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1 Professor Livio William Reis de Carvalho 1. Introdução Sabemos que historicamente as sociedades, os países, se engajam no comércio entre si, vendendo e comprando uma infinidade de itens. Sabemos também que é um comércio que difere do comércio interno (realizado dentro de cada país) por várias razões: para realizar este comércio, em boa parte das vezes, tem-se que vencer distâncias muito maiores que aquelas do comércio interno, significando maior custo de transporte; principalmente, tem-se que levar em conta que os países têm moedas diferentes (vamos nos abstrair da experiência da zona do euro). Se uma empresa brasileira quer comprar (importar) um bem nos Estados Unidos (uma exportação dos Estados Unidos) ela tem que adquirir dólares. De outra parte, se uma empresa dos Estados Unidos quer adquirir um produto no Brasil (uma importação dos Estados Unidos e uma exportação brasileira) ela vai pagar em dólares, que serão convertidos em reais pela empresa brasileira. Isto tudo sem falar nos contextos institucional e legal diferenciados entre países, o que pode ter implicações para o comércio entre eles. Intuitivamente, é possível dizer que deve haver fortes razões para existir o comércio entre os países, já que tantos países se engajam nesta atividade e alguns já chegaram a travar guerras por causa de interesses comerciais. Este texto procura dar indicações no sentido de responder a perguntas do tipo: por que dois países comercializam? Que produtos devem comercializar? Vamos começar por uma teoria já conhecida de todos nós, que foi apresentada, na Unidade 1 de nosso curso. 2. Teoria das Vantagens Comparativas Vimos que quando uma pessoa (firma, país) produz algo (bem ou serviço) melhor, mais eficientemente, com maior produtividade do que outra pessoa (firma, país), dizemos que a primeira pessoa (firma, país) tem vantagem absoluta na produção deste bem ou serviço em TEORIAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL

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Page 1: 6ª UNIDADE Texto 23 - Teorias do Comércio Internacional.pdf

1

Professor Livio William Reis de Carvalho

1. Introdução

Sabemos que historicamente as sociedades, os países, se engajam no comércio entre si,

vendendo e comprando uma infinidade de itens. Sabemos também que é um comércio que difere

do comércio interno (realizado dentro de cada país) por várias razões: para realizar este comércio,

em boa parte das vezes, tem-se que vencer distâncias muito maiores que aquelas do comércio

interno, significando maior custo de transporte; principalmente, tem-se que levar em conta que os

países têm moedas diferentes (vamos nos abstrair da experiência da zona do euro). Se uma

empresa brasileira quer comprar (importar) um bem nos Estados Unidos (uma exportação dos

Estados Unidos) ela tem que adquirir dólares. De outra parte, se uma empresa dos Estados Unidos

quer adquirir um produto no Brasil (uma importação dos Estados Unidos e uma exportação

brasileira) ela vai pagar em dólares, que serão convertidos em reais pela empresa brasileira. Isto

tudo sem falar nos contextos institucional e legal diferenciados entre países, o que pode ter

implicações para o comércio entre eles.

Intuitivamente, é possível dizer que deve haver fortes razões para existir o comércio entre

os países, já que tantos países se engajam nesta atividade e alguns já chegaram a travar guerras

por causa de interesses comerciais.

Este texto procura dar indicações no sentido de responder a perguntas do tipo: por que

dois países comercializam? Que produtos devem comercializar? Vamos começar por uma teoria já

conhecida de todos nós, que foi apresentada, na Unidade 1 de nosso curso.

2. Teoria das Vantagens Comparativas

Vimos que quando uma pessoa (firma, país) produz algo (bem ou serviço) melhor, mais

eficientemente, com maior produtividade do que outra pessoa (firma, país), dizemos que a

primeira pessoa (firma, país) tem vantagem absoluta na produção deste bem ou serviço em

TEORIAS DO COMÉRCIO

INTERNACIONAL

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relação à segunda pessoa (firma, país). Exemplo: se numa jornada de 8 horas (em condições

idênticas de trabalho, especificações de material, ferramentas etc.) Pedro produz 20 kg de cereais,

enquanto José produz apenas 15 kg, dizemos que Pedro tem uma vantagem absoluta sobre José

no desenvolvimento desta atividade.

Vamos supor agora que Pedro e José são dois donos de sítios que produzem carne e

cereais. Vamos supor também que Pedro tenha vantagem absoluta bem marcante na produção de

carne e José tenha essa mesma vantagem absoluta marcante na produção de cereais. Com o

passar do tempo, provavelmente eles chegariam à conclusão que seria melhor Pedro se

especializar na produção de carne e José na produção de cereais e cada um com a venda de seus

produtos que excedesse o consumo de suas respectivas famílias, comprar outros bens.

Examinaremos, agora, o que aconteceria se Pedro tivesse vantagem absoluta na produção

de ambos os bens, com um exemplo bem simples, mostrado na Tabela abaixo, que apresenta a

produção de carne e cereais por Pedro e José numa jornada de 8 horas de trabalho (4 horas para

cada produto):

Produção Carne Cereais Produção por Hora

Produtor Carne Cereais

Pedro 24 48 6 12

José 8 32 2 8

As curvas de possibilidade de produção são mostradas abaixo (em gráficos com escalas diferentes):

Vê-se que trabalhando 4 horas na produção de cada um dos bens Pedro produziria 24 kg de carne e

48 kg de cereais, enquanto José produz 8 kg de carne e 32 kg de cereais.

