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II Conferência Internacional de Integração do Design, Engenharia e Gestão para a inovação Florianópolis, SC, Brasil, 21-23, Outubro, 2012 ECODESIGN DE JÓIAS A PARTIR DE RESÍDUOS DE GARRAFAS PET GABRIELLA RIBEIRO DA SILVA E ARAUJO 1 , CAROLINA CARPINELLI CAETANO². 1 Desenhista Industrial com habilitação em projeto de produto pela Universidade Norte do Paraná e Pós-Graduanda em Gestão Estratégica do Design de Moda, Universidade Santa Cecília, [email protected] 2 Professora da Pós-Graduação em Gestão Estratégica do Design de Moda e Mestranda pelo Programa de Têxtil e Moda da Universidade de São Paulo, [email protected] Resumo: Por meio de uma investigação acerca dos assuntos inerentes à crise ambiental, este estudo consiste na apresentação dos mesmos, bem como dos resultados do processo de concepção de jóias contendo dentre seus principais componentes garrafas PET pós- consumo. Através de referenciais plásticos de imagens que ilustram o atual panorama ambiental, foram extraídos traços visuais que subsidiaram a composição das peças. Desta forma objetiva-se divulgar o conceito de sustentabilidade, através de um olhar singular em relação à reutilização do PET. Palavras-Chave: ecodesign, PET, jóias, sustentabilidade. Abstract: Through an investigation about the issues related to the environmental crisis, this study consists in the presentation of the results of the process of jewelry design containing PET among its main components. Through plastic references of pictures that illustrate the present environmental outlook, visual features were extracted and subsidized the composition of the jewels. Therefore, the aim is to promote the concept of sustainability, through a unique view about the reuse of PET bottles. Key-words: ecodesign, PET, jewelry, sustainability. 1. Introdução Como medida em resposta aos cada vez mais evidentes pedidos de socorro que o planeta tem feito diante de constantes práticas insustentáveis de extração e poluição de seus recursos naturais e ecossistemas, o presente trabalho visa sua contribuição para a mudança desta realidade, ao propor o desenvolvimento de jóias a partir da reutilização de resíduos de garrafas PET. Ainda que a redução dos impactos ambientais gerada pela reutilização desse resíduo em jóias seja pouco significativa, o objetivo deste trabalho é ultrapassar os limites físicos de um produto, e utilizar o caráter interdisciplinar do design, a fim de alcançar contribuições mais significativas, como por exemplo, a divulgação do conceito de sustentabilidade, através da proposta de um olhar singular em relação à reutilização do PET. Muito além da possibilidade de propor soluções criativas para o reaproveitamento de resíduos não biodegradáveis ou oriundos de recursos naturais não renováveis, as intervenções de um designer com ideais sustentáveis podem também gerar a possibilidade de reorientar a demanda dos futuros produtos, bem como contribuir para a formação de um perfil de consumo consciente. Para tanto, com este estudo, pretende-se desenvolver sob os pilares do ecodesign, um conjunto de jóias contemporâneas composto por um colar e um par de brincos, que contenha dentre seus principais componentes resíduos de garrafas PET. Desta forma, objetiva-se valorizar e incentivar a cultura da reutilização de resíduos, bem como contribuir para

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II Conferência Internacional de Integração do Design, Engenharia e Gestão para a inovaçãoFlorianópolis, SC, Brasil, 21-23, Outubro, 2012

ECODESIGN DE JÓIAS A PARTIR DE RESÍDUOS DE GARRAFAS PET

GABRIELLA RIBEIRO DA SILVA E ARAUJO1, CAROLINA CARPINELLI CAETANO².1Desenhista Industrial com habilitação em projeto de produto pela Universidade Norte do Paraná e Pós-Graduanda em Gestão Estratégica do Design de Moda, Universidade Santa Cecília, [email protected] da Pós-Graduação em Gestão Estratégica do Design de Moda e Mestranda pelo Programa de Têxtil e Moda da Universidade de São Paulo, [email protected]

Resumo: Por meio de uma investigação acerca dos assuntos inerentes à crise ambiental, este estudo consiste na apresentação dos mesmos, bem como dos resultados do processo de concepção de jóias contendo dentre seus principais componentes garrafas PET pós-consumo. Através de referenciais plásticos de imagens que ilustram o atual panorama ambiental, foram extraídos traços visuais que subsidiaram a composição das peças. Desta forma objetiva-se divulgar o conceito de sustentabilidade, através de um olhar singular em relação à reutilização do PET.

