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Avaliatividade e julgamento: uma análise de texto Appraisal and judgment: a text analysis Glivia Guimarães Nunes Sara Regina Scotta Cabral RESUMO Neste trabalho, discutimos como pode se manifestar o julgamento de um autor/escritor em um texto, a fim de que o leitor possa perceber as estratégias empregadas na avaliação do comportamento de outrem. Para isso, tomamos como aporte teórico o Sistema de Avaliatividade (Martin & White, 2005), especialmente a categoria semântica de julgamento. A título de exemplo, selecionamos uma coluna de opinião de conhecido jornalista brasileiro e apresentamos como podem ser textualizadas as manifestações de julgamento acerca dos atos de uma importante autoridade do país. Também apontamos ocorrências de gradação do tipo força, recurso que, muitas vezes, é empregado pelo colunista para intensificar o suas avaliações. PALAVRAS-CHAVE Leitura; Sistema de Avaliatividade; Julgamento. ABSTRACT In the present paper, we discuss how judgment is manifested by an author/ writer through a text in order to the reader realize the strategies used in the evaluation of others’ behavior. To do so, we use Appraisal (Martin & White, 2005), specially the semantic category of judgment. As an example, we selected a distinguished Brazilian journalist column and present how the manifestations of judgment about the acts of an important authority of Brazil can be textu- alized. We also point out the occurrences of graduation by force – a resource in which is oftentimes used by the columnist to intensify his evaluations. KEY WORDS Reading; Appraisal; Judgment.

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Avaliatividade e julgamento: uma análise de texto

Appraisal and judgment: a text analysis

Glivia Guimarães NunesSara Regina Scotta Cabral

RESUMONeste trabalho, discutimos como pode se manifestar o julgamento de um autor/escritor em um texto, a fim de que o leitor possa perceber as estratégias empregadas na avaliação do comportamento de outrem. Para isso, tomamos como aporte teórico o Sistema de Avaliatividade (Martin & White, 2005), especialmente a categoria semântica de julgamento. A título de exemplo, selecionamos uma coluna de opinião de conhecido jornalista brasileiro e apresentamos como podem ser textualizadas as manifestações de julgamento acerca dos atos de uma importante autoridade do país. Também apontamos ocorrências de gradação do tipo força, recurso que, muitas vezes, é empregado pelo colunista para intensificar o suas avaliações.

PALAVRAS-CHAVELeitura; Sistema de Avaliatividade; Julgamento.

ABSTRACTIn the present paper, we discuss how judgment is manifested by an author/writer through a text in order to the reader realize the strategies used in the evaluation of others’ behavior. To do so, we use Appraisal (Martin & White, 2005), specially the semantic category of judgment. As an example, we selected a distinguished Brazilian journalist column and present how the manifestations of judgment about the acts of an important authority of Brazil can be textu-alized. We also point out the occurrences of graduation by force – a resource in which is oftentimes used by the columnist to intensify his evaluations. 

KEY WORDSReading; Appraisal; Judgment.

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INTRODUÇÃO

Este estudo tem por objetivo discutir como podem ocorrer mani-

festações de julgamento de um autor/escritor em um texto, a fim de

que o leitor possa perceber como se realiza a avaliação relativa ao

comportamento de outra pessoa. Esta discussão tem o embasamento

teórico do Sistema de Avaliatividade, de Martin & White (2005), o qual

investiga como um sujeito (falante/escritor), através de seu discurso,

expressa sua avaliação sobre um objeto, um fenômeno ou um evento.

O Sistema de Avaliatividade é constituído por três subsistemas

principais: atitude, engajamento e gradação. O julgamento, foco deste

estudo, é uma categoria semântica do subsistema de atitude e emprega

recursos para julgar, positiva ou negativamente, o comportamento de

um indivíduo. A gradação, por sua vez, pode contribuir para intensi-

ficar ou suavizar o julgamento manifestado no texto.

