar o casaco e o encarou com uma expressão de espanto.

— Você não vai me deixar agora, não é? Pensei que fosse me ajudar a arquitetar alguma estratégia para enfrentar meus familiares.

— Dessa vez não. Acho melhor você dar um jeito de sair dessa encrenca sozinha.

Dito isso, ele desceu rápido os degraus, contendo a vonta-de de sair correndo.

Courtney encostou-se em uma das pilastras, observando-o se afastar, desolada por não'ter nem seu melhor amigo como apoio.

— Pensei que você fosse para a mansão! — gritou ela, quando ele desviou do caminho para seguir em direção ao deque.

— Preciso pegar minha sacola! — Cameron respondeu, desaparecendo por trás de uma colina.

Parada diante da janela de seu quarto, Ashley limpou com a ponta dos dedos a mancha que sua respiração deixara no vidro.

— Aonde será que ele está indo?Jess o acompanhou com o olhar assim que ele deixou o

gazebo, ainda com esperança de que ele mudasse de direção.— Não faço idéia. Você acha que ele está partindo?

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Rae estava mais atrás, tentando ver o que se passava acima das duas cabeças à sua frente.

— Eu gostaria de saber por que Courtney não o está seguindo. Não é o estilo dela ficar para trás. Será que eles brigaram?

Acenando com a cabeça, Ashley vislumbrou a filha parada nos degraus do gazebo. Courtney estava com a cabeça baixa, acariciando a manga do casaco de Cameron.

— Olhem para ela. Acho que nunca a vi tão solitária, estou com o coração apertado.

— Não podemos deixar que isso aconteça — interveio Rae. — Estou quase indo até lá para ter uma conversa com os dois.

— Não se atreva! — Jess e Ashley a reprimiram em unís-sono.

— Calma, eu só estava pensando — defendeu-se Rae, piscando diante da veemência das outras duas.

Nenhuma delas confiava nas defesas bem intencionadas de Rae. Quando seus olhares se cruzaram, as duas reviraram os olhos.

— Então, que a atitude não saia da sua cabeça — advertiu Jess. Acho que você já fez o suficiente só em trazer Cameron até aqui.

— Não entendi. Como assim trazê-lo para cá? Se você acha que tenho alguma culpa, Jess, é melhor dizer agora.

Ashley segurou Jess pelo punho.— Não se dê ao trabalho de acusá-la de alguma coisa. Ela

irá negar.Rae sorriu.— Ora, você esperava que eu admitisse uma coisa que

não fiz?Jess interrompeu o suspiro ao ver a filha sair na direção do

rio.— Será que ela vai atrás dele?— Se ela tiver juízo... — alfinetou Rae.Ver a filha correr trouxe alívio ao peito oprimido de Ashley.

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Capítulo III

Cameron já estava saindo da embarcação com a sacola no ombro, quando Courtney apareceu correndo no deque.

— O que foi? — ele indagou, com a voz estudada e indife-rente.

Parando de repente, ela levou uma das mãos ao peito, enquanto aguardava a respiração voltar ao normal.

— Deixe-me levar o barco — pediu ela.— Não.A resposta enfática a tomou de surpresa, tanto que sua

primeira reação foi encará-lo, piscando os olhos seguidas vezes.

— Como assim, não?Cameron saiu do barco, postando-se ao lado dela.— Não — repetiu ele, dando a volta para se afastar,

quando foi seguro pelo braço.— E por que não?— Eu não preciso lhe dar satisfações. O barco é meu, e

não quero que você saia com ele.Courtney arregalou os olhos acinzentados e precisou se

conter para não chutá-lo. Imaginou o que ele pensaria de seu comportamento infantil se assim o fizesse.

— Então está bem — concordou, embora não escondesse o tom sombrio da voz. Depois olhou para ele e para o barco. — Pode ir até a casa, se quiser.

Soltando o braço, Cameron voltou na direção do barco e olhou para ela.

— Você não vem?— Ainda não. — Courtney balançou a cabeça e seguiu até

o final do pontilhão, sentando-se sobre a madeira e balançando os pés acima da água, evitando olhar para o lado.

Mesmo assim, sentia aquele par de olhos presos em sua nuca, deixando-a bastante desconfortável, mas não voltou atrás. Depois da breve espera, foi brindada com o som dos pas-sos dele se afastando.

Depois de ter certeza de que ele estava fora de vista, parou de balançar as pernas como uma garota. Lembrou-se de quantas vezes tinha esperado por Cameron naquela mesma posição. Não haviam sido poucas as ocasiões em que ficara saltitante no deque, pulando e acenando quando o barco

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despontava no horizonte. Podia vê-lo reagir quase da mesma forma, correndo de um lado a outro do convés, até debruçar-se sobre a amura-da do barco. Os cabelos loiros refletiam os raios de sol, e pelos movimentos do corpo, Courtney temia que ele pudesse cair da embarcação.

— Se você estivesse aqui agora, eu o empurraria para a água — ela murmurou. — E seria bem-feito. Acha que não sei manejar seu precioso barco?

Courtney ficou de pé e hesitou por um momento, enquanto olhava na direção da casa da fazenda, depois pulou para dentro da embarcação. Com a eficiência adquirida ao longo de anos de prática, Courtney se preparou para levantar a vela.

Foi a valise de Cameron jogada a seus pés que a fez parar o movimento. Porém não perdeu a postura desafiadora, os lábios apertados em uma linha fina, quando levantou a cabeça para olhar para a figura máscula e imponente à sua frente.

— Não havia necessidade de jogar a valise em mim. Eu podia ter me machucado — ela reclamou, na defensiva.

O brilho do olhar de Cameron poderia tê-la ferido se fosse uma adaga.

— Diga-me qual parte da minha negativa você não entendeu?

— Não estou gostando do tom que está usando comigo, Cameron.

— Para ser sincero, neste momento acho que não gosto de você, Court. — Ele viu Courtney recuar.

Se tivesse sido atingida pela valise, talvez tivesse doído menos. Parte da bravata dela se esvaiu, quando passou a brin-car com a ponta de uma corda.

— Você sabe que eu jamais causaria danos à sua embarcação — retrucou, sem encará-lo.

— Não era o barco que estava me preocupando — disse ele, depois de observá-la cabisbaixa.

— Então, qual a razão...? — ela o questionou, levantando a cabeça.

Cameron pulou no barco e puxou o cabo da mão dela, ten-tando manter a expressão de indiferença e a voz calma.

— Há uma tempestade se aproximando.Ao olhar para oeste, Courtney notou as nuvens escuras e

baixas que se formavam perto do horizonte.— Eu não tinha percebido.

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— Eu sei que não. — Cameron continuou parado ali, espe-rando alguma movimentação, mas ela não deu sinais de que mudaria de atitude. — Venha, Court, vamos até a casa.

— Não. Ainda não.Cameron soltou um suspiro de impaciência.— Está bem, então. Ajude-me a tirar o barco daqui. Ainda

temos tempo de guardá-lo antes de o temporal chegar.No segundo seguinte, Courtney jogou-se para cima dele

aos risos, beijando-o nas duas faces. Repetiu os agradecimentos centenas de vezes, como se fosse uma criança com a vontade satisfeita.

— Você não irá se arrepender.— Já estou percebendo a encrenca em que me meti —

provocou ele, ao se desvencilhar dos braços dela e virando-se de costas.

Parte da animação de Courtney se esvaiu quando Cameron lhe deu as costas. Ela o observou com atenção. O vento pressionava o tecido da camisa contra a pele morena, o corpo todo em inegável tensão.

— Cameron.Ele a olhou por sobre o ombro, as sobrancelhas arquea-

das como se a estivesse questionando. De súbito uma mecha do cabelo loiro caiu sobre a testa dele e Courtney precisou se conter para não afastá-la.

— O que foi?Por um minuto, ela ficou sem saber o que dizer. Sentiu um

nó no estômago e piscou seguidas vezes.— Não foi nada.Olhou na direção oposta, ansiosa para esconder os olhos

com medo de ele perceber alguma coisa e crivá-la de perguntas.

