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  • RAFAEL ALFREDI DE MATOS

    A invalidade dos atos processuais no processo civil

    Dissertao de Mestrado

    Orientador: Professor Doutor Marcelo Magalhes Boncio

    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE DIREITO

    So Paulo-SP

    2015

  • RAFAEL ALFREDI DE MATOS

    A invalidade dos atos processuais no processo civil

    Dissertao de Mestrado apresentada Banca Examinadora do Programa de

    Ps-Graduao em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de So

    Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito,

    na rea de Direito Processual Civil, sob orientao do Professor Doutor

    Marcelo Magalhes Boncio.

    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE DIREITO

    So Paulo-SP

    2015

  • FOLHA DE APROVAO

    Nome: MATOS, Rafael Alfredi de.

    Ttulo: A invalidade dos atos processuais no processo civil

    Dissertao de Mestrado apresentada Banca Examinadora do Programa de Ps-

    Graduao em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, como

    exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito, na rea de Direito

    Processual Civil.

    Aprovado em:

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. ______________________Instituio: __________________________

    Julgamento: _____________________Assinatura: _________________________

    Prof. Dr. ______________________Instituio: __________________________

    Julgamento: _____________________Assinatura: _________________________

    Prof. Dr. ______________________Instituio: __________________________

    Julgamento: _____________________Assinatura: _________________________

  • Isabela, minha esposa, meu amor, e ao meu filho, Daniel,

    que ainda nem nasceu mas j mudou a minha vida.

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, Guiga e Lcia, e ao meu irmo, Lucas, por sempre

    acreditarem nos meus sonhos.

    Aos meus avs, Sylvio e Deolinda (in memorian), pelos valores que me

    foram passados.

    Ao Professor Marcelo Boncio, exemplo de serenidade, pela confiana ao

    conceder-me o privilgio de ser seu orientando.

    Aos amigos Guilherme Recena, Pedro Leite e Marcus Pinto, por toda a

    ajuda durante o mestrado.

    Aos amigos do Lucon Advogados, na pessoa do Dr. Paulo Lucon, pelo

    incentivo no ingresso no mestrado.

    Aos meus scios no Souza Matos Silva Mattos Advogados, Leonardo

    Souza, Edson Silva e Leonardo Mattos, por compartilharem um sonho.

    Aos amigos Eduardo e Talita, por amenizarem a saudade da Bahia nos

    quatro anos em que morei em So Paulo.

    A todos, muito obrigado!

  • RESUMO

    Rafael Alfredi de Matos. A invalidade dos atos processuais no processo civil. 2015. 150

    fls. Dissertao de Mestrado Faculdade de Direito, Universidade de So Paulo, So

    Paulo, 2015.

    O presente trabalho tem como objetivo o estudo das invalidades dos atos processuais no

    processo civil. Para isso, destacado que as formas processuais so importantes, por

    conceder previsibilidade e organizao ao procedimento, porm certo que elas no

    representam um fim em si mesmo, j que o processo tem como escopo principal a entrega

    da prestao jurisdicional de forma clere, justa e eficaz. Nesse sentido, o trabalho

    identifica os atos processuais dentro do contexto geral dos atos jurdicos, todavia

    iluminados pelas regras de sobredireito processual: o princpio da instrumentalidade, o

    princpio do prejuzo, o princpio do interesse e a regra da presuno de validade dos atos.

    Assim, aps a anlise das sistematizaes mais importantes feitas pela doutrina acerca das

    invalidades no processo civil, o trabalho destaca os passos cognitivos de um juzo de

    invalidao, testados em algumas das invalidades cominadas. Por fim, so apresentados

    alguns vcios da sentena e as suas peculiaridades.

    Palavras-chave: Processo Civil. Formalismo. Atos processuais. Vcios dos atos. Vcios da

    sentena. Invalidades e nulidades processuais.

  • ABSTRACT

    Rafael Alfredi de Matos. The Invalidity of Procedural Acts in Brazilian Civil Procedure.

    2015. 150 fls. Masters Dissertation School of Law, University of So Paulo, So Paulo,

    2015.