Pedro

Carne

cereais

Carne

José 16

64

48

96 48

24 8

32

cereais

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Ressalte-se que Pedro tem vantagem absoluta na produção dos dois bens. Será que numa

situação como esta teria alguma vantagem para Pedro especializar-se em algum

produto e propor uma parceria com José? Ou, já que ele é mais eficiente, não seria melhor para

ele continuar produzindo os dois bens e José que fosse tratar de sua vida? Examinemos os

números para responder a estas perguntas.

Para tanto, vamos utilizar um conceito já visto na Unidade 1: o conceito de custo de

oportunidade. Para Pedro, cada hora adicional que ele dedicar à produção de cereais ele deixa de

produzir 6 kg de carne e pode produzir 12 kg de cereais. Ou seja, a relação é de 1 kg de carne para

2 kg de cereais. Diz-se, então, que para Pedro o custo de oportunidade (CO) de 1 unidade de carne

em termos de cereais é 2 ou, se invertermos a direção do cálculo, diz-se que para Pedro o CO de 1

unidade de cereais em termos de carne é 1/2. Agora vamos examinar a questão do ponto de vista

de José. Vemos que para José o CO de 1 unidade de carne em termos de cereais é 4, ou o CO de 1

unidade de cereais em termos de carne é 1/4, como mostrado na Tabela abaixo:

CO Carne /Cereal CO Cereais / Carne

Pedro 2 1/2

José 4 1/4

Vê-se que Pedro tem custo de oportunidade menor que o de José em carne, mas José tem

menor CO do que Pedro em cereais. Dito de outra forma: Pedro tem vantagem comparativa na

produção de carne, e José vantagem comparativa na produção de cereais.

Nesse caso, se José der (por exemplo) 3 kg de cereais para Pedro em troca de 1 kg de

carne, os dois melhoram de situação. Sem a troca, José, para obter 1 kg de carne, teria que deixar

de produzir 4 kg de cereais (pois essa é sua relação interna de transformação, seu CO). Ou seja,

teria um custo maior. Pedro, por sua vez, para obter 3 kg de cereais, sem a troca, teria que abrir

mão de 1,5 kg de carne (pois seu CO de 1 kg de cereais é 0,5 kg de carne). Ele também teria um

custo maior, sem a troca. Vê-se, então, que ambos claramente ganham com a troca de

mercadorias entre eles. É fácil ver que a condição para que ambos tenham ganhos é que a relação

de troca se situe entre as relações internas de transformação de Pedro e de José.

Quais as lições que podemos extrair deste exercício? A primeira é que a especialização na

produção pode ser vantajosa para as duas partes, cada uma se especializando no bem que produz

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com menor custo relativo (custo de oportunidade). A segunda é que, embora Pedro tenha

vantagem absoluta em ambos os bens, há proveito na especialização e na troca porque Pedro tem

vantagem comparativa na produção de carne e José na produção de cereais. Ou seja, o que conta

são os custos relativos de cada um deles na produção de um bem em relação ao outro. José é

menos eficiente do que Pedro na produção dos dois bens em termos absolutos, mas é mais

eficiente na produção de cereais do que de carne, e isto abre espaço para haja comércio entre ele

e Pedro, com ganhos para ambos.

Podemos visualizar esses ganhos considerando as possibilidades de consumo antes e

depois do comércio. Sem troca, a Curva de Possibilidades de Consumo (CPC) necessariamente

coincide com a Curva de Possibilidades de Produção (CPP). Suponhamos que inicialmente Pedro

consumisse 38 de carne e 20 de cereais, e José 8 de carne e 32 de cereais (cada um em ponto de

sua CPC≡CPP. Especializando-se inteiramente na produção de carne, Pedro poderia trocar com

José 10 kg de carne por 30 kg de cereais. Seu consumo saltaria então para 38 kg de carne (como

antes) e 30 kg de cereais (em lugar de 20 kg): o ponto B, que antes do comércio seria inatingível.

Esse ponto pertence a uma nova CPC de Pedro, exterior à sua CPP. Por sua vez José,

especializando-se inteiramente na produção de cereais, ficaria, após a troca, com 34 kg de cereais

(64 produzidos menos 30 dados em troca) e 10 kg de carne. Consumiria agora mais de ambos os

bens do que antes. O ponto B de sua nova CPC estaria igualmente fora de seu alcance, antes do

comércio. Ver os gráficos abaixo. Podemos concluir que o bem-estar dos dois, medido pela

quantidade de bens que consomem, é maior após a especialização e a troca do que antes.

No exemplo numérico que acabamos de ver, se substituíssemos “Pedro” e “José” por

“Indústria de Carne” e “Indústria de Cereais”, ou por “País A” e “País B”, as conclusões

permaneceriam válidas.

Pedro José

cereais

carne carne

cereais

48 16

24

8

96

64

48 32

38

30

B

34

B

20

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Esse exemplo ilustra a chamada Teoria de Vantagens Comparativas, elemento central da

análise do comércio internacional, desde que foi proposta, no início do século XIX, por David

Ricardo, economista inglês descendente de judeus portugueses.

No Anexo 1 – Uma Formalização da Teoria das Vantagens Comparativas, generaliza-se o

exemplo numérico utilizado para o caso de dois produtos e dois países, explicitando-se melhor

algumas hipóteses implicitamente utilizadas, tal como o uso de um só fator de produção, o fator

trabalho.

