a invalidade dos atos processuais no processo civil · rafael alfredi de matos a invalidade dos...
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
A invalidade dos atos processuais no processo civil
Dissertao de Mestrado
Orientador: Professor Doutor Marcelo Magalhes Boncio
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE DIREITO
So Paulo-SP
2015
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
A invalidade dos atos processuais no processo civil
Dissertao de Mestrado apresentada Banca Examinadora do Programa de
Ps-Graduao em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de So
Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito,
na rea de Direito Processual Civil, sob orientao do Professor Doutor
Marcelo Magalhes Boncio.
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE DIREITO
So Paulo-SP
2015
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FOLHA DE APROVAO
Nome: MATOS, Rafael Alfredi de.
Ttulo: A invalidade dos atos processuais no processo civil
Dissertao de Mestrado apresentada Banca Examinadora do Programa de Ps-
Graduao em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, como
exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito, na rea de Direito
Processual Civil.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. ______________________Instituio: __________________________
Julgamento: _____________________Assinatura: _________________________
Prof. Dr. ______________________Instituio: __________________________
Julgamento: _____________________Assinatura: _________________________
Prof. Dr. ______________________Instituio: __________________________
Julgamento: _____________________Assinatura: _________________________
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Isabela, minha esposa, meu amor, e ao meu filho, Daniel,
que ainda nem nasceu mas j mudou a minha vida.
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Guiga e Lcia, e ao meu irmo, Lucas, por sempre
acreditarem nos meus sonhos.
Aos meus avs, Sylvio e Deolinda (in memorian), pelos valores que me
foram passados.
Ao Professor Marcelo Boncio, exemplo de serenidade, pela confiana ao
conceder-me o privilgio de ser seu orientando.
Aos amigos Guilherme Recena, Pedro Leite e Marcus Pinto, por toda a
ajuda durante o mestrado.
Aos amigos do Lucon Advogados, na pessoa do Dr. Paulo Lucon, pelo
incentivo no ingresso no mestrado.
Aos meus scios no Souza Matos Silva Mattos Advogados, Leonardo
Souza, Edson Silva e Leonardo Mattos, por compartilharem um sonho.
Aos amigos Eduardo e Talita, por amenizarem a saudade da Bahia nos
quatro anos em que morei em So Paulo.
A todos, muito obrigado!
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RESUMO
Rafael Alfredi de Matos. A invalidade dos atos processuais no processo civil. 2015. 150
fls. Dissertao de Mestrado Faculdade de Direito, Universidade de So Paulo, So
Paulo, 2015.
O presente trabalho tem como objetivo o estudo das invalidades dos atos processuais no
processo civil. Para isso, destacado que as formas processuais so importantes, por
conceder previsibilidade e organizao ao procedimento, porm certo que elas no
representam um fim em si mesmo, j que o processo tem como escopo principal a entrega
da prestao jurisdicional de forma clere, justa e eficaz. Nesse sentido, o trabalho
identifica os atos processuais dentro do contexto geral dos atos jurdicos, todavia
iluminados pelas regras de sobredireito processual: o princpio da instrumentalidade, o
princpio do prejuzo, o princpio do interesse e a regra da presuno de validade dos atos.
Assim, aps a anlise das sistematizaes mais importantes feitas pela doutrina acerca das
invalidades no processo civil, o trabalho destaca os passos cognitivos de um juzo de
invalidao, testados em algumas das invalidades cominadas. Por fim, so apresentados
alguns vcios da sentena e as suas peculiaridades.
Palavras-chave: Processo Civil. Formalismo. Atos processuais. Vcios dos atos. Vcios da
sentena. Invalidades e nulidades processuais.
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ABSTRACT
Rafael Alfredi de Matos. The Invalidity of Procedural Acts in Brazilian Civil Procedure.
2015. 150 fls. Masters Dissertation School of Law, University of So Paulo, So Paulo,
2015.
The dissertation explores the invalidity of procedural acts in Brazilian civil procedure. In
that sense, while underscoring that procedural form is important, providing predictability
and organization to the proceedings, it does not represent an end in and of itself, since the
main goal of civil justice is to give a definitive resolution to the dispute in a manner that is
timely, just and efficient. Down this path, the dissertation qualifies procedural acts within
the general framework of legal acts, but subject to meta-rules of civil procedure: the
principle of its instrumental role, the harmless error test (pas de nullit sans grief), the
identification of the protected interests and the presumption in favor of validity. After
analyzing the most important doctrinal constructions on the topic, the dissertation proposes
a framework to organize the cognitive steps of judgments on invalidity of procedural acts,
tested and applied in connection with nullity cases. Lastly, the dissertation classifies
defects relating to judgments and their peculiarities.
Key words: Civil Procedure. Procedural form. Procedural acts. Acts defects. Judgmentes
defects. Invalidity of procedural acts.
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SUMRIO
INTRODUO ............................................................................................................... 9
CAPTULO 1. FORMA E FORMALISMO ............................................... 13
1.1 A importncia da forma dos atos processuais ................................................................ 13
1.2 A forma no direito positivo brasileiro ............................................................................ 18
1.2.1 Cdigo de Processo Civil de 1973 .............................................................................. 18
1.2.2 Processo Eletrnico ..................................................................................................... 21
1.2.3 O novo Cdigo de Processo Civil ............................................................................... 24
CAPTULO 2. O ATO JURDICO PROCESSUAL................................... 28
2.1 O processo como procedimento em contraditrio ......................................................... 28
2.2 O ato processual ............................................................................................................. 31
2.2.1 Plano da existncia ...................................................................................................... 37
2.2.2 Plano da validade ........................................................................................................ 39
2.2.3 Plano da eficcia ......................................................................................................... 41
CAPTULO 3. REGRAS E PRINCPIOS NORTEADORES DO
SISTEMA DAS INVALIDADES PROCESSUAIS ..................................... 44
3.1 Princpio da instrumentalidade ...................................................................................... 45
3.2 Princpio do prejuzo ...................................................................................................... 48
3.3 Princpio do interesse ..................................................................................................... 51
3.4 Presuno de validade dos atos ...................................................................................... 55
CAPTULO 4. SISTEMATIZAES DAS INVALIDADES
PROCESSUAIS .............................................................................................. 59
4.1 Nulidade absoluta, nulidade relativa e anulabilidade ................................................... 61
4.2 Nulidade cominada e no cominada .............................................................................. 66
4.3 Nulidade de fundo e de forma ........................................................................................ 69
4.4 Nulidade em decorrncia da relevncia da atipicidade .................................................. 71
CAPTULO 5 O JUZO DE INVALIDAO ............................................ 75
5.1 Identificao do vcio ..................................................................................................... 77
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5.2 Poderes de iniciativa ...................................................................................................... 81
5.3 Superao do vcio ......................................................................................................... 90
5.3.1 Saneamento ................................................................................................................. 90
5.3.2 Precluso e coisa julgada ............................................................................................ 92
5.4 Contraditrio e dever de fundamentao ....................................................................... 99
5.5 O juzo de invalidao em algumas hipteses de nulidade cominada ......................... 102
5.5.1 Processo em que Ministrio Pblico no participou, quando a sua participao como
custos legis era obrigatria ................................................................................................ 102
5.5.2 Vcios nas intimaes ............................................................................................... 104
CAPTULO 6 INVALIDADES E VCIOS DA SENTENA ................... 107
6.1 Sentena prolatada em processo com vcio na citao, com ru revel ........................ 110
6.2 Sentena prolatada por juiz incompetente e por juiz sem jurisdio ........................... 117
6.3 Sentena prolatada por juiz impedido ou suspeito ....................................................... 121
6.4 Sentena ultra, extra ou citra petita ............................................................................. 124
6.5 Sentena sem fundamentao ...................................................................................... 128
6.6 Sentena prolatada em processo com indeferimento de produo de provas .............. 131
6.7 Sentena inexistente ..................................................................................................... 134
CONCLUSO .............................................................................................. 137
REFERNCIAS ........................................................................................... 141
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INTRODUO
O estudo da forma e das invalidades1 dos atos processuais tema que sempre
ocupou grande espao na doutrina do direito processual civil,2 mas que continua, at hoje,
atual e controverso.3 Como sabido, o modelo legal de regramento das invalidades dos atos
processuais sempre variou ao longo da histria, marcado pela dicotomia entre a rigidez e a
liberdade das formas.45
Nos tempos atuais, no possvel pensar o processo sem entender que o
formalismo exagerado coloca em xeque a sua prpria finalidade.6 Por isso, o processo no
pode ser analisado apenas por seu vis dogmtico, ignorando-se que o sistema positivo
inspirado em princpios que visam garantir a sua mxima efetividade.7 Inclusive, nesse
sentido, a Emenda Constitucional n 45/2004 concedeu celeridade processual o status de
norma constitucional,8 o que ressalta, ainda mais, a necessidade de o processo, alm de ser
justo, ser clere.9
1 De incio, importante salientar que a adoo termo invalidade para classificar os atos processuais tidos
como viciados uma escolha decorrente das concluses deste trabalho. Entretanto, ainda diante das
concluses obtidas, a utilizao do termo nulidade (sem as adjetivaes usualmente encontradas na
doutrina, como, por exemplo, absoluta ou relativa), tambm seria vlida. 2 Ver, por exemplo, SATTA, Salvatore. Il Formalismo nel processo, p. 141.
