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    A formao do aluno leitor

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA DE PRODUO

    A FORMAO DO ALUNO LEITOR

    TERTULIANA CORRA MACHADO

    Dissertao submetida Universidade Federal de Santa Catarinapara a obteno do ttulo de Mestre em Engenharia de Produo

    Orientador:Prof. Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr.

    Florianpolis, 2001

    A FORMAO DO ALUNO LEITOR

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    A formao do aluno leitor

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    Nome:Tertuliana Corra Machado

    rea de Concentrao:

    A leitura

    Orientador:

    Prof. Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr.

    Florianpolis, 2001

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    DEDICATRIA

    Aos meus alunos e ex-alunos.

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    AGRADECIMENTOS

    Sem o apoio, o estmulo e a colaborao recebida de diversas pessoas, este

    trabalho dificilmente teria sido realizado.

    Por isso, agradeo a todos aqueles que, de alguma forma me apoiaram,

    torceram por mim e viabilizaram a concretizao deste sonho.

    Agradeo, sobretudo a Deus, pela minha famlia, por todas as pessoas

    amigas, pelo meu trabalho, pela vida enfim!...

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    SUMRIO

    Dedicatria................................................................................................................. IV

    Agradecimento........................................................................................................... VResumo....................................................................................................................... IXAbstract...................................................................................................................... X

    1- Introduo................................................................................................................... 011.1 Justificativa........................................................................................................ 011.2 Estabelecimento do problema........................................................................... 041.3 Objetivos........................................................................................................... 051.4 Metodologia...................................................................................................... 061.5 Estrutura dos captulos....................................................................................... 07

    2- Histrico da Leitura no Mundo Ocidental.................................................................. 09

    2.1 A diversidade das prticas de leitura no mundo grego e helenstico................ 102.1.1 Novos textos e novos livros: a leitura em Roma................................... 142.1.2 As modalidades de leitura..................................................................... 152.1.3 Os novos leitores................................................................................... 17

    2.2 Prticas monsticas na Alta Idade Mdia: Ler, escrever, interpretar o texto.... 182.3 O modelo escolstico da leitura........................................................................ 20

    2.3.1 O desaparecimento do modelo escolstico............................................ 222.4 A leitura nos finais da Idade Mdia.................................................................. 242.5 A leitura nas comunidades judaicas da Europa Ocidental na Idade Mdia...... 252.6 O leitor humanista............................................................................................. 27

    2.6.1 O texto e sua moldura............................................................................ 292.6.2 O professor e o leitor............................................................................. 312.6.3 O fim de uma tradio...................................................................... ..... 33

    2.7 Reforma protestante e leitura............................................................. 332.8 Leituras e Contra-Reforma................................................................................ 36

    2.8.1 As leituras dos iletrados........................................................................ 372.9 Uma revoluo da leitura no final do sculo XVIII.......................................... 38

    2.9.1 Ler sem comprar.................................................................................... 412.10 Os novos leitores do sculo XIX: mulheres, crianas e operrios.................. 422.11 Um futuro para a leitura.................................................................................. 46

    2.11.1 A leitura no mundo.............................................................................. 462.11.2 Crise da leitura. Crise da produo..................................................... 482.11.3 O cnone contestado............................................................................ 502.11.4 Ler de outra maneira........................................................................... 512.11.5 A desordem na leitura......................................................................... 512.11.6 Os modos de leitura............................................................................. 532.11.7 A ausncia de cnones e de novos cnones......................................... 54

    3- A importante conquista do jovem leitor.................................................................. 553.1 A leitura: Caminho que leva cidadania.......................................................... 64

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    4- Os Parmetros Curriculares Nacionais e a leitura.....................................................4.1 O texto como unidade e a diversidade de gneros............................................ 774.2 A seleo de textos............................................................................................ 78

    4.2.1 Textos orais........................................................................................... 78

    4.2.2 Textos escritos....................................................................................... 784.2.2.1 Sobre a leitura de textos escritos........................................................ 824.3 Relato de uma experincia................................................................................ 87

    5- Resultado da pesquisa e interpretao dos grficos................................................... 95

    6- As novas mdias e seu impacto no ato de ler.......................................................... 1266.1 Uma pausa para reflexo................................................................................... 1276.2 A educao na era da informao..................................................................... 1286.3 A leitura na era da informao.......................................................................... 1296.4 Informtica Porta aberta comunicao........................................................ 131

    7- Concluses................................................................................................................. 1367.1 Algumas limitaes deste trabalho..................................................................... 1377.2 Sugestes para trabalhos futuros....................................................................... 137

    8- Referncias Bibliogrficas......................................................................................... 138

    9- Anexos........................................................................................................................ 141

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    Onde o esprito vive sem medo e a fronte se mantm erguida;onde o saber livre;onde o mundo no foi dividido em pedaos por estreitas paredesdomsticas;onde as palavras brotam do fundo da verdade;onde o esforo incansvel estende os braos para a perfeio;onde a clara fonte da razo no perdeu o veio no triste deserto de areia dohbito rotineiro;onde o esprito levado Tua presena, em pensamento e ao sempre

    crescentes;dentro desse cu de liberdade, meu Pai, deixa que se erga minha Ptria.

    (Rabindranath Tagore-Gitanjali)

    ... para que todos ns possamos ser sbios,para que todos ns possamos ser felizes.

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    RESUMO

    Este trabalho tem como objetivo questionar sobre a leitura,

    principalmente na escola, alm de colher informaes a respeito da formao de

    leitores.

    Trata-se de uma reflexo sobre o ato de ler e a educao em geral,

    frente s novas tecnologias.

    Para isto, foi feita uma retrospectiva sobre a leitura no mundo

    ocidental, esclarecendo-nos diversos comportamentos sociais frente ao universo

    do livro, alm de delinear algumas hipteses sobre o futuro da leitura no mundo

    informatizado.

    O trabalho faz tambm referncia leitura, segundo os Parmetros

    Curriculares Nacionais, ou seja, como devem ser organizadas as prticas

    pedaggicas em torno dos textos orais e/ou escritos.

    Ele relata ainda uma experincia vivenciada no ano 2000, fruto de

    um projeto de incentivo leitura.A importncia de conquistar o aluno leitor preocupao constante,

    sempre procurando ressaltar as inmeras possibilidades que a leitura traz para o

    indivduo.

    Questiona o papel da escola na formao de leitores e aponta a

    leitura como caminho que pode levar cidadania.

    Por fim, apresenta os resultados de uma pesquisa realizada em

    vrias escolas, a qual, prazerosamente, fornece subsdios para o enriquecimento

    do uso da leitura como prtica diria em nossas instituies escolares.

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    ABSTRACT

    This work intends to question about reading, specially at school,

    besides gathering information about formation of readers.

    It deals with a reflection over the act of reading and education in

    general, in the presence of new tecnologies.

    Because of this, it was done a review about reading in the ocidental

    world, clarifying to us several social behaviors in the presence of book universe,

    besides outlining some hipothesis about the future of reading in a computerized

    world.

    This work makes reference to reading, according to PCNs, it

    means, how the pedagogical prectices around oral and/or written texts must be

    organized.

    It still tells an experience lived in the 2000 year, result of a project of

    incentive to reading.

    The importance of conquesting the reader student is a permanent

    worry, always trying to expose the uncountable possibilities that the act of reading

    brings to a person.

    It questions the duty of school in readers training and shows reading

    as a way which can take to citizenship.

    Finally, this work presents the results of a research made in severalschools, which pleasurably, gives subsidies to enrichment of reading uses asdaily practice in our educational institutions.

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    1. INTRODUO

    A histria humana no se desenrola apenas nos campos de batalha e nosgabinetes presidenciais. Ela se desenrola tambm nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subrbios, nas casas de jogos, nosprostbulos, nos colgios, nas usinas, nos namoros de esquinas.

    (Ferreira Gullar Jornalista, poeta e escritor brasileiro)

    1.1 Justificativa

    No h dvida de que a leitura um caminho muito importante para a

    informao e, principalmente, para a formao do educando. Cabe aqui uma pergunta:

    Todo aluno gosta de ler? A resposta mais provvel deve ser no. Ento, como despertar no

    aluno o gosto pela leitura? Nem sempre essa uma das tarefas mais fceis. Ela apresenta

    dificuldades e prope muitos desafios, os quais exigem dos adultos, pais e educadores, no

    apenas boa vontade, mas tambm esforo e dedicao constantes. Como se v, no basta

    apenas querer, preciso perceber e distinguir os vrios obstculos com que se defrontam, e

    buscar mecanismos que possibilitem ultrapass-los. Tentar super-los a meta prioritria

    para qualquer um que queira enfrentar essa barreira e, com isso, ajudar a mudar o rumo da

    histria de cada educando, fazendo-o entender que quem l transcende o tempo e se

    permite uma viagem de prazer indescritvel, visto que a leitura uma experincia pessoal,

    mpar.

    Para que essa tarefa possa ser executada, urge que se tenha em mente o que

    disse um professor francs, a capacidade de ficar na janela olhando as pessoas passarem e

    passar, ao mesmo tempo, junto com elas.

    Segundo Marisa Lajolo ( 1993),

    Ningum nasce sabendo ler: aprende-se a ler medida em que se

    vive. Se ler livros geralmente se aprende nos bancos da escola, outras

    leituras se aprendem por a, na chamada escola da vida. (Lajolo, 93)

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    Da se conclui que, alm de despertar no aluno o gosto pela leitura, preciso

    antes de mais nada despertar nele a sensibilidade, a capacidade de se situar frente ao texto

    lido num

    processo que envolva uma compreenso crtica do ato de ler que no

    esgota na decodificao pura da palavra escrita, mas que se antecipa e se

    alonga na inteligncia do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da

    palavra, da que a posterior leitura desta no possa prescindir da

    continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem

    dinamicamente. A compreenso do texto a ser alcanada por sua leitura

    crtica implica a percepo das relaes entre o texto e o contexto. (Paulo

    Freire, 1981)

    Segundo Paulo Freire, bom salientar que a leitura do mundo particular do

    leitor de fundamental importncia para despertar-lhe o interesse pela leitura da palavra.