Palavras-Chave: ecodesign, PET, jóias, sustentabilidade.

Abstract: Through an investigation about the issues related to the environmental crisis, this study consists in the presentation of the results of the process of jewelry design containing PET among its main components. Through plastic references of pictures that illustrate the present environmental outlook, visual features were extracted and subsidized the composition of the jewels. Therefore, the aim is to promote the concept of sustainability, through a unique view about the reuse of PET bottles.

Key-words: ecodesign, PET, jewelry, sustainability.

1. Introdução

Como medida em resposta aos cada vez mais evidentes pedidos de socorro que o planeta tem feito diante de

constantes práticas insustentáveis de extração e poluição de seus recursos naturais e ecossistemas, o presente trabalho visa sua contribuição para a mudança desta realidade, ao propor o desenvolvimento de jóias a partir da reutilização de resíduos de garrafas PET. Ainda que a redução dos impactos ambientais gerada pela reutilização desse resíduo em jóias seja pouco significativa, o objetivo deste trabalho é ultrapassar os limites físicos de um produto, e utilizar o caráter interdisciplinar do design, a fim de alcançar contribuições mais significativas, como por exemplo, a divulgação do conceito de sustentabilidade, através da proposta de um olhar singular em relação à reutilização do PET.

Muito além da possibilidade de propor soluções criativas para o reaproveitamento de resíduos não biodegradáveis ou oriundos de recursos naturais não renováveis, as intervenções de um designer com ideais sustentáveis podem também gerar a possibilidade de reorientar a demanda dos futuros produtos, bem como contribuir para a formação de um perfil de consumo consciente.

Para tanto, com este estudo, pretende-se desenvolver sob os pilares do ecodesign, um conjunto de jóias contemporâneas composto por um colar e um par de brincos, que contenha dentre seus principais componentes resíduos de garrafas PET. Desta forma, objetiva-se valorizar e incentivar a cultura da reutilização de resíduos, bem como contribuir para

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desmistificar a idéia de que produtos oriundos de matérias-primas reutilizadas não são duráveis, e invalidar preconceitos de que estes produtos são para o consumo popular ou possuem estética duvidosa.

A iniciativa de se aproveitar garrafas PET pós-consumo se deve ao fato de que, apesar de ser 100% reciclável, a indústria da reciclagem ainda não consegue atender à demanda do crescente consumo e descarte inadequado de embalagens desse material. Além disso, fatores como a crise ambiental, novas concepções de luxo e o próprio estilo de vida contemporâneo abriram espaço para um novo nicho no segmento de jóias: as jóias feitas com materiais alternativos. Estes adornos têm tido grande aceitação por parte de uma determinada classe de consumidores, que já não valorizam apenas a preciosidade e o valor monetário de seus materiais, mas também a coerência em que foram concebidos.

2. A questão ambiental

2.1. A crise ambiental como estímulo à criatividade

Estamos presenciando as consequências da intervenção humana e seu modelo linear de desenvolvimento econômico ao meio ambiente (LEONARD, 2010, KAZAZIAN, 2005, ZANIN; MANCINI, 2004). O aquecimento global que Gore (2006) descreveu até então, como “uma verdadeira emergência planetária”, é em sua opinião, um reflexo de uma constante exploração e degradação dos ecossistemas.

“Em todos os cantos do globo – na terra e nas águas, no gelo que se derrete e na neve que desaparece, durante as secas e as ondas de calor, no olho do furação e nas lágrimas dos refugiados – vemos provas crescentes e inegáveis de que os ciclos da natureza estão passando por profundas mudanças” (GORE, 2006, p.8).

Para Manzini e Vezzoli (2002) o papel do designer no processo de transição rumo à sustentabilidade, é o de vislumbrar soluções e propor oportunidades que possam tornar praticáveis sustentáveis estilos de vida.