3 A controvrsia doutrinria reside, prioritariamente, nas sistematizaes das invalidades processuais. Ver,
sobre o tema, o Captulo 4. 4 uma realidade que o direito processual, e tambm a prpria tcnica do processo no algo nunca
arbitrrio, mas algo que traz em sua prpria medida de exigncias prticas e culturais de um determinado
tempo. O direito processual, em suma, pode ser considerado, em certo sentido, se nos permitir a metfora, um
espelho no qual, com extrema fidelidade, se refletem os movimentos do pensamento, da filosofia e da
economia de um determinado perodo histrico. (CAPPELLETTI, Mauro. El proceso civil em el derecho
comparado: las grandes tendncias evolutivas, p.14-15). 5 Um breve apanhado histrico sobre a forma do ato processual ser realizada no Captulo I.
6 Cf. BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Direito e processo. A influncia do direito material sobre o
processo, passim. 7 Efetividade o alcance do mximo de resultado na atuao do direito com o mnimo emprego possvel de
atividades processuais. Neste sentido, CINTRA, Antonio Carlos de Arajo; GRINOVER, Ada Pellegrini;
DINAMARCO, Cndido Rangel. Teoria Geral do Processo, p. 28. 8 Trata-se de regramento constitucional, presente no Texto Maior em seu Ttulo II, que prev um rol
exemplificativo dos direitos e garantias fundamentais e inclui, dentre eles, a celeridade processual. A Emenda
45/04 (Reforma do Judicirio) previu que os processos administrativos e judiciais devem garantir todos os
direitos s partes, sem, contudo, esquecer a necessidade de desburocratizao de seus procedimentos e na
busca de qualidade e mxima eficcia de suas decises. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional,
p. 46). 9 o chamado processo civil de resultados, a servio do cidado, descrito por Dinamarco (DINAMARCO,
Cndido Rangel. Instituies de Direito Processual Civil. p. 110-112 e 117-119). Lucon destaca que
preciso visualizar o processo (e isso vale para todo e qualquer processo, como mtodo de resoluo de
conflitos, inclusive o administrativo) a partir dos seus resultados e como instrumento apto a proporcionar
decises justas, razoveis e proporcionais com a realidade. (LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Devido
processo legal, substancial e efetividade do processo, p. 277).
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No direito brasileiro, especialmente com base no atual panorama doutrinrio,10
impossvel estudar qualquer tema relacionado forma processual sem ter os olhos
iluminados pelo instrumentalismo11
e pelos princpios constitucionais do devido processo
legal, do contraditrio, da ampla defesa e da razovel durao do processo.12
por isso que, muito embora seja reconhecida a necessidade de uma previso da
forma dos atos processuais como garantia da legalidade e da previsibilidade do
procedimento,13
determinados vcios dos atos processuais no devem ocasionar
invalidao, dentro da premissa da preservao dos atos processuais viciados desde que
tenham atingido o seu objetivo e que o contraditrio tenha sido respeitado.14
Afinal, o
objetivo fundamental da previso de determinada forma a garantia dos princpios e
valores incidentes no processo.
O grande desafio, todavia, diante do reconhecimento da instrumentalidade da forma
como regra fundamental do sistema e da consequente possibilidade abstrata de o vcio ser
superado luz do caso concreto15
conseguir racionalizar, ao menos, um roteiro cognitivo
para que, diante de um vcio no ato processual, seja possvel definir se a invalidade ser
decretada ou no.16
essa a principal misso do presente trabalho.
10
A doutrina processual brasileira, como sempre, continua em ampla produo intelectual. Algumas
escolas processuais ganham relevo no cenrio nacional, principalmente, a escola instrumentalista, com
bero na histrica Faculdade de Direito do Largo de So Francisco, e a escola constitucionalista do
processo, com maior relevo no Rio Grande do Sul, especialmente em razo da repercusso das ideias de
Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. As teses defendidas por essas duas escolas, complementares que so (a
escola constitucionalista reconhece o instrumentalismo como ponto de partida de seus estudos), dedicam-se,
entre outros pontos, a destacar a funo do processo como mecanismo de entrega da prestao jurisdicional
pelo Estado, de maneira clere, justa e eficaz. Nesse ponto, ambas realizam profundo estudo sobre a forma
dos atos processuais e, por decorrncia, dos seus vcios. 11
Cf. Cndido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo, passim. 12
(...) as relaes entre processo e Constituio no se colocam apenas no plano das garantias
constitucionais do processo. Vo alm, devendo ser pensadas a partir da nova teoria das normas e dos direitos
fundamentais. Vale dizer: o processo civil deve ser pensado a comear da metodologia prpria do direito
constitucional contemporneo deve ser pensado na perspectiva dos direitos fundamentais. (ALVARO DE
OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do Formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo, p.
21). 13
AULETTA, Ferruccio. Nullitt e Inesistenza degli atti pocessuale civile, p. 122. A importncia da forma
do ato processual tambm ser tratada no Captulo 1, infra. 14
Neste sentido, BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Tcnica Processual, p.
421. 15
CALMON DE PASSOS, Jos Joaquim. Esboo de uma teoria das nulidades aplicadas s nulidades
processuais, p. 124. 16
Da a impossibilidade de criar frmulas abrangentes em relao ineficcia do ato processual nulo. Regra
a que se pretenda atribuir alcance geral, nesta sede, tem que expressar a inteno de evitar anulao do
processo por irregularidade formal. A atividade saneadora do juiz, voltada ao longo de todo o procedimento,
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11
Nesse sentido, para que seja possvel analisar as invalidades no direito processual
civil, imperioso que seja tambm analisado o ato processual, com o seu devido
enquadramento dentro da teoria dos fatos jurdicos.17
O ato processual , sem dvida,
instrumento para a realizao da tutela jurisdicional, dentro do procedimento em
contraditrio,18
o que possibilita entender que relevantes, portanto, so as consequncias
do ato, no o ato em si mesmo.19
Esse o foco do Captulo 2, infra.
Na mesma esteira, necessrio estudar as regras e princpios norteadores das
invalidades processuais, em especial o princpio da instrumentalidade, o princpio do
prejuzo, o princpio do interesse e a regra da presuno de validade dos atos processuais.
Constata-se, deste modo, a existncia de um conjunto axiolgico de regras e princpios que
rege o sistema das invalidades processuais, conforme consta no Captulo 3 deste trabalho.
oportuno, tambm, o estudo das principais tentativas de sistematizaes das
invalidades processuais realizadas pela doutrina, que contribuem para o entendimento do
fenmeno. Por isso, sero analisadas, no Captulo 4, as sistematizaes que separam as
nulidades em absoluta, relativa e anulabilidade; a sistematizao que as separam em
cominada e no cominada; a sistematizao que as separam em nulidade de fundo e de
forma; e, por fim, a sistematizao que leva em conta a relevncia da atipicidade.
Estabelecidos tais critrios, passa-se anlise do juzo de invalidao no Captulo
5, que , propriamente, o roteiro cognitivo para a decretao (ou no) da invalidade diante
do caso concreto. Inicia com a prpria identificao do vcio do ato processual, quando h
desvio da forma prevista no suposto normativo. Segue com a verificao da legitimidade
da iniciativa, com a ulterior anlise da possibilidade de superao do vcio. Por fim, no
sendo possvel aproveitar o ato viciado, ou mesmo sanar o vcio, o tema dever ser
no deve ser voltada ao reconhecimento de invalidades e extino do processo sem exame de mrito. Ao
contrrio, ele tem o dever de se preocupar com a preservao, conservao e saneamento dos atos
processuais, possibilitando o prosseguimento do processo at o seu objetivo final. (BEDAQUE, Jos
Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Tcnica Processual, p. 447). 17
Conforme ser visto no Captulo II, o regime das invalidades no Direito Processual Civil aparentemente
semelhante quele existente no direito privado, especialmente na forma como foi sistematizado por Pontes de
Miranda (Tratado de Direito Privado: parte geral. Tomo I. Introduo: das pessoas fsicas e jurdicas).
Todavia, diante das peculiaridades do Direito Processual Civil, algumas adaptaes devem ser feitas ao seu
regime. 18
Ver item 1.1, infra. 19
BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Tcnica Processual, p. 421.
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submetido ao contraditrio para, se for o caso, ser decretada a invalidade, em deciso
densamente fundamentada. A construo do roteiro terico testada no prprio captulo
com a anlise de duas invalidades cominadas: a ausncia de participao do Ministrio
Pblico em processo no qual deveria oficiar como custos legis e o vcio na intimao.
Aps, diante das peculiaridades das invalidades no campo da sentena (que
ultrapassam o mero requisito formal e demandam investigao de seu contedo), so
analisadas algumas hiptese de vcio ou invalidade da sentena, no Captulo 6.
Por fim, na concluso, apresentada a sntese dos pensamentos desenvolvidos no
trabalho, em forma de tpicos, para uma apresentao mais concisa. O intuito do trabalho
contribuir com algumas ideias sobre esse tema clssico to intrigante e, ao mesmo tempo,
to desafiador.
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1 FORMA E FORMALISMO
1.1 A importncia da forma dos atos processuais
O processo justo aquele que se realiza de modo a dar ao conflito de interesses a
melhor soluo, dentro de um espao temporal tido como razovel,20
para cumprir com o
seu escopo social.21
Essa definio sintetiza a busca de duas das principais qualidades que
o processo deve (ou deveria) ter: certeza na aplicao do direito e celeridade.22
A grande dificuldade, porm, conseguir equacionar essas qualidades no conjunto
de normas reguladoras do processo. Conforme em alerta Barbosa Moreira, se uma justia
lenta demais decerto uma Justia m, da no se segue que uma Justia lenta muito
rpida seja necessariamente uma Justia boa. O que todos devemos querer que a
prestao jurisdicional venha a ser melhor do que . Se para torn-la melhor preciso
aceler-la, muito bem: no contudo, a qualquer preo.23
E a definio das regras sobre as
formas dos atos processuais influiu, de forma contundente, no ritmo que ser concedido
marcha do procedimento.
