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CH 100 – O Gosto do Amor – Laurel Ames CH 100 – O Gosto do Amor – Laurel Ames Laurel Ames - Gosto Do Amor Tempted Inglaterra, 1814. Ela era irresistível como fruto proibido O capitão Evan Mountjoy soube que os frutos proibidos eram os mais doces no instante em que conheceu Judith Well. E, quando ela jurou que não pertencia a homem algum, aumentou ainda mais o desejo que atormetava Evan! Judith já provara o amor e achara seu gosto amargo. Uma nova experiência, com certeza, não seria diferente. Então, por que Evan a tentava daquela maneira, embriagando-a de paixão? Digitalização: Cris Andrade Revisão: Ellen Copyright © 1996 by Barbara J. Miller

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CH 100 – O Gosto do Amor – Laurel AmesCH 100 – O Gosto do Amor – Laurel Ames

Laurel Ames - Gosto Do Amor

Tempted

Inglaterra, 1814. Ela era irresistível como fruto proibido

O capitão Evan Mountjoy soube que os frutos proibidos eram os mais doces no instante em que conheceu Judith Well. E, quando ela jurou que não pertencia a homem algum, aumentou ainda mais o desejo que atormetava Evan!

Judith já provara o amor e achara seu gosto amargo. Uma nova experiência, com certeza, não seria diferente. Então, por que Evan a tentava daquela maneira, embriagando-a de paixão?

Digitalização: Cris Andrade

Revisão: Ellen

Copyright © 1996 by Barbara J. Miller

Publicado originalmente em 1996 pela Harlequin Books, Toronto, Canadá.

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Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.

Esta edição é publicada por acordo com a Harlequin Enterprises B.V.

Todos os personagens desta obra, salvo os históricos, são fictícios. Qualquer outra semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

Título original: Tempted

Tradução: Maria Elizabeth Hallak Neilson

EDITORA NOVA CULTURAL

uma divisão do Círculo do Livro Ltda.

Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 - 11a andar

CEP 01410-901 - São Paulo - Brasil

Copyright para a língua portuguesa: 1997

CÍRCULO DO LIVRO LTDA.

Fotocomposição: Círculo do Livro

Impressão e acabamento: Gráfica Círculo.

CAPÍTULO UM

Devonshire County, Inglaterra. Abril de 1814.

Dois cavaleiros seguiam pela estrada, enfrentando uma chuva fina e insistente. Contudo, a chuva ainda não era forte o bastante para forçá-los a procurar abrigo. Aliás, o uniforme vermelho do homem alto e esguio, que o designava como sendo engenheiro do exército real, já estava muito desbotado, o que significava longos períodos de exposição ao mau tempo. O jovem capitão cavalgava rígido, como se cada movimento lhe provocasse dor, enquanto seu ordenança, alguns anos mais velho e alguns quilos mais gordo, ia quase relaxado,

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talvez porque se preocupasse apenas em conduzir os cavalos carregados com a bagagem.

Por fim, chegaram ao seu destino. Não uma vila espa-nhola, arruinada pela guerra, ou um vale perdido, no meio de Portugal, e sim uma autêntica casa de campo, no mais puro estilo inglês.

— Tudo parece tão diferente do que me lembro, Bose — Capitão Mountjoy observou.

— Estivemos longe daqui por dez anos, Evan, meu rapaz. Você era praticamente um garoto, quando partimos.

— Eu tinha quinze anos. Impossível que todas as lem-branças de Meremont fossem apagadas.

— Vamos ver se aquela sua avó, tão especial, ainda está viva. — O ordenança parou diante de uma construção pe-quena, alguns metros distante da casa principal, desmontou e bateu na porta, enquanto tentava enxergar pela janela de vidros empoeirados.

— O chalé está fechado. — A tristeza na voz de Evan era palpável. — Minha avó deve estar morta. Foi o que imaginei, quando as cartas cessaram. Bem, agora podemos ir.

— Ir embora? Quer dizer, partirmos, sem nem sequer investigar? Você está se esquecendo de que, talvez, eu queira descobrir se Joan continua a me ser fiel, depois de todos esses anos?

— Desculpe-me, Bose. Sou um idiota egoísta. Acabei me esquecendo de que você tinha um motivo para voltar aqui.

— E você também. Afinal, é o filho mais velho dessa família. Eles lhe devem algo.

— Não — Evan negou firme. — Não pretendo entrar na casa. Vá pela porta dos fundos e pergunte por Joan.

— Enquanto você espera aqui, na chuva? Vamos até o estábulo. Pelo menos os cavalos poderão descansar alguns minutos, num lugar seco.

Evan concordou em ir até o estábulo, o rosto viril traindo o cansaço. Bose desmontou e seguiu para a porta dos fundos da casa, enquanto o cavalariço não escondia o espanto diante do par. Mas o rapaz mal teve tempo de se refazer da surpresa, correndo para atender a dama que acabava de chegar, numa carruagem antiga. A mulher, percebendo a presença de Evan, dirigiu-se ao seu encontro, em vez de entrar em casa.

— Posso saber quem é você? — ela indagou, num tom seco e altivo.

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— Capitão Mountjoy, senhora.

— Eu sou lady Mountjoy. Casei-me com seu pai de boa-fé e dentro de certas expectativas. E digo-lhe, claramente, que você não é bem-vindo aqui.

— Sei disso. — O brilho dos olhos castanhos não de-monstrava irritação. — Passei apenas para saber se minha avó ainda estava viva.

— Ela morreu, em janeiro. Parece-me que lhe deixou algo. Você pode consultar os advogados dela, em Bristol.

— Não, não tire as selas dos cavalos — Evan falou ao cavalariço, entregando-lhe uma moeda.

Lady Mountjoy não gostava de ser ignorada e insistiu.

— Não há nada para você aqui.

— Eu sei. Estou apenas esperando que Bose volte da casa. Estão todos... bem?

— Perfeitamente bem, sem você. Não há nenhuma he-rança. Nada que lhe tenha sido deixado.

Evan sentiu o coração bater mais rápido.

— Meu pai... Então ele está morto? — A voz soava alta como a de um menino angustiado.

O silêncio da dama foi sua resposta. Por que a morte do pai perturbava-o tanto, se durante todos aqueles anos não recebera uma única carta do homem que lhe dera a vida? Por que doía tanto, quando mal se lembrava das feições austeras?

— Ela está aqui! — Bose entrou correndo no estábulo. — E tão feliz de me ver como no dia em que eu... Desculpe-me, senhora.

— Quem está aqui? — Lady Mountjoy perguntou, áspera.

— Uma conhecida minha... Joan.

— Que, ao que parece, é uma criada minha. Mantenha-se a distância.

— Bose, esta é a nova lady Mountjoy.

— E a nova dona de Meremont. Agora, vocês dois, sumam.

Bose abriu a boca para protestar, porém Evan o impediu.

— Está tudo bem. Eu não pretendia mesmo ficar. Apesar do cansaço e da chuva insistente, o jovem capitão tornou a montar. Antes de tomar a estrada principal, parou mais uma vez para contemplar a casa que um dia fora o seu lar.

— Nunca fui feliz aqui — ele murmurou.

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— Você não pode, simplesmente, ir embora assim, sem mais, nem menos. Você tem certos direitos! — Indignado, Bose mal controlava a raiva.

— Pelo visto, não tenho direito algum. Eu sabia que meu pai havia se casado outra vez, pelas cartas de minha avó. E também que a nova lady Mountjoy era muito "protetora" em relação aos direitos dos próprios filhos. Na verdade, não posso culpá-la. Vamos nos hospedar numa pousada até que você volte a falar com Joan e ela decida se irá, ou não, nos acompanhar.

— Acompanhar para onde?

— Provavelmente para a América, se bem que talvez... Bose! Que insensatez a minha! Você pode, muito bem, deixar o exército, casar-se com Joan e ter meia dúzia de filhos, gordos e saudáveis, aqui.

— De jeito nenhum! Eu não teria um momento de paz, sem saber em que confusão você podia estar metido. Por hoje, acho que podemos pernoitar na vila. De qualquer maneira, os cavalos estão exaustos e precisam descansar.

De repente, um cavaleiro aproximou-se a trote, os cabelos brancos molhados pela chuva.

— Então você está em casa! — o velho gritou, erguendo-se na sela.

— Pai! — A surpresa de Evan foi tão intensa, que se sentia a beira de sufocar, o coração batendo disparado no peito.

— Você pretendia seguir em frente, sem ao menos parar em casa?

— Não... sim — ele respondeu, aspirando o ar com so-freguidão, as costelas trincadas doendo horrivelmente. — Pensei que você estivesse morto. — Se seu pai não estava morto, por que lady Mountjoy lhe mentira deliberadamente?

— Mais uma razão para você parar em casa, não é?

— Não! Eu...

— Bem, pois agora você vai para casa comigo. Temos assuntos a resolver. Sua avó lhe deixou toda a fortuna. Ela sempre lhe preferiu, aos outros netos.

— Apenas porque ninguém mais se importava comigo.

— Bobagem. Eu sempre o tratei com justiça e tudo o que mereci foi ser ignorado durante dez anos.

— Mas você nunca... — Evan parou no meio da frase, percebendo que o pai, seguido de Bose, já cavalgava para o

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estábulo. Agora, não lhe restava outra alternativa a não ser concordar. Por outro lado, parte de si queria estar um pouco mais com o pai. Será que ele o havia perdoado, depois de todo esse tempo? Não, melhor não alimentar esperanças vãs.

Evan desmontou com esforço, contendo um gemido de dor. Molly, a égua, relinchou de contentamento ao ver-se num lugar seco e livre de seu fardo.

— Vamos entrar — lorde Mountjoy falou, vencendo a distância que separava o estábulo da porta dos fundos da casa. A chuva fina agora se transformara num verdadeiro aguaceiro. Minutos depois, os dois estavam na biblioteca, Evan parecendo mais desconfortável do que nunca.

— Vocês mudaram a decoração.

— Não, não mudamos. A biblioteca foi sempre assim.

— Não é como eu me lembro.

— Você era um garoto, quando saiu de casa. E natural que as coisas lhe pareçam diferentes.

Ignorando o convite do pai para sentar-se, porém, acei-tando o oferecimento de conhaque, Evan postou-se diante da lareira, até sentir que as roupas começavam a secar. Claro que a umidade continuava agarrada à sua pele, contudo, estava tão acostumado àquela sensação, que já não se incomodava. Outros pensamentos, e preocupações, exigiam sua atenção imediata. Por que lady Mountjoy lhe mentira? Seria pelo prazer de lhe dar uma má notícia? Embora não pudesse dizer que amava o pai, a idéia de sabê-lo morto era inquietante.

— Como eu já lhe disse, sua avó o deixou muito bem. De fato, as esperanças do coitado do Terry foram por água abaixo.

— Terry?

— Seu irmão, lembra-se?

— Sim, claro. Eu não estava pensando.

— Você não costuma pensar.

Evan sorriu. Nada, em todos esses anos, havia mudado. Se seu pai o tivesse recebido de braços abertos, teria es-tranhado. Afinal, crescera ouvindo comentários negativos sobre o seu comportamento. Entretanto, a figura paterna sofrera algumas alterações. Os cabelos, embora fartos, estavam quase todos brancos, o rosto enrugado, o corpo mais pesado na região da cintura. Entretanto, não havia sinal de debilidade, de enfraquecimento de caráter.

— O que houve com o seu rosto? — Lorde Mountjoy perguntou.

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— O quê?

— Você tem uma cicatriz no queixo e, olhando mais de perto, outra na testa.

— Não me lembro de quando fui ferido. Não tem importância.

Lorde Mountjoy tocou uma sineta, como já fizera diversas vezes, sem muito sucesso.

— Bose deve ter colocado a cozinha em polvorosa, com as suas histórias — Evan comentou. — Aposto que os em-pregados não ouviram a sineta.

— Não duvido de que você tenha razão. Espere um ins-tante. Gostaria de lhe apresentar alguém.

Sabendo quem seria essa pessoa, Evan serviu-se de mais uma dose de conhaque e virou-se, muito ereto, para a porta, desejando poder observar o efeito que causaria na "madrasta".

Ela entrou na biblioteca, puxando, nervosamente, uma mecha dos cabelos castanhos. Porém, apesar do rubor, fitou-o, altiva, como se o desafiasse a afrontá-la.

— Posso apresentar-lhe lady Mountjoy? Meu filho, Evan.

— Que prazer em conhecê-la afinal, minha cara senhora.

— Da mesma forma. — Ela sentou-se numa poltrona e continuou a fitá-lo, uma expressão confusa no olhar. Sim-plesmente não conseguia entender por que o recém-chegado não revelara o encontro entre os dois.

— Você gostaria de beber alguma coisa, querida? — Lorde Mountjoy perguntou, solícito. — Oh, onde estão as meninas?

— Foram até Wendover. Só espero que tenham o bom senso de ficar por lá, até que pare de chover.

— Você vai conhecer Judith e Angel à hora do jantar.

Ouvindo as palavras do pai, Evan lembrou-se de sua avó mencionar o fato de que a nova lady Mountjoy tinha duas irmãs mais jovens.

A porta foi aberta de repente e um garotinho, de mais ou menos seis anos, entrou correndo, trazendo nos braços um cachorrinho. Percebendo que o menino avançava na direção de seu pai, Evan pensou em impedi-lo, sabendo que lorde Mountjoy nunca tivera paciência para brincadeiras infantis. Entretanto, o velho recebeu o garoto cheio de sorrisos e ainda aceitou segurar o cachorrinho no colo. Evan experimentou uma pontada de tristeza. Nunca, quando criança, o pai lhe reservara

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aquele tipo de tratamento, lembrando-se de sua existência apenas para chamar-lhe a atenção, mandando-o ficar com os ombros eretos, ou não falar com a boca cheia.

Quando lorde Mountjoy apresentou-o ao menininho, Tho-mas apertou-lhe a mão com firmeza, à maneira de um adulto. Evan sorriu, desejando que a criança tivesse melhor sorte ali dentro do que ele tivera.

Uma batida firme na porta, seguida da entrada de uma mulher magra e severa, o rosto preocupado, interrompeu o momento.

— Eu devia ter imaginado... — a mulher falou, os olhos se suavizando apenas ao fitar o garotinho. Porém, ao perceber a presença de Evan, o rosto ainda jovem tornou-se quase agressivo, como se contemplasse um intruso indesejável. Como era que um estranho tinha permissão para encostar um dedo no seu queridinho?

— Este é meu filho mais velho, Evan — lorde Mountjoy explicou. — E esta é Miranda, a babá de Thomas. Agora vá, Thomas. Vá levar o cachorrinho de volta para o estábulo. Ele não pode ficar dentro de casa.

— Isso mesmo — a babá concordou. — Essa coisinha horrível e suja nunca mais porá as patas dentro do quarto de brinquedos.

— Eu também vou me retirar. — Lady Mountjoy ficou de pé. — Suponho que devamos mandar matar um novilho gordo, se tivermos tempo de prepará-lo para o jantar.

— Tenho certeza de que você saberá o que fazer para a ocasião, querida.

Observando-os sair, Evan não pôde deixar de imaginar o que a babá diria a seu respeito. Provavelmente, também o chamaria de coisa horrível e suja, uma criatura que deveria ficar confinada ao estábulo. De súbito, um cansaço terrível o invadiu, fazendo-o vacilar. O conhaque, aliado à fraqueza causada pelos vários dias de cavalgada e muitas noites insones, estavam mostrando seus efeitos.

— Estou ouvindo a voz de Bose. Você pode ficar no seu velho quarto. Terry está no quarto que era de Gregory e não vejo motivo para tirá-lo de lá.

A menção de seu irmão morto, atingiu-o como um golpe. Sem dizer uma palavra, Evan saiu da biblioteca e pôs-se a subir a escada que conduzia aos dormitórios. Vinte e cinco anos de idade e sentia-se como se tivesse cem. Os joelhos doíam, as costelas trincadas o afligiam, a cabeça latejava. Então, era como se ouvisse a voz de sua avó, dizendo:

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— Seu quarto fica no alto da escada, à esquerda.

— Será que, algum dia, tornarei a ocupá-lo? — ele perguntara.

— Não sei, meu menino.

Evan entrou e sentou-se na cama, observando Bose ajeitar a bagagem. No quarto pequeno, além da cama, cabiam apenas uma escrivaninha e uma cadeira de madeira. A pouca bagagem teve que ser empilhada sob a única janela, ao lado da lareira.

— Você me parece exausto, rapaz. Dê-me essas roupas molhadas e durma até a hora do jantar.

— Talvez o capitão devesse ser você — Evan brincou, livrando-se do uniforme e ajeitando-se sob o lençol inteiramente nu, à exceção das bandagens que lhe cobriam os ferimentos.

Algum tempo depois, ele acordou, os membros parecendo pesar uma tonelada. O corpo inteiro doía, especialmente as costelas e os joelhos.

— Bose? — Evan chamou, baixo.

— Ele adormeceu, mas posso chamá-lo, se você quiser — a mulher falou, colocando o material de costura de lado.

A voz era firme, porém gentil e Evan fitou-a, confuso. Não que fosse incomum acordar com uma mulher no seu quarto, mas, em geral, lembrava-se de quem se tratava. Quanto a essa beleza bem à sua frente, não tinha recordação alguma. Os cabelos loiros, os olhos azuis e suaves, os lábios generosos, prontos para serem beijados... Não, não poderia ter se esquecido, se já a tivesse visto.

— Posso trazer-lhe alguma coisa? — ela perguntou, levantando-se da cadeira desconfortável.

— Queria apenas saber o seu nome. Acho que não ouvi bem.

— Judith. Sou sua tia, agora que penso no assunto. — Ela sorriu.

— Ah, eu não tenho tia. — E se tivesse, Evan pensou, não estaria me sentindo assim, excitado...

— Pois saiba que tem duas tias agora, embora mais jovens do que você. Angel e eu somos irmãs de Helen. Desculpe-me, eu não deveria estar aborrecendo-o, quando nem sequer acordou direito.

— E nem deveria ficar aqui — ele concordou, lembrando-se de que estava nu, sob os lençóis.

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— O coitado do Bose estava exausto, cochilando do lado de fora, e mandei-o descansar no próprio quarto. — Judith parecia ter problemas em manter o olhar longe do peito e dos ombros de Evan.

— Temos andado afastados da civilização durante um longo tempo.

— Ele é sempre assim? Dedicado como um cão fiel?

— Mais como uma babá mandona, na maior parte das vezes. Agora que estou pensando no assunto, acho estranho que Bose tenha acatado a sua ordem.

Judith deu de ombros e sorriu.

— Você precisa dele nesse momento?

— Não, deixe-o dormir. Quer você acredite, quer não, era ele quem tinha pressa de chegar aqui.

— Ah, sim, nossa Joan. Ela não tem falado de outra coisa, desde que vocês chegaram. Também nos contou que vocês dois cavalgaram mais de duzentos e quarenta qui-lômetros em menos de três dias, enfrentando um tempo horrível.

— E o que estamos acostumados a fazer.

— Sim, eu sei — ela falou sem disfarçar uma certa tristeza.

— Então você... tem acompanhado as notícias sobre a guerra?

— Sim. Costumava ler tudo o que saía no Times — Judith explicou, não mencionando que também lia as cartas que ele mandava para a avó.

— Eu gostaria de ter podido ler algumas edições, para saber se as reportagens aproximavam-se, ainda que de leve, da realidade terrível dos fatos.

— Sua avó guardou os jornais. Posso pegá-los para lhe mostrar mais tarde. Talvez seja melhor você não descer para o jantar, pois tenho a impressão de que está com um pouquinho de febre. — Ela quase o tocou na testa, mas se conteve.

— Oh, não, vou descer sim. — Evan sentou-se na cama, parecendo muito animado, apesar da bandagem ao redor do peito.

— Tenho certeza que sim — Judith murmurou, retirando-se depressa, antes que ele a visse corar.

Judith fechou a porta do quarto, que dividia com Angel, e encostou a cabeça na parede, tentando acalmar as batidas do próprio coração. Quando Terry ficara ferido, ela ajudara a tratá-

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lo, porém nunca experimentara essas sensações tão esquisitas. Talvez, porque Evan fosse, exatamente, como imaginara. Bonito, músculos bem torneados, exalando vi-rilidade. Os cabelos castanhos e lisos, caídos sobre a testa de uma maneira quase displicente e a cicatriz no queixo, sob a barba, apenas lhe aumentava o charme. Os olhos, também castanhos, pareciam enxergá-la por dentro, fazendo sonhar...

Era melhor parar por ali. Jamais poderia existir algo entre os dois. Ele era o herdeiro de lorde Mountjoy e, com certeza, iria casar-se com alguém do mesmo nível social. E esse não era o motivo principal pelo qual devia manter-se afastada.

Por que será que Evan a atraíra tanto? Talvez, porque o invejasse. Ele fora praticamente renegado pelo pai, porém, não se deixara acovardar, nem se encolhera num canto. Em vez disso, dera um rumo à própria vida, enfrentando os obstáculos impostos pelo destino. Se ela tivesse tido coragem de agir da mesma forma...

Através da avó de Evan, passara a conhecê-lo e as cartas também foram um meio de lhe entrever a alma. Ele fazia descrições detalhadas da vida no acampamento e falava, com entusiasmo, sobre a comida e os costumes dos países pelos quais passava. Podia-se até pensar que se tratava de alguém se divertindo numa longa viagem de turismo, e não de um soldado, em meio ao calor da batalha.

Claro que Evan se esforçava para não preocupar a avó e fora essa dedicação e carinho, ainda que a distância, que a fizera admirá-lo. Sem saber, ele levara conforto e afeto à avó nos momentos finais. Mais uma razão para Judith considerá-lo um homem muito especial.

Porque acabara voltando a dormir e Bose só o acordara depois das dezessete horas, Evan foi o último a entrar na biblioteca, local onde a família costumava se reunir antes do jantar. Lady Mountjoy dava a impressão de estar irritada, seu pai reservado e Judith amigável. Uma mocinha, Angel, o fitava com particular interesse. Ela lhe parecia muito jovem e bonita para ser real. Porém, bastou vê-la sorrir e abaixar o olhar coquete, para que o encanto se dissolvesse. Apenas um exterior bonito, sem qualquer essência. De repente, alguém se aproximou.

— Terry? — ele indagou, incerto.

— Olá, Evan. Pensávamos que você estivesse morto. — Terry apertou a mão do irmão, espalhando um cheiro de conhaque ao redor.

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Nesse instante, lorde Mountjoy ajudou a esposa a levan-tar-se e começou a caminhar para a sala de jantar. Evan estava virando-se para Judith, quando Angel o tomou pelo braço. Judith, simplesmente, ergueu os olhos para o céu, fazendo-o querer rir.

— Você não é tão velho assim — Angel confidenciou, examinando-o com atenção. — Pensei que vinte e cinco anos fosse muito, mas você parece ter a idade de Terry.

Evan sorriu, perguntando-se como sobreviveria ao jantar. Entretanto, nada deixou transparecer, quanto aos pensamentos íntimos. A mesa de seu pai, iria comportar-se com discrição, não como Terry, que se debruçava sobre o prato de comida como um animal faminto. Evan lembrava-se bem das inúmeras vezes em que, morto de fome, se atirara sobre um pedaço de pão seco, ou um naco de carne mal cozida. Mas havia um lugar e uma ocasião para tudo.

Lorde Mountjoy fitou Terry e, apesar do desgosto apa-rente, não disse nada, apenas desviou o olhar. Será que o velho tirano estava amolecendo? Evan bebeu um pouco de vinho, tentando esquecer a dor nos joelhos. Cavalgar, mesmo que longas distâncias, nunca o incomodara, porém, depois de ter sido pisoteado em Bordeaux, no mês anterior, seus joelhos passaram a irritá-lo noite e dia. Apesar da opinião de Angel, sentia-se gasto, envelhecido, indiferente a qualquer coisa que pudesse lhe acontecer.

— Acho que seu irmão merece ser respondido — lorde Mountjoy o advertiu.

— Desculpe-me, eu não estava prestando atenção.

— Eu apenas lhe perguntei se você participou de muitas as — Terry repetiu.

— Sim.

— Ai está sua resposta, Terry. Sim, ele participou de muitas batalhas.

Percebendo o sarcasmo na voz do pai, Evan sorriu.

— Esse tipo de conversa não é particularmente recomendado para a mesa, pelo menos não na presença de crianças.

Angel ergueu o queixo, os olhos brilhando, desafiantes.

— Neste caso, vamos deixá-los a sós para tomarem um porto e falarem sobre a guerra. — Lady Mountjoy levantou-se, fazendo sinal para que Judith e Angel a acompanhassem.

Embora mal tivesse tocado na comida em seu prato, Evan percebeu que a refeição estava terminada.

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— Você sempre soube como esvaziar uma sala — lorde Mountjoy comentou satisfeito.

— Não me lembro disso.

— Além do mais, a sua memória é seletiva, algo muito conveniente.

— Não sou criança — Terry resmungou, servindo do ené-simo copo de vinho.

— Nunca disse que você fosse — Evan respondeu, rápido.

— Então, a quem você estava se referindo?

— Judith e Angel.

— Mas Judith tem vinte e quatro anos.

— É mesmo? Se é assim, por que ainda não se casou? — Como era que aquele tesouro passara despercebido aos olhos dos homens em geral?

— Porque não vem de uma família rica.

— Estou pensando em dar-lhe um dote — lorde Mountjoy explicou. — Uma moça tão boa e que me ajuda tanto merece ser tratada de maneira especial.

Evan fitou o pai, uma expressão estranha no olhar. Lorde Mountjoy sempre tivera uma fama, merecida, de envolver-se com todas as mulheres disponíveis. Lembrava-se das dis-cussões entre os dois e das tentativas de defesa do pai. Tentativas, aliás, ridículas e pouco convincentes.

— Como é que ela o ajuda? — Evan perguntou secamente.

— Mantém a biblioteca em ordem, cuida da correspon-dência... Maldição! Você tem uma mente suja, rapaz — seu pai explodiu, compreendendo a insinuação maldosa. — Como você acha que Judith podia me ajudar?

— Não sei. É por isso que perguntei.

— Eu a considero uma filha. Uma alma boa demais para viver sob este teto.

— Não posso deixar de concordar. Por favor, desculpe-me. Uma vez que você me convidou a ficar aqui, eu estava de-cidido a comportar-me com educação. Sinto muito.

— Não se preocupe. Você nunca me tratou com conside-ração antes, por que iria começar agora?

Um silêncio pesado se estendeu durante alguns segundos e foi Terry quem tratou de dar um novo rumo à conversa.

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— Então você esteve em muitas batalhas?

— Sim, mas tudo parece ter se tornado uma coisa só. Eu estava sempre com lama até os joelhos, trabalhando na construção de trincheiras, ou com água até a cintura, tentando erguer uma ponte.

— Você não participou das ações?

— O suficiente.

— Terry, você não percebe que seu irmão prefere não falar no assunto?

— Oh, bastava me dizer. — Terry bebeu o resto do vinho num só gole.

— Você vai ter uma dor de cabeça tremenda amanhã — Evan comentou preocupado.

— Desculpe-me, mas não é todo dia que alguém perde o lugar que já considerava seu. Acho que vou me deitar. Boa noite.

— Ele costuma beber sempre assim? — Evan perguntou ao pai, tão logo os dois ficaram a sós.

— Seu irmão nunca teve o seu autocontrole. Porém, não, Terry não costuma beber sempre assim.

— Eu estava querendo lhe perguntar sobre vovó. Como foi que ela morreu?

— Quem pode dizer, com certeza? Suponho que tenha sido o coração.

— Eu sei que ela estava velha, doente. Mas... ficou so-zinha, no final?

— Por Deus! Você acha que eu não tenho sentimentos? Mesmo que a pessoa em questão seja a ex-sogra? Claro que ela não foi abandonada. Eu lhe fiz companhia e Judith também. Se quer saber o que sua avó disse, fale com Judith, que a amparou mais do que ninguém.

— Obrigado. Não era minha intenção acusá-lo de negligência.

— Você não tem o direito de me acusar de nada!

Os dois homens fitaram-se fixamente. Nos olhos do pai, Evan leu raiva, ressentimento e desaponto. Nada que o sur-preendesse. Desde que se entendia por gente, sempre de-sapontara o pai.

— Você vem, ou não? — Lorde Mountjoy indagou, levantando-se.

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Evan seguiu o pai até a biblioteca, onde vários candela-bros haviam sido acesos para que as damas se entretivessem com bordados, ou costura. Ele sentou-se num lugar de onde podia observar Judith, desejando, desesperadamente, fazer perguntas sobre a avó. Contudo, ali não era o lugar, nem o momento.

A conversa se arrastou durante alguns minutos. Embur-rada, Angel debruçava-se sobre o bordado. Judith costurava uma camisa, com pontos pequenos e delicados, enquanto lady Mountjoy tricotava uma roupa tão pequenina que só podia ser para... Claro, Evan pensou, olhando para a cintura da esposa de seu pai. Ela estava no início de uma gravidez. Talvez isso explicasse o mau humor de lady Mountjoy, a raiva irracional com que o tratava. Dali em diante, teria cuidado para não contrariá-la. Só lhe faltava ser acusado de fazê-la abortar...

— Perguntei-lhe se seus cavalos são andaluzes? — Lorde Mountjoy gritou. — Você está surdo?

— Talvez um pouco, por causa do bombardeio. Sim, dois dos meus cavalos são de Andaluzia. O potro, eu trouxe de Portugal. Bose continua com o mesmo animal com que saiu da Inglaterra. Estranho que ele tenha sobrevivido, quando...

— O quê?

— Nada.

— Eu ainda não vi os animais direito — Judith falou. — Como são eles?

— Adoráveis, quando bem alimentados. Você pode montar minha égua, depois que ela estiver descansada.

— Não costumo montar.

— Você gostaria de tentar?

— Não dou muita importância a isso.

Embora não soubesse por que, Evan estava certo de que Judith mentira. Só não conseguia entender a razão. Assim como também não conseguia entender os olhos azuis, ba-nhados de lágrimas. Sentindo-se chateado por havê-la ma-goado, ele pediu licença e foi para a cama.

Bose o estava aguardando.

—E então? Para quando é o casamento? — Evan perguntou.

— Bem, vai depender de você. — O ordenança ajudou-o a tirar o uniforme.

— De mim?

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— Se nós formos ficar aqui, Joan casa-se comigo imedia-tamente. Mas se partirmos outra vez, ela já não tem tanta certeza assim.

— Você não percebe que essa situação é absurda, homem? Você não pode atrelar seu futuro ao meu. Eu não tenho a menor idéia do que pretendo fazer daqui para frente.

— Eu estava pensando que poderíamos ficar por aqui, alguns dias. Saber o que seu pai tem em mente. Ele sempre foi justo comigo.

— Verdade?

— Seu pai nunca atrasou meus pagamentos durante todo o tempo em que eu fui designado para servir você, tanto em Cambridge, durante a época da universidade, quanto na Espanha.

— Eu não sabia. Agora está explicado por que eu sempre tinha o que comer, mesmo quando o soldo se atrasava durante meses.

— Espanta-me você não conhecer bem seu próprio pai. Ele á um homem cordato.

— Sim, com todo mundo, menos comigo.

—Talvez, se você não tivesse brigado tanto com ele...

— Mais eu não briguei. O problema é que me lembro de muito pouco, de antes do acidente.

—Você ficou estranho, aéreo, durante semanas... Manda-lo estudar fora, de uma hora para a outra, provavelmente foi uma decisão acertada. Quem sabe ele não está arrependido agora?

—Já não se pode voltar atrás e tentar consertar as coisas. De qualquer maneira, acho que só me fez bem sair de casa. Fui obrigado a amadurecer rapidamente.

— Concordo. E sendo engenheiro, as possibilidades de sucesso na vida civil também não são desprezíveis. Melhor do que continuar como soldado.

— Na sua opinião, eu deveria deixar o exército?

— Sim, O tempo passa e você não está ficando mais jovem.

— Obrigado pelo conselho. Você é apenas cinco anos mais velho do que eu e parece se remoçar a cada dia.

— É porque sou um homem apaixonado.

— Diga-me a verdade, Bose. Você está cansado da vida no exército, não é?

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— Está na hora de começar alguma coisa nova. Está na hora de nós dois mudarmos nosso rumo. Se ao menos...

— Vamos, continue.

— Se ao menos você não se deixasse dominar pelo orgulho, como já aconteceu antes.

— Bose, eu já estive com o rosto na lama e coberto de sangue, tantas vezes, que já não sei o que é orgulho. Sei que ganhamos muitas batalhas, mas, bem no meu íntimo, sinto-me derrotado pela guerra.

— Então, ouça o que seu pai está tentando lhe dizer.

—Serei gentil com ele, por sua causa e por causa de Joan.

— Gentil não é o suficiente. Seja generoso, para o seu próprio bem. Se formos embora daqui agora, talvez, nunca mais, você o torne a ver vivo.

Evan lembrou-se de como se sentira vazio por dentro, quando lady Mountjoy o deixara acreditar que seu pai havia morrido. Bose tinha razão. Se partisse de Meremont, não voltaria jamais. E esse pensamento o incomodava.

CAPÍTULO DOIS

Evan levantou-se ao amanhecer e vestiu-se rapidamente. Certo de que o desjejum só seria servido muito mais tarde, resolveu ir até o estábulo dar uma olhada nos cavalos. Tudo ao redor lhe parecia estranho. Claro que esperara encontrar mudanças, contudo, nada lhe era familiar, à exceção de alguns detalhes que a avó lhe descrevera nas cartas. Uma ponte sobre o riacho, os chalés da aldeia logo além, o pequeno bosque de faias, onde se podia passar horas sem ser visto por ninguém.

Ele sentou-se numa pedra, no meio do bosque, e tentou lembrar-se de certos acontecimentos do passado. Porém, as recordações cruciais escapavam-lhe. Mas, será que valia a pena remexer em feridas antigas e dolorosas? Ele era o que era agora. O tempo não andava para trás e nada seria modificado.

De repente, uma figura imóvel chamou-lhe a atenção. O xale e o chapéu escuros eram antigos e fora de moda, até aos olhos de um homem que estivera longe da Inglaterra durante anos. Evan levantou-se e foi ao encontro da mulher.

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— Bom dia, Judith — ele falou baixinho, para não assustá-la.

— Que surpresa! Não o ouvi aproximar-se.

— Você costuma parar sempre aqui, para descansar?

— Não para descansar, apenas para ouvir o silêncio e pensar. Eu estava indo para a aldeia, levar alguns pães para a Sra. Gorn. Ela vive muito sozinha.

— Essa não é uma função de lady Mountjoy?

Judith fitou-o como se o acusasse.

— Minha irmã o faria, se estivesse em condições.

— Desculpe-me, foi um comentário estúpido.

— Especialmente agora, quando você já sabe que ela está grávida. Ontem à noite, na biblioteca, você parecia quase satisfeito com a descoberta, como se tivesse pegado Helen em flagrante.

— Verdade? — Será que ele deixava transparecer seus pensamentos assim, com tanta facilidade? Ou era Judith quem conseguia ler nas entrelinhas? — E que a descoberta serviu para me ajudar a resolver uma espécie de quebra-cabeça, a entender por que sua irmã não quer que eu fique em Meremont. A raiva irracional que ela sente por mim, talvez seja explicada pela gravidez. Afinal, muitas mulheres costumam ter atitudes estranhas durante esse período, não é?

Judith hesitou, como se estivesse a ponto de negar a aversão da irmã, quando perguntou apenas:

— Nunca lhe passou pela cabeça que, possivelmente, du-rante a gravidez as mulheres se mostram como são, de ver-dade? Que, nessa fase, tudo o que importa é o bebê? E ter como provê-lo, no presente e no futuro?

— Nunca pensei sobre isso. Contudo, nunca tive tempo para observar as mulheres e muito menos tentar entender certos comportamentos. Você, por exemplo, é um completo mistério para mim. Eu a teria julgado um tipo que adora cavalos e não que os detesta.

— Mas eu os adoro! — Judith respondeu veemente, des-viando o olhar.

— O problema, então, é que não sabe montar?

— Eu até que monto razoavelmente bem.

Evan olhou para as mãos femininas, cruzadas sobre o vestido desbotado e uma súbita inspiração lhe ocorreu.

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— Uma roupa de montaria! Você precisa de uma roupa nova, não é?

— Não, eu não quero nada. Não é justo que você seja ritpii-/ (l<- Ur meus pensamentos — ela falou, depois de uma I iii vi linnil ih mu

— Tinha que ser isso. Você adoraria sair por aí, caval-gando, mas não tem a roupa adequada. Muito bem, iremos até Exeter e lhe comprarei uma.

— Não, não vamos a lugar algum. O que as pessoas irão pensar de mim? Homens não compram roupas para mulheres.

— Nem mesmo se elas forem suas tias?

— Não temos laços de sangue. Seria uma atitude alta-mente imprópria.

— Uma atitude imprópria comprar presentes para a minha família? Para todos os membros da minha família? Você poderia me ajudar a escolher algo capaz de agradar Helen e Angel. Vamos até Exeter antes do desjejum, se você me mostrar o caminho.

— Não posso. Tenho trabalho a fazer.

— Que tipo de trabalho?

— Não é da sua conta.

— Você não me parece capaz de colocar os próprios in-teresses na frente do bem-estar de sua família, mesmo se isso signifique deixar seus afazeres de lado durante uma ou duas horas.

— Não, claro que não. Eu só...

— Você estava apenas tentando encontrar uma desculpa para não me acompanhar. Pois bem, irei sozinho: Entretanto, quero frisar que pretendo comprar-lhe uma roupa de montaria, quer você queira, que não. Tem apenas um detalhe. E provável que eu escolha algo vermelho, ou cometa outro tipo de engano. Mas, o que fazer? Sou apenas um soldado, não sei nada sobre moda. — Evan levantou-se, decidido.

— Não, você não deve fazer isso! — Judith levantou-se também.

— Nada de vermelho?

— Não, você não deve comprar coisa alguma. Eles pen-sarão que eu o coagi.

— Ninguém me coage. Nunca. Meu pai não lhe disse o quanto sou teimoso?

— Vezes sem conta.

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— Que mais ele lhe disse a meu respeito?

— Que você é incapaz de esquecer e perdoar.

— Eu, incapaz de perdoar? Essa é boa. E então? Você vem comigo, ou não? Estou de partida.

— Posso ajudá-lo a escolher presentes para seu pai e para os outros, mas prometa que não comprará nada para mim.

Tomando-a pela mão, Evan caminhou a passos rápidos até o estábulo. Antes que ela desse por si, estavam, os dois, na estrada para Exeter. Judith não gostava de sentir-se alvo da caridade de alguém a quem admirava tanto. Não era o tipo de sentimento que gostaria de despertar em Evan. Preferia usar suas roupas gastas a saber que ele agira movido pela pena. Mas como explicar, se tudo em sua vida, era apenas uma questão de aparência?

— Estamos atrasados para o desjejum — Judith anun-ciou, enquanto carregavam a pilha de embrulhos do estábulo até a casa.

— Tenho certeza de que sobrou algo para nós. Depois de comermos, vamos sair para cavalgar. Quero ver se a roupa ficou tão bem em você quanto pareceu na loja.

Judith subiu a escada correndo, deixando para Evan a tarefa de descobrir onde o café da manhã era servido. Ele abriu várias portas da ala norte, antes de concluir que o salão de bailes e a sala de pintura não eram muito usados. Depois de rodar pela ala sul, onde ficavam a biblioteca e a sala de jantar, finalmente descobriu uma saleta menor, com a mesa posta.

— Onde diabos você esteve? — Lorde Mountjoy indagou, tão logo Evan sentou-se.

— Em Exeter, fazendo compras. Trouxe-lhe tabaco.

— Que idéia absurda! Fazer compras ao amanhecer. Já lhe disse que temos um assunto a discutir.

— Oh, e a conversa seria essa manhã?

— Claro que sim!

— Por favor, passe-me o presunto — Evan pediu a Judith, que acabara de sentar-se no mais absoluto silêncio.

— Quero-o na biblioteca tão logo termine de comer.

— Desculpe-me, mas tenho um compromisso — Evan respondeu, sem se abalar.

— O quê? O quê? — seu pai explodiu.

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— Ouça, isso pode esperar... — Judith tentou pôr panos quentes.

— Judith prometeu-me mostrar os arredores.

Lady Mountjoy franziu o cenho e Angel fez beicinho, em-burrada. Evan não pôde deixar de notar que Angel usava um vestido novo, na última moda, algo muito diferente do que era reservado à irmã mais velha.

— Estarei disponível dentro de uma, ou duas horas, se lhe for conveniente.

— Não, não me é conveniente. Esteja na biblioteca dentro de dez minutos. Dez minutos!

— Não, creio que não será possível. Suponho que nossa conversa terá que ser adiada até amanhã.

— Não será adiada coisa nenhuma! — Lorde Mountjoy jogou o garfo na mesa e levantou-se. Evan continuou a comer, muito calmo.

— Veja o que você acabou de fazer. — Lady Mountjoy levantou-se também e fez sinal para que as irmãs a imitassem. Angel seguiu-a, porém Judith permaneceu onde estava.

— Evan, por favor, vá conversar com seu pai. Nós pode-mos sair para cavalgar depois. De qualquer maneira, não vou levar menos do que uma hora para me aprontar.

— Entendo.

Judith levantou-se, forçando-o a fazer o mesmo. Juntos, caminharam até o hall. Ela subiu o primeiro degrau da escada e parou para fitá-lo, aguardando.

— Está bem, está bem. Já estou indo.

— Entre! — Lorde Mountjoy falou, ao ouvir a batida na porta. — Então você, finalmente, achou que seria conveniente conversar comigo?

— Desculpe-me. Tenho tentado agir de maneira civiliza-da, porém estou desacostumado. Acabo me sentindo pres-sionado, o que é irritante.

— Eu também me sinto assim. Dê uma olhada e diga-me o que acha. — Lorde Mountjoy colocou um documento sobre a escrivaninha.

— Mas este não é o testamento de minha avó! — Evan exclamou. — É o seu! Por que você quer que eu o leia?

— Limite-se a ler! Não é possível que não lhe ensinaram a ler nas escolas caras que freqüentou!

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Evan suspirou, resignado, e leu o documento, mal acre-ditando no que estava diante de seus olhos.

— Já terminou?

— Sim, já terminei. Só não consigo entender.

— Pensei que você fosse inteligente o suficiente para compreender um simples testamento.

— O que estou querendo saber é: por que eu? Você, real-mente, pretende me deixar tudo, quando passamos dez anos sem nos falarmos? Sem dúvida, Terry teria mais direito. Ou, então, Thomas.

— Thomas é uma criança, a personalidade ainda em for-mação. Terence... não é como você.

— O que significa que ele não o deixa à beira de um ataque de nervos.

— Não, não deixa. De fato, Terry concorda com tudo o que eu digo, mesmo que eu esteja completamente errado.

— E isso acontece?

— O quê?

— De você errar?

Lorde Mountjoy apoiou a cabeça no espaldar da cadeira, os olhos fixos no filho.

— Mais de uma vez, já cometi erros terríveis, especial-mente no que lhe diz respeito. Temo nunca ter a chance de consertar o estrago.

— Se você pensa em comprar minha lealdade, depois de todos esses anos de negligência, esqueça. E impossível. — Evan resistiu ao impulso de jogar o documento na cara do pai e colocou-o sobre a escrivaninha.

— Isso nunca me passou pela cabeça. Estou preocupado, apenas, em fazer o que é melhor para Meremont e para as pessoas que aqui vivem. Já falei a Terry sobre a minha decisão.

— Deixe-me adivinhar... Ele concordou com você.

— Terry é uma criatura estranha. Sim, ele concordou com a minha decisão.

De repente, Evan riu alto.

— É um absurdo! Nós nunca vamos viver em harmonia.

— Não é o que eu espero. Na verdade, não o quero morando aqui, pois não pretendo que cada refeição se transforme numa batalha. Você pode reformar a casa onde

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viveu a sua avó e depois da minha morte, lady Mountjoy irá ocupá-la.

— Um futuro não muito promissor para uma jovem mãe. Pois eu lhe desejo uma vida longa e próspera, pai.