Inicialmente, neste trabalho, apresentamos algumas reflexões sobre

o Sistema de Avaliatividade com base em White (2004), Martin &

White (2005) e Vian Jr., Souza e Almeida (2010). Logo após, expomos

a metodologia utilizada para a análise do texto jornalístico escolhido

e, por fim, discutimos os resultados obtidos, apresentando algumas

considerações sobre o posicionamento assumido pelo escritor.

O SISTEMA DE AVALIATIVIDADE

O uso da linguagem permite a produção de atribuições valorativas

voltadas às mais diferentes atitudes do dia-a-dia. Uma vez que é

possível categorizar os recursos léxico-gramaticais e discursivos que

empregamos em nossas avaliações, Jim Martin (1999) reuniu estudos

anteriores e construiu sistemas de avaliatividade (appraisal systems

in English), o que, posteriormente, foi reorganizado em publicação

de 2005 (Martin & White, 2005).

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O Sistema de Avaliatividade investiga, por intermédio dos usos da

linguagem, o modo como falantes/escritores atribuem valores a ob-

jetos, fenômenos e eventos. Essa teoria tem, como ponto de partida,

a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), que considera a linguagem

um sistema semiótico que compreende basicamente três estratos: fo-

nologia/grafologia, léxico-gramática e semântica. De acordo com Vian

Jr. (2010, p.21), o Sistema de Avaliatividade “localiza-se no estrato da

semântica do discurso e é realizado, em termos lexicais e gramaticais,

no estrato da léxico-gramática, oralmente ou escrito, de acordo com a

interação que se desenvolve, pelo estrato grafofonológico”.

O Sistema de Avaliatividade é constituído de três subsistemas que

representam as principais categorias semânticas pelas quais podemos

fazer avaliações: atitude, engajamento e gradação. A atitude abrange

as categorias afeto, julgamento e apreciação; o engajamento engloba

enunciados monoglóssicos e heteroglóssicos; a gradação realiza-se

mediante força e foco.

O Julgamento

Neste estudo, enfocamos o subsistema de atitude, mais especifica-

mente a categoria semântica vinculada ao julgamento. Nessa categoria,

são empregados recursos para julgar o comportamento de alguém,

indicando como um indivíduo deve ou não agir. O comportamento

humano é avaliado positiva ou negativamente, de acordo com deter-

minadas normas sociais. O julgamento é influenciado pela ideologia

e pela situação cultural em que esse se realiza, relacionando-se a

questões no âmbito da ética.

Martin & White (2005, p. 35) afirmam que o “julgamento está pre-

ocupado com os recursos para avaliar o comportamento de acordo

com os princípios normativos variados”. No mesmo caminho, Vian Jr.

(2010, p. 20) considera que “o julgamento refere-se ao universo das

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propostas sobre o comportamento”. Segundo Ikeda (2010, p. 172), o

julgamento “significa a linguagem que critica ou elogia, condena ou

aplaude o comportamento – as ações, feitos, ditos, crenças, motivações

de um ser ou grupo de seres humanos”.

O julgamento abrange valores de estima social e de sanção social.

Conforme Almeida (2010, p. 106), citando a obra de Martin e White

(2005), “o julgamento de estima social envolve admiração e crítica

sem implicações legais, enquanto que o de sanção social implica elogio

e condenação, geralmente com complicações legais”. Desse modo, a

posição institucional do avaliador e o enfoque no tipo de comporta-

mento do avaliado determinarão a espécie de julgamento empregada.