Depois de afastar o barco de perto do deque, Cameron passou o leme para ela, que se sentou em uma posição confortável, com as pernas esticadas para a frente. As mãos fortes ocuparam-se em fazer um complicado nó de marinheiro, embora não estivesse prestando atenção nenhuma aos seus atos. Os dedos ágeis enrolavam, introduziam uma ponta, a outra, fazendo um laço, para depois repetir todo o processo.

Courtney o observava enquanto segurava firme no leme, alinhando o barco e a vela com o vento. Admirou-se por nunca antes ter notado como ele tinha as mãos bonitas e imaginou o carinho que seria se aqueles dedos permeassem seus cabelos...

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Cameron percebeu que suas mãos eram estudadas e, soltando a corda, passou a observá-la de um lado e de outro.

— Aposto que não são tão macias quanto as de George Monroe, não é?

— Garanto que são mais competentes.Disfarçando a falta de jeito, ela desviou o olhar, temendo

deixar evidente o caminho que tomavam seus pensamentos. Era praticamente impossível olhar para aquelas mãos e não imaginá-las acariciando-lhe a pele sedosa. Poderia apostar que elas seriam capazes de capturar toda a sensação transmitida pelas ondas de arrepios que lhe varriam o corpo.

— Você está se cansando? — Cameron perguntou. — Seu rosto está vermelho. Talvez eu deva assumir o controle do barco.

— Não — ela respondeu sem demora. — Estou ótima. Dito isso, Courtney puxou a vela para capturar o vento em quase toda a sua potência. Se por acaso houvesse uma mudança de direção de repente, a retranca viria em sua direção, atingindo um dos dois, jogando-o no mar.

Os cabelos longos e negros de Courtney caíam em cascata sobre os ombros estreitos, esvoaçando conforme o vento. Como atrapalhavam sua visão, ela os enrolou e enfiou por dentro da gola do casaco.

— Você se lembra da primeira vez que saímos para velejar?— perguntou ela.

— Tínhamos capitães demais para marinheiros de menos— Cameron respondeu com um sorriso.

— Mas estávamos só nós dois.— Por isso mesmo...— Você se achava o dono da verdade.— Eu já estava trabalhando no barco de seu pai havia três

meses.— E verdade, mas você era o camareiro e não o capitão.— Naquela época eu achava que era a mesma coisa. Além

do mais, você era apenas uma...Courtney fez uma careta, terminando a frase por ele:— ...menina. Deve ter sido horrível para você ser derrota-

do por uma mulher.— Estranho... Não me lembro de ter sido superado. Nós

dois caímos na água, e você foi a primeira.— Claro, você me empurrou.— Você desobedeceu a uma ordem.

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— Imagine só! Eu estava no comando e não você. — Courtney abriu um sorriso largo, evidenciando a covinha na face rosada. — Bem, eu o fiz entrar na água, não fiz?

Cameron forçou um sorriso de deboche.— Só pulei na água porque você disse que não sabia

nadar. Mentiu para mim.— Sua atitude de salvar minha vida foi muito doce.— Eu estava defendendo a minha pele. Seu pai teria me

matado se alguma coisa acontecesse com você.O sorriso de Courtney sumiu de seu rosto. Os olhos foram

toldados pela desilusão.— Então foi só por isso que você pulou na água? Por causa

do meu pai?Claro que não. Ele já estava apaixonado. No entanto não

confessou nada, limitando-se a dizer:— Éramos amigos, Court.Cameron meneou a cabeça, esboçando um sorriso.— E verdade. Éramos os melhores amigos.Courtney moveu a vela para mudar de curso. O vento

agora batia de través, fazendo tremular a ponta da vela. Ela a soltou um pouco mais, permitindo que o tecido se inflasse, capturando o vento em um ângulo melhor. A embarcação deslizava pela água sem esforço algum.

— Para onde está nos levando?— Para Norfolk. Não é lá que o barco fica ancorado?— É onde está o Christobel. Tínhamos de descarregá-

lo.Mas não vamos tão longe assim. — Cameron foi bastante incisivo, para evitar que ela o contrariasse. — Não tenho intenção nenhuma de voltar. E eu sou o capitão agora.

— Um déspota e um tirano. — O riso fácil dele, sem nenhum sinal de desculpa ou remorso, deixou Courtney sem ação.

O vento crispou a vela, e ela puxou a retranca para evitar que Cameron desconfiasse que havia sido ela a tremer inteira e não o vento que mudara de intensidade. Aquele sorriso dribla-va qualquer resistência que ela pudesse ter.

— Ah, já entendi. Então vamos apenas até Jamestown — completou ela.

Tendo evitado um motim, Cameron se acomodou. Enquanto trabalhava com os nós, observava a maneira competente como Courtney velejava. Ela estava segura de

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cada movimento que fazia. Ao levantar o rosto a favor do vento, sua pele delicada assumiu um tom rosado irresistível.

— Em algum momento você precisará voltar para casa — ele observou.

— Sim, mas não será agora.— É verdade, principalmente se ainda não estiver pronta.

Courtney ficou em silêncio. Seus olhos, ao dardejarem as nuvens escuras, assumiram a mesma cor acinzentada mais forte que de costume. Na orla, os pinheiros abriam clareiras esbranquiçadas, lugares onde também os carvalhos desfolhados deixavam entrever os jardins imensos e amarronzados devido ao inverno rigoroso. Estradas de terra batida levavam até as magníficas casas de fazenda, construídas em tijolo vermelho aparente.

As águas caudalosas do rio James batiam e respingavam no casco do barco, voltando como se fosse um manto de pequenos diamantes.

— Eu não queria magoar George — disse ela em um ímpe-to. As lágrimas começavam a brotar em seus olhos. — Eu teria casado com ele se achasse que fosse possível.

Os olhos de Cameron estavam anuviados pelos cílios lon-gos, a aba do chapéu sombreando-lhe a metade do rosto.

— Você deixou de gostar dele?— Não sei... — Courtney o encarou sem ação. — Como é

que alguém descobre um sentimento assim? Não tenho certeza se cheguei a amá-lo algum dia. Só sei que gostaria muito de nutrir sentimentos mais fortes por ele. Sei que deveria...

— Deveria? O que a leva a essa conclusão?— Porque, dessa vez, eu tinha tomado todos os cuidados

necessários — respondeu ela, enquanto, impaciente, passava as costas das mãos para secar os olhos. — George tem idade compatível com a minha, é responsável e respeitado. Tudo nele é digno de admiração.

— E?— E... nada — ela respondeu baixinho. — Eu não suporta-

va o toque dele.Cameron se empertigou.— Court...— Não é que tenha sido sempre assim. Fiquei desconfor-

tável no início, mas depois me convenci de que talvez eu não gostasse de ser beijada; pelo menos não antes do casamento, certamente nem durante o noivado.

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— Isso é um absurdo.— É mesmo? Eu não acho. Isso acontece sempre. Acredito

que gosto da idéia de estar apaixonada, mas não se me inte-resso pelos acompanhamentos. Acho que a paixão não tem em meu coração uma moradia, Cam. Não sou igual ao resto de minha família.

Cameron estalou a língua.— E como é que você chegou a essas brilhantes conclu-

sões?Courtney ficou furiosa com o tom de chacota na voz dele.

Sendo assim, ela lhe deu as costas e se recusou a comentar o que quer que fosse. Cameron se aproximou e pousou a mão sobre a dela no leme.

— Desculpe-me. Eu não tinha intenção de fazer troça de você, principalmente porque o assunto a aborrece tanto. Mas o que eu posso fazer se é engraçado?

Ela puxou a mão, deixando-o encarregado do leme.— Eu não deveria ter contado a você. Desculpe-me se o

aborreci.— Não, Court, sou eu quem deve pedir desculpas. Eu juro

que sinto... — Cameron interrompeu a fala ao observar que as lágrimas voltavam a se represar nos olhos dela. — Ah, Deus do céu, eu não pretendia nada disso...

E tomando-a totalmente desprevenida, ele a enlaçou pela cintura e cobriu seus lábios com um beijo ávido, longo e profundo.

O barco começou a balançar, saindo do curso. Da mesma maneira intempestiva com que tinha iniciado o carinho, Cameron o interrompeu, reassumindo o leme e virando a vela para o outro lado.

— Lamento — desculpou-se porque achou certo, mas não que essa fosse sua verdadeira intenção.