— Helen não é a mais dócil das mulheres, mas ela sempre acata as minhas vontades.

— Cuidado, ou você acabará julgando-a igual a Terry.

— Não, porque, ultimamente, temos discutido. Sobre você.

— Claro. Ainda não, consegui entender o que você quer de mim.

— Não quero alguém que concorde comigo o tempo inteiro. Quero alguém que saiba fazer as coisas, que tenha conhecimentos gerais. A casa precisa de reparos. Temos que construir uma nova ponte para levar o que colhemos ao mercado. Quero construir um canal...

— Um o quê?

— Um canal. Comprei quase toda a terra de que preciso para levar o plano adiante.

— Oh, não, pai. Não um canal. Você tem idéia dos custos?

— Uma vaga idéia. Mas sei que você poderá fazer os cálculos exatos... Por favor, não discuta antes de me ouvir até o fim. Também vou precisar de alguém que discorde de mim, quando for o caso.

— E não apenas por mera diversão?

— Você acha que, algum dia, chegaríamos a esse nível?

Evan ficou em silêncio um instante, lembrando-se de to-dos os anos desperdiçados. Então, pensou em Judith e sorriu.

— Talvez, com a mulher certa intermediando nossos con-tatos, para evitar que pulássemos na garganta um do outro. Porém, não chegaríamos a esse estágio de relacionamento sem que nos causássemos alguma dor.

— Vamos trilhar qualquer caminho que seja necessário. E tudo o que eu posso fazer para garantir a sobrevivência da minha família. Você concorda com os termos?

— Concordo em tentar. — Evan levantou-se e apertou a mão que o pai lhe estendia.

— Ótimo. Depois discutiremos a questão do canal.

Por um momento, Evan sentiu-se tentado a argumentar, mas acabou desistindo e saiu da biblioteca.

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— Você tinha que estragar tudo, não é? — Bose reclamou, jogando uma bota de Evan com tanta força sobre o assoalho, que a madeira rangeu.

— Não sei do que você está falando.

— Passar metade da manhã desaparecido, discutir du-rante todo o desjejum. No que você estava pensando, rapaz?

— Perdi a cabeça. Mas me desculpei.

— E de que adiantaram as suas desculpas, depois que o mal já estava feito? Provavelmente, nunca mais conseguirei convencer Joan a casar-se comigo agora. E não espere que o jantar de hoje seja bom. Ela está em prantos, na cozinha, aguardando o momento em que seremos postos daqui para fora.

— Bose, você é um companheiro de viagem admirável e até um ordenança passável, porém, em questão de inteli-gência, deixa a desejar. — Evan começou a remexer na bagagem, à procura de um chicote de montaria.

— Não ouse falar comigo! Tenho esperanças de ser aceito como mordomo aqui. Quanto a você, lavo as minhas mãos. E que história é essa de que minha inteligência deixa a desejar?

— Qualquer pessoa, com um mínimo de bom senso, teria ficado a postos, do lado de fora da sala onde uma conversa decisiva acontecia. Também, teria evitado que uma coitadinha passasse horas chorando sobre as ervilhas ao garantir que tudo daria certo.

— Verdade? Mas você acabou de ter uma briga com seu pai.

— Sim, e é isso o que ele gosta em mim. Pelo menos, foi o que disse.

— A coisa toda não faz sentido. Tem certeza de que não compreendeu mal?

— Parece estranho para mim também, mas meu pai quer que eu fique. Ele pretende me fazer seu herdeiro. Claro que acabarei atrelado a uma família que não gosta de mim, com uma única exceção. Por outro lado, não pode ser muito pior do que lidar com recrutas, não é?

— Tenho certeza de que deve haver uma diferença, só não sei qual é — Bose respondeu, feliz.

— Vamos deixar os problemas de amanhã para amanhã. Afinal, ninguém sabe o que pode acontecer durante o jantar.

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Lady Mountjoy vira quando Evan e Judith saíram para cavalgar e os aguardou regressar, sentada junto à janela. Bastou notar a expressão do rosto da irmã, para que o sorriso de Judith se apagasse.

— Angel, deixe-nos a sós — Helen ordenou minutos de-pois, fechando a porta do quarto.

Judith tirou o chapéu azul e sentou-se na cama.

— De onde veio esta sua roupa de montaria?

— Evan me deu de presente.

— Não é uma atitude apropriada, além de ser muito perigosa.

— Foi o que eu disse, mas, de algum modo, ele acabou me convencendo a aceitar. Quanto mais penso no assunto, menos entendo como concordei com a idéia. Talvez porque ele tenha ameaçado comprar uma roupa vermelha.

Helen sentou-se na cama, ao lado da irmã.

— Não tenho dúvidas de que você é uma mulher sensata e cautelosa, mas "ele" é um homem.

— Sim, eu sei — Judith concordou, penteando os cabelos.

— E um soldado.

— Sim, eu sei.

— Temo que seja capaz de persuadi-la a cometer algum ato impensado.

Judith sentiu o sangue lhe subir ao rosto, porém, não de raiva.

— Depois de ter sido enganada uma vez, nunca repetiria o mesmo erro. Além de tudo, Evan é muito diferente de Banstock. Evan é um herói de guerra, enquanto o regimento de Banstock jamais saiu da Inglaterra.

— E Evan é mais forte. Poderia tomar o que quisesse sem que você conseguisse impedi-lo.

— Só que ele não faria uma coisa dessas, sob o teto da casa do pai. Também, sinto que já o conheço, através das cartas que escreveu à avó. Creio que Evan poderia ser um bom amigo.

— Amigo? Será que ele desconfia do tipo de relaciona-mento que você tem em mente?

— Não se preocupe. Saberei mantê-lo à distância. Evan será como o irmão mais velho, que nunca tive.

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— Você pretende levar adiante a idéia de nunca se casar?

— Nós duas concordamos que essa seria a melhor solução. Pelo menos, assim, não terei que enganar ninguém.

Helen hesitou um instante.

— Então, você não pretende contar a verdade a Evan?

— E lhe dar motivos para me desprezar? Não, eu não seria capaz de suportar isso.

— Não gosto dele, Judith. Simplesmente não gosto.

— Apenas porque é um soldado, forte e independente?

— Além de ser perigoso.

— Bobagem, Helen.

— Não é uma questão de ser perigoso fisicamente. Quan-do ele chegou a Meremont, tentei mandá-lo embora.

— Não, você não pode ter agido assim! Sei que não gosta dele, mas esta é a casa de Evan.

— Bem, minha tentativa de nada adiantou. E quando Hiram nos apresentou, Evan agiu como se tivéssemos acabado de nos conhecer.

— Um comportamento muito gentil.

— Um comportamento muito inteligente. Escute o que eu lhe digo, Judith. Por trás daqueles olhos tristes, brilha um intelecto formidável.

— Você dá a impressão de que ele está planejando algo contra nós.

— Evan é um soldado, alguém acostumado a não des-perdiçar uma grande oportunidade. Casando-se com você, garantiria a chance de se estabelecer aqui.

— Mas que tolice! Acabamos de nos conhecer. Além do mais, nunca me casarei.

— Porém capitão Mountjoy ainda não sabe.

— Então terei apenas que lhe dizer.

— Quando você se deixa embalar nessas idéias român-ticas, não há como fazê-la raciocinar.

— Se estamos falando de idéias românticas, que tal con-versarmos sobre uma jovem viúva, que casa-se, repentina-mente, com um homem com quase o dobro da sua idade?

— Isso foi diferente — Helen respondeu, erguendo a ca-beça, orgulhosa. — Escrevi um anúncio no jornal, oferecendo-me como governanta, não como esposa. Creio que, no

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princípio, Hiram sentiu pena de mim. Como criar Ralph, contando apenas com uma pensão irrisória?

— Para não mencionar a existência de duas irmãs, das quais uma é o que se chama de "mulher perdida".

— O que aconteceu não foi culpa sua. Eu mesma a acon-selhei a ir com Banstock. Acreditei nele quando disse que preferia que se casassem em Bath, não em Bristol.

— Eu também acreditei nele. Portanto, não se preocupe com a possibilidade de outro homem tentar me seduzir. Pretendo ser muito cuidadosa.

— Ótimo. — Helen beijou-a de leve no rosto. — Agora, preciso me retirar. Detesto me atrasar para o jantar.

— Helen?

— Sim, querida?

— Você, realmente, passou a amar lorde Mountjoy, não é?

— Sim, muito. No início, pensei que ele estivesse apenas tentando nos ajudar. Nunca me passou pela cabeça que pudesse querer a mim e que, um dia, eu seria mãe de um filho dele. — Ela acariciou o ventre. — Hiram é o melhor homem que existe no mundo.

— Sim, eu sei.

Depois que a irmã saiu, Judith deslizou a mão pelo vestido verde, escolhido por Evan. Se Helen respeitava a inteligência e a sagacidade do capitão, deveria ter cuidado. Por outro lado, ele sempre fora o neto preferido da avó, que o considerava de caráter irrepreensível. Não devia permitir que uma experiência dolorosa a fizesse enxergar todos os homens como animais. De qualquer forma, que importância tinha? Estava decidida a envelhecer solteira e permanecer em Meremont para sempre. Portanto, que mal havia em apreciar os galanteios de Evan? Estava a salvo porque não buscava um compromisso.

Evan decidira mostrar a Bose que seus receios eram in-fundados. Assim, durante o jantar, falara apenas quando lhe perguntavam algo, evitando discussões a qualquer custo. Fora impossível não notar que Judith usava o mesmo vestido da noite anterior e que, quando passaram à biblioteca, ela, imediatamente, pegou uma caixa de costura e pôs-se a re-formar uma roupa antiga. A primeira providência que tomaria quando se casasse com ela, seria renovar-lhe o guarda-roupa. Compraria tecidos finos e Judith se encarregaria de transformá-los em belos vestidos, dignos de uma dama. Mas, e se ela não

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o aceitasse para marido? Claro que não merecia alguém como Judith, porém não iria desistir.

— Perguntei se você pretende me acompanhar ao local amanhã — lorde Mountjoy repetiu pela segunda vez, uma expressão irritada do rosto. — Ao que parece, você está surdo demais para me dar ouvidos.

— Desculpe-me, eu não estava prestando atenção. Judith poderá nos acompanhar também?

— Se ela quiser.

— Eu quero ir — Angel pediu.

— Não montando um dos meus cavalos — lorde Mountjoy declarou. — E melhor ficar em casa, criança.

— Não é justo.

— Você iria apenas atrasar a marcha, exigir uma atenção especial.

— Terry, será que eu posso montar um dos seus animais?

— Não, de jeito nenhum. Você nem sequer gosta de montar.

— E como posso gostar, se não praticar?

— Gostar não é o suficiente — Evan interveio. — Você tem que ser boa no que faz.

— E Judith é boa?

— Muito.

— Creio que está na hora de nos retirarmos. — Helen levantou e fez sinal para que as irmãs a seguissem.

Não desejando beber e muito menos discutir, Evan tam-bém se retirou. Pelo olhar de Terry, se continuasse na bi-blioteca, acabaria fazendo uma das duas coisas. Quando já estava se preparando para deitar, foi obrigado a colocar a calça e a camisa de volta, ao ouvir alguém bater na porta. Era lady Mountjoy.

— Eu queria falar com você.

— Sente-se, por favor.

— Não vou levar mais do que alguns minutos. Talvez eu seja obrigada a suportar a sua presença dentro desta casa, mas não vou permitir que tente seduzir minha irmã. Se você encostar um dedo em Judith, juro que... juro que lhe dou um tiro.

Evan sorriu.

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— Sempre admirei a sua franqueza e admito que deveria ter lhe falado antes, para evitar preocupações desnecessárias. Minhas intenções...

— Posso muito bem imaginar quais seriam as intenções de um soldado. E impossível viver numa casa sem saber o que acontece no porão.

— Ah, Bose. Mas ele e Joan se conhecem há décadas! E de esperar que o caso entre os dois evolua mais rapidamente do que...

— O caso, como você o chama, me enoja.

— O objetivo de Bose é casar-se, assim como eu, asseguro-lhe.

— Um homem promete qualquer coisa para...

— Se algum homem, em algum momento, a desapontou, isso não significa que todos nós tenhamos sido feitos do mesmo molde.

— Não é difícil imaginar de que molde você foi feito. Man-darei Judith embora daqui, se preciso for. Você não a terá.

— Mas eu quero me casar com ela. Um dia, Judith será lady Mountjoy... Será que o problema é esse? Uma irmã que a serviu durante anos, de repente assume um papel mais importante.

— Eu o verei na sua sepultura antes de vê-lo casado com minha irmã.

Helen saiu pisando duro, deixando-o pensativo. Teria que alterar o planejamento. Porém, o que não podia ser tomado num assalto direto, o seria depois de um cerco paciente. E paciência era algo que não lhe faltava.

O passeio pela propriedade não foi o que Evan imaginara. Lorde Mountjoy estava mais interessado em mostrar-lhe as terras adquiridas recentemente, para a construção do canal, do que em permitir ao filho passar horas agradáveis ao ar livre. Judith, entretanto, irradiava beleza, sendo cumprimentada pela habilidade em conduzir o cavalo tanto por lorde Mountjoy quanto por Terry.

Ao voltarem para casa, Evan convidou Judith para uma caminhada até a casa onde vivera a avó. Sentados num banco do jardim, agora descuidado, os dois ficaram em silêncio durante um longo tempo. Mas não era um silêncio desconfortável, embora Evan pensasse nos primeiros dias que passara ali, logo após o acidente que tirara a vida de sen irmão.

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— Sinto falta dela. — Judith apanhou uma florzinha e revirou a entre os dedos, uma expressão triste no olhar.

— Eu também. Se pudesse, teria vindo.

— Ela não esperava que você viesse. Aliás, me proibiu de escrever-lhe, contando que estava doente, mesmo quando já não tinha forças para mais nada...

— Então, foi você quem escreveu as últimas cartas de minha avó. — Evan tomou uma das mãos delicadas entre as suas e fitou as manchas de tinta, carinhosamente.

Judith engoliu em seco, porém não fez nenhum movi-mento para afastar-se. Afinal, que mal poderia haver em permitir que ele lhe segurasse a mão?

— Nós costumávamos sentar aqui e conversar.

— Sobre o quê?

— Sobre a guerra. Ela confiava tanto em você, que não tinha dúvidas sobre quem venceria no final, apesar de queixar-se da sua falta de informações detalhadas sobre os acon-tecimentos recentes. Ela... ela me deixava ler suas cartas.

— Se é assim, você me conhece muito mais do que eu a conheço. Fico feliz que minha avó tenha podido contar com a sua companhia.

— Lorde Mountjoy não foi desatencioso. Ele... ele leu as suas cartas também. E quando sua avó morreu, pediu para guardá-las.

— Meu pai? Estou surpreso.

— Não sei o que aconteceu entre vocês dois — Judith falou, retirando a mão —, exceto que pertence ao passado. Sei apenas que gosto de ambos e preferia não vê-los se desentendendo.

— Meu pai deve ter perdido a asperidade, com o passar dos anos.

— Ele sempre foi gentil comigo, como se fôssemos velhos amigos.

— Mas por quê? — Evan indagou, desconfiado. Judith ficou em silêncio alguns segundos, o olhar perdido ao longe. Ali estava o momento perfeito de contar a Evan que lorde Mountjoy a tinha apoiado durante o período mais difícil de sua vida, porém, faltou-lhe coragem.

— Talvez porque tenhamos passado tanto tempo juntos, ao lado de sua avó — ela mentiu, a voz embargada pelas lágrimas.

— Nunca teria pensado que meu pai fosse capaz disso.

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— As pessoas costumam mudar ao longo da vida. Podem perceber o que fizeram de errado e tentar consertar o estrago.

— Você está falando a respeito dele, ou de mim?

— Quero apenas... — Judith parou no meio da frase, ao perceber que falava de si mesma. Conte a ele, ela pensou, entretanto, por mais que buscasse as palavras adequadas, a história continuava sendo sórdida.

— Há alguma possibilidade de que uma dama educada como você, aceite casar-se com um soldado como eu?

— Não, nunca! — ela exclamou, chocada.

Evan levantou-se devagar, certo de que se precipitara e desejando não assustá-la ainda mais.

— É que eu nunca me casarei.

— Por que não?

— Descobri um... interesse maior... meus estudos.

— Seus estudos consomem todo o seu tempo?

— Quase todo.

— Isso quando você não está costurando.

— Sim.

— Como é que costura tanto e nunca tem um vestido novo para usar? — Notando os olhos azuis se encherem de lágrimas, Evan continuou, delicado. — Não me leve muito a sério. Sou apenas um soldado desajeitado. Pense em mim como um irmão, alguém que quer lhe ajudar.

— Preciso pensar em você como se fosse um irmão, ou não poderei pensar em você em momento algum.

Fitando-a intensamente, Evan teve certeza de que a atra-ção era recíproca.

— E como um irmão, tenho o direito de comprar tecidos para lhe dar de presente. Mais uma vez, vou precisar da sua ajuda na escolha das cores.

— Por que você está fazendo isso?

— Há tão pouco que eu possa fazer.

— Não está certo. As pessoas vão começar a falar.

— Pois acho que esse tipo de gente deve cuidar da própria vida.

— Não sei, não.

— As pessoas falam, com ou sem motivo. E um desper-dício de energia dar atenção ao que dizem.

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— Eu gostaria de poder ignorá-las. Todas elas.

— Ótimo. Sairemos para fazer compras amanhã. Voltando para casa, Judith tornou a pensar que deveria dizer a Evan o motivo real pelo qual nunca poderia casar-se. Porém, não conseguiria suportar o desprezo daqueles olhos escuros. Claro que se ele continuasse a pressioná-la, acabaria sendo obrigada a confessar. O único problema agora era conseguir disfarçar as emoções quando perto de Evan. Bastava ele tocá-la, para arder de desejo. Até quando teria forças para lutar contra os sentimentos? Que Deus a ajudasse...

CAPÍTULO TRÊS

Evan sentia-se recompensado por haver convidado Angel para acompanhá-los a Bristol, fazer compras. Angel, praticamente, obrigara Judith a escolher tecidos finos e rendas, coisas que a irmã mais velha teria evitado, por causa do preço.

Na volta, tão logo puseram os pés dentro de casa, ouviram lorde Mountjoy aos berros, na biblioteca. Evan despachou as duas para cima, carregadas de embrulhos, enquanto tentava decidir se devia, ou não, interferir na discussão, em favor de Terry.

De repente, a porta da biblioteca foi aberta, num arranco.

— Pensei tê-lo ouvido chegar — seu pai falou. — Venha cá. Preciso de você.

Relutante, Evan entrou e fechou a porta atrás de si, pro-curando por Terry. Porém, viu apenas um rapazinho, de uns quinze anos, parecidíssimo com Angel.

— Quero que você se incumba dele. Está em suas mãos a salvação desse rapaz.

— Nas minhas mãos? Incumbir-me dele? Mas quem é ele?

— Ralph, o filho de Helen. Uma criatura incorrigível. O que me diz?

— Desculpe-me, eu não sabia da existência dele até este momento.

— Eu tampouco sabia da sua existência — o rapaz falou, ressentido.

— Então estamos quites?

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— De jeito nenhum. Suponho que agora não vão me so-brar nem aquelas terras inférteis.

— Terras inférteis? — Evan repetiu, sem nada entender.

— Será possível que você não se lembra de nada? — Lorde Mountjoy indagou, virando-se para o filho. — O pântano. Serve apenas de pasto para as ovelhas, porém, se bem-cuidados, dariam lucro.

Ralph fitou o padrasto, uma expressão maliciosa no olhar.

— E para lá que Terry será exilado?

— Isso não é da sua conta, meu jovem.

— Você se interessa por agricultura? — Evan perguntou, num tom casual.

— Não. Eu venderia as terras e voltaria para Londres.

— Para Londres?

— Ele foi dispensado da escola um mês atrás, mas impediu que a carta chegasse aqui e foi para Londres, divertir-se.

— Uma cidade bastante movimentada nesta época do ano, não é? — Evan insistiu no mesmo tom aparentemente desinteressado.

— E cara.

— Ralph ficou sem dinheiro, cheio de dívidas, e não teve outra alternativa a não ser vir para Meremont — Lorde Mountjoy explicou.

— Em quantas matérias você foi reprovado?

— Em todas.

— Se me lembro bem, a vida em Oxford, ou Cambridge, oferece muitas tentações. Mais da metade da minha turma repetia o ano. Os pais os mandavam de volta, claro, se achavam que valia a pena.

— Um desperdício total.

— Não para os pais, que conseguiam ficar livres de filhos problemáticos durante alguns meses ao ano.

Somente então Evan se deu conta de que lorde Mountjoy saíra da biblioteca, deixando-os a sós.

— Você foi mandado para Oxford porque seu pai queria ver-se livre de você?

— Sim.

— Seu problema era meter-se com as criadas ou gostar muito de bebida?

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— Matei meu irmão mais velho.

Ralph não conseguiu disfarçar o assombro.

— Não pode ser!

— Pergunte a qualquer um. Diga-me, dentre todas as matérias nas quais você foi reprovado, alguma desperta o seu interesse?

— Não.

— Está tentando me dizer que não se interessa, absolu-tamente, por nada?

— Gosto de poesia.

— Poesia? Um assunto maçante. Nunca fui capaz de me envolver com isso.

— Gosto apenas porque a leitura é rápida.

— Leitura rápida, compreensão vagarosa. Suponhamos que nós dois façamos um trato. Você me ensina poesia e eu lhe ensino o que sei sobre geometria.

— E de que me serviria?

— Por exemplo, é impossível usar uma arma, mesmo pequena, sem dominar as noções de geometria.

— Sou um bom atirador.

— Mas você seria capaz de manipular um canhão e ter uma idéia, ainda que vaga, de onde a bala iria cair, qual a elevação necessária para atingir o alvo?

— Com prática.

— Não é o bastante. O inimigo nem sempre está na mesma posição. Ou agimos rapidamente, ou somos atingidos antes de atacar. Acredite-me, geometria pode ser útil para um número infinito de coisas. Claro que, primeiro, teremos que estudar um pouco de álgebra. Você precisará aprender a resolver cálculos. Tenho uma idéia. Você me empresta um de seus livros de poesia e eu lhe empresto meus livros de matemática. Eles devem estar guardados na casa de minha avó. Começaremos amanhã, depois do almoço.

— Não concordei com nada.

— Bem, se você entende de poesia, o mínimo que pode fazer é me ajudar. Não é fácil cortejar sua tia, sendo apenas um soldado ignorante.

— Você e Angel?

— Não, Judith. Mas não diga nada, ainda. Não tenho certeza se ela me aceitará.

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— Será uma tola se não o aceitar.

— O que, um assassino? Vou ter que me esforçar muito para me provar digno dela.

Evan saiu, deixando Ralph ainda mais confuso do que antes. O rapazinho não era muito diferente dos recrutas, com quem se acostumara a lidar. O importante era descobrir um interesse comum e estabelecer uma ponte de comunicação. Quanto às pequenas mentiras que dissera, bem, não tinha muita importância. Em tempos de guerra, cada um fazia o que julgava necessário...

Mas isso não era uma guerra... Ou será que sim? Talvez não tivesse exagerado quanto ao receio de perder Judith. Lady Mountjoy estava ali, pronta para impedi-lo de casar-se com a mulher de seus sonhos. Ajudando Ralph, teria alguma chance, ainda que remota, de ganhar a simpatia de Helen, o que facilitaria sua aproximação de Judith.

Ao entrar na casa onde vivera com a avó, durante anos, Evan sentiu-se dominado por uma saudade infinita. Ela havia sido uma verdadeira mãe, quando aquela que lhe dera a vida sempre lhe parecera ausente e distante. No quarto que ocupara, encontrou todos os seus livros, dentro de um baú.

— Por que não voltei a tempo? — ele murmurou triste-mente, fitando o vazio.

— Você não me dá atenção, na maioria das vezes. Assim, só me resta gritar. Você vai se encarregar do garoto?

— Sob uma condição.

— Que condição?

— Ninguém vai interferir, nem questionar os meus métodos.

— Interferir?

— Meu comandante sempre confiava em mim. Talvez eu não fizesse as coisas, exatamente, do jeito que ele esperava, mas obtinha resultados. E isso bastava. Eu queria que você me tivesse essa mesma confiança.

— Não tenho outra escolha. Nada do que eu digo causa a menor impressão em Ralph.

— Bem, desde que ele acredite que você nos persegue a nós dois, talvez eu tenha chance de conquistar-lhe a confiança. Portanto, não se esqueça de nos tratar da mesma maneira: aos gritos e sem muita delicadeza. Não quero que Ralph pense que eu estou conspirando com o inimigo.

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— Inimigo! Você não acha que eu quero apenas o melhor para o garoto?

— Sei que sim. Diga-me, eu era assim como Ralph, tão imaturo?

— Pior.

— Então estou sendo punido pelo destino. Como você conseguia me agüentar?

— Eu não conseguia.

— Ah, sim, estava quase me esquecendo.

— E não pense que você pode trazer o jornal para o seu quarto todos os dias, quando outras pessoas estão interes-sadas em lê-lo também.

— Desculpe-me, pai.

Na manha seguinte, Evan tornou a sair para cavalgar com Judith. Ela fazia questão de mostrar-lhe seus locais favoritos, mesmo de difícil acesso. Finalmente, pararam para descansar junto à casa em que ele vivera com a avó.

— Meu pai diz que posso me mudar para cá.

— Oh, fico satisfeita. Não gosto de ver essa casa enorme vazia, fechada.

— Eu também não. Algumas reformas serão necessárias antes que eu me mude. Além de uma limpeza geral.

— Deixe-me ajudá-lo.

— Você já faz tanto para ajudar os outros. Talvez, mais do que deveria.

— Estou em débito com Helen e lorde Mountjoy. Eles não tinham obrigação de me trazer para morar em Meremont.

— Mas ficar recebendo ordens da irmã, quando você devia ter sua própria casa...

— Estou contente assim. Não sei o que teria sido de nós, se não fosse por lorde Mountjoy.

— Como foi que sua irmã e meu pai se conheceram?

— Helen colocou um anúncio no jornal, oferecendo-se como governanta, porém insistindo que Angel e eu deveríamos acompanhá-la.

— Não é possível que ela as tenha oferecido como criadas!

— Não. E foi exatamente o que intrigou lorde Mountjoy. A impotência de Helen, diante do desastre financeiro, acabou por interessá-lo.

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— Como é que você consegue falar sobre isso de maneira tão objetiva? Afinal, seu futuro também estava em jogo e, pelo visto, as perspectivas não eram das melhores.

— Eu estava para me casar. Pelo menos, foi o que pensei.

— Ele era um bom partido?

— Não olhe para mim assim. Você não tem idéia de como foi difícil. Aceitei o pedido de casamento para ajudar minha família e quando ele... e quando não deu certo, minha irmã e eu achamos que devíamos permanecer juntas, se lorde Mountjoy permitisse.

Embora percebesse que muito daquela história não havia sido dito, Evan decidiu não pressionar o assunto, no momento.

— Meu pai sempre foi o tipo que aprecia contornar as situações.

— Sinto pena dele, por ser obrigado a agüentar a todos nós. Especialmente Ralph e eu. Qual foi o motivo da briga de ontem?

— Ah, devo preparar Ralph para voltar à escola enquanto ele se encarregará de me ensinar poesia.

— O quê?

— Provavelmente, você não imaginava que eu pudesse alimentar tais aspirações.

Judith riu com vontade, puxando as rédeas do animal.

— Você não tem interesse algum em poesia e sabe disso.

— Mas Ralph não sabe, portanto, não estranhe quando começarmos a discutir a métrica dos versos. Quem sabe? Talvez eu acabe me interessando pelo assunto. Ah, pare de rir desse jeito. E contagiante.

Evan silenciou-a com um beijo. Ela reagiu imediatamente, atingindo o rosto viril com um tapa, quase o fazendo perder o equilíbrio e cair do cavalo. No mesmo instante, voltou a si.

— Por favor, desculpe-me.

— Desculpe-me você também. — Evan puxou as rédeas de Taurus, acalmando-o.

— Eu não queria atingi-lo com tanta força, mas você me pegou desprevenida.

— Imagine do que não será capaz estiver esperando o beijo.

— Oh, não! Você nunca mais deve me beijar.

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— É impressionante como a guerra nos torna impacientes diante de certas coisas da vida.

— O que é movido pela pressa, em geral, causa arrepen-dimentos depois.

— Parece sua irmã falando.

— Helen tem os seus motivos.

— É, talvez. Você pode me desculpar?

— Se você me prometer não me beijar outra vez.

— Prometo nunca mais obrigá-la a nada.

— Por que você está ajudando Ralph? Aliás, acho melhor não continuar com essa bobagem de querer aprender poesia.

— Quem sabe eu não estou agindo assim para cair nas boas graças de sua irmã?

— Mesmo se desse resultado, por que se importaria com a opinião de Helen a seu respeito?

— Eu preferiria vê-la mais relaxada, pelo menos por cau-sa do bebê.

— E por que você se importaria com o bebê? Mais um meio-irmão.

— O modo como você fala, tão frio... me causa desconforto. Dá a impressão de que eu ando por aí passando crianças no fio da espada. Quando alguém vive uma experiência tão terrível quanto a guerra, qualquer bebê, não importa de quem seja, é um raio de esperança, uma promessa de que o mundo pode ser melhor.

Judith ficou em silêncio durante alguns segundos e quan-do tornou a fitá-lo, havia lágrimas nos olhos azuis.

— O que foi? Já sei, incomodei-a com a minha maneira rude de falar. Sou um caso perdido.

— Não, não é isso — ela murmurou, pensando como seria maravilhoso ter um filho e poder criá-lo. — Às vezes fico tentando imaginar como foi para você... Eu gostaria de ter estado lá...

— Na Espanha?

— Em qualquer lugar, menos aqui. Oh, desculpe-me, es-tou falando tolice. Não me dê ouvidos. — Judith limpou as lágrimas do rosto e ergueu a cabeça. — Será que os cavalos já descansaram? Podemos ir?

— Sim.

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Depois de deixarem os animais no estábulo, ela foi direto para o quarto, trocar-se. Perdera outra oportunidade de contar a verdade sobre seu passado, porém, achava difícil abordar um assunto tão delicado com um quase estranho. O problema era que gostava de Evan cada vez mais e tinha medo de ser desprezada quando lhe dissesse que já não era pura. A única solução seria mantê-lo a distância, evitar que ficassem a sós. Assim, não seria obrigada a revelar seu segredo vergonhoso.

Conforme o combinado, logo após o almoço, Evan e Ralph passaram duas horas às voltas com a álgebra. Apresentando as lições sempre ligadas à resolução de um problema prático, Evan conseguia manter o interesse do rapaz, embora ele próprio mal conseguisse acompanhar os versos de Chaucer. Não imaginara que Ralph fosse levar a sério a história de lhe ensinar poesia.

Dali a alguns dias, Ralph mostrou ser uma aquisição bem-vinda à rotina da casa. Deliciava Angel e Judith com as últimas notícias de Londres, dividia com Evan o peso da língua ferina de lorde Mountjoy, além de ser um parceiro divertido nos jogos de cartas.

Apesar de sentir que algo não ia bem com Terry, Evan não sabia como abordá-lo. O problema veio à tona quando, certa manhã, viu o irmão chegar bêbado, montado no potro andaluz.

— Ele não sofreu nada — Terry exclamou.

— Mas poderia ter sofrido. Você não tinha o direito de sair com meu cavalo sem me pedir. Especialmente quando eu mesmo pretendia montá-lo, hoje de manhã.

— Por que me dar ao trabalho de lhe pedir? Você teria recusado. Você nunca me deu nada e agora me tomou tudo. — Terry abriu os braços, indicando Meremont.

— Mal o conheço, por que iria querer prejudicá-lo?

— Então é culpa minha que eu tenha ficado aqui, com nosso pai, enquanto você se cobria de glórias na Espanha?

— Lama.

— O quê?

— Lama foi a única coisa com que eu me cobri na Espanha — Evan gritou, exasperado.

— Você... — Terry tentou acertar o irmão, mas acabou caindo do cavalo. Evan deu-lhe as costas e começou a ca-minhar na direção da casa. Fora de si, Terry agarrou o forcado e correu, disposto a acertar o outro pelas costas.

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— Dê-me isto, antes que você machuque alguém — Evan falou muito calmo, segurando os pulsos do irmão com dedos que pareciam tenazes.

Um dos cavalariços desapareceu dentro da casa, em busca de ajuda.

— Eu te odeio! — Terry gritou. — Você devia estar morto. Devia ter morrido na Espanha. Por que acabou voltando? Você arruinou tudo. Decidiu que vai me matar também?

— Eu não tinha intenção de matar Gregory. Sentia-me, em relação a ele, assim como você está se sentindo em re-lação a mim, agora. Ele tinha tudo, até o amor de nosso pai. Eu não tinha nada. E não pretendia arruinar as coisas para você.

De repente, a raiva de Terry se transformou em pesar e derrota.

— Não tem importância. Nosso pai, provavelmente, está certo. Eu serviria apenas para estragar tudo.

— O que está acontecendo aqui? — Lorde Mountjoy in-dagou, parando diante dos dois.

— Nada, pai — Evan respondeu, de maneira automática.

— Nada! Mas, então, o que...? Vocês não pretendem con-tar nada, não é? Foi o que pensei. Estão sempre conspirando contra mim. Não sei por que me preocupo tanto... — Lorde Mountjoy voltou para casa, resmungando baixinho.

Evan passou um braço em torno dos ombros do irmão e percebeu que ele se contraía.

— Eu o machuquei? Desculpe-me. Apenas me avise quando quiser montar o potro, está bem? Você é mais importante para mim do que os meus cavalos.

— Sério?

— Claro que sim. Somos irmãos.

— O que estou querendo saber é se você falou a sério sobre me emprestar o potro.

— Sim. Agora vamos entrar. Você precisa tomar um ba-nho e dormir um pouco, ou estará péssimo à hora do café da manhã.

— Estou um lixo.

— Precisava me ver quando eu tinha a sua idade.

Judith os encontrou subindo as escadas.

— Vou me atrasar um pouco — Evan avisou.

— Não precisa se apressar.

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— Um hospício! — Lorde Mountjoy gritou, saindo da bi-blioteca. — Eu vivo num hospício! Oh, Judith, onde está o jornal de ontem? Já o procurei por toda parte.

— Coloquei-o sob o mata-borrão, na sua escrivaninha, para que ninguém pudesse pegá-lo.

— Deus a abençoe, minha filha. Você é a única, a única, que se importa comigo — ele exclamou em alto e bom som, para que seus filhos o ouvissem.

— Que diabos de algazarra é essa? — Ralph reclamou, abrindo a porta do quarto.

— Algazarra, é? Volte para a cama, seu fedelho ingrato.

— Nossas vidas aqui eram de um tédio mortal, antes da sua chegada — Judith comentou, quando Evan e ela pre-paravam-se para sair.

— Que Deus nos conceda um pouquinho de tédio, depois que eu me mudar para a casa onde viveu minha avó.

Nisto, lady Mountjoy abriu a porta da saleta.

— Você?! Pensei que tivesse deixado bem claro que não a quero saindo sozinha, na companhia deste... deste soldado. E altamente impróprio que ninguém mais os acompanhe.

— Mas...

— Sua irmã está certa, Judith — Evan concordou.

— O quê? — Helen e Judith exclamaram ao mesmo tempo.

— Andei pensando no assunto e, como não temos pa-rentesco de sangue, concluí que o correto é fazermos uso de um acompanhante para proteger a sua reputação, especialmente porque sou um soldado. Vamos, vá chamar Angel, depressa. Taurus já descansou bastante e precisa se exercitar.

— Será... será que Angel vai querer ir? — Judith per-guntou hesitante, não muito convencida da sinceridade de Evan sobre a necessidade de a irmã os acompanhar.

— Ela quer aprender a montar. Claro que adorará a idéia.

— Você acha que pode me convencer com esses truques, não é? Porém não vou aprovar suas atenções a nenhuma de minhas irmãs — Helen falou, áspera.

— Até um soldado teria dificuldades para seduzir duas mulheres ao mesmo tempo.

— Cuidado com as suas palavras, rapaz, ou farei como prometi.

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Lady Mountjoy retirou-se no momento em que seu marido saía da biblioteca.

— O que está acontecendo aqui? Não posso nem sequer ler meu jornal em paz.

— Nada, pai — Evan respondeu, inocente.

— Nada? Se eu o ouvir repetir essa explicação ridícula outra vez, serei capaz de estrangulá-lo. O que você está fazendo aí, parado?

— Esperando Judith e Angel. Vou levá-las para cavalgar.

— As duas juntas?

— Isso mesmo.

— Não quero que Angel monte um dos meus cavalos, ouviu bem? Ela seria capaz de arruiná-los.

— Ela pode montar um dos meus.

— Desde que você voltou, nunca mais tivemos um mo-mento de paz nesta casa. E um hospício, um hospício! — Ele tornou a entrar na biblioteca e bateu a porta com força atrás de si.

O café da manhã foi estranhamente calmo, depois da confusão inicial. Cada um dos presentes parecia se esforçar para evitar uma nova discussão. Lorde Mountjoy fitava os membros de sua família com firmeza, quase como se os desafiasse a romper a trégua. A única exceção aberta pelo velho lorde, foi para chamar a atenção de Ralph sobre a necessidade de comprar camisas novas. Assim, a lição de álgebra e de poesia daquele dia, foi adiada.

Evan encontrou Judith no jardim, experimentando um casaco em Thomas. O menino falava sem parar sobre seu cachorrinho, que fazia questão de trazer amarrado numa corda, para evitar que fugisse.

— Tia Judith, você tem certeza de que tirou todos os alfinetes desta vez?

— Acho que sim, querido. Por quê? Tem alguma coisa o espetando?

— Não. Eu só queria ter certeza.

— É incrível que você continue confiando em mim, Tho-mas, depois das tantas vezes que já o espetei.

— Não machuca, não. Eu só levo um susto.

— Como quando a gente cai do cavalo? — Evan pergun-tou, acariciando o cachorrinho. — Em geral não nos ma-chucamos, mas levamos susto.

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— Vi os seus cavalos — Thomas falou, cheio de admi-ração. — Eles são grandes, porém não tão gordos quanto os de papai.

— Mas acabarão ficando gordos, se continuarem a comer tudo o que lhes servem no estábulo.

— Vou ganhar um pônei no ano que vem, só que preferia um cavalo.

— Pôneis são mais interessantes, um verdadeiro desafio — Judith falou, querendo animá-lo.

— Sua tia tem razão. Pôneis são muito mais inteligentes do que cavalos. Se você é capaz de controlar um pônei, será capaz de montar qualquer animal, quando crescer.

— Verdade? — Toda a animação do garoto despareceu diante da chegada da babá. Judith também ficou tão desa-pontada, que Evan estranhou a intensidade daquela reação. Era como se ela nunca mais fosse ver o garotinho.

— Já terminei de provar o casaco, Miranda. Pode levá-lo.

— Você o mima mais do que a própria mãe. — Miranda segurou a mão do garotinho, num gesto possessivo, uma expressão irritada no rosto. Ignorando a presença de Evan, a babá fez com que Thomas a acompanhasse, o cachorrinho seguindo logo atrás.

— Você poderia ter um menininho como esse — ele co-mentou, observando os olhos de Judith brilharem de emoção. — Isto é, depois que se casar e tiver sua própria casa.

— Não! — ela murmurou tristemente. — Nunca terei um filho como Thomas.

Apesar de estranhar o comentário, Evan não a pres-sionou. De repente, um pensamento ocorreu-lhe. Seria Judith estéril? Talvez o médico lhe tivesse dito que jamais poderia ser mãe. Isso explicava a decisão de jamais se casar.

— Por que Miranda sempre leva Thomas embora, quando estou por perto? Será que me acha capaz de fazer mal ao menino?

— Não sei — Judith desconversou, dobrando o casaquinho com gestos amorosos.

— Espero que os criados não tenham enchido a cabeça da babá, acusando-me de haver matado meu irmão.

— Você não matou seu irmão. Foi um acidente.

— Então, por que ela age assim?

— Talvez porque Thomas tenha sido um bebê muito doente, quando nasceu. — A explicação forçada de Judith, não

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o convenceu. — Se não fosse por Miranda, poderíamos tê-lo perdido. Ele é quase tanto dela, quanto nosso.

Judith lhe parecia uma mulher tão sensata, de tão bom humor. Entretanto, bastava mencionar algo relativo a ca-samento e filhos, para desagradá-la. Não seria uma tarefa fácil conquistar aquele coração. Mas estava disposto a tentar.

Deitada, a cabeça enterrada no travesseiro, Judith chorou até não ter mais lágrimas. Fazia um longo tempo que não chorava assim. O efeito foi reconfortante. Pelo menos, serviu para aliviar o peso em sua alma.

— O que foi, querida? — Helen perguntou. — Evan tornou a incomodá-la?

— Não, não é isso. Desculpe-me, não a ouvi entrar.

— Eu não bati na porta. Vi você correndo pelo jardim e sabia que a encontraria chorando. Ele está trazendo todo o passado de volta.

— Não, o problema não é Evan. É... é tudo. Será que ainda precisamos manter Miranda conosco? Thomas já tem quase seis anos.

— Vamos precisar dela quando o novo bebê chegar.

— Mas ela quase não deixa Thomas brincar.

— Porque prefere brincar com ele sozinha. A babá o ama muito.

— Por menos que precisemos poupar dinheiro, seríamos capazes de nos arranjar sem ela. Eu poderia tomar conta de Thomas.

— Nós já tínhamos concordado que isso não era o mais sensato.

— Foi um erro! Eu nunca deveria ter aberto mão dele. Nunca!

— E que outra coisa poderíamos ter feito? — Helen per-guntou. — Era eu quem ia se casar. Você está com inveja de mim agora?

— Não, não é inveja. Apenas quero meu filho de volta.

— Você o tem. Todos nós vivemos sob o mesmo teto.

— Eu não o tenho. Ele é seu, mas você não o ama como eu o amo.

— Claro que o amo. Por mais que você tente me convencer do contrário, aposto que sua atitude está relacionada à chegada de Evan. Você nunca se arrependeu da decisão tomada antes. Era nossa única alternativa.

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— Eu sei. Porém, não é justo.

— A vida não é justa. Se o mundo fosse justo, os homens tomavam conta do lar, enquanto as mulheres assumiam o governo.

Judith riu, ainda triste.

— Quando meu bebê nascer, a babá ficará ocupada e lhe deixará tomar conta de Thomas. Marque minhas palavras.

— Sim, você deve estar certa. Como quase sempre.

Evan tomou emprestado o material de pescaria de Terry, disposto a passar algumas horas rodeado apenas pelo silêncio. O riacho onde costumara pescar, dez anos antes, parecia tão diferente, que mal o reconhecia. Talvez suas lembranças ti-vessem ficado distorcidas, com a passagem do tempo.

Ao abaixar-se para trocar a isca, uma bala passou zunindo rente à sua cabeça. Imediatamente, ele rolou para dentro da água, a tempo de ver uma mulher ao longe, vestida de branco. Segundos depois, a mulher desaparecia no meio das árvores, carregando um objeto escuro. Uma pistola.

Evan levantou-se e saiu da água, sentindo uma pontada de dor no dedo. O anzol havia se encaixado firmemente sob a pele do polegar. Recolhendo o material de pesca, voltou para casa.

— O que aconteceu? — Judith perguntou. — Você está ensopado.

— Andei pescando.

— Parece que o peixe venceu a batalha. Você tem um anzol enterrado no dedo.

— Eu sei.

Ela o fez sentar-se e examinou a posição do anzol cui-dadosamente, estudando a melhor maneira de extraí-lo.

— O que aconteceu? — ela tornou a repetir.

— Escorreguei numa das pedras, junto à margem do riacho.

— Isso explica o corte na sua cabeça. Por que você es-corregou?

— Se quer mesmo saber, alguém atirou em mim.

— Oh, Deus, pensei que fosse só imaginação, mas eu ouvi o estampido de um tiro sim — ela exclamou, horrorizada.

— Posso saber sobre o que vocês dois estão conversando, ou eu não devia perguntar? — Terry entrou e apoiou a espingarda de encontro à parede.