A respeito dessa classificação do julgamento, White (2004) afirma:

Os Julgamentos de sanção social envolvem a afirmação de que alguns conjuntos de regras ou regulamentos, codificados de forma mais ou me-nos explícita pela cultura, estão em jogo. Essas regras podem ser morais ou legais, portanto os julgamentos de sanção social envolvem questões de legalidade e moralidade. [...] romper uma sanção social significa correr o risco de receber punições legais ou religiosas, daí o termo ‘san-ção’. Os Julgamentos de estima social envolvem avaliações que podem levar o indivíduo a ser elevado ou rebaixado na estima de sua comuni-dade, mas que não possuem implicações legais ou morais. (p. 187)

Sendo assim, a sanção social envolve questões jurídicas, legais, de

ética e de honestidade, considerando os preceitos da Igreja e as leis do

Estado. Tratando-se de pecado ou crime, existem leis, mandamentos

ou normas que devem ser obedecidos/cumpridos. A estima social

envolve questões de julgamento que se dão dentro de uma comuni-

dade, mas que não são questões legais; seus valores negativos são

vistos como “disfuncionais ou inapropriados” (WHITE, 2004, p. 187).

A estima social está mais relacionada com a cultura oral, por meio de

conversas comuns e fofocas, por exemplo, e se instaura nas relações

sociais do cotidiano, entre família e amigos. A estima social abrange

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três categorias: normalidade, capacidade e tenacidade. A sanção social,

por sua vez, diz respeito a valores como veracidade ou propriedade.

White (2004, p. 187) explica que

os Julgamentos de estima social podem estar ligados à normalidade (até que ponto alguém é estranho ou pouco usual), capacidade (quão capaz esse alguém é) e tenacidade (quão de-terminado ele é). Os Julgamentos de sanção social têm a ver com a veracidade (quão sincero alguém é) e a propriedade (quão ético ele é).

O julgamento pode ser manifestado de modo explícito, implícito ou

provocado. A esse respeito, Ikeda (2010, p. 167) assim se posiciona:

A avaliação positiva ou negativa de Julgamento pode ser feita não só de maneira explícita, mas também, conforme Martin (2000), por meio do que ele chama de tokens de Julgamento, isto é, a avaliação implícita ou a avaliação provocada através de descrições de ‘fato’ aparentemente isentas de valor, já que feitas sem o uso de ter-mos explicitamente avaliativos.

Dessa forma, de acordo com a posição social, cultural e ideológica

relacionada à leitura, o leitor conseguirá ou não perceber as marcas de

julgamento que estão implícitas em um texto. “Esses tokens supõem

normas sociais partilhadas” (IKEDA, 2010, p. 167); muitas vezes, não

há nada de explicitamente avaliativo em uma sentença de um texto,

porém há a possibilidade de que se evoque essa avaliatividade. Por

conta disso, os tokens podem sofrer influência do contexto.

Há, portanto, três tipos de julgamento quanto ao modo de avalia-

ção: julgamento explícito (inscrito), julgamento implícito (evocado) e

julgamento provocado. O julgamento provocado é intermediário entre

o inscrito e o evocado, pois se manifesta mediante alguma forma de

linguagem avaliativa, em que há algo vagamente crítico na sentença.

Essa avaliação não é explícita e nem totalmente implícita.

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A Gradação

A gradação perpassa os demais subsistemas da Avaliatividade:

atitude e engajamento. Considerando a categoria atitudinal de julga-

mento, é comum o emprego da gradação, que aparece para dar força

ou enfocar uma avaliação.

O conceito de gradação pressupõe a existência de uma escala, ou

contínuo, de intensidade virtual com valores que variam entre um

pólo constituído de termos que expressam avaliações socialmente

consideradas como menos intensas e um outro polo constituído de

itens que indicam avaliações consideradas mais intensas. (SOUZA,

2010, p. 191)

O subsistema de gradação engloba duas categorias: a força e o

foco. A força gradua qualidades, enquanto o foco gradua categorias

semânticas prototípicas, em princípio, não suscetíveis de graduação.

De acordo com Martin & White (2005), há duas opções de força: a

intensificação e a quantificação. A intensificação é relativa à gradação

de processos, de qualidades e de indicadores modais. Já a quantifica-

ção trata somente da gradação de entidades concretas ou abstratas e

é subdividida em quantidade (gradação de uma quantidade que não

é determinada), volume (ou presença – envolve noções de tamanho,

altura, espessura, luminosidade e etc.) e extensão (subdividida em

distribuição e proximidade, ambas temporais e espaciais). A gradação

força pode ser infusionada – quando a intensidade se faz presente

em um único item lexical - ou isolada – quando se faz necessária a

presença de um intensificador para graduar o processo ou a qualidade.