    Ademais, a aprendizagem da leitura deve ser um ato de educao

    fundamentalmente tico e poltico. A leitura de hoje em dia deve levar em conta a histria

    das pessoas e das sociedades: seus hbitos, costumes, modos de viver e de pensar. Deve

    colocar o homem como agente da histria e no como mero sujeito dela, onde alguns

    poucos so enaltecidos por quaisquer fatos que os destacam no meio social, poltico,

    econmico, militar ou religioso.

    Cabe, principalmente aos educadores proporcionar aos educandos

    oportunidades para observar e analisar o contexto no qual esto inseridos e, mais do que

    isso, oferecer-lhes condies para que tenham vontade poltica para propor alternativas

    pertinentes que visem melhoria da qualidade de vida da sua coletividade. Agindo assim,

    os indivduos deixaro de ser apenas um nmero a mais nas pesquisas e estatsticas para

    serem cidados capazes de respeitar direitos, cumprir deveres, reivindicar melhorias,

    preservar e difundir cultura, enfim, construir a Histria.

    A educao deve ter como prioridade formar o cidado e, para isso, precisa

    estar afinada com as novas tendncias manifestadas na sociedade e estas indicam a

    necessidade de uma formao geral slida, a capacidade de manejar conceitos, o

    desenvolvimento do pensamento abstrato. (Saviani, 1994:103) e de uma aprendizagem

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    contnua atravs de processos de formao. Assim, a escola precisa formar o leitor que

    questiona, que esteja conectado com o mundo e disposto a ler muito e sempre.

    A formao desse leitor depende da adoo de novas metodologias e de

    novos materiais favorveis na sala de aula, o que significa descartar certas prticas

    antiquadas que tm revelado resultados poucos satisfatrios. Essas questes apontam para

    a necessidade de formao continuada tambm para o professor que, doravante, deve ser

    um eterno aprendiz, consciente de que as palavras de ordem do momento so:

    aprendizagem permanente.

    Mas como formar o aluno incutindo-lhe o esprito crtico, transformando-o

    num cidado participativo e atuante numa sociedade que est totalmente voltada para a

    tecnologia? Ser possvel promover o entrosamento perfeito da modernidade com os

    antigos valores que sempre regeram a mente humana? A resposta mais conveniente aponta

    que isso, alm de ser possvel, necessrio. A tecnologia no nenhum bicho-papo. Os

    tempos mudaram e preciso se adaptar s novidades e delas tirar proveito. Nada avanou

    tanto no mundo como as comunicaes e esse processo no vai regredir. bem verdade

    que a fora da mdia inquestionvel, todavia isso no quer dizer que todos precisam se

    render aos seus apelos. Deve-se ter em mente que a capacidade educativa atribuio e

    responsabilidade das famlias e da escola. Teremos de lidar com o sculo XXI, carregando

    problemas muito antigos que tiveram suas razes nos primrdios da Histria do Brasil e por

    que no dizer, nos primrdios da Histria das Civilizaes? Segundo afirma Umberto

    Eco: Toda modificao dos instrumentos culturais, na histria da humanidade, se

    apresenta como uma profunda colocao em CRISE do mundo cultural precedente.

    Com o aparecimento da fotografia, temeu-se pela pintura; acreditavam que o

    cinema seria extinto quando surgiu a televiso. Falou-se da morte do livro com o

    advento dos textos eletrnicos. Por ltimo, aparece o computador e a TV que redefiniram

    as caractersticas que marcaram o sculo XX. Como se no bastasse, surgiu a Internet que,

    embora ainda atinja um nmero reduzido de pessoas, cresce assustadoramente a cada dia.

    Com a introduo da informtica, do computador e da Internet na sala de

    aula, obviamente que o professor precisa se policiar e tentar sair da mesmice que por muito

    tempo vem regendo nossas escolas.

    certo que a escola uma instituio que h cinco mil anos se baseia no

    falar/ditar do mestre, na manuscrita do aluno e, h quatro sculos, em um

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    uso moderado da impresso. Uma verdadeira integrao da informtica

    (como do audiovisual) supe, portanto, o abandono de um hbito

    antropolgico mais que milenar, o que no pode ser feito em alguns anos.

    (Levy,l993)

    Conforme prope o autor, no resta a menor dvida de que a informtica, o

    computador e, sobretudo a Internet, alteraram e alteram totalmente o nosso fazer

    pedaggico. No obstante, no h mais como negar a necessidade da utilizao desses

    meios em nossas vidas.

    Como tudo o que novo, a Internet chegou, aguou a curiosidade de todos,

    causou impacto, provocou elogios e foi () alvo de especulaes dos mais cticos.

    1.2 Estabelecimento do Problema

    Como resgatar o prazer da prtica da leitura como uma prtica crtica e

    reflexiva?

    Os alunos de hoje, por vrios motivos, no tm contato sistemtico com a

    leitura de qualidade e com adultos leitores. A escola torna-se ento o nico veculo de

    interao desses alunos com textos, cabendo a ela oferecer leituras de bom nvel,

    diversidade de textos, modelos de leitores e prticas de leituras eficazes e,

    conseqentemente, formar leitores competentes.

    Um leitor competente aquele que, por iniciativa prpria, seleciona, de

    acordo com as suas necessidades e interesses, o que ler entre os vrios tipos de textos que

    circulam socialmente.

    Para que isto se efetue, a escola deve promover uma prtica constante de

    leitura organizada em torno de uma diversidade de textos. O ideal que o professor seja

    um bom leitor e que esteja sempre atualizado em relao a novas publicaes e crie com

    seus alunos uma interao capaz de estimul -los a falar sobre o assunto. Cabe tambm ao

    professor proporcionar-lhes um convvio estimulante com a leitura, assim como permitir

    que ela cumpra o seu papel, ou seja, o de ampliar, pela leitura da palavra, a leitura do

    mundo.

    Literatura um jeito de se ler a vida. Ler no sentido de interpretar,

    observar, descobrir, e refletir. Nela a vida pulsa. (Kupstas & Campos,

    1992)

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    As autoras atribuem literatura e ao ato de ler a tarefa de descobrir a vida.

    Como agir daqui para frente?

    Seguir envolvido na emoo da descoberta, aprender errando, sentir medo,

    encontrar sadas?

    O papel do educador desbravar caminhos, estimular e administrar a

    curiosidade, tanto a prpria, como a curiosidade de seus alunos. mister que haja perfeita

    interao entre aluno e professor porque, na era da informao somos todos aprendizes do

    futuro, aprendizes permanentes na busca de um mundo melhor e na busca da prpria

    felicidade.

    Nesse mundo de transio no qual estamos vivendo, tudo est mudando

    muito depressa. Tudo est sendo reavaliado. Pouco, muito pouco deve ficar como sempre

    foi. Urge buscar uma nova prtica pedaggica que atenda a contento o novo aluno que

    recebemos a cada ano. nosso dever prepar-lo bem para a vida e conscientiz-lo das

    novas e rpidas mudanas. S o fato de querer mudar com elas j pode ser um bom

    comeo.

    1.3 Objetivos

    Os objetivos deste trabalho esto relacionados ao questionamento de formas

    eficazes que possam despertar nos alunos o gosto pela leitura e compreenso da

    importncia do uso de novas tecnologias no ensino como forma de superar o ensino

    tradicional, alm de refletir sobre a insero de um fazer-pedaggico mais ligado

    realidade social e/ou vivncia do aluno. Relacionam-se, principalmente a uma longa

    trajetria pessoal ligada educao lingstica que aponta mais do que nunca a

    necessidade de um olhar criterioso para traduzir a importncia do novo ensino e a sua

    relao com o conhecimento.

    Hoje em dia j no se concebe mais a comunicao sem tecnologia, pois,

    como j foi dito anteriormente, segundo McLuhan, o mundo se transformou, realmente, em

    uma enorme Aldeia Global.

    Como objetivos, esta dissertao se prope a:

    [ Formar leitores capazes de extrair dos textos, tanto prazer quanto conhecimento, dentro

    de um contexto informatizado.

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    [ Propor a prtica da leitura constante de forma que o leitor estabelea relaes entre o

    texto que l e outros textos j lidos; que saiba identificar os elementos implcitos; que

    consiga validar a sua leitura a partir da localizao de elementos discursivos que

    permitam faz-lo.

    [ Enfatizar que o trabalho com a leitura deve ser uma prtica constante e que constitui a

    matria-prima para o ato de escrever.

    [ Despertar no aluno a sensibilidade, mostrando-lhe que ela no precisa ser um dom

    inato, mas algo que se cultiva e se desenvolve e que o torna apto a degustar o que l.

    [ Ressaltar o valor da interatividade, da intertextualidade, do paratexto e do hipertexto.

    [ Desenvolver no aluno as habilidades lingsticas bsicas para ler, analisar e interagir

    com a realidade em que vive, inserindo-se, assim, no seu contexto social, lembrando-

    lhe de que hoje a leitura deve ser prazer, mas que, alm de requerer interpretao clara,

    requer tambm conhecimento tecnolgico.

    1.4 Metodologia

    A leitura , sem dvida, um campo de pesquisa que tem muito a ser

    explorado.

    Sendo assim, formar o aluno leitor ser um processo longo que exigir do

    pesquisador um acompanhamento paulatino de um grupo de alunos que sero escolhidos

    de forma aleatria.

    A princpio, ser necessrio um teste de sondagem e os alunos, atravs de

    depoimentos pessoais, entrevistas, questionrios (e formulrios) devero mostrar suas

    experincias com a leitura.

    Tal procedimento tambm ser aplicado a um grupo de professores que,

    voluntariamente, quiserem colaborar com a pesquisa.

    Para anlise dos casos, podero ser seguidos alguns passos que direcionaro

    o trabalho e garantiro, sem dvida, a formao do aluno leitor competente que o

    principal objetivo desse trabalho (ou dessa dissertao).