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— Alguém atirou em Evan, enquanto ele estava pescando.

— Foi um tiro de pistola — Evan apressou-se a explicar. — Vi a pessoa que atirou, porém à distância.

— Eu também ouvi o tiro e fui investigar, mas quando cheguei às imediações do riacho, não encontrei ninguém. Como era a pessoa que você viu?

— Tive apenas a impressão de que vestia branco.

— E ainda assim, você tem certeza de que era um tiro de pistola? — Judith indagou.

— Pelo som, é possível identificar o tipo de arma.

— Você disse que a pessoa estava vestida de branco? — Terry insistiu.

— E um detalhe significante?

— Não, por que seria? — Terry e Judith se entreolharam, sem no entanto nada dizer.

Evan teve certeza de que aqueles dois conheciam a iden-tidade de quem disparara a arma e que se negariam a fazer qualquer comentário.

Talvez fosse lady Mountjoy. Uma mulher determinada a expulsá-lo dali e com as emoções alteradas por causa da gravidez. Além de tudo, ela o avisara de que seria capaz de tomar uma atitude drástica. Se permanecesse em Meremont, teria que ser sempre muito cauteloso. Afinal, não poderia dizer a um homem feito seu pai, que a esposa estava à beira da loucura. Tampouco poderia dizer a Judith que suspeitava de Helen.

Quando, enfim, Evan encontrou-se com Bose, sentia-se pronto para partir. Já tivera o bastante.

— Eu sabia! Eu sabia que não ia durar! Você discutiu com seu pai outra vez, não foi?

— Não. Mas alguém atirou em mim. Posso muito bem continuar no exército, se...

— Você está falando sério? Alguém atirou em você, de propósito?

— Sim. Não foi você, foi? — Evan perguntou, brincalhão.

— Não me tente. Você conseguiu dar uma boa olhada na pessoa?

— Não.

— Então, como pode saber se foi de propósito?

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— Tem razão. Provavelmente, trata-se de um acidente — ele falou, determinado a sossegar Bose. Melhor seria colocar uma pedra em cima do assunto.

CAPÍTULO QUATRO

Evan foi para a biblioteca mais cedo, antes do jantar, com o único objetivo de observar a chegada de lady Mountjoy. Entretanto, ela não demonstrou a menor surpresa ao vê-lo vivo, apenas parecia irritada com a sua presença, como de hábito.

Talvez, Helen não se lembrasse de haver atirado. Talvez, quando o bebê nascesse, aquela loucura temporária desa-parecesse, ou então, piorasse.

Talvez, a insistência de Judith em recusá-lo, fosse con-seqüência dos comentários maldosos da irmã, a seu respeito. E por que não? Provavelmente, tratava-se da verdade. Era um soldado, inconstante, violento, merecedor de pouca confiança. Quem sabe não havia feito coisas muito piores do que até lady Mountjoy podia imaginar?

— Pare com isso! — lorde Mountjoy exclamou de repente. — Helen, não vou permitir que você continue olhando para o meu filho dessa maneira, cheia de raiva, durante toda a refeição.

— Pai, por favor, não — Evan pediu.

— Então vou passar a fazer as refeições no meu quarto, até você passar a achar a companhia de sua própria esposa mais agradável do que a de seu filho. — Helen retirou-se da sala de jantar com a pose de uma rainha ofendida.

— Você não ajuda nada, ficando calado o tempo inteiro. Será que não sabe manter uma conversa?

— Minha permanência aqui não está dando certo, pai.

— Ralph! — Lorde Mountjoy tornou a gritar, mudando a direção do ataque. — Diga-me o que aprendeu até agora, com esse inconseqüente.

Para surpresa de Evan, o rapaz pôs-se a discorrer, ani-madamente, sobre os princípios da álgebra, embora cometesse alguns enganos, quase imperceptíveis devido ao entusiasmo mostrado. Quando terminou de falar, Judith preencheu o silêncio, perguntando ao sobrinho sobre poesia.

— Eu não sabia que você mesmo tinha escrito aqueles versos — Evan comentou.

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— Bobagens de estudante.

— Não, não são, não — Judith afirmou. — Quase todas as cartas que você me escreveu vinham acompanhadas de um poema novo e bem escrito.

— Por que você nunca me mandou um poema? — Angel reclamou.

— Você não os entenderia — Ralph respondeu, prático. — Se é necessário explicar um poema, então ele não tem valor.

— É sempre a mesma coisa. Todos me consideram estú-pida, incapaz de compreender seja lá o que for. Todos acham que eu não sei nada.

— Você não gostaria de ler um de seus poemas para nós esta noite? — Evan sugeriu. — Provavelmente, não serei capaz de entendê-lo, mas gostaria de ouvi-lo.

— Bobagens desnecessárias — lorde Mountjoy decretou.

— Não é verdade — Evan discordou, sincero. — Tudo o que fazemos, as guerras que lutamos, o trabalho, o esforço para plantar a terra... Tudo isso é feito para que as diversas manifestações da arte, como a poesia, sejam possíveis.

— Então é assim. Eu fico aqui, me matando de trabalhar para manter esse rapazinho na escola, escrevendo poesias.

— Com certeza lorde Mountjoy não deseja ouvir meus versos — Ralph murmurou.

— Claro que quero. Você não ouviu o que eu acabei de falar? Você lerá para nós, depois do jantar. Pelo menos, vou saber no que estou gastando meu dinheiro.

Lady Mountjoy já estava na biblioteca, quando a família inteira se reuniu lá, após a refeição. Seu esforço para ignorar Evan era tão grande, que chegava a ser risível. De pé, Ralph escolheu uma folha de papel, entre as muitas que trouxera, e começou a ler:

"Alma Ferida

Outra manhã amarga

A lua se derrama sobre meus trabalhos

Uma mancha azulada no rosto pálido

Como se tivesse passado a noite em claro, junto ao fogo

Vou para onde me mandam aprender

Palavras prudentes de linguagem

A ciência das máquinas

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Os caprichos da política e das guerras

Quando tudo o que quero é pensar sobre a lua

Mas... sempre resta a noite".

— É isso, então? — Angel quebrou o silêncio que se seguiu.

— Sim. Qual é a sua opinião?

— Bem, um pouco curto, não é?

— Tamanho não quer dizer nada — Ralph respondeu, na defensiva. — E a qualidade...

— Os versos não rimam — Lorde Mountjoy falou.

— Sei que não rimam. Mas também sei fazer rimas. Exis-te uma diferença entre rimas e poesia.

— Gostei do que ouvi, embora não saiba dizer exatamente por que — Evan observou. — O excesso de rimas sempre me pareceu cansativo, como se desviasse a atenção do tema. Talvez, por isso, poesia nunca tenha me interessado muito.

— Continuo sem entender nada — Angel protestou.

— Eu sabia que não ia entender mesmo — Ralph declarou.

— Você acha que sabe tudo só porque está na escola. Por que o poema termina daquela maneira? O que você quis dizer com "Mas... sempre resta a noite"?

— Eu quis dizer que, durante o dia, tenho que estudar e aprender o que me obrigam. Porém, durante a noite, posso sonhar e escrever o que desejo, pois é impossível matar a fantasia em mim.

— Entendeu agora, Angel? — Judith perguntou, solícita. — A lua é uma metáfora para os sonhos, a fantasia, o romance.

— Uma o quê?

Ralph ergueu os olhos para o céu, exasperado.

— Uma metáfora. Quando o significado natural de uma palavra é substituído por outro.

— Seria muito mais simples se você dissesse as coisas de maneira clara, sem se dar ao trabalho de complicar. Não gostei do seu poema não.

— Pois eu gostei — sentenciou lorde Mountjoy. — Per-mitiu-me conhecer muito mais de Ralph do que em todas as

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outras vezes em que conversamos. Todavia, se pudéssemos colocar uma, ou duas, rimas...

— Obrigado a todos por me ajudarem, com suas opiniões. Agora, se me dão licença, vou subir e trabalhar um pouco mais na conclusão do poema.

— Você ia me explicar os detalhes sobre o canal — Evan falou, temendo que o pai resolvesse dar mais palpites sobre os versos do rapaz.

— Ah, sim, sim, o canal. Terry, traga-me um daqueles castiçais, sobre a escrivaninha. Aqui estão os mapas.

Quando o relógio bateu dez horas, as damas levantaram-se e colocaram os bordados de lado. De súbito, Evan se deu conta do quão tediosa podia ser a vida em Meremont. Na casa de sua avó, a rotina sempre era quebrada com alguma coisa, como um chá servido tarde da noite, por exemplo.

— Que pedaço de terra é esse? — ele perguntou ao pai, observando uma área não marcada no mapa.

— Ainda não é nossa. Quinze acres de chão inútil, perto do rio. Pertencem a lady Sylvia Vane. Com alguma sorte, poderemos nos apropriar desse terreno, sem pagar nada.

— Como?

— Se Terry não se matar antes, de tanto beber, irá fazer o que ambas as famílias esperam. Casar-se com a dona das terras.

— Suponho que eu sirva para alguma coisa — Terry falou, sem muito entusiasmo.

— Um sacrifício desses, por um pedaço de chão. E vale a pena? — Evan perguntou ao irmão.

— Lady Sylvia é linda.

— Você a ama?

— Não amo ninguém. Portanto, estou livre para casar-me com Sylvia.

— Espero que você lhe mostre um pouco mais de ardor do que isso — lorde Mountjoy comentou, rindo.

— E eu espero que você não descubra outra solteirona por perto, dona de terras. Não me sinto disposto a fazer tal sacrifício. Já basta Terry.

— Tudo o que espero de você é que construa o canal. Quantos homens você acha que serão necessários para a empreitada?

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— Centenas, a menos que o projeto leve anos para ficar pronto.

— Não podemos aguardar tanto. Precisamos do canal dentro de um ano.

— Impossível!

— Então, empregaremos quantos homens forem necessários.

— Você tem uma idéia de quanto isso vai custar, pai?

— Cabe a você calcular.

— Começarei a fazer os primeiros levantamentos amanhã. Evan tinha esperanças de conseguir dissuadir o pai da idéia de construir o canal quando lhe apresentasse os custos. Assim, pelo menos, salvaria o irmão de um casamento desastroso.

No dia seguinte, bem cedo, Evan e Judith saíram para cavalgar. Como Angel ainda não se levantara, Evan fizera Bose acompanhá-los. Os três partiram para o norte de Meremont, onde o canal devia ser construído. Seria como tra-balhar a partir do nada, Evan pensou, examinando a paisagem. De repente, um grupo de construções, além da colina, chamou-lhe a atenção.

— E uma fábrica onde os aldeões costumavam fazer peças de cerâmica — Judith explicou. — Desde que o dono morreu, o lugar foi fechado. Pelo que ouvi dizer, ainda tem muita argila por lá.

— Então, como é que meu pai acha que o canal vai dar lucros, transportando mercadorias até as aldeias mais pró-ximas, se há tanto abandono por aqui?

— Você acha uma má idéia?

— Péssima. Estou apenas adiando o momento de dar a minha opinião.

— Seu pai vai ficar furioso.

Bose olhou para Evan, os olhos acusadores.

— Bose, vá dar uma volta pela vila. Você nos alcança mais tarde.

Sem muito entusiasmo, o ordenança obedeceu, deixando o casal a sós.

— Logo que você chegou a Meremont, tive a impressão de que fazia de tudo para irritar o seu pai.

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— Mas não era de propósito. Meu pai estava sempre preparado para discordar, portanto, eu não precisava fazer muito esforço para tirá-lo do sério.

— Como era você quando rapaz?

— Não me lembro se costumava provocá-lo, ou não. Foi há tanto tempo... Se eu tinha o hábito de procurar irritá-lo, espero ter superado a fase.

— Se você tivesse crescido em Meremont, era provável que sim.

— O que você está querendo dizer?

— Helen é onze anos mais velha do que eu e praticamente me criou. Entretanto, hoje, nos relacionamos como iguais. A maneira como nos damos mudou, porque sempre estivemos juntas. Sua atitude em relação ao seu pai continua a mesma, porque vocês ficaram distantes um do outro durante anos.

— Por acaso está tentando me dizer que continuo a re-presentar o papel de jovem rebelde, desafiando a autoridade paterna?

— Sim, ainda que ele não tenha mais qualquer autoridade sobre você.

— Em outras palavras, eu devo amadurecer — Evan falou com um sorriso.

— Ou, pelo menos, agir como um homem maduro.

Ele riu com vontade.

— Você sabe como acertar os golpes, não é, minha querida?

— Não sou sua querida.

— E assim que meu pai a chama. Estou apenas procu-rando agir como ele, de maneira adulta — Evan explicou, com uma ponta de ironia.

— Quer seja intencional, ou não, você acaba magoando seu pai e isso me incomoda, porque gosto de lorde Mountjoy.

— Por que você gosta tanto dele? — Evan perguntou, puxando as rédeas de Taurus para esperar por Judith.

— Porque é um homem bom e gentil.

— Ao que parece, os anos se encarregaram de suavizá-lo.

— Ouça, seu pai está embarcando no grande projeto da vida dele. O canal é sua última grande realização. Um legado que deixará à família. Não vou permitir que você destrua esses

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sonhos. Será que não pode, simplesmente, concordar em construí-lo?

— Acho que já fiz muitas coisas na vida, por razões menos importantes. Pois bem, mon général — ele bateu continência — farei como diz. Mas o farei por você, não por meu pai.

— Faça por si mesmo, por seus filhos.

— Não terei filhos.

— Claro que os tera... eventualmente.

— Porem, não com você?

— Não.

— Então o farei pelos filhos de Terry.

— Não faça com que a responsabilidade seja minha, Evan. Não é justo.

— Não, não é. Desculpe-me. Porém, não creio que eu queira filhos. Não se eles tiverem que passar por tudo o que eu passei. Não vale a pena. — Evan esporeou Taurus e Molly seguiu o garanhão, para alívio de Judith. Sentia-se tão confusa com aquela conversa, que parecia haver perdido a capacidade de agir.

Não conseguia decidir se Evan estava, ou não, brincando. Ele era um homem marcado por uma infância destituída de afeto. Se não fosse pela avó, teria crescido completamente só. Depois, a experiência terrível da guerra. As feridas da alma são sempre as mais difíceis de cicatrizar.

Eles fizeram o resto do trajeto em silêncio e, como de hábito, pararam nos jardins do chalé, onde Evan vivera na companhia da avó.

— Desculpe-me, se fui muito ríspida. E impossível ima-ginar tudo o que você passou na Espanha, tudo o que já sofreu. Comportei-me como uma criatura insensível.

— O que lhe deu a idéia de que sofri na guerra? Aliás, foi um período gratificante.

— Suas cartas.

— Pensei que tivesse sido cuidadoso na escolha das palavras...

— E foi. Sempre reclamando da qualidade da comida, escrevendo de maneira jovial, como se a guerra fosse uma grande brincadeira. Entretanto, nas entrelinhas...

— Acho que vou ter que ler aquelas cartas outra vez. Não me lembro de nada o que escrevi.

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— Está falando sério?

— Se me concentrar, posso trazer à mente um determi-nado dia, uma certa batalha... Mas, na maior parte das vezes, os dias pareciam durar uma eternidade da qual não vale a pena lembrar.

— Então seu pai tem razão. Você, realmente, não quer falar sobre a guerra.

— Esta casa é o único lugar que me traz lembranças felizes.

— Seu pai diz que você passava mais tempo aqui do que na casa principal. Por quê?

— Não tenho muita certeza do motivo. Sei apenas que minha avó era capaz de me entender. Oh, Deus, sinto falta dela. Se eu tivesse sido pisoteado um ano antes, teria con-seguido uma licença mais cedo e vindo vê-la. Teria nos restado algum tempo juntos.

— Não fale assim. Você poderia ter sido morto.

Vendo-a sorrir, cheia de delicadeza, Evan sentiu-se to-mado por uma emoção profunda. Quase sem perceber, as palavras vieram-lhe aos lábios.

— Nunca pensei que, um dia, eu pudesse me apaixonar. Nunca imaginei que ainda restasse amor dentro de mim.

— Evan! — Judith o avisou.

— Não, não precisa me bater — ele respondeu, rindo. — Falei sem querer. Desculpe-me, nem sempre é possível evitar.

— Você transforma tudo numa brincadeira.

— Muitas vezes, é a única maneira de sobreviver. Eu falei a sério sobre a questão de filhos. Não tenho nenhuma vontade de passar meu sangue adiante, para uma nova geração. Se você não pode ter filhos, então está perfeito. Terry os terá...

— Como ousa você?

— O quê?

— Como ousa você decidir minha vida como se eu não tivesse opinião nenhuma a dar?

— Apenas pensei que você não aceitou meu pedido de casamento, por ser estéril. Existem homens que poderiam se importar...

— Ouça-me com atenção, Evan Mountjoy! — Judith o puxou pela gola do casaco, obrigando-o a aproximar-se. — Se eu quisesse você, não seriam filhos, ou a falta deles, que me impediriam de tê-lo. — Então ela o beijou com tal ardor, que

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surpreendenu a ambos. Depois, esporeando Molly, saiu em disparada.

— O que diabos isso significa? — Evan quis saber. Porém, só teve o silêncio como resposta.

Confusa, Judith deixou a égua no estábulo, perguntando-se como tivera coragem de beijá-lo. Que impulso incontrolável roubara-lhe a razão? E por que dissera que crianças não tinham importância, quando era a única coisa que importava? Não, não queria ser deixada só. Queria Evan, porém, o preço para tê-lo seria contar a verdade e isso era impensável.

Entrando em casa, a primeira coisa que ouviu foi a voz de lorde Mountjoy, esbravejando com alguém.

— O que aconteceu? — indagou a Helen.

— É o cachorrinho de Thomas — Helen explicou, con-trolando a aflição ao perceber a chegada de Evan. — Um dos cavalariços encontrou o bichinho enforcado com a própria coleira. Thomas foi mordido na mão esta manhã, mas nunca pensei que ele fosse capaz de reagir dessa maneira...

— Estou surpreso que Miranda não esteja aqui, para defender o menino — Evan observou.

— Ela estava, até que Hiram a mandou retirar-se. Judith fez um movimento na direção da biblioteca, porém Evan a impediu de entrar.

— Isso é algo que eu posso resolver melhor do que você — ele falou.

— Eu não entraria aí, se fosse você — Helen o aconselhou.

— Hiram acabará ficando ainda mais irritado.

— Sim, só que comigo. Com sorte, Thomas conseguirá escapar sem que meu pai perceba.

Tão logo ele abriu a porta da biblioteca, lorde Mountjoy quis saber que história era aquela de tentar interferir.

— Você não acha que o garoto já ouviu o bastante, pai?

Lorde Mountjoy, visivelmente abalado, engoliu em seco antes de falar.

— Nossa conversa ainda não está terminada, Thomas. Você não vai ganhar um pônei, ou qualquer outro animal de estimação, até que me explique o que aconteceu e se desculpe. Agora, vá para o seu quarto.

Em silêncio, o menino levantou-se e saiu da biblioteca, as lágrimas escorrendo pelo rostinho pálido.

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— Como ousa você interferir? Como ousa contestar minha autoridade paterna?

— Realmente não sei. Nunca tomei uma atitude tão tola, antes. Agi assim levado por um sentimento fraterno, suponho.

— Mesmo na sua pior fase, você nunca brutalizou um animal.

— Quem testemunhou o acontecimento?

— Ninguém. O cachorrinho mordeu Thomas hoje de ma-nhã. Uma hora depois, um dos rapazes o encontrou enforcado, no estábulo.

— Mas... mas qualquer pessoa poderia ter feito isso.

— Ninguém o fez. Nunca houve coisa igual em Meremont. E por que o menino não respondia às minhas perguntas?

— Talvez o medo o paralisasse.

— Ele age como se fosse culpado.

— Ou como se estivesse muito assustado.

— Oh, não vamos recomeçar. Você sempre tentava en-cobrir os maus feitos de Terry.

— Verdade? Ah, as galinhas. Eu já tinha me esquecido. Porém Terry não estava tentando afogá-las. Queria apenas lhes dar um banho.

— E o que Thomas poderia estar tentando fazer com o cachorrinho?

— Pensei que nós dois havíamos concordado não saber, com certeza, quem foi o responsável.

— O menino sabe de alguma coisa e não quer me dizer.

— Um soldado acusado de traição teria tido mais chance de se defender do que você permitiu àquela criança.

Lorde Mountjoy fitou o filho parecendo, subitamente, muito velho e cansado.

— Tenho tentado tanto fazer o que é certo para o menino. — Ele segurou uma folha de papel e, pela primeira vez, Evan notou como as mãos do pai tremiam com uma regularidade alarmante. Então era por isso que Judith cuidava da correspondência dele. Porque já não conseguia fazê-lo.

— Minha interferência foi indesculpável — Evan falou, procurando soar gentil. — E você, com certeza, está certo ao pensar que eu acabo fazendo mais mal do que bem. E que não consegui me controlar.

— Você sempre foi muito indulgente.

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— Você sempre foi muito duro.

— Mas sinto-me desgastado. Três filhos, agora mais dois. Que Deus me ajude se Helen estiver grávida de outro menino. Nunca serei capaz de criá-lo. Por que não pude ter uma filha como Judith?

— Todos nós temos que aceitar as cartas que a vida nos dá.

— Já tive a minha cota de cartas más.

Evan saiu sem nada dizer, decidido a provar que o pai estava errado.

Foi Judith quem levou a criança, aos prantos, para cima. Segurando Thomas no colo, ela sentou-se numa cadeira de balanço, junto à janela, e o ninou, até que os soluços de-sesperados se transformassem em murmúrios.

— Não fui eu quem fez aquilo, tia Judith — ele falou afinal, o rostinho cheio de angústia.

— Eu sei, querido. Você amava o seu cachorrinho.

— E agora ele está morto. Não vou poder ter outro, nem um pônei.

— Lorde Mountjoy só quer saber quem fez aquela mal-dade. Você sabe?

— Ele nunca me acreditaria, se eu dissesse. Ele acredi-taria em Evan. Papai nunca duvidaria da palavra de Evan.

— Sei que lorde Mountjoy é um homem justo. Você de-veria confiar nele.

— Papai gostava de mim, mas agora Evan voltou e vai estragar tudo.

— Tenho certeza de que você está enganado. Lorde Mountjoy ainda o ama muito e está apenas preocupado a seu respeito.

— A babá Miranda diz que ela é a única que me ama.

— Você sabe que não é verdade. Eu te amo, assim como Helen e Angel. Até mesmo Ralph está sempre o defendendo.

— Não há lugar para mim aqui.

— Claro que há. Nada mudou.

— Você não pode saber, tia Judith.

— Às vezes as coisas mudam para melhor, querido. Agora, vou deitá-lo na minha cama, para que você tire uma soneca. Logo que acordar, vou levá-lo até a cozinha, para

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tomar um lanche. Talvez a cozinheira tenha feito um bolo gostoso para agradá-lo.

— Você não vai me deixar?

— Vou estar bem aqui, sentada nesta cadeira, quando você acordar. Nunca irei deixá-lo. Nunca.

Na manhã seguinte, lorde Mountjoy decidiu sair para cavalgar com Evan e Judith, determinado a verificar se as primeiras providências para a construção do canal já haviam sido tomadas. Imediatamente, Angel aderiu à idéia.

— O que você acha dele? — Angel perguntou, enquanto a irmã a ajudava a arrumar os cabelos.

— De quem?

— De Evan, claro. Na minha opinião, aquela cicatriz no queixo o torna ainda mais bonito, não é?

— Nunca pensei no assunto — Judith mentiu.

— Que fingida, quando você só tem olhos para ele. Aposto que pensa em Evan o tempo todo.

— Sinto pena dele. Durante anos, temos desfrutado da hospitalidade desta casa, que, por direito pertence a Evan, enquanto ele esteve fora, lutando. Helen nem sequer o faz sentir-se bem-vindo.

— A presença dele muda tudo. O coitado do Terry perdeu os direitos e Ralph será deixado sem nada. A sorte de Thomas também não será diferente.

— Estou certa de que lorde Mountjoy proverá uma boa educação para Ralph e Thomas. E a melhor coisa que os dois podem receber como herança. Ele também diz que pretende vê-la bem casada e que lhe dará um dote.

— E quanto a você?

— Sinto-me perfeitamente feliz aqui, trabalhando como secretária de lorde Mountjoy — Judith respondeu muito calma.

— Não minta para mim, pois sei que não está feliz. Pelo menos não o tempo inteiro.

— Sou tão feliz quanto me é possível. Nem todos nós nascemos para brilhar sob o sol, como você. — Judith prendeu o chapéu da irmã com firmeza.

— Ai, você está me machucando.

— Desculpe-me, Angel. Agora, por favor, observe-me du-rante o passeio e tente parecer que está cavalgando.

— Todo mundo me critica. Até você.

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— Você tem que melhorar, ou Evan acabará perdendo a paciência e impedindo-a de montar os cavalos dele.

— Eu acho que Evan ficou impressionado com a minha beleza no dia em que me conheceu. Você não acha?

— Sim, mas ele não sabia a sua idade.

— Você gosta dele, não é?

— Sim, Evan é uma pessoa agradável. E então, você vem comigo, ou não? Já os estou vendo ir para o estábulo. E lorde Mountjoy não gosta de esperar.

— Quanto?

— Angel, pare com isso! Evan é um amigo... nada mais.

— Você gosta dele assim como de Terry? Quase como um irmão?

— Sim, como um irmão.

— Ótimo. Eu estava só checando, porque pretendo tomá-lo para mim.

— Você o quê? — Judith parou no meio da escada, ten-tando controlar os próprios sentimentos.

— Pretendo me casar com ele.

— Mas, querida, Evan é muito mais velho do que você.

— Agora que Teny e eu terminamos, preciso me casar com alguém. E Evan está disponível. Não vejo nenhum impedimento.

— Pois eu acho que Evan verá.

— Não se preocupe. Vou me comportar muito bem e não discutirei nunca, por motivo algum. Você não vai nem me reconhecer.

Mal as duas chegaram ao estábulo, Angel agarrou o braço de Evan, obrigando-o a ajudá-la a montar. Evan olhou para Judith, como se pedisse socorro, porém não teve outra al-ternativa a não ser dar atenção a Angel. Judith sorriu, lembrando-se de que precisava mostrar-se serena, já que dei-xara claro sua intenção de não casar-se. Assim, que motivos teria para evitar que Angel conquistasse Evan? A diferença de idades não deveria ter importância. Afinal, Helen tinha apenas trinta e cinco anos e lorde Mountjoy, sessenta.

Porém, bastou reparar a expressão do rosto de Evan, para ter certeza de que ele jamais toleraria uma esposa feito Angel. Mimada, infantil e sem o mínimo interesse em aprender a montar.

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Durante todo o trajeto, Evan não conseguia tirar os olhos de Judith. Trabalhando como secretária de seu pai, ela devia estar a par de todos os assuntos referentes a Meremont. Sem dúvida, se interessava mais pelos negócios da família do que Terry. Seria uma esposa perfeita, admirável em todos os sentidos. De alguma maneira, não importando quanto tempo demorasse, iria convencê-la a aceitar seu pedido de casamento. Ou, então, não havia sentido em permanecer ali.

Após o desjejum, Evan estava sentado na única poltrona de seu quarto, lendo o Times, quando Terry entrou, entusiasmado.

— Oh, aqui está você. Tenho ótimas notícias. Papai já arrumou tudo. Vou ser oficial do exército.

Evan levantou-se imediatamente, uma expressão cons-ternada no rosto.

— O que você está querendo dizer com isso? Pensei que fosse casar-se com lady Sylvia.

— Posso casar-me também. Você... você está me pare-cendo preocupado. Achei que fosse ficar feliz por mim.

Lorde Mountjoy escolheu aquele exato momento para aparecer, sorrindo satisfeito e trazendo uma carta nas mãos.

— Evan, tenho novidades.

— Já sei.

— Pai, não creio que ele esteja satisfeito — Terry o avisou.

— Que história é essa? — Lorde Mountjoy indagou áspero.

— Eu não tinha idéia de que Terry queria ser soldado.

— Se você vai assumir os negócios da família, ele fica livre para seguir carreira no exército.

— Mas eu não quero que meu irmão vá para o exército — Evan protestou. — Diga-lhe para não ir, pai. Terry, você acha que eu o quero levando um tiro? Como vou ter sossego, sabendo que você pode estar passando fome, ou sendo des-pedaçado numa batalha? Eu não poderia suportar. Se um de nós tem que partir para a guerra, serei eu.

— Chega! — Lorde Mountjoy exclamou, trêmulo. — Sem dúvida você pretendia deixar o exército, quando voltou para Meremont, não é?

Evan ficou alguns instantes em silêncio, antes de responder.

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— Não. Minha idéia inicial era passar algum tempo com minha avó e depois partir. Não tinha intenção de ficar aqui.

— Claro que você veio para ficar. Que mais eu poderia pensar?

— Considerando as boas-vindas que recebi por parte de sua esposa, que outra alternativa me restava? Desculpe-me, eu não devia ter dito isso.

— Você precisa entender Helen. Ela tinha certas expectativas.

— Que eu estivesse morto, por exemplo.

— Que Terry herdasse Meremont e Ralph ficasse com as terras junto aos pântanos. Assim, foi obrigada a reajustar os planos.

— É por isso que você está mandando outro filho para a guerra?

— A guerra acabou, agora que a cidade de Toulouse foi tomada e Napoleão abdicou. Terry nunca seria mandado para a França. O pior que pode acontecer ao seu irmão, é ser mandado para a América, onde poderia desfrutar algum tempo na companhia dos amigos.

— Espero que seja divertido — Terry comentou.

— Pior ainda na América — Evan falou, muito sério. — Eu queria que você não romantizasse a guerra. Não há nada de divertido.

— Não para você — lorde Mountjoy concordou. — Você sempre foi interessado nos estudos. Por isso me surpreendi tanto quando sua avó me contou que pretendia se alistar como engenheiro no Exército Real.

— Mas... você sempre disse que eu iria para o exército. Pensei que...

— Nunca disse uma coisa dessas.

— Sim, disse. Lembro-me, perfeitamente, de você dizer que um dia eu seria soldado.

— Quando você tinha uns cinco ou seis anos, talvez. Po-rém, logo cheguei à conclusão de que seu grande interesse era estudar. Presumi que acabaria estudando leis, ou seria sacerdote. Por que escolheu o exército? Diga-me a verdade, pelo menos uma vez.

— Eu havia terminado os estudos e não tinha idéia do que faria. Pensei que me alistar fosse o que você esperava de mim.

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— Quer dizer que construiu todo o seu futuro baseado num comentário que eu fiz, quando você tinha seis anos? — lorde Mountjoy gritou.

— Era tudo o que me restava.

— Eu esperava que você viesse para casa, que assumisse o seu lugar aqui.

— Nunca tive um lugar aqui. Nunca!

— Infelizmente, não posso fazer nada, se você tinha ciú-mes de Gregory.

— Ciúmes?

— Sim.

— Porque você não me amava.

— Que absurdo é esse?

— Como podia me amar, se eu o matei?

Um silêncio pesado se estendeu durante vários minutos. Lorde Mountjoy desviou o olhar, antes de responder.

— Bobagem. Foi um acidente. Um acidente que acabou gerando uma situação desnecessária. Eu devia ter trazido você de volta para esta casa e não permitido que ficasse no chalé de sua avó. Eu devia ter insistido.

— Que história é essa? Foi você mesmo quem deu ordens para que eu ficasse lá.

— Você se lembra disso?

— Sim, as últimas palavras que o ouvi dizer foram: "Ele nunca mais porá os pés em Meremont".

— Oh, Deus, pensei que você estivesse inconsciente.

— Agora já não tem importância — Evan murmurou, querendo não ter magoado o pai com aquelas lembranças. — Está tudo acabado. Mas você tem que levar em consideração o pouco que eu tinha, naquela época. Sem passado, sem futuro e sem uma palavra sua. Pelo menos agora, tenho um passado que construí com minhas próprias mãos, embora me falte um futuro.

— Não seja absurdo. Seu futuro está aqui.

— Se existe alguma coisa para a qual não sou talhado é ser fazendeiro.

— Fazendeiro? Não é isso o que espero de você. Quero o seu talento para a engenharia a serviço de Meremont. Quero o meu canal e três pontes para cruzá-lo, ligando uma estrada à outra.

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— Odeio construir pontes — Evan falou, petulante.

— Mas você as construirá?

— Pois bem, eu as construirei.

— Ótimo. E você, Terry, irá ajudar seu irmão.

Terry concordou, desapontado, e saiu do quarto, na com-panhia do pai.

— Não posso deixá-lo um minuto sozinho, sem que você se meta em encrenca. — Bose entrou no quarto e guardou o casaco que estivera escovando.

— Eles me pegaram de surpresa. Você ouviu o que meu pai disse. Terry não iria durar um mês no exército.

— Houve um tempo em que eu não o julguei capaz de durar um mês, mas o exército o transformou.

— Não quero que meu irmão se transforme em alguém como eu.

— E quanto tempo ficaremos aqui?

— Não sei ao certo. A menos que as coisas comecem a correr muito mal, terei que ficar até construir o canal. O que é necessário para colocar a casa de minha avó em ordem?

— Precisamos contratar uma meia dúzia de criadas, para começar. A limpeza vai demorar algum tempo.

— Pois contrate-as.

— Posso chamar Joan?

— Sim, desde que também me consiga uma assinatura do Times. Pelo menos assim, meu pai e eu não teríamos que brigar para ver quem vai ler o jornal primeiro.

CAPÍTULO CINCO

Evan ficou surpreso quando Ralph sugeriu que todos lessem um pouco, em voz alta, após o jantar. Angel titubeou diversas vezes, na pronúncia de algumas palavras, mas seguiu em frente.

Quanto a Judith, podia ouvi-la para sempre. A voz suave o fazia lembrar-se da de sua avó, perfeita para alegrar crianças e confortar um homem. Como é que uma mulher assim fizera votos de nunca casar-se, quando havia nascido para o matrimônio? Entretanto, podia até entendê-la. Tendo uma família para cuidar, faltaria-lhe tempo para ler e estudar,

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especialmente considerando todo o trabalho a que se dedicava em Meremont.

Incapaz de desviar o olhar de Judith, Evan percebeu que lady Mountjoy o fitava, ameaçadora. Ele sorriu, sem se importar de ser odiado. Depois de muito refletir, concluíra que Helen, provavelmente, não quisera matá-lo, apenas assustá-lo. E ficara tão chocada com a própria atitude, que agora fingia tolerá-lo, embora o mantivesse a distância.

— Eu disse que nossas noites devem ser muito entedian-tes para você — seu pai repetiu, elevando a voz.

— Oh, não — Evan respondeu automaticamente. — Não se comparadas às horas passadas junto a uma fogueira.

— Só que vocês deviam ficar conversando sobre as ba-talhas e coisas assim — Terry argumentou.

— Sim, porém, quando tudo o que se tem para falar, durante meses a fio, resume-se a questões ligadas à guerra, é difícil suportar.

— Você nunca vai me contar nada sobre suas batalhas, não é? — Terry insistiu.

— Minhas batalhas? Mal me dava conta do que acontecia ao redor. Ficava nas trincheiras, tentando posicionar os ca-nhões no lugar certo durante o ataque.

— Então, como se feriu?

— Durante um cerco, correndo sob o fogo inimigo.

— Ouvi dizer que você foi um dos primeiros a entrar em Badajoz, quando a cidade caiu.

— Quem foi que lhe contou isso? — Evan indagou, irritado.

— O primo de lady Sylvia, capitão Farlay. Ele deve saber, pois estava lá. Disse que você parecia enlouquecido de ódio.

— A cidade devia ter se rendido, quando destruímos suas defesas.

— Por quê?

— Essas são as regras que nos são ensinadas no exército.

— Que diferença faz? — lorde Mountjoy perguntou. — Basta tomar a cidade.

— A diferença, pai, está no que acontece à população civil — Evan respondeu amargo.

Antes que Judith pudesse impedi-la, Helen intrometeu-se na conversa.

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— E o que acontece aos civis?

Por um instante, Evan permaneceu em silêncio, o horror estampado nos olhos escuros, a boca rígida.

— A cidade é saqueada. Os soldados cometem todo o tipo de rapinagem e atrocidade. Não há como detê-los! Com licença — ele falou de repente, levantando-se e saindo da sala.

— Não consigo entender a reação de meu irmão! Não é culpa dele. Ele não estava no comando!

— Mas ele teve participação no que aconteceu — Judith explicou. — Se não fosse por seu trabalho de engenharia, talvez a cidade não tivesse caído. Embora Evan não tenha culpa das ações dos soldados, sente-se responsável.

Helen fitou a irmã, uma expressão entre surpresa e cu-riosa no rosto.

— Quem poderia imaginar que Evan fosse assim?

— Ele é parecido com lorde Mountjoy em muitos aspectos.

Lorde Mountjoy sorriu com o comentário.

— Bem, bem, bem. Evan parecido comigo! Você acha mesmo, Judith?

— Sim, vocês dois são muito parecidos.

— Talvez você esteja certa, minha cara.

Terry tomou o conhaque até a última gota.

-— Não posso ficar aqui, Bose. — Evan atirou-se na pol-trona, os olhos nada enxergando através da janela.

— Que Deus nos ajude! O que você fez agora?

— Eles sabem. Eles sabem sobre Badajoz.

— O mundo inteiro sabe sobre Badajoz. Meu conselho é que você esqueça o que aconteceu.

— Esquecer? As mulheres gritando... Algumas, pouco mais do que crianças, muitas, mais jovens do que Angel, sem nem ter idéia do que estava para lhes acontecer.

— Você não participou de nada disso.

— Mas não consegui impedir os soldados.

— Você fez tudo para chamá-los à razão, exceto atirar em seus próprios homens.

— Depois do que aconteceu, nunca pude tornar a encará-los da mesma forma. É duro concluir que o homem é apenas um animal que usa roupas.

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— Mais um motivo para sair do exército e acomodar-se aqui. Se é paz o que procura, Meremont é o lugar ideal para encontrá-la.

— Não tenho tanta certeza assim.

Bose saiu do quarto e deixou-o só.

Angustiado, Evan levantou-se e começou a andar de um lado para o outro. Sentindo-se asfixiar ali dentro, saiu para os jardins e caminhou até o chalé onde morara com a avó.

A porta estava destrancada e os primeiros trabalhos de limpeza já haviam começado. Sem dúvida, feitos por Judith.

Ele acendeu uma vela e fez um pequeno fogo na lareira. Depois, abriu todos os armários até encontrar uma garrafa de vinho caseiro, especialidade de sua avó. Ruibarbo, concluiu, ao tomar o primeiro gole. O sabor perfeito para acompanhar seu estado de espírito. A vida, quando em seus melhores momentos, era mesmo agridoce.

Encontrara a mulher de seus sonhos e ela o rejeitara. Talvez, houvesse se precipitado com aquele pedido de ca-samento. De uma única coisa tinha certeza. Judith fora profundamente magoada por um homem e ainda não superara o trauma. Podia até ter sido estuprada e perdido a capacidade de gerar filhos. Por isso, ele dissera que não fazia questão de filhos. Como soldado, nunca pensara em casar-se, ou constituir família.

Mas ele precisava de Judith. Se ao menos pudesse fazê-la enxergar que nem todos os homens são monstros, que não há necessidade de temer o amor. Em algum lugar, sob aquele exterior dócil e sereno, vibravam paixões reprimidas. O beijo que ela lhe dera, impetuoso, intenso, não deixara dúvidas quanto à natureza ardente de Judith. Entretanto, ele queria mais, muito mais.

Assim como a conversa após o jantar afetara Evan, Judith também se afligira terrivelmente. Apesar de tentar, não con-seguia conciliar no sono, atormentada por pensamentos an-gustiantes. Se, em algum momento, cogitara a possibilidade de falar a Evan sobre o seu passado, mudara de idéia. Ele se mostrara tão horrorizado com o que acontecera em Badajoz, que não iria perdoá-la nunca por ter se deixado envolver numa situação comprometedora. A melhor coisa a fazer era manter distância. Tudo bem se continuasse a admirá-lo, a defendê-lo, mas só. Jamais deveria permitir-se amá-lo.

Porém, bastava pensar nele, para que todas as suas boas intenções caíssem por terra. Como é que podia ser uma mulher tão determinada e sensata e, ainda assim, ver-se reduzida a

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um feixe de emoções quando diante dele? Seu maior medo era que não conseguisse superar esses sentimentos.

Devagarinho, para não acordar Angel, Judith levantou-se da cama e sentou-se junto à janela. Talvez Thomas estivesse certo. As coisas mudariam com a chegada de Evan. Durante anos, obrigara-se a se contentar com o que a vida lhe dera. Agora, tudo lhe parecia sem sentido.

De repente, um ponto de luz chamou-lhe a atenção no chalé. Será que esquecera uma vela acesa, após terminar seu trabalho? Melhor verificar o quanto antes. A última coisa que queria era causar um incêndio por descuido. Judith vestiu uma capa sobre a camisola e saiu para dentro da noite.

Já meio atordoado pelo vinho, Evan dispensou o copo e passou a beber diretamente da garrafa, como costumavam fazer na Espanha. O gesto lhe trouxe de volta lembranças que preferiria esquecer. Tantas e tantas vezes apelara para a bebida, tentando preencher o vazio que o consumia. Nenhuma das mulheres com quem se deitara fora capaz de tocar-lhe a alma, e o sexo, durante a guerra, fora sempre em troca de dinheiro, ou comida. O amor não podia ser comprado, por isso, acabava sempre insatisfeito. Evan passou a mão pelos cabelos, os pensamentos voltados para Judith.

Como se trazida pela força de suas emoções, ela se ma-terializou à sua frente, vestindo uma capa de veludo. Ele piscou várias vezes, certo de que era apenas imaginação.

— Pensei que a casa estivesse pegando fogo. — Judith apanhou o copo da mesinha e experimentou o conteúdo, estremecendo. Então, sentou-se ao lado de Evan, no sofá.

— Desculpe-me. Não tinha intenção de preocupá-la. — Percebendo a camisola sob a capa, Evan sentiu uma pressão nas virilhas e desviou o olhar. — A chaminé suga bem o ar — comentou, tornando a encher o copo de Judith.

— Se você quer esquecer o que aconteceu na guerra, eles deveriam respeitá-lo e deixá-lo em paz.

— A questão não é só esquecer o que aconteceu, mas fazer com que Terry perca essa noção romântica sobre a guerra, essa idéia absurda de que as pessoas se divertem nos campos de batalha. Você sabia que meu pai quase lhe comprou uma patente de oficial?

— Sim.

— Por que não me contou o que os dois planejavam? Consegui fazê-los desistir, mas não foi fácil.

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— Eu não podia imaginar como você se sentia a respeito do assunto. Sei que escondia muito dos seus verdadeiros sentimentos nas cartas que escrevia à sua avó, porém, não tinha idéia de quanto odiava toda a situação.

— Falando em minha avó, você disse que ela guardou alguns jornais. E verdade?

— Sim, muitos exemplares. Ela gostava de ler os artigos várias vezes e discutir comigo sobre nossas chances de vitória. Também gostava de pensar onde você poderia estar.

— Que maneira terrível de terminar a vida.

— Asseguro-lhe que ela sentia muito orgulho de você.

— Eu não tenho orgulho de mim.

Sem saber o que responder, Judith tomou o resto do vinho.

— Vou ver se acho os jornais. — Ela vacilou ao levantar-se. Imediatamente, Evan a amparou.

— Onde será que minha avó os guardou? No sótão? Posso ir pegá-los.

— Não. A última vez em que os vi, estavam num dos quartos.

— Você, realmente, não devia estar se ocupando com a limpeza deste lugar — ele falou, subindo a escada logo atrás de Judith.

— Não me importo. Gosto de ter algo diferente para fazer. — Judith colocou o castiçal sobre a mesa de cabeceira e abriu um baú. — Os jornais mais antigos devem estar no fundo. — Quando terminou de retirar tudo, ela levantou-se, tornando a vacilar. Imediatamente, Evan a amparou, fazendo-a sentar-se na cama.

— Eu não devia ter lhe dado aquele vinho. É muito forte, para quem não está acostumado a beber.