Por isso, na busca por um direito processual civil que atenda aos anseios de seu
tempo, os diversos diplomas legais trataram sobre a forma do ato processual, com
abordagens variadas.24
20
MORELLO, Augusto Mario. El proceso Justo. p. 225 e ss. 21
Realmente, o direito fundamental ao processo justo apresenta, alm da dimenso subjetiva, uma dimenso
objetiva: h um interesse geral, para alm dos participantes do processo, na sua observao e promoo.
(ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto e MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil: volume 1:
Teoria Geral do Processo Civil e Parte Geral do Direito Processual Civil, Vol. 1, p.324). 22
Por processo justo e quo deve-se entender aquele processo regido por garantias mnimas de meios e de
resultados, com emprego de instrumental tcnico-processual adequado e conducente a uma tutela adequada e
efetiva (LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Devido processo legal, substancial e efetividade do
processo, p. 296). 23
BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos. O futuro da justia: alguns mitos, p. 5. 24
O processo, assim como o direito, uma forma de representao dos valores da sociedade. Galeno Lacerda
afirma: Costumes religiosos, princpios ticos, hbitos sociais e polticos, grau de evoluo cientfica,
expresso do indivduo na comunidade, tudo isto, enfim, que define a cultura e a civilizao de um povo, h
de retratar-se no processo, em formas, ritos e juzos correspondentes. Ele, na verdade, espelha uma cultura,
serve de ndice de uma civilizao. (LACERDA, Galeno. Processo e Cultura, p. 75).
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14
Durante a o perodo da legis actiones do direito romano antigo, vigia o imprio da
lei, com apego extremado forma. O culto ao procedimento no permitia qualquer
flexibilizao de palavras, frases ou gestos, sendo que o menor erro j era suficiente para a
completa invalidao do ato ou mesmo do processo. A segurana e a previsibilidade do
procedimento determinavam a atuao do juiz.25
Mais adiante, o prprio direito romano, ao ingressar na fase da cognitio extra
ordinem, j experimentou uma maior flexibilizao das formas, com reduo dos poderes
do juiz e um maior equilibro entre legalidade e liberdade.26
Com o passar dos sculos e
aps a Revoluo Francesa,27
viveu-se a experincia da abolio quase que completa das
formas processuais, sendo que o resultado foi a completa insegurana jurdica e o
arbtrio.28
Todavia, o processo ganhou as suas caractersticas contemporneas a partir de sua
publicizao e do aumento das faculdades do juiz, movimento iniciado a partir do sculo
XIX, especialmente com a ZPO Austraca,29
que posicionou as formalidades sob nova
base conceitual, num processo de cunho marcadamente publicista, simplificado, com
espao para a oralidade e a economia processual.30
Ao longo da histria, notado um movimento pendular dos diplomas legislativos,31
sempre na busca de um equilbrio entre a dicotomia do publicismo e do privatismo, da
predominncia das faculdades partes ou do poder do juzo, da rigidez ou da flexibilizao
25
CHIOVENDA, Giuseppe. Le forme nella difesa giudiziale del diritto, p. 356. 26
CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditrio, proteo da confiana e
validade prima facie dos atos processuais, p. 10. 27
O grande salto na linha histrica justificvel pelo fato de que no se pretende abordar, aqui, toda a
evoluo histrica da disciplina legal no tocante s formas processuais. A citao de alguns perodos
histricos tem como finalidade apenas demonstrar as variadas formas de tratamento do tema. Para uma
anlise mais profunda, conferir ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do Formalismo no processo
civil. Proposta de um formalismo-valorativo, p. 15 e ss. 28
TOMASEO, Ferruccio. Appunti di diritto processuale civile, p. 9. 29
Zivilprozessordnung, o Cdigo de Processo Civil da ustria. 30
CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditrio, proteo da confiana e
validade prima facie dos atos processuais, p.11. 31
Essa variao dos modelos ao longo da histria no escapou argcia de Ovdio Batista: Sendo o direito
processual uma disciplina essencialmente formal, seria natural imaginar, em seu campo, o predomnio do
princpio da rigidez das formas, segundo o qual haveriam de ter-se por vlidos todos os atos processuais que
no obedecem rigorosamente determinao de forma estabelecida para sua realizao. E nos sistemas
jurdicos rudimentares, como se verificava no direito primitivo, as solenidades processuais e a rigidez formal
eram absolutas. A mais insignificante inobservncia dos ritos impostos por lei era motivo suficiente para
causar a nulidade do processo. Contudo, no direito moderno tal no ocorre. (SILVA, Ovdio A. Batista da.
Curso de processo civil, p. 204).
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das formas. Hoje, no h dvida que de as formas so necessrias,32
sendo que o
formalismo exacerbado o que representa uma deformao,33
ainda mais quando a
sociedade passa por profunda evoluo cientfica e tecnolgica, com reflexos no processo,
inclusive.34
Em sntese, a forma do ato processual meio para a sua realizao escolhido pelo
direito positivo, em sintonia com os princpios que regem o processo. , segundo a lio de
Alvaro de Oliveira, o invlucro do ato processual, a maneira como deve este se
exteriorizar; cuida-se portanto do conjunto de signos pelos quais a vontade se manifesta e
dos requisitos a serem observados na sua celebrao.35
No representa um fim em si
mesmo, mas sim o modo e o meio de que serve a lei para que o processo atinja a seus
objetivos dentro dos postulados a que se subordina.36
As formas legalmente previstas para o processo existem para fornecer sociedade
segurana jurdica e previsibilidade dos atos processuais.37
Ao determinar as opes de
32
O processo no pode ser enxergado como um mal a ser resolvido, eis que este constitui uma garantia constitucional complexa de: 1. legitimidade e participao dos cidados na formao das decises; 2. de
limitao e adequao da atuao dos sujeitos processuais (advogados, juzes, rgos do Ministrio Pblico e
partes); e, 3. de viabilizao dos direitos (especialmente fundamentais). (NUNES, Dierle, Curso de direito
processual civil: fundamentao e aplicao, p. 31). 33
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile, p. 258. 34
O processo eletrnico, tratado no item 1.2, infra, exemplo eloquente de que o processo deve acompanhar
a evoluo da sociedade. 35
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do Formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-
valorativo, p. 18. importante destacar que o referido autor faz uma distino entre a forma em sentido
estrito e o formalismo, sendo que este ltimo ultrapassaria a anlise da forma do ato para abordar os poderes,
faculdades e deveres dos sujeitos processuais. o que esclarece na seguinte passagem: O formalismo, ou
forma em sentido amplo, no se confunde com a forma do ato processual individualmente considerado. Diz
respeito totalidade formal do processo, compreendendo no s a forma, ou as formalidades, mas
especialmente a delimitao dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, coordenao de sua
atividade, ordenao do procedimento e organizao do processo, com vistas a que sejam atingidas suas
finalidades primordiais. A forma em sentido amplo investe-se, assim, da tarefa de indicar as fronteiras para o
comeo e o fim do processo, circunscrever o material a ser formado, e estabelecer dentro de quais limites
devem cooperar e agir as pessoas atuantes no processo para o seu desenvolvimento. O formalismo processual
contm, portanto, a prpria idia do processo como organizao da desordem, emprestando previsibilidade a
todo o procedimento (Do Formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo, p. 8). 36
MARQUES, Jos Frederico. Instituies de direito privado civil, p. 384. No mesmo sentido, precisa a
lio de Luiz Guilherme Bondioli: No plano processual, os atos so em alguma medida atrelados a modelos
legais abstratos que visam criao de um ambiente seguro e propcio para a soluo de controvrsias. Para
tutelar os interesses das partes e assegurar o bom desenvolvimento da atividade do Poder Judicirio, o
legislador vincula atos do processo a certas frmulas pensadas para finalidades determinadas, todas elas
convergentes ao alcance dos escopos da jurisdio. assim, no mbito do processo, a forma um fato de
segurana. Todavia, mais do que um fator de segurana, a forma um instrumento para a produo de
resultados programados. E sempre luz desses resultados que ela deve ser dimensionada no processo.
(BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. Nulidades processuais e mecanismos de controle, p. 25). 37
Como ensina Roque Komatsu: as formas processuais correspondem a uma necessidade de ordem, certeza
e eficincia e a sua escrupulosa observncia representa uma garantia de andamento regular e legal do
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16
comportamento dos sujeitos do processo, o direito processual afasta o sentimento de
complexidade e incertezas, aproximando-o do seu objetivo de pacificao social.38
No razovel imaginar a sequencia procedimental39
do processo sem uma pr-
determinao de ordem, com a especificao do modo, tempo e lugar da pratica de cada
ato.40
A ausncia de uma definio prvia levaria em uma situao de desordem, sem
limites ou garantias para as partes, prevalecendo ou podendo prevalecer a arbitrariedade
e a parcialidade do rgo judicial ou a chicana do adversrio.41
por isso que, no dizer
de Rudolf von Jhering, a forma a inimiga jurada do arbtrio e irm gmea da
liberdade.42
Por outro lado, o que no se pode admitir um formalismo exacerbado, decorrente
de um culto pela forma como um fim em si mesmo, seja na legislao, seja na exegese do
processo e de respeito aos direitos das partes. (KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil, p.