3. Outras Teorias para Explicação do Comércio Internacional

Por que existem vantagens comparativas? Porque diferentes países têm custos diferentes

de produção, para um mesmo produto. E por que há diferenças de custo? No caso das correntes

de comércio típicas do século XIX, ou períodos anteriores, grande parte da explicação residia em

vantagens naturais ou históricas: países como o Brasil produziam café ou açúcar a custos

menores, e exportavam esses produtos, porque tinham terra e clima favoráveis para isso,

enquanto os países que tinham tido acesso aos enormes ganhos de produtividade trazidos pela

Revolução Industrial exportavam artigos industrializados.

A teoria das vantagens comparativas não leva em conta a dotação diferenciada de fatores

entre os países, que pode ser uma das explicações para os fluxos de comércio. Nem tampouco

considera a existência de ganhos de escala — ou seja, aumentos de produtividade associados ao

aumento na escala de produção —, seja para o conjunto de um setor, de uma indústria, ou para

uma empresa isolada.

Para entender as correntes de comércio contemporâneas, economistas têm sugerido

outras explicações para diferenças de custo de produção entre países. Vamos começar por uma

teoria que abandona a hipótese simplificadora da existência de um só fator de produção, o fator

trabalho.

3.1 – A Teoria da Dotação de Fatores

Esta teoria é conhecida como teoria neoclássica ou de Hecksher-Ohlin-Samuelson (os

economistas que a desenvolveram). No centro da explicação para a existência do comércio

internacional está a diferença na dotação dos fatores de produção capital e trabalho entre os

países, e diferenças na utilização desses fatores entre setores da economia.

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São consideradas as seguintes hipóteses para montagem da teoria: existem dois fatores de

produção – capital e trabalho; os países possuem dotação de fatores diferentes; existem produtos

que usam intensivamente mão-de-obra (ou seja, usam grande quantidade de mão-de-obra em

relação ao capital investido) e produtos que usam intensivamente o fator capital (o oposto); há

concorrência perfeita em todos os setores e conhecimento tecnológico disseminado entre os

países.

Suponhamos, então, um mundo com dois países (A e B) e dois produtos (alimentos e

máquinas/equipamentos). Do conjunto de hipóteses acima se deduz que as curvas de

possibilidade de produção desses países são diferenciadas, como mostrado no gráfico abaixo:

Por possuir uma dotação maior de mão-de-obra o País A tem condições mais favoráveis de

produzir alimentos, um “bem” cuja produção em geral usa mão-de-obra intensivamente. Ao

contrário do País B, que por ser bem dotado do fator capital, tem melhores condições de produzir

máquinas, um “bem” cuja produção em geral exige a utilização intensiva do fator capital. Nestas

condições, o País A tenderá a exportar alimentos e o País B a exportar máquinas.

Como já visto anteriormente, os custos de oportunidade (dados pelas inclinações de suas

respectivas CPPs) dos dois países são bem diferenciados. Para o País A, o custo de oportunidade

de máquinas em termos de alimentos é elevado e para o País B, o oposto: o custo de

oportunidade de alimentos em termos de máquinas é elevado. Há, portanto, oportunidades de

comércio, com ganhos para os dois lados.

Máquinas

Alimentos

CPP do país B

CPP do país A

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Então, a explicação para a diferença de custos de oportunidade entre países e, portanto,

para a possibilidade de comércio internacional, com ganhos recíprocos, baseia-se na diferença de

dotação de fatores entre países. Os países com abundância relativa de mão-de-obra tenderiam a

exportar produtos que usam intensivamente este fator na sua produção, enquanto os países com

relativa abundância de capital tenderiam a exportar produtos que na sua fabricação utilizam

intensivamente o fator capital.

Essa explicação foi incorporada à teoria do comércio internacional a partir da primeira

metade do século XX, como uma extensão da teoria de vantagens comparativas de Ricardo. Com

essa configuração, constitui uma base satisfatória para análise de vários casos de fluxo de

comércio entre países, principalmente no que tange àqueles produtos baseados na

disponibilidade física de fatores. Contudo, algumas características importantes do comércio

internacional da atualidade ficam a descoberto.

3.2 – Considerações Sobre as Limitações da Teoria de Vantagens Comparativas

Um ponto a ressaltar na teoria de vantagens comparativas é que essa conceituação conduz

à conclusão de que cada país tenderá a se especializar na produção de bens em que tenha

vantagem comparativa, e importar os demais. Na vida real, no entanto, há várias circunstâncias

que levam um país a produzir um bem para consumo interno apesar de não possuir vantagem

comparativa na sua produção.

