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DIREITO CIVIL II - PARTE GERAL DIREITO CIVIL II - PARTE GERAL LIVRO III - DOS FATOS JURÍDICOS LIVRO III - DOS FATOS JURÍDICOS PROF. GIANELLI RODRIGUES CAPITULO V – DA INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO – (art. 166 ao 184) Para estudarmos invalidade (nulidade) do negócio jurídico, nós temos que começar pelas noções de eficácia e de ineficácia desses fatos jurídicos. Para alguns doutrinadores, o negócio jurídico ineficaz é sinônimo de negócio jurídico inválido. Por isso precisamos compreender a diferença entre ineficácia e invalidade. Todo negócio jurídico persegue um objeto, uma prestação, um “bem da vida”. Aprendemos que o “objeto” é um elemento essencial de todo e qualquer negócio jurídico. A inexistência de um objeto leva a inexistência do próprio negócio jurídico. Para que o negócio seja válido é preciso que seu objeto seja lícito, possível, determinado ou determinável . Já, negócio jurídico eficaz é aquele que alcança o resultado perseguido pelo agente . A invalidade (nulidade) decorrerá sempre e necessariamente de um defeito que ataca os elementos essenciais do negócio jurídico e, portanto, macula a sua estrutura interna. Não há invalidade (nulidade) se não houver um defeito, um vício interno, no negócio jurídico. Já a ineficácia nem sempre decorre de um defeito interno, ela estará associada a um elemento acidental (condição, termo ou encargo). Em outras palavras, a ineficácia diz respeito aos aspectos extrínsecos do negócio jurídico, porque tal negócio não alcançou seu objeto, já a invalidade diz respeito aos aspectos intrínsecos (estrutura interna) do negócio jurídico. A ineficácia está ligada aos efeitos, que não se produziram. A invalidade (nulidade) está ligada à própria estrutura ou, 1

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DIREITO CIVIL II - PARTE GERAL DIREITO CIVIL II - PARTE GERAL LIVRO III - DOS FATOS JURÍDICOS LIVRO III - DOS FATOS JURÍDICOS

PROF. GIANELLI RODRIGUES

CAPITULO V – DA INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO – (art. 166 ao 184)

Para estudarmos invalidade (nulidade) do negócio jurídico, nós temos que começar pelas noções de eficácia e de ineficácia desses fatos jurídicos. Para alguns doutrinadores, o negócio jurídico ineficaz é sinônimo de negócio jurídico inválido. Por isso precisamos compreender a diferença entre ineficácia e invalidade.

Todo negócio jurídico persegue um objeto, uma prestação, um “bem da vida”. Aprendemos que o “objeto” é um elemento essencial de todo e qualquer negócio jurídico. A inexistência de um objeto leva a inexistência do próprio negócio jurídico. Para que o negócio seja válido é preciso que seu objeto seja lícito, possível, determinado ou determinável. Já, negócio jurídico eficaz é aquele que alcança o resultado perseguido pelo agente.

A invalidade (nulidade) decorrerá sempre e necessariamente de um defeito que ataca os elementos essenciais do negócio jurídico e, portanto, macula a sua estrutura interna. Não há invalidade (nulidade) se não houver um defeito, um vício interno, no negócio jurídico. Já a ineficácia nem sempre decorre de um defeito interno, ela estará associada a um elemento acidental (condição, termo ou encargo).

Em outras palavras, a ineficácia diz respeito aos aspectos extrínsecos do negócio jurídico, porque tal negócio não alcançou seu objeto, já a invalidade diz respeito aos aspectos intrínsecos (estrutura interna) do negócio jurídico. A ineficácia está ligada aos efeitos, que não se produziram. A invalidade (nulidade) está ligada à própria estrutura ou, conteúdo do negócio jurídico, porque decorre de um defeito na sua estrutura.

Ex.1: Imaginemos que eu faça uma doação da minha biblioteca jurídica a um aluno, mas subordinando essa doação a uma condição suspensiva dele ser aprovado no exame da ordem. Portanto, um negócio jurídico condicional. Imaginemos que o donatário tenha sido reprovado, não se implementa a condição. Essa doação se declarará ineficaz. Ela não produzirá o efeito desejado, que é a transferência da propriedade dos livros ao donatário. Quem disser que essa doação é inválida porque não ocorreu a condição, estará equivocado, se os seus efeitos não se produziram, ela será, portanto, ineficaz. Nesse exemplo da doação condicionada a um evento futuro e incerto (passar no exame da ordem) a estrutura interna desse negócio jurídico não possui nenhum defeito, a condição suspensiva é que não se implementou, porque o donatário não passou no exame da ordem.

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Ex.2: Imaginemos agora que essa doação tenha sido obtida pelo aluno mediante uma ameaça, ou seja, uma coação. Nesse caso, essa doação é inválida, é anulável, porque agora um dos elementos essenciais, a “vontade”, está maculada por um vício, que é a coação. A invalidade decorre da estrutura interna do negócio jurídico, a invalidade está ligada ao conteúdo do negócio. A “vontade” (elemento essencial) em produzir um negócio com repercussão jurídica é que estará viciada pela coação.