129). 38
DINAMARCO, Cndido Rangel. A Instrumentalidade do processo, p. 252. 39
A natureza do processo como procedimento em contraditrio ser analisada no captulo 2 desta dissertao. 40
Parte da doutrina cria uma diviso entre forma em sentido amplo e forma em sentido estrito. A anlise
da forma em sentido amplo determina o estudo no s do modo como se exterioriza o ato processual, mas
tambm o tempo e o lugar determinados para a sua prtica. Por sua vez, o estudo da forma do ato stricto
senso dispensaria a anlise de tempo e lugar do ato processual. Roque Komatsu defende a incluso do tempo
e lugar do ato como parte integrante da forma em sentido estrito: "A forma, em sentido estrito, abrange o
como, modalidade de exprimir-se exigida para a realizao de um ato, o onde - o lugar e o quando - tempo. O
lugar, como o tempo e a modalidade de expresso, compe um dos elementos constitutivos do ato
processual. (KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil, p. 130). Teresa Wambier afirma que o
problema do tempo dos atos processuais, ao menos das partes, inserem-se no campo da admissibilidade, e
no da invalidade: Os arts. 172 a 175 e 177 a 192 tratam do problema do tempo no processo, que se liga ao
fenmeno da 'admissibilidade', pelo menos no que diz respeito aos atos das partes (Nulidades no processo e
na sentena, p. 148). imperioso reconhecer que o tempo e o lugar da prtica do ato so fatores exteriores
ao ato processual e, por isso, no se relacionam com as suas invalidades.Porm, fazem parte da forma em
sentido amplo. Em relao aos atos das partes, como ser visto adiante, todos os seus atos sujeitam-se ao
regime da admissibilidade, e no invalidade sobre o tema, ver Captulo 5, infra. 41
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do Formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-
valorativo, p. 9. 42
Passagem citada por CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditrio,
proteo da confiana e validade prima facie dos atos processuais. Piero Calamandrei tambm
correlaciona a disciplina da forma como representao de uma garantia individual: la disciplina delle forme
processuali serve appunto a questo: le regole del procedimento sono in sostanza una specie di metodologia
fissata dalla legge per servir di guida a chi vuol chiedere giustizia: quasi, si direbbe, il galateo del
litigante, che gli insegna come ci si deve comportare col giudice per esserne ascoltati. Cos le forme
processuali, imponendo un certo ordine e un certo modo di espressione alle deduzioni delle parti e vietando
al giudice di tener conto delle difese presentate in modi diversi, assicurano il rispetto del contraddittorio e la
ugualianza delle parti; esse non servono dunque, come potrebbero pensare i profani, a render pi
complicato e meno comprensibile lo svolgimento del processo, ma anzi a renderlo pi semplice e pi
sollecito, in quanto forzano le parte a ridurre le loro attivit al mnimo essenziale e a servirsi di modi di
espressione tecnicamente appropriati per farsi intendere com chiarezza dal giudice: esse, in conclusione,
anzich um intralcio alla giustizia, sono in realt una precioza garanzia dei diritti e delle liberta individuali
(CALAMANDREI, Piero. Istituzioni di Diritto Processuale Civile, p. 25).
-
17
aplicador do direito.43
A corrente do instrumentalismo44
processual veio justamente resgatar
a noo da finalidade do processo, como forma de pacificao social por meio da
jurisdio, para o centro da cincia processual.45
A forma, portanto, necessria e indispensvel para o processo civil. A anlise dos
defeitos de forma dos atos, que geram (ou no) a sua invalidao, tema de central
relevncia, que deve ser estudado sempre com olhos no direito positivo vigente46
e
iluminado pelas regras e princpios identificados pela doutrina.47
43
BONCIO, Marcelo Magalhes. Aspectos bsicos do sistema de invalidade, p. 74. 44
interessante destacar que o instrumentalismo novamente coloca o estudo do processo em destaque, o que
foi chamado pro Cndido Rangel Dinamarco de a escalada processualstica, o que pode trazer um lado
negativo do instrumentalismo: a sua deturpao, como visto, por exemplo, nos casos de jurisprudncia
defensiva dos tribunais. Explica o doutrinador: O lado negativo do princpio da instrumentalidade
corresponde ao refluxo da escalada processualstica que sucedeu s grandes descobertas dos processualistas
da segunda metade do sculo passado, escalada que no Brasil chegou a um nvel de quase euforia com a
vigncia do Cdigo de Processo Civil. Trata-se, assim, da instrumentalidade realada e invocada como fator
de conteno de exageros e distores. A excessiva preocupao com os temas processuais constitui
condio favorvel a essas posturas inadequadas, com o esquecimento da condio instrumental do processo.
Favorece, inclusive, o formalismo no modo de empregar a tcnica processual, o que tem tambm o
significado de menosprezar a advertncia que as formas so meios preordenados aos objetivos especficos em
cada momento processual. (DINAMARCO, Candido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 327). 45
No exame do processo a partir de um ngulo exterior, diz-se que todo o sistema no vale por si, mas pelos
objetivos que chamado a cultuar; e depois, em perspectiva interna, examinam-se os atos do processo e deles
diz-se o mesmo. Cada um deles tem uma funo perante o processo e este tem funes perante o direito
substancial, a sociedade e o Estado. (DINAMARCO, Cndido Rangel. A instrumentalidade do processo,
p. 269). 46
J no segredo que o processo influenciado diretamente pelas regras constitucionais, no sendo restrito
ao Cdigo de Processo Civil. O processo civil deve ser instrumento para a efetivao dos direitos
fundamentais e, por isso, a influncia das normas constitucionais dentro do processo cada vez maior, dentro
do movimento que a doutrina identificou como modelo constitucional do processo. Ver, nesse sentido,
ANDOLINA, Italo e VIGNERA,Giuseppe. Il modello costituzionale del processo civile italiano: corso di
lezioni, passim. 47
Identifica-se, inclusive, um conjunto de princpios e regras prprios do sistema das invalidades
processuais. Ver Captulo 3, infra.
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18
1.2 A forma no direito positivo brasileiro
Compreendida a importncia da forma no processo civil, pertinente analisar o
modo como o direito positivo brasileiro tratou das regras relativas forma em sentido
amplo dos atos processuais. Por isso, justifica-se uma breve anlise das normas que o
Cdigo de Processo Civil reservou para o tema.
Na mesma esteira, no possvel ignorar as normas que tratam do chamado
Processo Eletrnico, que trouxeram diversas alteraes para o campo da forma do ato
processual e sero estudadas no item 1.2.2. Por fim, diante da possibilidade de o novo
Cdigo de Processo Civil48
ter o seu trmite legislativo finalizado, prudente, tambm,
analisar como o tratamento da forma ser feito por esse novel diploma legal (item 1.2.3,
infra).
1.2.1 Cdigo de Processo Civil de 1973
O Cdigo de Processo Civil, no seu Livro I, dedica o ttulo V para tratar dos atos
processuais. controvertida na doutrina49
a definio se o processo civil brasileiro regido
pelo princpio da legalidade das formas ou se, no sentido oposto, vige o princpio da
liberdade das formas.
De imediato, o artigo 15450
aparentemente consagra o princpio da liberdade das
formas, ao destacar que os atos e termos processuais no dependem de forma determinada,
exceto quando a lei expressamente a exigir, reputando-se vlidos os que, realizados de
outro modo, preencham a finalidade essencial da norma. Diante desse dispositivo, Pontes
de Miranda,51
por exemplo, afirma vigorar no Brasil o princpio da inexistncia das formas
pr-determinadas.
48
Projetos de lei nos 6.025, de 2005, e 8.046, de 2010. 49
Para um bom panorama dessa divergncia, conferir SCAPARO, Eduardo. As Invalidades Processuais
Civis na Perspectiva do Formalismo-Valorativo, p. 66 e ss. 50
Art. 154. Os atos e termos processuais no dependem de forma determinada seno quando a lei
expressamente a exigir, reputando-se vlidos os que, realizados de outro modo, Ihe preencham a finalidade
essencial. 51
Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, p. 63.
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19
Todavia, a partir de uma anlise sistmica, alguns doutrinadores, como Carlos
Alberto lvaro de Oliveira,52
reconhecem a existncia, no direito brasileiro (tal qual no
direito italiano53
), de uma regra de legalidade (ou tipicidade) das formas, ainda que de
rigidez atenuada.
Porm, como muito bem observado por Candido Rangel Dinamarco,54
a liberdade
na escolha das formas, como regra geral, complementa-se pela instrumentalidade no
momento da anlise do ato praticado quando existe modelo previsto em lei, o que leva o
jurista a identificar, com acerto, que o Cdigo de Processo Civil adotou uma posio
intermediria.55
certo, porm, que o direito processual brasileiro avana em direo ao resgate do
seu escopo, pelo instrumentalismo, acompanhado do movimento de constitucionalizao
do processo. A chamada constitucionalizao do processo determina no s a
observncia irrestrita das garantias constitucionais do processo,56
mas tambm a imposio
do modo de pensar constitucional para a proteo dos direitos fundamentais na rbita
processual.57
Portanto, possvel uma exegese de que as formas previstas no atual Cdigo de
Processo Civil, por mais relevantes que sejam, sempre devem ser analisadas luz do
alcance do objetivo do processo, com observncia das garantias processuais, o que torna,
de certo modo, incua a classificao em sistema de forma livre ou sistema de forma
rgida.
52
Do formalismo no processo civil, p.124. 53
Cf. MARELLI, Fabio. La conservazioni degli atti invalidi nel processo civile, p. 46. 54
Instituies de Direito Processual Civil, p. 599. 55
A despeito de reconhecer, na seguinte passagem, uma prevalncia do princpio da legalidade formal: No
processo civil brasileiro, temos a promessa da liberdade das formas em normas programticas dos dois
sucessivos Cdigos de Processo Civil nacionais, mas s a promessa: ambos foram to minuciosos quanto
forma dos atos processuais (alis, seguindo os tradicionais modelos europeus) que com segurana se pode
afirmar ser o princpio da legalidade formal o que realmente prepondera. (DINAMARCO, Cndido Rangel.
A instrumentalidade do processo, p. 128). 56
ARAJO CINTRA, Antonio Carlos; GRINOLVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel.