    Dentre outros, tais passos podero ser:

    1) Sugesto de leituras considerando alguns fatores como: sexo, idade, nvel

    socioeconmico, desenvolvimento psicolgico, grau de escolaridade.

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    2) Envolvimento da maioria dos professores da escola num projeto de leitura

    extraclasse, o qual, alm de incentivar a leitura, diminuir gastos com a aquisio

    de livros, facilitar a interao e a interdisciplinaridade , possibilitar tambm o

    crescimento pessoal e profissional.

    Aps esta primeira fase que a pesquisa de campo propriamente dita, a qual

    requer pacincia e, sobretudo, persistncia, ser feita a tabulao e apresentao dos dados

    coletados.

    Em seguida, ser feita uma anlise para interpretar os dados apresentados na

    fase anterior e, por ltimo, os resultados desta experincia sero relatados no presente

    trabalho, bem como as principais concluses e algumas sugestes de aperfeioamento.

    1.5 Estrutura dos captulos

    Esta dissertao est estruturada em sete captulos. No primeiro captulo

    encontra-se a introduo que consta da justificativa, onde feita uma ampla reflexo sobre

    a leitura e a educao em geral, frente s novas tecnologias; encontram-se tambm o

    estabelecimento do problema, os objetivos, a metodologia e a estrutura do trabalho.

    No segundo captulo, vemos um histrico da leitura no mundo ocidental.

    Essa retrospectiva mostra-nos os caminhos pelos quais a leitura trilhou, desde a Grcia e

    Roma antigas, at ns. Esclarece-nos tambm os diversos comportamentos sociais frente

    ao universo do livro, alm de delinear algumas hipteses sobre o futuro da leitura no

    mundo informatizado.

    No terceiro captulo fazemos referncia importncia de conquistar o jovem

    leitor, ressaltando as inmeras possibilidades que a leitura traz para o indivduo,

    Questionamos ainda o papel da escola na formao de leitores. Por fim, apontamos a

    leitura com um caminho que leva cidadania.

    No quarto captulo, observamos a leitura frente aos Parmetros Curriculares

    Nacionais, ou seja, como devem ser organizadas as prticas pedaggicas em torno dos

    textos orais e/ou escritos. So apresentadas algumas sugestes didticas que orientam a

    formao de leitores. Esse captulo relata tambm uma experincia vivenciada no ano

    2000, fruto de um projeto de incentivo leitura.

    No quinto captulo so apresentados os resultados da pesquisa realizada, os

    grficos com o levantamento dos dados e a interpretao desses grficos.

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    No sexto captulo dissertamos sobre as novas mdias e os impactos destas

    sobre os hbitos de leitura, alm de refletirmos sobre a educao na era da informao.

    Finalmente apresentamos, no stimo captulo as concluses, em um dilogo

    com os objetivos pretendidos, e as sugestes para futuros trabalhos, referindo-nos s

    limitaes do presente estudo.

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    2 HISTRICO DA LEITURA NO MUNDO OCIDENTAL

    Antes de serem escritores, fundadores de um espao prprio, herdeirosdos lavradores de outrora, porm, no solo da linguagem, escavadores de

    poos e construtores de casas, os leitores so viajantes; circulam pelas

    terras alheias, nmades caando furtivamente pelos campos que no

    escreveram, arrebatando os bens do Egito para deles gozar. A escrita

    acumula, estoca, resiste ao tempo pelo estabelecimento de um espao e

    multiplica sua produo pelo expansionismo da reproduo. A leitura no

    se previne contra o desgaste do tempo (esquecemo-nos dele e de ns

    prprios), ela no conserva ou conserva mal o que adquiriu e cada um doslugares por onde ela passa a repetio do paraso perdido.

    (Certeau, v.1,p.247)

    O autor enfoca a novidade sempre inerente leitura, declarando-a imune ao

    desgaste do tempo. Ele afirma que os leitores so viajantes onipotentes e onipresentes a

    quem sonhar permitido.

    As diferentes formas de ler sempre caracterizaram as sociedades desde a

    Antigidade. Antes de mais nada, cumpre-se lembrar que a leitura no nasce j inscrita em

    determinado texto, pois h grande distncia entre os sentidos atribudos a um texto pelo seuautor, pelo editor, pelo crtico e pela interpretao que o leitor faz dele. Alis, o leitor a

    razo de ser todos os textos. bom que promova um encontro entre o mundo do leitor e

    o mundo do texto. Por qu? Pelo simples fato de que cada leitor l um mesmo texto de

    maneiras variadas. Alm disso, cada momento da histria tambm determina processos

    interpretativos diferentes. muito importante que, antes de se ler um texto, o leitor situe-se

    no tempo e no espao. Esse procedimento lhe dar melhores condies para fazer uma boa

    interpretao do que foi lido

    Quer se trate do jornal ou de uma tese, o texto somente tem significao por

    seus leitores; com eles o texto se transforma; ordena-se segundo cdigos de percepo que

    lhe escapam. Ele somente se torna texto em sua relao com a exterioridade do leitor, por

    meio de um jogo de implicaes e de astcias entre dois tipos de espera combinadas:

    aquela que organiza um espao lisvel (uma literalidade) e aquela que organiza uma

    abordagem necessria feitura da obra ( uma leitura).

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    preciso considerar que as formas produzem sentido e que um texto se

    reveste de uma significao e de um estatuto inditos quando mudam os suportes que o

    propem leitura. Toda histria das prticas de leitura , portanto, necessariamente uma

    histria dos objetos escritos e das palavras leitoras.

    preciso observar que a leitura sempre uma prtica encarnada por gestos,

    espaos e hbitos. preciso identificar as disposies especficas que distinguem as

    comunidades de leitores, as tradies de leitura, as maneiras de ler. Todos aqueles que

    podem ler os textos no os lem da mesma forma, h aqueles que possuem mais

    competncia de leitura e h os leitores menos hbeis. Todavia, as comunidades de leitores

    transformam-se em comunidades de interpretao. Cada uma dessas comunidades partilha,

    em relao com o escrito, um mesmo conjunto de competncias, de usos, de cdigos, de

    interesses e permite estabelecer limites e localizar as tradues culturais das diferenas

    sociais. Para cada comunidade de interpretao formada, a relao com o escrito efetua-se

    com tcnicas, gestos e diferentes maneiras de ler. A leitura no apenas uma operao

    intelectual abstrata: ela o uso do corpo e uma ateno especial deve ser dada s maneiras

    de ler que desapareceram ou que, pelo menos, foram marginalizadas no mundo

    contemporneo. A leitura no deve limitar-se apenas maneira de ler

    contemporaneamente, ela deve, sobretudo, reencontrar os gestos esquecidos, os hbitos que

    desapareceram e, alm de manter o homem intelectualizado, deve tambm servir de deleite

    e prazer para o homem moderno que vive diariamente a revoluo eletrnica.

    2.1 - A diversidade das prticas de leitura no mundo grego e helenstico

    Cada logos, a partir do momento em que foi escrito, rola para todos os

    lados, tanto na direo dos que o compreendem quanto na daqueles com os

    quais nada tem a ver, no sabendo a quem deve ou no deve falar.

    ( Plato)

    O trecho de Plato suscita, direta ou indiretamente, outras questes

    fundamentais para a histria da leitura na Grcia clssica. preciso pensar nas relaes

    entre os sistemas de comunicao no somente por meio da oposio oral / escrito, mas

    tambm no prprio interior do oral que assume formas diferentes, quer se trate de um

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    discurso simplesmente falado, quer se trate de uma reconstituio oral de um texto escrito

    feito por um indivduo leitor. O discurso falado, que Plato considera um discurso de

    verdade, escolhe seus interlocutores, pode estudar suas reaes, esclarecer suas perguntas,

    responder a seus ataques. O discurso escrito, pelo contrrio, como uma pintura: se lhe

    indagamos alguma coisa, ele no consegue responder, apenas se repete eternamente.

    Difundido para um suporte material inerte, o escrito no sabe onde encontrar aquele que

    ser capaz de compreend-lo nem consegue evitar quem no tem competncia para acolh-

    lo. Cada leitura constitui, portanto, uma interpretao diferente do texto, diversa paracada leitor. No entanto, o escrito goza da liberdade de rolar livremente em todas as

    direes e se presta a uma leitura livre, a uma interpretao e a um uso do texto com total

    liberdade.O livro que veicula um logos escrito, destinado leitura, traz outras

    implicaes at mesmo contraditrias: pois enquanto havia uma escassa presena do livro,

    havia uma alfabetizao bastante ampla, capaz de capacitar at as camadas inferiores da

    sociedade urbana a lerem inscries oficiais ou privadas.

    Os gregos se preocupavam tambm com a conservao do texto. A Grcia

    antiga teve ntida conscincia de que a escrita fora inventada para fixar os textos e traz-

    los assim novamente memria, na prtica, para conserv-los. Nessa poca, havia

    fronteiras que delimitavam entre o livro destinado fixao e conservao do texto e olivro destinado leitura. Certos livros eram utilizados como textos escolares, com

    finalidades educativas de um certo grau, e outros se prestavam leitura de entretenimento,

    com cenas de leitura propriamente dita, em que os leitores so inicialmente figuras

    masculinas, depois seguidas por figuras de mulheres-leitores. Esses leitores no eram

    solitrios, aparecem, em geral em grupos representativos de conservao e de atividade

    ldica, sinal de que a leitura era vista como a prtica de vida em sociedade.

    Nota-se que havia, nesse tempo, uma certa primazia da modalidade da

    leitura em voz alta, alis, a mais difundida. preciso considerar ainda uma outra dimenso da leitura: os gregos da

    poca clssica no desconheciam leituras de viagem e, portanto, de entretenimento e

    lazer, fora de quaisquer obrigaes profissionais. desse tempo a notcia do surgimento

    das primeiras coletneas de livros, a princpio do tipo profissional e, em seguida, do tipo

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    textos e cada uma das sees. Surge uma nova organizao da produo literria e uma

    nova disciplina tcnico-livreira, ambas ligadas no s a criao de grandes bibliotecas, mas

    tambm a novas prticas de leitura.