Outra diferença: que na ineficácia o negócio jurídico pode subsistir para as partes que o celebraram, mas esse mesmo negócio não pode produzir seus efeitos erga omnes (contra todos).

Ex.3: Antônio devia 50.000,00 a Bruno e não paga. Bruno entra com uma ação de execução cobrando os 50 mil de Antônio. Antônio sabedor de que Bruno deu entrada nessa ação vende seu único bem, um veículo por 60 mil a Carlos. Antônio aliena em fraude à execução, o juiz declara ineficaz a alienação, mas ela produzirá efeitos entre o réu Antônio (devedor que vendeu) e Carlos, adquirente do carro, mas não em relação a Bruno, exeqüente, que poderá excutir* o bem penhorado, como se ele não tivesse sido alienado a Carlos. Mas, entre Carlos (adquirente) e Antônio (alienante) ela subsiste, tanto que Carlos depois pode regredir* contra o devedor.

* Excutir – aquele que está executando, pode pegar um bem daquele que está sendo executado, levar esse bem para ser vendido em hasta pública e com o pagamento da venda, satisfazer seu crédito.* Regredir – acionar o devedor judicialmente, cobrando perdas e danos pelo fato de ter perdido a propriedade, pois só foi vendida para fraudar uma execução.

No início dessa apostila falamos que para alguns doutrinadores, o negócio jurídico ineficaz é sinônimo de negócio jurídico inválido. Essa confusão entre invalidade e ineficácia se faz porque na invalidade todos os efeitos do negócio jurídico se desfazem, porque o ato se desconstitui. Ou seja, a invalidade do negócio jurídico conduz, por via de conseqüência, à ineficácia. Se o negócio jurídico é inválido e, por isso, se desfaz, é evidente que ele não produzirá os efeitos, tornando-se ineficaz. Portanto, os atos inválidos são ineficazes, como conseqüência lógica da sua desconstituição. Se a invalidade provoca o desfazimento do negócio, é evidente que os seus efeitos não se produzirão. Mas, nem todo ato ineficaz é inválido (vejam o exemplo da doação condicional. Ex.1).

Quando falamos “Da invalidade dos negócios jurídicos”, isso nos proporciona a oportunidade de reprisar sobre os três planos em que se pode apreciar um negócio jurídico: ▪ o plano da sua existência ▪ o plano da sua validade ▪ o plano da sua eficácia

O plano da existência diz respeito, como o nome está dizendo, à própria existência do negócio jurídico, para saber se ele chegou a se constituir, se ele nasceu. Negócio inexistente é aquele que não chegou a nascer, que lhe faltou um elemento essencial: se o negócio é inexistente, ele será ineficaz.

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Ex.4: O casamento em que não se fez a celebração é inexistente, porque lhe faltava um elemento essencial.

O plano da validade diz respeito à higidez do negócio jurídico. O negócio pode ser inválido e eficaz. Como pode ser válido e ineficaz. Já o plano da eficácia diz respeito à aptidão, a habilidade do negócio para produzir os efeitos perseguidos.

Ex.5: Válido e ineficaz – a doação condicional onde tal condição não se implementou. Essa doação é existente, ela nasceu, ingressou no mundo jurídico, tem todos os elementos de validade, só que os resultados não se produziram.

Ex. 6: Inválido e eficaz – uma doação obtida sob coação, enquanto não se declara por sentença anulável o negócio, continuará produzindo os efeitos perseguidos e, quando se desconstituir esse ato, os efeitos já produzidos anteriormente se manterão.

Então já sabemos o que é invalidade (nulidade) do negócio jurídico. A invalidade ou nulidade, como já foi dito, decorre sempre de um defeito interno do negócio jurídico. Entretanto, esses defeitos não são todos iguais.

Há defeitos que maculam de tal maneira o negócio jurídico, que não se pode permitir a produção de qualquer efeito ou, resultado. E há outros defeitos, que não são tão graves, que até permitem que o negócio jurídico produza o resultado. Por isso mesmo, a nulidade não podia ser tratada uniformemente. Há dois graus de nulidade ou invalidade do negócio jurídico, esses graus estão de acordo com a gravidade ou intensidade do defeito.

Invalidade (Nulidade) AbsolutaTemos então a Invalidade (Nulidade) Relativa

▪ Nulidade (Invalidade) Absoluta – É aquela que decorre de um grave defeito, que coloca em risco a própria estrutura da sociedade, o seu equilíbrio ético, econômico. O negócio jurídico deve ser extinto. ▪ Nulidade (Invalidade) Relativa – Decorre de um defeito menor,o agente que realizou o negócio jurídico usa de seu direito potestativo quando decide invalidá-lo.

Daí se depreende que nulidade passa a ser gênero, que se desdobra em duas espécies: nulidade absoluta e nulidade relativa ou, invalidade absoluta e invalidade relativa.