Teoria Geral do Processo, p.79. 57
Essa a proposta do formalismo-valorativo: Com base nos valores e normas estabelecidos na
Constituio d-se a organizao do processo. Entre esses ressaltam ao valores da igualdade, segurana e
efetividade (plano axiolgico), que se manifestam no plano deontolgico nos direitos fundamentais
igualdade, segurana e efetividade. Os mesmos fundamentos podem servir para a interpretao e aplicao
das normas e princpios processuais. (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto e MITIDIEIRO, Daniel.
Curso de Processo Civil: volume 1: Teoria Geral do Processo Civil e Parte Geral do Direito Processual
Civil, p. 18).
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20
At porque o atual Cdigo de Processo Civil prdigo em determinar mincias
formais de diversos atos que, se no interpretados a luz dos princpios processuais,
inviabilizariam a progresso da marcha processual diante de tantas possibilidades de vcios
formais. Por exemplo, deve o juiz indicar na sentena a data de sua prolao, requisito
previsto no art. 164 do Cdigo de Processo Civil,58
muito embora a importncia resida,
especialmente, na data de sua publicao, e no na data de prolao.
Da mesma forma, o atual Cdigo de Processo Civil veda a utilizao de qualquer
abreviao em um ato ou termo do processo, conforme previso do pargrafo primeiro do
artigo 169 do Cdigo de Processo Civil59
, que ainda determina que os atos e termos do
processo sero datilografados ou escritos com tinta escura e indelvel, assinando-os as
pessoas que neles intervieram. Tambm no se admitem, nos atos e termos, espaos em
branco, bem como entrelinhas, emendas ou rasuras, salvo se aqueles forem inutilizados e
estas expressamente ressalvadas.60
Enfim, as diversas previses sobre a forma dos atos processuais constantes no atual
Cdigo de Processo Civil jamais podem ser consideradas isoladamente, de forma rgida,
sem ateno aos princpios constitucionais e s regras atinentes ao processo. Essa parece
ser a direo axiolgica do sistema processual.61
Inclusive, legislaes processuais especiais posteriores ao Cdigo de Processo Civil
abrandaram exigncias de forma na busca de um processo mais simples, com menos
formalismo e maior oralidade. A Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispe sobre
os Juizados Especiais Cveis e Criminais e d outras providncias, o exemplo mais
eloquente.
58
Art. 164. Os despachos, decises, sentenas e acrdos sero redigidos, datados e assinados pelos juzes.
Quando forem proferidos, verbalmente, o taqugrafo ou o datilgrafo os registrar, submetendo-os aos juzes
para reviso e assinatura. 59
Art. 169. Os atos e termos do processo sero datilografados ou escritos com tinta escura e indelvel,
assinando-os as pessoas que neles intervieram. Quando estas no puderem ou no quiserem firm-los, o
escrivo certificar, nos autos, a ocorrncia.
1 vedado usar abreviaturas. 60
a redao ipsi litteris do artigo 171 do Cdigo de Processo Civil. 61
BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do processo e tcnica processual, p. 439.
-
21
Destinada a tratar das demandas de menor complexidade, o processo nos juizados
so orientados pelos critrios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia
processual e celeridade, buscando, sempre que possvel, a conciliao ou a transao,
conforme a redao do art. 2 da referida Lei.
Ao tratar dos atos processuais na Seo IV, a Lei 9.099/1995 permitiu a sua prtica
no horrio noturno (artigo 1262
), alm de consagrar os princpios da finalidade dos atos e
do prejuzo como regra bsica do sistema das invalidades processuais.63
Verifica-se, desta forma, que a direo fornecida pelo legislador ps Cdigo de
Processo Civil de 1973 no sentido da simplificar as regrais formais do procedimento,
valendo-se de princpios consagrados no prprio Cdigo de Ritos, como a
instrumentalidade, o interesse e a ausncia de prejuzo.
com essa mentalidade, inclusive, que o aplicador do direito deve interpretar todas
as regras processuais, especialmente na anlise do regramento legal quanto ao formalismo
do processo.
1.2.2 A forma no processo eletrnico
O processo civil brasileiro vive mais um momento de grande transformao, com a
implementao do processo eletrnico.64
E, por certo, a era da informatizao gera impacto
62
Art. 12. Os atos processuais sero pblicos e podero realizar-se em horrio noturno, conforme
dispuserem as normas de organizao judiciria. 63
Art. 13. Os atos processuais sero vlidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem
realizados, atendidos os critrios indicados no art. 2 desta Lei. 1 No se pronunciar qualquer nulidade
sem que tenha havido prejuzo.
2 A prtica de atos processuais em outras comarcas poder ser solicitada por qualquer meio idneo de
comunicao.
3 Apenas os atos considerados essenciais sero registrados resumidamente, em notas manuscritas,
datilografadas, taquigrafadas ou estenotipadas. Os demais atos podero ser gravados em fita magntica ou
equivalente, que ser inutilizada aps o trnsito em julgado da deciso.
4 As normas locais disporo sobre a conservao das peas do processo e demais documentos que o
instruem. 64
Utiliza-se o vocbulo processo eletrnico em razo da escolha feita pelo legislador (como se nota na Lei
11.419/2006), sendo certo que demonstra mais apuro tcnico a denominao de "procedimento eletrnico", j
que procedimento "o meio extrnseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo; a
manifestao extrnseca deste, a sua realidade fenomenolgica perceptvel." (ARAJO CINTRA, Antonio
Carlos; GRINOLVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo, p. 277).
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22
representativo na seara da forma (tempo, lugar e modo) dos atos processuais.65
Por isso,
necessrio analisar as peculiaridades desse novo tipo de procedimento dentro do direito
processual.
A utilizao de meios eletrnicos e informatizados no direito processual civil
ocorreu de forma paulatina. A Lei n 9.800, de 26 de maio de 1999, chamada de Lei do
Fax, inovou ao permitir s partes o encaminhamento de peties escritas mediante a
utilizao de sistema de transmisso de dados e imagens do tipo fac-smile ou outro
similar. Contudo, referida lei no afastou a exigncia de apresentao das vias originais em
juzo e sua autuao no processo fsico, a fim de comprovar a sua autenticidade. Desse
modo, a essncia da forma do ato processual petio escrita em papel continuou em
vigncia.
Por sua vez, a Lei n 10.259, de 12 de julho de 2001, que criou os juizados
especiais no mbito da Justia Federal, foi alm e permitiu o uso do meio eletrnico no
envio e recebimento de peties, por meio de digitalizao,66
sem a necessidade da
apresentao das vias fsicas (da petio em papel).
Na sequencia, a Lei n 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, alterou a redao do art.
154, pargrafo nico, do Cdigo de Processo Civil, para permitir que os tribunais realizem
a comunicao dos atos judiciais mediante certificao digital.
O avano final rumo ao processo eletrnico decorreu da Lei n 11.419/06. A lei
tratou, basicamente, das formas, ritos e procedimentos a serem seguidas no processo
eletrnico.67
65
A informatizao dos processos levou a jurisprudncia a enfrentar situaes certamente impensveis h 30
anos. Por exemplo, conhecida a divergncia jurisprudencial sobre a validade das informaes lanadas nos
andamentos dos processos na pgina dos respectivos tribunais: Informaes prestadas pela rede de
computadores operada pelo Poder Judicirio so oficiais e merecem confiana. Bem por isso, eventual erro
nelas cometido constitui "evento imprevisto, alheio vontade da parte e que a impediu de praticar o ato.".
Reputa-se, assim, justa causa (CPC, Art. 183, 1), fazendo com que o juiz permita a prtica do ato, no prazo
que assinar. (Art. 183, 2) (STJ, RESP 390561/PR, 1a Turma, Rel. Humberto Gomes de Barros, j.
18/6/2002). 66
Segundo a definio da Resoluo 94/2012, do Conselho Superior da Justia do Trabalho, no art. 3, inciso
III , digitalizao o Processo de converso de um documento originalmente confeccionado em papel para
o formato digital por meio de dispositivo apropriado, como o scanner. 67
Por exemplo, a lei disciplina as formas de comunicao eletrnica dos atos no seu Captulo II, em ateno
ao princpio processual da publicidade dos atos processuais.
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23
Para adequar ao novo ambiente digital do processo s necessidades de certeza e
segurana na prtica dos atos processuais, o legislador exigiu a utilizao de uma
assinatura eletrnica para a prtica do ato processual, com o objetivo de resguardar a
autenticidade, a segurana e a credibilidade na prtica dos atos virtuais.68
De igual modo, foram alterados diversos dispositivos do Cdigo de Processo Civil
para no conflitar com a lei do processo eletrnico. Destaca-se: (i) possibilidade de a
procurao pode ser assinada digitalmente (Art. 38, pargrafo nico); (ii) todos os atos e
termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio
eletrnico, na forma da lei (Art. 154, 2);69
(iii) A assinatura dos juzes, em todos os
graus de jurisdio, pode ser feita eletronicamente, na forma da lei (Art. 164, pargrafo
nico); (iv) eventuais contradies na transcrio devero ser suscitadas oralmente no
momento da realizao do ato, sob pena de precluso, devendo o juiz decidir de plano,
registrando-se a alegao e a deciso no termo (Art. 169, 3); (v) a carta de ordem, carta
precatria ou carta rogatria pode ser expedida por meio eletrnico, situao em que a
assinatura do juiz dever ser eletrnica, na forma da lei (Art. 202, 3) e, por fim, (vi) as
intimaes podem ser feitas de forma eletrnica, conforme regulado em lei prpria (Art.