Para Gore (2006), ainda que a responsabilidade de salvar o planeta seja uma questão de sobrevivência, há implícita nesta crise ambiental a oportunidade de

liberarmos a criatividade, a inovação e a inspiração, tão inatas do ser humano, quanto nossa vulnerabilidade, cobiça e mesquinharia.

“A crise climática também nos dá a chance de vivenciar algo que poucas gerações da História tiveram o privilégio de experimentar: um compromisso de uma geração; o entusiasmo de ter um propósito moral poderoso; uma causa comum unificadora; a emoção de ser forçado pelas circunstâncias a deixar de lado as mesquinharias e conflitos que tantas vezes sufocam a necessidade humana de transcendência: a oportunidade de nos elevarmos” (GORE, 2006, p.11).

De acordo com Kazazian (2005), se o desejo é o motor do desenvolvimento sustentável, a criatividade é seu combustível. É ela que dará o impulso ao empreendedor [ou designer] para imaginar produtos que possam tecer um novo vínculo entre o homem e a natureza.

Ao contrário do que muitos acreditam, mesmo sem muitas sofisticações tecnológicas, é possível conceber produtos considerados limpos, ou seja, de baixo impacto sócio-ambiental (MANZINI; VEZZOLI, 2002), sem que seja necessário esperar pela próxima revolução tecnológica limpa, em um hipotético futuro (KAZAZIAN, 2005).

Para Kazazian (2005), nenhuma sabedoria pode ser desprezada nesta “empreitada de imaginação e necessidade”, que tem como escopo a concepção de objetos de uso durável e com fim de vida assimilável por outros processos de vida, ou seja, produzir, sem destruir nosso habitat.

Sendo assim, as escolhas de um designer têm o poder de nortear ou não, os caminhos da transição rumo à sustentabilidade, uma vez que, dentre vários outros aspectos, a escolha dos materiais e processos intrínsecos às suas concepções geram impactos ambientais.

2.2. Propriedades e características

O polímero, obtido de hidrocarbonetos de origem fóssil, PET [Polietileno Tereftalato] é uma resina termoplástica, ou seja, quando submetida a altas temperaturas, permite ser moldado diversas vezes, por

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diferentes processos como extrusão, injeção, termoformagem e sopro. Dentre suas propriedades, destacam-se suas elevadas resistências mecânica, térmica e química (LIMA, 2006).

Variando de acordo com seu nível de cristalinidade, o PET pode ser encontrado do incolor ao opaco (LIMA, 2006), e permite o recebimento de pigmentos das mais variadas cores e tons (ABIPET, 2010).

Tais propriedades aliadas à facilidade de produção, leveza, reciclabilidade e baixo custo, possibilitaram seu massivo emprego na produção de embalagens, em substituição de matérias-primas como a folha de flandres, o vidro, multilaminados e até mesmo outros plásticos. Atualmente, o PET pode ser encontrado em embalagens para bebidas, óleos vegetais, produtos de limpeza, cosméticos, medicamentos, etc.

2.3. Um incômodo desperdício

Logo após cumprir suas funções de embalar, conter, conservar, transportar, proteger, promover, informar, dosar, identificar e vender diversos produtos, a grande maioria das embalagens torna-se subitamente um resíduo, que é um dos responsáveis pela poluição do nosso planeta (PELTIER; SAPORTA, 2009). Entende-se por resíduo ou lixo, todo material cujo valor de uso ou utilidade em sua conservação inexiste (PIVA; WIEBECK, 2004).

Tendo em vista a enorme quantidade de embalagens derivadas de recursos naturais e combustíveis fósseis que são descartadas indevidamente em cursos de rios, mares, terrenos baldios, aterros sanitários, lixões (ZANIN; MANCINI, 2004), e os benefícios que a reciclagem pode trazer ao planeta [redução da poluição e economia da utilização de recursos naturais] (GORE, 2006), a reutilização de resíduos como as garrafas PET para a confecção de jóias se revela uma alternativa pertinente, uma vez que essas matérias-primas são desperdiçadas sob a forma de lixo em abundância.

A opção pelo PET como matéria-prima constituinte de uma jóia, se deve ao fato de que a coleta seletiva e a reciclagem desse termoplástico derivado do petróleo são insuficientes à demanda do descarte. Apesar de ser 100% reciclável, de o Brasil ser o país melhor preparado para a reciclagem deste material, e de ter desenvolvido a maior variedade de aplicações para o PET reciclado, grandes quantidades de embalagens são descartadas como lixo em aterros sanitários e outros locais inapropriados (ABIPET, 2008).