Para facilitar o estudo, por razão meramente didática, a doutrina, pragmaticamente, decidiu reservar a palavra nulidade ou nulo para os negócios absolutamente nulos. Então, quando dizemos “esse negócio é nulo” é porque ele é absolutamente nulo. E quando o negócio é relativamente nulo, nós usamos a palavra anulabilidade, o negócio é anulável.

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Portanto, quando se diz “esse contrato é anulável”, significa que ele está contaminado por uma nulidade relativa. Isso não é nenhum erro, ao contrário, é até mais técnico dizer “esse negócio é relativamente nulo ou absolutamente nulo”. Porém, para evitar confusão, nós podemos dizer “esse negócio é nulo”, quando ele for absolutamente nulo e “anulável”, quando ele for relativamente nulo.

Assim, por exemplo, um contrato celebrado diretamente por um louco é nulo. Mas, o contrato obtido mediante coação pode ser anulável.

Há uma armadilha perigosa: O verbo anular não está ligado à anulabilidade e sim à nulidade como gênero. Se eu digo “quero anular esse contrato” tanto pode ser por nulidade absoluta, quanto relativa.

Verbo – Anular - a.nu.lar - significado: invalidar; declarar/tornar nulo; reduzir a zero; destruir, aniquilar e etc. Anular significa declarar a nulidade, seja ela absoluta, seja ela relativa.

Então, naquele caso do contrato celebrado com um louco. Eu vou ao judiciário e digo “Dr. Juiz eu quero anular esse contrato”. E se o contrato for conseguido através de coação, eu uso a mesma frase: “Dr. Juiz eu quero anular esse contrato”. São conseqüências da língua portuguesa, afinal, anular parece ligado à anulabilidade.

Este artifício didático de reservar a palavra nulo para os negócios absolutamente nulos, e anulável para os relativamente nulos, é adotado pelo código civil.

Vejam o art. 166 “É nulo o negócio jurídico quando:” aqui o negócio “é absolutamente nulo”. E, mais adiante, o artigo 171 que diz “é anulável o negócio jurídico...” para os casos de invalidade relativa.

O Código segue essa lição didática da doutrina. Quando fala “é nulo o negócio jurídico”, ele está se referindo à nulidade (invalidade) absoluta. E quando ele diz “é anulável”, está se referindo à nulidade (invalidade) relativa.

Também é preciso partir da seguinte idéia: a nulidade absoluta, o negócio nulo não prejudica apenas a parte que o integra, mas toda a sociedade, porque o negócio nulo contém um defeito extremamente grave. O prejuízo é social. Há, portanto, um interesse difuso na desconstituição desse negócio.

Já a anulabilidade seria uma circunstância menos constrangedora na ordem jurídica, pois o negócio anulável, não ameaça toda a sociedade, ele prejudica apenas a parte que o celebra, o prejuízo aqui é individual. Assim não precisamos partir sempre para a desconstituição desse negócio.

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A nulidade é tratada com sanções muito mais exacerbadas que a anulabilidade. Basta dizer que os atos nulos são fulminados com a maior de todas as sanções civis, que é a sua desconstituição total, inclusive quanto aos seus efeitos.

O negócio jurídico nulo é apagado da memória social. Ele não pode subsistir. Apaga-se da memória social o negócio nulo exatamente para que aquela profunda lesão na ordem jurídica seja cicatrizada, sanada.

Já os negócios anuláveis recebem sanções muito mais brandas. Inclusive eles podem ser ratificados, podem ser aproveitados, os seus efeitos já produzidos persistirão.

CAUSAS QUE LEVAM À NULIDADE DO NEGÓCIO Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:Inciso I – Celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

São aquelas pessoas relacionadas no art. 3º. Claro que só será nulo o negócio, quando for celebrado diretamente pelo absolutamente incapaz. Porque se o negócio for celebrado através do representante legal do absolutamente incapaz, no exercício regular da sua representação, o negócio é válido, não tem nenhum defeito.

Sabem por quê? Como se pode confiar numa vontade emitida por quem não tem o menor discernimento sobre o significado jurídico e ético dessa vontade? Que segurança jurídica haveria? Se nós admitirmos isso, o equilíbrio da sociedade estaria em jogo. Se permitíssemos que pessoas sem o menor discernimento vinculassem juridicamente a outras, as relações jurídicas ficariam absolutamente instáveis, inseguras e isso seria uma catástrofe social. Não há nada que prejudique mais a sociedade que a insegurança ou a incerteza das relações jurídicas.

O leigo pode pensar que os absolutamente incapazes não podem praticar nenhum negócio jurídico. Está errado! Ele não pode praticar DIRETAMENTE, por vontade própria, mas pode celebrar qualquer negócio jurídico desde que seja devidamente representado pelo seu representante legal. O menor de 5 anos pode alienar um imóvel (autorizado por alvará judicial). Esse negócio será perfeitamente válido se for firmado por seu representante legal. Um louco, internado no hospício, pode praticar qualquer negócio jurídico, desde que representado pelo seu curador. Não se esqueçam também dos ato-fato jurídicos. Como exemplo um menor com 14 anos compra um picolé na padaria, tal fato não será um negócio jurídico bilateral, por faltar o elemento vontade por parte do agente que o celebrou (um absolutamente incapaz).