237, pargrafo nico).70
Mesmo com as alteraes implementadas no Cdigo de Processo Civil pela Lei n
11.419/06, algumas previses quanto a forma dos atos nos dois diplomas no se
coadunam.71
Por exemplo, o Cdigo de Processo Civil, no seu artigo 176, determina que os
68
Nos termos do art. 1 da Medida Provisria n 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, a assinatura digital
depende de habilitao e homologao especfica pela ICP-Brasil para possuir validade jurdica plena a
documentos eletrnicos produzidos segundo suas disposies, sebdo que sua autenticidade oponvel a
todos, in verbis: Fica instituda a Infra-Estrutura de Chaves Pblicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a
autenticidade, a integridade e a validade jurdica de documentos em forma eletrnica, das aplicaes de
suporte e das aplicaes habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realizao de transaes
eletrnicas seguras. 69
Os documentos juntados ao processo eletrnico nos termos da Lei n 11.419, de 19 de dezembro de 2006
so considerados autnticos sendo despicienda a apresentao posterior de cpias autenticadas ou dos
originais. Nesse sentido: STJ, SEC 9.570/EX, Rel. Ministro Benedito Gonalves, Corte Especial, julgado em
05/11/2014, DJe 17/11/2014. 70
A sistematizao das alteraes legislativas ora apresentada foi realizada por Carlos Henrique Abro
(Processo Eletrnico: Lei n. 11.419, de 19.12.2006, passim). 71
O novo Cdigo de Processo Civil (Projetos de lei nos 6.025, de 2005, e 8.046, de 2010), por sua vez,
dedicou uma seo para tratada da prtica eletrnica de atos processuais. Os artigos 193 a 195 tratam dos atos
processuais praticados em meio eletrnico, em sintonia com a Lei de Processos Eletrnicos:
Art. 193. Os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam
produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrnico, na forma da lei.
Pargrafo nico. O disposto nesta Seo aplica-se, no que for cabvel, prtica de atos notariais e de registro.
-
24
atos processuais realizam-se de ordinrio na sede do juzo. Com o processo eletrnico,
diversos atos processuais so realizados pela internet, remotamente e, por vezes, fora da
sede do juzo, sem que exista qualquer vcio no ato.72
Assim, a para a correta aplicao dessa nova legislao imprescindvel a
compreenso do princpio da instrumentalidade das formas, previsto nos artigos 154, 244 e
249, 2, do Cdigo de Processo Civil, visto que dela indissocivel. Afinal, o processo
civil um sistema harmnico e regido por regras e princpios prprios, vigentes no s nos
processos dito fsicos, mas tambm nos processos eletrnicos.
1.2.3 A forma no novo Cdigo de Processo Civil
Com o intuito de elaborar o Anteprojeto de Novo Cdigo de Processo Civil, o
Senado Federal instituiu uma Comisso de Juristas,73
por meio do ato do Presidente do
Senado Federal n 379, de 2009. No segundo semestre de 2010, aps a Comisso receber
diversas sugestes e realizar audincias pblicas por todo o Brasil, o anteprojeto foi
entregue ao Senado e ulteriormente convertido, com algumas alteraes, em projeto de lei
(Projeto de Lei do Senado n 166, de 2010).
Seguindo o trmite do processo legislativo, o projeto foi enviado Cmara dos
Deputados e, aps algum tempo, o Relatrio Final apresentado pela Comisso Especial
destinada a proferir parecer ao Projeto de lei no 6.025, de 2005, ao Projeto de lei no 8.046,
de 2010, ambos do Senado federal, e outros, que tratam do Cdigo de Processo Civil
Art. 194. Os sistemas de automao processual respeitaro a publicidade dos atos, o acesso e a participao
das partes e de seus procuradores, inclusive nas audincias e sesses de julgamento, observadas as garantias
da disponibilidade, independncia da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos
sistemas, servios, dados e informaes que o Poder Judicirio administre no exerccio de suas funes.
Art. 195. O registro de ato processual eletrnico dever ser feito em padres abertos, que atendero aos
requisitos de autenticidade, integridade, temporalidade, no-repdio, conservao e, nos casos que tramitem
em segredo de justia, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves pblicas unificada
nacionalmente, nos termos da lei. 72
ABRO, Carlos Henrique, Processo Eletrnico: Lei n. 11.419, de 19.12.2006, p. 47. 73
A Comisso do Senado foi integrada pelos juristas Luiz Fux (presidente), Teresa Wambier, Adroaldo
Fabrcio, Benedito Pereira Filho, Bruno Dantas, Elpdio Nunes, Humberto Teodoro Jnior, Jansen Almeida,
Jos Miguel Medina, Jos Roberto Bedaque, Marcus Vincius Coelho e Paulo Cezar Carneiro.
-
25
(revogam a lei no 5.869, de 1973)74
trouxe a certeza, para a comunidade jurdica, que
muito em breve teremos um novo Cdigo de Processo Civil.75
A anlise do novo diploma legislativo permite verificar o enfoque dado a dois
valores: segurana jurdica e celeridade.76
E, como no poderia deixar de ser, o chamado
formalismo excessivo foi identificado como um dos culpados pela lentido excessiva dos
processos.77
Todavia, uma anlise do provvel novo Cdigo de Processo Civil brasileiro no
permite vislumbrar diferena significativa entre as disposies sobre a forma (em sentido
amplo) dos atos processuais, tampouco quanto ao sistema de invalidades, em comparao
com o Cdigo de Processo Civil em vigor.
O novo Cdigo de Processo de Processo Civil, ao que tudo indica, a despeito de
anunciar uma suposta filiao ao sistema da liberdade das formas,78
continuar seguindo o
74
Projetos de lei nos 6.025, de 2005, e 8.046, de 2010. 75
At a redao final do presente trabalho (novembro de 2014) o Novo Cdigo de processo Civil no havia
sido aprovado pelo Senado, na sua redao final, e nem encaminhado sano presidencial. 76
A valorizao da segurana jurdica foi tratada tambm em na Exposio (A Exposio de Motivos do
Anteprojeto do Cdigo de Processo Civil. Projeto de Lei do Senado n 166, de 2010):
O novo Cdigo prestigia o princpio da segurana jurdica, obviamente de ndole constitucional, pois que se
hospeda nas dobras do Estado Democrtico de Direito e visa a proteger e a preservar as justas expectativas
das pessoas. Todas as normas jurdicas devem tender a dar efetividade s garantias constitucionais, tornando
segura a vida dos jurisdicionados, de modo a que estes sejam poupados de surpresas, podendo sempre
prever, em alto grau, as conseqncias jurdicas de sua conduta. Se, por um lado, o princpio do justo
convencimento motivado garantia de julgamentos independentes e justos, e neste sentido mereceu ser
prestigiado pelo novo Cdigo, por outro, compreendido em seu mais estendido alcance, acaba por conduzir a
distores do princpio da legalidade e prpria idia, antes mencionada, de Estado Democrtico de Direito.
A disperso excessiva da jurisprudncia produz intranqilidade social e descrdito do Poder Judicirio. Se
todos tm que agir em conformidade com a lei, ter-se-ia, ipso facto, respeitada a isonomia. Essa relao de
causalidade, todavia, fica comprometida como decorrncia do desvirtuamento da liberdade que tem o juiz de
decidir com base em seu entendimento sobre o sentido real da norma. (...) Por outro lado, haver,
indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma
jurdica, leva a que jurisdicionados que estejam em situaes idnticas, tenham que submeter-se a regras de
condutas diferentes, ditadas por decises judiciais emanadas de tribunais diversos. 77
Conforme consta na mensagem do Ministro Luiz Fux que serve de prembulo para a A Exposio de
Motivos do Anteprojeto do Cdigo de Processo Civil (Projeto de Lei do Senado n 166, de 2010): No af
de atingir esse escopo deparamo-nos com o excesso de formalismos processuais, e com um volume
imoderado de aes e de recursos. 78
o que tenta indicar o artigo 188 dos Projetos de lei nos 6.025, de 2005, e 8.046, de 2010: Art. 188. Os
atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir,
considerando-se vlidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
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26
sistema de tipicidade legal das formas,79
ainda que amplamente mitigada pelo princpio do
instrumentalismo, conforme Dinamarco j identificou no atual sistema positivo.80
O Livro IV, intitulado de Dos Atos Processuais, ser responsvel por disciplinar
a forma, o tempo e o lugar dos atos processuais (especificamente no Ttulo I). Dentre
algumas disposies j conhecidas no atual sistema,81
destaca-se a possibilidade de as
partes estipularem mudanas no procedimento para ajust-lo s especificidades da causa,
com a permisso de pactuao quanto aos seus nus, poderes, faculdades e deveres
processuais, antes ou durante o processo.82
No mesmo Livro IV, o Ttulo III trata das nulidades e consagra regras e princpios
j conhecidos do atual sistema de invalidades processuais do Cdigo de Processo Civil
vigente,83
como os princpios da instrumentalidade,84
do prejuzo,85
do interesse86
e o da
presuno de validade dos atos87
, alm da regra da precluso.88
79
So vrias a previses de invalidades cominadas por vcio do ato no novo Cdigo de Processo Civil. Por
exemplo: Art. 279. nulo o processo quando o membro do Ministrio Pblico no for intimado a
acompanhar o feito em que deva intervir.
1 Se o processo tiver tramitado sem conhecimento do membro do Ministrio Pblico, o juiz invalidar os
atos praticados a partir do momento em que ele deveria ter sido intimado.
2 A nulidade s pode ser decretada aps a intimao do Ministrio Pblico, que se manifestar sobre a
existncia ou a inexistncia de prejuzo.