    As grandes bibliotecas helensticas, todavia, no eram bibliotecas de leitura.

    Eram, ora sinais das dinastias que estavam no poder; ora, instrumento de trabalho para um

    crculo de eruditos e de literatos. Os livros eram mais acumulados do que realmente lidos.

    As bibliotecas continham coletneas de livros das escolas de filosofia e de cincias, e eram

    reservadas a um nmero muito restrito de mestres, discpulos e alunos. Excetuando as

    grandes bibliotecas, pouco se conhece sobre outras bibliotecas pblicas da poca

    helenstica. Porm, preciso perguntar: qual era a sua funo? E quem realmente as

    freqentava? Parece que a leitura era praticada, de preferncia, na intimidade, por aqueles

    que a dominavam. Nesse perodo, assiste-se tambm ao florescer de manuais de carter

    tcnico, como textos de crtica filosfica e literria ou tratados de uso meramente prtico

    (ttica militar, agricultura).

    Tambm, nessa ocasio houve a ampliao da leitura, quando o novo papel

    assumido pelo livro vem marcado na composio de epigramas de dedicatria e de

    apresentao editorial em que ele objeto de alguma alocuo ou, melhor, o livro fala. A

    leitura em voz alta d alma ao livro. O livro entra, ento, com sua prpria personalidade,

    num jogo de relaes com os leitores, com todos aqueles que a ele se dirigem e lhe

    emprestamvoz.

    No por acaso que surge ento uma verdadeira teoria da leitura, que

    manuais de retrica e tratados gramaticais oferecem detalhados preceitos sobre a

    expressividade da voz no ato de ler. Sem esta arte de ler, o escrito no passaria de traos

    incompreensveis depositados no papiro. Cada leitura individual ou na presena de um

    auditrio, deve ser uma interpretao vocal e gestual que se esfora o mais possvel para

    expressar gnero literrio e as intenes do autor. Nasce da a arte oratria, por sua vez

    ligada prxis teatral. Nasce daqui a procura , por parte dos antigos, de uma metodologia

    hermenutica capaz de decifrar os indcios oferecidos pelo prprio texto, observ-los, com

    o objetivo de conseguir uma leitura correta.

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    2.1.1- Novos textos e novos livros: a leitura em Roma

    A partir de que momento possvel falar de uma presena real do livro e do

    surgimento de prticas de leitura em Roma?

    No h a menor dvida de que Roma herdou do mundo grego a estrutura

    fsica do livro e certas prticas de leitura. Na Roma dos primeiros sculos os usos da

    cultura escrita limitavam-se substancialmente casta sacerdotal e nobreza, sendo difcil

    acreditar que houvesse outros livros alm dos anais compilados pelos pontfices, isto ; os

    livros de interpretao de pressgios e as coletneas de orculos, juntamente com outros

    poucos conservados em locais secretos. Entre as famlias nobres, mais do que livros o que

    havia eram documentos de arquivos, relatos de funes exercidas pelos magistrados e

    elogios fnebres. Portanto, no se pode pensar que a prtica da leitura fosse alm dessasinscries e desses documentos.

    Mais tarde, o uso do livro se expande porque a sociedade romana tambm

    est em expanso. Entretanto, trata-se sobretudo de livros gregos, de uso profissional. O

    prprio nascimento de uma literatura latina est ligado, nessa poca, aos livros gregos.

    Em princpio, a literatura mostra-se uma prtica exclusiva das classes

    elevadas e se faz de maneira privada. As bibliotecas eram formadas por livros gregos que

    chegavam a Roma como despojos de guerra. Tais livros, eram guardados nas residncias

    dos que os conquistaram e depois transformavam-se em bibliotecas particulares em torno

    das quais rene-se a restrita sociedade culta. Grandes amizades se firmaram atravs de

    emprstimos de livros e de conversas provocadas por tais emprstimos. As bibliotecas dos

    romanos ricos, aos poucos se transformaram em um espao para viver.

    A poca imperial marca uma nova etapa nas prticas de leitura, devido,

    antes de tudo, ao progresso na alfabetizao. O mundo, doravante greco-romano, torna-se

    um mundo de vasta circulao de cultura escrita. Ao lado de inscries de todos os tipos

    das epgrafes oficiais aos grafites circula uma multido de produtos escritos: cartazes

    erguidos em cortejos, libelos e prospectos em verso ou em prosa distribudos em lugares

    pblicos, fichas com legendas, tecidos escritos, calendrios, documentos com reclamaes,

    cartas, mensagens. preciso levar ainda em considerao a documentao civil e militar e

    a ligada prtica jurdica.

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    Nesse cenrio em que muitas pessoas sabem ler e no qual circulam

    numerosos produtos escritos, manifesta-se uma crescente demanda de livros que se

    encontra uma resposta em trs planos: na criao de bibliotecas pblicas e incremento das

    particulares; na oferta de textos novos (ou refeitos) destinados a novas faixas de leitores; na

    produo e distribuio de um tipo diferente de livro, o codex, o livro j com pginas, mais

    adequado s necessidades desses novos leitores e das diferentes prticas de leitura.

    A notcia sobre a funo das bibliotecas pblicas como espaos de leitura

    em Roma so poucas. Certamente no eram bibliotecas como as helensticas, reservadas a

    pequenos crculos, mas deve-se pensar, preferencialmente, em bibliotecas eruditas,no

    sentido de serem abertas a qualquer pessoa que as quisesse freqentar. Na realidade, eram

    freqentadas por um pblico de leitores de classe mdia alta, a mesma que, muitas vezes,

    j dispunha de bibliotecas particulares. O aumento do nmero de bibliotecas no pode ser

    atribudo diretamente ao crescimento das necessidades de leitura. s vezes, construam-se

    bibliotecas por deciso do imperador com a finalidade de conservar as memrias histricas

    e de selecionar e codificar o patrimnio literrio. Tambm a benemerncia privada ergueu

    bibliotecas pblicas para serem locais de entretenimento culto de vida urbana.

    A seleo realizada pelas bibliotecas pblicas podia, s vezes, configurar-se

    como a verdadeira censura dos textos que desagradavam ao poder.

    O desenvolvimento das bibliotecas particulares correspondem, sem a menor

    duvida, a uma expanso das necessidades de leitura; e, mesmo nos casos em que essas

    bibliotecas foram prova de ostentao de poder econmico, elas indicam que, no mundo

    das representaes da sociedade greco-romana da poca, livros e leituras tinham seu lugar

    na abastana e nos comportamentos de uma vida opulenta.

    2.1.2 - As modalidades de leitura

    A leitura de uma obra literria exigia um grande domnio tcnico e

    intelectual. Para os outros textos, um nvel menor de competncia j era suficiente:particularmente, a leitura de cartazes, documentos ou mensagens era facilitada pela

    repetio de certas frmulas.

    As condies da aprendizagem da leitura so diversas segundo as pocas, o

    estatuto social, as circunstncias. Geralmente, ela se realiza no mbito familiar, junto a

    professores particulares ou na escola pblica. Vrios eram tambm os nveis e as suas

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    fases da aprendizagem da prpria leitura a qual se iniciava com vrios caracteres,

    comeando pelos maiores. Mas antes de aprender a ler, aprendia-se a escrever. As crianas

    em idade escolar tinham, antes de mais nada, de aprender as formas e os nomes das

    letras em ordem alfabtica. Os estgios posteriores eram constitudos pelo traado das

    slabas, de palavras completas e, finalmente, de frases.

    A aprendizagem da leitura, separada da aprendizagem da escrita, era

    realizada num segundo momento, de modo que havia certamente indivduos, com pouco

    grau de escolaridade capazes de escrever, mas no de ler.

    O fato dos exerccios iniciais da leitura comear pelo conhecimento das

    letras isoladas, depois pelo das slabas e, em seguida, pelo domnio de palavras completas

    exigia muita habilidade do leitor para que chegasse a ler com rapidez e sem incorrer em

    erros. O exerccio era feito em voz alta e, enquanto se pronunciava a ltima palavra j lida,

    os olhos deviam olhar as palavras seguintes, o que era considerado dificlimo, visto que

    exigia um desdobramento de ateno. Quando a leitura se mostrava rpida e segura, o

    olho precedia a boca: tratava-se, em ltima anlise, de uma leitura ao mesmo tempo oral e

    visual. Ler um livro com os olhos alude capacidade do olhar hbil ser capaz de decifrar

    imediatamente a escrita nasce ento a leitura silenciosa.

    De qualquer forma, a maneira mais habitual de ler era em voz alta. A leitura

    podia ser pessoal ou tambm feita por um leitor que assegurava a mediao entre o livro, o

    ouvinte ou ainda todo um auditrio. A leitura feita diante de grandes auditrios deveria ser

    uma leitura expressiva, modulada por tons e cadncias de voz conforme o gnero do texto

    e os pretendidos efeitos de estilo. No por acaso que o verbo que indica a leitura da

    poesia freqentemente cantare e canora, o termo que designa a voz do intrprete. Ler um

    texto literrio era, em suma, quase executar uma partitura musical. J na escola, o jovem

    romano aprende quando reter a respirao, em que ponto dividir a linha com uma pausa,

    onde concluir o sentido e onde comear, quando se deve erguer ou abaixar a voz, com que

    inflexo se deve articular cada elemento, o que deve ser dito lenta ou rapidamente, com

    maior mpeto ou maior suavidade. Ler em profundidade um autor complexo, segundo a

    medicina da poca, exigia tanto esforo do leitor que a leitura em voz alta era colocada

    entre os exerccios fsicos benficos sade.

    Excetuando o caso de leitores bastante hbeis ou profissionais, a leitura era

    uma operao lenta. Uma primeira dificuldade provinha do tipo de letra adotada pelo

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    copista , s vezes livreira, caligrfica, mas s vezes semicursiva ou cursiva e rica em

    ligaes que originavam confuso: nem todos os que tinham prtica de uma escrita eram

    capazes de ler com facilidade (ou mesmo decifrar) outra.