Por sua vez, Courtney não reagira de forma fria ao beijo, ao contrário. Passado o susto inicial, ela correspondera com a mesma intensidade esperada.

— Existe paixão em você, Court. Eu não seria seu amigo se a deixasse com a impressão errada.

Ainda entorpecida pelo efeito do beijo, Courtney limitou-se a balançar a cabeça e, num gesto instintivo, cobriu os lábios com a ponta dos dedos. Outros já a haviam beijado, porém nunca foram correspondidos de maneira tão voraz. E ela contou isso a Cameron.

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Mas ele estava concentrado no barco, mudando a direção para estibordo, depois em direção ao porto, fingindo não ter ouvido nada. O céu estava escurecendo rapidamente. O barco corria sob o forte vento do começo da tempestade. Levantando a cabeça, ele deu um sorriso amargo.

Ainda sentia o gosto dos lábios de Courtney. Já estava arrependido, não deveria tê-la beijado. Impossível seria tirar aquele doce sabor da memória, ou o perfume dos cabelos negros. Sem contar que ela havia ficado ainda mais bonita com o rosto corado, mas não pela temperatura, e sim insinuando uma possível paixão. Droga, seria complicado tirar aquela cena da cabeça. Aliás, a convivência seria torturante.

Courtney baixou a cabeça, olhando para as mãos.— Lembra-se de quando me ensinou a colocar a isca no

anzol? Papai sempre me permitiu acompanhá-lo nas pescas, mas nunca me deixou segurar o anzol. Foi você. que me ensi-nou sobre bolinas e outras partes do barco, bem como a enro-lar a vela no mastro e fazer os complicados nós náuticos. Nós éramos bons amigos, não é?

Cameron continuou evitando olhar para ela, sem saber se apreciava o rumo da conversa.

— Sim, fomos muito amigos.— Você também me ensinou a subir no mastro da vela do

barco do meu pai. E como usar o canivete.— Foi Jericho que lhe ensinou.— Mas foi você que me ajudou a aprimorar meus conheci-

mentos.— Nós formávamos uma equipe — concordou ele, dando

de ombros.— Até hoje, ninguém sabe que fomos nós que esvaziamos

aquele barril de cerveja no porão. Lembra-se daquela mulher com quem tio Noah ia se casar?

— É improvável que eu esqueça Hilary.— Lembra-se de como ela chicoteava Big Billy por ser ler-

do? Nós cuidamos dele, depois, sem que ninguém nos aju-dasse, também mantivemos segredo quando ele nos pediu, lembra-se?

— Ele estava com medo que sua situação piorasse.— Isso mesmo. Nós cumprimos o que prometemos.

Durante anos, mantivemos segredos e promessas só nossas, com direito a selar fazendo o sinal da cruz sobre o peito e

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cuspindo no chão. Acho que amigos fazem mesmo essas coisas, não é?

— Algumas vezes sim... — divagou ele, demonstrando cer-ta cautela na voz e nos olhos.

Courtney afastou um cacho de cabelo, que lhe caía no ros-to, para atrás da orelha. Ele, por sua vez, estava com as feições agravadas, a linha do maxilar mais evidente.

— Me ensine como beijar, Cameron.— Não. — A resposta foi curta e decisiva.— Quero aprender tudo o que fazem os amantes.— Não! — vociferou ele, apertando a mão sobre o leme.— Ninguém precisa saber. Esse será o nosso segredo. -—

Não.— E se eu não achar que vamos nos casar por isso?— Ah, Deus é pai! — exclamou ele, revirando os olhos.— Essa não foi uma resposta muito delicada.Se não estivesse com ambas as mãos ocupadas, teria

esga-nado Cameron Prescott naquele instante. Pensando melhor, acabou se convencendo do contrário.

— Pare com isso, Court. Já disse que não. Toda amizade tem limites, pelo menos é assim que eu acho. Já disse que foi uma tolice beijá-la daquele jeito. Desculpe se lhe dei falsas esperanças.

— Já sei. Você não gostou do beijo. Fiz alguma coisa erra-da? — perguntou ela, a cor sumindo de seu rosto.

— Não se faça de boba. Você sabe muito bem que eu... — Cameron parou de falar para observá-la melhor e traduziu aquela expressão do rosto como uma manifestação de ansie-dade e incerteza. Ele procurou não deixar abertura para que Courtney seguisse com aquele plano maluco. Contudo, mesmo descartando a idéia, acabou dizendo:

— Eu gostei do beijo. Você aprendeu rápido.— Ah...— Você não precisa de mais aulas, mas sim da pessoa...— ...certa — completou ela. — Sei disso, mas você não

podia me ajudar a praticar?A situação estava piorando cada vez mais, pensou

Cameron.— Acho melhor não — ele decidiu por fim, mas já perce-

bendo que seria contestado.

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Sorte de Cameron que o tempo resolveu ajudá-lo a sair da situação embaraçosa. Um pingo grosso caiu sobre o ombro de Courtney, outro caiu em sua cabeça.

— Desça para a cabine.— Posso ajudá-lo.— Eu dou conta do barco sozinho — recusou ele,

balançando a cabeça. — Não há necessidade de nós dois nos molharmos. Estamos quase chegando em Jamestown. Eu cuido da ancoragem sozinho.

Courtney ficou em pé e começou a tirar o casaco emprestado.

— Está certo, mas pegue isso ao menos. A chuva começava a se intensificar.

— Desça já, Courtney. Agora — ordenou ele com voz fir-me, fazendo-a desistir de tirar o casaco e descer os poucos degraus até a cabine.

O barco era para uso comercial. No pequeno cômodo, havia a sacola de Cameron, mas nenhum outro pertence. Apesar de ser o único a usar o barco, ele na verdade o tomara emprestado da frota dos McClellan em Norfolk.

A única cama existente estava desarrumada. As canecas estavam penduradas sobre um pequeno armário ao lado do forno a lenha. Do outro lado havia uma pilha de lenha, cuidadosamente arrumada e presa por correias de tecido.

A pouca louça disponível estava disposta dentro do armário. Havia também uma pequena pia e um jarro de água. Courtney encontrou chá, café, açúcar e sal, um pote de geleia de frambo-esa e um pouco de carne-seca. Durante a primavera e o verão, aquele barco era usado para viagens turísticas entre Norfolk e a casa da fazenda.

Com extrema habilidade, Cameron levou o barco até a doca, que parou quando colocado contra o vento. Depois ele jogou a corda ao pontilhão para prendê-lo em um dos pilares. Em seguida, baixou e enrolou a vela para que não ficasse à deriva. Quando por fim desceu os degraus até a cabine, estava com a camisa ensopada. Ao baixar a cabeça, a água represada em seu chapéu de três pontas lhe escorreu pelo rosto. Em pou-cos segundos ele se livrou do chapéu, jogando-o para cima de Courtney, molhando-a inteira.

— Ora, essa atitude não foi nada gentil! — ela reclamou, colocando o chapéu sobre a chapa do forno para que secasse. — Fiz um pouco de chá. Está servido?

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— Se você completar a dose com um pouco de uísque, eu aceito.

Cameron puxou a camisa molhada, presa no cós da calça. A roupa grudada assemelhava-se a uma segunda pele.

— Acho que nas gavetas de estocagem sob a pia existe uma garrafa.

Courtney ajoelhou-se em frente à cama. Os lençóis que havia usado estavam limpos, mas ligeiramente embolorados. Levantou a ponta para que ficasse mais fácil abrir a gaveta.

— Achei! — anunciou ela, levantando a garrafa e olhando para Cameron por sobre o ombro, buscando aprovação.

Prendeu a respiração ante o espetáculo diante de seus olhos. Ele estava com o torso nu e simplesmente maravilhoso. O cabelo, dividido em mechas, era a fonte das gotículas de água que lhe brilhavam sobre a pele bronzeada dos ombros, para depois escorregar pelo centro do peito e músculos do abdômen como se fosse um rio divisor de terras.

Cameron não se envergonhou em insinuar que tiraria as calças, que também tinham aderido às pernas musculosas, evi-denciando o formato perfeito. Notando que estava sendo observado, ele enfiou os polegares no cós, movimentando-os em provocação.