O foco refere-se à gradação de categorias semânticas que, sob um

viés experiencial, não são suscetíveis de serem graduadas. No entanto,

a linguagem “desenvolveu recursos léxico-gramaticais para permitir

que os falantes expressassem diferentes ‘graus’ de prototipicalidade

experiencial” (SOUZA, 2010, p. 201). Trata-se da acentuação e da ate-

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nuação. Mediante as gradações de foco, do tipo acentuação, é possível

que uma entidade seja graduada e representada com um elevado grau

de autenticidade. Com as gradações de foco, do tipo atenuação, gera-

-se a capacidade de redução do grau de pertencimento de um item

lexical a uma categoria experiencial, o que a torna a representação

menos autêntica da categoria.

METODOLOGIA

Para solidificar as considerações acerca do julgamento, pertencente

ao Sistema de Avaliatividade, apontamos algumas ocorrências dessa

categoria em uma coluna jornalística de opinião, de Diogo Mainardi,

intitulada Dilma 1,99 Rousseff (em anexo). O texto foi publicado na

edição online da revista Veja, no dia 04 de setembro de 2010, pratica-

mente um mês antes das eleições presidenciais daquele ano no Brasil.

A coluna apresenta 495 palavras e nela o autor critica fortemente o

caráter e o comportamento da então candidata à presidência do país.

Como este estudo é de cunho qualitativo, realizamos uma análise

manual, na qual, inicialmente, identificamos as manifestações de jul-

gamento; posteriormente, classificamos essas ocorrências em termos

de sanção ou de estima social. Por fim, identificamos casos de gra-

dação – de força ou de foco. Destacamos, em itálico, nos fragmentos

analisados, algumas ocorrências de gradação, e, em negrito, passagens

do texto em que o julgamento foi mais intensamente manifestado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O contexto situacional

É fundamental realizar a caracterização do contexto situacional em

que o texto se insere, pois esse procedimento garante a compreensão

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do motivo pelo qual as marcas de julgamento contidas no texto são

avaliadas como positivas ou negativas. Considerando que todo texto

sofre influência do contexto em que é produzido, analisamos a colu-

na de Diogo Mainardi, intitulada Dilma 1,99 Rousseff, com base nas

orientações de Halliday (1989), para quem o contexto de situação

apresenta as variáveis campo, relações e modo. Assim, denominamos

campo o fato de Dilma Rousseff ter sido proprietária de uma loja de

produtos importados, negócio que durou menos de um ano e meio,

aspecto de que se vale o autor para comparar e/ou medir a capacida-

de administrativa da futura governante do Brasil. A variável relações

aponta a presença de um colunista, Diogo Mainardi, e dos leitores de

seus textos na Revista Veja. Por sua vez, a variável modo realiza-se

na forma escrita, que tem como suporte o meio digital.

Ocorrências de julgamento e de gradação na coluna selecionada

Na coluna de Diogo Mainardi, Dilma 1,99 Rousseff, a valoração

negativa é sistematicamente empregada. No texto, o autor apresenta

seu posicionamento sobre o comportamento de Dilma Rousseff, na

época candidata à presidência da República. O julgamento é empre-

gado de forma recorrente no texto e, muitas vezes, é intensificado por

recursos de gradação. A coluna de opinião, por ter um estilo mais livre

e pessoal, de cunho argumentativo, pode apresentar marcas muito

significativas de julgamento.

Ocorrências de julgamento de estima social do tipo capacidade

são identificadas em várias passagens do texto, conforme demonstra

o exemplo a seguir.