Tamanho desperdício de recursos materiais e energéticos acaba prejudicando a decomposição de outros resíduos, ao impermeabilizar certas camadas de lixo, e impedir a circulação de gases que aceleram a biodegradação deste e de outros resíduos, além de contribuir para o assoreamento de cursos e coleções de água doce (ABIPET, 2010).

Não obstante, o PET não é biodegradável e, por ser muito leve, ocupar um volume consideravelmente alto, e apresentar baixo valor comercial (cerca de ¼ do valor do kg da sucata de alumínio) em relação às latas de alumínio, não é economicamente interessante aos catadores de lixo (RIBEIRO; MORELLI, 2009), o que justifica a presença de uma enorme quantidade do mesmo na paisagem natural e principalmente urbana.

De acordo com a 4º edição do Censo de Reciclagem de PET, realizado pela Associação Brasileira da Indústria do PET, das 432 mil toneladas de embalagens consumidas em 2008 no Brasil, apenas 58% foram recicladas.

3. O universo das jóias: A introdução de materiais alternativos à joalheria

Considerada uma das artes mais antigas, a joalheria marcou e ainda marca os acontecimentos da vida humana. Segundo Soares apud Castilho e Villaça (2006) afirma que as jóias são provas materiais que testemunham as estéticas de todos os tempos, e sua história compreende um dos mais importantes reservatórios da memória dos hábitos e estilos de vida dentre todos os objetos.

Foi-se o tempo em que somente as jóias constituídas por metais nobres e pedras preciosas eram consideradas artigos de luxo. Para Lipovetsky e Roux (2005), já não é mais a riqueza dos materiais que o constitui.

“O luxo não é o contrário da pobreza, mas sim da vulgaridade”, preconizou Mademoiselle Chanel, que na década de 20 revolucionou o guarda-roupa feminino e o sentido da joalheria. Desde a criação de suas jóias-fantasia, Chanel modificou o uso de ornamentos, ao introduzir materiais até então considerados pobres, como a baquelite, à joalheria, legitimando o uso de jóias feitas com materiais não-convencionais pelas mulheres da alta sociedade (KELLEY; SCHIFFER, 1996, CASTILHO; VILLAÇA, 2006).

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A mistura de contrastes como o caro e o barato, o luxo e o lixo, o tradicional e o popular, que caracterizam o termo em inglês high-low, se faz cada vez mais presente na joalheria contemporânea. Segundo as autoras Kathia Castilho e Nizia Villaça (2006) em sua obra O novo luxo, o efeito high-low na joalheria contribui com o conceito do novo luxo, ao confundir as avaliações desinformadas, subverter antigas proibições, quebrar paradigmas e atrair a mistura de materiais e processos exóticos ao universo das jóias.

“Hoje os conceitos e características do luxo, e consequentemente da joalheria, se ampliaram a tal ponto, que a fronteira entre a jóia e a bijuteria é muito tênue. Atualmente, outros materiais que antes eram pertencentes à classe da bijuteria, são acrescentados à joalheria, como a madeira, o plástico, o vidro, a resina, e até peças feitas com papel, borracha e micro-chip. Hoje, o que especifica uma jóia não é mais o conjunto de materiais intrínsecos, mas a capacidade criativa do seu autor, na concepção e resolução de uma idéia, enfatizando outros valores além do monetário” (FAGGIANI, 2006 apud VALENTE, 2008).

Não obstante, segundo Gola (2008), tornou-se desaconselhável exibir pedras preciosas, ao passo em que subiram as taxas de criminalidade, e o custo de se comprar, manter e assegurar jóias verdadeiras ficou proibitivamente alto.

4. O ecodesign e os fenômenos advindos do consumo ético

A idéia de que podemos viver bem, consumindo menos recursos, é completamente oposta ao modelo gerado pela sociedade industrial. De modo geral, conforto e bem-estar estão intimamente relacionados ao consumo exacerbado. Estas instantâneas sensações geradas pelo consumo muitas vezes são passageiras, enquanto as consequências do mesmo ao meio ambiente causam desconforto e mal-estar duradouros (BROWER; MALLORY; OHLMAN, 2009).