Inciso II – for a) ilícito, b) impossível ou c) indeterminado o seu objeto;

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a) Objeto ilícito é o que contraria a lei. Assim, por exemplo, um contrato de prestação de serviço celebrado com um pistoleiro para matar o inimigo do contratante é nulo. Porque o objeto dessa prestação de serviço é ilícito: “matar alguém”.

Ilícito não é apenas o que viola a lei, mas também à moral, os bons costumes. Inclui-se no conceito de ilícito o objeto imoral. Imoral é aquele que ofende a moral média da sociedade. Então, se o objeto do negócio ofende a moral média, ele também é nulo. A dificuldade prática é que o conceito de ilicitude é objetivo. A lei nos dirá! Enquanto que o conceito de imoralidade é subjetivo, porque você tem que partir da moral média que é um conceito subjetivo.

b) Quando temos um objeto impossível o negócio jurídico é nulo, pois nunca irá produzir seus efeitos. Como, por exemplo, um contrato para construir uma ponte da terra à lua. Essa impossibilidade tem que ser vista também pelo aspecto jurídico. Ex.: A Compra e Venda de uma praia no Brasil é um negócio jurídico nulo, por impossibilidade jurídica do objeto, a praia é um bem de uso comum do povo, não pode ser suscetível de alienação à particular.

c) Quando o objeto é indeterminável é como se não tivéssemos objeto, ou seja, como se objeto não existisse: Quer dizer, se for possível determinar o objeto pelo gênero e pela quantidade o negócio será válido, vocês verão as obrigações de dar coisa incerta (os artigos 243 em diante). Exemplo de negócio com objeto indeterminável: Eu vendo a José uma casa. (Que casa?)

Inciso III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

Mesmo raciocínio para objeto ilícito: Eu compro um revólver de José com o intuito de matar João. Outro ex.: Empresto dinheiro para meu amigo jogar num cassino clandestino (ou no bicho). O mútuo (empréstimo de coisa fungível) nesse caso é nulo. Porque tanto para o mutuário, que está pedindo dinheiro para jogar num cassino clandestino, quanto para o mutuante, que sabe disso e quer participar do resultado, o negócio é nulo. Se o mutuante não souber para quê o mutuário está pedindo o dinheiro, o ato não é nulo (ver artigo 112 do CC). Se for para jogar na sena, na loteria federal, não tem problema porque estes jogos são lícitos.

Inciso IV – não revestir a forma prescrita em lei;

Claro que este caso só se aplica aos negócios para os quais a lei exige uma forma rígida. Porque nos negócios não solenes a forma não tem nenhuma influência na sua validade. Ex.: Na locação de um apartamento a forma do contrato de locação não tem a menor influência na validade desse contrato, mas na compra e venda de um imóvel de valor superior a 30 sal/mín., se o contrato não se revestir da forma escrita pública, é nulo (ver artigo 108 do CC). O contrato para o qual a lei impõe uma forma, se essa forma não é obedecida, isso é caso de nulidade. Outro ex.: O testamento do cego feito por instrumento cerrado é nulo, porque a lei impõe que o testamento do cego seja por escritura pública.

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Inciso V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

Uma coisa é a forma, outra coisa é a solenidade. No exemplo do testamento do cego feito por instrumento cerrado, porque não obedeceu a forma exigida em lei, isso é nulidade por vício de forma. Exemplo de nulidade por vício de solenidade essencial: O testamento do cego, além de se exigir que seja por instrumento público, exige uma solenidade essencial, é que depois de lido o testamento pelo tabelião, o cego escolhe uma das testemunhas para que leia de novo. A lei exige isso porque o tabelião pode estar conluiado com um 3º e fingir que está lendo o verdadeiro testamento do cego, fazendo-o que assine um falso. Por isso o cego deve escolher uma das testemunhas da sua confiança para ler o seu testamento.

Outro exemplo: Um casamento celebrado na casa da noiva. Lá comparece o juiz de direito que pronuncia todas aquelas frases solenes relativas ao pacto. Só que a casa da noiva, durante todo o casamento, ficou trancada, para não permitir a entrada de ninguém. O casamento é nulo, por vício de solenidade essencial. Quando o casamento é celebrado fora da sala de audiência as portas da rua não podem estar trancadas. Por que isso? Porque até a celebração do casamento, qualquer pessoa do povo pode opor oralmente os impedimentos absolutos. Uma pessoa pode querer dizer que o noivo já é casado, por exemplo.

Inciso VI – tiver por objetivo fraudar a lei imperativa;

Inclui-se na nulidade a figura da fraude à lei. Ex.: A lei do FGTS permite o saque para a compra de casa própria, então João saca o dinheiro, compra sua casa, e mais à frente vende a casa de novo, para os proprietários antigos. Ou seja, na verdade João realiza a compra e venda de um imóvel para poder sacar o dinheiro, mas não nunca a comprou de fato, nunca morou lá, os antigos proprietários nunca deixaram de morar no imóvel.