    Um dos grandes recursos utilizados pelos romanos teria sido a leitura

    pblica. O prprio lanamento das obras literrias se prestava a uma cerimnia social que

    acontecia em locais pblicos: auditrios, crculos, teatros e a sua durao era varivel.

    importante insistir no carter de vnculo social, de cumplicidade mundana e de hbito

    intelectual dessas leituras pblicas, as quais, justamente enquanto ritos literrios e

    sociais, contavam com a presena no somente de indivduos interessados e cultos ou at

    menos preparados e, por isso mais atentos audio do que leitura, mas tambm de

    ouvintes desatentos e entediados. Graas a esses ritos, havia uma efetiva participao de

    um pblico mais vasto do que o dos verdadeiros leitores.

    No mbito da vida privada, alm da prtica da leitura individual, ntima, era

    muito difundida tambm a leitura ancilar, mediada por um leitor, escravo ou liberto: uma

    figura bastante presente nas casas dos romanos ricos.

    2.1.3- Os novos leitores

    Nos primeiros sculos do Imprio, o novo leitor no mais aquele

    obrigado a ler por fora de suas funes; um leitor livre, que l por prazer, pelohbito ou pelo prestgio da leitura. Trata-se de um novo pblico formado por pessoas que

    cultivam os gestos de leitura.

    Na poca imperial o aumento do nmero de leitores se deve ao

    aparecimento de uma literatura de grande consumo ou de entretenimento, no

    enquadrada nos gneros tradicionais: poesia de evaso, parfrases de obras picas,

    biografias, pequenos tratados de culinria e de esportes, livretos sobre jogos e

    passatempos, obras erticas, horscopos, livros de magia ou interpretao dos sonhos, mas

    principalmente de fico, contendo situaes e esquemas psicolgicos banais, episdioscomplicados e intrigantes, de efeitos dramticos, inseridos numa trama de fundo amoroso e

    de aventura. Nesta literatura destinada a uma ampla circulao, deve-se incluir tambm a

    chamada literatura panfletria que tratava de temas subversivos e que circulava, talvez

    clandestinamente.

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    Havia barreiras culturais entre os leitores, mas isto nem sempre implicava

    uma escolha diferenciada de leituras; todo mundo lia as mesmas as obras: as diferenas

    estavam nas maneiras de ler, de compreender, de apreciar texto. Tratava-se, portanto, de

    uma frmula de leitura marcada por uma circulao transversal, na qual a fico ocupa

    um lugar importante, sobretudo por causa de certos romances gregos que serviam, alm do

    mais, para seduzir leitores e leitoras medianamente alfabetizados. O que mais atraa nesse

    tipo de leitura eram as histrias de amor, com episdios emocionantes e cheios de

    peripcias em que um casal de amantes acossado pelos acontecimentos se desencontrava e

    reencontrava em meio a ardis, traies e reconciliaes que ocorriam quer em clima de

    comdia, quer em clima de tragdia.

    Em suma, a poca imperial assinala a difuso de uma leitura para

    alfabetizados diferente da literatura para os mais instrudos. Tinha-se acesso, pelas

    diferentes camadas, a vrios tipos de textos. Trata-se de um mundo de leitores do qual os

    autores da poca tomam conscincia pouco a pouco e procuram escrever obras destinadas a

    conquist-lo. Houve um grande esforo para aproximar os livros de seus leitores

    potenciais, tornando-lhes mais fcil o acesso leitura. Para auxiliar ainda mais essa

    aproximao, os romanos inventaram o cdice de contedo literrio. O cdice era um

    livro-caderno com pginas. De confeco mais fcil, ele abreviava o tempo, permitindo

    uma mais vasta circulao do livro. Ele representava tambm uma grande economia de

    papel, visto que se escrevia dos dois lados, de forma que os seu custo era bem menos

    elevado do que o de um volumen (livro em forma de rolo). Outra vantagem do cdice era

    que, por sua forma, ele permitia ao leitor ficar com uma mo livre o que comprovava a

    maior facilidade de manej-lo.

    O sucesso do cdice entre os cristos foi igualmente assegurado pela sua

    organizao em pginas, o que permitia colocar uma quantidade de texto muito mais

    extensa e possibilitava o agrupamento de textos cannicos da nova religio e facilitava o

    encontro de sees e trechos especficos a que se faziam referncias.

    2.2- Prticas monsticas na Alta Idade Mdia: Ler, escrever, interpretar o texto.

    A alta Idade Mdia herdou da Antigidade uma tradio de leitura que

    abarcava as quatro funes dos estudos gramaticais:

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    1. Lectio: o leitor tinha que decifrar o texto, respeitando tambm a pontuao exigida pelo

    sentido.

    2. Emendatio: exigia que o leitor ou professor corrigissem o texto no seu exemplar,

    chegando a melhor-lo.

    3. Enarratio: consistia na tarefa de reconhecer ou comentar as caractersticas do texto para

    poder interpretar o contedo.

    4. Juridicum: correspondia ao exerccio de avaliar as qualidades estticas ou o valor

    moral e filosfico do texto.

    Para ajudar nessas tarefas, o leitor dispunha de um conjunto de preceitos

    gramaticais cuja funo era mais facilitar o processo da leitura do que promover o

    interesse pela linguagem. Esse enfoque redutor da lngua ir durar muito tempo em virtude

    da crena de que o homem deveria preocupar-se somente com a linguagem da Palavra

    divina. Para isto, as gramticas ofereciam substancial ajuda para o leitor na anlise do texto

    e na identificao dos elementos do latim.

    Para o homem desta poca, a leitura garantia a salvao da alma.

    Professores e escritores cristos haviam aplicado a tradio de conhecimento gramatical na

    interpretao das Escrituras que visavam educao religiosa. No havia dvida: a razo

    de ser da leitura era, incontestavelmente, a salvao da prpria alma.

    Outra mudana diz respeito nova atitude com relao ao ato de ler. Na

    Antigidade, a nfase recaa sobre a declamao do texto uma leitura oral. Na Alta Idade

    Mdia, a antiga arte de leitura em voz alta sobreviveu apenas na liturgia.

    Contudo, j se podia observar um grande interesse pela leitura silenciosa,

    um tipo de leitura individual, muda, de modo a no incomodar os outros. Ela revelava uma

    certa necessidade de ler para si mesmo, alm de assegurar melhor compreenso do texto e

    exigir menos esforo fsico.

    Surgiram tambm, nessa poca, novas tcnicas de apresentao do texto

    com a finalidade de facilitar o acesso dos leitores, alm de trazerem progressos

    significativos nas tcnicas de disposio do texto na pgina.

    Outra preocupao da poca se refere sobretudo leitura da Bblia, cujas

    etapas preliminares levavam ao exerccio da hermenutica crist para produzir

    interpretaes pessoais ou exegeses do texto. Segundo intelectuais cristos, a leitura,

    sobretudo da Bblia, deveria ser um dilogo com o texto. Da mesma forma que, ao

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    identificar o rosto de uma pessoa, no significa conhec-la e apenas falando com ela

    poderemos saber o que pensa, somente entrando em conversa com a Bblia pode-se chegar

    a compreender os pensamentos que esto por trs da superfcie do texto.

    Com o aumento do nmero de leitores, a preocupao com sentido ou

    significado de um texto, levou a modificaes no uso da pontuao, a qual pode permitir

    ao leitor diferentes reaes quanto forma ou ao contedo. A aplicao de sinais de

    pontuao permitiu transportar a anlise hermenutica para a pgina com o objetivo de ser

    entendida pelo leitor como sendo parte do processo de leitura em si mesmo.

    Em nenhum outro campo a histria se repete tanto com no caso da evoluo

    da leitura, visto que cada nova gerao de leitores tem de passar pelos mesmos estgios de

    aprendizagem e de experincia do processo como seus predecessores.

    Possivelmente, as principais caractersticas desta poca so:

    impacto de nova motivao para a leitura;

    a demanda por acesso mais fcil informao contida nos textos por

    parte dos leitores para os quais o latim era lngua estranha;

    a influncia dos princpios encontrados nas obras dos antigos gramticos

    nas tentativas de desenvolver um padro de convenes para atender tal

    demanda.

    2.3- O Modelo Escolstico da Leitura

    O estudo da leitura na poca escolstica apresentou profundas

    transformaes. A leitura vai tornar-se um exerccio escolar, depois universitrio, regida

    por leis que lhe so prprias. O principal lugar onde se exercer essa atividade ser

    portanto a escola, seguida pela universidade. Enquanto na Alta Idade Mdia, a leitura se

    situava nos mosteiros, durante o perodo escolstico constatamos uma renovao radical da

    prpria concepo de ler. Constatamos que essa poca corresponde a uma tomada deconscincia do ato de ler. Da em diante, a leitura no ser mais concebida sem uma certa

    organizao. A partir da no se aborda mais um livro de qualquer modo. Existe a

    necessidade de se compreender o mtodo seguido para realizar a leitura de um texto. Essa

    organizao da leitura vai criar necessidades novas. preciso que o leitor possa encontrar

    facilmente o que procura em um livro, sem ter de folhear as pginas. Por isto, comea-se a

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    estabelecer as divises , as marcas, os pargrafos, a dar ttulos aos diferentes captulos a

    criar tabelas e ndices alfabticos que facilitem a consulta rpida de uma obra . Essa leitura

    escolstica vai de encontro ao mtodo monstico orientado para uma compreenso lenta e

    rigorosa do conjunto da Escritura.

    Durante a Alta Idade Mdia, a leitura da Sagrada Escritura constitua a base

    da espiritualidade monstica e era verdadeiramente o alimento espiritual dos monges.

    Alguns autores chegaram a chamar de ruminatio a este tipo de leitura que objetivava a

    assimilao e meditao dos ensinamentos bblicos. O ruminatio era um tipo de leitura

    lenta e regular, feita em profundidade. Havia, ainda, em certas ocasies, a prtica da leitura

    em voz alta.

    Nessa poca, distinguiam-se trs tipos de leitura: a leitura silenciosa, a

    leitura em voz baixa, chamada murmrio ou ruminao e a leitura em voz alta que se

    aproximava muito do canto.