Art. 280. As citaes e as intimaes sero nulas quando feitas sem observncia das prescries legais. 80
Ver item 1.2.1, supra. 81
Como, por exemplo, a regra da publicidade dos atos processuais: Art. 189. Os atos processuais so
pblicos (...). 82
o que dispe o artigo 191: Art. 191. Versando a causa sobre direitos que admitam autocomposio,
lcito s partes plenamente capazes estipular mudanas no procedimento para ajust-lo s especificidades da
causa e convencionar sobre os seus nus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o
processo. 83
Tratados no Captulo 3, infra. 84
Art. 277. Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerar vlido o ato se, realizado de outro
modo, lhe alcanar a finalidade. 85
Art. 282. Ao pronunciar a nulidade, o juiz declarar que atos so atingidos e ordenar as providncias
necessrias a fim de que sejam repetidos ou retificados.
1 O ato no se repetir nem sua falta ser suprida quando no prejudicar a parte.
2 Quando puder decidir o mrito a favor da parte a quem aproveite a decretao da nulidade, o juiz no a
pronunciar nem mandar repetir o ato ou suprir-lhe a falta. 86
Art. 276. Quando a lei prescrever determinada forma sob pena de nulidade, a decretao desta no pode
ser requerida pela parte que lhe deu causa. 87
Art. 281. Anulado o ato, consideram-se de nenhum efeito todos os subsequentes que dele dependam; a
nulidade de uma parte do ato no prejudicar, todavia, as outras que dela sejam independentes.
Art. 283. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulao dos atos que no possam ser
aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessrios a fim de se observar as prescries legais. 88
Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber parte falar nos
autos, sob pena de precluso.
Pargrafo nico. No se aplica esta disposio s nulidades que o juiz deva decretar de ofcio, nem prevalece
a precluso provando a parte legtimo impedimento.
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27
Desta forma, a concepo sistemtica do novo Cdigo de Processo Civil seguir,
basicamente, as mesmas diretrizes do Cdigo vigente, de forma que as concluses do
presente trabalho tambm sero vlidas diante da novel legislao.
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28
2. O ATO JURDICO PROCESSUAL
2.1 O processo como procedimento em contraditrio.
A identificao da natureza jurdica do processo fundamental para um estudo das
invalidades dos atos no processo civil. Na doutrina,89
ecoam com maior fora duas
concepes distintas acerca do tema: a primeira, que classifica o processo como uma
relao jurdica; e a segunda, que identifica o processo como um fato jurdico.
A viso do processo como relao jurdica remonta origem da fase cientfica do
Direito Processual,90
momento no qual o grande desafio da doutrina era conferir autonomia
em relao ao direito material. Oskar Blow,91
expoente da tese, consignou que o processo
caracterizado como uma relao de direito pblico, distinta da relao de direito material,
entre sujeitos e com pressupostos especficos de existncia e validade.92
Todavia, o dinamismo inerente ao processo dificulta a apreenso do conceito
esttico de uma relao jurdica.93
A importao irrestrita de conceitos do direito material,
pura e simples, no se mostra adequada a caracterizar o fenmeno dinmico do processo.94
Por isso, a classificao do processo como um fato jurdico se mostra mais
apropriado ao fenmeno,95
especialmente se encarado como um procedimento, no qual o
89
Sobre o tema, com anlise das diversas correntes, cf. SCAPARO, Eduardo. As Invalidades Processuais
Civis na Perspectiva do Formalismo-Valorativo, p. 29 e ss. 90
Apenas para referncia histrica, a fase cientfica do direito processual foi precedida da fase imanetista.
Durante esse perodo, negava-se a autonomia do Direito Processual, sendo que o direito material era o
verdadeiro direito substantivo, enquanto o processo, tido como um mero conjunto de formalidades para a
atuao prtica daquele, era um direito adjetivo. (CMARA, Alexandre Freitas. Lies de Direito
Processual Civil, p. 9). 91
La teoria de las excepiciones procesales y ls presupuestos procesales, p. 15 e ss. 92
A diferena entre eles (processo e procedimento) foi o incio da passagem do empirismo cincia, em
determinado momento da histria doutrinria do processo. Os alemes, qui desde os princpios do sculo
XIX, mas seguramente a partir de sua metade, usam o vocbulo processo, ao contrrio do procedimento.
Wetzell, em 1865, expe um sistema de processo, ao que j atribui ainda que dentro da teoria da
litiscontestatio uma natureza anloga da obrigao. Com Von Bllow, trs anos depois, o processo uma
relao processual. Esta considerao do processo no s como uma combinao de atos (procedimento),
mas como tal relao, sua caracterstica diferencial e, simultaneamente, a origem de sua cincia
(KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil, p. 112). 93
SCAPARO, Eduardo. As Invalidades Processuais Civis na Perspectiva do Formalismo-Valorativo, p.
29. 94
O dinamismo processual jamais pode ser explicado atravs de um conceito que pressupe a anlise de
um modo de estar e no um modo de ir sendo, como muito bem definiu Paula Costa e Silva (Acto e
processo: o dogma da irrelevncia da vontade na interpretao e nos vcios do acto postulativo, p. 95.).
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29
alcance do resultado final depende de uma srie de atos e uma srie de efeitos
causalmente coligados com vistas a um evento conclusivo.9697
com base nessa ideia que Falazzari desenvolve o conceito de processo como
procedimento em contraditrio, no qual os sujeitos envolvidos no processo (juiz e
partes) tem no procedimento uma garantia de participao paritria nos atos, apto a resultar
no resultado ato final por meio do exerccio do contraditrio, mediante o exerccio abstrato
de posies subjetivas (nus e deveres processuais das partes) e do exerccio concreto de
atos integrantes do procedimento.98
Como explica Roque Komatsu, a essncia do procedimento se caracteriza pela
especial ndole dos vnculos que medeiam entre os diversos atos que o compem.99
Esses
vnculos do-se de modo que um dos atos integrantes do procedimento precede aos
seguintes, para que estes sejam admissveis, e deve seguir aos anteriores para que estes
sejam eficazes. O procedimento , portanto, uma pluralidade de atos coordenados de
modo que cada um deles o pressuposto de admissibilidade dos seguintes e fator de
eficcia dos anteriores.100
A concepo de processo como procedimento em contraditrio, com o fim de
realizao do direito por meio do exerccio da funo jurisdicional,101
ressalta a sua face
instrumental.102
E essa caracterstica de instrumentalidade determina que a tcnica
processual seja empregada como forma de melhor assegurar o exerccio da funo
95
Afinal, a noo fundamental do direito a de fato jurdico (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de.
Tratado de Direito Privado, p. 15). 96
PASSOS, Jos Joaquim Calmon de. Esboo de uma teoria das nulidades aplicada s nulidades
processuais, p. 85. 97
precisa a lio de Eduardo Scarparo: J no procedimento, aos atos so agregados para a produo de um
efeito que se adere ao ltimo ato da sequncia, razo pela qual no se fala em um ato final diverso dos atos de
cadeia, mas de um nico ato, integrado pelos atos que se vo sucedendo no tempo. No caso, vrios atos
combinados conservam suas individualidades, enquanto a coligao opera somente para a unidade do efeito
jurdico, cuja produo remonta coordenao dos atos e recai normalmente sobre o ltimo ato da srie. (As
Invalidades Processuais Civis na Perspectiva do Formalismo-Valorativo, p. 31). 98
FALAZZARI, Elio. Instituzioni di diritto processuale, p. 160. 99
KOMATSU, Roque. Da Invalidade no Processo Civil, p. 114. 100
Idem, ibidem. 101
BAUTISTA, Jose Bacerra, Introduccion al Estudio del Derecho Procesal Civil, p. 15. 102
preciso ter em mente que o carter instrumental no significa que o processo seja mero instrumento para
o Direito Material. o processo, na verdade, instrumento para o exerccio da funo jurisdicional, dentro de
seus escopos polticos, sociais e jurdicos. Sobre essa importante distino conceitual, ver, por todos, a
doutrina de Cndido Rangel Dinamarco (A instrumentalidade do processo, passim).
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30
jurisdicional, dentro dos princpios constitucionais da segurana jurdica, do contraditrio,
da ampla defesa e da celeridade na prestao jurisdicional. 103
O estudo do ato processual integrante deste procedimento em contraditrio voltado
para a resoluo de conflito, portanto, no pode ficar margem da viso instrumentalista
do processo e dos princpios que o iluminam.
Por isso, diversos autores104
defendem que o estudo dos atos jurdicos tema
indispensvel para a abordagem das invalidades processuais,105
sempre com as devidas
adaptaes s peculiaridades do direito processual.106
esse estudo que ser realizado no
presente captulo.
103
Tambm no que se refere forma do ato processual e consequente nulidade decorrente da no-
observncia do modelo, necessrio verificar se para o sistema no admissvel outra escolha, mais adequada
aos objetivos do prprio processo. Da o confronto entre dois valores. De um lado, a forma do ato processual,
meio pelo qual se garante a liberdade e a participao efetiva das partes, possibilitando o desenvolvimento
seguro do processo. O outro, consiste no prprio resultado previsto para o ato. Em ltima anlise, ao exigir a
observncia de determinada forma, o legislador pretende assegurar o resultado do ato processual, cuja
verificao considerar imprescindvel regularidade do processo. (BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos.
Efetividade do Processo e Tcnica Processual, p. 60). 104
Destacam-se as obras de Roque Komatsu (A invalidade no processo civil) e de Jos Joaquim Calmon de
Passos (Esboo de uma teoria das nulidades aplicada s nulidades processuais). 105
Calmon de Passos adverte que: Essa transposio de categorias de Invalidades, j muito bem trabalhadas
no direito privado, carece de adequabilidade no espao do direito pblico, mxime no campo do direito
processual. (CALMON DE PASSOS, Jos Joaquim. Esboo de uma Teoria das Nulidades Aplicada s
Nulidades Processuais, p. 141-142). 106
Bedaque destaca que: Se quisermos aproveitar ideias concebidas para o sistema das nulidades de direito
material, temos que considerar no s a natureza pblica do direito processual, como principalmente o carter
instrumental do processo sob pena de desvirtuarmos sua principal caracterstica. No se pode, pura e
simplesmente, transportar para o mbito do processo regras e princpios concebidos para regular a validade e
a eficcia de atos jurdicos substanciais, sem considerar as especificidades do direito processual a comear
pelo fato de que, nesta sede, o ato, embora absolutamente nulo, eficaz e suscetvel de convalidao pela
coisa julgada, o que no ocorre no plano do direito material. (BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos.