Inciso VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Esse dispositivo parece hilário, porque diz “nulos são os atos que a lei taxativamente declara nulo”. Isso parece o óbvio ululante. Mas, na verdade, quer dizer que os casos anteriores (inciso I ao VI) traduzem nulidades virtuais e o inciso VII traduz nulidade textual.

▪ Nulidades virtuais = Hipóteses abstratas. São molduras. O juiz, para declarar a nulidade do negócio jurídico, terá que ver se o caso concreto se enquadra numa dessas molduras. Ou seja, o juiz, a quem se pede para declarar a nulidade de um negócio jurídico, vai verificar se esse negócio está enquadrado numa dessas molduras.

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▪ Nulidade textual (do inciso VII), que é o seguinte: há certos negócios jurídicos para os quais o legislador não exigiu que o juiz pense, porque o legislador já se antecipa dizendo “nulo é esse negócio determinado”, por isso é que se chama textual. Ou seja, o defeito é tão grave, que o legislador não quis correr o risco do juiz não perceber que aquele negócio se enquadra numa dessas molduras. Então o legislador já, expressamente, comina àquele negócio jurídico a sanção da nulidade. Ex.: Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador. E art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

A simulação é uma manifestação enganosa deliberada de vontade. Ou seja, alguém, deliberadamente, faz uma afirmativa falsa, no propósito de enganar outrem ou fraudar a lei. É, por isso, que o CC comina o negócio simulado com nulidade absoluta, porque é um comportamento extremamente perigoso para o equilíbrio social. Alguém que, conscientemente, faz uma afirmativa não verdadeira no propósito de violar a lei ou, causar prejuízo a 3º. O legislador achou que isso é mais grave que o dolo, o erro, o estado de perigo etc. e, por isso, resolveu tratar de maneira mais gravosa.

Muita gente não entende o art. 167, para entender este artigo, primeiro precisa entender o que é o negócio simulado e o negócio dissimulado.

▪ Negócio Simulado – é aquele que se apresenta diante de nossos olhos, que nós estamos vendo. Numa linguagem metafórica, seria a ponta do iceberg. Está acima da linha d’água.

▪ Negócio Dissimulado – é aquele que efetivamente se praticou, mas que se quer esconder, disfarçar. O negócio dissimulado é a parte do iceberg que está abaixo da linha d’água. Você não vê, mas ele existe, na verdade, maior até do que se vê.

Ex. 1: Um homem casado, obviamente, não pode fazer doação à concubina. O Código é claro “Nula é a doação da pessoa casada ao concubino” (nulidade textual). Mas, o homem casado quer doar o seu automóvel à sua concubina e decide simular um contrato de compra e venda, e diz que está vendendo o automóvel por 20 mil reais a concubina. Ato Simulado -> A compra e venda de um automóvel. Ato Dissimulado -> A doação de um automóvel. O que se praticou foi uma doação, mas o que se apresenta formalmente aos nossos olhos é uma compra e venda, porque compra e venda em que o preço não é pago, não é compra e venda, é doação. Ex. 2: José vende a João uma casa por 100 mil reais, para diminuir o imposto (ou atender problema de caixa) declara na escritura que o preço foi de 70 mil. Ato Simulado -> Uma venda por 70 mil. Ato Dissimulado -> Uma venda por 100 mil (o que ocorreu na realidade)

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Dissimulado é o que se realizou, mas que se quer esconder ou fingir que foi diferente. Simulado é o que se apresenta diante de nossos olhos, como se fosse realidade, mas não é.

O 1º exemplo (do homem casado que simulou uma compra e venda, quando na verdade foi uma doação à concubina), essa doação não vai subsistir, porque ela não é válida na substância. Neste caso, serão inválidos tanto o negócio simulado, quanto o negócio dissimulado. Porque o negócio dissimulado não é válido na sua substância, porque traduz uma doação de um homem casado à sua concubina, que é proibido.

Já no 2º exemplo, a Compra e Venda é válida, porque o ato dissimulado, que foi a Compra e Venda por 100 mil, é válido na substância e na forma, não havia nenhum impedimento de vender o imóvel ao comprador; houve consentimento das partes; a forma foi a prescrita em lei (foi feito por escritura pública). Qual a vantagem de se anular este negócio? Nenhuma. As partes responderão pelo ilícito tributário, isso é outra coisa. Porém, a parte não pode pedir para anular a compra e venda porque foi simulada. A Compra e Venda foi simulada, mas a dissimulação vai prevalecer. O ato dissimulado, nesse caso, era válido na substância, porque nada impedia essa compra e venda; e na forma, porque foi feito por escritura pública, como exige a lei.

Com isso, abrandou-se a regra do art. 167, ou seja, não é todo negócio simulado que será nulo, tem-se que examinar, quando tiver um caso de simulação, se o negócio dissimulado pode ser aproveitado, porque ele é válido na substância e na forma.