— Espere um pouco. O que está fazendo? — perguntou Courtney, alterando o tom de voz.

Cameron riu alto.— Ora, vou tirar minhas roupas de baixo e gostaria muito

se você pegasse outras limpas na minha sacola.Colocando sobre uma mesa a garrafa de uísque, Courtney

revirou as roupas dele e encontrou um par de calças de caçar de pelica e atirou para Cameron por cima do ombro.

— Preciso de uma cueca também.O rosto de Courtney vestiu-se de uma máscara carmim.

Mordiscando o canto dos lábios de embaraço, ela encontrou a cueca e jogou para ele da mesma forma. A bem da verdade, ela mesma não entendia o embaraço, visto que costumava nadar no rio com Cameron desde os onze anos de idade. Além disso, havia sido criada em uma casa lotada de irmãos e tios, e vivido em um navio por meses, acompanhada basicamente de homens. Sem contar que já quase se casara três vezes. Por isso não sabia interpretar a razão para, de uma hora para a outra, perceber ondas de calor e frio percorrendo-lhe o corpo, arre-

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piando-se e suando ao mesmo tempo. Não se virou antes que ele se aproximasse por trás para pegar a garrafa de uísque.

— E você? Não quer um pouco no seu chá? — ofereceu ele.

Courtney assentiu com um sinal de cabeça. Naquele momento ela precisava definitivamente de uma dose de uma bebida forte.

O estrondo de um trovão a trouxe de volta do devaneio, levando-a a fechar a portinhola de saída para o convés, no exa-to momento em que um raio cortava o céu escuro. Virando-se, acabou encontrando algumas velas e acendeu-as, distribuindo-as pelo cômodo.

— Esta não será uma comemoração digna de véspera de Natal — comentou ele, estendendo-lhe uma caneca de chá.

-— Imagine que acabei esquecendo que dia era hoje. Acho que não incorporei o espírito de Natal ainda — ela confessou, para em seguida tomar um gole de chá. Por cima da borda da xícara de porcelana, surpreendeu-se estudando o tórax amplo de Cameron.

O rumo de seus pensamentos foi alterado pela culpa que a assolou. Sem querer, acabou por derrubar uma gota de chá no queixo. E antes mesmo que pudesse limpá-la, Cameron já se encarregava da tarefa, tocando-a com gentileza.

Cameron notou que ela tremeu inteira, tanto que por pouco não perdeu o equilíbrio.

— Esse casaco está molhado. E melhor você se enrolar em uma manta seca. Deve ter alguma na mesma gaveta onde você encontrou os lençóis. — Assim que tinha entrado na cabine, Cameron percebera a cama arrumada. E desde então vinha sendo uma luta frear os pensamentos. Ele pousou a caneca na mesa. — Preciso pegar uma camisa.

Ao virar-se de repente com esse propósito, acabou perdendo a expressão de alívio de Courtney.

Ela segurou o casaco, enrolou-se em uma manta desbotada e sentou-se de pernas cruzadas sobre a cama. A caneca quente esquentou-lhe as mãos, e o chá com uísque aqueceu-lhe a garganta. Claro, havia também um inexplicável calor em seu estômago.

— Quanto tempo mais acha que ficaremos aqui? Cameron terminava de prender a barra da camisa dentro

da calça. Não tinha abotoado todos os botões, deixando assim entrever a pele bronzeada do tórax.

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— Não tenho certeza de nada. Acredito que essa tempestade vai demorar a passar.

— Eu deveria ter considerado essa possibilidade antes de ter insistido para sairmos com o barco.

— O responsável sou eu, não você. Mesmo que tivesse me aborrecido de tanto pedir, eu deveria ter sido mais categórico ao negar. — Cameron retomou a caneca de chá e sentou-se ao lado dela na cama. — É uma pena que eu não saiba negar mais as coisas para você.

Courtney lembrou-se da conversa que haviam tido no con-vés antes de serem surpreendidos pela tempestade. Aquela tinha sido a última vez que ele lhe negara algumas coisas. E não foi uma única vez apenas...

Ao encará-la, ele pareceu ler o que Courtney estava pensando ao verbalizar:

— Esqueça o beijo, Court, além das outras coisas que quer que eu faça. Sua família confia em mim para cuidar de você.

Sem dizer nada, ela inclinou o corpo para o lado até que seus lábios ficaram a poucos centímetros dos dele.

— Então, por favor, tome conta de mim — pediu ela com a voz doce, pouco antes de tomar a iniciativa de beijá-lo.

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Capítulo IV

Salem McClellan colocou o pé na soleira da porta lateral da casa. A água escorria das mangas do casaco de couro. Tirou o chapéu e estendeu-o a Ashley, depois cumprimentou o resto da família, aconchegados na enorme cozinha. O aroma quente e convidativo de pão recém-assado e tortas doces não aplaca-va a expectativa daqueles rostos. Estavam todos ansiosos por notícias.

— O barco não está no cais — anunciou Salem. — Não há sinal de Courtney e nem de Cameron. Eles devem ter saído.

— Mas onde Cameron estava com a cabeça? — indagou Jess. — Não era de se esperar que ele visse a tempestade se aproximando?

— Não duvido que depois de todas as explicações, a culpa por isso não recaia nas costas de Courtney. Aposto que ele vai assumir uma parte maior do que lhe cabe nessa culpa, aliás é o que ele sempre faz.

Salem foi envolvido por uma sensação de temor pela filha e de culpa por ter, de certa forma, forçado a situação. Procurou por Ashley, mas ela não o acusou com o olhar, enquanto o aju-dava a tirar o casaco molhado.

— Cameron tomará conta dela, Salem. Ele a ama tanto quanto qualquer um de nós.

— Isso não abranda meus receios.Rae não pôde deixar de ouvir o irmão e rir.— Imagino se soubesse...— Que Cameron ama minha filha? Não sou tão cego quan-

to imagina, Rae. Acho que a única pessoa nesta casa que não entende isso é a própria Courtney. — Salem encarou cada um na sala. — Aposto que todos aqui relacionaram a chegada de Cameron a alguma arte de Courtney.

— Ora, seu... — Ashley bateu no peito do marido com as mãos em punhos.

— Não sei se sua surpresa me é lisonjeira. E errado um homem mostrar interesse pelo amor verdadeiro, ou isso é ter-ritório feminino?

— Acho que o Cupido era homem — comentou um dos irmãos, rindo.

— Ele era um bebê. Não é a mesma coisa — um outro falou discretamente, tapando a boca em seguida.

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A cor do rosto de Ruddy aproximava-se do tom de pele de Salem, mas Ashley o estava abraçando com tanta força que a sensação de tê-la tão próxima o enterneceu. Ele a envolveu com os braços, correspondendo ao carinho, enquanto sussurra-va-lhe ao ouvido:

— O que quer que eu tenha desejado para Courtney e Cameron, não incluía esse acontecimento. O clima está propício para uma neblina densa. Logo, logo, o rio estará todo envolvido.

— Quer dizer que não podemos fazer nada — declarou Ashley, erguendo o rosto.

— Por enquanto não, mas Cameron saberá como agir. Salem precisava acreditar no que acabara de dizer. Caso contrário, não sobreviveria à espera angustiante.

Os lábios de Courtney eram macios. Havia um fraco gosto de chá com uísque. Ela pousou a mão sobre a caneca de Cameron. Ele continuou imóvel, mas também não a encorajou a se afastar. Contudo, ela se retraiu e o encarou; estava faltando alguma coisa, embora não soubesse identificar o que era.

— Por que você não quer me ensinar a beijar assim?— Eu já lhe disse a razão.A chuva castigava o exterior do barco, balançando-o.

Cameron procurou concentrar-se naquele movimento e não no ressonar descompassado de seu coração.

— Eu não acredito nas suas razões. Tem alguma coisa errada comigo.

— Sim, você não enxerga nada diante do próprio nariz.— O que quer dizer com isso?— Não é importante. — Cameron deu uma resposta lacôni-

ca, levantando-se em seguida para ir encostar-se à escada.Na verdade, o que ele queria mesmo era ir ao convés e

ficar à mercê do temporal. A tensão era tanta que chegou a sentir dor no maxilar de tanto contraí-lo.