Efetividade do processo e tcnica processual, p. 444).
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31
2.2 O ato processual
Todos os acontecimentos da vida so denominados fatos. disciplina do Direito
interessam apenas os fatos que possuem relevncia jurdica, ou seja, s ser fato jurdico
aquele que irradiar efeitos no mundo do Direito. A vontade da lei torna-se concreta, ou
seja, cede lugar s relaes jurdicas, em virtude de fatos que se verificam. Por igual, em
virtude de tais fatos, podem ser criadas, modificadas ou extinguidas relaes.107
O fenmeno jurdico, enquanto srie de acontecimentos dirios no cotidiano das
pessoas com reflexos no mundo do Direito nem sempre percebidos pela coletividade.108
sabido que o Direito um acontecimento dirio na vida social. Pode-se afirmar, desta
forma, que o fato jurdico, portanto, aquele acontecimento da vida que acarreta efeitos
juridicamente qualificveis.109
Chiovenda, por sua vez, conceitua os fatos jurdicos como aqueles de que deriva a
existncia, a modificao ou a cessao de uma vontade concreta de lei: como tais,
distinguem-se dos fatos simples ou motivos, que s tem importncia para o direito
enquanto possam servir a provar a existncia de um fato jurdico. 110
O fato jurdico comporta uma classificao em sentido lato, que se produz
independentemente de ao humana e outra em sentido estrito, que se produz em virtude
da ao humana e se refere propriamente aos atos jurdicos, objetos de anlise nos
prximos itens.
O fato jurdico, na lio de Pontes de Miranda, seria o fato ou complexo de fatos
sobre o qual incidiu a regra jurdica; portanto, o fato de que dimana, agora, ou mais
107
Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurdico: plano da existncia, p. 30 e ss. 108
O viajante que apanha na praia a concha preciosa que para ali fora atirada pelas ondas, o fumador que
deita fora o resto de seu charuto, o campons que semeando o seu campo lana algumas sementes sobre o
campo do vizinho ignoram quase sempre que praticam atos jurdicos: o primeiro pratica uma occupatio,
adquirindo a propriedade de uma res nullius, o segundo realiza um ato de derelictio, abandonando uma coisa
sua, e o terceiro d lugar a uma figura de acesso a satio, pois torna o vizinho proprietrio da semente
lanada no seu campo. (RUGGIERO, Roberto de. Instituies de direito civil, p.17-18). 109
DALLAGNOL JUNIOR, Antonio Janyr. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil: arts. 154 a 261;
dos atos e nulidades processuais, p. 3. 110
CHIOVENDA, Giusepe. Instituies de direito processual civil, p. 22.
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32
tarde, talvez condicionalmente, ou talvez no dimane, eficcia jurdica. No importa se
singular, ou complexo, desde que, conceptualmente, tenha unidade.111
O Direito nasce do fato: ex facgto oritur jus.112
Atribui-se a denominao de fato
jurdico ao evento em que as normas jurdicas carregam determinadas consequncias, aptas
a configurar e tipificar o ato objetivamente.113
Conforme ser verificado posteriormente, Pontes de Miranda114
coloca o ato
humano como fato jurdico. Em outras palavras, o suporte ftico pode figurar no mundo
jurdico como negcio jurdico, estabelecendo, dessa forma, uma classificao peculiar
entre ato jurdico no negocial, que alude ao ato jurdico stricto sensu, ato-fato jurdico,
fato jurdico strictu sensu ou ato ilcito. Assim, os atos humanos sero considerados atos
jurdicos no momento da incidncia da norma jurdica sobre eles.
O nascimento dos fatos jurdicos, a partir de uma srie de eventos, pode ter como
ponto de partida a vontade humana, mas isto no condio indispensvel sua
caracterizao. Em outras palavras, os fatos jurdicos no decorrem necessariamente da
vontade humana. S ser jurdico o fato que repercutir no mundo do Direito.115
Orlando Gomes116
divide os fatos jurdicos em duas categorias: a primeira delas
abarca os acontecimentos naturais, trazendo em sua substncia acontecimentos ordinrios e
extraordinrios. A segunda categoria, por sua vez, dotada das aes humanas, sendo estas
111
PONTES DE, Miranda. Tratado de Direito Privado: parte geral. Tomo I. Introduo: das pessoas
fsicas e jurdicas, p. 126. 112
O Direito corresponde a regras criadas pelo prprio homem para regular a vida em sociedade, segundo
valores que, em dado momento, so considerados essenciais convivncia humana. A regulao social, alis,
inseparvel da condio humana e se efetiva mediante instrumentos de coero, destacando-se a sano
institucionalizadas, prprias das normas jurdicas, que se caracterizam exatamente por sua particular
impositividade. (BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do processo e tcnica processual, p.
418). 113
REALE, Miguel. Lies preliminares de Direito, p. 200. 114
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado: parte geral. Tomo I.
Introduo: das pessoas fsicas e jurdicas, p. 125. 115
Em sntese, os acontecimentos e as condutas so fatos e atos da vida. Se relevantes para o Direito,
qualificam-se como jurdicos. Temos, ento, a categoria dos fatos jurdicos em sentido amplo. Podem ser
naturais fato jurdico em sentido estrito ou dependentes da vontade atos jurdicos. Se os efeitos
produzidos pelos atos constituem resultado direto do querer, estamos diante dos negcios jurdicos. Se a
vontade, embora essencial existncia do ato, irrelevante para determinao das consequncias, que so
previamente estabelecidas pelo legislador, o fenmeno denominado ato jurdico stricto senso.
(BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do processo e tcnica processual, p. 419). 116
GOMES, Orlando. Introduo ao Direito Civil, p.269.
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33
de efeitos jurdicos voluntrios (atos jurdicos) e efeitos jurdicos involuntrios (atos
ilcitos).
No obstante as diversas classificaes existentes, todas tendem a um ponto
pacfico: trata-se de fato jurdico, todo fato, em sentido lato, que em sua origem poder
depender ou no da vontade humana, enquanto o fato em sentido estrito resulta
exclusivamente da vontade humana.
Os atos jurdicos, dentro da classificao proposta por Pontes de Miranda,117
estariam inseridos na categoria dos fatos jurdicos voluntrios, decorrentes de ao
humana.118
Qualquer atitude humana, desde que preencha um suporte ftico normativo,
ser um ato jurdico.119
E, como si bvio, o ato jurdico pode ser um ato jurdico processual120
que
usualmente so assim identificados pela doutrina121
com base em trs critrios distintos:
por sua eficcia no processo (critrio de produo de efeitos dentro do processo), por terem
sido praticados por sujeitos do processo (critrio subjetivo) ou por terem sido praticados
dentro do processo (critrio topolgico).
117
PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado: parte geral. Tomo I. Introduo: das pessoas
fsicas e jurdicas, p. 395 e ss. 118
...o fato jurdico constitui elemento fundamental da juridicidade e que a norma jurdica, embora seja um
elemento essencial para que haja o fato jurdico, no mais que um instrumento de construo da
jurisdicidade. Com efeito, nessa viso cabe norma jurdica definir qual fato da vida deve ser jurdico e
juridiciz-lo, pela incidncia, quando concretizar-se no mundo das realidades. Sem essa definio e sem essa
incidncia juridicizante, nenhum fato da vida poderia receber a qualificao de fato jurdico.
A norma jurdica, portanto, enquanto no se materializa no mundo o seu suporte ftico no passa de uma
proposio lingustica sem consequncias jurdicas quaisquer. S a cpula norma/suporte ftico cria fato
jurdio e somente de fato jurdico nascem efeitos jurdicos. (DIDIER JNIOR, Fredie e NOGUEIRA, Pedro
Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurdicos processuais, p. 14). 119
A norma jurdica, enquanto proposio, prev hipoteticamente fatos de possvel ocorrncia no mundo. A
esses elementos da norma, insto , o fato ou conjunto de fatos previstos abstratamente, , d-se o nome de
suporte ftico. Quando o que se est previsto na norma acontece, no plano da experincia, d-se a
incidncia, de modo que o fato passa a ser considerado jurdico. Composto o fato jurdico, surgem, no
mundo jurdico, os efeitos previstos em abstrato na norma. (DIDIER JNIOR, Fredie e NOGUEIRA, Pedro
Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurdicos processuais, p. 29). 120
TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua reviso, p. 285-289. 121
SCAPARO, Eduardo. As Invalidades Processuais Civis na Perspectiva do Formalismo-Valorativo, p.
35.
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Segundo o primeiro critrio de identificao, o ato jurdico processual quando
cria, desenvolve, conserva ou modifica alguma situao processual.122
nesse sentido a
lio de Couture, para quem os atos processuais so consequncia de uma interveno da
vontade humana, suscetveis de produzir efeitos processuais, primordialmente com a
subsistncia, o desenvolvimento e a extino do processo.123
O cerne desse vis de classificao repousa na concepo do processo como relao
jurdica, que encontra fundamento no direito positivo,124
consegue satisfazer a maioria das
situaes, mas, porm, ignora que alguns atos praticados fora do processo podem emanar
efeitos processuais,125
como alerta Carnelluti, ao trazer a sua definio de ato processual:
Ato processual, por sua vez, uma