Há várias razões para que a especialização não se dê de forma tão extremada no mundo

real:

i) A simplificação de supor apenas dois fatores de produção, capital e trabalho,

e um conhecimento de técnicas de produção uniforme entre países não é

adequada em muitos casos. Máquinas e equipamentos na maioria das vezes

embutem um nível de conhecimento tecnológico que pode diferenciar-se

significativamente entre países; de certa forma, o conhecimento tecnológico,

ou a capacidade de gerá-lo, pode ser considerado um fator de produção em

separado. Também os recursos naturais não são, como é evidente,

distribuídos igualmente entre os países, o que pode ser importante para a

produção de certos bens, e para as trocas internacionais destes;

ii) Os registros históricos demonstram que os países costumam proteger a sua

produção interna, seja na agricultura, na indústria ou nos serviços, por razões

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independentes das vantagens comparativas (para proteger o nível de

emprego nessas atividades, por exemplo). Este fato introduz um elemento

que interfere diretamente nos fluxos de comércio e nos resultados potenciais

em contraste com um mundo onde não existissem essas interferências;

iii) O mundo não é pontual. Os países são distantes uns dos outros e, portanto,

os custos de transportes não são nulos. Em alguns casos, como o de bens com

uma baixa relação custo do produto/peso, o custo de transporte pode

inviabilizar a comercialização entre países. No setor serviços há exemplos

óbvios em que a comercialização se torna difícil ou impossível. Como se vai

comercializar um conserto de automóvel ou o serviço de babá ou de uma

manicure? Esses constituem os chamados bens não-comercializáveis, onde

grande parcela da renda dos países é gasta.

iv) Países têm tamanhos diferentes. Mesmo num modelo simples de dois

produtos e dois países, um deles bem maior do que o outro, é fácil ver que,

dependendo das preferências de consumo no país grande, pode não ser

possível ao país menor, mesmo especializando-se inteiramente no produto

em que tem vantagem comparativa, fornecer toda a quantidade necessária à

satisfação da demanda por este produto no país maior.

De qualquer forma, a teoria das vantagens comparativas é, de forma geral, uma

ferramenta útil para explicar as razões para o comércio entre países, assim como para mostrar os

efeitos desse comércio no bem-estar dos países. Embora ela não seja inteiramente adequada para

descrever as causas e efeitos de todas as formas de comércio entre países, a evidência empírica

corrobora seus principais ditames: a importância da produtividade e a prevalência das vantagens

comparativas (e não das vantagens absolutas) na explicação do comércio.

Contudo, além dos pontos ressaltados acima, há algumas características importantes do

comércio internacional, na atualidade, que não são bem descritas pela teoria de vantagens

comparativas. Uma delas é o comércio intra-indústria: uma mesma indústria tanto exportando

como exportando seus produtos, uma situação comum hoje em dia. Naquela teoria se supõe que

um país tenha vantagem em certa indústria (vantagem esta expressa por menores custos de

oportunidade): o comércio se daria inter-indústrias e não dentro de uma mesma indústria. Outro

aspecto é o pressuposto de concorrência perfeita na produção, que pode não ser adequada em

muitas situações. Novas conceituações foram propostas para explicar tais situações.

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3.3 – Teoria do Ciclo de Vida do Produto

Esta teoria se deve ao economista Raymond Vernon. Ela relaxa duas hipóteses restritivas

acima mencionadas, ou seja, as hipóteses da concorrência perfeita e da livre disponibilidade do

conhecimento tecnológico.

Na explicação sobre as razões do comércio jogam papel importante o progresso

tecnológico e o poder de monopólio transitório adquirido pelas empresas dos países mais

desenvolvidos, que continuamente lançam no mercado novos produtos incorporando alto

conhecimento tecnológico. E por que nos países mais desenvolvidos? Porque estes países

possuem mão-de-obra altamente qualificada, empresas que regularmente desenvolvem pesquisas

e, além disso, têm renda elevada e, consequentemente, uma estrutura de demanda diversificada.

Numa fase inicial, as empresas inovadoras gozam de poder de monopólio com relação aos

novos produtos que lançam no mercado. Com o passar do tempo, esse poder vai-se diluindo em

decorrência de um processo de imitação desses produtos por parte de outras empresas, inclusive

empresas de outros países. À medida que os novos produtos vão-se padronizando, sua produção

pode passar a ser feita em países menos desenvolvidos, que podem mesmo se tornar

exportadores de tais produtos.

Algumas características atuais do comércio internacional seriam explicadas, então, pelas

diversas fases da vida de um produto: na fase inicial (de desenvolvimento e introdução no

mercado) as vantagens comparativas seriam dos países inovadores (os mais desenvolvidos); nas

fases posteriores (de maturação e pós-maturação do produto), a vantagem estaria com os países

em desenvolvimento, onde o custo de mão-de-obra é menor (enquanto a tecnologia de produção

já estaria difundida, imitada, copiada, etc.).

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Como ilustrado na figura acima, a abordagem de Vernon relaciona as exportações

no país inovador, País A, às importações do país em desenvolvimento, País B, nas fases de

introdução do produto no mercado e de maturação. Nesta fase tem início a produção no

País B, mas ainda não suficiente para atender totalmente o mercado interno. Na fase pós-

maturação o País B produz o suficiente para atender o mercado interno e para exportar

para outros países, inclusive o próprio país inovador. Esta última fase pode estar

relacionada ao processo de substituição de importações e/ou a investimentos externos.

3.4– Teorias com a Presença de Economias de Escala

3.4.1- Concorrência Monopolística e Comércio Intra-Indústria

O modelo de concorrência monopolística considera as seguintes características dos

mercados:

Existência de economias de escala internas a cada empresa;

Os produtos são ligeiramente diferenciados;

A entrada no setor é livre.

País A Inovador

País B, C,... N Emergentes

Produção Interna

Exportações

Procura Interna

Importações

Importações

Produção Interna

Exportações

Introdução no mercado Maturação Pós-maturação

Ciclo de vida dos produtos

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Com a diferenciação dos produtos, apesar da presença de economias de escala, nenhuma

empresa tem condições de produzir sozinha toda a gama de produtos diferenciados do setor.