— Você está bravo comigo.— Não, estou furioso comigo mesmo.— E por quê?Cameron se abaixou, pegou a garrafa de uísque e juntou

mais dois dedos da bebida ao restante do chá em sua caneca. Depois de misturá-la bem, virou tudo em um gole só.

— Não é nada que você possa compreender. Digo, nada que eu possa compartilhar com você.

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— Pare de me tratar como se eu fosse uma criança! Sou uma mulher! — protestou Courtney, endireitando o corpo.

— Ora, então aja como tal. Comporte-se, tratando-me como um homem!

Um longo silêncio caiu sobre os dois, quebrado apenas pelos estrondos dos trovões e o tamborilar da chuva sobre a madeira do convés.

— Desculpe-me. Eu não deveria... — Cameron foi o pri-meiro a romper o silêncio.

Ao balançar a cabeça com veemência, a manta com que Courtney se cobria, deslizou, expondo-lhe os ombros.

— Não lamente, sei que é verdade. Eu não enxergo mesmo um palmo à minha frente. Foi isso que quis dizer, não?

— Não é tão importante — murmurou ele, dando de ombros.

— Claro que é.Naquele dia, tudo o que Cameron dizia ou fazia

despertava a conhecida faísca que lhe percorria o corpo todo, aloj ando-se no coração, trazendo, porém, uma boa dose de culpa.

Não era a primeira vez que Courtney se sentia aquecida daquela forma, mas só agora entendia o que significava. Ele era seu melhor amigo, mas o desejava de um jeito que não tinha nada a ver com amizade.

Infelizmente, ele não parecia desejá-la da mesma forma, pelo menos não dizia nada a respeito. Se bem que ele era um homem, de fato, e ela não tinha levado seus sentimentos a sério. Havia se apoiado na amizade para solicitar que lhe ensi-nasse os caminhos da paixão. Ele tinha razão em ter lhe negado carinho e ajuda quando não havia amor em seu coração.

— Sou eu que deveria ter pedido desculpas, não levei seus sentimentos em consideração, apenas os meus. Se bem que já o avisei que sou egoísta — acrescentou em tom de ironia.

Vendo-a daquele jeito, Cameron desejou nunca ter sucumbido ao amor. A paixão que nutria por Courtney não era para ser um fardo para ela, mas estava acontecendo justamente o contrário, e o peso da revelação tornava-se insuportável. Courtney estava cabisbaixa, os ombros caídos, o sorriso demonstrava bom humor, embora os olhos estivessem tristes.

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— Não é preciso acrescentar culpa. E impossível mudar o que sentimos.

Courtney balançou a cabeça e ergueu o olhar.— Amigos?Seguiu-se outro silêncio desconfortável, antes de Courtney

interrompê-lo.— Acho que tenho de fazer o sinal da cruz sobre o peito e

cuspir no chão para selar a questão.Ambos começaram a rir, dispersando o clima

constrangedor.— Tenho um maço de cartas na minha sacola. Quer jogar

um pouco, enquanto esperamos a chuva passar?A distração foi bem-vinda a ambos. Sentaram-se frente a

frente na cama e começaram a distribuir as cartas. Cameron era um jogador metódico, enquanto Courtney descartava quase todas as cartas que comprava; mesmo assim, ganhou duas das três partidas que jogaram.

Courtney juntou as cartas para embaralhá-las, mas uma delas escapou e foi parar sob o joelho de Cameron. Ela roçou a coxa dele ao puxar a carta esquiva. O toque foi o suficiente para que se arrepiasse, chegando a balançar um pouco a cabe-ça. Percebendo-se alterada, olhou para a frente na esperança de que ele não tivesse notado.Os olhos azuis estavam distantes e as feições de Cameron, estoicas.

Colocando a carta de volta ao monte, ela voltou a embara-lhá-las. De repente, por conta do silêncio absoluto, ergueu um dedo.

— Ouça!Cameron virou a cabeça para um lado e para o outro para

por fim questioná-la com o olhar. A única coisa audível ali era o barulho das cartas sendo embaralhadas.

— A chuva parou.— É verdade — concordou ele, olhando para o teto.No entanto, ainda não tinha resolvido se estava feliz ou

desapontado. Depois de virar as pernas para o lado, Cameron subiu apressado os degraus e seguiu para o convés, voltando pouco tempo depois.

— Continua ruim, Court, não iremos a parte alguma esta noite. A névoa está tão espessa quanto um chumaço de algodão. Não poderemos velejar nessas condições. Teremos de esperar o amanhecer.

— Mas hoje é véspera de Natal!

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— E amanhã será Natal. Eu realmente não posso fazer nada a esse respeito. É impossível passar as festas com sua família e fugir deles ao mesmo tempo.

— Eu não estava fugindo.— Ah, não? — ele a interrogou com ar cético.— Eu tinha intenção de voltar para casa esta noite.— Trazendo outro marido para lhe fazer companhia?— Como? Ah, sim, você se refere à ameaça que fiz a meu

pai. Tive tempo suficiente para reconsiderar e entender. Mudei de idéia, agora não quero mais me casar.

Cameron piscou seguidas vezes. Depois passou os dedos pelos cabelos molhados.

— Você nunca mais vai se casar — repetiu ele. — Quando foi que decidiu isso?

Quando decidi que pertenceria ao primeiro homem que encontrasse.

— Será que isso tem mesmo importância? — Courtney quis saber. — Eu já me decidi.

— Você é uma obra de arte, Court.— Courtney — corrigiu ela. — Quando você me chama

pelo apelido, sinto-me como se ainda tivesse doze anos de idade.

Por mais uma vez em poucas horas, ele a encarou espan-tado, piscando várias vezes seguidas. Courtney não se sentia pronta para pedir desculpas. Ao contrário, estava muito brava, por razões que ela própria desconhecida. Ainda aborrecida, voltou a embaralhar as cartas.

— Vamos voltar a jogar. Não há nada melhor a fazer.— Podemos dormir um pouco.Aquela era a última frase que ela gostaria de ter ouvido, a

razão de sua ira. Odiou-se por ser sempre tão transparente aos olhos de Cameron.

— Não podemos ir para a cama agora, eu nem sequer estou com sono — declarou ela, abrindo as cartas todas de uma vez em formato de leque.

— Avise-me quando quiser se deitar. Você fica na cama e eu durmo no sofá.

— Discutiremos a esse respeito depois. — Cameron esco-lheu um três de copas para descartar. — Sua vez.

O assunto morreu e não voltaram a discuti-lo, até que Courtney começou a fechar os olhos de tanto sono. Chegou inclusive a fazer alguns protestos sobre trocarem de lugar, mas

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nem sequer foi ouvida. Gentilmente, Cameron ajudou-a a desa-botoar os botões, virando-se de costas quando o vestido desli-zou até o chão e ela entrou debaixo dos lençóis. Ele pendurou o vestido em um gancho e arrumou uma cama no chão.

O ruído das pesadas botas de Cameron caindo no chão a manteve desperta. Quando as velas foram apagadas, ela ouviu o farfalhar dos lençóis.

Ao ouvi-la ressonar, ele percebeu que Courtney fingia res-pirar em uma cadência regular. Era fácil perceber, pois ele também costumava usar da mesma artimanha.

— Você não está dormindo.— Não. — Ela estava com os olhos abertos, olhando para a

escuridão. O barco gingou de um lado a outro, como se os esti-vesse embalando em um berço. — Não estou mais tão cansada. E você?

— Não. — Cameron hesitou antes de continuar. — Por acaso está com medo que eu possa atacá-la?

— Nem um pouco. Muito pelo contrário. Cameron suspirou, exasperado.

— Eu pensei que tivéssemos chegado a um acordo a esse respeito. Por que você está tão nervosa?

— Eu já lhe disse a razão. — Cameron virou-se para o lado de fora da cama. — Só que você não acredita em mim.

— O que quer que eu faça?— Eu quero você.E pensar que ele havia esperado a vida inteira para ouvir

aquelas palavras, que agora significavam tão pouco.— Não vou dar aulas de nada.— Também não é isso que eu quero. Só quero você.De repente Cameron se sentou, de modo que seu rosto

ficasse no mesmo nível do dela.— Como eu já disse, preciso treinar a dizer "não" para

você — concluiu com voz rouca, antes de tomar-lhe a boca com paixão.