— Talvez me dê coragem para lhe dizer a verdade, pelo menos uma vez.

— A verdade?

— A verdade é que... você não me é indiferente.

— Eu não lhe sou indiferente? Você está querendo dizer que me ama?

— Talvez. Como quase não nos conhecemos, é possível que amor seja uma palavra muito forte.

— Quanto tempo se conhece alguém não tem nada a ver com isso. Eu soube que a amava no momento em que a vi. —

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Num movimento suave, ele beijou-a na boca, surpreendendo-se ao não ser rejeitado. Com certeza, era o vinho. Judith, finalmente, baixara a guarda.

Evan sabia que não estava bêbado e que se fizesse amor com Judith, seu comportamento não seria melhor do que o dos soldados que haviam tomado as mulheres de Badajoz à força. Porém, aqueles lábios femininos, absorvendo a sua tristeza, infundiam-lhe nova vida, acendiam, em sua alma, uma chama que pensava extinta. Sim, ela o desejava. E não por suas poucas qualidades, ou seu dinheiro. Mas por si mesmo.

— Olhe para mim, Judith — ele pediu. Sem deixar de fitá-la, deitou-a na cama e beijou-a outra vez, com uma avidez que beirava a loucura.

— Você me ama. E é tudo o que importa, não é?

— Eu... eu não sei. Eu ia lhe dizer algo... — ela murmurou, acariciando a cicatriz sob a barba com a ponta dos dedos.

— A verdade. Você me ama.

— Sim, eu o amo, especialmente agora, quando sei quanto você sofreu.

— Seu amor recompensa todo o sofrimento. E meu amor por você fará o mesmo. Vamos curar as feridas da alma um do outro. Não é o que você quer?

— Sim, mais do que tudo, porém...

Evan ficou de pé e despiu-se com gestos rápidos. Se Judith quisesse, o teria impedido. Entretanto, ela continuava a fitá-lo com aqueles olhos ávidos, febris. Como não saciar a fome que os consumia com igual intensidade?

Mesmo na penumbra, Judith podia ver as outras cicatri-zes, que a fascinavam tanto quanto o membro ereto. Ela passou a língua pelos lábios e tentou levantar-se, mas sua cabeça girava. Evan era tudo o que se esperava da figura masculina. Forte. Viril. Músculos rijos.

— Quem lhe fez isso? — ela perguntou, acariciando a cicatriz do braço de uma maneira estranhamente possessiva.

— Um voltigeur francês — ele respondeu, estremecendo sob as mãos femininas.

— Ele está morto?

— Sim. — Num movimento deliberado, Evan ajoelhou-se sobre Judith, deixando-a ver o quanto estava excitado. Era o momento certo de ela impedi-lo de seguir em frente, de voltar à razão.

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— E essa outra cicatriz? — Bem devagar, Judith deslizou os dedos pela coxa musculosa.

— Um traidor espanhol.

Lânguida, ela o puxou para si e beijou-o na boca, até ficarem ambos ofegantes, trêmulos. E quando o sentiu acariciá-la nos seios, pressionando os mamilos intumescidos, deixou escapar um gemido.

— Eu a machuquei?

— Não, não foi isso.

— Acredite-me, eu nunca faria nada para machucá-la. Você nunca precisa ter medo de mim.

— Não é de você que eu tenho medo.

— De quem, então?

— De mim mesma, acho.

— Não tenha medo do que está nos acontecendo. Você é uma mulher normal, saudável. Não são apenas os homens que sentem prazer.

Como se para provar seu ponto de vista, Evan ergueu a camisola de Judith e beijou-a entre as coxas. Por um instante, passou-lhe pela cabeça que talvez estivesse se aproveitando da embriaguez dela. Como poderia viver com a própria consciência, se tirasse vantagem da situação? O fato de Judith já não ser virgem, como tinha razões para suspeitar, não alterava nada. Uma relação sexual forçada era tão terrível na segunda vez quanto na primeira. Deveria amá-la e provar que nem todos os homens são animais. Assim, com certeza, ela aceitaria seu pedido de casamento.

Enlouquecida de paixão, Judith acariciava-lhe os cabelos, enquanto se deixava beijar nas partes mais íntimas, desejando algo que não sabia nem definir. Estava em suas mãos fazê-lo parar, se quisesse. Evan jamais a forçaria a nada.

— Judith, você tem certeza do que quer? — ele perguntou, a respiração alterada, o corpo tenso.

— Está acontecendo uma coisa estranha comigo. Não consigo entender.

— Você nunca se sentiu assim antes?

— Não. Com ele, não foi nada parecido. Eu não me sabia capaz de experimentar tamanho desejo. Você me seduz só de olhar para mim, sem nem tentar, ou se importar.

— Mas eu me importo com você. Eu a amo cada vez mais intensamente. E fiquei aqui apenas por sua causa.

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Judith sabia estar ouvindo a verdade. Prendera Evan a Meremont, quando nada o teria feito. Que mal havia em dar a ele o que ele precisava agora, o que ambos precisavam? E se fosse gerada outra criança? Não, não era possível que acontecesse duas vezes. A vida não podia ser tão injusta. A vida devia-lhe algo, nem que fosse uns poucos momentos de grande felicidade. Judith fechou os olhos e entreabriu as coxas, num convite silencioso. Desta vez, não seria forçada. Desta vez, não haveria dor, nem raiva, nem sofrimento.

Evan penetrou-a numa única investida. Por um instante, os dois permaneceram imóveis, até que começaram a se mover, devagar, a princípio, depois, perdidos num ritmo alucinado, ditado pelo instinto.

Já não era possível raciocinar, apenas deixar-se levar pela paixão desenfreada, sem pudores ou receios. E quando, finalmente, alcançaram juntos no orgasmo, Judith soube haver encontrado a verdadeira felicidade.

Exausto, saciado, Evan rolou para o lado e puxou o lençol empoeirado para cobri-los. Queria protegê-la de tudo, mantê-la perto de si até o fim dos tempos.

— Podemos mandar expor os proclamas durante os três próximos domingos e nos casarmos até o fim do mês — ele falou, beijando-a de leve no pescoço.

— Proclamas? — Judith perguntou confusa. — Que proclamas?

— Para o nosso casamento. Claro que, se você preferir, posso conseguir uma licença especial, só que...

— Não.

— Nada de licença especial? Então só teremos que esperar mais três semanas.

— Não. Não posso me casar com você.

— Mas... mas estamos casados, aos olhos de Deus. Você tem que se casar comigo agora.

— Tenho? Foi por isso que agiu assim? Para me forçar a aceitar seu pedido de casamento?

— Forçá-la? Não. Apenas presumi... Qual a sua opinião sobre o que aconteceu entre nós?

— Não sei. Eu não estava pensando.

— Por que não se casa comigo?

— Era o que eu estava tentando explicar, antes de tomar todo aquele vinho. Houve outra pessoa na minha vida, antes de você. — Judith puxou o lençol e cobriu-se.

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— Entendo. Só que você não o amava.

— Eu o odiava.

— Mais uma razão para casar-se comigo.

— E deixar Meremont?

— Sim.

— Se você partisse, eu teria que acompanhá-lo. E não vim aair de Meremont.

— Se é assim, podemos morar aqui, nesta casa.

— Também não posso morar numa outra casa. Meu lugar é ao lado de Helen.

— Você não está sendo razoável.

— Deixe-me em paz — ela murmurou, desviando o olhar.

— Mas eu te amo! Diga-me onde foi que errei.

— O problema não é você, Evan. Sou eu. Se ao menos o efeito do vinho já não tivesse passado, eu poderia contar-lhe tudo. Agora, por favor, deixe-me sozinha.

Para Judith, o casamento era uma ameaça e a fazia lem-brar-se do noivado desastroso com Banstock. Thomas fora a única coisa boa que resultara daquele terrível engano. Casar-se poderia significar o abandono de seu filho. Como seria capaz de deixar Thomas de lado, em troca de alguns momentos de um prazer cheio de culpa?

Vendo-a chorar, e sem nada entender, Evan pegou as roupas e foi se vestir no corredor escuro. Depois, voltou para a sala de estar e sentou-se no sofá, certo de que enfrentaria mais uma noite insone.

O dia seguinte amanheceu chuvoso. Evan queria, deses-peradamente, falar com Judith, que o deixara, na noite anterior, sem ao menos despedir-se. Acabou encontrando-a na biblioteca, escrevendo uma carta ditada por lorde Mountjoy. Entretanto, não pôde nem sequer lhe dirigir a palavra, pois seu pai convidou-o a retirar-se.

— O que você acha, Judith? Será que ele vai fazer?

— Fazer o quê? — ela perguntou, pega de surpresa.

— Construir o canal.

— Talvez tenhamos que colocá-lo a par de nossos verda-deiros planos. Seu filho não é nenhum tolo.

— Vamos ver até onde podemos ir sem revelar maiores detalhes. Não é que eu não confie em Evan, porém...

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— Não será ele quem deixará vazar informações sobre o canal, pois não estava aqui quando lady Sylvia comprou aquelas terras.

— Não temos certeza se ela sabe de alguma coisa sobre o canal, embora eu acredite que desconfie de algo.

— Mas se ela não sabe de nada, por que teria comprado aquelas terras? — Judith perguntou.

— Talvez Terry tenha deixado escapar um ou outro co-mentário, apesar de ele negar. Por outro lado, por que con-cordaria em casar-se com lady Sylvia, a não ser para se apossar das terras?

— Não creio que Terry seja tão estúpido.

— E porque você ainda não viu meu filho quando ele está realmente bêbado.

— Que motivos lady Sylvia teria para comprar as terras?

— Ela diz que pretende construir um chalé junto ao rio.

— Quem iria acreditar numa bobagem dessas?

— Às vezes ela nos parece tão sincera, que temos ten-dência a acreditar no que nos diz.

— Trata-se de uma atriz consumada.

— Vamos, Judith, será que você não está com ciúmes?

— Ciúmes de Wendover? Aquela propriedadezinha? E um nada, se comparado a Meremont. Lady Sylvia é uma mulher que planeja aumentar seus bens e é inteligente o bastante para perceber que estamos planejando algo. Algo cujo resultado beneficiará várias gerações. Por isso, não quer ser deixada de fora.

— E provável que não tenhamos outra escolha a não ser admitir a participação de lady Sylvia. E por isso que Evan deve estar no controle de tudo, quando eu morrer, já que Terry é muito dócil.

— Entendo. Mas será que Evan vai aceitar carregar esse fardo e permanecer aqui para sempre?

— É o que eu mais desejo.

— Ralph disse que você queria me ver.

— Meu filho gosta de você — Helen falou como se fosse uma acusação, em vez de um cumprimento.

— Não posso entender por que — Evan respondeu, acei-tando a xícara de chá que lhe era oferecida. — Eu o obrigo a enfrentar todas aquelas fórmulas matemáticas.

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— Angel, também, parece fascinada por você.

— E por quê?

— Você é perigoso e os jovens são sempre atraídos pelo perigo, como se fossem insetos ao redor da chama.

— Você está querendo dizer que exerço má influência?

— Estou querendo dizer que você não é uma influência bem-vinda.

— Você, realmente, me acha capaz de magoar um deles? Que motivos eu teria?

— Sendo o mais velho da família, nenhum. Por outro lado... que motivos você teria para matar todos aqueles franceses?

— Era o meu trabalho.

— E isso torna certo o que é errado?

— Não sei.

— Eu lhe avisei o que aconteceria se você tentasse forçar Judith a aceitá-lo.

Evan fitou-a, uma expressão curiosa no rosto. Se Helen soubesse que ele já havia seduzido Judith, a raiva dela seria muito maior.

— Posso aceitar o fato de você me odiar. Estou acostu-mado. Mas por que virar todos contra mim?

— Então eu deveria fazê-los adorá-lo? O homem que des-truiu todas as suas chances?

— Meu problema foi haver voltado?

— Sim. Tudo teria sido tão mais fácil se você não tivesse voltado.

— Sou forçado a concordar. Se não fosse por mim, Terry herdaria Meremont. Não tenho dúvidas de que você seria capaz de controlá-lo.

— E ele teria se casado com Angel.

— Mas ele nem sequer gosta de Angel.

— Os dois estiveram apaixonados.

— O quê? Está me dizendo que uma criança feito Angel já esteve apaixonada?

— As mulheres amadurecem mais depressa do que os homens. Agora, Terry vai pedir a mão de lady Sylvia e Angel decidiu casar-se com você. Acabei me convencendo de que esta é a melhor solução para o caso.

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Evan quase se engasgou com o chá.

— O quê?

— Angel terá que se casar com você.

— Deus do céu! Que história é essa? Sua irmã é pouco mais do que uma criança. E você mesma reclama da minha má influência...

— Entretanto, já que o mal está feito...

— Com certeza você ainda não discutiu esse absurdo com ela.

— Uma mulher casada, como eu, tem o dever de preparar a irmã para o sacrifício necessário.

— Sacrifício! Você vai ter que esperar uma eternidade antes que eu faça o sacrifício de casar-me com uma criança.

— Seu pai o fará raciocinar com clareza.

— Ele nunca o conseguiu. Por que você tenta atirar Angel em meus braços, se é Judith quem eu quero?

— Judith nunca se casará!

— É o que ela diz. Alguém pode me explicar o motivo?

— Não.

— Por que Judith se recusa a sair de Meremont? Não é possível que seja apenas por causa do desejo de aprimorar os estudos...

— E isso mesmo. A biblioteca daqui é excelente e Judith está decidida a permanecer e se empenhar nas suas pes-quisas. Um marido está fora de cogitação.

Talvez Judith se sentisse culpada por ter sucumbido a um homem, mesmo contra a vontade, e agora tentava encontrar uma maneira de punir-se, consagrando-se à igreja.

— Então ela pretende juntar-se a uma ordem?

— O que?

— Será que Judith planeja tornar-se freira e assim nunca se casar?

Helen disfarçou a surpresa.

— Sim... sim, você presumiu corretamente. Meu primeiro marido era católico. Influenciada por ele, Judith decidiu devotar-se inteiramente à igreja e dedicar-se à caridade. Durante os últimos anos, minha irmã tem falado muito em abandonar o mundo material.

— Era o que eu temia. Ela está mesmo determinada a isso?

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— Sim. E tentar dissuadi-la seria cruel.

Se Helen estava lhe dizendo a verdade, por que não falara antes? Será que o julgava tão intolerante assim, a ponto de não respeitar as decisões de uma pessoa? Não, alguma coisa naquela história toda não estava certa. Só não conseguia descobrir o que, o motivo pelo qual Helen insistia em mentir.

— Pois bem, não irei... corrompê-la, se é o que você teme.

As palavras lhe deixaram um gosto amargo na boca. Aca-bara arruinando a vida de Judith quando quisera apenas demonstrar o quanto a amava. Não podia nem sequer usar a desculpa da bebida, porque soubera, exatamente, o que estava fazendo. Outra vez, Judith fora a vítima.

— Você disse o que a ele? — Judith perguntou chocada, largando a pena sobre o papel.

— Eu disse que você está pensando em se tornar freira.

— Onde você estava com a cabeça, Helen, para imaginar um absurdo desses? Usar a igreja numa mentira! O que ele vai pensar quando eu não for para um convento? Você tornou tudo ainda mais difícil. O que ele pensará de mim, depois de ontem à noite?

— O que aconteceu ontem à noite?

— Nada.

— De qualquer forma, Evan a deixará em paz durante algum tempo, pois me parece o tipo que respeita a igreja.

— Mas agora eu serei obrigada a mentir para ele.

— E não estamos todos mentindo para ele, o tempo inteiro?

— Eu sei. Eu sei. Evan me pressiona constantemente e não tenho coragem de lhe contar a verdade. Quase o fiz, ontem à noite. Porém, não tive coragem.

— Ontem à noite? A que horas?

— Não tem importância. Acabei desistindo. O que farei agora?

— Quem sabe você não poderia começar a ler alguns livros religiosos?

— Helen! Não brinque com coisas sérias.

CAPÍTULO SEIS

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—Você costuma andar sempre por aqui, à noite? — Evan perguntou, surpreendendo-a. — Desculpe, não tinha intenção de assustá-la. Vim apenas lhe trazer o livro que você me pediu emprestado, dias atrás.

Judith tomou o volume nas mãos, segurando-o como se fosse uma parte preciosa do passado de Evan.

— Este livro me faz pensar nas cartas que você escrevia à sua avó. Como se a guerra não passasse de uma grande farsa na sua vida.

— E foi. Desde que não se levasse tudo muito a sério, havia uma chance de sobreviver, de manter a sanidade.

— Quando você olha para trás agora...

— Eu não olho para trás! — ele declarou, aproximando-se e tocando-a de leve nos ombros. — Simplesmente me recuso a olhar para trás. Eliminei todos os ”ontem” da minha vida. O passado é um peso morto. Existe apenas o hoje e, talvez, o amanhã. Não há razão para preocupar-se com o resto.

— Mas há uma razão para lembrar-se do passado sim. Como poderíamos aprender de nossos erros e evitar repeti-los?

— Erros? — Será que Judith estava se referindo à noite anterior? Evan pensou. — A minha experiência deixa claro que os homens pouco aprendem com a própria história. Se fosse assim, teria havido uma única guerra, desde o início dos tempos.

— Se a guerra é algo tão horrendo, por que os homens insistem em fazê-la?

— Às vezes em busca da sobrevivência, ou de novas terras. Às vezes em busca de glória. E, às vezes, em nome de Deus.

Aquela última palavra vibrou no ar, interpondo-se entre os dois como uma barreira. De repente, Evan inclinou-se e beijou-a no pescoço.

— Por favor, não devemos fazer isso de novo.

— Prometi que não a obrigaria a nada.

Ela tentou afastar-se.

— Você algum dia já viu um grupo de cães, bois ou ca-valos? — ele perguntou com certa urgência na voz.

— O que isso tem a ver com o que estamos falando? Solte-me — ela pediu, sem muita convicção.

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— Estou tentando explicar o processo da guerra, não em termos de homens, mas de animais. Eles estão sempre for-çando o mais fraco a afastar-se, mesmo que haja comida em abundância. Sempre pressionam os mais fracos, para se sentirem poderosos. Você já percebeu isso?

— Sim. E o que acontece entre os animais, criaturas irracionais. Eu espero um pouco mais dos homens. Agora, por favor, solte-me.

— Sinto desapontá-la. — Evan beijou-a nos lábios, sendo correspondido com igual ardor.

— Não é direito — Judith murmurou, abandonando-se aos beijos.

— Como não é direito? Eu te amo.

— Você mal me conhece.

— Conheço o bastante.

— Por favor, pare com isso — ela pediu num tom mais firme. — Eu o mandei parar com isso.

Evan soltou-a e deu um passo para trás.

— Suponho que tenha sido uma demonstração de força contra a fraqueza.

— Não, porque as mulheres são o verdadeiro sexo forte. Meu pai pode pensar que está no comando, que Terry, Ralph e eu recebemos ordens dele. Porém, é Helen a quem tem que se reportar.

— Minha irmã faz o que seu pai diz.

— Talvez ela ceda aqui e ali, entretanto, é possível que tenha sempre a palavra final. Mesmo que meu pai não per-ceba. Quanto a nós dois, eu também já sou seu.

— Eu não o quero.

— Não é verdade. — Evan deu um passo à frente. — Esses seus lábios não mentem.

— Não devo querê-lo.

— E possível que você não deva me querer, mas isso não altera o fato de que me quer.

— O que me torna fraca.

— Não, o que enfraquece a mim. Só que não me importo.

— Não dê mais nem um passo — Judith o avisou, amea-çando-o com o livro.

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— Seria um uso interessante para Tousard. Fico feliz que eu não tenha lhe emprestado uma pistola. Foi somente quando você sorriu para mim, no jantar, que eu me acreditei perdoado.

— Não há nada a perdoar.

— Aproveitei-me de você, ontem. Não pensei em quanto o vinho poderia estar afetando-a.

— Não procure encontrar desculpas para o meu próprio comportamento. Eu sabia, exatamente, o que estava fazendo. Mas foi um erro.

— Um erro? Você me faz viver a experiência mais apai-xonada da minha vida e chama isso de erro?

— Senti pena de você. Devia ter escolhido outra maneira de expressar esse sentimento.

— Pena de mim? — Evan fitou-a, incrédulo.

— Você tem que repetir tudo o que eu digo? Acho melhor esquecermos a noite de ontem e tentarmos continuar como antes.

— Esquecer? Nunca!

— Não é o que você mesmo aconselha? Desvencilhar-se dos ontens?

— Eu apenas presumia que o hoje seria melhor.

— E é melhor. Finalmente, recuperei a razão.

— Como pode dizer isso, depois do que aconteceu?

— Nada aconteceu.

— Nada?!

— Nada, em momento algum — Judith sustentou, firme.

Se ela pretendia atingi-lo, enfim, fora bem-sucedida.

Evan afastou-se, deixando-a entregue aos próprios sen-timentos. Judith agarrou-se ao livro, a respiração ofegante, as mãos trêmulas. Não tivera coragem de confessar o seu passado, porém, pelo menos, conseguira afastá-lo de si. Tal-vez, para sempre.

— Você não está vestida para cavalgar — Angel falou, vendo a irmã entrar no quarto logo de manhã, bem cedinho.

— Eu não vou participar desses passeios.

— Mas você gosta de montar. Sei que gosta.

— Quanto menos eu estiver junto de Evan, melhor. Você pode pedir a um dos cavalariços para acompanhá-los.

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— Você não voltará a cavalgar conosco? Não gosto de vê-la infeliz.

— Algum dia, quando Evan estiver casado e já não re-presentar um perigo para mim.

— Se ele estivesse noivo, você se sentiria mais segura?

— Suponho que sim.

— Então farei com que ele me peça em casamento e você poderá cavalgar conosco outra vez.

— Angel, não seja tola. Homens como Evan não ficam noivos sem motivo. Pelo menos não do dia para a noite.

— Ele se interessa por mim. Está me ensinando a montar e embora dê as ordens quase gritando, presta atenção no que faço. Sei que posso convencê-lo a pedir-me em casamento.

— Você deve se lembrar de que Evan é um soldado. A atenção que ele lhe dá é a que daria a qualquer pessoa. Significa apenas amizade.

— Você não quer que eu me case com ele?

— Não é isso. Sei o que Helen está planejando, porém não dará certo. Evan não é o tipo que pode ser manipulado. Ele tem sentimentos.

— Sentimentos por você. E você... sente algo por ele?

— Sinto... pena. Já sentia pena, antes mesmo de conhe-cê-lo pessoalmente.

— Então, se eu me casar com Evan, tudo se resolverá, exceto para Terry. Coitado do Terry. Infelizmente, não há nada que eu possa fazer sobre isso.

— Você é muito nova para essas intrigas.

— Helen não pensa assim. Além do mais, para que eu sirvo?

— Quisera poder prometer-lhe que, se tiver paciência, o homem certo aparecerá na sua vida. Só que nem sempre é verdade.

— Posso ser feliz com Evan. Não me importo se ele, às vezes, fica mal-humorado.

— E melhor você se apressar, se quiser cavalgar. Posso ouvi-los conversando no jardim.

Além de cavalgar pela manhã, Angel conseguiu convencer Evan a lhe dar uma aula extra, na parte da tarde. Quando, finalmente, voltavam do estábulo para a casa, Evan abordou o assunto que não lhe saía da cabeça.

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— Angel, por que Judith não saiu conosco hoje? Ela está me evitando?

— Uma vez que vou me casar com você, ela não quer atrapalhar nada.

— O quê?

— Claro que você não poderá me fazer declarações ro-mânticas, tendo minha irmã sempre ao meu lado.

— Escute aqui, mocinha, não pretendo me casar com você.

— E por que não? Não há ninguém mais com quem possa casar-se.

— Este é um motivo estúpido para casar-se com alguém.

— Não é, não. Nós, mulheres, não podemos sair por aí e conhecer muitos homens. Temos que agarrar quem en-contramos disponível.

— Você dá a impressão de estar falando de gado.

— Não sei por que você está tão exaltado. Acho que nos daríamos admiravelmente bem.

— Eu não quero apenas "me dar bem" com uma pessoa. Prefiro me apaixonar.

— Podemos fazer isso, também.

— Não, não podemos. Não estamos apaixonados um pelo outro. Você nem sequer sabe o que significa amar.

— Sei sim. Já estive apaixonada. Só que não deu certo. Agora, devo fazer o que é melhor para todos.

— Você não sabe o que está falando. É somente uma criança.

— Não sou nenhuma criança! Vou lhe mostrar!

Eles já estavam subindo os degraus da entrada, quando Angel atirou-se sobre Evan, determinada a beijá-lo na boca. Entretanto, calculou mal o impulso e o derrubou no chão, ferindo-o nos lábios com os dentes. Praguejando baixinho, Evan levantou-se e limpou o sangue da boca.

— Isso é para você aprender — Angel falou triunfante, subindo o resto dos degraus.

O som de risos fez com que Evan se voltasse na direção do jardim, onde Judith colhia flores.

— Precisa de ajuda? — ela perguntou.

— É uma família perigosa a sua.

— Coitadinho.

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— Fácil para você rir, quando não tem o maxilar que-brado. Vocês são um bando de mulheres assustadoras.

— Seu maxilar não está quebrado, ou você seria incapaz de dizer essas bobagens. — Judith tirou um lencinho do bolso e limpou o sangue dos lábios masculinos, pensando que não podia culpar a irmã por querer beijá-lo. Evan exalava sensualidade por todos os poros.

— Não é justo — ele murmurou, percebendo o brilho do desejo nos olhos azuis.

— Não, porém é assim que as coisas são. Você chegou tarde demais.

— Como pode dizer um absurdo desses? Estou aqui. Am-bos somos livres

— Não eu.

— Você ainda não fez seus votos. Será que não lhe ocorreu que há muitas maneiras de servir a Deus, inclusive desempenhando o papel de esposa? Como lady Mountjoy, você estaria em posição de ajudar muita gente.

— E como a simples Judith Wells, eu não posso?

— Não quis dizer isso. Quis apenas...

— Sempre tive uma vida própria, Evan. E vou continuar a tê-la, quer você fique em Meremont, quer não.

— Porém a minha vida não será a mesma.

— O que está querendo dizer?

— Que fiquei aqui apenas por sua causa.

— Não diga isso. É perigoso.

— Às vezes a verdade é perigosa.

— Eu sei. — Por um momento, Judith pensou em contar toda a verdade, mas desistiu. Já havia agüentado muita coisa na vida, porém, não seria capaz de suportar o desprezo de Evan.

— Como você vai explicar o corte nos lábios? — ela per-guntou, mudando de assunto.

— Direi que esbarrei num galho, enquanto cavalgava. Meu pai não terá dificuldade alguma em acreditar, pois me considera um brutamontes desajeitado.

— Creio que não. Sempre tive a impressão de que seu pai tem muito orgulho de você, especialmente depois que começaram a lhe chamar de "Mountjoy, o Louco".

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— Então essa história chegou até aqui? Eu apenas tenho o hábito terrível de rir diante do perigo. Aliás, algo bastante impróprio.

— Angel não pensa assim. Por isso está decidida a tê-lo.

— Acho bom que você a impeça.

— Não posso fazer nada. Talvez seja o melhor para ela.

— Na minha opinião, é você quem está louca, não eu. Amo você, não à sua irmã. Angel insiste em ignorar a realidade.

— Eu disse a ela que não estou interessada em você.

— Entendo. Depois de dormir comigo, você perdeu o in-teresse em mim, portanto, qualquer uma pode me ter.

— Não é verdade.

— Você é capaz de fazer um homem sentir-se como um par de sapatos velhos. Uma vez usados, são passados para outra pessoa.

— Não foi o que aconteceu. Desde o início, disse-lhe que nada poderia existir entre nós, mas você preferiu não me ouvir.

— Eu estava prestando atenção no que diziam seus olhos, não nas suas palavras. Admita que considerou a idéia de casar-se comigo.

— Nunca. Desde o princípio, afirmei que não tinha in-tenção de me casar. Tratei-o com justiça, não o iludi.

— Você me encorajou. Então, algo aconteceu. Talvez te-nha concluído que o dinheiro herdado de minha avó não seja bastante...

Evan surpreendeu-se ao levar um soco no estômago.

— Como ousa você? — Judith explodiu, ameaçadora, os olhos fuzilando de raiva. — Eu nunca trataria um homem assim... da maneira como eles tratam as mulheres.

— Você quer dizer, da maneira como você foi tratada? Seu pretendente... era o melhor partido?

— Se quer saber, era o único pretendente. O preço que paguei não foi nada do que alguém possa se orgulhar e ele nem sequer manteve a palavra.

— Então você o mandou embora.

— Foi mais ou menos assim.

— Creio que só me resta partir.

— Não, não vá embora. Lorde Mountjoy está contando com a sua ajuda. Você prometeu construir o canal.

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— Não prometi.

— Mas deixou-o pensar que o faria, o que é a mesma coisa. Você é como todos os outros. Mantém a palavra em-penhada apenas quando é conveniente.

— Não é verdade... — Evan parou no meio da frase ao perceber que Helen os observava, satisfeita, de uma das ja-nelas. Claro que ela adoraria se Judith e ele se desentendessem seriamente, por isso, não fez qualquer esforço para prendê-la quando Judith afastou-se e entrou na casa.

Evan vestiu-se rapidamente para o jantar, determinado a ser o primeiro a chegar à biblioteca. Queria falar com Judith a sós.

— Desculpe-me se me comportei como um idiota. Você está certa, pois me avisou desde o princípio. Quando estou sofrendo, tenho tendência a ser um pouco irracional.

— Um pouco? — ela indagou, tentando continuar zan-gada, sem muito sucesso.

— Admito. Quando estou sofrendo, não sou nada racional.

— Eu também não ajudei em nada, atingindo-o nas costelas.

— Ainda bem que a fratura foi do outro lado, pois você tem um soco poderoso.

— Talvez você devesse se lembrar disso, quando sentir-se tentado a agir de modo irracional.

— Com certeza, vou tentar.

— E vai ficar aqui?

Ele concordou com um aceno.

— E terminar o canal?

— Sim. Mesmo que o investimento acabe sendo nossa ruína.

— Oh, isso não vai acontecer.

Logo todos se reuniram na sala de jantar. A sopa queimou os lábios feridos de Evan e ele secou-os com o guardanapo para estancar o sangue.

— O que diabos aconteceu agora? — Lorde Mountjoy indagou, dirigindo-se a Evan como se o filho fosse uma crian-ça. —- Brigando com Terry outra vez?

— Não, bati num galho enquanto cavalgava.

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— Essa foi a desculpa mais estúpida que jamais ouvi. Com quem andou brigando?

— Sou eu a culpada — Angel falou. — E o faria de novo.

— Seu comportamento é indesculpável — lorde Mountjoy esbravejou. — Uma coisa é fazer a corte a uma mulher, outra é obrigá-la a ter que se defender, desesperadamente, de atenções indesejadas.

— Não fiz nada — Evan falou, fitando o pai. — Foi Angel quem...

— A culpa foi sua! — Angel o acusou. — Você nunca devia ter dito aquilo a meu respeito. E muito menos rido de mim.

— O que eu disse? Não consigo nem me lembrar.

— Talvez você tenha perdido as boas maneiras no exér-cito, porém, na Inglaterra, as mulheres devem ser tratadas com respeito — Terry o advertiu.

— Acho que não devemos falar mais no assunto. Acredito que isso não voltará a acontecer.

Evan olhou para Helen, certo de que a esposa de seu pai considerara o incidente uma pequena vitória. Agora, à exceção de Judith, todos pensariam que se insinuara para Angel. E se protestasse, corria o risco de Angel afirmar que ele a havia comprometido seriamente. Talvez, até tentassem forçá-lo a casar-se com alguém a quem considerava uma criança, alguém que não lhe despertava sentimento algum.

Sob o pretexto de um acesso de tosse, Judith escondeu o riso atrás do guardanapo e levantou-se da mesa. Evan teve vontade de segui-la.

— Muito bem — lorde Mountjoy anunciou. — Não fala-remos mais no assunto, entretanto, não permitirei que Angel saia sozinha na sua companhia, Evan. Se Judith não puder acompanhá-los, Terry ou Ralph o farão.

A decisão do pai servia-lhe de consolo. Teria a companhia ocasional de Judith, o que era melhor do que nada.

Após o jantar, quando subia a escada para o seu quarto, Evan foi interceptado por Terry.

— Estou avisando-o, irmão, mantenha as mãos longe de Angel. Ela é apenas uma criança, não está acostumada a esse tipo de coisa.

— Eu não a toquei!

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— Mentiroso! — Terry tentou acertar Evan com um soco, mas foi imediatamente imobilizado numa chave de braço, a camisa rasgando na altura do ombro.

— Meu Deus! Quem atirou em você?

— Ninguém. — Terry tentou cobrir a cicatriz recente.

— Reconheço um ferimento provocado por bala quando vejo um. Quem atirou em você?

— Não sei.

— Terry, precisamos contar a ele — Judith interveio, aproximando-se. — E se acontecer de novo?

— Não acontecerá.

— Angel atirou em Terry — Judith falou muito calma.

— O quê? — Evan indagou, atônito. — Ela atirou mesmo em você? — Seria Angel, também, quem tentara acertá-lo, enquanto pescava? Era bastante possível, embora faltasse o motivo que justificasse uma atitude tão radical.

— A bala me acertou apenas de raspão... depois de uma discussão que tivemos. Angel queria me ensinar uma lição, mas logo se arrependeu da maneira impulsiva como agiu. Ela é teimosa demais, por isso...

— Por isso Terry desistiu de casar-se com ela — Judith explicou.

— Então vocês dois iam se casar?

— Ainda não havia lhe pedido para ser minha esposa. Afinal, Angel tinha apenas dezesseis anos, na época. Mas como eu a estava cortejando, era natural que ficasse possessa de ódio quando comecei a visitar lady Sylvia com freqüência.

— Só espero que essa propensão para atirar nos outros não seja um traço de família — Evan comentou, sem con-vicção. E apesar de olhar para Judith, era Helen quem lhe ocupava os pensamentos.

— Nem brinque com uma coisa dessas — Judith pediu, séria. — Angel ficou desesperada, corroída pelos remorsos. Você devia tê-la visto. Ela chorou dias seguidos.

— O que meu pai disse sobre o assunto?

— Não contamos nada a ele.

— Não contaram? Como foi possível esconder a existência de um ferimento grave?

— Nós explicamos a lorde Mountjoy que Terry havia le-vado um tiro. Só não dissemos quem foi o responsável.

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— Entendo. E meu pai acreditou?

— Sim.

— E como você se sente sobre Angel agora, irmão?

— Não sei. Pensei que ela já me fosse indiferente, porém, só de imaginá-lo acariciando-a, sinto meu sangue ferver nas veias.

— Evan não fez nada — Judith afirmou. — Foi Angel quem tentou agarrá-lo, fazendo-o cair no chão. Por sorte, ele apenas cortou os lábios. Podia ter batido a cabeça.

Terry ficou em silêncio alguns segundos e então começou a rir com prazer.

Nisso, lorde Mountjoy saiu da sala de jantar, acom-panhado do enteado, exigindo saber o que havia de tão engraçado.

— Nada, pai — Evan respondeu, automaticamente.

— O que foi que eu lhe disse, Ralph? Meus próprios filhos conspiram contra mim. São incapazes de me dizer por que brigam, ou do que riem. Venha nos contar essa história engraçada na biblioteca, Evan. Assim, todos nós poderemos nos divertir juntos, inclusive Helen e Angel.

— Não creio que seja algo adequado aos ouvidos femini-nos, pai — Evan esquivou-se.

— Então, por que contou a Judith?

— Não contei nada. Ela estava ouvindo a minha conversa com Terry.

— Se Judith achou a história engraçada, tenho certeza de que Helen não ficará chocada e Angel, provavelmente, não entenderá.

A essas alturas, já estavam todos reunidos na biblioteca.

— O que é que eu não vou entender? — Angel perguntou, atenta.

— É sobre a filha do coronel — Evan respondeu calmamente.

— A filha de qual coronel? — Helen quis saber.

— Não tenho permissão de mencionar o nome dela, mas o fato é que tornou-se uma lenda. Não media esforços para apoiar a nossas tropas. Cuidava dos feridos, enfrentava os riscos do front para transportá-los até um lugar seguro, guiando uma carroça sozinha. Um dia, foi capturada pelos franceses, após uma batalha.

— Eles a soltaram? — Helen indagou.

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— Um outro oficial até poderia tê-la libertado, porém, o capitão francês a acusou de ser espiã.

— E ela era?

— Não. Mas acabou conseguindo que o capitão prometesse libertar os prisioneiros ingleses feridos, em troca dos franceses.

— O que aconteceu a ela? — Angel mal continha a curiosidade.

— O capitão levou-a para a própria tenda, com a desculpa de interrogá-la.

— Ele a interrogou de fato? — Terry perguntou.

— Aparentemente, durante toda a noite. Claro que foi um processo lento, porque ele pouco falava inglês e ela não dominava o francês.

— O francês da filha do coronel era assim tão fraco? —-Judith indagou desconfiada.

— Oh, não. Ela falava um francês fluente. Apenas preferiu demonstrar o contrário para se apossar de todas as informações possíveis.

— Então se tratava mesmo de uma espiã — Helen concluiu.

— Tratava-se de uma patriota.

— E como foi que ela escapou?

— Fugiu depois de roubar um cavalo, ao amanhecer.

— É uma história extraordinária! — lorde Mountjoy ex-clamou. — Ela poderia ter sido morta, se apanhada. Por que o tal capitão não a impediu?

— Porque não pôde fazê-lo. Na manhã seguinte, foi en-contrado nu, amordaçado e amarrado à própria cama.

— Não é mesmo o tipo de história adequada aos ouvidos femininos.

— Eu lhe avisei, pai, mas você insistiu.

— Aposto que era você o oficial e a moça, uma francesa — Angel falou.

— O que lhe deu essa idéia maluca?

— É algo que você seria capaz de fazer e nos contou usando metáforas.

— Não é verdade!

— Então nunca fez amor com uma mulher, durante a guerra?

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— Bem, eu... bem eu... Eu não me lembro.

Lorde Mountjoy riu com vontade.

— Acho que vou me deitar agora. — Evan levantou-se e saiu da biblioteca. Bose o esperava do lado de fora.

— Ouvi seu pai às gargalhadas. As coisas devem estar indo bem.

— Bose, não me lembro de me sentir tão derrotado du-rante toda a guerra. Como é que as mulheres conseguem distorcer nossas palavras com tanta facilidade? Nunca sou capaz de entender o que elas estão pensando.

— Não condene as mulheres em geral só porque não está tendo sorte. E preciso aprender a lidar com elas.

— Acho que a coisa mais segura a fazer amanhã, é ficar na cama o dia inteiro.

— Covarde!

CAPÍTULO SETE

Evan acordou com o barulho da chuva batendo contra a vidraça. Seria impossível sair para cavalgar. Entretanto, isso significava que Judith também estaria em casa, provavelmente entretida com os infindáveis afazeres domésticos.

Embora ainda fosse muito cedo, foi encontrá-la na biblio-teca, estudando alguns papéis. Ao vê-lo, ela guardou a pa-pelada e preparou-se para sair, uma expressão impaciente no olhar.

— Não tinha a intenção de espantá-la daqui. Se a minha companhia é assim tão desagradável, deixe-me apenas apa-nhar um livro, ou o Times, e logo você ficará sozinha.

— Seu malvado! Como é que posso responder a esse co-mentário absurdo? Dizer que você não é bem-vindo na sua própria casa?

— Não, você jamais seria tão indelicada. Porém, depois da maneira como fui tratado ontem à noite... Quando in-ventaram coisas a meu respeito...

— Eu não fui muito justa com você, não é?

— Foi deliberadamente cruel.

— Mas você mesmo criou toda a situação. Não pude re-sistir à tentação de embaraçá-lo.

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— Você não é a única a ser vencida pela tentação. Nos últimos dias, tudo o que faço é tentar controlar-me diante da tentação.

— Não estou entendendo aonde quer chegar, capitão Mountjoy.

— Não cerre os lábios assim, pois fica muito parecida com Helen. Você não é como sua irmã, seca e distante.

— Não compreendi o comentário.

— Então o que aconteceu naquela noite foi sem impor-tância? — ele indagou, aproximando-se devagar. — Apesar da sua beleza suave, você tem uma língua muito afiada. Nada poderia ter sido mais efetivo, no seu empenho de afastar-me, do que a sugestão de que eu não correspondi às suas expectativas.

— E talvez não tenha correspondido.

— Você não gostaria de me dar maiores detalhes? Não sei o que acontece em Meremont, mas parece que todos os que vivem aqui têm tendência à intriga e à loucura.

— Talvez seja a umidade do ar — ela sugeriu, sorrindo.

— O quê?

— A umidade que vem dos pântanos, durante a noite.

Num movimento rápido, Evan tomou-a nos braços e bei-jou-a com sofreguidão.

Judith não resistiu. Seria impossível conter o fogo que a consumia. Aquele homem a fazia sentir-se vulnerável, irracional. Mesmo se quisesse, não teria forças para recusar os beijos ávidos e desesperados, pois o queria com igual ardor. O barulho da porta se abrindo, quebrou o encantamento.

— Maldição — Evan murmurou, virando-se para fitar o intruso. — Menino, onde foi que você arranjou essa pistola?

Judith não podia acreditar nos próprios olhos.

— Thomas, abaixe isso. Não...

Evan teve tempo apenas de jogá-la no chão e protegê-la com o próprio corpo, antes que a arma disparasse.

— Evan, por favor, diga alguma coisa. Você foi atingido?

— Você está bem, Judith? — ele perguntou, angustiado.

— Claro que sim. Você me protegeu como um escudo. Onde a bala o atingiu?

— No coração. — Evan beijou-a nos lábios apaixonada-mente, como se fosse a última vez. — Desculpe-me, mas

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quando tenho você em meus braços, não consigo vencer a tentação.

— Pare com isso e ajude-me a levantar. A situação é séria.

Lorde Mountjoy entrou na biblioteca, o rosto ainda não de todo barbeado.

— O que diabos está acontecendo aqui?

— Parece... parece que Thomas encontrou uma pistola carregada — Judith explicou, retorcendo as mãos.

— Thomas, explique-se. — Lorde Mountjoy arrancou a arma das mãos da criança. — Onde foi que você conseguiu esta arma?

Judith ajoelhou-se perto do menino e abraçou-o, mas nada o fazia parar de chorar.

— Eu o matei. Eu o matei — Thomas repetia entre soluços.

— Deus do céu, não! — Evan também se ajoelhou ao lado da criança. — A bala nem passou perto de mim. Agora diga-nos onde a encontrou.

— O que você está fazendo com o meu pobrezinho? — Helen indagou a Evan, entrando na biblioteca e puxando Thomas para junto de si. — Por que o está assustando dessa maneira?

— Isso mesmo — Judith concordou, fitando Evan. — Se você não tivesse fingido estar ferido, Thomas não teria se assustado tanto.

— Então é culpa minha ter quase levado um tiro?

— Você tornou a questão ainda pior.

Evan abriu a boca para protestar, mas acabou desistindo. Antes tivesse sido atingido. Pelo menos assim, lhe demons-trariam um pouco de simpatia.

Já no quarto, ele tentava chegar a uma conclusão sobre o incidente. Quem teria deixado uma arma carregada ao alcance de uma criança? Terry, mesmo bêbado, nunca seria tão irresponsável e Ralph, tampouco, ignoraria os cuidados necessários para evitar tragédias. Restava Helen. E Angel. Entretanto, Helen lhe parecera genuinamente assustada com o acontecimento e Angel tinha planos de casar-se com ele. Assim, por que iria querer matá-lo?

A única compensação do episódio todo era ter tido Judith nos braços e provado o gosto daquela boca outra vez.

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Durante o almoço, lorde Mountjoy passara a pistola de mão em mão, exigindo saber a quem pertencia. Para espanto de Evan, era a sua própria arma, porém ele nada deixara transparecer. Precisava falar com Bose antes e descobrir o que acontecera.

Depois de revirarem o baú, os dois soldados perceberam que não somente a pistola fora roubada, mas a munição também.