O termo ecodesign ou design sustentável caracteriza, em síntese, uma modalidade de design cujo enfoque projetual visa reduzir potenciais impactos ambientais

negativos durante todo o ciclo de vida1 de um produto com o intuito de ligar o que é tecnicamente possível, ao ecologicamente necessário, de modo a criar novas propostas que sejam social e culturalmente apreciáveis (MANZINI; VEZZOLI, 2002).

Para Papanek (1995) a atividade do designer deve ser ponte entre as necessidades humanas, cultura e ecologia, e o repertório de seus talentos e habilidades inclui, entre outras características, a sabedoria para antecipar consequências ambientais, ecológicas, econômicas e políticas de suas intervenções.

Para Lee (2009), apesar da eco-fashion ter deixado de ser apenas uma tendência de moda, e de ter se tornado um movimento, o trabalho de um designer com ideais sustentáveis é árduo, e envolve desafios e dificuldades para que o resultado final de um produto sustentável seja tão desejável quanto os produtos convencionais. “Trata-se de ser lindo por fora e verde por dentro” (SHEA, 2009, apud LEE, 2009).

Para tanto, faz-se necessário ter em mente o conceito de upcycling, que caracteriza a prática de se transformar algo que está no fim de sua vida útil, ou que iria ser descartado como lixo, em algo de melhor utilidade e maior valor, visando a redução do desperdício de energia e de matérias-primas virgens (SHOUP, 2008). Diferentemente dos processos físicos e químicos da reciclagem, “o material é usado tal qual ele é” (LOBO, 2010). “O objetivo é passar a idéia de que você não só pode reciclar, mas usar o material para fazer um produto superior” (EARLEY, 2003, apud LEE, 2009).

Desta forma, materiais potencialmente condenados a um descarte indevido, podem ser reintroduzidos no ciclo de vida de novos produtos (ZANIN; MANCINI, 2004).

Embora a crise ambiental e o desejo de mudança desta realidade sejam, de fato, aspectos que fomentam e legitimam a procura e o consumo de artigos de luxo eco-friendly, ou seja, de baixo impacto socioambiental, estes produtos muitas vezes são utilizados como meios

1 No enfoque projetual do ecodeisgn, o termo caracteriza a consideração das possíveis implicações ambientais ligadas desde as fases de pré-produção, produção, distribuição, uso, descarte, até sua reutilização ou reciclagem, ou seja, “do berço ao berço”(MALAGUTI, 2005)

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de expressão do lifestyle de seus usuários. “O que se vende e o que se compra agora é a estética de um estilo vinculado à atitude conscientizada” (CASTILHO; VILLAÇA, 2006).

Demetresco e Martins (2006 apud CASTILHO; VILLAÇA, 2006) afirmam que os seres humanos são como ‘vitrinas ambulantes’ que, ao exporem seus bens de consumo por meio da indumentária e acessórios, expõem a si próprios, revelando seus modos de ser e estar no mundo, suas crenças, saberes e valores que os constroem como atores sociais integrantes de determinadas castas sociais.

Como ressalta Faggiani (2006), os bens de prestígio são repletos de poder e valores simbólicos, cujos significados sobrepujam suas funções de uso e valores mercadológicos. Tal simbolismo inerente aos objetos é o que caracteriza sua capacidade de transportar e comunicar significados culturais. Por meio do uso ou ostentação destes objetos, o consumidor utiliza [ainda que de forma inconsciente] seus significados culturais na construção e expressão de sua personalidade, com o intuito de identificar-se socialmente.

Nesse contexto, o luxo contemporâneo deixa de ter como objeto o produto em si, e desloca-se para o subjetivo universo do consumidor, repleto de sentimentos, necessidades e valores que dizem respeito inclusive à responsabilidade sócio-ambiental (VALENTE, 2008).

Cada produto tem o potencial de carregar consigo a história de sua concepção, ou seja, seus materiais, forma e estrutura têm o poder de comunicar e construir referências simbólicas, conceber uma jóia sob os pilares do ecodesign, pode não só resultar em um produto mais ‘leve’, como também pode ser uma forma de representar todo o conceito que há por trás da mesma (MALAGUTI, 2005).