Courtney permitiu que a língua ávida invadisse sua boca, explorando-a para em seguida sair e delinear-lhe os lábios da mesma forma. Aquela foi a sensação mais extasiante que ela conhecera até então.

Ao ficar de joelhos, Cameron tomou o rosto dela com as duas mãos e voltou a beijá-la com sofreguidão. Dessa vez per-mitiu-se mordiscar os lábios macios. A princípio, a resposta ao

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carinho veio de forma hesitante, mas logo Courtney pegou o ritmo, espelhando todos os movimentos dele.

De repente, Cameron escorregou os lábios, traçando-lhe a linha do maxilar com a ponta da língua, seguindo para pousar um beijo delicado em cada pálpebra, antes de voltar a beijá-la na boca.

As mãos de Cameron deslizaram para acariciá-la no pes-coço, agora com as dela por cima. A sensação daquelas mãos ásperas acariciando-lhe a pele aveludada quase a levou à loucura.

No minuto seguinte, eleja se insinuava na cama estreita.— Quero acender uma vela.Para não perder o contato, ele esticou o braço, tocando-

lhe os lábios com a ponta dos dedos. Sentiu-a consentindo com um movimento de cabeça.

— Courtney?— Está tudo bem, mas acenda a vela.Cameron acendeu duas. Os corpos refletidos na madeira

do barco faziam um jogo de sombras interessante. Os olhos de Courtney brilhavam mesmo no escuro. Ao entender a movi-mentação, ela se afastou até encostar as costas na parede para dar lugar para ele na cama.

— Você ainda não mudou de idéia? — ele quis saber.Só então ela percebeu o que Cameron tinha entendido do

seu pedido para acender as velas. A chama não seria apenas para vê-la, mas sim para lhe dar uma chance de repensar.

— Sei muito bem o que quero — declarou resoluta, levan-tando o lençol ao sentar-se. — Eu finalmente sei o que quero.

Cameron admirou o corpo esguio antes de acercar-se e beijá-la. Os dois caíram juntos sobre o colchão. Os dedos dele entremearam-se por entre os longos cachos, deixando-os escorregar tal qual a mais fina seda. Enquanto isso, ela passou as mãos pelos músculos do peito forte, subindo para os ombros largos, sem desprender os olhos do rosto dele. Em seguida tocou-lhe os traços marcantes, o maxilar, o nariz aquilino e as sobrancelhas. Por muito tempo acreditara que o conhecia bem. Porém, ao tocá-lo, deu-se conta de uma plenitude sensorial que jamais imaginara existir.

O beijo seguinte foi mais terno. Courtney entreabriu os lábios, procurando sorver a língua sequiosa que procurava des-vendar seus segredos. Enlevou-se quando sentiu o peso do cor-po dele sobre o seu.

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As tiras que lhe prendiam a camisola estavam frouxas. Cameron desatou os nós, para em seguida puxá-las com os dentes. Aos poucos a pele alva foi se revelando. Seguindo o curso do tecido, ele trilhou com pequenos beijos o caminho sinuoso do pescoço até o vão dos seios. Com o intuito de aumentar a expectativa, subiu de novo, assoprando-lhe a pele já levantada em arrepios.

— Isso faz cócegas.— Humm.A vibração da voz grossa surtiu o mesmo efeito.— Isso também faz cócegas.Courtney aprendia rápido, tanto que se virou para

também beijá-lo no pescoço, até mordiscar-lhe o lóbulo da orelha.

— Gostei dessa parte — confessou Cameron.— Eu também.O beijo seguinte foi ainda mais intenso, cada nova carícia

superando a anterior. A camisola de Courtney foi abaixada mais um pouco, revelando os seios fartos, logo cobertos pelas mãos de Cameron. Quando ela suspirou de deleite, ele cobriu-lhe a boca como se lhe quisesse sorver o prazer, ao mesmo tempo que friccionava os mamilos até senti-los intumescidos. Os lábios de Cameron eram ao mesmo tempo gentis e agressivos ao sugar-lhe os lábios com vigor.

Courtney continuava com a expedição pelos músculos firmes de Cameron, delineando-os com a ponta dos dedos. Inclinou a cabeça para trás quando ele capturou-lhe os mamilos, beijando um e outro com semelhante cobiça. Uma onda de calor correu sobre a pele fina do corpo feminino, alcançando regiões inimagináveis, concentrando-se no meio das coxas bem-torneadas.

Ao movimentar o corpo, procurando se ajustar, como se fosse possível fundir-se a ele, sentiu o órgão rijo pressionar-lhe o abdômen.

— Posso tocá-lo? — Courtney fez a primeira pergunta que lhe veio à cabeça.

Não foram poucas as vezes que Cameron imaginara fazer amor com Courtney. Eram sonhos que lhe povoavam a mente dia e noite, incitando-o a criar fantasias sublimes. Ele havia imaginado ser carinhoso, fazer amor com todo o vagar possível, aspirando cada arrepio, cada gemido, fazendo-a levitar com o mosaico de sensações.

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No entanto, tratava-se de Courtney McClellan, sua melhor amiga, companheira secreta, e por essa razão lembrou-se de que deveria seduzi-la com humor e leveza.

— Ah, claro que sim! — exclamou, escondendo-se na suave curvatura entre o pescoço e o ombro dela. — Pode tocá-lo.

Sem qualquer cerimônia, Courtney escorregou a mão por baixo da cueca, e ao segurar-lhe o órgão rijo, sentiu-o prender a respiração e retesar-se. Ao perceber-lhe a reação, ela pres-sionou-o de leve, sentindo a pele mover-se para cima e para baixo. Ouviu-se um gemido que poderia ter sido tanto de um como do outro.

Quando Cameron livrou-se da cueca, Courtney terminou de tirar a camisola. As duas peças foram atiradas para fora da cama. Fitaram-se detidamente, os olhos tão ansiosos quanto as mãos. Ela continuou acarinhando-o, agora nas costas, sentindo a suavidade da pele. Encantou-se com o veio da espinha que dividia os músculos das costas largas.

Cameron ocupava-se em espiralar os lábios pelos seios de Courtney, detendo-se para sugar os mamilos até ouvi-la supli-car por mais. Enquanto isso, insinuava-se com o corpo no meio das coxas dela. Sem dizer que estava pronta para recebê-lo, ela o enlaçou com as pernas longas, demonstrando seu desejo.

— Courtney?Em vez de responder, ela abandonou o pouco de cautela

que ainda a tolhia, movimentando os quadris, intensificando o contato íntimo. Com um gemido de prazer, Cameron a penetrou, beijando-a ao mesmo tempo, participando da glória que estavam prestes a alcançar.

— Estou machucando você? — indagou ele em um laivo de lucidez.

— Não... — Courtney sussurrou a resposta, os olhos pro-curando os dele. — Oh, Cameron, isto é muito mais do que eu esperava... É esplêndido!

Encorajado, ele a preencheu novamente com investidas firmes.

— Esplêndido?Ela respondeu com um aceno de cabeça e um sorriso

sereno nos lábios.Quando Cameron insinuou parar com os movimentos rít-

micos, Courtney colocou mais força nas pernas, impedindo-o de se afastar.

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— Não me deixe.Voltando a penetrá-la e a beijá-la, Cameron prometeu a si

mesmo que não a deixaria só, que continuaria amando-a para sempre. Beijos coroaram a promessa. Os dois, então, tornaram-se comerciantes de carícias, regozijando-se com o escambo de beijos por conforto, paixão por prazer... tudo regido pela mais completa atração e excitamento.

A dança sensual dos corpos diminuiu seu ritmo quando gritos em uníssono ecoaram pela cabine, coroando com perfei-ção o ato de amor. Cameron sentiu-a vibrar ao atingir o clímax. Buscando alcançá-la, ele tensionou o corpo e também liberou toda a sua energia e sussurrou o nome dela. E, antes que se desse conta, as palavras escaparam de sua boca.

Courtney descansava sobre o peito largo de Cameron, permitindo que a respiração e o coração voltassem ao ritmo normal.