— Será que Joan pode vasculhar todos os quartos? — Evan perguntou. — Se descobrirmos onde foi parar a munição, saberemos quem roubou a arma. E Bose, ninguém, a não ser você e Joan, deve saber que a pistola era minha.

— Sim, senhor.

À tarde, no meio de uma aula de geometria a Ralph, lorde Mountjoy os interrompeu, jogando um cartucho de balas sobre a mesa.

— Acho que isto pertence a você.

— Ralph, você poderia nos dar licença por um momento?

— Sim, sim, claro — o rapaz respondeu, retirando-se apressadamente.

— Por que não disse que a arma era sua?

— Porque eu queria falar com Bose antes.

— Você não havia dado falta da arma?

— Não. Eu a tinha deixado guardada num baú, descar-regada. Onde você a encontrou?

— No quarto de brinquedos.

— Meu Deus!

— Até pensei na possibilidade de Thomas haver entrado em seu quarto e apanhado a pistola, pensando tratar-se de um brinquedo. Mas ele nunca teria sido capaz de carregá-la.

—O que Thomas diz sobre o assunto?

— Apenas que nunca irá dizer o nome da pessoa que lhe deu a arma. O menino está protegendo alguém.

— Não teria sido mais natural se ele contasse a verdade e dividisse a culpa?

— O que você entende de crianças para saber o que é, ou não, um comportamento natural?

— Tem razão.

— Thomas disse que você estava magoando a mãe dele e que precisava ser morto.

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— Uma criança de seis anos de idade não tem noção do que é um assassinato. Alguém deve estar manipulando-o.

— Quem? — Lorde Mountjoy indagou, angustiado. — Quem quer ver você morto?

— Aparentemente, essa pessoa não é você.

— Será que, pelo menos uma única vez, podemos falar a sério? Responda a minha pergunta.

— Eu não sei.

— Você sabe, entretanto, prefere calar-se. Pois exijo que me diga.

— E se eu estiver errado? Uma acusação dessas não se faz levianamente.

— É...

— Não diga nada! Você acha que eu gosto de lhe mentir? No momento, não tenho outra escolha. Lidarei com o caso à minha maneira.

— Você vai acabar sendo morto.

— Bobagem. Afinal, não sobrevivi à guerra? Terei apenas que ser cuidadoso.

— Você cuidadoso? E difícil acreditar.

— Serei mais observador também.

— Não é Helen — Lorde Mountjoy falou, aproximando-se da porta. — Ela nunca usaria Thomas desse modo.

— Claro que não — Evan respondeu, obrigando-se a sorrir.

No dia seguinte, Judith e Terry juntaram-se a Angel e Evan para a cavalgada matinal. Quando voltaram para casa, descobriram que uma visitante acabara de chegar.

— Sylvia! — Terry exclamou, ajudando a recém-chegada a desmontar. — Permita-me apresentar lady Sylvia Vane. Meu irmão, Evan.

— Olá. Está uma manhã tão bonita que não resisti à idéia de passar algumas horas ao ar livre, embora James esteja em Bath, fazendo uma consulta médica.

— Como tem passado? — Terry sorriu, sem disfarçar a admiração que a beleza loura lhe despertava.

— Na verdade, sinto-me muito sozinha. Lembro-me de uma época em que você costumava me visitar, às vezes trazendo aquelas suas irmãs simpáticas. Há semanas não o vejo. Pensei que, talvez, alguém estivesse doente na família.

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— A culpa é minha — Evan adiantou-se. — Tenho mantido Terry ocupado, fazendo alguns levantamentos preliminares.

— E mesmo? E que tipo de levantamentos?

— Apenas o... Oh! Judith, você pisou no meu pé.

— Desculpe-me, Evan. Eu não vi.

— Estamos pensando em construir uma nova estrada — Terry apressou-se a dizer, um tom triunfante na voz. — Evan é engenheiro e nosso pai o encarregou de supervisionar a construção da estrada.

— Uma estrada nova? — lady Sylvia repetiu, curiosa. — Deve ser preciso ter muitos conhecimentos para colocar de pé um projeto desses.

— Acho que é apenas a maneira encontrada por meu pai para evitar que eu me sinta um inútil — Evan comentou.

— Ora, vamos, um herói de guerra inútil?

— Não há heróis entre os engenheiros que se alistam no exército. Deixamos as glórias para os rapazes da cavalaria. Tenho a impressão de que me encontrei com o seu primo, uma ou duas vezes.

— James fala muito das suas realizações.

— Ele deve ter me confundido com alguém.

—Não Mountjoy, o Louco, é como meu primo se refere à voce, devido a sua capacidade de rir diante do perigo.

— Éramos todos uns loucos. A guerra é uma experiência terrível. Você gostaria de tomar o desjejum conosco, lady Sylvia?

— Oh, não estou vestida de acordo.

— Lorde Mountjoy não irá se importar — Judith afirmou.

— Afinal, estamos todos tão atrasados, que nós também não teremos tempo de nos trocarmos.

— Está bem, aceito o convite.

— Então o nosso Terry a tem negligenciado, lady Sylvia?

— Lorde Mountjoy indagou, sentando-se à mesa.

— Sim. Temi que o motivo fosse um caso de morte na família.

— Nós devíamos ter levando Evan para lhe fazer uma visita, mas ele ainda está se recuperando dos ferimentos.

Evan hesitou antes de levar o garfo à boca, porém decidiu não interferir.

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— E você disse que não era um herói de guerra.

— Algumas costelas quebradas e um joelho torcido não significam nada.

— Apesar desse seu jeito arredio, sei, através do meu primo James, que você foi pisoteado por vários cavaleiros, em Bordeaux. Para mim, é um fato heróico.

— Se fosse a cavalaria francesa, talvez tivesse sido mesmo heróico.

Lorde Mountjoy parecia confuso.

— Mas que cavalaria era essa?

— A de nosso próprio exército. Os rapazes estavam tão bêbados que era impossível trazê-los de volta à razão.

— E seu primo estava entre esses soldados? — Judith indagou, um ar falsamente inocente.

— Claro que não! James nunca pisotearia alguém da própria tropa. Além do mais, ele foi ferido em fevereiro e, na época, já estava em casa, de licença.

— Por favor, transmita-lhe minhas simpatias — Evan replicou.

— Suponho que você esteja pretendendo fixar residência em Meremont agora, não é?

— Ainda não me decidi.

— Meu filho fala muito em ir embora para a América.

— Um país cheio de bárbaros — Sylvia retrucou, desdenhosa.

— Não pode ser pior do que a Espanha.

— Fale-me sobre isso, Evan.

— Espanha?

— Não, seu tolinho. James se encarregou de me falar sobre a Espanha à exaustão. Quero saber sobre a América.

— Não sei nada sobre aquele país.

— Você nunca me disse nada sobre a América — Angel murmurou, amuada. — Acho que eu não ia gostar de lá.

— Não posso culpá-la. Eles tampouco gostam de ingleses. Porém, devido à guerra, é provável que estejam precisando de nós, veteranos.

— Mas você podia ser morto na América — lady Sylvia protestou.

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— Eu posso ser morto em Devonshire. Portanto, qual a diferença?

— Você está vendo o que sou obrigado a agüentar? — lorde Mountjoy indagou à convidada. — Meu filho continua se recusando a agir com bom senso. Não sei quanto ao seu primo, porém, na minha opinião, todos os soldados são ir-responsáveis.

— Acredito que tentam minimizar os perigos para evitar que nos preocupemos. Eu não chamaria esse tipo de com-portamento de irresponsável. Bem, obrigada pelo delicioso café da manhã, mas agora preciso voltar para casa. Antes, gostaria de convidá-los para uma festa ao ar livre, no próximo sábado. Por favor, digam que aceitam o meu convite.

Evan mordeu um pedaço de pão, deixando para o pai a tarefa de responder.

— Tenho certeza de que vocês, jovens, irão se divertir muito. Entretanto, já me sinto um pouco velho para...

— Mas eu preciso de conselhos seus sobre a administração da fazenda. Não tem sido fácil, desde que meu pai morreu. Por favor, não falte.

— Está bem. Estarei lá.

Terry e Angel se encarregaram de acompanhar lady Syl-via até o estábulo, enquanto o resto da família discutia os acontecimentos recentes.

— Helen, você acha que Angel vai fazer algum comentário sobre o canal? — lorde Mountjoy perguntou, preocupado.

— Creio que não. Quando estão juntas, as duas só falam sobre moda.

— Eu já a avisei de que se trata de um assunto familiar — Judith ponderou. — Contudo, vou tornar a falar sobre o assunto.

— É melhor que você, Terry, comece logo a agir — lorde Mountjoy o aconselhou —, pois não poderemos manter se-gredo indefinidamente. Aliás, só concordei em comparecer à festa para lhe dar chance de pedir a mão de lady Sylvia em casamento.

— Não estou gostando nada disso — Helen murmurou. E, pela primeira vez, Evan concordou.

Evan estava voltando do local onde as escavações do canal teriam início, quando encontrou Thomas perambulando pela estrada. Claro que ninguém, em sã consciência, deixaria uma criança daquela idade vagando sozinha.

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— Que tal vir para casa comigo, Thomas?

— Você quer que eu monte no seu cavalo?

— Claro. Vamos, suba. Agora, puxe as rédeas para a direita.

— Como posso fazê-lo ir mais rápido?

— Mande-o trotar.

— Trote! — o menino gritou, rindo quando Taurus o obedeceu. — Será que posso montar seu cavalo um dia, já que não vou ganhar um pônei?

— Sozinho, não. Talvez meu pai mude de idéia sobre o pônei, se você lhe contar o que aconteceu de fato.

— Não. Não vou ter um pônei, nem um cachorrinho.

— De qualquer maneira, você não iria querer outro animal de estimação em menos de um ano.

— Por que não?

— Dizem que leva um ano para nós nos consolarmos de uma grande perda antes de seguirmos em frente.

— Um ano inteiro?

— Meu pai é um homem duro. Você precisará de um pouco de tempo para se impor. Eu gastei metade da minha vida tentando. Eventualmente, ele acabará voltando a confiar em você, assim como eu confio.

— É mesmo?

— Quem lhe disse que eu deveria ser morto?

— Não posso dizer. Fiz uma promessa.

— E você nunca quebrou uma promessa, não é?

— Não, nunca.

— Você prometeu ao meu pai que tomaria conta do cachorrinho?

— Sim. E cumpri minha promessa.

— Você sabe quem matou Toby?

— Você!

— Não é verdade. Quem lhe disse que fui eu? — Diante do silêncio do menino, ele continuou. — Foi a mesma pessoa que lhe disse que eu deveria ser morto, não é?

Thomas concordou com um aceno. Que tipo de mãe en-venenaria a mente do próprio filho, a menos que fosse uma assassina? Evan pensou.

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— Eu não matei Toby e quero ser seu amigo. Mas você precisa confiar em lorde Mountjoy e em mim também.

— Tho-mas! Tho-mas! — a babá gritou, saindo do meio das árvores. — Como ousa você colocá-lo neste cavalo enorme? — Mirando arrancou Thomas da sela e apertou-o contra o peito. — Meu anjinho. Ninguém se importa com você além de mim.

— Pois eu acho que você deveria cuidar melhor do garoto, já que não faz mais nada — Evan falou secamente.

— O quê? O coitadinho poderia ter sido morto e a culpa seria sua.

— Ele terá que aprender a montar algum dia.

— Nunca! — Miranda gritou, saindo correndo e levando Thomas consigo.

Como já se tornara um hábito, Evan buscou a tranqüi-lidade dos jardins do chalé onde morara com a avó. Ali fora o único lugar onde experimentara o sabor da felicidade, numa infância marcada pela dor e pela rejeição.

— Você está pensando na sua avó, não é? — Judith per-guntou, aproximando-se.

— Como adivinhou?

— Pelo seu sorriso.

— Com certeza, eu não sorrio apenas quando penso na minha avó.

— Bem, não desse jeito. Ela era uma mulher formidável. A propósito, trouxe-lhe o resto dos jornais.

— Obrigado. Vou gostar de lê-los.

— Não sei se é uma boa idéia. Afinal, você parece querer esquecer a guerra.

— Sim, mas há coisas que preciso relembrar, apesar de não serem agradáveis. Judith, eu gostaria de lhe fazer uma pergunta. Você atravessou uma fase muito difícil em Bristol? Ralph me falou um pouco sobre o assunto, porém não entrou em detalhes.

— Helen e eu tentamos proteger Ralph e Angel, escon-dendo o nosso desespero. Mas Ralph não era nenhum tolo. Angel, também, é boa em fingir que não há nada errado para evitar preocupar os outros.

Evan ficou em silêncio, tentando não alimentar pensa-mentos sinistros sobre Angel. Será que por trás daquele rosto inocente existia uma mente maquiavélica, uma natureza com

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tendências assassinas? Talvez Angel quisesse casar-se com Terry, desde que ele fosse o único herdeiro.

— Evan, você está se sentindo bem?

— Desculpe-me. Dei a impressão de que não estava prestando atenção às suas palavras?

— Sim. Sei que minha conversa é um tanto tediosa, porém não costumo fazer as pessoas dormirem com os olhos abertos.

— Apenas me perdi em pensamentos.

— A guerra.

— Ah, sim. A pior coisa é que não consigo me lembrar de quem está vivo, ou morto. Eu deveria me lembrar. Havia tantos, tantos... homens de quem nos tornamos próximos e depois nunca mais tornamos a ver. Eu gostaria de saber se, algum dia, poderia cruzar com alguns deles.

— E por isso que quer os jornais.

— Sim. Mas talvez, eu devesse apenas esquecer. Se me lembrar desses homens, me lembrarei dos franceses também. Você acha que existe perdão para os soldados?

— Não sou conhecedora do assunto, contudo, tenho cer-teza de que se alguém pedir perdão, lhe será concedido.

— Deus pode absolver, entretanto, não creio que eu seria capaz de perdoar a mim mesmo. Na guerra, não importa o que se diga, pratica-se o assassinato, pura e simplesmente.

— Você é duro demais consigo mesmo. Depois de tudo o que passou, não devia se torturar assim.

— Então eu deveria esquecer todos os erros que cometi? Apagá-los da minha mente como se decepa uma parte imprestável?

— Se fosse possível, é o que eu faria... Fingir que o pas-sado não existiu, que estou no começo da minha vida. In-felizmente, ninguém pode ignorar as próprias experiências, ou estaríamos condenados a repetir os mesmos erros. Alguém seria capaz de viver se enganando, anos a fio? — Judith murmurou, a voz embargada de lágrimas.

— Não sei. Pelo menos nós dois não conseguiríamos. Quisera não ter ido embora de Meremont. Quisera ter ficado aqui e conhecido você, há sete anos. Então, não seria tarde demais e poderíamos ter nos casado.

— Já teria sido tarde demais.

— O que está querendo dizer com isso? Não é possível que já estivesse pensando em entrar para um convento.

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— Sim, eu... eu preciso voltar para casa agora. — Ela levantou-se de súbito.

— Será que você não pode voltar atrás? — Evan levan-tou-se também e segurou-a pelo braço. — Você não pode servir a Deus de outra maneira?

— Não me tente — Judith respondeu amarga, fitando os dedos longos que a seguravam e obrigando-o a soltá-la pela simples força do olhar. Não ousava deixar-se tocar, ou estaria perdida outra vez.

Evan afastou-se, deixando-a entregue a uma tristeza in-finita. Só lhe restava uma alternativa. Convencê-lo a procurar o amor nos braços de outra e mostrar-lhe que poderiam ser amigos. Nada mais.

CAPÍTULO OITO

No sábado, a carruagem levou as mulheres, envoltas em seus vestidos de musselina e xales bordados. Os homens preferiram cavalgar. Wéndover não era uma propriedade pequena, porém, nada que se comparasse a Meremont, embora parecesse mais bem cuidada, Evan observou, reparando nos canteiros cheios de flores e grama aparada.

Sylvia os recebeu no vestíbulo e logo os conduziu aos jardins, onde seu primo James supervisionava os arranjos para o almoço ao ar livre.

— Qual de vocês é a nova lady Mountjoy? — James per-guntou, brincalhão. — Nenhuma parece ter idade bastante.

Judith e Angel riram enquanto Helen cerrava os lábios, irritada. Imediatamente, lady Sylvia convidou lorde Mountjoy, Terry e Ralph para conhecer o laranjal, desapontada por Evan não mostrar interesse.

Percebendo que não havia uma cadeira onde Helen pu-desse sentar-se e sabendo quão difícil seria para ela aco-modar-se sobre as mantas estendidas no chão, Evan provi-denciou um banco e sentou-se ao lado da esposa do pai.

— Se você vai ficar aqui apenas para me fazer companhia, pode ir com os outros.

— Na verdade, vou ficar aqui porque as nossas condições físicas são semelhantes. Com esse meu joelho, se me sentar no chão, precisarei de ajuda para levantar.

Helen disfarçou um sorriso.

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— Então você não está me fazendo companhia para evitar que eu pareça deslocada?

— Claro que não! — ele respondeu, fingindo surpresa. — Pensei que você estivesse sentada para evitar que eu parecesse deslocado.

— Você está perdendo o seu tempo, tentando me agradar. Não posso gostar de você. Nunca vou gostar de você, mesmo reconhecendo o seu charme.

— Será que não poderíamos, pelo menos, declarar uma trégua? Assim, não deixaríamos meu pai chateado com a nossa irritação mútua.

— E desde quando você se importou com o seu pai, correndo para se alistar no exército daquela maneira? Você o magoou muito, rapaz, muito.

A acusação atingiu-o como uma bofetada. Não lhe passara pela cabeça que Helen pudesse se preocupar tanto com o seu pai.

— Você jamais lhe escreveu uma carta — ela continuou, veemente. — Não sei como Hiram pôde perdoá-lo e muito menos fazê-lo o principal herdeiro, em vez de Terry ou...

— Ou de Ralph, ou de Thomas.

— Nunca irei desculpá-lo.

— Além de desertar minha família e depois voltar para destruir as expectativas de todos, o que foi que eu fiz? É possível colocarmos de lado nossas divergências...

— Não! Porque você ainda não desistiu da idéia de casar-se com Judith.

— Oh!

— Ainda por cima, faz questão de me provocar, pois nem sequer nega as suas intenções.

— Não tenho me aproximado de Judith não por sua causa, mas porque sua irmã me mantém a distância. Entretanto, continuo acreditando que ela possa ceder, desistir dessas idéias religiosas. As pessoas costumam mudar.

— Sim, estou certa de que muitas pessoas, sob a sua influência, mudariam de idéia a respeito de qualquer coisa. Mas não Judith. Ela permanecerá firme.

Evan ficou em silêncio alguns segundos, fitando-a.

— O que você está pensando agora? Nunca sei o que lhe passa pela cabeça.

— Estou pensando que estamos num impasse.

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— Você fala como o soldado que é. E o que pretende fazer a respeito?

— Não sei.

— Não está pretendendo ir para a América, não é?

— Suponho que seria uma ótima solução para todos os seus problemas.

— Não, pois Hiram não teria o canal que tanto deseja.

— Então você quer que eu fique?

— Quero que construa o canal e se case com Angel.

— Pode esquecer. É algo que não tem a mínima chance. Angel é muito perigosa para mim.

— Como você mesmo disse, trata-se de uma criança. Com certeza, você será capaz de controlá-la.

— Por favor, não diga nada à sua irmã — ele murmurou, vendo que os outros se aproximavam. — É isso o que a torna tão perigosa.

— Acho que o almoço já vai ser servido — lady Sylvia anunciou, sentando-se ao lado de Angel e Judith e ordenando a Terry que lhe trouxesse um prato. Quando Judith percebeu que James pretendia servi-la, ela levantou-se imediatamente e foi até a mesa.

— Devo lhe trazer um prato, senhora, uma vez que me parece ser o costume? — Evan perguntou a Helen, levantando-se.

— Não é preciso, posso contar com Hiram.

Evan notou o pai servir à esposa, todo solícito, e sentar-se ao lado dela. Como James já se acomodara entre Angel e Judith, ele preferiu afastar-se. De pé, encostado numa árvore, observava o grupo enquanto comia.

Sylvia não perdia um só de seus movimentos e o fitava de uma maneira que sugeria intimidade, o que, aliás, o irritava profundamente. Apesar de tratar-se de uma mulher bonita, não lhe despertava o menor interesse.

Ao ouvir a risada de Judith, virou-se no mesmo instante, na direção do som. Ao perceber que o capitão Farlay tentava impressioná-la, Evan foi dominado pelo ciúme. Largando o prato sobre a mesa, fez menção de afastar-se, quando Angel o tomou pelo braço, chamando-o para ver os filhotes de bodes, nascidos há um mês.

— Ele não é bonito? — Angel perguntou, enquanto o animalzinho lambia os dedos de Evan.

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— E o bode mais bonito que já vi.

— Não precisa ser sarcástico e fingir que não entende. Claro que não estou me referindo ao bode.

— De quem você está falando então? De Terry? Sim, meu irmão é muito...

— Não, bobo, estou me referindo ao capitão Farlay. Acho que Judith gosta dele.

— De quem? Do bode?

— Se você não parar já, vou lhe dar um tapa.

— Se quer que eu pare, use os pronomes corretamente, minha cara, para que eu possa entendê-la.

— Judith gosta do capitão Farlay e você está com ciúmes.

— Eu não seria um homem normal se não sentisse um pouco de ciúmes, mas prometo-lhe que não vou desafiá-lo para um duelo.

— Sua atitude me parece a de um pobre de espírito. Está com ciúmes, porém não demonstra nada. Até onde o capitão Farlay teria que ir, antes que você o desafiasse?

— Até muito longe. Duelos entre militares são contra a lei. Tanto o vencedor quanto o vencido poderiam ser levados à corte marcial.

— Verdade? Então o seu posto é mais importante do que...

— Claro que não. Apenas acho que você está exagerando. O fato de Judith rir das brincadeiras de James Farlay não significa nada. Um soldado sempre tem um arsenal de histórias interessantes e Judith possui um senso de humor apurado, apesar das pressões de sua irmã para contê-la. Não vejo nada de errado que ela se divirta.

— Você nunca lhe contou uma de suas histórias divertidas?

—Apenas uma vez e você se lembra de como tudo terminou. Além do mais, Judith afirma que nunca se casará. Creio que sua decisão não exclui apenas a mim como pretendente.

— Tem razão. Na minha opinião, é um desperdício absoluto.

— Sim. Não consigo imaginá-la como uma freira.

— Como o quê? — Angel indagou, surpresa.

— Uma freira, num convento.

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— Que absurdo é esse?

— Por algum motivo, ela decidiu converter-se e entrar para a vida religiosa. Suponho que seja o tipo de vocação que...

Evan foi interrompido pelas risadas de Angel.

— O que é tão engraçado? Também acho que é um enorme desperdício.

— Minha irmã tem um senso de humor incrível e sabe manipular as pessoas. Não sei como você acreditou numa coisa dessas.

— Não foi ela quem me falou sobre o convento, mas Helen — Evan respondeu irritado. Não estava acostumado a que as pessoas rissem à sua custa, principalmente Angel. E quando ela cobriu a cabeça com o xale e uniu as mãos em oração, imitando a figura de uma freira, ele teve vontade de dar-lhe umas palmadas, como se faz com uma criança. Praguejando baixinho, afastou-se.

— Algum problema? — James perguntou aproximando-se e entregando-lhe um cálice de vinho.

— Devo estar ficando velho. Tempos atrás, eu teria es-fregado aquele rosto, falsamente angelical, na lama.

James riu e tornou a servi-lo de vinho.

— Tempos atrás, você teria se sentido tentado a fazê-lo, mas não agora. Não quando aquele rosto é tão "beijável".

— Você acha? Pois eu ainda prefiro esfregá-lo na lama.

— Estou me esquecendo de que você é engenheiro, por-tanto, acostumado a ter os pés fincados no chão.

— Algo muito necessário, aliás. Nem só de brilho vive o exército.

— Você está querendo dizer que a cavalaria gosta de exibição?

— Vocês, rapazes, têm o seu uso, quando ataques simu-lados são requeridos. — Evan olhou na direção de Judith.

— Não sei aonde você quer chegar. Gosto de Judith. Ela é uma companhia encantadora e, acredito, não muito perigosa de beijar.

— Queria vê-lo tentar. Judith tem uma direita respeitável.

— Você está querendo me convencer a desistir?

— Não, de maneira alguma. O fato é que não consegui impressioná-la. Judith é uma mulher desejável, porém, mesmo vivendo sob o mesmo tempo, não fui capaz de penetrar nas

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suas defesas. Assim, como poderá você, um estranho, interessá-la?

— E esta a vantagem da cavalaria. Estamos acostumados a agir rápido. — James afastou-se, um sorriso triunfante no rosto. Lady Sylvia escolheu aquele momento para abordá-lo.

— Quase não tive oportunidade de trocar algumas pala-vras com você e gostaria de nos conhecermos melhor. Por que não me acompanha até a casa? Vou mandar uma das criadas servir o chá.

— Quer dizer que você não trouxe uma sineta?

— Não, bobinho — ela respondeu, apoderando-se do braço forte. — Quis que a nossa reunião fosse informal. Não se pode conhecer bem as pessoas trancando-as numa sala de estar. Creio que os encontros ao ar livre contribuem para conversas francas.

— Então, por que está me levando para dentro? — Evan perguntou provocador.

— Por favor, deixe as brincadeiras de lado, pelo menos por um momento. Devo lhe falar a respeito de Terry.

— O que tem meu irmão?

— Ele... ele está bebendo outra vez?

— Não é melhor você mandar servir o chá?

— Ah, sim, eu tinha me esquecido. — Lady Sylvia con-duziu-o até um pequeno escritório e, depois de tocar a sineta para chamar a criada, o fez sentar-se. — É difícil conversar com um homem tão alto se ele estiver de pé.

— Bonita vista — Evan comentou, olhando pela janela enquanto a criada servia o chá. — Você pode ver quase toda a sua propriedade daqui?

— Sim. Ele está bebendo muito? Responda-me.

— Responda-me você primeiro. O que quis dizer com "ou-tra vez"?

— Aconteceu no ano passado, mais ou menos nessa época do ano. Você deve saber que Terry rompeu com Angel no último verão.

— Sim.

— Você acha que ele também pretende romper comigo?

— Oh, não. Então é isso o que a preocupa? Terry anda tenso por minha causa. O fato de eu ter voltado para casa deixou todo mundo em polvorosa, inclusive meu pai. Eles não sabem bem o que fazer comigo, entende? Afinal, passei dez

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anos longe daqui. É natural que se sintam incomodados. Mas tudo voltará ao normal quando eu partir.

— Você está pensando em ir embora?

— Sou um soldado e minhas costelas estão quase intei-ramente solidificadas. Não posso me demorar aqui sem ne-cessidade. Sem dúvida, Terry voltará a ser o mesmo de sempre, tão logo eu parta.

— Até que você retorne.

— Tenho driblado a morte por muito tempo. Minha sorte não irá durar para sempre.

— Dizem... dizem que você não pode ser morto porque é louco, porque ri diante do perigo, como se fosse um anjo negro...

— Aposto que foi Bose quem andou espalhando essas histórias. A verdade é que eu não teria sobrevivido muito tempo sem ele. A propósito, a criada já está levando a bandeja de chá para o jardim. Não deveríamos nos juntar aos outros?

— Sim, claro — Sylvia respondeu, frustrada.

— Sobre o que Sylvia queria conversar? — Terry per-guntou, aproximando-se do irmão.

— Ela estava tentando arrancar informações. Como eu não sabia o que dizer, acabei falando que planejava partir.

— Nós os vimos pela janela.

— Depois de Angel, estou começando a ficar preocupado em ficar com uma mulher a sós.

— Estou certo de que não há nada com o que se preocupar, em se tratando de Sylvia.

— Talvez, porém, sendo um soldado, prefiro não correr riscos. Ela é uma mulher bonita, mas você, realmente, gosta dela?

Terry fitou-o e deu de ombros, desinteressado.

Lady Sylvia, acompanhada do primo, despediu-se dos convidados. Agora sentia-se segura em relação a Terry. Con-tudo, de que servia Terry, se Evan estava de volta? A menos que Evan não pretendesse ficar. O título não a interessava, pois já herdara do pai o direito de ser chamada de "lady". O que queria mesmo era o controle de Meremont. Terry poderia ser manipulado, mas quanto a Evan, não tinha certeza. O que dizer de um homem que matara o próprio irmão, talvez para herdar o título? Quem sabe lorde Mountjoy o tinha perdoado? Ou, quem sabe, o queria apenas para construir o canal?

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Como lorde Mountjoy podia acreditar ser possível guardar segredo sobre o projeto, convivendo com alguém feito Angel?

A melhor coisa a fazer era esperar. Precisava ter cuidado antes de pular dos braços de um homem para os de outro, especialmente em se tratando de irmãos.

Angel, como sempre, seria uma ótima fonte de informa-ções. Através dela, saberia o que Evan herdara da avó e poderia tomar a sua decisão sobre qual dos irmãos escolheria para marido. Era uma maravilha poder contar com criaturas ingênuas e infantis.

— O dia correspondeu às suas expectativas, querida prima? — James perguntou, observando os convidados se afastarem.

— Ainda não cheguei a uma conclusão. Os Mountjoy são estranhos.

— Como assim?

— Evan não é como você o descreveu. Pareceu-me desa-jeitado, especialmente na minha presença.

— Sem dúvida, atordoado pela sua beleza. Ele não de-monstra nenhuma timidez perto de Angel e, comigo, teve o mesmo comportamento firme e altivo dos campos de batalha. Entretanto, devo reconhecer que nunca o vi em companhia feminina antes.

— O que achou de Judith?

— Uma mulher acostumada apenas à vida no campo. Mais séria do que a irmã. E divertida para conversar, porém, não é tipo dado a flertes.

— Isso o deixa de fora.

— Eu poderia conquistá-la, se quisesse.

— E Angel?

James estalou os dedos.

— Você acha que será capaz de fazê-la se apaixonar por você?

— Num abrir e fechar de olhos. Mas você, prima, se casará comigo no final dessa história toda e não com Terry, não é?

— Não foi o que combinamos?

— Já terminamos por hoje? — Ralph perguntou a Evan. — Terry quer saber se pode vir para cá.

— Se ele terminou de medir o último trecho junto ao rio, sim.

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— Vou avisá-lo. — O rapazinho montou no cavalo e saiu em disparada.

Minutos depois, Evan ouviu o barulho de cascos. Para seu desaponto, não era Judith, mas lady Sylvia e James. Ele obrigou-se a sorrir sem vontade.

— Então esta é a sua estrada? — Sylvia perguntou, ten-tando provocá-lo. — Porque o caminho conduz ao rio?

— Porque é onde ficam as docas.

— Você tem consciência de que invadiu parte das terras de lady Sylvia? — James argumentou indignado.

— O quê? — A surpresa de Evan era tão genuína que ninguém perceberia tratar-se de puro fingimento.

— Parte de minhas terras começam junto àquelas árvores e continuam até o chalé, construído logo acima.

— Não?! E mesmo? Como pude cometer um erro desses? Terry e Ralph chegaram, uma expressão de desagrado no rosto.

— Olá, Sylvia — Terry a cumprimentou, reservado. Fitando o irmão, Evan abaixou a cabeça, embaraçado.

— Não sei como lhe dizer isso, mas devo ter feito algum erro de cálculo e nos afastamos um ou dois metros do plano original.

— Um ou dois metros? Que importância tem, levando tudo o mais em consideração?

— Vocês plantaram as estacas de medição nas terras de lady Sylvia! — James apontou o terreno com o chicote de montaria.

— Não me digam! — Terry exclamou.

— Desculpe-me, irmão, mas acho que teremos que re-fazer tudo.

— Evan, como você pôde ser tão estúpido? Nosso pai vai ficar muito irritado.

— Eu sei. Parece que não consigo fazer nada direito. Devia ter esperado ficar sóbrio, antes de dar início às obras preliminares.

— Mas será que um, ou dois metros, faz tanta diferença assim?

— E o bastante para alterar todo o curso de uma estrada. Não temos outra escolha a não ser recomeçarmos.

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— Sylvia, quem sabe você não quer nos vender o direito de passagem? — Terry sugeriu. — Assim, poderia fazer uso da estrada.

— Vou considerar a possibilidade — ela respondeu num tom brincalhão —, se Evan me acompanhar até em casa. James poderá lhes mostrar onde estão os limites de minha propriedade.

— Creio que talvez seja melhor eu acompanhar James. — Evan esforçou-se para parecer penitente.

— Está com medo de falar a sós comigo?

— O quê? Não, porém preciso recolher meu material de trabalho.

— James ajudará seu irmão.

Evan enrolou os mapas e entregou-os a Ralph. Então montou Taurus, como se estivesse indo para o matadouro, e fez parte do trajeto resmungando baixinho.

— Você quer prestar atenção em mim?

— Desculpe-me. Eu estava tentando imaginar como vou explicar isso ao meu pai. Entenda, ele me deu outra chance e tornei a falhar. Não sei como reagirá.

— Talvez o problema ainda tenha solução.

— Você está querendo dizer que pretende mesmo consi-derar a venda do direito de passagem? Eu lhe seria eter-namente grato. Também lhe prometo que terei cuidado para não causar muito estrago às suas árvores.

—Danem-se as minhas árvores! Eu não vou vender o direito de passagem. Mas estou disposta a fazer uma permuta, recebendo em troca certo número de cotas do canal.

— O quê?

— O canal. Eles o estão usando com o único objetivo de construir um canal.

— Bem, eu pensei... eu pensei que era mesmo um lugar estranho para construir uma estrada.

— Você, realmente, precisa de alguém que o oriente. Seu pai pretende construir um canal lá embaixo, no vale.

— Espere um momento. Um canal faz ainda menos sen-tido do que uma estrada e os custos seriam enormes. De onde viria o dinheiro?

— Estou certa de que lorde Mountjoy tem um plano. Talvez pretenda vender cotas e eu quero algumas.

— E assim que essas coisas são feitas?

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— Claro. Você não conhece os fundamentos do mundo dos negócios?

— Nunca tive que lidar com isso. No exército, eles apenas nos dizem onde construir a estrada e nos dão os homens necessários para realizar o projeto. Os custos não importam muito. E apenas uma questão de quanto tempo levará.

— Essa seria a sua visão da coisa. Acorde, Evan. Sua família o enganou. Eles o estão usando para fazer todos os cálculos e dar início à obra. Quando não precisarem mais de seus serviços...

— Meu pai não o faria... outra vez.

— Será? Ouça-me, posso ser sua amiga. A única amiga com quem contar.

— Mas Terry...

— E tão movido pela avidez quanto o resto dos Mountjoy.

Evan fitou-a, fingindo-se chocado com a revelação.

— Não me olhe assim. Sei muito bem por que Terry tem me feito a corte. Ele quer se casar comigo por causa das minhas terras.

— Não! Não é possível! Ele não faria uma coisa dessas.

— Por que não? Ele planeja passá-lo para trás também. Preste atenção às minhas palavras. Vamos entrar? — Sylvia sugeriu, tão logo chegaram à sua casa.

— Não posso. Preciso falar com meu pai e explicar-lhe tudo, antes que Terry interfira. Talvez não seja tarde demais.

— De nada servirão os seus esforços. Terry tem estado ao lado de seu pai durante todos esses anos. Por que lorde Mountjoy lhe daria ouvidos agora? Quando eles o puserem para fora de Meremont, procure-me. Saberei como ajudá-lo.

Evan partiu, ansioso para livrar-se da presença de Sylvia. O que diabos iriam fazer? Claro que não imaginara que ela pudesse acreditar naquela história absurda da construção da estrada. Ninguém seria tão tola assim. Porém, deveria primeiro obter mais informações sobre os planos de seu pai quanto ao canal, antes de tomar qualquer iniciativa.

Ele entrou na biblioteca como se estivesse se apresen-tando para um conselho de guerra. Judith, Terry e Ralph pareciam aguardá-lo, na companhia de lorde Mountjoy.

— O que aconteceu? — lorde Mountjoy indagou.

— Nada de importante, a não ser que lady Sylvia está convencida de que sou um tolo ingênuo.

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— Você, provavelmente, não teve que se esforçar muito para passar essa impressão — lorde Mountjoy observou, fazendo Judith rir.

Evan sorriu também.

— Ela acha que vocês me enganaram, fazendo-me iniciar os preparativos para a construção de uma estrada quando, realmente, estão pensando num canal. Também está certa de que logo serei mandado embora daqui.

— Então lady Sylvia sabe sobre o canal.

— Mas como é que ela seria capaz de acreditar que você, um engenheiro, não saberia diferenciar uma estrada de um canal? — Judith perguntou.

— É que confessei estar tendo problemas com a bebida...

— Quais são as intenções de lady Sylvia? — lorde Mount-joy quis saber.

— Ela quer cotas do canal.

— Nunca!

— Não consigo entender. Afinal, você estava disposto a lhe oferecer seu próprio filho.

— Não é a mesma coisa, absolutamente. Se Terry casar-se com ela, torna-se dono de Wendover. Lady Sylvia não iria interferir nos assuntos referentes à Meremont.

— Não é o que ela tem em mente.

— Evan está certo — interveio Judith. — Lady Sylvia ja-mais concordaria com um acordo de casamento que a colocasse em desvantagem. As mulheres têm alguns direitos agora, especialmente se estão no controle dos próprios negócios.

— Sylvia acha que se casar comigo, terá Meremont, pois me considera o único herdeiro. Ela não sabe que a sua volta alterou o rumo dos acontecimentos, Evan.

— Ótimo. O melhor é continuar fazendo-a acreditar que sou apenas um soldado tolo e ignorante, vítima da ganância de minha própria família.

— Quanta bobagem. Por que ela iria pensar tal absurdo? — lorde Mountjoy explodiu. — Claro que você é um membro importante da nossa família.

— Porque eu a levei a acreditar nessa versão da história.

— Já que lady Sylvia parece interessada em você, por que não se aproveitar da situação? Você poderia descobrir algo interessante para nós.

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— Pai, por favor! Tenha consideração pelos sentimentos de Terry.

— Que sentimentos? — Terry indagou.

— Os sentimentos naturais de um homem quase noivo de uma mulher. Ter seu próprio irmão...

— Você é mesmo ingênuo. Não tenho a menor partícula de sentimentos por Sylvia. Seria apenas um casamento de conveniência.

— Então chegamos a um acordo — Judith concluiu.

— Que acordo? — todos perguntaram.

— Evan vai flertar com Sylvia para tentar descobrir outras informações e mantê-la ocupada até que nossos planos estejam finalizados.

— Como vou manter Sylvia ocupada, se tenho trabalho a fazer?

— Nós o ajudaremos — Terry e Ralph ofereceram-se.

— Sylvia é uma mulher perigosa — Judith ponderou. — Se ela conseguir o controle de parte do canal, acabará con-trolando tudo. Entretanto, sabemos que vamos precisar vender algumas cotas para viabilizar o projeto.

— Claro que teremos que vender algumas cotas — lorde Mountjoy concordou. — Eu estava esperando que Evan com-prasse a maior parte.

— Com o quê?

— Com a fortuna que a sua avó lhe deixou.

— Então é por isso que vocês precisam de mim. Agora, tudo faz sentido.

— Meu filho, não é por esse motivo que eu o quis de volta.

— Sim, estava me esquecendo. Sou o engenheiro que trabalhará de graça.

— Você é meu filho. Pertence a Meremont. Essa é a única coisa que realmente importa. Mas se não acreditar no que lhe digo, basta pegar sua herança e partir. Você sempre foi livre para ir e vir.

— Não quero partir — ele falou, depois de alguns se-gundos de silêncio.

— Então está decidido. — Lorde Mountjoy suspirou ali-viado. — Temos apenas que resolver o que fazer quanto a Sylvia. Na minha opinião, você, Evan, deveria cortejá-la para ganharmos tempo.

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— Você está me usando, pai. Especialmente porque ainda não me disse por que motivo deseja construir o canal.

— Talvez você não seja páreo para lady Sylvia — Judith falou de propósito. — Não conseguiria enganá-la.

— Apesar de me opor aos meios, vou levar a coisa até o fim — Evan respondeu irritado. — Agora, se me dão licença, vou me retirar.

— Acho que você soube manipular meu irmão direitinho, Judith — Terry exultou. — Dizer que ele não era páreo para lady Sylvia foi um golpe de mestre.

— Meus cumprimentos, minha cara — lorde Mountjoy completou.

— Obrigada, cavalheiros. Só espero não estarmos dizi-mando a fortuna de Evan por nada.

— Precisamos apenas ganhar tempo até que compra das terras onde fica a fábrica seja efetivada — lorde Mountjoy explicou. — Desde que Sylvia não descubra nada, podemos nos preocupar com as cotas do canal depois. Você se inco-modaria, Judith, se... Evan acabasse se casando com Sylvia?

— Não. Por que deveria me incomodar? — ela respondeu, desviando o olhar. — Suponho que ele deva se casar com alguém.

— Você não tem nada a temer de Sylvia.

— Mas ela cobiça esta casa. Basta ver a maneira como examina tudo, desde as cortinas, até quadros e prataria, quando põe os pés aqui dentro.

— Sim, sim, eu sei. Porém, é sempre bom conhecermos nossos inimigos. Lembre-se de que se ela se casasse com Evan, os dois iriam morar no chalé, não aqui.

Helen entrou naquele momento na biblioteca, anunciando que o jantar seria servido.

— Helen, querida, eu gostaria que você convidasse lady Sylvia e o primo para jantarem conosco na semana que vem — lorde Mountjoy pediu.

— É mesmo?

— Seria bom retribuirmos o convite recebido para o agra-dável almoço ao ar livre.

— Não foi nada agradável.

— Mas você os convidará?

— Claro. Conheço os meus deveres, embora não goste de nenhum dos dois.

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CAPÍTULO NOVE

Certa manhã, cedendo à insistência do pai, Evan partiu para Bristol, na companhia de lorde Mountjoy, Judith e Angel, que não perdia uma chance de fazer compras.

Teria sido um dia cansativo, se não fosse pela oportuni-dade de sentar-se diante de Judith, na carruagem, e observar o arfar dos seios rígidos, que pareciam hipnotizá-los. Percebendo o olhar de Evan, Judith, longe de mostrar-se embaraçada, apenas puxou o xale para cobrir-se.

— Você está com frio, minha querida? — lorde Mountjoy perguntou, solícito.

— Não, estou bem. Evan é que dá a impressão de estar com calor. Olhe só como ele está transpirando.

— E este uniforme que você está vestindo, filho. Compre algumas roupas novas em Bristol. Afinal, você não é mais um soldado.

Judith sorriu, sentindo-se vitoriosa. Agradava-lhe saber que podia excitar Evan a qualquer momento, em qualquer situação. Entretanto, o desejo que a consumia também não era menor. Havia semanas não se tocavam, mas seu corpo vibrava de paixão, mesmo convencida de que não havia futuro para os dois. O problema era resistir à tentação. Evan a atraía tanto...

Enquanto as duas mulheres se encarregavam das com-pras, Evan acompanhou o pai na reunião com os advogados de sua avó, para receber a herança que lhe era de direito. Já na rua, falou:

— Posso lhe fazer uma pergunta muito pessoal, pai?

— Dito dessa maneira, não tenho certeza se vou querer ouvir.

— Você poderia fazer uso desse meu dinheiro para im-plantar melhorias em Meremont, uma vez que não tenho necessidade especial dele?

— O que está faltando em Meremont?

— Tenho a impressão de que vocês têm poucos empre-gados para cuidar da propriedade.

— Ah, sim. Quando Helen chegou, ela despediu todos os empregados desonestos e acabamos descobrindo que pode-ríamos viver muito bem sem muitos deles.

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— Desonestos?

— A cozinheira, por exemplo, estava me roubando vergonhosamente. Foi por isso que resolvi procurar uma governanta.

— E encontrou uma família.

— Pense na economia que acabei fazendo ao casar-me com Helen, em vez de apenas contratá-la. Se Helen tem uma grande qualidade, é saber como dirigir uma casa.

— Também acho que ela sabe quanto o canal é importante para você e está fazendo tudo para poupar-lhe dinheiro.

— Devo mandá-la parar?

— Não, pois iria apenas ofendê-la e fazê-la sentir-se di-minuída, como se fosse incapaz de ajudar. Acredito que Helen já lhe poupou uma soma considerável.