Dilma Rousseff teve uma loja de produtos impor-tados. O empreendimento durou menos de um ano e meio. Se Dilma Rousseff mostrar como presidente da República o mesmo talento que mostrou como empresária, o Brasil já pode ir fechando as portas. [...] (Primeiro Parágrafo)

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As escolhas léxico-gramaticais do colunista possibilitam ao leitor

perceber que Dilma Rousseff é julgada como incapaz de administrar

o Brasil, já que Mainardi associa essa inabilidade à má condução dos

negócios na loja de produtos importados, a qual fechara antes mesmo

de completar um ano e meio. Tal avaliação caracteriza julgamento de

estima social do tipo capacidade negativa. Fica implícito também que

o Brasil, assim como o antigo empreendimento de Dilma, poderá ir à

falência, se por ela for administrado.

Também a gradação do tipo força está manifestada no fragmento

acima. Exemplo disso é o emprego do adverbial menos e da baixa

modalização em pode ir. O intensificador gradua o verbo “durou”,

deixando implícita a ideia de que o empreendimento de Dilma não

durou “sequer” um ano e meio e teve de fechar as portas. A gradação é

aqui empregada justamente para dar ênfase ao julgamento que o autor

tece sobre a competência da então candidata para gerir uma nação.

Há várias outras ocorrências de julgamento de estima social do

tipo (in)capacidade no decorrer do texto. Vale destacar também um

fragmento retirado do último parágrafo:

[...] O fracasso do empreendimento, porém, re-vela a verdadeira natureza de Dilma Rousseff: ela só existe como um acessório do PT, [...]

As escolhas léxico-gramaticais evidenciam que, novamente, é

defendida a ideia de que Dilma Rousseff não teria capacidade para

governar o Brasil, já que sua verdadeira natureza, segundo o autor, é

a de existir somente como uma peça acessória do PT. Fica implícita,

no discurso, a opinião de que, se ela “fracassou” enquanto empresária

de uma loja de modestos produtos ao preço de R$ 1,99, também seria

incapaz de administrar um país tão grande quanto o Brasil.

No texto, também são identificadas manifestações de julgamento

de sanção social.

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[...] Dilma Rousseff, apaniguada de Carlos Araújo, foi nomeada diretora-geral da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Além de ser um dos mandatários da esquerda gaúcha, Carlos Araújo era também o marido de Dilma Rousseff, garantindo esse gostinho pitoresco de Velha República cartorial e nepotista. [...] (Terceiro parágrafo)

A referência de Mainardi a Dilma Rousseff, tratando-a como “apa-

niguada” do ex-marido, expressa um julgamento que a rotula como

mulher incapaz. Entretanto, mais forte é o julgamento de sanção social

que o autor utiliza ao mencionar o termo “nepotismo”, ou seja, quando

há favorecimento a familiares de quem ocupa um cargo público. Essa

avaliação aponta para o campo da ilegalidade – sanção social -, e está

acompanhada de tom irônico, quando o autor emprega o item lexical

“pitoresco”. A ironia é um recurso que contribui para a avaliação, pois,

embora não explicitamente, deixa marcas de opinião. A gradação do

tipo força pode igualmente ser identificada no texto, devido ao uso

do diminutivo gostinho, como uma intensificação infusionada que

direciona o sentido do termo gosto para o campo pejorativo.

[...] O Brasil de Dilma Rousseff será assim: um entreposto de muambeiros panamenhos inteiramente tomado pela pirataria chinesa. É o Brasil a R$ 1,99. [...] (Quarto parágrafo)

Tendo em vista que a prática de pirataria é crime, mais uma vez

identificamos no texto o emprego de um julgamento de sanção so-

cial, associando o nome da candidata à possibilidade de ocorrerem

complicações legais em seu governo. Em virtude disso, há uma ava-

liação reiterada do autor, que perpassa integralmente o texto: Dilma

é incapaz de administrar o país, porque foi incapaz de administrar o

seu próprio empreendimento.