    A grande modificao que ocorre no quadro da leitura escolstica reside na

    importncia que essa prtica ter no ensino. Toda a pedagogia medieval baseia-se na

    leitura de textos, e a escolstica universitria institucionaliza e amplia este trabalho.

    A aquisio de uma cultura pessoal permanece ao lado da formao

    pedaggica. Com efeito, as condies de produo do livro vo mudar, a difuso das obras

    vai intensificar-se e modificar profundamente a relao com os textos. Pode-se falar de

    leitura escolstica como sendo diferente de todas aquelas vistas at ento.

    Como a produo literria no cessa de crescer, preciso encontrar outros

    mtodos de leitura mais rpidos que permitam aos intelectuais tomar conhecimento de um

    grande nmero de obras. Para isto, os medievais sempre recorreram s auctoritates em suas

    prprias composies literrias. Trata-se de frases, de citaes ou de passagens extradas

    da Bblia, dos padres da Igreja ou dos autores clssicos, destinadas a dar mais peso sua

    prpria argumentao. Para ajud-los na busca desses trechos, compem-se florilgios ou

    coletneas de textos destinados memorizao e que permitem encontrar facilmente as

    passagens procuradas. Alm desses florilgios, surgem outros tipos de instrumentos de

    trabalho que permitem ao leitor localizar-se facilmente em um manuscrito e descobrir

    certos trechos sem ler a totalidade do texto. A leitura contnua e lenta de uma obra dar

    lugar agora a uma leitura fragmentria que ter a vantagem de permitir a apreenso rpida

    de trechos escolhidos. A utilidade passar frente do conhecimento.

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    Recorrer s auctoritates respondia a necessidades diversas tais como: ter

    acesso ao essencial de uma obra que um intelectual no pudesse adquirir e diminuir o custo

    elevado dos manuscritos, j que as auctoritates ofereciam a essncia de uma obra ou de um

    assunto em frases curtas e de fcil memorizao. Todavia, essas coletneas serviam

    unicamente como reservatrio de textos e no estimulavam a criatividade e, por mais que

    tenham sido teis, nunca substituiriam a consulta das prprias obras.

    Outro aspecto a ser considerado: esses florilgios ou coletneas eram feitos

    base de seleo. O compilador que os realizava podia excluir deles as passagens que

    pudessem levar a uma interpretao ambgua, que no estivessem de acordo com os

    ensinamentos da doutrina crist, ou que no satisfizessem os objetivos a que se

    propunham.

    No se deve falar de passagem da Idade Mdia ao Renascimento no que

    concerne aos florilgios. O que aconteceu com essas coletneas nessa transio? Elas

    continuaram a ser usadas, embora o mtodo de trabalho tenha mudado em alguns casos.

    A evoluo apresentada no se situa no nvel das coletneas de textos que devem ser

    explicados e comentados, mas sobretudo na maneira de abord-los e de discuti-los.

    Os humanistas restauraram todo o prestgio da leitura pessoal e

    recomendaram o contato direto com os originais.

    Concluindo: Os florilgios no desapareceram com a chegada do

    Humanismo, muito pelo contrrio. O gnero evolui em alguns casos, mas no se extingue.

    Nota-se que a produo se diversifica. So utilizados tanto por letrados quanto por

    pregadores ou docentes. Servem como coletneas documentrias prticas e de abordagem

    fcil, alm de continuarem a ser empregadas no ensino.

    2.3.1- O desaparecimento do modelo escolstico

    A evoluo da maneira de ler no perodo escolstico autoriza que se distinga

    o tipo de leitura adotado daqueles praticados anteriormente. A aquisio do saber tornou-se

    mais importante do que a dimenso espiritual. A direo tomada pela leitura dos textos

    indica que o ensino e a cultura obtida o mais rapidamente possvel vo substituir o

    conhecimento aprofundado das obras.

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    Na maior parte do tempo, os universitrios no lem por prazer, mas

    unicamente com a finalidade de conhecer os elementos indispensveis a uma a uma cultura

    utilitria.

    Para que o saber no ficasse fechado nos mosteiros e deixasse de ser

    individualizado, intelectuais da poca tentaram torn-lo acessvel coletividade. Embora

    essa iniciativa no conduza aos resultados esperados, a leitura tcnica passa frente da

    leitura espiritual. O ponto de vista enciclopdico substituir em todos os nveis a leitura e a

    meditao. A lgica que estava destinada a formar os espritos seduzir os intelectuais e

    invadir os meios universitrios. O mtodo de trabalho ir mudar. A criatividade pessoal,

    em muitos casos, ceder lugar a uma composio bem estruturada. Uma linguagem de

    grande tecnicidade marcar o incio do declnio inevitvel do mtodo escolstico.

    Ao lado das tcnicas universitrias que exerceram influncia fundamental

    sobre a prtica da leitura, preciso, no entanto, assinalar que existia m outros acessos aos

    textos praticados por intelectuais cultos, por biblifilos que haviam conservado os gosto

    pelos livros. Sabe-se tambm que os conventos compraram grande quantidade de livros

    para alimentar suas bibliotecas e oferecer a seus irmos uma bagagem intelectual

    indispensvel, no aceitando que eles perdessem tempo copiando textos.

    Convm acrescentar que o problema da penria de livros e de instrumentos

    de trabalho, indispensveis ao estudo nos diferentes meios, ir encontrar uma soluo

    natural aps a grande Peste Negra que ir dizimar a Europa. As cidades sero as principais

    atingidas. Ora, a concentrao de intelectuais que a se achavam reunidos por motivos de

    estudo ir provocar um desaparecimento macio de professores e de estudantes, deixando

    dessa forma uma grande quantidade de livros disponveis. Os problemas de aquisio e de

    difuso dos textos mudaro radicalmente a partir desse momento. Os livros iro se tornar

    acessveis , devolvendo o gosto pela leitura aos universitrios que haviam perdido em

    proveitos de um contato utilitrio com o saber.

    Na Itlia, os humanistas iro procurar os textos da Antigidade e recoloc-

    los em circulao. Essa mudana de atmosfera, a introduo da imprensa e o gosto pelas

    letras modificaro novamente as relaes com o livro. O desenvolvimento das cidades,

    assim como a democratizao do ensino, iro a partir da diversificar os interesses dos

    leitores que sero tanto burgueses, quanto comerciantes ou intelectuais.

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    2.4- A leitura nos finais da Idade Mdia

    Se o sculo XII, na Europa do Norte, foi um perodo difcil para as

    inovaes nos campos do direito, da teologia, da filosofia e da arte, para a leitura ele foiantes de tudo um sculo de continuidade e consolidao. Surgiro novos hbitos de leitura

    silenciosa, embora houvesse testemunhas que relatassem que nesse tipo de leitura os

    demnios atrapalhavam o leitor, forando-o a ler em voz alta, privando-o assim do

    entendimento interior e da espiritualidade. Todavia, a preferncia para a leitura silenciosa

    estava totalmente de acordo com a psicologia espiritual, uma vez que os monges

    consideravam o corao como a sede da mente e viam a leitura como o principal

    instrumento para tocar os sentidos do corao. A leitura individual estava estreitamente

    ligada meditao e, na verdade, era pr-requisito dela. Uma prova do carterexcepcionalmente adiantado das prticas de leitura visual da poca foi a introduo das

    coletneas que continham sofisticados ndices baseados na numerao das pginas e no

    uso de letras do alfabeto para separar as partes do texto.

    Em vez da leitura oral dominante na Antigidade, o final da Idade Mdia se

    caracterizou pela leitura visual de textos, os quais eram criados em silncio e seus autores

    esperavam que fossem lidos em silncio. Alguns intelectuais da poca, quando escreviam,

    se dirigiam a um leitor e no a um ouvinte e suas obras, redigidas em escrita cursiva, eram

    caracterizadas por um novo vocabulrio visual o qual indicava que tanto o autor quanto o

    leitor deveriam estar com o texto diante dos olhos.

    No obstante a leitura silenciosa e ntima, nos sculos XIV e XV, as leituras

    pblicas continuavam a ter importante papel na vida universitria. Contudo, em vista da

    complexidade dos temas, a leitura visual era essencial para a compreenso. Enquanto o

    professor lia em voz alta e fazia os seus comentrios, os alunos acompanhavam

    silenciosamente o texto com seus prprios livros. Isso representava significativa mudana

    no final da Antigidade e no incio da Idade Mdia. As mudanas na leitura afetavam a

    organizao das bibliotecas por paredes de pedra, onde os monges podiam ler em voz alta e

    decorar textos bblicos ou ler em voz baixa para si mesmos.

    Na Inglaterra e na Frana, as bibliotecas comearam a funcionar em sales e

    eram mobiliadas com escrivaninhas, estantes de leitura e bancos onde leitores se sentavam

    uns prximos aos outros. Os grandes livros de referncia eram acorrentados a estantes de

    modo que pudessem estar sempre includos dicionrios e ndices alfabticos. Em suma, a

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    biblioteca, a partir de ento, era considerada claramente local para se ler, escrever e

    estudar.

    A transio para a leitura e composio silenciosas permitiu uma nova

    forma de privacidade. Do ponto de vista psicolgico, a leitura silenciosa era muito

    estimulante para o leitor, visto que possibilitava manter a fonte de sua curiosidade sob seu

    controle pessoal. Alm disso, a leitura escrita visual encorajava o pensamento crtico

    individual que acabou contribuindo para o desenvolvimento do ceticismo e da heresia

    intelectual. Apesar da difuso da leitura silenciosa, a leitura em voz alta no desapareceu e

    era bastante usada para ler as crnicas, as canes de gesta, os romances e as poesias, obras

    que geralmente eram escritas em verso e lidas nos palcios.

    A intimidade da leitura e da escrita silenciosas talvez tenham encorajado as

    manifestaes de ironia e cinismo, alm de oferecer meios para expressar pensamentos

    polticos subversivos. Essa nova privacidade propiciou ainda o retorno literatura ertica e

    comearam a surgir textos picantes e ilustrados, mostrando as escapulidas sexuais de reis,

    frades e monges.