— O que você tem em mente?

— Um presente e a promessa de que, um dia, as coisas irão melhorar. O sacrifício pode ter um sabor amargo, quando não é reconhecido.

— Para um soldado, você tem um coração sensível. Então, compre alguma coisa para Helen. Leve Angel para ajudá-lo. Vou precisar de Judith durante uma ou duas horas.

— Para onde aqueles dois estão indo? — Angel indagou a Evan, vendo lorde Mountjoy e Judith afastarem-se.

— Não tenho a menor idéia. Sei apenas que devemos nos encontrar às quatros horas. Você saberia me indicar um alfaiate?

— Sei onde Terry costuma encomendar suas roupas.

— Também preciso comprar um presente para Helen.

— Apenas para Helen?

— Então compre algo para você também, desde que es-colha o mesmo para Judith.

Quando Judith e lorde Mountjoy voltaram para a car-ruagem, Angel e Evan já os aguardavam.

— Você parece exausto, filho.

A verdade é que estava disposto a tudo para ficar ao lado de Judith e lutaria até o último momento para conquistá-la. Talvez ela o mantivesse afastado por medo de apaixonar-se e ser obrigada a tomar uma atitude, fazendo com que pai e filho se confrontassem. Por isso ela lhe dissera que já era tarde demais para os dois.

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Quanto a Judith, ela se descobria desejando Evan agora mais do que nunca. E se estivesse errada? Quem sabe não seria possível morar no chalé sem sentir que abandonara o filho? A idéia era tentadora.

Não, era tarde demais. Deixara suas intenções muito cla-ras, inclusive para Evan. Ele até desistira de conquistá-la. Há dias não a tocava, não lhe dirigia uma palavra de carinho. Quem sabe não estaria pensando, seriamente, em casar-se com Sylvia, para agradar ao pai?

Ninguém poderia imaginar que o jantar oferecido a lady Sylvia tivesse alguma chance de sucesso. Porém, foi o que aconteceu.

A refeição transcorreu tranqüila. Depois de servidos os licores, todos saíram para um passeio pelos jardins. Angel convidou James para visitar a estufa, enquanto Sylvia, pra-ticamente, atirou-se sobre Evan.

— E então? — ela perguntou.

— E então, o quê?

— O que você descobriu sobre as cotas?

— Meu pai, finalmente, já admite vender certo número de cotas do canal. Se eu me encarregar da construção, terei direito a parte dessas cotas, mas, sob uma condição. Primeiro, terei que convencer você a vender o direito de passagem pelas suas terras. Você não concordaria em fazer negócio comigo? Meu pai ficaria muito satisfeito.

— Não é meu objetivo agradar ao seu pai e, tampouco, deveria ser o seu. Eles o estão usando, pois não podem construir o canal sem ajuda profissional. Antes de tudo, você deve descobrir quantas cotas lhe caberão. E Meremont?

— Como assim?

— Quem herdará a propriedade?

— Não tenho idéia.

— Meremont está penhorado?

— Não, creio que não.

— Evan! E de extrema importância que você saiba como andam os negócios da sua família. O que lhe caberá quando seu pai morrer?

— Não vejo que importância tem isso. Meu pai pode mu-dar o testamento de uma hora para a outra. Também, posso resolver partir quando der meu trabalho por aqui encerrado.

— Não seja tolo. Nem tudo está perdido. Para que irá servir?

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— O quê?

— O canal, seu bobinho.

— Apenas para transportar a colheita rio abaixo. Oh, ele tem falado em reabrir aquela velha pedreira. Às vezes pergunto-me se meu pai não está ficando ruim da cabeça.

— Ruim da cabeça?

— Esclerosado devido à velhice.

— Nem pensei nessa possibilidade.

— Pois eu penso todos os dias. E se construir esse canal estúpido apenas para vê-lo transformado em motivo de risos para a vizinhança? A propósito, onde está James? Eles o estão esperando para um jogo de cartas. Você sabe jogar?

— Sim, claro. Se estamos sendo aguardados, é melhor entrarmos.

A exceção de Helen, que preferiu entreter-se com um bordado, todos participaram do jogo com entusiasmo. O clima cordial só sofreu ameaças quando James resolveu falar da guerra.

— Não consigo entender como você sobreviveu a Badajoz. Disseram-nos que os franceses haviam fuzilado todos os engenheiros.

— É verdade — Evan respondeu, colocando uma carta sobre a mesa com contida irritação.

— Então você foi baleado? — Angel perguntou, sem per-ceber o mal-estar reinante.

— Sim, mas não seriamente. Foi a massa de corpos que caiu sobre mim o que me salvou a princípio e, depois, quase me sufocou.

— Por que você participava do ataque? — Lorde Mountjoy quis saber. — Como engenheiro, seu trabalho deveria ter terminado tão logo as muralhas da cidade caíram.

— Estava tão escuro, que era impossível enxergar um palmo adiante do nariz. Nós, engenheiros, éramos os únicos que sabiam os lugares exatos onde apoiar as escadas de assalto. Assim, preparamos o caminho para a cavalaria.

Os olhos de Sylvia, fitos em Evan, brilhavam de admiração.

— Mas você esteve dentro da cidade — James insistiu. — Alguém me disse ter ouvido a sua risada alucinada.

— A balbúrdia dentro da cidade era tamanha, que seria impossível distinguir um determinado som.

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— E quem eram os responsáveis pela confusão? — Angel perguntou, ignorando o olhar ansioso de Judith.

— Nossos homens, comportando-se como um bando de animais selvagens. Nunca presenciei nada tão sórdido, em toda a minha vida.

James apressou-se a explicar:

— Vários oficiais, que tentaram impor disciplina, foram baleados pelos próprios soldados.

— Você tentou fazê-los parar? — Angel indagou, virando-se para Evan.

— Sim — ele respondeu, deslizando a ponta dos dedos sobre a cicatriz no queixo.

— Foi alguma moça espanhola, resistindo aos seus avanços, quem lhe deu essa cicatriz? — James perguntou malicioso.

— Não. Dois soldados ingleses me atacaram quando ten-tei impedi-los de violentar uma freira.

Um silêncio pesado se estendeu durante alguns segundos, até que Angel o rompeu.

— O que você fez então?

— Não me lembro exatamente. Bose, percebendo que eu não tinha chance sozinho contra os dois agressores, acabou me acertando na cabeça, fazendo-me desmaiar. Quando acordei, ele estava me enfaixando a cabeça e me mandando beber um copo de vinho.

— Foi então que você começou a rir? — indagou lorde Mountjoy.

— Sim. E por falar em vinho, este que estamos tomando também é ótimo. Alguém gostaria de um pouco mais?

Evan levantou-se para servir-se e Sylvia o fitou, os lábios entreabertos, o rosto enrubescido. Nunca mulher alguma expressara seu desejo por um homem com tamanha clareza.

— Você anda bebendo muito, meu filho.

— Amanhã estarei sóbrio. Eu não gostaria de cometer outros erros na medição do terreno.

— Ah, sim, você ainda está fazendo os levantamentos preliminares para a construção da... estrada? — James per-guntou, trocando um olhar significativo com a prima.

— Oh, desistimos da estrada — lorde Mountjoy afirmou.

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— Você desiste com muita facilidade, meu lorde — lady Sylvia respondeu, indulgente. — Eu não me recusei, inteira-mente, a lhe vender o direito de passagem por minhas terras.

— Oh, é mesmo, minha cara? Pois pensei que tivesse se recusado.

— Você nunca chegou a me fazer uma proposta concreta.

— Eu poderia lhe oferecer a quantia que paguei pelas terras ao redor. Claro que não servem para o plantio, sendo tão próximas ao rio.

— Eu levaria em consideração uma proposta de cinco mil libras por acre.

— Ha, ha, que senso de humor. Você é encantadora quando resolve brincar, criança.

— Asseguro-lhe que não estava brincando...

— Ás de espadas! — lorde Mountjoy anunciou. — Como já disse, tenho um novo plano.

— Que plano?

— Quer mesmo saber, minha cara? Talvez esteja na hora de colocarmos tudo em pratos limpos. Afinal, você acabaria descobrindo mais cedo ou mais tarde. Nós decidimos aban-donar o projeto anterior. Estou querendo construir uma estrada de ferro agora.

— Desculpe-me, pai — Evan interveio. — Mas você disse, estrada de ferro?

— Sim. Um trem para o nosso uso será perfeito.

— Não entendo nada de estradas de ferro.

— Você não se envolverá com o projeto. E não será nem sequer necessário.

O resto da noite perdeu o brilho. Sylvia e James despe-diram-se logo após o jogo de cartas terminar, ansiosos para discutirem os acontecimentos recentes.

— Que noite estranha — James comentou. — Não sei como fui capaz de agüentar. Quase morri de tédio.

— Talvez Evan esteja certo.

— Sobre o quê?

— Talvez lorde Mountjoy esteja esclerosado.

— Minha querida, a família inteira é doida. Agora sei a quem Evan puxou. O que faremos agora? Parece que você desperdiçou o seu dinheiro com a compra do terreno.

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— Ainda não sei o que faremos. Minha única certeza é que Evan representa a chave da questão. Ele está muito infeliz e aposto que, daqui em diante, fará o que eu sugerir.

— E quais serão as suas sugestões?

— Preciso pensar primeiro. Você sabia que ele matou o irmão mais velho?

— Ouvi comentários de que ele foi mandado para o exér-cito por causa da morte do irmão. Como aconteceu?

— A carruagem em que os dois estavam capotou e Gre-gory quebrou o pescoço.

— Do jeito que você fala, até parece que foi proposital.

— Quem garante que não tenha sido?

— Você é uma mulher estranha.

— Por que você trouxe à tona assuntos relacionados à guerra?

— Estava curioso sobre Evan. Ele sempre foi considerado um homem de nervos de aço, capaz de atravessar um campo de batalha sem temer ser atingido pelas balas inimigas.

— A sua conclusão é de que Evan é insano?

— Creio que, de tão tolo, faltam-lhe os nervos. As únicas coisas que passam por aquela cabeça, são vinho e mulheres.

— O que lhe falta é uma mão firme para guiá-lo.

— E você pretende suprir essa necessidade?

— E o que estou pensando.

— Está um tanto tarde para um passeio — Evan comen-tou, quando Judith atravessou o jardim.

— Eu o vi pela janela — ela confessou, admitindo ter ido à sua procura.

— Meu pai divertiu-se muito esta noite.

— Sim. Lorde Mountjoy estava esperando uma oportu-nidade de provocar lady Sylvia.

— Ela deve ter chegado à conclusão de que meu pai, realmente, não é bom da cabeça.

— Evan, você não fez nenhum comentário...

— Fiz sim. Aliás, sem saber, preparei o terreno para o desempenho de meu pai.

— Lorde Mountjoy aprecia essas situações... o desafio embutido.

— Ele teria sido um grande general.

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— Generais destroem coisas, enquanto lorde Mountjoy está determinado a construir.

— Eu sei. Soldados destroem coisas também, embora Wellington nos tenha feito reconstruir cada ponte que destruímos. Servia para manter os homens ocupados, após as vitórias.

— Wellington nunca disse uma palavra sobre o que acon-teceu aos civis?

— Não que eu saiba.

— Isso prova que nem ele pôde controlar os próprios homens — Judith ponderou.

— Eu não havia pensado nisso.

— Agora compreendo por que falar sobre a guerra o aflige tanto.

— Aqueles que mais sofreram não eram franceses, nem espanhóis, que se recusavam a se renderem. O que uma freira tinha a ver com a batalha? Com certeza, acreditava que o hábito pudesse protegê-la do que acontecia às outras mulheres. Mas de nada adiantou. Judith, me desculpe estar falando disso. Esqueci de que pretende entrar para um con-vento. Creia-me, algo assim nunca aconteceria na Inglaterra. Não há nada o que temer.

Ela suspirou fundo, como se tentasse conter o choro.

— O que os levou a agir assim? Por que não davam ouvidos a ninguém?

— Já era tarde demais. Haviam ultrapassado a barreira que separa os homens dos animais. Sentimentos como honra, compaixão, decência, pareciam haver perdido o significado. Até o ódio deixara de existir. Havia apenas uma fome animalesca e a necessidade de destruir algo, apenas por ser mais fraco.

— Ainda não consigo entender.

— Eu também não.

— Não sei como você suportou tudo aquilo.

— Felizmente, nossa memória é seletiva. Espero ter es-quecido os momentos mais negros.

— Quisera poder dizer o mesmo a respeito de mim — Judith murmurou.

Evan beijou-a de leve na testa, querendo poder apagar a tristeza daquele olhar.

— Pronto, agora você pode esquecer toda a mágoa.

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— Se fosse assim tão fácil.

Ele abraçou-a com força, resistindo ao desejo de beijá-la na boca.

— Você está tremendo de frio. Vamos entrar no chalé e acenderei a lareira.

Judith seguiu-o sem dizer uma palavra, certa de que não resistiria se Evan tentasse amá-la, pois era o que também desejava.

Uma vez dentro de casa, a idéia de acender o fogo foi imediatamente esquecida. Os dois se atiraram nos braços um do outro, com uma fome que beirava a loucura. Entre beijos e carícias ávidas, livraram-se das roupas com movimentos rápidos e precisos. Então, ele a depositou sobre o sofá, entregando-se ao prazer de sugar os mamilos enrijecidos. Judith arqueou as costas e entreabriu as pernas, num convite silencioso e irresistível.

Um orgasmo violento os consumiu, deixando-os ofegantes, atordoados. Nunca nenhum dos dois experimentara sensação igual e se não era amor, não havia outra palavra capaz de descrever o que vibrava em seus corações e aquecia os seus corpos.

Saciados e abraçados, adormeceram.

Judith acordou, banhada pela luz do sol, ao ouvir um barulho forte, do lado de fora. Evan estava sentado no chão, ainda nu, massageando o joelho dolorido. A visão daquela beleza máscula quase a impedia de mover-se, tão grande o fascínio. Com dificuldade, levantou-se e começou a vestir-se.

— Suponho que teremos que prestar contas depois dessa noite — ele comentou, olhando pela janela. — Devo ajudá-la a vestir-se?

— Não, posso me vestir sozinha. Às vezes fico me per-guntando se isso não é contagioso.

— O que?

— Sua loucura. Sempre me considerei uma pessoa sen-sata, mas segui-lo até aqui, ontem à noite, foi de uma es-tupidez infinita.

— Não. Foi um ato de coragem e honestidade. Agora meu pai terá que aceitar o nosso casamento.

— O que ele tem a ver com o assunto?

— Bem, nada — Evan respondeu desconsertado, amaldiçoando-se por quase haver deixado transparecer seu

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conhecimento do caso. — De qualquer maneira, temos que contar-lhe.

— Contar-lhe o que?

— Que vamos nos casar.

— Eu não posso.

— Ouça, você precisa enterrar o passado. Vamos reco-meçar as nossas vidas, nós dois juntos. Não importa se ele nos mandar embora daqui. Teremos um ao outro.

— Apenas nós dois? Mas é impossível. Não posso sair de Meremont. Não posso abandonar...

— Quem? Quem você não pode abandonar?

— Oh, Evan! Eu estraguei tudo! Devo ser louca por amá-lo dessa maneira! Não posso me dar ao luxo de amá-lo. Não há lugar para você na minha vida.

— Então é isso o que eu sou para você? Um amante ocasional, quando tudo o que desejo é ser seu marido?

— Nossos encontros não continuarão a acontecer. E se essa nossa loucura gerar uma criança?

— Mas... mas você disse que não podia ter filhos.

— Eu disse que nunca os teria. Não contava que você fosse me fazer perder a razão.

— Oh, meu Deus! Você se arriscou por mim? Então de-vemos nos casar. Será que não percebe?

— Não, eu me arrisquei por mim mesma. Ontem à noite, aconteceu o que eu queria e se houver um preço a pagar, carregarei o fardo sozinha.

— Não, estamos juntos. Se você estiver grávida, diga-lhes que a estuprei. Meu pai acreditará e não o negarei.

— Esconder-me atrás de outra mentira?

— O que você está querendo dizer com "outra mentira"?

— Tem outra pessoa a quem devo levar em consideração.

— Quem? Não importa. Acho que já sei quem é.

Judith cobriu o rosto com as mãos e entregou-se as lagrimas. Como contar-lhe sobre Thomas? Não era justo obri-gar Evan a arcar com a responsabilidade de criar o filho bastardo de outro homem. Não tinha coragem de impor-lhe isso. Quando, enfim, parou de chorar, descobriu que Evan se fora.

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Meia hora depois, foi encontrá-lo na biblioteca, lendo o jornal.

— Estou incomodando? — Evan perguntou sem disfarçar o ressentimento de quem se acreditava preterido em favor do pai. — Posso ir ler em outro lugar. Aliás, já vou me retirar. Meu pai faz uma confusão tão grande com as folhas do jornal, que se torna impossível o ler. Não sei bem por que, mas um jornal usado é quase como uma mulher arruinada. O prazer é pouco, porque já foi gasto.

Judith inspirou fundo e fitou-o, uma expressão aterrada no olhar.

— O que foi? — ele indagou, sem nada entender. Incapaz de conter o choro, ela saiu correndo da biblioteca, deixando-o mais confuso do que nunca.

— O que você disse a Judith? — Helen perguntou, aproximando-se.

— É o que eu gostaria de saber. Estávamos tendo uma conversa casual e, de repente, ela saiu correndo, como se eu a tivesse ofendido.

— Não se preocupe, falarei com minha irmã. A propósito, eu gostaria de lhe pedir um favor.

— Um favor?

— Sim. Capitão Farlay convidou Angel para um passeio a cavalo e eu queria que você a acompanhasse. Várias vezes, você me disse que gosta de Angel como se fosse uma irmã. Bem, ela precisa de um irmão agora.

— Você acha mesmo necessário? Creio que podemos confiar em Farlay... entretanto, ele pertence à cavalaria. Talvez você tenha razão.

— Claro que tenho razão.

Evan tinha seus motivos para estar zangado, Judith con-cluiu, secando os olhos. Afinal, destruíra-lhe as esperanças, rejeitara o pedido de casamento. Porém, quando ele com-parara o jornal manuseado a uma mulher arruinada, sentira-se atingida na alma. Como poderia tornar a encará-lo? A única alternativa era manter-se fria e distante, se quisesse sobreviver à tristeza de saber-se sem futuro ao lado do homem amado.

Para Evan, logo ficou óbvio que o passeio de Angel com James teria sido muito diferente se ele não estivesse estado presente. Tão logo chegaram a Meremont, enquanto Angel caminhava na direção da casa e James se preparava para ir embora, Evan segurou-o com força, pelo braço.

— Se você, algum dia, encostar um dedo nela...

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— O quê? O que você fará? — James indagou com um rosnado.

— Vou reduzi-lo a pedacinhos.

— Palavras corajosas para alguém que nem sequer con-segue manter-se sóbrio.

— Sim, mas sei como matar pessoas e, sendo enge-nheiro, posso pensar numa centena de lugares onde esconder seus restos mortais, lugares onde ninguém pensaria em procurar.

Evan soltou o outro e afastou-se, sem olhar para trás.

— O que você quer? — Judith perguntou, vendo-o entrar na biblioteca.

— Quero saber como fui capaz de magoá-la tanto. Sem-pre pareço estar dizendo as palavras erradas. Diga-me onde errei.

— Não aconteceu nada. Eu só estava com dor de cabeça, mas já passou.

— Será que não seria melhor chamar o médico?

— Não há necessidade. Porém, se você continuar com esse interrogatório, a dor vai acabar voltando. — As palavras foram ditas com tamanha veemência, que Evan retirou-se, sentindo-se agredido.

Com muito esforço, ela conteve as lágrimas. Outra vez o rejeitara, quando tudo o que queria era entregar-se àquele amor. Essa situação precisava ter um fim.

CAPÍTULO DEZ

Evan passou a noite inteira lutando com a memória. Precisava descobrir por que Judith perdera totalmente o controle. Ele falara algo sobre a maneira como seu pai costumava embaralhar o jornal.

Então a verdade o atingiu com a força de um raio. Como um idiota insensível, comparara o jornal a uma mulher arruinada. E Judith devia estar vivendo o dilema de ser amante do pai, estando apaixonada pelo filho. Mas nunca lhe passara pela cabeça considerá-la arruinada. Pelo contrário. Julgava-a uma mulher corajosa, presa a uma situação terrível. Tinha que ajudá-la, nem que fosse confrontando o pai.

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Quanto a Judith, não havia como desculpar-se. Se ten-tasse, acabaria fazendo-a sofrer ainda mais.

Para sua surpresa, Judith resolveu acompanhar Angel no passeio matinal. Quando os três voltavam para casa, Thomas aproximou-se correndo, pedindo para montar no cavalo de Evan. Judith aproveitou o fato de estarem perto do chalé para entrar e tirar algumas medidas necessárias para a compra das cortinas. Angel e Evan, acompanhado de Thomas, continuaram do lado de fora, ainda montados. Angel escolheu aquele exato momento para agarrar Evan pela gola do casaco e dar-lhe um beijo na boca.

— O que Angel e Evan estão fazendo lá fora? — Terry perguntou a Judith, entrando pela porta dos fundos do chalé e aproximando-se da janela.

— Deixando os cavalos descansarem um pouco.

— Não estão não! — Terry exclamou. — Eles estão se beijando!

— É verdade — Judith respondeu muito calma, olhando pela janela também. — E Thomas está bem no meio de ambos. Que insensatez!

— Eu não vou aceitar isso!

— Não faça nada. Você não tem o direito de interrompê-los.

— Tenho sim. Tenho o direito de... irmão.

— Terry não... — Mas ele já havia saído de casa.

— Você não pode fazer essas coisas enquanto estamos montados — Evan estava dizendo. — Terry, diga a ela que...

Terry puxou o irmão pelo braço e jogou-o no chão, atin-gindo-o com um soco. Angel gritou, assustando os cavalos que, nervosos, ameaçavam empinar. Percebendo o perigo a que Thomas estava exposto, ainda montado, sozinho, em Taurus, Judith saiu correndo e arrancou-o da sela.

— Oh, Evan, o que foi que eu fiz? — Terry murmurou, dando-se conta de que o irmão, caído no chão, poderia ter sido pisoteado. — Perdi a cabeça por causa... por causa...

— Por causa de Angel — Evan completou.

— Por causa de mim? — Angel indagou surpresa. Naquele instante, a babá apareceu e tirou Thomas do colo de Judith.

— Como ele teve a ousadia de ferir o meu bebê?

— Ele não é seu bebê — Judith falou seca, entregando o menino.

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Imediatamente, Miranda afastou-se, carregando Thomas nos braços como se o garotinho não pesasse nada.

— Você não pode se atirar sobre as pessoas quando há cavalos por perto. — Evan dirigiu-se a Angel. — Eles se assustam com qualquer coisa estranha.

— Estranha? Por acaso está me chamando de estranha? Oh, estou cansada de todos vocês. Estão sempre rindo por trás das minhas costas. Eu os odeio! — Angel afastou-se, pisando duro.

Evan sentou-se num banco de pedra, uma expressão cansada no olhar.

— Acho que você poderia ter lidado melhor com a situação - Terry comentou.

— O que foi que eu fiz agora?

— Nada, absolutamente nada para tê-las jogando-se em seus braços. Primeiro, Sylvia e agora, Angel.

— Criaturas volúveis, não? — Evan falou, passando a mão no rosto, onde fora atingido.

— E só porque você é um soldado. Mas não sei que tipo de soldado é, se considerarmos que essa foi uma demons-tração da melhor defesa de que é capaz.

— Não me restou nenhuma defesa, depois do que já passei na vida.

— Mesmo quando você não tinha nada, você tinha tudo. E será sempre assim. A mim, me sobrará o papel de tolo. — Terry afastou-se do irmão, sem olhar para trás.

— Você também não tem nada de horrível a me dizer? — Evan perguntou a Judith, que segurava Taurus e Molly pelas rédeas.

— Coitadinho de você — ela murmurou, sabendo que não conseguiria ser ríspida. — Seu olho ficará roxo por um ou dois dias.

— Obrigado por essas palavras de conforto. — Havia certa ironia na voz. — Terry fica irreconhecível quando cheio de raiva. Ele ainda ama Angel?

— Aparentemente sim, para a minha surpresa.

— Pensei que uma bala no ombro fosse o bastante para desencorajar qualquer homem.

— Você consegue andar?

— Oh, sim. Pelo menos, posso tentar. — Evan levantou-se, devagar. — Logo agora, quando meus ferimentos estavam

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sarando. Porém, estou acostumado a ter sempre alguma parte do corpo doendo. Faz-me sentir normal.

— Coitadinho — Judith tornou a repetir, desta vez, trans-bordando carinho.

Entretanto, do pai, Evan não obteve qualquer simpatia.

— O que você andou aprontando?

— Nada, pai.

— Nada, outra vez?

— Eu lhe dei um soco — Terry admitiu.

— Não vou nem perguntar o motivo. Não quero saber. Desde que vocês dois se entendam antes do almoço, o pro-blema não me diz respeito. Mas se ambos colocarem nosso projeto em perigo por causa dessa competição estúpida, então terei algo a lhes falar.

Durante a tarde, acompanhado de Bose, Evan foi até a aldeia, fazer uma vistoria no local onde ficariam alojados os homens contratados para a construção do canal. Depois, percorreu a fábrica abandonada, inspecionando o lugar com atenção. Estava convencido de que seu pai tinha mais in-teresse naquela velha fábrica do que deixava transparecer. E também de que devia haver alguma ligação entre a fábrica e a construção do canal.

Ao voltarem para casa, encontraram-se com James Farlay, no meio do bosque.

— Fazendo reconhecimento pelos arredores? — Evan perguntou.

— Na verdade, me perdi. Estava voltando da propriedade que Sylvia possui, junto ao rio e...

— Wendover fica naquela direção. Você pode cortar ca-minho passando por Meremont. — Ele não acreditara na desculpa do outro e James sabia disso, porém, era melhor para ambos fingirem normalidade. Lado a lado, cavalgaram pelo bosque.

— Há peixes naquele riacho? — James indagou.

— Não sei. Nunca tive a chance de descobrir. — Teria sido o capitão Farlay a figura vestida de branco, que tentara acertá-lo enquanto pescava? Um soldado honrado agiria assim?

— O que foi? — James falou, percebendo a expressão preocupada do outro.

— Eu estava tentando me lembrar quando o vi pela última vez.

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— Ontem, claro.

— Não. Estou me referindo à guerra.

— Em Salamanca. Fui atingido no ombro em Orthez, em fevereiro.

— Então você está em casa desde março. Sua licença médica ainda não expirou?

— Já posso montar, como você vê, entretanto, ainda não sou capaz de usar um sabre. Vou pedir que a minha licença seja estendida.

— Mas você pretende continuar no exército?

— Diferentemente de você, sou o segundo filho. Não tenho outra escolha.

— Bem, não saia por aí, matando o seu irmão. Não é divertido ser o mais velho.

Farlay fitou-o, chocado, e Evan riu, ao perceber a serie-dade do que havia dito.

— Suponho que você esteja planejando ficar. — A voz de James soava agressiva agora.

— Nós, engenheiros, nunca tivemos muito crédito no exército. E a vida no campo tem certos atrativos.

— Incluindo Sylvia? Percebi a maneira como você a olha. Tenho certeza de que se sente atraído.

— Um homem teria que estar morto para não achá-la atraente.

— Isso pode ser resolvido.

Evan riu outra vez.

— Você está me ameaçando? O que Sylvia teria a dizer sobre isso?

Farlay fitou-o, cheio de raiva.

— Não, não direi nada à sua prima. Vai ser instrutivo observá-lo tentar fazê-la perder o interesse por mim.

— Você não se importa com Sylvia.

— E você a ama de verdade. Minhas profundas simpatias, Farlay. Tenha um bom dia.

Evan desmontou ao chegar no estábulo, ainda procurando encaixar Farlay no papel de assassino. Não, James não era o tipo de agir pelas costas. Além de tudo, naquela ocasião, ele nem sequer encontrara lady Sylvia, para despertar o ciúme do primo.

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— Thomas, é você quem está se escondendo aí? Thomas colocou o cachorrinho de volta, junto aos outros filhotes.

— Ele se parece tanto com Toby. Venho lhe fazer carinho quando sinto saudades de Toby. Você não vai dizer nada a ninguém, vai?

— Claro que não. Que tipo de irmão você pensa que eu sou?

— Mas você não é meu irmão. A babá diz que não.

— De fato, não somos como a maioria dos irmãos.

— Desculpe-me por ter atirado em você.

Evan sentou-se no chão, ao lado do garotinho.

— Desculpe-me por quase tê-lo feito cair do meu cavalo. Angel não escolheu uma boa hora para me dar um beijo. Mas você não se machucou, não é?

— Não. Além de tudo, tia Judith me segurou. Ela sempre cuida de mim.

— Vocês dois são muito unidos, não são?

— Ela é a minha favorita, de toda a família. A babá diz que tia Judith me mima muito, porém, eu gosto.

— Creio que toda criança deve ter um anjo da guarda, feito sua tia Judith e também deve receber muito carinho. Lem-bro-me de quando eu era pequeno e meu pai dizia que é mais importante aprender a cair de um cavalo do que permanecer montado. Você gostaria de praticar algumas quedas?

— Oh, sim. De que cavalo vou cair?

— Não usaremos um cavalo, mas um monte de feno, para começar.

Evan levantou-se e fez uma pilha com feno fresco.

— Preste atenção no que vou fazer. — Ele deu uma cam-balhota e caiu, mantendo o queixo encostado ao peito. — Vou ajudá-lo nas primeiras vezes.

Depois de várias tentativas, Thomas repetia os movimen-tos de Evan com perfeição, seus gritinhos de prazer atraindo a atenção de Judith, que aguardava Evan na entrada do estábulo. Embora não soubesse, exatamente, o que ia lhe dizer, precisava desculpar-se por seu comportamento estranho. Se ao menos ele lhe prometesse nunca sair de Meremont, haveria uma chance de serem felizes juntos.

— Pensei ter ouvido a sua voz — ela falou, sorrindo. — Você não tem permissão para brincar aqui, não é, Thomas?

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— Nós não estamos brincando. Evan está me ensinando a cair.

— Talvez eu também devesse ensiná-la. E algo que você devia aprender. — Evan segurou-a no braço, apreciando a maciez da pele perfumada.

— Vamos, tia Judith, é divertido!

— Oh, não. Não tenho a menor intenção de ficar coberta de feno, feito vocês dois. Ambos acabarão tendo problemas se se atrasarem para trocar de roupa. Está quase na hora do jantar.

— Mas eu quero cair de um cavalo agora — o menino protestou.

— Talvez amanhã — Evan prometeu. — Agora, vamos, suba nas minhas costas. Vou carregá-lo até a casa.

Os risos da criança eram contagiantes. Evan depositou-o no chão apenas quando entraram em casa.

— Onde está Miranda? — ele perguntou, estranhando a ausência prolongada da babá. — Não é muito comum que ela o deixe tanto tempo sozinho, não é, Thomas?

Judith abraçou o filho, cheia de carinho.

— Confesse, Thomas — Evan insistiu. — Onde está Miranda?

— Bem, acho que... acho que ela ficou trancada na casinha.

— Na latrina? — Evan e Judith se entreolharam e caíram na risada.

— Não sei como a tranca se fechou por fora — o menino explicou, com uma carinha de anjo.

— Oh, você não sabe? Pois eu sei. — Evan atrapalhou os cabelos de Thomas e saiu, com a intenção de resgatar a babá.

— Você não vai dizer que fui eu, não é, Evan?

— Delatar você, seu danadinho? Não desta vez. Mas lembre-se, Thomas, esse tipo de brincadeira só tem graça uma vez.

— Sim.

Ao chegar junto à porta da privada, Evan a encontrou aberta. Engenhosa, a tal Miranda. Só esperava que Thomas não fosse castigado pela babá.

O dia seguinte amanheceu chuvoso. Depois de passar a manhã inteira lutando contra a frustração de não poder estar a sós com Judith, Evan resolveu fazer uma visita a Sylvia. Ela

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estava na companhia do primo, mas despachou-o no instante em que viu o rosto ferido de Evan.

— O que lhe aconteceu?

— Nada de importante, apenas uma briguinha com Terry — ele respondeu calmamente, como se fosse um fato corri-queiro. Então, olhando ao redor, como se para certificar-se de que estavam sozinhos, continuou: — Você tinha razão. Eles estão planejando me mandar embora daqui. Você deve me achar um idiota, por não haver adivinhado antes.

— Sente-se e beba isto — Sylvia ordenou, puxando uma cadeira e sentando-se diante dele. — Claro que você não é nenhum idiota, apenas não percebeu que a sua própria família tentava aproveitar-se de você. Entende agora?

Evan sentiu-se tentado a afastar as mãos pousadas em seus ombros, porém acabou sujeitando-se ao contato, sabendo que o sucesso do plano dependia muito da sua encenação.

— Pensei que fosse o preço a pagar, para que eu pudesse ficar em Meremont.

— O que seu pai lhe prometeu?

— Nada exatamente. Claro que deverei ficar com o di-nheiro que a minha avó me deixou. — Ele tomou o uísque de um só gole. — Ninguém pode impedir que o testamento seja cumprido, entretanto meu pai espera que eu use esse dinheiro para comprar ações da estrada de ferro.

— Quantas?

— Acho que ele disse que eu teria umas quarenta.

— Quarenta num total de quanto?

— Eu... eu não creio que meu pai tenha me dito.

— Evan, querido, você deve prestar mais atenção. — Syl-via levantou-se e tocou-o no rosto, inspecionando o olho ar-roxeado. — Isso é importante. Se for quarenta em cem, você teria quase a metade.

— E é bom, não é? — Evan perguntou, com um sorriso vago.

— Sim, é muito bom — ela respondeu, sentando-se no colo dele e enlaçando-o pelo pescoço. — Porém, cinqüenta ou sessenta por cento seria ainda melhor. — Posso ajudá-lo...

— Quando Sylvia estava para beijá-lo na boca, ele a impediu.

— E James? — indagou, fingindo-se preocupado.

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— James fará o que eu lhe mandar. Você deve descobrir o número de ações, onde a estrada de ferro será construída e o motivo da obra. Você entendeu?

— Eles nunca me dirão.

— Dirão sim, se forem convencidos de que podem confiar em você. Deixe-os pensar que farão uso de seu dinheiro... Não. Exija saber mais detalhes sobre o plano antes de assinar os papéis. Você tem poder. Precisa apenas aprender a usá-lo. Eu poderia lhe ensinar muita coisa. — Então Sylvia beijou-o na boca. Sua primeira reação foi querer afastar-se, porém, sabendo que devia cumprir seu papel, aceitou a situação. Como não a desejava, beijou-a com aspereza, obrigando-a a afastar-se.

— Evan — ela murmurou, ofegante —, você está me machucando.

— Desculpe-me, não estou acostumado a mulheres como você... frágeis. — Ele soltou-a, esforçando-se para parecer desconsertado.

— Não sou frágil, contudo, você tem muito a aprender.

— Sylvia levantou-se e alisou o vestido, engolindo em seco ao vê-lo afastar-se.

— Não vá embora — pediu.

— Tenho que ir. Eles sentirão minha falta.

— Você não se esquecerá do que deve descobrir?

— Não me esquecerei.

Lady Sylvia permaneceu junto à janela, observando Evan caminhar até o estábulo, os olhos fixos nas pernas musculosas. Ele não era um tipo gentil feito James. Evan exsudava masculinidade por todos os poros, fazendo-a arder de desejo. Quando se haviam beijado, não teve dúvidas de que seria capaz de entregar-se e só se afastara porque ele a assustara com seus modos quase agressivos. Mas o fato é que gostara da experiência. Evan era forte, perigoso. James, por outro lado, completamente entediante. Até tentara convencê-la de que Evan era um incompetente. Se ele fosse mesmo incompetente, melhor, pois poderia manipulá-lo com maior facilidade.

Evan encontrou-se com James no estábulo.

— Foi um visita curta — Farlay comentou.

— Demorada o suficiente — ele respondeu com um sorriso satisfeito.

— Aposto que sim. Lembre-se do que eu lhe disse.

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Um arquear de sobrancelhas foi todo o interesse demons-trado por Evan. Segundos depois, estava a caminho de Meremont, imaginando qual seria o próximo passo a dar.

O jantar foi tranqüilo e marcado pela ausência de Angel. Evan pensou em pedir desculpas à moça, porém, acabou decidindo esperá-la aparecer. Sentia-se cansado de lidar com o comportamento imprevisível das mulheres.

Assim que Judith e Helen se retiraram, seu pai o abordou.

— O que você descobriu?

— Como assim?

— Você não foi visitar lady Sylvia hoje?

Evan olhou para Terry, porém, não havia ciúmes estam-pado naquele olhar, apenas um frio interesse.

— Lady Sylvia quer saber se eu serei o sócio majoritário e qual o objetivo da construção da estrada de ferro. Na minha opinião, ela não tomará nenhuma atitude antes de ter certeza quanto à rentabilidade do empreendimento.

— Ela venderia o pedaço de terra para você? — Ralph perguntou.

— Apenas por um preço exorbitante. Mas creio que Judith tem razão. Lady Sylvia quer Meremont a qualquer custo.

— Então ela sugeriu uma aliança entre vocês dois? — Lorde Mountjoy indagou.

— Na verdade, Sylvia sugeriu muitas coisas. — Preocu-pado com a reação de Terry, o desconforto de Evan era aparente.

— O que você está querendo dizer com "aliança"?

— Você teria o controle de Wendover se a pedisse em casamento?

— Não! Isso está fora de cogitação.

— Ora, vamos, Evan — Terry o tranqüilizou. — Sei que ela o prefere a mim. Você não se julga capaz de dar conta do recado? Eu quase propus casamento a Sylvia, antes de você interferir.

— Ela não prefere a mim! É apenas uma mulher bonita e calculista, disposta a ficar com o homem que lhe possa dar o que deseja.

— Realmente, Evan, sei que você não gosta dela, mas parece-me que alguém deve propor-lhe casamento.

— Não, isso não. Eu faria qualquer coisa por você, irmão, exceto casar-me com quem não amo.

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— Você não se julga capaz de controlá-la? — Terry tornou a insistir.

— A questão é que não a quero fazendo parte de nossa família. Uma mulher tão cheia de malícia infernizaria a todos nós, pelo resto de nossas vidas. Mesmo se ela não tivesse um poder real, tentaria nos jogar uns contra os outros, destruindo nossa paz.

— Mas nós precisamos das terras de lady Sylvia — lorde Mountjoy protestou. — É imprescindível para o nosso projeto.

— Talvez não. Amanhã darei uma nova olhada pelos arredores. Até lá, prefiro não discutir o assunto.

Evan foi para o quarto e preparou-se para dormir. Ven-deria algumas ações herdadas da avó e levantaria o dinheiro necessário para promover algumas alterações no plano inicial. Se contratasse mais trabalhadores, era provável que não houvesse nenhum atraso nas obras.

CAPÍTULO ONZE

Evan colocou o castiçal sobre a mesinha de cabeceira e estava desfazendo o nó da gravata, quando ouviu um ruído, como se fosse alguém... respirando.

— Bose, você está dormindo aqui?

Um barulho vindo da porta o fez virar-se e foi a sua salvação. Em vez de acertá-lo na cabeça, ou no pescoço, a lâmina do sabre atingiu-o no ombro, dilacerando a carne tensa. Evan caiu sobre o colchão, derrubando o castiçal. A vela apagou-se imediatamente. Num movimento instintivo, ele rolou para debaixo da cama, protegendo-se do agressor invisível.

Quando uma mão enluvada estendeu o sabre sob a cama, Evan agarrou o pulso forte com firmeza. No mesmo instante, a sola de uma bota esmagou seus dedos, obrigando-o a soltar a presa, que desapareceu dentro da escuridão.

Sangrando muito, Evan conseguiu arrastar-se até o cor-redor, rindo descontroladamente.

— O que diabos está acontecendo? Não pensei que você estivesse bêbado — lorde Mountjoy falou ao pé da escada, erguendo um candelabro.

Evan sabia-se a ponto de perder os sentidos. A visão faltava-lhe, a dor se intensificava. Já não tinha forças nem para pedir socorro.

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— Evan, qual é o problema com você, filho? — A voz do pai parecia vir de muito longe, enquanto o zumbido em seus ouvidos tornava-se insuportável.

— Judith? — ele murmurou, voltando a si.

— Claro que não — respondeu Helen.

Evan tentou erguer-se olhando, fascinado, a mulher que presumira ser a sua assassina.

— Sua febre está piorando — ela falou, tocando-o de leve na testa. — E você tem falado coisas desconexas na última meia hora.

— Onde está Bose?

— Ainda não voltou. Você está com sede?

— Não.

— Você está bem?

— Não sei. E você?

— Estou bem agora. Os enjôos têm sido menos freqüentes. Eu tinha quase me esquecido de tudo o que passamos para ter um filho. Já faz tanto tempo...

— Apenas seis anos — ele respondeu, reparando nas mãos delicadas de Helen. Seriam elas fortes o bastante para manejar um sabre? — Foi você? — Evan perguntou de repente.

— Se fui eu... Meu Deus! Você está achando que eu o ataquei? Sei que ameacei dar-lhe um tiro, se não se afastasse de Judith, mas... mas...

— Mas você hesitaria antes de realmente me matar. É um pensamento reconfortante.

— Sinto muito que isso tenha acontecido, porém, como pôde pensar que a culpada fosse eu?

Evan começou a rir, enquanto se esforçava para levantar-se.

— Não ria desse jeito. As pessoas vão considerá-lo louco.

— O que está acontecendo agora? — Lorde Mountjoy perguntou, aparecendo na porta do quarto.

— Seu filho está querendo levantar-se.

— Seja razoável, rapaz. Se se levantar, os pontos vão se abrir e o médico já foi embora. Helen, querida, vá descansar. Farei companhia a ele agora. — Tão logo a esposa retirou-se, lorde Mountjoy foi direto ao assunto. — Quem o atacou?

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— Provavelmente um ladrão, que apanhou a primeira arma que encontrou pela frente, quando se viu preso dentro do quarto.

— Não foi Terry. Ele estava bêbado sim, mas não tão bêbado. Além do mais, já havia ido deitar-se, quando fui chamá-lo.

— Você o chamou?

— Sim, pois precisava de ajuda para acudi-lo. Nunca, em minha vida, vi tanto sangue. Terry também me contou que atiraram em você.

— Sim, enquanto pescava.

— Por que não me contou nada?

— Talvez porque considere algo normal. Estou tão acos-tumado a ser atacado.

— Normal?

— Os franceses estavam sempre à nossa espreita.

— Não há franceses em Devonshire e muito menos na sua própria casa. Você devia estar possesso de ódio e não rindo dessa maneira.

— Nunca aprendi a lidar com o perigo de outra maneira, a não ser rir.

— E como se você esperasse pelo pior.

— O pior é tudo o que conheci na vida.

— Nunca lhe passou pela cabeça voltar para casa quando a guerra terminasse?

— Eu não sabia se seria bem-vindo.

— Não diga esse absurdo, filho. Você nunca nem sequer me escreveu.

— Eu tentei. Mas o que poderia lhe dizer? "Desculpe-me sobre Gregory"? E por que você não me escreveu?

— Talvez pelo mesmo motivo. Sua avó deixava-me ler suas cartas, sabendo da minha ansiedade para ter notícias suas. A idéia de que você pudesse estar ferido me enlou-quecia. Depois que Judith chegou, sua avó e eu passamos a ler suas cartas juntos.

— Então foi Judith quem promoveu a reaproximação de vocês dois?

— Ela é uma criatura incomparável.

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— Sim, eu sei. Judith é capaz de amar qualquer pessoa. Sinto não ter tido coragem de enfrentá-lo antes, pai, nem que fosse através das cartas.

— Eu também.

— Nós dois desperdiçamos muito tempo, pai.

— Sim, mas de agora em diante, recuperaremos o tempo perdido. Não haverá mais segredos entre nós.

— E quanto a Judith?

— Judith...? O que ela tem a ver conosco?