Mainardi insiste em ressaltar o que deve ser temido, em termos

de futuro para o país. Ao afirmar “É o Brasil a R$ 1,99”, ancora-se

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na menção à falta de capacidade de Dilma de sequer poder manter-

-se à frente de uma loja de artigos baratos. Consequentemente, isso

configura a opinião do colunista de que a candidata não seria capaz

de administrar um país.

As escolhas linguísticas do autor sugerem, a partir da interpretação

apresentada, uma gradação do tipo força, o que decorre do emprego

do adverbial inteiramente. Esse, ao caracterizar uma intensificação

isolada, não remete apenas ao risco de transformarmos social e eco-

nomicamente o país em um “entreposto de muambeiros panamenhos

tomado pela pirataria chinesa”. Com essa generalização depreciativa,

Mainardi traça o futuro do Brasil com Dilma como um país inteira-

mente tomado pela contravenção. Essa manobra, constituída por meio

de mecanismo de gradação, demonstra que, no texto, é estabelecida

uma avaliação de julgamento inteiramente negativa sobre Dilma

Rousseff, assim como sobre a falta de perspectivas nacionais caso

viesse a se eleger.

[...] Depois de falir como comerciante, Dilma Rousseff voltou correndo para o aparelho estatal, onde ninguém perde dinheiro e o único cliente é o partido. A loja de produtos panamenhos e chineses foi convenientemente expurgada de sua biografia oficial [...] (Último parágrafo)

No fragmento acima, extraído do último parágrafo, identificamos

novamente um julgamento de estima social, do tipo (in)capacidade.

Dilma é novamente apresentada como uma comerciante falida. A

gradação presente em voltou correndo, devido ao emprego figurado do

verbo “correr”, produz uma gradação do tipo força - intensificação de

processo -, que funciona como um recurso intensificador da avaliação

de julgamento em questão.

Importa destacar, ainda, a ocorrência de julgamento de sanção

social. Essa é localizada no texto, no fragmento em que o autor põe

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completamente em dúvida a honestidade de Dilma, associando-a a

produtos de origem duvidosa como os de origem panamenha e chi-

nesa, classificados como de categoria inferior. Já a gradação força -

qualidade - é inserida por meio do termo expurgada, o que contribui

para a constituição de uma escalada final correspondente à inteira

depreciação da candidata, manobra textual que perpassa o julgamento

proferido pelo colunista.

Percebemos também dois tipos de julgamento de estima social atre-

lados no final do texto: o julgamento de capacidade e o de tenacidade.

[...] O Brasil está à venda por R$ 1,99. Ou fechamos as portas de Dilma Rousseff, ou ela fechará as nossas portas. (Último parágrafo)

A leitura da conclusão da coluna de Mainardi leva ao entendimento

de uma evidência: Dilma é submetida por ele a um julgamento que tem

relação com uma escalada argumentativa visando à desqualificação

da sua confiabilidade como candidata. Levamos em conta, assim, o

plano do julgamento de estima social de tenacidade, mediante o qual

é estabelecido um juízo em torno de quão confiável é alguém para

desempenhar determinada missão.

Com base nisso, fica subentendido, devido ao direcionamento do

discurso assumido pelo colunista, que o conjunto de opiniões expresso

sobre Dilma Rousseff demonstra que Mainardi possui a crença de que

a candidata é incapaz de administrar o país; que, se Dilma viesse a

vencer as eleições presidenciais, em 2011, seria responsável pelo fe-

chamento “das portas” do Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob a perspectiva do Sistema de Avaliatividade, o julgamento é tido

como uma categoria semântica do subsistema de atitude que pode ser

empregada, de modo explícito ou não, na medida em que o falante/

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escritor avalia positiva ou negativamente o comportamento humano

em relação a condutas e normas sociais. O julgamento é manifestado

através de valores de estima social – englobando normalidade, capa-

cidade e tenacidade - ou de sanção social – abrangendo propriedade e

veracidade. Além disso, esse julgamento pode se manifestar de modo

explícito, implícito ou provocado. A percepção do julgamento implícito

dependerá da posição de leitura realizada pelo leitor. O subsistema de

gradação, em decorrência, vem a corroborar as marcas de julgamento.