O § 1º do art. 167 elenca as hipóteses que tipifica a simulação.§ 1º - Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:Inc. I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

Ex.: O pai quer vender um de seus apartamentos ao seu filho mais velho e, para isso, depende do consentimento dos outros filhos, que negam tal consentimento. Então ele tem uma idéia, vende esse apartamento a um amigo e 1 mês depois o amigo vende esse apartamento ao filho mais velho.

Reparem que se vocês examinarem isoladamente esses negócios jurídicos são válidos, mas se vocês examinarem em conjunto vocês enxergam a simulação, porque aqueles negócios aparentam transmitir direitos à pessoas diversas. Aparenta transferir o apartamento ao 3º, amigo do vendedor, mas, na verdade, está transferindo ao filho.

Inc. II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

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É o exemplo da compra e venda do apartamento por preço diverso do declarado para sonegar imposto. Todo negócio que contém uma declaração não verdadeira é simulado (vendi, mas na verdade doei etc.)

Inc. III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

Antedatar um documento é simulação. São declarações não verdadeiras. Antedatar ou pós-datar um documento particular é uma simulação. Eu firmo o contrato no dia 14 e antedatado dizendo que é dia 10. Ou, ao contrário, eu faço um contrato no dia 10 só que eu dato no dia 14. Ex.: Eu firmo o contrato no dia 14 e antedatado dizendo que é dia 10. Qual é o negócio simulado? O contrato com data do dia 10. Qual é o negócio dissimulado? O contrato com a data do dia 14. Se não ofender na substância e na forma pode-se aproveitar. Isso aí foi colocado, porque a doutrina fazia uma distinção entre simulação maliciosa e simulação inocente. Só que o CC aborda isso de outra maneira (negócio simulado e negócio dissimulado).

O que é simulação inocente que a doutrina antiga falava? Era aquela que não causava prejuízo ou não visava fraudar a lei. Enquanto que a maliciosa causava prejuízo ou fraudava a lei. Na simulação inocente o juiz podia aproveitar o contrato. Portanto, essa idéia do art. 167 não é nova. O CC fala de maneira diferente. Quer dizer, o art. 167 quer que se aproveite essas simulações inocentes.

Na prova oral da magistratura em 2008 foi perguntado o seguinte: “Se o Código diz que eu não posso antedatar ou pós-datar os instrumentos particulares. Então quer dizer que eu posso antedatar ou pós-datar os instrumentos públicos?” Olha o perigo da interpretação literal. É claro que não pode, porque quando o instrumento é particular antedata-los ou pós-data-los é apenas simulação, mas quando o instrumento é público, é muito mais do que isso, é crime, crime contra a fé pública.

Art 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.

A palavra “porém” significa exceção, porque nos artigos antecedentes eles estão definindo o que é ato nulo, seus efeitos etc.

Vejamos: José resolve vender o seu apartamento por 50 mil a João. Portanto, é um imóvel de valor superior a 30 sal/min. Mas, como eles não conhecem a lei, são 2 pessoas de boa fé, honestas, mas leigas. Eles pegam uma folha de papel almaço e produzem um contrato de Compra e Venda do apartamento. É um negócio jurídico nulo por vício de forma, foi feito por instrumento particular. Só que as partes queriam realizar uma Compra e Venda, nada os impedia de realizar tal negócio, o preço foi pago, o preço é de mercado, ninguém foi coagido, o juiz está convencido de que eles queriam fazer a Compra e Venda. Então o juiz vai transformar essa Compra e Venda, que seria nula, em promessa de Compra e

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Venda (que é um contrato preliminar), que pode ser feita por instrumento particular.

É mais uma tentativa do legislador de aproveitar os negócios jurídicos. O juiz percebe que as partes estão de boa fé, eles queriam celebrar a Compra e Venda e se soubessem que fazê-lo por instrumento particular seria nula, eles teriam feito por instrumento público. O juiz não pode validar esse negócio jurídico por instrumento particular. Então o CC abriu uma solução: Compra e Venda não é, mas é promessa de Compra e Venda e a partir daí pode-se conferir definitividade a essa Compra e Venda, transformando-a em instrumento público e, com isso, se aproveita essa Compra e Venda que, a rigor, seria nula.

CAUSAS QUE LEVAM À ANULABILIDADE DO NEGÓCIO

Artigos 171 e seus incisos.

Para entender melhor precisamos rever: Quais as principais diferenças entre nulidade (invalidade absoluta) e anulabilidade (invalidade relativa)?

1ª diferença: a nulidade absoluta é oponível erga omnes (contra todos), ou seja, qualquer interessado não necessariamente aquele que praticou o negócio e sofreu o prejuízo, qualquer interessado pode demandar pela desconstituição do negócio jurídico. Ele não precisa provar que foi prejudicado, qualquer interesse jurídico moral habilita alguém a pedir a desconstituição de um ato nulo. Sabem por quê? Como o negócio nulo afeta toda a sociedade, há um interesse social de desconstituí-lo. Por isso qualquer interessado, mesmo que não tenha sofrido o menor prejuízo, poderá requerer a nulidade.