— Você estava falando a sério?— Sobre o quê?Ela ergueu a cabeça para encará-lo, temendo pela

resposta tanto quanto pela ausência de alguma coisa.— Você acabou de dizer que me ama... E verdade?

Capítulo V

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Ashley bateu no espaço vazio a seu lado na cama. — Saia da janela. Não precisa tomar conta dela. Você mesmo disse que o nevoeiro não passaria antes do amanhecer.

Salem usou as costas da mão para limpar o vidro que se embaçara com sua respiração. Depois tateou a cama para dei-tar-se por fim sob a coberta que Ashley tinha levantado.

Virando-se de lado, encaixou o corpo e as pernas nas da esposa, passando-lhe a mão pela cintura.

— Tinha esperança de vislumbrar o barco daqui. Por Deus, Ashley, eu não tinha intenção de mandá-la embora de casa.

— Ela já tem idade suficiente para voar sozinha.A respiração de Salem fazia movimentar os longos fios de

cabelo da esposa.— Eu só esperava que ela tivesse mais juízo. Como é que

a criamos assim?Na escuridão do quarto que eles haviam dividido por vinte

anos, Ashley sorriu e pousou a mão sobre a do marido.— Nós a criamos bem. Neste momento, Courtney tem res-

ponsabilidade e bom-senso, onde quer que esteja. Deveríamos nos orgulhar por ela ter tido coragem de romper os noivados, todos os três. Nenhum daqueles rapazes lhe servia como mari-do. Ela foi sábia o suficiente para prever que o relacionamento não daria certo, mesmo que tenha chegado a essa conclusão em cima da hora da cerimônia.

— Fico feliz por não estarmos brigando. Cheguei a duvidar que você falaria comigo de novo.

— Você sabia que eu não ficaria em silêncio, mas estava preocupado com outras coisas. — Ashley enroscou os pés nos dele para esquentar. — Diga-mé uma coisa, se você tinha con-vidado Cameron para festejar o Natal, por que ficou tão bravo com Court quando ela rompeu com George?

— Eu não tinha certeza de que ele viria, ou de que, mes-mo que viesse, se adiantaria alguma coisa. Aliás, não sabemos nada a esse respeito também. Conforme a data do casamento ia se aproximando, pensei que estivesse errado quanto à nossa filha e George, e que eles estavam se dando bem. Qual não foi a minha surpresa quando, na última hora, ela resolveu que o pobre não lhe servia. Eu falei a verdade, Ashley, pelo menos boa parte do que disse. Courtney precisa parar de ficar noiva e cancelar o compromisso na última hora.

— Trazê-lo para cá foi uma boa providência.

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Salem deu uma tossidela e em seguida beijou-a na cabeça.

— Eu não ordenei nada. Escrevi apenas que a data do casamento estava marcada e o Natal se aproximando. Eu apenas sugeri que passasse as Festas conosco.

Foi Ashley quem quebrou o breve silêncio que se fez em seguida.

— Sei que Cameron a ama, Salem, mas você acha que ele é correspondido?

— Claro que eu te amo — confessou Cameron. Courtney não se importou com o tom de voz descompromissado com que a declaração foi feita e com a maneira como ele terminou o assunto, como se não fosse de importância alguma.

— Entendo — ela disse, sentando-se na cama e puxando o lençol para cobrir os seios. Lamentou por ele não ter sido tão enfático quanto esperara. Nada tinha mudado, ela é que fora ingênua demais para presumir errado. — Amigos? — indagou, inclinando-se para beijá-lo.

— Amigos — declarou ele em um sussurro. Observou-a empertigar o corpo com o coração pulsando na garganta, e antes que ela virasse a cabeça, chegou a ver lágrimas em seus olhos adoráveis. Procurou segurá-la, mas no momento em que pousou a mão sobre o ombro delicado, ela se soltou. Seus dedos apenas relaram na pele sedosa.

Ao deixar o lençol cair, Courtney enrolou-se na manta, levantou-se e foi à procura da garrafa de uísque, sentando-se no chão no canto oposto. Depois de servir-se uma dose, sen-tou-se mais perto do forno para se aquecer.

Já totalmente refeita, Courtney bebeu como toda a elegân-cia que lhe era peculiar, assumindo uma postura tranqüila.

— Está servido?Cameron balançou a cabeça em negativa.— Já deve passar de meia-noite — observou ela, aproxi-

mando-se da escotilha. — Hoje é Natal.A luz bruxuleante, a pele de Courtney assumiu uma cor

alaranjada, ressaltando-lhe a curvatura do ombro, sombrean-do o resto. Cameron admirou o quadro que faria inveja a qualquer artista.

— Mamãe gosta de contar como foi o primeiro Natal que passou na fazenda. Você conhece a história?

Não era bem aquilo que ele gostaria de ouvir naquele momento, mas preferiu não dizer nada. Courtney agia como se

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estivesse em choque, surpresa pela enormidade do que aconte-cera entre eles e como se desejasse esquecer.

— Nunca a ouvi.— Mamãe estava a apenas algumas semanas de me dar à

luz. Você não faz idéia de como ela estava, uma figura tão pequena e delicada, com uma barriga enorme. — Courtney interrompeu o relato para rir. — Ela costumava olhar para meu pai com o canto dos olhos, relembrando-o de que estava naquela condição por causa dele.

Cameron empalideceu, mas ela não percebeu.— Isso aconteceu pouco antes que a guerra chegasse às

nossas terras. Por toda a costa, as pessoas esperavam que a Inglaterra viesse invadir suas casas. Minha mãe sabia que os fazendeiros saudavam a manhã de Natal com tiros de canhão. Quando meu avô também soltou uma bala, minha mãe achou que a fazenda estava sendo invadida pelos britânicos. Como ela não conseguiu acordar meu pai, decidiu que defenderia a propriedade sozinha. Achou uma pistola que não estava nem carregada, para proteger a todos. Quando meu pai finalmente acordou, ele achou a cena das mais divertidas que já vira. Na verdade achou ridícula, pois ela estava descalça, usando uma camisola, naquele estado avançado de gravidez e brandindo uma pistola como se fosse enfrentar sozinha uma armada inimiga inteira. Ele dizia também que tinha sido o amor e não o medo que fora o responsável por seu coração bater na garganta.

A voz e as feições de Courtney abrandaram-se antes de ela continuar:

— Gostaria que alguém também me amasse assim. Que o amor não fosse ameaçado por uma situação bizarra.

— O que aconteceu depois?— Bem, minha mãe já tinha percebido o engano, mas

enfurecida pelo riso do meu pai, ela resolveu disparar a arma na direção dele.

— Não me diga que... — Cameron arqueou as sobrancelhas.

— Ela assumiu erroneamente que a arma não estava car-regada. Meu pai abaixou-se a tempo, a bala passou raspando para alojar-se na porta do estábulo. E ela desmaiou. Tia Rae foi testemunha, e segundo ela, foi por causa desse episódio que ela não quis se casar.

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— Ela mudou de idéia — comentou ele com um sorriso for-çado. — E você, Courtney? Vai mudar de opinião também?

Ela ignorou a pergunta, tomando mais um gole de uísque.— Deve ter sido um Natal e tanto.— Não desanime, pois você poderá reviver essa história.

Eu não me surpreenderia se estivessem nos esperando armados.

— Por que você acha isso? — Por um breve momentoCourtney pareceu perplexa, até Cameron olhar para a

cama e em seguida fitá-la. — Ah, sim, porque nós... — Ela preferiu terminar a bebida e não a frase. — Ninguém vai fazer nada, Cameron, porque eu não direi nada.

— Isso não quer dizer que eu também vá ficar quieto. Courtney baixou a caneca sobre a mesa com força.

— Eu o proíbo de abrir a boca!— Acho que você não tem muita escolha.— Quais são as suas intenções? — ela o questionou com

as mãos na cintura. — O que aconteceu aqui só interessa a nós dois.

— E o que aconteceu aqui, Cameron? Não, talvez essa não seja a pergunta correta. O que você esperava que acontecesse?

Cameron a segurou pelo pulso, forçando-a a se sentar na cama a seu lado.

— Fique aqui. Diga-me, qual é o seu desejo? Ou será que o que nos aconteceu foi uma lição apenas?