Nessas condições, há um forte incentivo para o comércio intra-indústria, ou seja, um país

exportando um produto X, digamos automóveis, e importando outra variedade do mesmo bem.

que é uma característica marcante dos fluxos de comércio na atualidade. Esta foi uma tendência

que se intensificou a partir do último terço do século passado.

Essa característica do comércio, no mundo atual, concentra-se fortemente nas trocas entre

países ricos, que têm uma estrutura produtiva e níveis de renda per capita parecidos. O

economista sueco B. Linder foi quem primeiro chamou a atenção para esse aspecto — exportação

e importação do mesmo tipo de bem —, explicando-o, fundamentalmente, pela semelhança nos

níveis de renda per capita (e, portanto nos padrões de demanda) e nas estruturas produtivas,

onde marcam presença importante empresas que concorrem entre si num regime de concorrência

monopolística.

Concorrência imperfeita, economias de escala e ausência de disseminação tecnológica são,

assim, elementos da realidade do mundo atual que novas teorias explicativas dos fluxos de

comércio procuram incorporar.

Uma característica importante da concorrência monopolística, como vimos antes, é

exatamente a diferenciação dos produtos e a presença de economias de escala, fatores que

corroboram a observação de Linder quanto à pujança do comércio Norte-Norte, baseado nas

trocas intra-indústria. Com a ocorrência de muitas empresas produzindo o mesmo tipo de

produto, mas com diferenciações, nenhuma empresa tem capacidade de produzir sozinha todas as

variedades demandadas (levando em conta as economias de escala). Essa particularidade favorece

o comércio, já que as empresas passam a dispor de um mercado mais amplo, e favorece também

aos consumidores, já que a maior concorrência entre empresas (e entre variedades do mesmo

produto) abre caminho para reduções de preços. E oferece também um leque mais amplo de

produtos para escolha do consumidor, aumentando portanto o seu bem-estar.

Há vantagens para os países? Sim, porque aumenta o volume de comércio entre eles.

O gráfico abaixo ilustra uma situação de queda de preços com o aumento da escala:

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Antes do comércio, a típica empresa encontra-se no ponto 1 (q1,p1), onde vende q1 ao

preço p1. Com a abertura das economias e a entrada de novos produtos no mercado, a empresa

pode aumentar a sua escala e vender mais a preços menores, passando para o ponto 2 (q2,p2) seu

equilíbrio de longo prazo, vendendo q2 ao preço p2, trabalhando, como antes, sem lucros

extraordinários, em razão da livre entrada de concorrentes.

Numa situação de oligopólio valem as mesmas considerações acima, com a diferença que

é pequeno o número de empresas e pode existir a presença de lucros extraordinários, já que não

existe livre entrada no setor.

3.4.2 – Comércio Intra-Empresas e Expansão do Comércio

Algumas breves considerações sobre comércio intra-empresas, que é também uma

característica do comércio atual e favorece substancialmente a expansão do comércio mundial.

Com a expansão das empresas multinacionais no mundo, aumenta também a importância

do comércio intra-empresas. Quando essa expansão se avoluma com o processo de globalização,

um produto final fabricado no país A é, às vezes, o resultado da junção de componentes

produzidos pela mesma empresa em vários outros países. Noutras situações, uma empresa produz

o produto X no país A e o exporta para os outros países; produz o produto Y no país B e o exporta

para os outros países; produz Z no país C e o exporta para os outros países, e assim por diante.

Custo médio

Preço e Custo médio

Quantidade

1

2

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13

Durante o processo de expansão das multinacionais para os países em desenvolvimento,

foi comum exigir dessas empresas o cumprimento de metas de nacionalização do produto, ou

seja, que a empresa tivesse um grau crescente de produção interna no país (como se fez na

implantação da indústria automobilística no Brasil). Ou exigir metas de exportação. As duas

situações podem criar oportunidades para expansão do comércio internacional (embora a

primeira possa significar maiores custos de produção, ao menos temporariamente).

3.4.3 – Economias de Aglomeração e Comércio Internacional

Vamos denominar de economias de aglomeração as economias de escala que ocorrem no

setor, na indústria como um todo, para diferenciá-las das economias de escala que ocorrem

internamente, dentro das empresas. Apesar de essas economias ocorrerem para o conjunto do

setor, isto não significa que as empresas individualmente delas não se beneficiem.

Por que será que quase todas as empresas de informática nos Estados Unidos estão

localizadas, ou pelo menos têm escritório, no Vale do Silício, na Califórnia? Por que a indústria

automobilística no Brasil (pelo menos até pouco tempo atrás) se localizava em São Paulo? A

indústria de calçados principalmente em Franca (SP) e Novo Hamburgo (RS) (até que começassem

a migrar para o Nordeste, há poucos anos)? E aqui em Brasília, no Plano Piloto, por que

vendedores de material elétrico se concentram na 309/310 Sul, e lojas de produtos para noivas na

304/305 Norte?

A resposta a essas perguntas é uma só: as vantagens que essas empresas obtêm por

estarem juntas (próximas), as economias externas oriundas da aglomeração geográfica. É

interessante observar que muitas vezes as razões para iniciar-se um conglomerado num certo

local têm muito mais a ver com o acaso ou a história do que com motivos puramente econômicos.

Mas, uma vez estabelecido o conglomerado, prevalecem as razões econômicas e ele tende a ser

auto-sustentado e a se reforçar a cada nova empresa que a ele se junta.