Já o negócio anulável só quem sofreu o prejuízo pode demandar pela sua desconstituição. O juiz perguntará “este ato que o Sr. quer desconstituir lhe causou algum prejuízo?” Nenhum. “Então não me chateia. O Sr. não está legitimado para desconstituir esse ato, porque o Sr. não foi prejudicado.”

2ª diferença: O juiz pode de ofício (sem provocação) declarar a nulidade no curso de uma ação qualquer, se o juiz perceber que determinado negócio jurídico é nulo, ele pode fulminá-lo, ainda que as partes não requeiram. Ex.: Uma ação de cobrança de débito locatício ajuizada em face do fiador. O fiador se limita a contestar o quantum debeatur, mas, no curso da ação, o juiz se convence, por provas inequívocas que o locatário já era louco ao firmar contrato de locação. Se o locatário era louco e firmou diretamente o contrato, o contrato é nulo. E, se o contrato (principal) é nulo, a fiança também o é (pois é acessório).

Já a anulabilidade não pode. O juiz, mesmo convencido que o negócio é anulável, mesmo certo de que o agente sofreu um dolo e houve prejuízo, se o prejudicado não reclama a anulação, o juiz validará o negócio, reconhecerá os seus efeitos. Porque o juiz não pode de ofício reconhecer a anulabilidade do negócio jurídico.

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3ª diferença: O negócio nulo não admite saneamento, nem mesmo pelo decurso do tempo. Se ele é nulo, ele está inexoravelmente fadado a ser apagado da memória social. Não se pode ratificá-lo. Se pudesse saná-lo, ratificá-lo, consertá-lo sempre ficaria uma lembrança dessa lesão.

Já o negócio anulável admite saneamento até tácito. Pode-se corrigir o defeito e aproveitar o negócio. Ex.: 2 anos depois que eu celebrei um contrato, eu verifico que, equivocadamente, fui vítima de um dolo do outro contratante e, graças a esse dolo, assinei esse contrato. Só que o contrato ao invés de prejudicar, está produzindo resultados que eu considero excelentes para mim. O tiro saiu pela culatra, o contrato está me beneficiando. Não há nenhum interesse em anular esse contrato, então eu não faço nada. E, decorridos 4 anos, nunca mais se poderá argüir esse defeito. Ou seja, houve uma ratificação tácita, basta a inércia do contratante, tomando conhecimento do vício. O simples fato de eu continuar cumprindo o contrato sabendo da existência do vício é um ratificação tácita. Obs.: Ex. de ratificação expressa: Meu filho de 17 anos assinou diretamente o contrato, ele é anulável. Só que eu que sou o pai, achei ótimo o contrato e assino embaixo. No momento que o pai assina o contrato, ele está ratificando expressamente o contrato.

4ª diferença: As ações que visam declarar a nulidade não prescrevem nunca. Isso o Código diz textualmente no artigo 169: os atos nulos não convalescem pelo decurso do tempo. Isso significa dizer que 10 anos depois de se celebrado um negócio nulo, qualquer interessado pode ajuizar uma ação para desconstituí-lo.

Já as ações de anulabilidade estão sujeitas a prazos extintivos geralmente curtos de 4 anos, 2 anos. São prazos decadenciais. Ex.: Eu firmei um contrato vítima de dolo, 4 anos da celebração do contrato, se eu não ajuizei a ação de anulação, não posso fazer mais nada. Não posso mais argüir o dolo, vou ter que cumprir o contrato até o fim, soubesse ou não do dolo.

Na nulidade há um interesse da sociedade em desconstituir o negócio. Na anulabilidade o interesse é individual. Portanto, se a parte, que sofreu o prejuízo, também não se interessa rapidamente em desconstituí-lo, não é a sociedade que tomará as suas dores, não é a sociedade que vai bancar a babá do prejudicado.

5ª diferença: Os efeitos da sentença de nulidade retroagem até a prática do negócio, exatamente para apagar os seus efeitos, para que não fique a lembrança de nenhum efeito. Ou seja, a sentença de nulidade produz efeitos “ex tunc”.

Já os efeitos da sentença de anulabilidade são “ex nunc”, exatamente para que remanesçam os efeitos já produzidos. Se o prejudicado também não se interessou logo para desconstituir o ato, ele que suporte os efeitos que já foram produzidos.

6ª diferença: A sentença que reconhece a nulidade é meramente declaratória. Porque ela não muda a relação jurídica entre as partes. Se o negócio é nulo, ele já nasceu nulo, ou seja, como se fosse inexistente. Portanto, a sentença se limita a

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declarar que aquele negócio é nulo. As partes já estavam desvinculadas, porque aquele negócio é como se nunca tivesse sido celebrado. Por isso é que a sentença é declaratória. Como a sentença de nulidade é declaratória, ela não causa nenhuma modificação na relação jurídica entre as partes e, essa relação, a rigor, nunca existiu, ela não pode estar sujeita a prazo extintivo.