Lady Sylvia apareceu para uma visita no dia seguinte. E quando Angel a informou do acontecido, mesmo sob os protestos de Ralph, ela marchou para o quarto de Evan.

— Isso é monstruoso! Você não deve ficar neste lugar nem mais uma noite. Quase foi morto deitado na própria cama! Não vou deixá-lo sozinho! Você não vê que não pode confiar em nenhum deles?

— Vou ficar bem assim que Bose voltar.

— Quem o atacou?

— Era impossível enxergar no escuro.

— Tinha que ser Terry. E bem o tipo de coisa que...

— Não foi ele! Se Terry quisesse me atacar, o faria em plena luz do dia, à vista de todos. Jamais pelas costas.

— Então foi Ralph.

— Nunca. Qual seria o motivo?

— Ouça, Evan, você tem que enfrentar o fato de que até mesmo o seu pai é suspeito. Quem herdará o dinheiro de sua avó, caso algo lhe aconteça?

— Eu preferia enfrentar os franceses — Evan murmurou sonolento, os sedativos começando a fazer efeito. — Pelo menos podia enxergá-los.

— Coitadinho. — Sylvia beijou-o na testa, para o seu desagrado. Seu pai jamais faria uma coisa daquelas, disso não tinha dúvidas.

— O que você está fazendo aqui? — Judith perguntou num tom seco, entrando no quarto.

— Estou confortando-o.

— Você o está incomodando. Cinco minutos atrás estive aqui e Evan dormia. Agora, me parece irritado.

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Com prazer, Evan assistiu Judith praticamente colocar Sylvia para fora de casa, inclusive enfrentando as ameaças da vizinha de mandar James para proteger o ferido.

— Que audácia a daquela mulher! — Judith exclamou, arrumando os lençóis. — Mandar James vigiá-lo.

— Coitado do James. Logo ele, que não gosta muito de mim.

— Por que não? Afinal, ambos são soldados.

— James tem ciúmes de Sylvia. Considera-me uma ameaça. Até falou... Bem, você sabe como são os soldados. Falam muitas bobagens.

— Evan! Estive pensando em quem poderia havê-lo ata-cado. E possível que tenha sido o próprio James. Afinal, o sabre é o tipo de arma que ele escolheria.

— Vamos, Judith, isso é um absurdo. James não me atacaria pelas costas, no escuro.

— Talvez ele não estivesse sóbrio, mas bêbado, ou furioso. Além do mais, que outra alternativa nos resta?

— Um ladrão. Lembre-se de que fiquei subitamente rico e tenho dinheiro guardado no baú.

— Está faltando algum dinheiro?

— Não tenho idéia de quanto Bose levou consigo para fazer as primeiras contratações, portanto, só vou poder dizer com certeza quando ele voltar.

— Ainda assim, continuo achando que o capitão Farlay é o principal suspeito. — Judith puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da cama.

— Você está se esquecendo de que ele ainda convalesce de um ferimento no ombro.

— Pois me parece perfeitamente bem.

— Oh, ele pode montar, porém, é incapaz de manejar o sabre.

— Como é que você sabe disso?

— O próprio James me disse.

— Quando?

— Ontem.

— E por isso que ele não conseguiu matá-lo com um só golpe. Você contou ao seu pai?

— Não. Nossa conversa foi apenas uma coincidência.

— Vamos ver qual será a opinião de seu pai.

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— Ouça, não há provas. Você não deve acusá-lo.

— Agora chega de conversa. Durma.

— Sim, senhora — ele respondeu sorrindo. Se Judith se preocupava com o seu bem-estar, talvez ainda conseguisse persuadi-la a aceitar seu pedido de casamento. E pela primeira vez desde que fora atacado, Evan dormiu em paz.

Para surpresa de Judith, James, embora relutante, apa-receu em Meremont, acompanhado de Sylvia. Como suas irmãs estavam ocupadas com os afazeres domésticos e lorde Mountjoy cochilava na biblioteca, Judith encarregou-se de recebê-los, friamente, no vestíbulo.

— Queremos ver Evan — Sylvia declarou, tirando as luvas.

— Ele está dormindo. — Como se para deixar sua posição bem clara, Judith postou-se ao pé da escada. — Sua primeira visita já o incomodou o suficiente. Eu não a deixaria vê-lo agora, nem se ele estivesse acordado.

— Mas Evan está em perigo. Será que vamos ficar aqui de pé, conversando no vestíbulo?

— Sim, porque vocês dois já estão de saída.

— Trouxe James para vigiar Evan. Você não pode com-preender o perigo que ele está correndo.

— Posso compreender muito bem e é por isso que James não vai ficar aqui.

— O que você está insinuando? — Capitão Farlay inda-gou, desconfiado.

— Sem dúvida a srta. Wells está exausta e não faz idéia do que está dizendo — Sylvia observou.

— Sei exatamente o que estou dizendo. Evan foi atacado com um sabre, depois de ter sido ameaçado por um perito no uso dessa arma. Agora vocês esperam que eu...

— Isto é um absurdo! — James explodiu. — Eu não estava aqui na noite passada e mesmo se estivesse, não faria uma coisa dessas.

— é o que o próprio Evan diz. Porém, não o levei a sério.

— Nunca, em toda a minha vida, fui tão insultada! — Sylvia falou dramática.

— O insulto não foi dirigido a você, prima, mas a mim. — Os olhos de James brilhavam indignados.

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— Essa mulher o acusou da pior vilania, apenas porque não quer enfrentar a verdade. Quem atacou Evan é alguém da própria família.

Judith empalideceu diante do que também considerava ser a verdade.

— Sim, e se ela fosse homem, eu a desafiaria para um duelo, por haver duvidado da minha honra. Porém, como é apenas uma mulher, vou ser obrigado a calar-me.

— Então, sou apenas uma mulher? Pois vou lhe dar um aviso, capitão Farlay. Se você tentar subir aquela escada irei mostrar-lhe do que sou capaz.

— Sim, o capitão Mountjoy já me falou que você tem a mão pesada — James respondeu com um sorriso.

— Se é assim, eu irei ficar com Evan — Sylvia ofereceu-se.

— Que falta de decoro é esse? Uma mulher solteira, no quarto de um homem?

— A srta. Wells tem razão — James concordou.

— Mas Evan está correndo úm perigo real. Além de tudo, "você" fica no quarto dele.

— É que eu sou... como uma tia. Afinal, minha irmã é casada com lorde Mountjoy.

— Não distorça a situação.

— E perfeitamente natural que eu cuide dele.

— Não há nada de natural nisso.

— A sua opinião não vem ao caso.

— Pois você não vai demorar a descobrir o peso da minha opinião.

— Você pode dar suas opiniões o quanto quiser, então. Porém, daquela escada, não passa.

Sylvia, sabendo-se derrotada, deu-lhe as costas e marchou porta afora.

— Muito bem, Judith. — James beijou-a na mão, para a sua completa surpresa. — Você deveria ter sido esposa de um soldado. Acredito que me impediria mesmo de subir. Mas não tem importância, pois não ataquei Evan. Adeus.

Aquela atitude de James preocupou-a mais do que nunca. Se o culpado não era o capitão Farlay, quem seria?

— Judith, não quero que você cuide de Evan — Helen falou, aproximando-se da irmã. — Você sabe o perigo a que

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está exposta. Afinal, já deixou claro que prefere mantê-lo à distância.

— Sim, mas ele precisa de mim agora. Se eu não o velar, quem o fará?

— Você quer que eu vá lhe fazer companhia?

— Não é necessário. Para ser sincera, não creio que você desgoste de Evan.

— Desgostar dele? Um homem exasperante, capaz de provocar Hiram propositadamente. Estávamos indo muito bem sem Evan.

— Contudo, estou certa de que não o odeia.

— Não, claro que não o odeio. É apenas uma pessoa terrivelmente inconveniente.

Helen deu-lhe as costas e entrou na biblioteca, deixando Judith cheia de dúvidas. A escolha da palavra inconveniente lhe soava mal. Oh, Deus, como tinha coragem de suspeitar da própria irmã? Estava mais abalada com o que acontecera do que imaginara. A possibilidade de perder Evan era assustadora.

— Judith? — Lorde Mountjoy a chamou, do corredor.

— Sim?

— Pensei haver ouvido vozes. Alguma visita?

— Apenas lady Sylvia e o capitão Farlay, querendo ver Evan.

— Ela, realmente, deve se importar com meu filho, para vir até aqui duas vezes, num mesmo dia.

— Sim, ela estava muito preocupada. Eu lhe assegurei que não havia motivos para preocupação.

— Quando Evan melhorar, deverá retribuir a visita. Quem sabe aonde essa preocupação poderá levá-la?

Judith, também, perguntava-se aonde essa preocupação excessiva levaria lady Sylvia e a provável resposta não a agradava nem um pouco.

Bose chegou ao entardecer, depois de haver alojado os vinte e quatro homens contratados para o início das obras. A notícia do acontecido deixou-o estarrecido.

— Você não viu nada?

— Estava muito escuro.

— Eu não cuidei de você em Portugal e na Espanha para vê-lo quase assassinado dentro do próprio quarto.

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— Desculpe-me, Bose, não fiz nada de propósito — Evan respondeu rindo.

— Bem, vou dormir aqui esta noite. Só não sei como faremos amanhã. Alguém terá que supervisionar o trabalho dos homens.

— Ficarei seguro durante o dia. Agora, coma alguma coisa e descanse. Você me parece exausto.

No dia seguinte, Evan acordou sentindo-se ainda dolorido, porém melhor. Decidido a levantar-se, apesar dos protestos de Bose, vestiu-se com dificuldade.

— Fique dentro de casa. Se eu o vir tentando montar, juro que o amarrarei na cama.

— Não se preocupe. Seguirei suas ordens.

Com o Times na mão, ele se ajeitou numa poltrona da biblioteca. Mal havia começado a ler o jornal, quando seu pai entrou.

— Não se levante. A propósito, o que você está fazendo de pé?

— É melhor caminhar um pouquinho do que ficar com os membros enrijecidos. E falo de experiência própria, depois de todos os ferimentos que sofri na guerra.

Lorde Mountjoy observou o braço do filho, imobilizado numa tipóia, e entregou-lhe a correspondência.

— Chegou uma carta para você.

— Ah, obrigado.

— Quer que eu a abra?

— Sim, por favor.

Depois de abrir a carta, lorde Mountjoy devolveu-a ao filho.

— O que foi? Por que você está rindo? Se ficar histérico outra vez...

— E de lady Sylvia. Uma vez que ela foi posta para fora de nossa casa, decidiu nos convidar para um baile na casa dela. Dentro de duas semanas. Imagino que ela me julgue capaz de dançar até lá.

— E você conseguirá?

— Claro. Nós, engenheiros, não somos frouxos como al-guns desses rapazes da cavalaria. Mas gostaria de saber o que ela pretende conseguir com essa festa. O que diz aqui é que é uma maneira de desculpar-se pelos incidentes de ontem. No que, absolutamente, não acredito.

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— Eu gostaria de ter visto Judith em ação.

— Ela foi magnífica. De acordo com Ralph, lady Sylvia e James partiram sem cumprirem a ameaça de entrar no meu quarto a qualquer custo. Judith praticamente os expulsou daqui.

Lorde Mountjoy riu com gosto.

— Eu preciso lhe perguntar uma coisa, pai.

— Sobre Sylvia?

— Esqueça Sylvia. Posso muito bem dar conta dela.

— Não foi o que você disse, dois dias atrás.

— Foi antes de me decidir sobre o que faria a respeito do canal. Agora, que me decidi, lady Sylvia já não é mais problema.

— E o canal?

— Eu o construirei para você. Não me importo se irá nos arruinar, ou não.

— Não irá nos arruinar, não se você investir nele.

— Sei muito bem que o dinheiro do canal deveria vir de minha avó. Você deve ter sido obrigado a refazer os planos, quando ela deixou tudo no meu nome.

Lorde Mountjoy concordou com um breve aceno de cabeça.

— Você planejava mesmo usar o dinheiro de minha avó para esse fim, não é?

— Sim, creio que sim.

— Mas eu já não lhe disse que vou construir o canal?

— Por quê? Se não acredita no projeto?

— Já fiz muitas outras coisas nas quais não acreditava. Acabei me convencendo de que se esperasse entender tudo antes de agir, perderia todas as oportunidades. O que me leva a Judith.

— O que Judith tem a ver com o canal?

— Absolutamente nada, porém eu a amo e quero me casar com ela. — Evan aguardou uma explosão, entretanto, nada aconteceu. Lorde Mountjoy apenas sentou-se, uma ex-pressão preocupada no rosto.

— Temo que seja impossível.

— Por que é impossível? Ela é uma mulher solteira. Não temos parentesco de sangue. Não somos nem sequer primos. Sei que Helen não gosta de mim e que pode tentar influenciar

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Judith. Mas sei também que ela não pretende entrar para um convento.

— Que história é essa de convento?

— Não tem importância. Alguma coisa a impede de acei-tar meu pedido de casamento. O que é?

— Não posso lhe dizer. Judith me fez prometer que não lhe diria nada. Essa questão vai impedi-lo de colocar dinheiro na construção do canal?

Evan fitou o pai, pensativo. Se seu pai mantinha uma relação íntima com Judith, nada deixava transparecer. Nem raiva, nem embaraço. Sentia-se confuso com aquela reação.

— Claro que não vai influenciar em nada, embora eu não sinta muito entusiasmo pelos seus projetos. O que me interessa é dar emprego a dezenas de veteranos durante alguns anos. Mesmo que nenhuma carga seja transportada por aquele canal, ter homens injetando dinheiro na economia local já terá valido a pena.

— Sim, sim, claro. E uma atitude patriótica a sua.

— Você vai falar com Helen sobre Judith?

— Ouça, Evan, se você pretende brincar com os senti-mentos de Judith, não vou permitir. Ela já sofreu bastante e não precisa...

— O que você está querendo dizer com "já sofreu bastante"?

— Isso não lhe diz respeito.

— Diz respeito sim. Eu a amo.

— Vocês dois mal se conhecem.

— Eu a conheço o suficiente para amá-la.

— Se você acha que pode ajudá-lo, darei uma palavra com Helen.

— Por que será que estou lhe pedindo esse favor?

— E o que estou me perguntando. Seu raciocínio deve estar mesmo lento. Estou começando a acreditar que esteja apaixonado de verdade. E ter concordado em construir o canal...

— Sim, mesmo sem saber sobre a fábrica de cerâmica.

— Como você descobriu sobre a fábrica?

— Judith andou estudando o negócio, não é? Você tem esperanças de conseguir comprar a fábrica?

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— Estou tentando manter o negócio na surdina. Prefiro que as pessoas pensem que eu esteja interessado nas terras. Lady Sylvia, especialmente.

— Se ela descobrir suas verdadeiras intenções, tentará impedi-lo.

— Sim. Mas Sylvia está tão ansiosa para conquistá-lo, meu filho, que não prestará muita atenção ao que acontece ao redor.

— Não, pai, você deve estar enganado. Ela não me quer.

— Há algo em você que atrai as mulheres. Você tem... potencial.

— Potencial para quê?

—Para ser perigoso, envolvente. Comparada à de Terry, sua personalidade é muito mais intrigante. Por isso, lady Sylvia o prefere.

—Ela pode preferir quem quiser, só não me terá nunca.

CAPÍTULO DOZE

— Antes de começarmos com essas cartas, Judith querida, tem algo que eu gostaria de lhe perguntar. — Lorde Mountjoy cruzou as mãos para conter os tremores. — Evan, pela primeira vez na vida, acho, veio pedir minha ajuda. Temo não poder fazer nada por ele. Você está mesmo decidida a não se casar, ou existe uma possibilidade...?

— Não posso. No início, me pareceu uma decisão fácil de ser mantida. Permanecer aqui, como a tia de Thomas. Mas Evan apareceu no meu caminho. Tentei lhe falar sobre o meu passado, porém, perdi a coragem. Sinto vergonha de mim mesma. Depois de tudo o que Evan já passou na vida, fui incapaz de trazer-lhe essa agonia.

— Você tem medo de que, um dia, Evan decida ir embora de Meremont, fazendo-a querer levar Thomas também?

— Eu não poderia causar essa dor a você e a Helen, sabendo que amam Thomas tanto quanto eu.

— Fico feliz que não tenha dito nada a Evan, pois você é a única coisa que o mantém aqui.

— Claro que não. Talvez você não saiba, mas seu filho o ama.

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— Ele a ama ainda mais. Por que não o aceita como marido? Talvez concordássemos em abrir mão da guarda de Thomas, se Evan prometesse não ir embora de Meremont.

— Não posso casar-me com ele sem lhe contar a verdade e nem posso lhe dizer que amo meu filho acima de tudo. É uma escolha difícil, porém, se for obrigada a decidir, ficarei ao lado de Thomas.

— E você não quer contar a verdade a Evan?

— Não. Uma mulher fraca, não sou? Quando penso no que ele já passou...

— Se você o aceitasse...

— Será que tenho o direito de prender Evan a Meremont, apenas porque eu preciso ficar aqui?

— Você já sofreu tanto, minha filha. Você ama Evan?

— Sim, infelizmente. Sempre me considerei uma pessoa sensata. Não sei como fui permitir que isso acontecesse.

— Ninguém impede o amor de acontecer. E um senti-mento que, simplesmente, dobra a nossa vontade própria.

— De qualquer maneira, é melhor Evan continuar acre-ditando que o rejeito por uma questão de escrúpulos religiosos. Isso o irá magoar menos do que a verdade.

— Escrúpulos religiosos? Que história é essa?

— Helen disse a ele que vou ser freira.

Lorde Mountjoy riu com prazer.

— Espero viver o bastante para ver vocês dois se enten-derem, algum dia.

Evan estava se trocando para o jantar, quando o pai foi procurá-lo, levando um quadro nas mãos.

— Pensei que você gostaria de ter isso no chalé, quando se mudar para lá.

— Quem é? — Evan perguntou, examinando o retrato com atenção. — Não é minha avó, embora exista certa semelhança.

— E a sua mãe. Não me diga que não a reconhece.

— Não me lembro de muitas coisas. E como se eu tivesse apagado o passado, ao ir embora de casa.

— Quando sua avó escreveu-lhe, contando que sua mãe havia morrido, você nos mandou uma carta tão fria e formal, que o acreditei estar se esforçando para mascarar o sofri-

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mento. Nunca me passou pela cabeça que não se lembrasse de sua mãe.

Evan fitou o retrato, os olhos cheios de uma tristeza infinita.

— Era minha mãe quem não me queria em Meremont, não era?

— Tentei trazê-la à razão, mas não fui capaz de fazê-la enxergar que foi um acidente. Ela continuou acreditando que você matou Gregory de propósito, porque sentia ciúmes.

— Claro que ela acabou envenenando Terry contra mim também, distorcendo a verdade.

— Se você tinha ciúmes de Gregory, filho, era porque ela o preferia abertamente.

— Talvez eu tivesse ciúmes, só não consigo me lembrar. E o pior, é que também não consigo me lembrar de como era Gregory.

— Pensei que esse retrato de sua mãe fosse lhe trazer um pouco de conforto, mas vejo que me enganei.

— Por que eu estaria precisando de conforto?

— Porque Judith não pretende se casar. Nem com você, nem com ninguém.

— E a resposta que eu esperava ouvir. Ainda assim, não vou desistir. Tenho dois pequenos mistérios para resolver.

— Se você começar a remexer no passado das pessoas, acabará provocando mais problemas para Judith.

— Não vou precisar remexer em nada. Se eu pensar no assunto o bastante, a resposta virá naturalmente e terei a solução dos meus problemas.

— Sabe, filho, só não consigo entender por que você não se lembra de sua mãe.

— Para mim, este retrato me parece o de uma estranha.

— Ela dizia que você havia lhe estragado o corpo.

— O quê?

— Depois de dá-lo à luz, ela o culpou, por fazê-la perder a forma. Terry também recebeu sua cota de culpa.

Evan começou a rir.

— Agora entendo por que minha mãe favorecia Gregory. Com certeza, não o achava responsável pelos quilos a mais.

— Era uma coisa cruel para uma mãe dizer.

— É absurdo, pai. E diante do absurdo, só nos resta rir.

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— Creio que você tem razão.

— Pensando bem, vou pendurar este retrato no chalé, sim. Lembro-me de ouvir minha mãe dizer que nunca queria ser relegada ao chalé.

— Sim, ela disse mesmo isso. — Lorde Mountjoy olhou para o retrato da ex-esposa e riu, como se tivesse acabado de ouvir uma grande piada.

— Eu a estava observando costurar ontem à noite — Evan falou, enquanto voltavam para casa, depois de visitar o local onde as escavações tinham sido iniciadas.

— Você sempre me observa costurar — Judith respondeu. — Por que o fascínio?

— Não sei. Acho que é reconfortante, de alguma maneira. Minha mãe nunca costurava.

— Você se lembra disso?

— Sim. Mas as recordações amargas de infância já não me incomodam tanto quanto antes.

— Fico feliz em saber. Seu pai se sentirá aliviado também.

— A propósito, você já providenciou o seu vestido para o baile? Se não tiver tempo de fazê-lo, podemos comprá-lo pronto, na cidade.

— Eu não vou ao baile.

— Que história é essa?

— Simplesmente não acho que vale a pena me enfeitar toda para comparecer à festa de lady Sylvia. Nada de in-teressante acontecerá.

— E possível que você se divirta um pouco.

— Com certeza, não.

— Mesmo com todos os amigos ridículos da anfitriã, que virão especialmente de Bath?

— De... — Judith pareceu perder a fala durante alguns segundos. — Como você sabe que os amigos dela são ridí-culos? — perguntou distraída.

— Porque ela é esnobe e, à exceção de nossa família, não se relaciona com ninguém dos arredores. Portanto, os convidados serão todos ricos e insuportáveis.

— Não vou à festa porque não tenho roupa adequada. E ponto final.

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— Estou certo de que Angel tem uns três ou quatro ves-tidos de festa. Peça-lhe um emprestado.

— Você espera que eu use um vestido emprestado?

— Então venha comigo à cidade e deixe-me lhe dar um de presente.

— Um vestido comprado numa loja? Oh, de jeito nenhum. Uma verdadeira dama tem seus vestidos feitos sob medida.

— Uma verdadeira dama não me trataria com tanta ironia.

— Eu não vou ao baile.

— Então, tampouco irei. Aliás, pensando bem, é uma ótima idéia. Nós dois, sozinhos, jantando à luz de velas. Não me olhe assim. Você sabe que eu não sairia da linha, a menos que você caísse num daqueles seus transes apaixonados.

— Qual é o problema comigo, para perder todo o controle? — ela perguntou, desesperada.

— Você me ama. E não é nenhum crime.

— Oh, Evan, arruinei sua vida, assim como destruí a minha.

— Não, querida. Minha vida já estava arruinada antes de conhecê-la. Mas podemos ser felizes juntos, basta esquecer o passado. — Ele a beijou e foi correspondido com igual ardor. Ofegantes, separaram-se afinal e, em silêncio, conduziram os cavalos até o estábulo.

Lá, descobriram Thomas adormecido sobre o feno, rodea-do de cachorrinhos.

— Estou preocupada com ele — Judith murmurou, en-quanto caminhavam para a casa.

— Preciso ver o que posso fazer para dar outro ca-chorrinho ao menino, ou ele crescerá dentro de um estábulo.

— Sei que existem crianças capazes de fazer essas coisas... matar animais, sem perceber que é errado ou... definitivo.

— Crianças que não foram educadas da maneira correta.

— Não é apenas uma questão de criação. Há a herança genética, um traço de brutalidade que pode passar de pai para filho, apesar...

— Meu pai fez algo estranho?

— Seu pai? Do que você está falando?

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Embora se sentisse pronto para aceitar o fato de que seu pai e Judith eram amantes, Evan não tinha coragem de esboçar o pensamento em voz alta.

— Seu pai é um homem bom e gentil. Que motivos teria para matar o cachorrinho?

— Não, mas quando você mencionou herança genética. Eu tenho o sangue ruim, porém, apesar do que diz Thomas, não matei Toby.

— Thomas disse que você matou o cachorrinho?

— Sim. E, provavelmente por isso, tentou atirar em mim.

— Onde será que ele foi tirar essas idéias?

— Não sei. Alguém se encarregou de influenciá-lo.

Na manhã do dia seguinte, ao descer para o desjejum, Evan deparou-se com Helen.

— Onde está meu pai?

— Foi tratar de negócios, em Bristol. Deverá voltar dentro de um ou dois dias.

— Oh, e onde está...

— Judith foi com ele, para fazer algumas compras. Tem mais alguma coisa que você queira saber?

A irritação de Helen o fez imaginar, pela enésima vez, se ela sabia do caso entre o marido e a irmã. Não, não era possível que todos os envolvidos naquela história sórdida descessem tão baixo.

Entretanto, não seria a primeira vez que seu pai buscava consolo nos braços de outra mulher, que não fosse a própria esposa, Evan pensou, saindo de casa para respirar um pouco de ar puro. De repente, fragmentos de conversas ouvidas na infância vieram-lhe à mente com uma clareza assustadora.

Lembrava-se de haver acordado, certa noite, e escutado uma discussão entre os pais.

— Por que não? — sua mãe indagara, irada. — Porque, Hiram, eu não quero outro filho. Eu nem sequer queria aqueles que já tenho.

A dor causada pelas palavras da mãe nunca cicatrizara. Desde então, obrigara-se a aceitar o fato de não ter sido uni filho desejado. Mas, como culpar seu pai pelo que estava acontecendo agora, se, durante anos, ele tivera seu amor negado?

O pior de tudo era que não conseguia encontrar uma solução para o dilema em que vivia. Por mais que tentasse

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analisar a situação sob diversos ângulos, tudo lhe parecia impossível de ser contornado. A razão dizia-lhe para atirar-se de corpo e alma ao trabalho, construir o canal, ignorar Judith e ir embora de Meremont na primeira oportunidade. Sua única chance de felicidade estava na possibilidade de que o amor que Judith lhe dedicava era maior do que o dedicado ao seu pai, ou do que o apego a Meremont. Como competir com tudo isso?

De súbito, um rostinho risonho saiu de trás de uma árvore.

— Olá, Evan.

— Olá, Thomas — ele respondeu, aproximando-se do menino. — Pelo visto, você conseguiu escapar de sua guardiã outra vez. Miranda não está à sua procura?

— Sim. Posso ficar aqui?

— Claro. Esse sempre foi um dos meus esconderijos favoritos.

— O que você fazia aqui?

— Às vezes pescava.

— Eu gostaria de aprender a pescar.

— Eu poderia lhe ensinar. Fique aqui, enquanto vou até o estábulo, buscar o material de pesca. Então passaremos a tarde inteira pescando, está bem?

Evan voltou logo depois com o material necessário e al-gumas maçãs, que Thomas devorou rapidamente. Falando baixo, para não chamar a atenção de ninguém, foram até o riacho. Dentro de alguns instantes, Thomas já estava en-sopado, mas feliz.

— Agora só temos que esperar? — o garotinho perguntou, mergulhando o anzol na água.

— De vez em quando, você pode puxar a linha devagar. Uma coisa deve-se aprender desde o início: pescar é também uma desculpa para deitar-se ao sol e cochilar. Sempre podemos dormir e dizer que estivemos fazendo alguma coisa de útil.

Thomas riu com prazer. Os dois haviam estado ignorando a aproximação de Miranda. Os repetidos chamados de "Tho-mas" iam se tornando cada vez mais fortes agora.

— Esconda-se atrás daquela pedra — Evan falou, não desejando ver a criança cair nas mãos daquela mulher con-troladora e ríspida.

Segundos depois, Miranda saía de trás das árvores.

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— O senhor viu Thomas?

— Eu? Por que o teria visto? Não consigo entender como você vive se perdendo do menino.

Thomas sufocou uma risada ao ver a babá bufar de raiva e ir embora pisando duro.

— Você mentiu para me encobrir — ele falou, fascinado.

— Bem, não foi exatamente uma mentira. Também, não acho que seja a coisa certa a fazer. Vamos esperar até que Miranda vá para o estábulo e iremos para casa. Com sorte, ela não nos verá.

Assim que ouviram Miranda começar a chamar por Tho-mas do outro lado do estábulo, os dois saíram correndo e entraram em casa, rindo descontroladamente. Quem os re-cebeu foi Helen.

— Mãe, eu estava perdido e Evan me encontrou. Estou tão feliz em vê-la. — Thomas atirou-se nos braços da mãe, quase a fazendo perder o equilíbrio.

— Então você estava perdido? — ela perguntou, os olhos astutos fixos em Evan. — E nessa história que pretende me fazer acreditar?

— Se nós levássemos Thomas para passear conosco com mais freqüência, ele conheceria Meremont melhor e as chances de ficar perdido a cada vez que saísse sozinho diminuiriam muito.

— Quando ele... — Helen começou a dizer, mas Evan pôs-se a subir as escadas, deixando para Thomas a tarefa de se explicar. — E como foi que você não ouviu Miranda chamando-o?

— Eu a ouvi sim, porém, ela corre tão depressa, que eu não sabia de onde vinha o som. Então encontrei Evan, pes-cando, e ele me trouxe para casa. O que ele fez foi o máximo, não foi? Largou a pescaria para me trazer até aqui.

— Sim, suponho que tenha sido. Por agora, suba e vá trocar essas roupas molhadas. Você nos deixa preocupados quando fica vagando por aí. Será que não percebe?

De dentro do quarto, Evan acompanhava a conversa entre a mãe e o filho. Então Thomas conseguira se sair bem da enrascada. Que criança esperta! Apesar de Meremont lhe trazer muitas frustrações e tristezas, pelo menos encontrara alguém a quem podia proteger. Não iria abandonar Thomas, deixá-lo enfrentar o mesmo destino que ele fora obrigado a cumprir, vinte anos antes. Ficaria em Meremont, nem que fosse apenas para se transformar num aliado e confidente do garoto.

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E então... talvez todas as suas suspeitas sobre Judith e seu pai fossem infundadas. Embora se esforçasse, não con-seguia analisar a situação objetivamente. Sentia tanto ciúme de Judith, que temia perder por completo a cabeça.

De qualquer maneira, por mais difícil que fosse, seria covardia fugir. Se amava Judith de verdade, deveria ter coragem para enfrentar o pai e lutar por aquele amor.

Quando Helen levantou-se da mesa, após o jantar, Evan seguiu-a até a biblioteca, não se interessando em tomar um copo de vinho do porto na companhia de Terry e Ralph. Os dois pensariam que ele estava sendo apenas cortês, quando, de fato, queria ter uma oportunidade de conversar a sós com ela. Dificilmente teria uma oportunidade melhor.

— Então a situação é essa, Helen... Se Judith não for ao baile, eu também não irei. Você, realmente, prefere que nós dois fiquemos sozinhos, durante a noite inteira?

— Mas eu achei que Hiram precisava da sua presença na casa de lady Sylvia.

— O que meu pai precisa não é minha preocupação prioritária.

— Outras pessoas estarão lá, pessoas desconhecidas.

— Aposto que nenhuma delas morde.

— Mas Judith não gosta de estranhos.

— Bobagem. Se ela não gosta de estranhos, basta não conversar com eles. Agora, trate de mandar fazer um vestido para Judith ir ao baile. E um vestido bonito, de acordo com a ocasião, ou não comprarei o guarda-roupa que prometi a Angel. Assim, seremos obrigados a agüentá-la choramingando dias a fio.

— Ela parece não ser capaz de fazer outra coisa, ultima-mente, a não ser choramingar. Esse baile é a primeira coisa que a fez mostrar interesse. Aliás, Angel tem passado as tardes com Sylvia, ajudando-a nos preparativos para a festa.

— Por que Angel ainda está chateada?

— Minha irmã diz que está decepcionada com o amor.

— Oh. Bem, a melhor coisa para ela, então, é ir ao baile. O que você tem a fazer é providenciar vestidos para vocês três. Mande-me a conta.

— Não gosto de receber ordens suas e também não gosto da idéia de ir a esse baile.

— Não fique agitada. Nenhuma das coisas que você men-cionou vai tornar a acontecer com freqüência. Por isso é que

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tudo no exército é mais simples. Diz-se a alguém para fazer algo e ninguém discute.

— Mas lá você estava tratando com homens.

— Sim, por isso era mais simples. Uma tropa de homens com inteligência média pode operar maravilhas.

— Destruindo uns aos outros? E o que você chama de "maravilhas"?

— Não foi o que eu quis dizer e você sabe disso.

— Se uma tropa de mulheres medianamente inteligentes governassem o mundo, não haveria guerras.

— Não concordo. Basta pensarmos em alguém como lady Sylvia para concluirmos que os homens não detêm o mo-nopólio das intrigas maliciosas.

— Por isso você a despreza, como despreza a mim.

— Não desprezo você. Na verdade, a respeito muito.

— Uma resposta interessante, considerando que ameacei matá-lo.

— Não foi difícil perceber suas intenções.

Helen riu com vontade, fazendo-o lembrar-se de Judith.

— Sinto tê-lo mandado embora daqui, naquele dia. Mas eu havia discutido com Hiram e não estava me sentindo bem.

— Mais tarde, compreendi a sua atitude. Então, temos uma trégua?

— Em todos os aspectos, exceto quanto a Judith. Você tem que deixá-la em paz.

— Posso, pelo menos, dançar com ela no baile?

— Uma vez.

— Duas?

— Muito bem, duas, porém é tudo. Você já terminou agora?

— Claro que não! Ainda nem sequer negociamos quantas vezes posso dançar com você!

Terry e Ralph entraram naquele exato momento, colo-cando um ponto final na conversa. Contudo, Evan estava convencido de que Helen começava a aceitá-lo.

CAPÍTULO TREZE

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Depois de dois dias angustiantes, Evan estava a ponto de partir para Bristol, quando Bose o fez voltar à razão, argumentando que se Helen era capaz de tolerar aquela ausência prolongada, do marido e da irmã, ele também poderia mostrar-se paciente.

No terceiro dia, uma chuva insistente começou a cair no meio da tarde. Sendo impossível que os operários traba-lhassem no canal, Evan os dispensou e também voltou para casa. Ao entrar no pátio, avistou lorde Mountjoy ajudando Judith a descer da carruagem. Ela o fitou rapidamente, uma expressão um tanto desconcertada no rosto. Depois, correu para dentro de casa, ansiosa para fugir da chuva.

Sozinho no meio do pátio, Evan não se moveu durante longos minutos, sentindo-se como no primeiro dia em que pusera os pés em Meremont: um intruso. Um impulso infantil quase o obrigava a fugir dali e esperar que Judith fosse à sua procura. Mas não, ninguém nunca se dera ao trabalho de ir ao seu encontro. Cansado de tudo, ele entrou em casa e, dando as costas às risadas vindas da biblioteca, começou a subir as escadas. Judith estava descendo.

— Evan, o que foi? Aconteceu alguma coisa?

— Não.

— Sei que há algo errado. Posso dizer pela expressão de seu rosto.

Ele tentou sufocar a pergunta, tentou transformá-la numa indagação inocente, porém, as palavras acabaram soando cheias de desespero.

— O que vocês estavam fazendo em Bristol?

— Eu... eu não posso lhe dizer.

Evan recomeçou a subir os degraus.

— Sei que não é justo — Judith argumentou, apoiando-se no corrimão. — Seu pai já devia confiar em você. Aliás, creio que ele esconde a verdade não porque tenha medo de que você vá revelar o nosso segredo, mas porque deseja que você resolva o quebra-cabeça por si só.

— Temo haver perdido o prazer em resolver quebra-cabeças — Evan respondeu suavemente, ainda dando-lhe as costas.

— Por favor, espere.

— Por quê?

— Nós fechamos o negócio.

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— Não brinque comigo, Judith. Sei que você não foi a Bristol para fazer compras!

— Não, claro que não!

— E você ainda admite? — Ele virou-se para fitá-la, os olhos escuros brilhando de indignação.

— Acho que você tem o direito de saber. Nós compramos a fábrica de cerâmica. Pretendemos produzir porcelana fina.

— Vocês o quê?

— Nós fechamos o negócio. Os Mountjoy são donos de uma fábrica de porcelana agora. A documentação já está quase toda pronta.

— Oh, Judith! — Evan desceu os degraus que os sepa-ravam e abraçou-a com força.

— Você não estava preocupado, não é? — ela perguntou, percebendo o alívio estampado no rosto viril.

— Eu não sabia se... se voltaria a vê-la, ou não. De repente, como se carregasse todo o peso do mundo nas cos-tas, Evan sentou-se num dos degraus. Judith imitou-o.

— Posso entender que no exército as pessoas tenham esse tipo de atitude, que temam não tornar a ver alguém. Mas na vida real não é assim.

— Não, claro que não. — Evan acariciou-a de leve na face e beijou-a na boca. Sem forças para resistir, Judith entregou-se com ardor, sabendo que iria continuar desejando-o até o fim de seus dias. Precisava encontrar uma maneira de acabar com aquele tormento, precisava ter coragem de terminar uma relação sem futuro.

Evan não apareceu para o jantar e quando Ralph foi chamá-lo, encontrou-o dormindo profundamente. Bose, então, explicou que seu capitão deixara ordens para não ser acordado.

— Estou feliz que você esteja de volta, pai — Terry falou. — Evan é maníaco por trabalho. Dá a impressão de que quer tudo feito num único dia.

— Deve ser influência do exército. Na guerra, um dia, ou uma noite, podem ser decisivos.

— Só que o jantar acaba sempre saindo atrasado, ou então, vocês comem a comida fria, quando decidimos não esperá-los. — A reclamação de Helen tinha fundamento, uma vez que detestava alterações na rotina da casa.

— E quem se importa com a comida? — Ralph serviu-se de uma porção generosa de carne e legumes. — Adoro quando

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Evan nos faz trabalhar duro para alcançar um determinado objetivo. E excitante.

Lorde Mountjoy arqueou uma sobrancelha, surpreso, e mudou de assunto.

— Angel, acho que quando desfizer minha bagagem, vou encontrar alguns presentes para você e Helen.

— Oh, será que não posso ter o meu presente já?

— Depois do jantar. Agora me conte o que andou fazendo nestes últimos dias.

— Tenho ido a Wendover, ajudar lady Sylvia com os pre-parativos para a festa. Amanhã, começaremos a cuidar dos arranjos de flores.

— Será que eu vou precisar ir a esse baile? — Ralph perguntou desanimado.

— Não lhe faria mal algum — lorde Mountjoy respondeu.

— Já que você vai morar definitivamente conosco, é melhor conhecer os rapazes e moças que vivem nas redondezas. Aliás, pensando bem, tenha cuidado. Nem todos são flor que se cheire. A propósito, Helen, querida, seu vestido já está pronto?

— Oh, sim. Mas Evan disse que se Judith não for à festa, ele tampouco irá. Portanto, creio que você não pode faltar, Judith. Vou ajudá-la a fazer o seu vestido. Ainda temos tempo.

— Eu, num baile? Isso sim, será perigoso.

— Por quê? — quis saber Ralph.

— Vamos mudar de assunto — decretou lorde Mountjoy.

Evan dormiu a noite inteira e acordou na manhã seguinte, sentindo-se revigorado. Depois de vestir-se rapidamente, desceu para o estábulo. A julgar pelo número de animais faltando, todos os homens da casa deviam ter ido para a fábrica de cerâmica. Contudo, como Molly ainda estava na baia, Judith, com certeza, continuava em casa. Quando ia à sua procura, seu pai apareceu.

— Por que você estava parecendo tão sombrio ontem, quando nós chegamos?

— Você nunca esteve numa batalha e nunca experimen-tou a sensação terrível da insegurança, quando não se sabe se perdemos, ou ganhamos. — Juntos, pai e filho começaram a caminhar na direção da casa.

— Mas faz parte da natureza do negócio... A excitação provocada pela incerteza. E por isso que a vitória tem um sabor especial.

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— Sim, pai. — Evan sorriu, subitamente cansado.

— Não entendo a sua preocupação. Você nem sequer sabia que iríamos tentar fechar o negócio da venda da fábrica.

— Exatamente. Eu não sabia o motivo da sua ida a Bristol. Sabia apenas que Helen estava nervosa por causa dessa viagem.

— Ah, então você entendeu tudo. Bom rapaz.

— Não, eu estava em tal estado que não conseguia pensar com clareza suficiente para chegar a uma conclusão sensata. Entretanto, durante a sua ausência, fui capaz de me lembrar de muita coisa do passado. Lembrei-me de que deveria ter odiado minha mãe, não você. E também de que fui uma criança terrível.

— Suponho que você tenha tido os seus motivos para nos dar tantos problemas. Houve uma época em que eu mal o via. Não gosto da idéia de que os filhos não sejam criados pelos pais. Quando você fez sete anos, passou a ter um tutor. Nossos caminhos nunca se cruzavam. Morávamos na mesma casa e quase não nos víamos.

— Eu também tenho os meus arrependimentos. Eu devia tê-lo enfrentado, ter tentado esclarecer as coisas e não culpá-lo por tudo, mesmo pelo que estava fora do seu controle. Arrependo-me de haver pensado que você...

— Vamos, diga o que o está incomodando.

— Quando você viajou com Judith para Bristol, quase enlouqueci de ciúmes. Já havia passado pela minha cabeça, antes, que vocês dois eram muito íntimos, porém, quando viajaram...

— Ciúmes? Você está querendo dizer que Judith e eu... — Lorde Mountjoy estava tão chocado, que he faltavam palavras para expressar a ira. Entretanto, em questão de segundos, a raiva transformou-se em divertimento. — Real-mente, Evan, essa idéia absurda só pode ser fruto de uma mente confusa. Tenho quase sessenta anos, filho. Não sei se devo me sentir ofendido ou envaidecido.

— Envaidecido, acho. Eu não estava muito seguro quanto às minhas chances de tirá-la de você.

— Agora ouça bem, Evan. Você pode forçar Judith a ir a esse baile, porém, é melhor não aborrecê-la, ou o mandarei para o chalé, quer a reforma esteja pronta, ou não.

— Prometo-lhe que não farei nada capaz de magoá-la. Ela terá que demonstrar se me quer. E se persistir nessa idéia de não casar-se jamais, saberei respeitá-la.

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— Então trate de manter a sua palavra. Embora eu me pergunte se devo confiar em você, depois do pouco respeito que demonstrou ter por mim.

— Pelo menos desta vez, disse-lhe o que estava pensando.

— É verdade. De certa forma, posso entender a sua reação equivocada. Judith tem uma cabeça maravilhosa para os negócios. Não sei o que faria sem a sua ajuda. Aliás, foi ela quem despertou em Terry o interesse por Meremont. Eu gostaria que Judith fosse minha filha.

— Mas eu não. Prefiro tê-la como esposa a tê-la como irmã.

— Se ela o rejeitar, prometa-me tratá-la como a uma irmã.

— Sim, eu o farei. Agora, diga-me, onde está Judith?

— Provavelmente, escrevendo algumas cartas.

Evan encontrou-a na biblioteca, debruçada sobre um maço de papéis. Com o firme propósito de distraí-la, sentou-se sobre a escrivaninha, impedindo-a de trabalhar.

— Então você conseguiu convencê-los a me mandar para o baile, não é? — ela perguntou, os olhos fixos nas coxas musculosas.

— Sim. Estive muito ocupado, por sua causa.

— Você sabe que não vai adiantar nada. Nunca poderei me casar.

— Não me lembro de tê-la pedido em casamento.

— Não me provoque. Quer dizer que aceitou a minha posição?

— Quando o canal estiver pronto, vou pedi-la em casa-mento. E se me rejeitar, não tornarei a incomodá-la.

— Minha resposta será não.

— E nem ao menos saberei por quê?

— Sempre pensei que um soldado deveria estar acostu-mado a não fazer perguntas, a receber ordens e cumprir os seus deveres.

— É verdade, porém, não se trata de uma guerra. Ou não deveria tratar-se. Você é uma mulher fascinante, Judith Wells. Mas será que dentre todas as suas tarefas, incentivar a construção do canal, começar a fabricação de porcelana, manter a todos nós na linha, não lhe sobraria tempo para ser minha esposa também?

— Não é uma questão de tempo.

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— Então, o que nos separa? Qual é o empecilho à nossa união? Acho até que Helen passou a gostar de mim, estamos nos entendendo bem agora.

— Helen não é o único problema.