Paul Krugman mostra vários exemplos desses casos (Krugman, P. Geography and Trade,

MIT Press, 1991): ”... a maioria das análises econômicas permanece dominada por um estilo de

modelo que eu trato de TTFE: a ideia que o comportamento da economia é basicamente

determinado por suas preferências (T, de "Tastes"), tecnologia (T, de "Technology") e dotação de

fatores (FE, de "Factor Endowments") — todos dados exogenamente. Em contraposição, temos a

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ideia de que aspectos importantes de uma economia são contingentes, determinados pela história

e até por acidente". 1

Quem primeiro abordou este assunto foi o economista inglês Alfred Marshall, no início do

século passado. Segundo ele, existem três razões para um conglomerado de empresas (cluster) ser

mais eficiente que uma empresa isolada:

i) A capacidade de um conglomerado justificar economicamente a presença de

fornecedores altamente especializados.

Um conglomerado, ao reunir várias empresas, tem escala suficiente para sustentar

fornecedores especializados. A empresa individual não teria essa capacidade, mas ela

se beneficia destas economias porque se liberta da obrigação de ela mesma ter que

produzir internamente o que lhe é fornecido por terceiros especializados. O conjunto

dos fornecedores especializados, por sua vez, fortalece a concentração e cada nova

empresa que surge no setor e na região fortalece o conglomerado. Nessas

circunstâncias, uma empresa do setor que se estabeleça em outro país, ou mesmo

outra região do mesmo país, não pode contar com estes benefícios e já começa em

desvantagem.

ii) A capacidade de um conglomerado justificar o aparecimento de um mercado

comum de trabalho.

Na mesma linha do raciocínio anterior, o conjunto das empresas de um conglomerado

tem condições de criar um amplo mercado para mão-de-obra com elevada

especialização. Se as empresas estiverem espalhadas territorialmente não se cria este

mercado comum que beneficia tanto as empresas, que diminuem seus custos de

recrutamento, quanto os trabalhadores especializados, que têm maiores facilidades

para encontrar emprego. Uma empresa de fora do conglomerado, ou de outro país,

não tem estes benefícios, que se refletem positivamente em seus custos e em sua

produtividade. Por exemplo: existem, na Suíça, várias instituições voltadas à formação

de mão-de-obra especializada nos delicados mecanismos dos relógios de precisão, ou

de luxo, produzidos tipicamente nesse país.

1 Tradução livre. Trecho original:”... most economic analysis remain dominated by a style of model that I like to think

of as TTFE: the idea that the economy’s behavior is basically determined by its (exogenously given) tastes, technology and factor endowments. In opposition we have the idea that important aspects of an economy are contingent, determined by history and accident.” (Krugman, loc. cit., p.102)

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iii) A capacidade de um conglomerado facilitar os vazamentos de conhecimento.

No mundo moderno, o conhecimento técnico é um fator tão importante quanto, ou até

mais, que outros fatores de produção, principalmente nas indústrias mais inovadoras.

Esse conhecimento técnico pode ser adquirido através de pesquisas, por meio de

concorrentes e, ainda, de maneira informal, pela troca de informações entre técnicos

especializados. Esta última forma pode acontecer com maior facilidade no seio de um

conglomerado, onde a concentração das empresas numa mesma área permite o

convívio que favorece uma troca de informações. Uma empresa de fora desse

conglomerado não desfruta de tal benefício.

As considerações acima sobre as economias de aglomeração levam à conclusão de que

numa indústria com essas características seguramente haverá retornos crescentes de escala, o

que significa que quanto maior a indústria, menores seus custos. Quanto maior a indústria, menor

o preço que as empresas poderão cobrar.

Vamos examinar agora as conseqüências das economias de aglomeração para o comércio

internacional.

Uma primeira conseqüência é que se um país se torna grande produtor de algum bem, em

razão de economias externas de aglomeração, ele certamente terá custos relativamente baixos e

tenderá a permanecer como grande produtor e exportador, ainda que apareçam novos

produtores. A explicação para isto é que os custos associados à ausência de escala nas fases

iniciais da produção, e ainda os custos de entrada no mercado do país novato no setor impedem

que este país produza a preços competitivos.

Os custos de entrada no mercado envolvem ainda outro fator: uma vez firmada a tradição

de certo conjunto de produtores, estes podem às vezes cobrar um sobrepreço pela fama de seus

produtos, seja essa fama justificada ou não. “Relógio suíço” ou “chocolate belga” passa a ser

sinônimo de qualidade. Isso naturalmente dificulta a entrada de novos produtores. Há no mundo,

em alguns nichos de mercado, um comércio que poderíamos chamar de tradição (assim como

relógios suíços, conhaques franceses, casimiras inglesas, cachaças de Salinas, etc.), que se justifica

também pela presença de economias de aglomeração. No Anexo 2, ilustra-se graficamente uma

situação semelhante.

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4 – Conclusão

Existem outros modelos para explicar o comércio internacional, como os que utilizam

empresas oligopolistas como ponto de partida. Os resultados desses modelos vão depender dos

efeitos de economias de escala sobre os custos de produção, da curva de aprendizado das

empresas, do fato de serem os bens homogêneos ou diferenciados e ainda da reação que os

concorrentes tenham em relação às iniciativas de cada um deles.