Diante desses aspectos, o que realmente pode contribuir em termos de sustentabilidade, é o caráter simbólico da jóia em PET, ou seja, o potencial de expressar a preocupação de seu usuário em relação ao meio-ambiente.

5. Proposta de produto

5.1. Conceituação

Com base nas informações obtidas no levantamento bibliográfico acerca dos assuntos relatados até aqui, e nos elementos textuais transcritos abaixo, foi possível construir um painel semântico [conforme a figura 1] que pudesse servir de referencial imagético para a geração das jóias propostas neste estudo.

“Em todos os cantos do globo – na terra e nas águas, no gelo que se derrete e na neve que desaparece, durante as secas e as ondas de calor, no olho do furação e nas lágrimas dos refugiados – vemos provas crescentes e inegáveis de que os ciclos da natureza estão passando por profundas mudanças” (GORE, 2006, p.8).

“Os sóis dão voltas, os planetas dão voltas, os ciclones dão voltas, os rodamoinhos dão voltas, a vida, em seus ciclos homeostáticos, ciclos de reprodução, ciclos ecológicos do dia, da noite, das estações, do oxigênio, do carbono... O homem acredita ter inventado a roda, e, no entanto, nasceu de todas essas rodas” (MORIN, 1977, apud KAZAZIAN, 2005, p.50).

Figura 1: Painel semântico elaborado a partir de pesquisa acerca da crise ambiental. Fonte: Própria.

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Dado o exposto, foi possível fazer as analogias conceituais dispostas no quadro de associações, de acordo com a figura 2:

Figura 2: Quadro de analogias e associações geradas. Fonte: Própria.

6. Resultados obtidos

Tendo como objeto de inspiração a própria crise ambiental, as jóias em questão foram concebidas a partir das idéias geradas das analogias e associações que constam no quadro de associações [conforme a figura 2].

Os fragmentos de PET, com sua superfície brilhante e seu interior escovado, representam o derretimento das calotas polares, em detrimento do aquecimento global. Já os módulos de latão banhado a ouro 18K, que emolduram os fragmentos de PET simbolizam as causas e consequências de tais transformações climáticas.

Sob a sutil transparência do PET, os desenhos estampados na chapa de latão são como retratos do que há por trás de tanta degradação: as alterações nos

ciclos da natureza; a escassez de água doce e suas consequentes secas; o próprio degelo das calotas polares, e, no extremo oposto, o símbolo do upcycling, que representa as oportunidades implícitas nesta crise.

Figura 2: Resultado final das peças: modelo visto de frente, verso do colar, e abaixo, modelos utilizando as jóias. Fonte: Própria.

7. Considerações finais

Mais importante do que conceber mais uma jóia a partir de materiais reutilizados, é mostrar que este tipo de adorno pode ser tão agradável, atrativo e aceitável aos olhos do consumidor, quanto as jóias comuns. O que determina se os aspectos higiênicos e a durabilidade do produto serão perceptíveis, não são os materiais e processos utilizados, mas sim a preocupação do profissional de design na inclusão destes, dentre os demais requisitos de projeto.

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Ao vestir um acessório upcycled ou eco-friendly, o usuário expressa sua preocupação em relação às questões ambientais, e pode inclusive sensibilizar e inspirar outras pessoas a consumir de maneira sustentável, à medida que os resultados em termos de design sejam culturalmente apreciáveis.

A reutilização do PET em jóias ainda é um vasto campo a ser explorado pelo ecodesign. Embora haja um crescente número de consumidores cientes e engajados com as causas ambientais, o mercado ainda não está apto a atender a demanda e aos padrões estéticos dos consumidores de artigos de luxo eco-friendly.

Esta é apenas uma pequena amostra diante das inúmeras possibilidades que a aplicação do design voltado para a sustentabilidade pode resultar. Essas alternativas, por sua vez, ainda podem evoluir muito, seja em termos de variação de cores, formas ou em opções de composição.

Diante desses resultados, é possível vislumbrar a oportunidade de beneficiar o meio ambiente, através da oferta de produtos deste gênero, que por sua vez pode paulatinamente contribuir para a reorientação da demanda dos futuros artigos de luxo concebidos para a sustentabilidade.

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