Para demonstrar como um leitor pode ler um texto, tendo em vista

a questão das formas de julgamento e o que textualmente é possível

manifestar, mediante essa categoria semântica, foi selecionado o co-

mentário publicado na coluna de opinião de Diogo Mainardi: Dilma

1,99 Rousseff. O texto configura-se como exemplo extremamente

rico em ocorrências de julgamento(s) negativo(s), muitas vezes,

explícito(s), destacando-se o predomínio de julgamento de estima

social de capacidade. O autor julga a então candidata à presidên-

cia do país como alguém incapaz de administrar o Brasil. Para tanto,

estabelece uma comparação entre a sua administração malsucedida

da loja de artigos de R$ 1,99 e a possibilidade de ela vir a eleger-se

presidente do país.

A gradação também é identificada no texto, especialmente ao in-

tensificar ocorrências de julgamento. Entendemos que os julgamentos

manifestados nessa coluna são todos pensados, especialmente, tendo

em vista a proximidade das eleições presidenciais de 2011 (a publica-

ção da coluna do jornalista ocorreu cerca de um mês antes do pleito

eleitoral em questão).

Buscamos, mediante este estudo, discutir a respeito das possibi-

lidades de leitura de um texto opinativo, com base na organização

da categoria semântica de julgamento. A partir disso, apresentamos

como se constitui e como se manifesta essa categoria do Sistema de

Avaliatividade.

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REFERÊNCIAS

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MARTIN, J. Beyond exchange: appraisal systems in English. In: HUNS-TON, S.; THOMPSON, G. Evaluation in text: authorial stance and the construction of discourse. Oxford: Oxford University Press, 1999.

MARTIN, J. R.; WHITE, P. The language of evaluation: appraisal in English. New York: Palgrave, 2005.

SOUZA, Anderson A. Gradação: força e foco. In: VIAN JR., O; SOUZA, A. A. de; ALMEIDA, F. S. D. P. A linguagem de avaliação em língua portuguesa: Estudos sistêmico-funcionais com base no Sistema de Avaliatividade. São Carlos: Pedro e João Editores, 2010.

VIAN JR. Orlando. O Sistema de Avaliatividade e a linguagem da avaliação. In: VIAN JR., O; SOUZA, A. A. de; ALMEIDA, F. S. D. P. A linguagem de avaliação em língua portuguesa: Estudos sistêmico--funcionais com base no Sistema de Avaliatividade. São Carlos: Pedro e João Editores, 2010.

WHITE, Peter. Valoração – A Linguagem da Avaliação e da Perspectiva. Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 4, n.esp, p. 178-205, 2004.

Site consultado:http://veja.abril.com.br/blog/mainardi/

Avaliatividade e julgamento: uma análise de texto

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Anexo

Dilma 1,99 Rousseff

“Depois de falir como comerciante, Dilma Rousseff voltou cor-

rendo para o aparelho estatal. A loja de produtos panamenhos e

chineses foi expurgada de sua biografia oficial. O fracasso revela

a verdadeira natureza de Dilma Rousseff: ela só existe como aces-

sório do PT”

Dilma Rousseff teve uma loja de produtos importados. O empreen-

dimento durou menos de um ano e meio. Se Dilma Rousseff mostrar

como presidente da República o mesmo talento que mostrou como

empresária, o Brasil já pode ir fechando as portas.

Dilma Rousseff era uma apaniguada do PDT. Quando saiu do PDT,

ela virou uma apaniguada do PT. Desde seu primeiro trabalho, trinta

anos atrás, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Dilma

Rousseff sempre foi assalariada do setor estatal. E no setor estatal

ela sempre foi apadrinhada por alguém. O PT loteou o estado. Nesse

ponto, Dilma Rousseff é a mais petista dos petistas. Porque durante

sua carreira todos os cargos que ela ocupou foram indicados por

alguma autoridade partidária. Dilma Rousseff é o Agaciel Maia dos

Pampas. Ambos pertencem à mesma categoria profissional. Tiveram

até cargos análogos. Agaciel Maia, apaniguado de José Sarney, foi

nomeado diretor-geral do Senado.