Para um curso introdutório de economia, no entanto, os modelos apresentados acima, de

forma resumida, são suficientes para mostrar as vantagens do comércio internacional para os

países envolvidos. E ainda que o elemento central para explicação dessas vantagens está no custo

de oportunidade de um produto em relação a outro, dentro de cada país. São elementos

importantes, em diferentes situações, como vimos, a dotação de fatores do país; a evolução da

tecnologia de produção; a existência de economias de escala internas às empresas; e as

economias de escala oriundas de economias externas às empresas e internas ao setor ou indústria

(economias de aglomeração). De toda sorte, pode-se dizer, de modo geral, que um país exporta

certo produto quando tem vantagem comparativa em sua produção (e não vantagem absoluta),

venha de onde vier essa vantagem.

Para concluir estas notas sobre as teorias de Comércio internacional é interessante fazer

duas referências:

i) As políticas brasileiras e de outros países da América Latina com relação ao

setor industrial, no período que se seguiu à Segunda Guerra, foram muito

influenciadas por críticas feitas aos modelos tradicionais de comércio por

autores como Raúl Prebisch, um economista argentino. Argumentava-se que

os ganhos do comércio internacional eram assimétricos, em razão das

características dos tipos de mercadorias exportadas em geral pelos países

centrais, de um lado (produtos industriais), e pelos países periféricos, de outro

(produtos primários, pouco processados: alimentos, matérias-primas). O

argumento baseava-se nos seguintes pontos:

baixa elasticidade-renda da demanda por produtos primários, em

contraposição a uma elasticidade-renda mais elevada dos produtos

industrializados;

baixa elasticidade-preço da demanda por produtos primários;

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retração da procura por várias matérias-primas de exportação dos países

periféricos, em razão de ganhos de eficiência em seu uso e do

desenvolvimento de substitutos industrializados (metal substituído por

plástico, borracha natural por borracha sintética, algodão por tecidos

sintéticos, etc.); e

baixo valor adicionado dos produtos primários.

O efeito cumulativo dessas características seria a deterioração das relações

de troca dos países periféricos (ou seja, queda no preço de suas exportações

em relação ao preço das importações), com consequente distanciamento cada

vez maior entre o nível de renda dos países centrais e dos países periféricos.

Para reverter esta tendência os países periféricos deveriam adotar medidas

para incentivar a substituição das importações, em especial pelo

desenvolvimento de seus setores industriais, a partir de políticas

governamentais de incentivo.

Não há dúvida de que a indústria brasileira teve crescimento muito

expressivo, especialmente entre 1950 e 1980, sob o estímulo de várias políticas

favoráveis à substituição de importações (o que sucedeu também, em maior ou

menor grau, em outros países da região). Mas as grandes modificações no

comércio internacional no período mais recente tornam as idéias de Prebisch

pouco aplicáveis, especialmente no que se refere às tendências de preços.

Basta referir o grande aumento dos preços do petróleo, desde o início da

década de 1970, ou a evolução recente nos preços de produtos agrícolas e do

minério de ferro, sob o estímulo de uma forte expansão na demanda

internacional por esses produtos. A observação das relações de troca do Brasil

não mostra uma tendência de queda no longo prazo: há períodos de redução,

como na década de 1930 ou no início da década de 1980, mas outros de

crescimento, como ao longo dos últimos 25 anos.

O que é significativo em experiências, como a brasileira, de industrialização

com o estímulo de políticas governamentais, em termos de explicação das

correntes de comércio, é que tais políticas — embora envolvendo muitas vezes

ineficiências e distorções — podem em alguns casos modificar as vantagens

comparativas do país. Isso na medida em que os setores que se desenvolvam

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sob proteção e estímulo do governo cheguem a alcançar competitividade

internacional, a partir do aproveitamento de economias de escala e obtenção

de ganhos de produtividade. Um exemplo nesse sentido é o caso da EMBRAER,

empresa criada pelo governo brasileiro e posteriormente privatizada, e que é

hoje um dos principais produtores mundiais de aviões de porte médio.

ii) Uma avaliação das teorias para explicação dos fluxos de comércio

resumidamente apresentadas mostra que cada uma delas é capaz de explicar

aspectos particulares dos fluxos de comércio. Mas uma das características

atuais desses fluxos é o fenômeno da globalização: a ampliação, diversificação

e sofisticação desses fluxos numa escala nunca atingida anteriormente, sendo

que 2/3 desse fluxo são transações inter e intra-empresas transnacionais.

Um aspecto particular dessa tendência é o avanço significativo dos processos

de integração, que alavancam as trocas internacionais entre grupos de paísess

(North-American Free Trade Agreement – NAFTA, na América do Norte; União

Europeia, na Europa Ocidental; MERCO-SUL, na América do Sul; Associação

das Nações do Sudeste Asiático; Comunidade Econômica da África Ocidental;

etc.).

O que essas referências enfatizam é que, além da dotação de recursos produtivos, fatores

tecnológicos e culturais, economias de escala, etc., atributos construídos por governos, empresas

e pela população, ao longo do tempo, podem contribuir para explicar os fluxos de comércio.

Michael Porter (The Competitive Advantage of Nations, N.York, Free Press, 1990) mostra que

muitos elementos do conjunto complexo de atributos que influenciam a competitividade de

indústrias e países podem ser criados e desenvolvidos. Enquanto outros podem ser simplesmente

herdados e consolidarem uma tradição pela constituição de conglomerados, que uma vez

estabelecidos historicamente perpetuam as vantagens deles decorrentes, vantagens que se

manifestam em termos dos fluxos de comércio.