Já a sentença de anulabilidade é constitutiva, tipicamente constitutiva, porque ela modifica a relação jurídica entre as partes. As partes entram na ação vinculadas pelo negócio jurídico e saem da ação desvinculadas. E, a sentença que modifica a relação jurídica é uma sentença constitutiva.

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

Inciso I – por incapacidade relativa do agente;

São aquelas pessoas relacionadas no art. 4º. Anuláveis são os negócios jurídicos praticados diretamente pelos relativamente incapazes. Ou seja, um relativamente incapaz pode contratar desde que esteja devidamente assistido.

Há negócios jurídicos, porém, que são praticados por menores púberes, que são relativamente incapazes, sem assistência, que são válidos. Então, essa regra não é absoluta. Ex.: O menor púbere (entre 16 e 18 anos) pode fazer testamento diretamente. Pode prestar depoimento no cível ou no crime. Pode habilitar-se para votar, pode realizar “contratos necessários” e etc. Isso são exceções, pois a regra geral é que os negócios jurídicos praticados por relativamente incapazes, sem assistência de seu representante legal, são anuláveis.

No caso de incapacidade, em relação aos atos praticados pelos incapazes, o prazo também é de 4 anos, mas contados do dia em que cessa a incapacidade (Art. 178, III).

Inciso II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Aqui devemos lembrar que apenas a parte prejudicada poderá entrar com a ação visando invalidar o negócio jurídico realizado. Porém em se tratando de coação, lembremos que a coação física, irresistível, leva a inexistência do negócio jurídico pois o elemento vontade do agente nunca existiu. Já na coação moral é resistível, assim, o prejudicado poderá, se quiser, provar que sua vontade existiu porém estava viciada pela coação, e requerer a invalidade do negócio realizado.

Art. 178 - O art. 178 estabelece um prazo de 4 anos de decadência para pleitear a anulação do negócio jurídico. Olha o perigo do verbo, pleitear a anulação, mas por anulabilidade, porque se é por nulidade absoluta não há prazo nenhum. Quando o negócio jurídico está contaminado por erro, dolo, estado de perigo, lesão e fraude contra credores o prazo de 4 anos, conta-se do dia que se celebrou o negócio

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viciado. E, como é prazo decadencial, decorrido esse prazo, não há mais como anular. Não interessando se o prejudicado sabia ou não do vício. O prazo é decadencial e é objetivo, não depende da parte saber do defeito (Art. 178, II).

Porém, na coação é diferente, na coação o prazo também é de 4 anos. Só que começa a contar do dia em que o coacto se vê livre do coator, o que pode levar 10 anos, 20 anos, 30 anos. E a razão é óbvia, se a vontade, na coação, se obteve através de uma ameaça de um mal injusto, enquanto o coacto puder ser alcançado pela ameaça do coator é óbvio que ele não iria requerer a desconstituição do negócio. Porque se ele requerer a desconstituição do ato, o coator realiza a ameaça. (Art. 178, I)

Ex.: Se você não me doar a sua casa, mato seu filho. Para não arriscar a vida do filho, o coacto doa a casa. Só que a casa doada fica ao lado da casa onde o coacto mora e, todo dia, o coator passa em frente a sua porta, por isso ele não quer requerer a anulação, pois se o fizer, o coator vai matar o seu filho. Mas, no momento em que o coacto toma conhecimento que o coator foi preso, por 50 anos, em regime fechado. Ele sabe então que o coator não poderá cumprir com a ameaça. Aí começaria a correr o prazo de decadência. Isto é muito justo.

Em suma, o prazo é, aparentemente, o mesmo dos outros vícios – 4 anos, o que muda é o “dies a quo”.

Art. 184 – Este artigo fala na nulidade parcial.

Os negócios jurídicos muitas vezes são complexos, têm várias cláusulas, condições, muitas vezes aparecem vários negócios conjugados. Então pode ser que um desses negócios, ou uma das partes desse negócio é que esteja maculado, se for possível aproveitar o restante é o que acontece.

Só se desconstituirá todo o negócio, se não for possível aproveitá-lo na parte que não está contaminada. Ou seja, se o vício está numa cláusula que não é essencial e, que uma vez retirada, não descaracteriza o negócio, só se anula aquela cláusula. Isso acontece muito com as cláusulas abusivas nos contratos de consumo. Nos contratos de consumo a cláusula abusiva é nula, mas não precisa invalidar todo o contrato, só a cláusula abusiva. Porém, se a cláusula que é nula descaracteriza todo o negócio, então não tem jeito. É isso que o art. 184 quer dizer.

E sabem por quê? Porque há um interesse social na preservação dos negócios jurídicos. Só se deve desconstituir um negócio jurídico quando não tiver outra alternativa. A desconstituição de um negócio jurídico é sempre socialmente traumática. Não faz bem ao equilíbrio e a estabilidade das relações jurídicas. Aliás, costuma-se dizer que o oxigênio de que se nutre a sociedade é exatamente a segurança e a estabilidade das relações jurídicas.

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