    A liberdade de expresso que a leitura silenciosa privada trouxe s

    reprimidas fantasias sexuais tambm, paradoxalmente, permitiu aprofundar a experincia

    religiosa dos leigos, oferecendo-lhes os meios de buscar um relacionamento individual

    com Deus, enfatizando a importncia da leitura e do silncio para alcanar o bem-estar

    espiritual, alm de declarar que a palavra falada era evanescente e fugidia, enquanto a

    escrita era permanente e duradoura.

    2.5- A leitura nas comunidades judaicas da Europa Ocidental na Idade Mdia.

    No plano poltico, o problema colocado pela prtica da leitura configurava-

    se, tanto para os judeus como para os cristos, na percepo de um dever, e

    todos que aspiravam ao exerccio da autoridade e no poder deveriam impor um controle

    na difuso das idias. No caso das leituras, esperava-se que fossem, de um lado, um

    conjunto de enunciados repressivos e, de outro, um conjunto de enunciados de carter

    criativo, s vezes educativo, de verdadeira e prpria doutrinao. Em sntese: proibir o que

    nocivo, promover o que til.

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    Entre os judeus o livro compreendido mais como um objeto mgico-

    religioso com carga sobrenatural do que como instrumento de comunicao e reservatrio

    de contedos a serem atingidos livremente.

    Nesse perodo, o ato da leitura pertencia a minsculas elites de eleitos-aos-

    quais-todas-as-leituras-so-permitidas e no se tem notcia de exerccio de nenhum tipo

    de censura.

    A histria da leitura nas comunidades judaicas da Idade Mdia apresenta um

    ulterior e particular componente: os dos textos importados do espao cultural no-

    judaico e oportunamente hebraizados isto , filtrados e manipulados. Uma constante de

    longa durao, caracterstica do judasmo dessa poca e, s vezes, presente at mesmo

    em nossos dias em determinados crculos chamados ortodoxos consistia talvez mais

    imagem e semelhana do Isl do que do Cristianismo em mostrar a convergncia de tudo

    que era percebido como religiosamente positivo. Mais tarde, a comunidade judaica passou

    por um processo de rpida urbanizao e as camadas da sociedade camponesa

    desapareceram e quase se pode afirmar que a figura do judeu (do sexo masculino, claro)

    totalmente analfabeto, incapaz de ler um livro de orao, tornou-se cada vez mais rara.

    Todavia, havia um desafio grande para as elites: manter sempre firme o

    controle sobre a sociedade atravs da vigilncia das leituras, fonte potencial de

    desequilbrio. A idia de uma poltica repressiva em relao ao livro estava associada

    idia do efetivo exerccio do poder. A fraqueza da estrutura do autogoverno hebraico foi

    mais amplamente comprovada com o primeiro grande boom da imprensa, acusada de

    colocar em circulao muitos livros potencialmente perigosos, na tica de quem se

    considerava responsvel pelo comportamento da sociedade. Foi nessa poca que os

    dirigentes judaicos decidiram recorrer arma da excomunho contra todos aqueles que

    lessem determinados livros.

    Entre os povos da Idade Mdia, e tambm entre os judeus estava

    definitivamente enraizada a idia de uma necessidade de uma mediao das autoridades

    entre o sagrado e o profano. Como conseqncia, entre os judeus a transmisso oral do

    texto dominar a outra, e os dois mtodos de acesso ao texto apresentam normas

    igualmente rgidas:

    No lcito transmitir oralmente o que deve ser escrito, nem lcito

    escrever o que deve ser transmitido oralmente. (T.B. Ghittin,60b).

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    Por volta do ano 1000, a prtica da leitura individual nas sinagogas do

    Ocidente apresenta aspectos de surpreendente modernidade. Uma caracterstica vlida para

    esta prtica que, embora o seu pano de fundo fosse religioso, observavam-se claramente

    elementos profanos, o que demostrava que a sinagoga, alm de ser local de orao,

    desempenhava tambm as funes de verdadeiro centro social judaico e, entre outras

    coisas, de biblioteca pblica. Encontrava assim, no seu mbito, a gesto de colees de

    livros, mantida pela cultura judaica. Da nasceu a idia de colocar os livros de propriedade

    privada disposio de outras pessoas com a finalidade de difundir a prtica do estudo

    individual que , antes de mais nada, a leitura.

    Na virada do sculo XI, lia-se o axioma, que os livros no so feitos para

    serem armazenados, mas sim para serem emprestados. A questo dizia respeito ao caso de

    um emprstimo concedido sobre penhor de livros:

    com esta condio concedi-te o emprstimo sobre penhor daqueles livros -

    com a condio de poder estudar e ensinar com eles e tambm emprest-

    los a outras pessoas. (Rabbi Meir , Praga,n.179).

    Nos sculos XII e XIII, j se encontrava uma seo inteira de uns sessenta

    pargrafos dedicada maneira de tratar os livros; como conserv-los numa bela e

    decorosa arca, como no estrag-los e assim por diante. So todos testemunhos do

    desenvolvimento de uma sensibilidade em relao ao livro visto como objeto de uso,

    certamente digno do maior respeito, porque contm a mensagem divina, mas tambm

    porque extremamente caro e de difcil acesso aos menos abastados.

    2.6- O leitor humanista

    No dia 10 de dezembro de 1513, Nicolau Maquiavel escreve uma carta ao

    seu amigo Francesco Vettori. Por motivos polticos, Maquiavel fora preso, torturado e

    exilado em sua fazenda fora de Florena. Ali ele ansiava por qualquer tipo de ocupao

    poltica, brigava ou tagarelava com seus vizinhos e lia. Ele descreve para Vettori sua

    atividade mental com pormenores vvidos e inesquecveis.

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    Saindo do bosque, vou a uma fonte e de l a um viveiro de pssaros. Levo

    comigo um livro embaixo do brao, de Dante ou Petrarca, ou de um desses

    poetas menores como Tbulo, Ovdio ou qualquer outro: mergulho na

    leitura de seus amores e seus amores lembram os meus; pensamentos que

    me recrio no momento certo. Em seguida, ganho a longa estrada:

    entretenho-me com os que passam, peo notcias de seu pas, imagino tantas

    coisas, observo a variedade de gostos e a diversidade de caprichos dos

    homens {...} A noite cai, retorno aos meus aposentos. Entro em meu quarto

    e, j na soleira, despojo-me do hbito de todo dia, coberto de lodo e lama,

    para vestir os mantos da realeza e do pontificado; assim, adornado com

    todo o respeito, entro nas cortes antigas dos homens da Antiguidade. L,

    acolhido por eles com afabilidade, sacio-me do alimento que meu por

    excelncia e para o qual nasci. Nenhuma vergonha de falar com eles e

    perguntar-lhes sobre os motivos de suas aes e eles, em virtude de sua

    humanidade, me respondem. E, durante quatro horas, no sinto o menor

    tdio, esqueo meus tormentos, deixo de acreditar na pobreza e nem mesmo

    a morte j me assusta.

    (N. Machiavelli, Opere, iii: Lettere, org. F Gaeta, Turim, 1984, p. 425-6)

    Essa carta citada freqentemente pelos historiadores, porque ela descreve

    a composio da obra mais conhecida de Maquiavel, O Prncipe. Todavia, eles no a

    utilizam como documento da histria da leitura. Isto uma pena, porque esta carta nos d

    uma viso clara do tipo de leitura praticada na Renascena. Maquiavel descreve a si

    mesmo como leitor de dois tipos de livros. O primeiro descrito com preciso e ressalta as

    caractersticas fsicas e textuais da obra. Impressos em itlico, condensavam textos

    completos em poucas centenas de pginas, traziam prefcios, algumas ilustraes, mas sem

    comentrios. Ele utilizava esses livros de maneira simples, pois era um meio porttil para

    fugir dos problemas. Esses livros serviam de estmulo, no para o pensamento, mas para o

    devaneio, entre os quais o leitor poderia deixar se perder.

    O segundo tipo de livro e leitura so descritos por Maquiavel de forma

    alegrica. Ele personifica os autores e personagens como grandes homens que se dignam a

    lhe dirigir a palavra no seu escritrio. Podemos identific-los como estadistas ou generais

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    gregos ou romanos, cujas aes Maquiavel via como modelo de sabedoria prtica para o

    seu prprio tempo. Esses textos no estavam mais nas jeitosas edies de bolso, mas em

    grandes livros que ocupavam as estantes dos gabinetes de leitura dos estudiosos da

    Renascena. Ele se aproximava dessas obras com um estado de esprito bem diferente

    daquele com que lia as poesias de amor junto a uma fonte. A esses textos ele pedia no

    distrao, mas instruo.

    So dois conjuntos de textos antigos, duas maneiras de ler: dessas maneiras

    de ler, uma parece bastante reconhecvel e a outra, curiosamente remota. Todavia,

    Maquiavel praticava os dois tipos de leitura aparentemente sem esforo ou dificuldade.

    O caso de Maquiavel indica que os humanistas liam os textos clssicos de

    muitos modos diferentes. Quem quisesse fazer da leitura um passatempo, levaria uma

    edio de bolso para o campo e se deliciaria com poemas de amor. Mas quem quisesse

    lidar com a filosofia, deveria permanecer em seu escritrio e, platonicamente, conversar

    no s com o poeta, mas tambm com os personagens por ele criados.

    Maquiavel se demonstrou um leitor que no apenas interpretava os textos,

    mas tambm que manuseava os livros: objetos especficos, que obedeciam a determinadas

    convenes de formato e de tipografia, e que ele utilizava em circunstncias bem definidas.

    2.6.1- O texto e sua moldura

    Os humanistas produziram manuscritos para atender a todo o tipo de

    necessidade. Grandes in-flios para serem presenteados, com esplndidas iluminuras, com

    bordas decoradas e livros menores e menos formais.