Dilma Rousseff, apaniguada de Carlos Araújo, foi nomeada diretora-

-geral da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Além de ser um dos

mandatários da esquerda gaúcha, Carlos Araújo era também o ma-

rido de Dilma Rousseff, garantindo esse gostinho pitoresco de Velha

República cartorial e nepotista.

A loja de produtos importados de Dilma Rousseff foi inaugurada em

1995. Fechou quinze meses depois. Foi o primeiro e último trabalho

que ela teve fora do sistema de loteamento partidário. Deu errado.

Glivia Guimarães Nunes e Sara Regina Scotta Cabral

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Carlos Araújo, seu financiador, acabou perdendo dinheiro. O dono

de uma tabacaria localizada perto da loja de Dilma Rousseff contou o

seguinte à Folha de S.Paulo: “A gente esperava uma loja com artigos

diferenciados, mas quando ela abriu era tipo R$ 1,99”. A especiali-

dade de Dilma Rousseff eram os brinquedos chineses importados da

Zona Franca de Colón, no Panamá. Em particular, os bonecos dos

“Cavaleiros do Zodíaco”, escolhidos pessoalmente por ela. O Brasil

de Dilma Rousseff será assim: um entreposto de muambeiros paname-

nhos inteiramente tomado pela pirataria chinesa. É o Brasil a R$ 1,99.

Dilma Rousseff, com seu mestrado galáctico, será nossa Saori Kido,

a Deusa da Sabedoria dos “Cavaleiros do Zodíaco”. José Dirceu, com

sua armadura vermelha, será nosso Dócrates mensaleiro.

Depois de falir como comerciante, Dilma Rousseff voltou corren-

do para o aparelho estatal, onde ninguém perde dinheiro e o único

cliente é o partido. A loja de produtos panamenhos e chineses foi

convenientemente expurgada de sua biografia oficial. O fracasso

do empreendimento, porém, revela a verdadeira natureza de Dilma

Rousseff: ela só existe como um acessório do PT, exatamente como

os sabotadores da Receita Federal que violaram o imposto de renda

da filha de José Serra e fraudaram seus documentos. O Brasil está à

venda por R$ 1,99. Ou fechamos as portas de Dilma Rousseff, ou ela

fechará as nossas portas.

GLIVIA GUIMARÃES NUNES

Possui Graduação em Letras – Licenciatura – Habilitação: Português e Literaturas da Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em Santa Maria, RS, e Especialização em Linguagem e Representação: Ênfase em Linguística pelo Centro Universitário Franciscano, na mesma cidade. Atualmente é mestranda em Letras (Estudos Linguísticos) do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFSM, bolsista CAPES, integrante do Núcleo de Estudos em Língua Portuguesa (UFSM) e membro do Projeto “Systemics across Langua-ges” (PUC-SP).

E-mail: [email protected]

Avaliatividade e julgamento: uma análise de texto

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SARA REGINA SCOTTA CABRAL

Possui Mestrado e Doutorado em Estudos Linguísticos pela Univer-sidade Federal de Santa Maria, RS, onde é professora dos cursos Licenciatura em Letras e Bacharelado em Letras. Tem pós-doutorado pela PUC-SP e é membro do Projeto “Systemics across Languages”, coordenado por Leila Barbara, Christian Matthiessen e Kasuhiro Teruya. Suas áreas de pesquisa são Linguística Sistêmico-Funcional, Sistema de Avaliatividade, gêneros textuais, discurso jornalístico, discurso político. 

E-mail: [email protected]

Glivia Guimarães Nunes e Sara Regina Scotta Cabral