— Quem, então? Sei que não se trata de meu pai.

— Thomas.

— O filhinho de Helen?

— Thomas não é o filhinho de Helen. — Judith fitou-o nos olhos, querendo fazê-lo perceber a verdade.

— Não acredito — ele murmurou, inspirando fundo.

— É melhor acreditar, Evan — ela respondeu, levantando-se. — Tive um filho fora dos laços do casamento. Encobrimos o fato tanto quanto possível, entretanto, algumas pessoas sabem o que aconteceu. É por isso que não posso me casar nunca, muito menos com você. E por isso que não posso sair de Meremont. Abri mão da guarda de meu filho publicamente, porém, jamais o desertarei. Se eu me casasse, mais cedo, ou mais tarde, acabaria tendo que escolher entre acompanhar meu marido e ficar ao lado de meu filho.

— Não acredito — Evan tornou a repetir, a voz embar-gada de emoção. — Meu pai nunca faria uma coisa dessas com você. Sei que, na juventude, ele poderia agir assim, mas não agora. Ele a ama como a uma filha. Meu pai nunca faria algo assim com você.

— Claro que lorde Mountjoy não fez nada. Thomas não é filho dele!

— Oh, Judith? — Evan levantou-se e abraçou-a com força. — Por um momento pensei...

— Como ousa você pensar um absurdo desses? Você, realmente, pensou que seu pai e eu... que nós... Oh, solte-me!

— Judith desvencilhou-se dos braços que a prendiam e saiu da biblioteca, cega pelas lágrimas.

Evan serviu-se de conhaque para recuperar a calma Como não percebera antes? Thomas não se parecia nem com Helen, nem com seu pai. Mas agora, tudo ia dar certo. Judith iria aceitá-lo e formariam uma família. Decidido a esclarecer a situação o quanto antes, foi procurá-la.

— O que você quer? — Angel perguntou, abrindo a porta do quarto.

— Preciso falar com Judith.

— Já não é possível. Você não poderá mais torturá-la. Oh, como eu te odeio!

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— Onde está sua irmã?

— Ela foi embora. — Angel desmanchou-se em lágrimas.

— E é tudo culpa sua. Você ficou pressionando-a, pressionando-a, até obrigá-la a contar a verdade. Por que agiu assim? Por quê?

— Ela foi embora? Embora para onde?

— Para Bristol. Judith vai tomar a diligência em Tiverton.

— Meu Deus, como você pôde deixá-la partir?

— Ela me fez prometer que não diria nada a ninguém.

— Angel atirou-se na cama, soluçando alto.

— Que barulho é esse? — lorde Mountjoy perguntou, saindo da biblioteca.

— Vou tomar a carruagem emprestada. Tenho que ir atrás de Judith. Ela foi para Bristol.

— O quê? Você não está em condições de guiar uma car-ruagem, com um ferimento enorme, ainda não cicatrizado.

Evan ignorou o pai e foi para o estábulo. Lorde Mountjoy e Terry o seguiram, preocupados.

— Que história é essa de Judith ir para Bristol? Se ela tem negócios a resolver lá...

— Ela fugiu e a culpa é minha. Não posso acreditar na minha própria estupidez.

— Mas eu posso — Terry afirmou, já a par do que acon-tecera. — Você fez Angel chorar e assustou Judith.

— Terry, você tem que me ajudar a encontrá-la. Não vou conseguir guiar a carruagem com a velocidade necessária, usando apenas um braço.

— Pelo amor de Deus, Terry, acompanhe o seu irmão, ou ele acabará se matando num acidente.

— Muito bem, vou acompanhá-lo, porém, somente porque gosto de Judith.

— Mais depressa, Terry! Olhe, acho que estou vendo algo apontar na colina. Rápido, coloque a carruagem de atraves-sado no meio da estrada para obrigá-los a parar.

— Você está louco? Vamos seguir a diligência até Bristol.

— Não. Primeiro tenho que saber se Judith está a bordo. O condutor da diligência puxou as rédeas dos seis cavalos subitamente, para não esmagar o homem que vinha andando ao seu encontro, como se tivesse saído do nada.

— Seu idiota! Você podia ter sido morto!

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— Preciso falar com uma de suas passageiras. É um caso de doença. Ela deve voltar para casa.

— Evan! — Judith falou, colocando a cabeça para fora da janela. — Você perdeu a razão? Você poderia ter sido morto.

— Judith! Você tem que voltar para casa. Não posso acreditar no quanto fui estúpido. — Ele abriu a porta da diligência e Judith desceu, irritada, segurando Thomas pela mão.

— Thomas? Você aqui?

— Você acha que eu seria capaz de deixá-lo?

— Por favor, não discuta. Apenas volte para casa.

— E verdade que alguém está doente?

— Sim. Helen.

— Oh, então vamos voltar.

Já a salvo, a caminho de Meremont, Evan confessou:

— Menti quanto a Helen. Ela está perfeitamente bem.

— Seu chantagista!

— Por favor, ouça-me primeiro. Eu estava tão angustiado com a idéia do que meu pai poderia ter feito, que não con-siderei os seus sentimentos.

— Que diferença faz quem seja o responsável? E lhe agradeceria se tivesse cuidado com o que diz.

— Como você pôde pensar que eu me importaria com uma coisa dessas? Além do mais, sei que a culpa não foi sua.

— Ele prometeu casar-se comigo e cuidar da minha fa-mília. Apenas mentiras.

— E você o deixou.

— Sim. Seu pai arranjou tudo e me levou, juntamente com Helen, para passar uma temporada em Harrogate.

— Então, o que a preocupa? Por acaso gostaria que eu desse um tiro naquele canalha? Posso fazê-lo, se você insistir, contudo, preferiria que fosse capaz de esquecer toda essa história.

— Em quem você vai atirar, Evan?

— Thomas, acho que Terry está precisando de ajuda para guiar os cavalos. Vá sentar-se no colo dele, está bem?

— Você não vê? — Judith murmurou. — Ele mora em Bath. E se eu o encontrar, casualmente?

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— Com certeza, o canalha se sentirá mais embaraçado do que você. E provável que nem saiba sobre Thomas. Agora entendo por que Helen quis engravidar. Para provar aos outros que ainda é possível, para convencer as pessoas de que é a mãe de Thomas.

— Sim, é isso mesmo.

— Eu sabia que sua irmã é corajosa, que faria qualquer coisa para protegê-la. Mas arriscar a própria vida, com uma gravidez tardia, é o sacrifício máximo.

— Todos têm sido tão bons para mim. E agora, tentei levar Thomas embora. Algo que nunca planejei fazer. Sinto-me tão confusa.

— Você não deve me ter em alta conta, se não me confiou os seus segredos. Entretanto, se vai ser minha esposa, deverá ter um pouco mais de fé em mim.

— Por favor, Evan, não brinque comigo. Vou mesmo ser sua esposa?

— Sem sombra de dúvidas! — Ele a abraçou, cheio de carinho. — E quanto a Thomas? Você o quer de volta?

— Sim.

— Então falaremos com meu pai e Helen.

— Pelo menos poderei desfrutar a companhia de meu filho pelos próximos seis, ou sete anos, antes de mandá-lo para a escola.

— Não, Thomas não será mandado para nenhuma escola. Não permitirei que se separe daqueles que o amam. Podemos ensinar-lhe tudo o que for necessário.

— Verdade?

— Sim. Creia-me, Judith, seremos uma família unida e feliz.

— Você não vai se importar de criar o filho de outro homem?

— Ele é seu filho. E isso é tudo o que importa.

Ao chegarem em casa, encontraram Helen no jardim, acompanhada de uma aterrorizada Miranda. Mal pôs os olhos em Thomas, a babá pegou-o no colo e afastou-se correndo, cobrindo-o de beijos e afagos.

— Sobre o que vocês dois estão cochichando? — Helen indagou, curiosa. — Parecem duas crianças.

— Vamos nos casar — Evan anunciou.

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Helen, simplesmente, perdeu a fala durante alguns segundos.

— Eu contei a ele, Helen. Contei-lhe sobre Thomas e não fez a menor diferença.

— Bem que eu lhe disse que Evan não se importaria com o que aconteceu no seu passado. Mas você não quis me dar ouvidos.

-— Pura covardia. Eu temia não corresponder às expectativas de Evan.

—Minhas expectativas? - Evan repetiu. - Nunca pensei que um dia fosse encontrar alguém como você. A única coisa que me preocupa, é mantê-la junto de mim. Para sempre.

CAPÍTULO CATORZE

Evan acordou tarde e depois de ser informado, por Joan, que todos os membros da família, à exceção de Helen, Thomas e Angel, haviam ido até a aldeia, ele resolveu passar no chalé e verificar se a reforma estava no final.

Da sala, ouviu as vozes de Thomas e Miranda vindas do jardim. Os dois colhiam amoras.

— E um dia — a babá falou, cheia de suavidade —, você será um grande lorde e todas as pessoas se curvarão na sua presença. E por isso que é tão importante aprender a ler e a escrever.

— Mas eu prefiro brincar.

— Você não vai chegar perto daqueles cavalos e cachorros horrorosos outra vez. Vai ficar comigo e o manterei a salvo.

Evan sorriu. Que sorte tinha Thomas, ao poder contar com uma babá tão dedicada e amorosa quanto Miranda. Ainda sorrindo, saiu da casa para cumprimentá-los.

— Olá, Evan — o menino exclamou, feliz.

— Nós não sabíamos que você estava aqui — Miranda resmungou de maus modos. — Vamos embora, Thomas.

— Não se vá ainda, Thomas. Espero que você venha vi-sitar a mim e a Judith nesta casa muitas vezes.

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— Você... e a srta. Judith? — a babá indagou, atônita.

— Vamos nos casar.

— Entendo. E seu pai sabe disso? — O tom de reprovação era inquestionável.

— Claro que sim!

— Vamos embora, Thomas. Já está quase na hora das suas lições. — Enquanto Miranda o arrastava pela mão, o garotinho olhou para trás, despedindo-se com um aceno.

Evan decidiu ir até a aldeia encontrar-se com Judith e os outros, na fábrica de cerâmica.

— Onde está meu pai? — ele perguntou, abraçando-a.

— Lá dentro, fazendo os primeiros planos para a restauração.

— Sinto ter duvidado de você, ainda que por um momento. É capaz de me perdoar?

— Claro que sim. Você me perdoou de algo muito pior.

Juntos, os dois foram à procura de lorde Mountjoy.

— Há tanta coisa que precisa ser feita antes de come-çarmos a produção — lorde Mountjoy falou, vendo o filho aproximar-se.

— Quando você irá precisar do meu dinheiro?

— Não vamos precisar do seu dinheiro, pois pagamos a fábrica à vista. Judith andou tentando vender algumas jóias que a sua avó deixou para ela, como herança.

— Jóias?

— Sim, você se lembra dos diamantes de sua avó, não?

— Apenas vagamente.

— Pois bem, eles perderiam muito de seu valor se fossem vendidos separadamente. Assim, Judith teve a inspiração de apelar para a vaidade da ex-dona dessas terras, uma viúva que mora em Bristol. Quando a mulher viu os diamantes, decidiu tê-los a todo custo.

— Judith tem um instinto natural para negócios. Creio que ela se sairá muito bem administrando a fábrica.

— Você não irá tomar a frente? — Lorde Mountjoy perguntou.

— Não sei nada sobre porcelana ou sobre agricultura. Deixo esses assuntos aos cuidados de Judith e Terry, pessoas capazes e competentes. Além do mais, a construção do canal

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me ocupará durante todo o tempo. Realmente, prefiro me dedicar à engenharia.

— A menos que voltemos ao trabalho já, não teremos um canal tão cedo — Terry comentou, completando o pequeno grupo.

— Ainda não consigo entender como o transporte de por-celana faz valer a pena construir um canal.

— Porcelana? — Lorde Mountjoy perguntou, sorrindo. — De onde você tirou essa idéia?

— Através de você. Como explicar todos aqueles livros sobre cerâmica, espalhados pela biblioteca?

— Apenas para despistar lady Sylvia.

— Mas se não for cerâmica, o que pretendem produzir?

— Tijolos! — Lorde Mountjoy exclamou, triunfante.

— Por que não pensei nisso antes? Vocês têm a argila, os fornos, o calcário e a areia. Usar o canal para vender os tijolos em Exeter e em outras cidades mais distantes, é óbvio.

— Correto. Você levou algum tempo para matar a cha-rada, filho. Judith continua interessada em fabricar objetos de porcelana, mas apenas como uma atividade secundária. Fabricar tijolos, além de muito mais fácil, tem à disposição um mercado crescente.

— E quanto à extração de carvão?

— Também nos interessa, pois usaremos o canal para vender o produto nas cidades vizinhas. Assim como o ferro.

— Você pensou em tudo, pai.

— Sim, porém o canal é a chave. Nada nos será possível sem ele.

— A propósito, refiz os cálculos e, com algum acréscimo de tempo e dinheiro, poderemos evitar que o canal passe pelas terras de lady Sylvia. Acabaremos nos livrando de ter que escavar no terreno pedregoso, junto aos pântanos.

— Depois do baile, então, nos encarregaremos de contar as novidades à lady Sylvia — lorde Mountjoy decidiu.

— E quem terá a honra? — Judith perguntou, sorrindo maliciosa.

— Acho que meu pai. Mas apenas depois da festa.

A carruagem dos Mountjoy não foi a primeira, nem a última, a chegar. Se comparada às grandes recepções de Londres, a festa de lady Sylvia, com seus cinqüenta convi-dados, era até modesta: pouquíssimas famílias das

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redondezas, uma meia dúzia de oficiais da cavalaria e uma pequena multidão dos amigos de Sylvia, todos residentes em Bath, que deveriam passar a semana inteira em Wendover.

Evan desconfiava que os vizinhos próximos haviam sido convidados somente para servirem de motivo de riso, porém, as mulheres da família Mountjoy nada deixavam a desejar em elegância e beleza. Vestida de acordo com a última moda, Judith resplandecia envolta em seda azulada, o rosto bonito era moldurado pelos cabelos loiros e adornado com os brincos de pérola que ele lhe dera. Depois de dançar com a noiva, Evan ocupou-se em servi-la, e a Helen, de champanhe, já que lorde Mountjoy se juntara aos cavalheiros ao redor de uma mesa de jogo, na biblioteca.

— Angel ainda não me perdoou — ele comentou com Terry, notando a maneira como a moça o fitava, cheia de ressentimento.

— Tenho procurado me manter distante. Angel tem an-dado tão irritada em casa, que prefiro evitar a possibilidade de uma cena em público.

— Ela deve estar se divertindo hoje. Basta ver o sucesso que faz junto aos rapazes.

— Estou vendo. — Terry esvaziou o cálice de champanhe num só gole.

— Você ainda a ama, não é?

— Sim, maldição! E nem sei por quê.

— Pensei que depois de ter levado um tiro, de vê-la com a arma fumegante nas mãos, você houvesse desistido desse amor.

— Oh, mas não a vi disparar.

— O que está dizendo, homem?

— Eu a vi segurando a pistola depois, muito desajeita-damente, por sinal. Angel me disse que a havia encontrado caída no chão e, ao me ver sangrando, apesar dos esforços de Judith para prensar a ferida, ficou histérica. O que mais nos deixou confusos, é que Angel tenha sido capaz de me acertar, quando mal sabe manejar uma arma.

— O fato é que você não a viu atirando... Assim, podia ter sido qualquer pessoa, o autor dos disparos. Isso aconteceu antes que qualquer um soubesse da minha provável vinda a Meremont, certo?

— Sim. Talvez nosso pai já soubesse, mas...

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— Mas até aquele momento, você era o herdeiro. Alguém precisava apenas colocá-lo fora do caminho e então...

— Que história é essa? Você está insinuando que Ralph...?

— Não. Eu o conheço bem — Evan afirmou. — Ralph seria incapaz de uma atitude dessas.

— Quais são as outras alternativas? Resta-nos Angel. Eu poderia perdoá-la por ter atacado a mim, pois bem o mereci, porém, não a você.

— Não creio que tenha sido Angel, Terry. Ela não teria motivos para tentar me matar.

Evan passeou os olhos pela sala até pousá-los sobre James Farley.

— Farley está de licença desde março — ele falou, dis-posto a tirar Angel da lista de suspeitos. Afinal, a moça não era forte o bastante para manusear um sabre. — Ele tem ciúmes doentios de lady Sylvia. Quando você começou a cortejá-la, talvez tenha perdido a cabeça e o atacado. Agora, é provável que tenha transferido a raiva para mim.

Terry ameaçou levantar-se e ir tirar satisfações com o capitão Farlay.

— Não faça isso — Evan o advertiu. — Não temos ne-nhuma prova e a acusação é séria. Vá dançar com Angel. A pobre garota não tira os olhos de você.

— Está bem. Porém fique atento à sua retaguarda, irmão. Cansado de todo aquele movimento e não vendo Judith nas proximidades, Evan decidiu tomar um pouco de ar no jardim.

— Graças a Deus você saiu do salão — Judith exclamou, aflita.

— O que foi? Algum problema, querida?

— Ele está aqui.

— Quem está aqui?

— Não há tempo para muitas explicações. O único "ele" capaz de me incomodar está aqui. Eu sabia que isso ia acontecer. Por que permiti que você me convencesse a vir a esta festa?

— Venha, vamos entrar. Vou ter uma pequena conversinha com "ele". Tem certeza de que não quer que eu o mate?

— Não quero nem sequer que o encontre. Quero que me leve para casa.

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— Se você fugir agora, vai continuar fugindo a sua vida inteira. Estou lhe pedindo para confiar em mim, para deixar o assunto nas minhas mãos.

— Está bem. Vou lhe mostrar quem é. — Os dois entra-ram no salão, de mãos dadas. — E aquele homem, conver-sando com lady Sylvia. O nome dele é Banstock.

— Ele me parece um tipo frívolo, Judith. É mais velho do que eu.

— Eu estava desesperada para tirar a minha família da ruína. Maldição. Banstock está olhando para cá.

— Vá fazer companhia a Helen, querida. Eu resolvo a questão.

— Você não estava falando sério quando disse que podia matá-lo, não é?

— Há coisas piores a fazer, do que matar um homem.

Evan atravessou o salão com passos firmes, como um caçador atrás de sua presa. Vendo-o, tão seguro de si, tão controlado, Judith sentiu o medo desaparecer. Ela sorriu e foi juntar-se a Helen.

— Oh, Evan — disse Sylvia. — Quero lhe apresentar uma pessoa. Creio que o sr. Banstock conhece a nossa Judith.

— É mesmo? Vocês devem ter se encontrado quando a srta. Wells ainda morava em Bristol.

— Sim. Na verdade, quase não nos víamos. Provavel-mente, ela nem sequer se lembra de mim.

Lady Sylvia afastou-se para conversar com outro convidado.

— E aí que você se engana. Ela se lembra muito bem de você. Até lhe perguntei se queria que eu o matasse, mas Judith ainda não se decidiu quanto a isso.

— Agora veja aqui...

— Ah, não se preocupe. Eu não o mataria de emboscada. Seria uma luta justa, um duelo, talvez.

— Você não tem nenhum direito de...

— Tenho todo o direito. Vou me casar com Judith e você a magoou terrivelmente. Ela é minha agora, o passado e o futuro dela pertencem a mim. O que você fez foi imperdoável. A quantas pessoas contou o que aconteceu?

— A ninguém, juro, a ninguém!

— Um detalhe com o qual eu não contava. Você não contou mesmo a ninguém?

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Banstock balançou a cabeça.

— Talvez, então, seu caso não seja tão sério. Não lhe tenho um ódio especial. Não sinto mais raiva de você do que daqueles franceses, coitados... — Percebendo a inquietação crescente do outro, Evan continuou: — Claro que eles eram soldados. Aliás, você também era, não? Você sabe o que eles fazem, na Espanha, quando um homem brutaliza uma mulher dessa maneira?

— Não!

— Então me deixe lhe contar. — Evan passou um braço ao redor dos ombros de Banstock e o puxou de lado, enquanto segredava-lhe no ouvido a punição. Banstock empalideceu mortalmente e cobriu a boca com o lenço, como se estivesse a ponto de vomitar. — Claro que se você não contou a ninguém, não vejo nada que o impeça de partir agora.

— Posso mesmo ir embora? Não sei nem por que lady Sylvia me convidou para esta festa. Você vai me deixar ir embora?

— Sim. Apenas lembre-se de ficar fora do nosso caminho e de manter esse assunto em sigilo.

— É o que farei. E o que farei.

— Eu o afligi? Desculpe-me. E que voltei recentemente da guerra e os costumes dos países onde lutei ainda estão muito arraigados em mim. Eu poderia agir como os espanhóis num piscar de olhos. Estamos entendidos?

— Sim. Posso partir agora?

— Sim, claro. Não serei eu a detê-lo, uma vez que não se sente bem.

Em questão de segundos, Banstock pareceu se evaporar no ar. Sorrindo, Evan caminhou ao encontro de Judith e Helen.

— O que você disse a ele? Exigimos saber — Judith falou. — Banstock dava a impressão de que iria desmaiar.

— E quase desmaiou. Não vou entrar em detalhes de certas histórias de guerra. Todavia, garanto-lhe que aquele homem nunca mais a importunará. Talvez até decida sair do país.

Helen ergueu uma sobrancelha e não fez nenhuma per-gunta, dando-se por satisfeita.

— Você é Evan, não é? — indagou um senhor idoso, aproximando-se. — Evan Mountjoy?

— Sim, senhor. Eu o conheço?

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— Ethan Pike, às suas ordens. Sei quem é o seu pai. Na verdade, nós nos conhecemos em circunstâncias muito de-safortunadas. Quando o seu irmão morreu, eu estava na carruagem atingida.

— Sinto muito. O senhor saiu ferido?

— Não, não tive nem um arranhão. Contudo, é uma pena sobre o seu irmão. E o que acontece quando os jovens tentam se exibir.

— Ele estava me ensinando a guiar. Gregory nunca de-veria ter permitido que eu tomasse as rédeas.

— Mas era seu irmão quem guiava! Eu vi tudo tão claro quanto a luz do dia. Gregory estava conversando com você e correndo a uma grande velocidade. Mesmo se eu não es-tivesse vindo na direção contrária, seu irmão não teria con-seguido fazer a curva.

— Era ele quem estava guiando os cavalos?

— Sim, e pagou um alto preço pela irresponsabilidade. Graças a Deus, você não se machucou também. Com sua licença, minhas senhoras, preciso ir cumprimentar os outros convidados.

— Evan, qual é o significado disso? — Judith perguntou, tão logo os três ficaram sozinhos.

— Significa que não matei Gregory.

— Mas nunca o culpamos de nada — Helen argumentou.

— Então, por que passei a vida inteira me culpando? Com licença, preciso trocar duas palavras com meu pai.

— Evan, meu rapaz, você já se cansou de dançar? — lorde Mountjoy indagou, jovial.

— Acabei de encontrar um velho conhecido seu.

— É mesmo? Quem?

— Ethan Pike.

— Um velhote falante. — Lorde Mountjoy levantou-se da mesa de jogo e caminhou com o filho até o corredor. — Suponho que ele tenha lhe contado.

— Sim. O que eu quero saber é por que você não me disse que não era eu quem estava guiando a carruagem?

— Achei que já não tinha importância.

— O quê? Não tinha importância continuar pensando que matei meu próprio irmão? Um irmão a quem admirava, a quem idolatrava?

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— Não era bem assim. Vocês nunca gostaram um do outro e agora você nem sequer se lembra dele.

— Talvez não. Entretanto, passei a vida inteira me cul-pando de um pecado que não cometi.

— Aí é que está o xis da questão. Foi um acidente e, mesmo se você estivesse guiando, não podia ser culpado de nada porque não foi um ato proposital.

— Há quanto tempo você sabe da verdade?

— Há alguns anos. Por que isso é tão importante?

— Então você sabia de tudo antes de Badajoz?

— O que aconteceu em Badajoz?

— Eu me expus ao perigo de todas as formas possíveis. Pensei que era o que você queria, o que esperava de mim, que eu expiasse o meu pecado.

— Meu Deus, você estava tentando se...

— Não tive muito sucesso. Como também falhei em mui-tas outras coisas.

De repente, a palidez extrema de lorde Mountjoy o preo-cupou. Nunca vira o pai assim antes, tão vergado pelo peso dos anos, tão envelhecido.

— Eu não deveria ter lhe contado nada sobre a guerra. Continuo o mesmo desajeitado de sempre. Por que você não me falou a verdade?

— Se você ficasse em Meremônt, eu não queria que fosse apenas por isso.

Evan passou um braço ao redor dos ombros do pai, os olhos escuros brilhando de emoção.

— Venha, acho melhor você dançar com Helen, pelo me-nos uma vez.

— Você acha que devo? O bebê...

— Não vejo por que não. Todo mundo já dançou com ela, inclusive eu.

— Evan, preciso falar com você — Sylvia o abordou, antes que entrasse no salão. — Encontre-se comigo no jardim. É urgente.

Embora a contragosto, Evan concordou.

— Ele lhe contou?

— Quem?

— Banstock, claro. Não seja tão obtuso.

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— Ele me contou o quê?

— Sobre Judith.

— O que sobre Judith? — ele perguntou, obrigando-a a dizer as palavras com todas as letras.

— Os dois eram amantes.

— E o que você pensa? Pois devia desconfiar de homens que se gabam de suas conquistas.

— Sei muito bem que Judith ficou hospedada na casa de Banstock por dois dias. Por que ele mentiria para mim?

— E por que lhe diria a verdade? Os homens se consi-deram muito mais interessantes aos olhos das mulheres se tiverem alguma fofoca a contar, algo capaz de chocá-las.

— Acredito em Banstock. Você vai interrogar Judith?

— Não há necessidade. Ela me contou tudo sobre Banstock.

— Como sabe se ela lhe contou a verdade?

— Porque conheço Judith. Aliás, por que você convidou Banstock para o baile?

— Queria fazê-lo ver que tipo de família você tem. Quando perguntei a Angel por que era ela quem iria casar-se com você e não a irmã, ela respondeu que Judith estava se re-cuperando de uma desilusão amorosa.

— Então você usou Angel para levantar informações sobre a minha família?

— Eu o fiz por você. Estamos nisso juntos. Você tem apenas quarenta por cento das ações. Vou precisar de um trunfo, para fazer com que lorde Mountjoy me dê o que quero em troca das minhas terras.

— E Judith seria esse trunfo?

— Por que não? Basta ameaçarmos espalhar o escândalo para o seu pai capitular.

— Ele seria um tolo se o fizesse, pois você, tão logo tivesse o que quer, poderia espalhar essa história sem pensar duas vezes. Vou lhe dar um conselho, Sylvia. Não abra a boca quanto a esse assunto.

— Você me parece preocupado.

— Preocupado? Estou furioso. Você convidou Banstock com a única intenção de desmoralizar Judith publicamente.

— Não é verdade. Apenas queria que você soubesse quem ela é.

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— Por quê? Por que lhe interessa tanto a minha opinião sobre Judith?

— Angel disse... que você gosta de Judith.

— Ouça bem o que vou lhe dizer: se uma única palavra sobre isso vazar, saberei quem é a fonte e tomarei uma atitude. Ninguém irá destruir a reputação de uma mulher inocente e sair incólume.

— E o que você faria? Iria me surrar? — Sylvia o desafiou.

— Reputações são destruídas o tempo todo por pessoas inescrupulosas feito você. Você teria se entregado a mim naquele dia, quando estive aqui, mesmo sabendo que James a esperava do lado de fora.

— Não é verdade!

— E, sim. Bastaria eu dizer que a possuí. Você vê como é fácil mentir?

— James o mataria.

— Ele poderia até tentar, embora já tenha falhado uma vez. Ou foi você quem manejou o sabre?

— Você está louco de me acusar, quando tudo o que fiz foi por nós dois. Vou conseguir o que quero, Evan. Você verá!

— Sim, veremos.

Dando-lhe as costas, Evan entrou no salão, a tempo de dançar com Judith. As srtas. Wells haviam sido um verdadeiro sucesso no baile. Talvez fosse uma boa idéia dar algumas festas em Meremont. Com certeza, serviria para melhorar o humor de Angel.

Após o jantar, James o cercou num canto.

— Como você teve a ousadia de tratar Sylvia daquela maneira, com tamanha indelicadeza?

— Ela sabe como sou e não devia ter me provocado. James tentou acertá-lo com um soco, mas Evan desviou a tempo. O punho do outro atingiu um vaso de flores, derrubando-o no chão.

— Presumo que você vá escolher pistolas — James falou, tão logo recuperou o controle.

— Você tem idéia do que aconteceria, caso eu contasse ao seu superior que você me desafiou. Somos dois oficiais.

— Você não ousaria.

— Sua carreira chegaria ao fim.

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— Pelo menos eu teria a satisfação de lhe meter uma bala.

— Algo pouco provável, a menos que você atire em mim pelas costas.

— Você... você não aceita o meu desafio?

— Claro que não. Como vou brigar por uma mulher pela qual não me interesso, se aquela que amo já me aceitou para marido?

— Sylvia?

— Não. Estou falando de Judith. Nunca me interessei por Sylvia.

— Mas você a deixou acreditar... Então você a usou.

— Tanto quanto ela usou a mim. A questão é que fui mais eficiente.

James, simplesmente, não soube o que responder. Apenas observou Evan ajeitar o nó da gravata e voltar para o salão.

CAPÍTULO QUINZE

— Lady Sylvia parecia à beira de um ataque de nervos no final do baile — Helen comentou durante o café da manhã.

— Uma festa como aquela dá muito trabalho — Angel concordou. — Você viu o sr. Banstock, Judith? Não sei por que Sylvia o convidou, pois fiz questão de dizer que nós não nos dávamos bem com ele. Estou tão feliz que você não tenha se casado com aquele homenzinho, ou não poderia se casar com Evan.

— Quem lhe disse que vamos nos casar? — Evan per-guntou, curioso.

— Eu — respondeu Terry —, quando pedi a Angel que se casasse comigo.

— Fico satisfeito que vocês, jovens, estejam finalmente se entendendo. Talvez tenhamos um pouco menos de confusões por aqui. — Lorde Mountjoy suspirou fundo e sorveu o café devagar.

— Poderíamos ter um casamento duplo — Angel sugeriu.

— Eu me encarrego de planejar tudo.

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— Judith e eu preferimos uma cerimônia simples. Além do mais, não quero vê-la passar dias e dias costurando o vestido de noiva. Judith já trabalhou demais com a agulha e também tem algo mais importante com o que se ocupar.

— Ah, sim, a fábrica de objetos de porcelana. Tive uma idéia, Judith. Eu poderia ajudá-la a elaborar as decorações usadas nas peças. Tenho certo talento para desenhar e misturar cores.

— E uma excelente idéia, Angel. Poderíamos fazer ob-jetos personalizados, sob encomenda, para as famílias in-teressadas. Quem sabe não começamos a elaborar os de-senhos hoje mesmo?

— Ah, por favor, hoje é domingo — Evan reclamou. — Todos nós precisamos de um descanso.

Lady Sylvia e James apareceram para uma visita no meio da manhã. Lorde Mountjoy e Evan os receberam na biblioteca.

Demonstrando irritação, Sylvia jogou um documento so-bre a escrivaninha e sentou-se.

— Creio que você poderia me oferecer uma xícara de chá ou algo assim — ela observou, dirigindo-se a Evan.

Ele tocou a sineta e aguardou a chegada de Joan, pedindo à criada que voltasse à cozinha e preparasse uma bandeja com chá e bolinhos.

— Com certeza, você não espera que eu concorde com isso — lorde Mountjoy comentou, ao terminar de ler o documento.

— Estes são os meus termos.

— Quais são os termos, pai?

— Quero a maior parte das ações do canal e tudo o mais que me for de direito, quando me casar com você — Sylvia explicou.

— O quê? — James levantou-se, derrubando o copo de vinho.

— Você está se vendendo por um preço muito alto — Evan falou secamente.

— Estou vendendo as minhas terras.

— Vamos ser francos — Evan insistiu. — Você está se vendendo sim, e não pelo dinheiro, mas pelo poder.

— Mas você também estava disposto a se vender.

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— Será? Você acha que me conhece assim tão bem? Me-lhor do que a minha família, melhor do que Judith, com quem vou me casar?

— Você não pode se casar com Judith. Ela é...

— Não diga mais nada! — Evan a ameaçou, fitando-a intensamente. — Lembre-se, James está aqui.

— A propósito, lady Sylvia, por que você convidou Banstock para a festa de ontem? Nós sabemos tudo sobre ele. Apenas uma mente doentia seria capaz de conceber um plano sinistro para destruir a reputação de uma mulher como Judith. — As palavras de lorde Mountjoy caíram sobre Sylvia com a força de um raio. Se ele estava a par de tudo, não havia como chantageá-lo futuramente. — Também quero lhe dizer que não precisamos das suas terras. Construiremos o canal em outro lugar.

Joan entrou na biblioteca para deixar a bandeja de chá, interrompendo a conversa por alguns minutos.

— Mas isso é loucura! — Sylvia explodiu. — Os custos para a construção serão duplicados.

— Porém o preço será menor, considerando os termos da sua oferta.

Evan entregou-lhe uma xícara de chá e serviu-se também, enquanto observava o pai conduzir a conversa.

— Vocês vão voltar atrás! Vão se arrepender de ter me insultado.

Ao tomar o primeiro gole do chá, Evan levantou-se, ar-rancando a xícara das mãos de Sylvia.

— Não beba isso! É puro veneno!

— Você enlouqueceu? É apenas chá!

— Não, a bebida contém tanto láudano, que você nunca mais acordaria. Imagino quem tenha sido o responsável.

— Com certeza ninguém odeia Sylvia a ponto de... — James foi interrompido no meio da frase.

— Sylvia não tem nada a ver com a história — Evan afirmou. — As vítimas deveriam ser meu pai e eu.

— Mas quem faria uma coisa dessas? — Lorde Mountjoy perguntou.

— Seja lá quem for, esteja certo de que virá checar o resultado da sua investida. Precisamos apenas esperar. O assassino entrará por aquela porta.

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Sylvia começou a choramingar e lorde Mountjoy a man-dou calar-se.

— Eu soube que alguém estava tentando matá-lo — Ja-mes falou baixinho. — Mas tentar envenená-lo dentro da sua própria casa me parece um pouco extremado.

— Fico feliz que o assassino não seja você, James. De fato, gosto de você, mesmo sendo da cavalaria. — Ele fechou os olhos e apoiou a cabeça no encosto da cadeira.

— Filho, você está se sentindo mal? Afinal, bebeu um pouco daquele chá.

— Estou apenas um pouco zonzo. Mas vai passar logo, pai. Agora fiquem quietos, estou ouvindo o som de passos no corredor.

A porta da biblioteca foi aberta devagar.

— Miranda! — Evan gritou, levantando-se e saindo atrás da babá, que fugiu para o jardim. Completamente fora de si, Miranda agarrou Thomas, que brincava com Helen e Judith, e correu para o estábulo. Quando Evan e lorde Mountjoy che-garam lá, ela ameaçava o menino com uma faca.

— Quero os dois cavalos mais rápidos. Agora.

— Faça o que ela diz — lorde Mountjoy falou ao filho.

— Não se aproxime — Miranda gritou, quando Evan deu um passo à frente. — Você arruinou as chances de meu Thomas. Roubou-lhe a herança!

— Então é para mim que você deve apontar essa faca, não para Thomas. Afinal, você estava tentando proteger os interesses dele.

— Ele estaria melhor morto do que dentro desta casa, ignorado por todos. O que acontecerá ao meu menino? E a mim? Sou a única pessoa que o ama de verdade.

Sabendo que não podia tomar nenhuma atitude súbita, pois Miranda continuava apertando a faca contra a garganta de Thomas, Evan preparou o coche e deixou-os partir. Segundos depois, montava em Taurus e saía em disparada.

A única maneira de evitar uma tragédia era surpreen-dendo Miranda. Como ela havia tomado a estrada sul de Meremont, restava-lhe cortar caminho e emboscá-la. Para sua sorte, ele avistou um aldeão conduzindo uma carroça de feno, num trecho da estrada por onde Miranda seria obrigada a passar.

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— Pare! Pare a carroça e jogue a carga no chão — ele gritou. — Um fugitivo está vindo nesta direção e preciso fazê-lo parar.

— E se eu perder a minha carga?

— Não se preocupe. Pagarei pelos estragos. Escondido atrás da carroça, Evan aguardou a passagem do coche, pronto para saltar sobre o veículo e agarrar Thomas. Entretanto, foi obrigado a alterar o plano no último momento e atirar-se sobre Miranda, pois o menino encontrava-se encolhido no fundo do veículo. Sua primeira atitude foi tentar se apoderar das rédeas, porém Miranda resistia, enquanto procurava atingi-lo com a faca. Excitados, os cavalos iniciaram um galope.

De repente, o som de um tropel foi-se tornando cada vez mais forte. Logo, James e Terry se emparelhavam ao coche e Judith, os cabelos loiros ao vento, o rosto transtornado de preocupação, gritava:

— Thomas! Prepare-se para pular!

O que ela pretendia, era que o menino saltasse para a sua sela, porém, lembrando-se do que treinara, Thomas pulou do coche, para longe do perigo representado pelas rodas, com uma cambalhota perfeita. Judith desmontou imediatamente para acudi-lo.

Enquanto isso, Miranda chutava Evan nas costelas, ten-tando obrigá-lo a soltar-lhe os pulsos. Ainda não de todo recuperado dos ferimentos de guerra e daquele provocado pelo sabre, Evan perdeu o equilíbrio e caiu. Como James havia conseguido segurar um dos cavalos pelas rédeas, estando emparelhado ao veículo, a babá enfiou-lhe a faca na mão, forçando-o a soltar as rédeas.

Foi então que a roda direita bateu numa pedra e o coche deu um salto no ar, atirando Miranda no chão. Um silêncio profundo se seguiu, diante da visão do corpo da babá sendo pisoteado pelos cavalos desgovernados.

Por um instante, ninguém soube o que dizer, ou o que fazer. Foi Evan quem tomou a frente da situação.

— Pai, leve Thomas de volta para casa imediatamente. Helen deve estar em pânico. Vamos precisar de cobertores e de uma carroça. Ralph e Terry, sigam os cavalos do coche e tentem trazê-los de volta para casa, antes que matem mais alguém. Judith, ajude-me com James.

James havia extraído a faca da mão e procurava, sem sucesso, estancar o sangue que jorrava copiosamente.

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De repente, uma carruagem veio se aproximando. Era lady Sylvia.

— James! James, o que aconteceu?

— Que perseguição! Você perdeu a coisa toda. Foi emo-cionante. — Os olhos do capitão brilhavam e Evan reconheceu neles a excitação da batalha.

— James, você é tão louco quanto os Mountjoy, para ficar aqui parado, sangrando desse jeito. Por que teve que se meter nessa história?

— Foi tão emocionante quanto a guerra.

— Você está delirando. — Ajudada por Evan, Sylvia levou o primo até a carruagem, obrigando-o a deitar-se. Depois, Evan puxou-a para o lado e murmurou:

— O ferimento de James não é apenas um arranhão. Se você não o levar para o médico agora mesmo, ele pode perder o uso do braço, ou até o próprio braço. Está me entendendo?

— Cocheiro! — Sylvia ordenou. — Leve-nos para Tiverton. Para a casa do dr. Thornton.

Depois de cobrir o corpo sem vida de Miranda com o casaco, Evan aproximou-se de Judith, que tremia descontroladamente.

— E apenas uma reação nervosa. Já vai passar.

— Oh, Deus, Thomas podia ter sido morto.

— Está tudo acabado. Não pense mais no que aconteceu.

— Eu achei que estava fazendo o bem ao meu filho e lhe dei uma infância horrível.

— As crianças são capazes de superar coisas piores.

— E o que poderia ser pior?

— Ser odiado pela própria mãe, por exemplo. Pelo menos, Miranda amava Thomas... à maneira dela.

— Sua mãe o odiava?

— Ela me odiava tanto, que acabei me transformando num solitário amargo e me culpando de um crime que não cometi.

— Você acha que Thomas irá superar o que aconteceu hoje?

— Thomas tem uma família que o ama. E é o bastante para ele se recuperar, principalmente agora, quando ficou claro que não foi ele quem matou o cachorrinho.

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Ao voltarem para casa, Judith e Evan encontraram todos reunidos ao redor de Thomas, enchendo-o de mimos.

— Será que eu vou poder ter outro cachorrinho? — o menino perguntou à lorde Mountjoy. — Foi a babá quem matou Toby e pôs a culpa em Evan.

— Sim, você pode ter outro cachorrinho.

— Judith — Thomas continuou —, Miranda disse que você é minha mãe secreta, minha verdadeira mãe.

— Você entende o que isso significa, querido?

— Significa que eu tenho duas mães?

— Sim — respondeu Helen.

— E dois pais também?

— Certamente — Evan afirmou, sorrindo.

— Evan, agora que sabemos quem estava tentando matá-lo, sinto-me ofendida por você ter suspeitado de mim.

— Desculpe-me, Helen. Aliás, também lhe devo descul-pas, Angel.

— Você achou que eu queria matá-lo? Não acredito. — Angel ria tanto, que Terry precisou ampará-la. — E a coisa mais absurda que já ouvi. Mal sei segurar uma arma.

— Acabei de pensar em algo — Judith falou. — Deve ter sido Miranda quem atirou em Terry, para impedi-lo de receber a herança.

— Sim — Terry concordou. — Esse mistério, finalmente, foi esclarecido.

— Eu sabia que ia encontrá-lo aqui — Judith falou, sen-tando-se na grama ao lado de Evan.

— Querida, vamos nos casar amanhã.

— Não podemos. Não até depois do funeral.

— Maldita seja aquela Miranda. Causou-nos problemas até o fim.

— Talvez, então, devêssemos respeitar um período de luto.

— Você não pode estar falando sério!

— O que as pessoas irão dizer?

— Não me importa o que as pessoas possam dizer. Já tivemos nossa cota de sofrimento e só quero fazê-la feliz, nada mais.

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EPÍLOGO

— Já não é tão lamacento quanto nos primeiros tempos — Judith comentou, vendo as barcaças deslizarem pelo canal, carregadas de tijolos.

— Não, as correntes vindas dos riachos renovam as águas. Não me espantaria se tivéssemos peixes dentro de um, ou dois anos — Evan explicou.

Thomas, montado num pônei, passeava por perto, acom-panhado de um setter branco. Num gesto cheio de carinho, Evan acariciou a barriga da esposa.

— Ainda não é possível senti-lo chutar — Judith falou, rindo.

— Ele? Asseguro-lhe que meu pai torce por uma menina.

— Mas lorde Mountjoy já ganhou a sua própria filha. Tenho certeza de que vamos ter um menino. A propósito, li no jornal uma nota sobre o noivado de James Farlay e lady Sylvia.

— Eu sei. Ele me escreveu para agradecer.

— Agradecê-lo?

— Não apenas o deixei enciumado o bastante para per-ceber o quanto amava Sylvia, como acabei criando a situação em que se feriu, fazendo-a compreender que também amava o primo. Estou até pensando em lhes dar algumas ações do canal, como presente de casamento.

— Angel e eu estamos planejando dar-lhes um jogo de jantar de porcelana, personalizado, é claro. Quem sabe não vamos até a fábrica agora e...

— Querida, tenho outras idéias para um dia ensolarado.

— Evan, o que você está fazendo? — ela perguntou, ven-do-o soltar as amarras que prendiam o barco ao banco de areia. — Onde vamos parar?

— Onde a corrente nos levar. — Ele inclinou-se e beijou-a até a total submissão.

Thomas olhou para trás e, feliz com a súbita liberdade, pôs o pônei a galope.

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LAUREL AMES gosta de escrever histórias ambientadas no início do século 19, porém, mesmo assim, baseia-se em suas experiências pessoais. Laurel e o marido vivem numa fazenda que possui cinco cavalos, carruagens, uma nascente natural (usada para conservar aumentos) e um defumadouro (construído com tijolos fabricados na própria fazenda). Sobre seus personagens, Laurel diz: "Com exceção dos cavalos, todos os meus personagens, tanto masculinos quanto femininos, bons ou maus, são baseados em mim e em ninguém mais".