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ANEXO 1 – UMA FORMALIZACÃO DA TEORIA DAS VANTAGENS COMPARATIVAS2

Vamos, então, supor um país, País A, que produz dois produtos, X e Y. A tecnologia

utilizada por este país é demonstrada através da produtividade do trabalho. Ou seja, o número de

horas de trabalho necessárias para produzir uma unidade do produto, que vamos representar por

CX para o produto X e CY para o produto Y. Então se:

- LA é a disponibilidade total do fator trabalho

- QXA é a quantidade produzida do produto X pelo País A

- QYA é a quantidade produzida do produto Y pelo País A

Podemos escrever a CPP do País A como:

Onde toda a disponibilidade de trabalho é utilizada

Numa economia com um só fator, a CPP é uma reta e o que o País abre mão de um

produto para produzir uma unidade a mais do outro produto, ou seja, o CO é a inclinação da reta

do CPP (em valores absolutos), como mostrado no gráfico abaixo:

2 Ver: Krugman, P. & Obstfeld, M. Economia Internacional - Teoria e Política, 6ed., Pearson Education, 2005

CPPa

Quantidade Max.

De X em A

Quantidade

Max. De Y

em A

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Gráfico 1: Adaptado de Krugman e Obstfeld

Vamos agora introduzir outro País, o País B. Então os requisitos unitários de trabalho deste

país serão, respectivamente CXB e CYB; a disponibilidade total do fator trabalho LB e assim por

diante. Podemos então escrever a CPPB como:

e , como mostrado no gráfico abaixo:

Gráfico 2: Adaptado de Krugman e Obstfeld

Se CXA< CXB, dizemos que o País A tem uma vantagem absoluta na produção de X. Se CYA <

CYB dizemos que o País A tem uma vantagem absoluta na produção de Y. Mas como vimos no

exemplo numérico, não são as vantagens absolutas que determinam os benefícios da

especialização e sim as vantagens comparativas, que são indicadas pelos custos de oportunidade.

Agora se CXA/CYA < CXB/CYB, o que implica que CXA/CXB < CYA/CYB, os custos relativos em

termos de requisitos unitários de trabalho são menores em relação ao produto X no País A. Ou,

em outros termos, o custo de oportunidade de X em relação a Y é menor no País A. Isto significa

que A tem uma vantagem comparativa na produção de X. Em decorrência, seguem todas as

conclusões: o País A deverá especializar-se na produção de X produzindo a quantidade LA/CXA do

produto X. O País B se especializará na produção de Y, produzindo a quantidade LB/CYB de Y. Com

o comércio os dois países estarão em melhores condições do que antes. As quantidades

Quantidade Max.

De X em B

Quantidade

Max. De Y

em B

CPPb

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exportadas de X e Y, assim como os preços de X e Y nos dois mercados vão depender das

demandas relativas nos dois mercados.

A única situação em que não haverá vantagem com o comércio é se CXA/CYA = CXB/CYB, ou

seja, quando os custos de oportunidade forem iguais. Neste caso, os dois países continuariam

produzindo os dois produtos e não haveria vantagem em especializar-se.

O modelo que acabamos de expor resumidamente pode ser estendido para uma situação

com dois países e vários produtos. Para saber em quais produtos cada país vai se especializar tem-

se de comparar os gastos salariais unitários para cada produto nos dois países. Então, se WACXA<

WBCXB, o País A deve se especializar na produção de X, onde WA e WB são as taxas de salário nos

dois países e CXA e CXB os requisitos unitários de trabalho para a produção de X nos dois países.

ANEXO 2 – ECONOMIAS DE AGLOMERAÇÃO E BARREIRAS À ENTRADA

Considere-se o gráfico abaixo:

Onde:

CMa é o custo médio do País A, pioneiro no setor

CMb é o custo médio do País B, novato no setor

Dm é a demanda mundial pelo produto

Vemos que a demanda mundial pode ser satisfeita tanto pelo País A quanto pelo País B. Só

que o País B, novato no setor poderia produzir a custos mais baixos, e se lhe fosse permitido, ele

Custo,

Preço

Quantidade

Gráfico 5: Adaptado de Krugman e Obstfeld

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atenderia o mercado mundial a um preço p2 < p1. Acontece que na fase inicial de sua participação

no mercado o País B começaria produzindo ao custo COb, bem mais elevado que p1. Assim, ele não

participa do mercado e importa o produto ao preço p1.

Um segundo aspecto a ser examinado é que na presença de economias de aglomeração um

país pode estar numa situação pior com o comércio do que sem o comércio. Suponhamos que o

País B na ausência de comércio e em razão de seus baixos custos médios pudesse atender a sua

demanda interna DB ao preço PB < P1 (o preço cobrado no mercado internacional, que é o preço do

país pioneiro). Nesta situação, o País B estaria pior com o comércio do que na ausência do

comércio. Cabe notar que mesmo nesta situação o mundo (o conjunto dos demais países) estaria

melhor com o comércio. Mas o País B estaria potencialmente pior. Potencialmente porque

continuam a prevalecer os custos elevados das fases iniciais de produção (C0B). Esta é uma

situação em que o País B poderia, eventualmente, proibir a importação desse bem, ou introduzir

pesadas tarifas para esta importação, iniciando-se um processo de substituição de importações.