    As bibliotecas privadas ou pblicas, nessa poca, passaram por grandes

    transformaes. Eram grandes salas abertas e pequenos gabinetes que chegavam a ser

    verdadeiras preciosidades arquitetnicas. Eram planejados para facilitar o estudo e a

    conversa, com luz entrando pelas janelas e em nada pareciam com os aposentos escuros

    com livros presos por correntes do estilo antigo. Os encontros dos novos leitores com os

    textos agora disponveis transcendiam os limites tradicionais. As leituras ocorriam em

    cenrios ainda mais inesperados que a fonte de Maquiavel.

    Os prncipes do sc. XV gostavam de sublinhar o papel importante que os

    livros a leitura exerciam em sua vida. Aconteciam duelos literrios pblicos em que se

    competiam para explicar e corrigir os trechos mais difceis de certas obras. Eles gostavam

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    de serem retratados com um livro na mo. Definitivamente a leitura certa passou a fazer

    parte do novo estilo da corte renascentista e isto era to importante quanto a contratao de

    bons arquitetos ou a correta maneira de se vestir.

    Alm disso, medida que os livros impressos substituam os manuscritos, as

    novas formas dos livros e as novas experincias de leitura difundiam-se pelo mundo do

    conhecimento europeu. Talvez mais importante, o livro impresso oferecia bem mais

    atividades que o livro manuscrito. Um dos primeiros clientes de Aldo Mamcio (clebre

    livreiro da poca), escreveu de Budapeste, em 1501, que os novos livros de bolso de Aldo

    tinham lhe dado um novo alento, seno na vida, ao menos em seu modo de viver a

    literatura:

    Visto que as minhas vrias atividades no me deixam tempo livre para ler

    em casa os poetas e oradores, vossos livros to cmodos que posso

    manuse-los caminhando e, sempre que possvel, enquanto desempenho o

    papel de homem da corte - transformaram-se em motivo de especial alegria

    para mim.

    (P. de Nolhac, Les correspondants dAlde Manuc, Roma, 1888, p.26)

    O novo livro, austero e elegante, prtico e porttil, tornara-se padro. No

    resta dvida de que os humanistas realmente abordaram os clssicos de um modo novo e

    bem mais direto. Isso fez com que os escritores, livreiros e impressores se esmerassem na

    produo e confeco das suas obras. Qualquer escritor sabia perfeitamente bem que

    determinada aparncia fsica de sua obra poderia assegurar um mercado e preparar o leitor

    para o que havia escrito. Os impressores sugeriam que o leitor de boa cultura no iria

    simplesmente comprar um livro j pronto e utiliz-lo como tal. Iria personaliz-lo.

    Mandaria encadern-lo com tecidos luxuosos e durveis. O leitor culto sabia que deveria

    pagar por esse gasto adicional. A boa encadernao tornou-se uma especialidade e

    mesmo uma obsesso dos livreiros da Renascena. O livro de um grande homem poderia

    ser reconhecido pela capa. Mesmo pessoas comuns ou intelectuais assalariados

    consideravam falta de gosto manter um livro encadernado em papel. O leitor culto

    aprendeu ainda que o corpo da obra tambm deveria ser adornado tanto quanto a capa. Os

    clientes mais sofisticados gastavam muito para produzir um visual apropriado para seus

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    textos. O livro comprado com tanto cuidado, decorado com meticulosa ateno para os

    pormenores, tornava-se muito mais que um mero texto. Servia como registro da vida de

    seu proprietrio, mapa da rede de suas ligaes literrias e confidente de seus sentimentos.

    Em certas ocasies, as colaboraes entre o escritor, o leitor e o artista

    tornavam-se mais sistemticas e complicadas, pois o escritor no concordava com as

    ilustraes criadas pelo artista, temendo que o leitor pudesse interpret-las de modo

    diferente daquilo que o texto queria transmitir.

    Outra inovao da poca foi que vendedores e compradores passaram a

    compartilhar a crena de que a transferncia de livros era uma atividade importante e

    valiosa, uma transao emocionante, tanto cultural quanto financeiramente, que

    demandava quase o mesmo nvel de gosto e conhecimento quanto o de escrever os livros.

    Certamente os leitores da Renascena levavam muito a srio os momentos em que

    adquiriam os seus livros. Com freqncia registravam nos prprios o local, a data e

    circunstncia da aquisio.

    2.6.2- O professor e o leitor

    Em 1435, Guarino de Verona escreveu uma famosa carta para seu aluno

    Leonello deste:

    Seja o que for que estiver lendo comea a carta tenha sempre mo

    um caderno de anotaes {...} no qual voc possa escrever o que quiser e

    listar os tpicos que voc juntou. Ento quando decidir reler as passagens

    que mais o impressionaram, no ter de folhear um grande nmero de

    pginas. Isto porque o caderno de anotaes estar prximo como um

    empregado diligente e atento para lhe dar aquilo de que vier a necessitar

    {...} Pode ser que voc considere motivo de muito tdio ou de excessivas

    interrupes copiar tudo em tal caderno. Se for esse o caso, tal tarefa deve

    ser confiada a um menino aplicado e culto e muitos deles podem ser

    encontrados. ( Guarino, Epistalario, org. R. Sabbadini, Veneza, 1915-

    1919, II, p.270)

    Essa carta revela como eram as estratgias profissionais de Ensino na

    Renascena um conjunto de tcnicas que deixaram marca em todo leitor educado.

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    Obviamente o sentido do texto tambm tinha um papel vital em sua

    interpretao, a qual era alcanada esmiuada e vagarosamente com a mediao de um

    professor. Uma outra estratgia que beneficiava o entendimento do texto era que os

    impressores deixavam grandes margens, sobretudo nas partes iniciais dos textos, onde os

    estudantes anotavam comentrios tcnicos, geralmente com caligrafia to clara que

    revelava terem sido transcritas de um rascunho. O jovem leitor gravava na memria dados

    histricos, mitolgicos e geogrficos medida que avanava nos textos do currculo. Mais

    importante, desenvolvia um atitude e dominava um conjunto de instrumentos. O jovem

    leitor aprendia a compreender as escolhas verbais e as imagens do escritor como exemplos

    das regras da retrica formal. Aprendia a buscar aluses e a entender os subtextos com que

    o escritor pretendera compartilhar com os seus leitores de educao similar. Todos os

    escritores humanistas esperavam que seus leitores fossem mestres na arte de decodificao.

    A principal inovao identificada ocorria quando o estudante passava da

    anlise e interpretao para a tarefa mais elevada da aplicao colocar o texto em uso.

    Nesse ponto, a histria das idias, a histria do livro e a histria da leitura, at ento

    separadas, passam a convergir de forma significativa na Renascena. O texto humanista

    exaltava seu editor e seus patrocinadores de forma to eloqente quanto seu autor. Induzia

    o leitor a buscar dois tipos de narrativa em um s livro.

    Outro fato importante a leitura no cessava ao final da escola. Indivduos

    maduros podiam utilizar as habilidades tcnicas aprendidas no colgio para fins

    imprevisveis, como bem ilustra o caso de Maquiavel. Os leitores humanistas adquiriam e

    apreciavam uma grande variedade de textos e os liam tambm de modo informal, como

    fazemos hoje. Freqentemente liam com a pena na mo, escrevendo conforme avanavam

    no texto. Eles tinham prazer em consultar a obra e afiavam a sua pena para outros

    propsitos mais analticos. Vez por outra manifestavam por escrito suas reaes sobre a

    qualidade literria e filosfica dos textos. A existncia dessas anotaes bastante

    sugestiva. Os leitores muitas vezes insistiam em anotar nas encadernaes e pginas de

    rosto dos seus livros que deviam servir tambm aos amigos. Tais anotaes serviam para

    determinar o nvel intelectual do leitor e os crculos literrios que freqentava. Eram feitas

    em caligrafia to limpa e decorativa que se justifica sugerir que ele lhes atribua um valor

    permanente. por isto que os colecionadores, no final do sculo XVI, davam grande valor

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    A formao do aluno leitor

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    aos livros impressos que trouxessem anotaes de estudiosos e competiam entre si para

    consegui-los.

    Finalmente, a leitura, fosse privada ou pblica, com freqncia era dirigida

    para fins concretos tanto polticos, quanto intelectuais. O dilogo com os textos antigos

    visava ao mesmo objetivo: ao e resultados prticos no presente. A leitura dos antigos

    poderia ser um ato fortemente inserido nas vicissitudes do momento, na poltica do incio

    da era moderna. Esse tipo de leitura, pragmtica em vez de esttica, merece lugar histrico

    destacado em qualquer relato sobre o uso do livro na Renascena.

    2.6.3- O fim de uma tradio

    Em meados do sculo XVII, os filsofos tinham comeado a defender a

    idia de que apenas a leitura no poderia dar certos tipos de conhecimento sobre histria

    natural e humana. Descartes comeou o seu Discours de la methode contando a histria de

    sua insatisfao com a educao humanista que havia recebido dos jesutas. Havia chegado

    concluso de que a leitura sobre o passado poderia proporcionar apenas um nvel

    modesto de sofisticao que tambm poderia ser obtido com viagens. O leitor -diligente,

    do mesmo modo que o turista diligente, aprendia que cada povo vive com um cdigo moral

    diferente e que considera os demais , com a mesma falta de razo, como brbaros. Somente

    o raciocnio rigoroso, tendo a matemtica como modelo, poderia alcanar verdades mais

    profundas. Os humanistas mostraram-se dispostos, de imediato, a aceitar tais crticas ou,

    pelo menos, a admitir que a maior parte dos jovens de boa educao as aceitava. Leitores

    de grande habilidade e editores de textos clssicos puseram mos obra com desnimo,

    conscientes de que a era da filosofia havia passado e uma nova poca da matemtica a

    tinha substitudo.

    2.7- Reformas Protestantes e Leitura

    J no sculo XVI acreditava-se que a imprensa teria desempenhado papel

    fundamental na difuso das idias reformistas. clssico citar uma conversa de mesa de

    Lutero:

    A imprensa o ltimo dom de Deus e o maior. Efetivamente, por meio dela

    Deus quer dar a conhecer a causa da verdadeir