Courtney evitou olhá-lo nos olhos, prendendo a atenção na mão que lhe apertava o pulso.

— Foi uma lição de amor, mas não aquele que você consi-dera como meu desejo. Acho que você não quer saber o que se passa comigo, Cam, isso não aliviará sua consciência.

— Deixe que eu decida — ele retrucou, pressionando o pulso dela com carinho.

Eu te amo, Courtney tentou dizer, mas as palavras ainda estavam trancadas no seu coração. Respirando fundo, ergueu os olhos para enfrentá-lo de uma vez.

— Eu te amo, Cameron. Eu já tinha essa certeza quando me deitei com você, e o que aconteceu só solidificou minha opinião. Eu gostaria de ter descoberto isso antes, mas infeliz-mente não foi o que aconteceu. Talvez porque eu não estivesse preparada e não soubesse nomear o sentimento.

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Courtney parou de falar quando analisou a expressão do rosto de Cameron. Não conseguiu ver nada além de espanto. Tentou puxar o braço, mas ele não permitiu.

— Solte-me, Cam. Eu o avisei que era melhor que não soubesse. Eu sempre soube que você não sentia o mesmo por mim, portanto não seria muito justo que soubesse.

— Quero ouvir. Você disse que tentou me dizer antes, mas eu não ouvi, não foi isso?

— Você também não está me ouvindo agora. Solte-me. Ele obedeceu, mas somente durante o tempo de segurá-la pelos ombros.

— É isso mesmo que quer dizer, Courtney? Você realmen-te me... — Cameron fez uma pausa. Ela não estava ouvindo nada do que ele dizia.

Na verdade, linha levantado o nariz, virando a cabeça de um lado a outro, sentindo um cheiro de queimado.

— Acho que tem alguma coisa errada...Ao desviar o olhar, Cameron viu o chapéu sobre a chapa

do forno onde ela o tinha colocado algumas horas antes para secar.

— Agora é tarde.De um salto, Courtney se levantou da cama, enrolando-se

no lençol, tropeçando ao tentar correr para salvar o chapéu. Conseguiu pegá-lo com dois dedos e assoprar. Mas o esforço só serviu para espalhar cinzas e alastrar o fogo ainda mais. Derrubando-o no chão, tentou pisoteá-lo. O tecido escorregou para o lado. Ela não desistiu, passando a bater com um pé só e repetidamente.

Cameron se divertia vendo-a dançar, esmagando o chapéu como se fosse um inseto repugnante. Seu coração se encheu de carinho diante da cena de Courtney segurando o lençol com uma mão e o outro braço aberto para proporcionar equilíbrio. O cabelo cortinava-lhe o rosto, caindo sobre os ombros, o semblante concentrado na tarefa.

— Infelizmente só servirá para ser enterrado — declarou, parando de pular.

Cameron saiu da cama, enrolando a manta na cintura, parando apenas quando estava a poucos passos dela. Estudou aquele rosto querido com detalhes. Os lábios de Courtney estavam úmidos e ligeiramente abertos, as faces coradas, as sobrancelhas erguidas em sinal de dúvida e os olhos acinzen-tados brilhantes.

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— Court, não consigo me lembrar de um minuto em minha vida em que eu não a tenha amado.

Dito isso, ele a abraçou com ternura, e ao lado do chapéu em cinzas beijaram-se com paixão até quase perderem o ar.

Não se preocuparam sequer em dar alguns passos para voltar para a cama. Depois de chutar o que tinha sobrado do chapéu, deitaram-se no chão, a coberta e o lençol servindo de leito para os corpos que, sem demora, se enrascaram.

Amaram-se à exaustão, certos de que partilhavam em partes iguais o sentimento mais puro e profundo. Só perceberam o quanto o chão estava frio depois de aterrissarem da alucinante viagem do ato do amor, garantindo que as fantasias todas fossem realizadas uma segunda vez. E, de mãos dadas, resgatando os risos cúmplices da infância, voltaram para a cama e se abraçaram, procurando calor.

— Você vai se casar comigo, não vai?— Fui o primeiro homem que você viu.O sorriso de Courtney desapareceu de seu rosto ao se

lembrar das coisas que havia dito.— Fui muito insensível com você. Eu realmente não enxer-

go um palmo diante do meu nariz.— Bem, dadas suas opções e que sou o único homem à

sua frente, nada mais importa — ele assegurou, colocando o dedo indicador sobre os lábios dela.

Courtney beijou-lhe o dedo para depois tomar-lhe a mão e colocá-la sobre o coração.

— Por que você voltou para a fazenda, Cameron? Foi para passar o Natal?

Ele limitou-se a rir.— Quer ouvir que voltei por sua causa?— Só se for verdade.— Foi por causa do Natal... —Ao ouvir o suspiro de desen-

canto, completou: — E por você.Com as mãos fechadas em punhos, ela fingiu socá-lo, sen-

do impedida logo em seguida, quando Cameron prendeu suas mãos acima da cabeça. Tentou fugir dos beijos lascivos, mas não demorou a entregar-se a uma doce rendição.

— Voltei porque seu pai me mandou uma carta para Paris. Ele escreveu contando que a data de seu casamento com George Monroe estava marcada, e se eu me preocupasse de fato com você, que desse um jeito de estar presente.

— Meu pai fez isso?

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— Exatamente.— O que você acha que ele quis dizer?— Não sei. Talvez que eu tivesse de vir por ser seu amigo.— Ou talvez estivesse pensando outra coisa...— Bem, eu vim por causa dessa "outra coisa". Você já can-

celou o casamento. Isso quer dizer que não tenho de salvá-la de suas encrencas. De qualquer forma, você não me olhava como alguém que pudesse resgatá-la.

— Pois deveria. Você sempre foi meu ponto de referência, o termo de comparação a George, Tom e John. Eu tentei amá-los, queria ter sentido alguma coisa. Nenhum deles era você, mas eu estava cega, não enxerguei isso na época. — Courtney afastou uma mecha de cabelo que caíra sobre a testa de Cameron.

— Estou feliz que tenha me ensinado a conhecer meu próprio coração.

Ao inclinar a cabeça, ele a beijou na ponta do nariz.— E eu sou um afortunado por você não aceitar um "não"

como resposta.Uma salva de tiros de canhão deu as boas-vindas à manhã

de Natal na fazenda dos McClellan e à volta de Courtney e Cameron. Como filhos pródigos, foram levados à igreja e abençoados, sentindo-se ainda mais felizes por dividirem sua felicidade com os familiares.

Courtney se livrou do abraço apertado do pai.— Vou me casar com Cameron, papai. Não haverá noivado

dessa vez, só a cerimônia do casamento. O senhor me dá a sua bênção?

Salem não precisou questionar a filha se ela tinha certeza do que estava fazendo. Courtney estava segura de si, de um jeito que ele nunca tinha visto. Além disso, estava radiante ao olhar para Cameron.

— Esse era o desfecho que eu aguardei durante todos estes anos.

Quando Courtney se virou para Cameron, Ashley tomou a mão do marido na sua e apertou-a gentilmente.

E finalmente aconteceu o casamento depois de tudo. Ninguém se importou que os convidados, com exceção do padre e dos criados, fossem todos da família McClellan.

Salem deu a mão da filha para os cuidados de um homem que admirava. Ashley viu sua filha mais velha sair voando em plena felicidade. Um lenço passou de mão em mão discreta-

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mente entre as mulheres. Noah passou o braço pelos ombros de Jess ao ouvir Cameron declarar seus votos em alto e bom som.

Havia um banquete e presentes à espera do casal, mas em se tratando da família McClellan, houve uma divergência sobre a prioridade das coisas.

— E eu os declaro marido e mulher.As palavras foram ditas com toda a importância e soleni-

dade exigida, mesmo assim não foi o suficiente para apagar o brilho maroto dos olhos de Courtney.

Cameron levantou o véu e inclinou-se para beijá-la, não sem antes dizer:

— O que será que dirão se fizermos o sinal da cruz sobre o peito e cuspirmos no chão?

Com um sorriso amplo, Courtney enlaçou-o pelo pescoço e ficou na ponta dos pés.

— Amigos? — perguntou, já com os lábios encostados nos dele.

— Os melhores amigos.