    The dissertation explores the invalidity of procedural acts in Brazilian civil procedure. In

    that sense, while underscoring that procedural form is important, providing predictability

    and organization to the proceedings, it does not represent an end in and of itself, since the

    main goal of civil justice is to give a definitive resolution to the dispute in a manner that is

    timely, just and efficient. Down this path, the dissertation qualifies procedural acts within

    the general framework of legal acts, but subject to meta-rules of civil procedure: the

    principle of its instrumental role, the harmless error test (pas de nullit sans grief), the

    identification of the protected interests and the presumption in favor of validity. After

    analyzing the most important doctrinal constructions on the topic, the dissertation proposes

    a framework to organize the cognitive steps of judgments on invalidity of procedural acts,

    tested and applied in connection with nullity cases. Lastly, the dissertation classifies

    defects relating to judgments and their peculiarities.

    Key words: Civil Procedure. Procedural form. Procedural acts. Acts defects. Judgmentes

    defects. Invalidity of procedural acts.

  • SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................................... 9

    CAPTULO 1. FORMA E FORMALISMO ............................................... 13

    1.1 A importncia da forma dos atos processuais ................................................................ 13

    1.2 A forma no direito positivo brasileiro ............................................................................ 18

    1.2.1 Cdigo de Processo Civil de 1973 .............................................................................. 18

    1.2.2 Processo Eletrnico ..................................................................................................... 21

    1.2.3 O novo Cdigo de Processo Civil ............................................................................... 24

    CAPTULO 2. O ATO JURDICO PROCESSUAL................................... 28

    2.1 O processo como procedimento em contraditrio ......................................................... 28

    2.2 O ato processual ............................................................................................................. 31

    2.2.1 Plano da existncia ...................................................................................................... 37

    2.2.2 Plano da validade ........................................................................................................ 39

    2.2.3 Plano da eficcia ......................................................................................................... 41

    CAPTULO 3. REGRAS E PRINCPIOS NORTEADORES DO

    SISTEMA DAS INVALIDADES PROCESSUAIS ..................................... 44

    3.1 Princpio da instrumentalidade ...................................................................................... 45

    3.2 Princpio do prejuzo ...................................................................................................... 48

    3.3 Princpio do interesse ..................................................................................................... 51

    3.4 Presuno de validade dos atos ...................................................................................... 55

    CAPTULO 4. SISTEMATIZAES DAS INVALIDADES

    PROCESSUAIS .............................................................................................. 59

    4.1 Nulidade absoluta, nulidade relativa e anulabilidade ................................................... 61

    4.2 Nulidade cominada e no cominada .............................................................................. 66

    4.3 Nulidade de fundo e de forma ........................................................................................ 69

    4.4 Nulidade em decorrncia da relevncia da atipicidade .................................................. 71

    CAPTULO 5 O JUZO DE INVALIDAO ............................................ 75

    5.1 Identificao do vcio ..................................................................................................... 77

  • 5.2 Poderes de iniciativa ...................................................................................................... 81

    5.3 Superao do vcio ......................................................................................................... 90

    5.3.1 Saneamento ................................................................................................................. 90

    5.3.2 Precluso e coisa julgada ............................................................................................ 92

    5.4 Contraditrio e dever de fundamentao ....................................................................... 99

    5.5 O juzo de invalidao em algumas hipteses de nulidade cominada ......................... 102

    5.5.1 Processo em que Ministrio Pblico no participou, quando a sua participao como

    custos legis era obrigatria ................................................................................................ 102

    5.5.2 Vcios nas intimaes ............................................................................................... 104

    CAPTULO 6 INVALIDADES E VCIOS DA SENTENA ................... 107

    6.1 Sentena prolatada em processo com vcio na citao, com ru revel ........................ 110

    6.2 Sentena prolatada por juiz incompetente e por juiz sem jurisdio ........................... 117

    6.3 Sentena prolatada por juiz impedido ou suspeito ....................................................... 121

    6.4 Sentena ultra, extra ou citra petita ............................................................................. 124

    6.5 Sentena sem fundamentao ...................................................................................... 128

    6.6 Sentena prolatada em processo com indeferimento de produo de provas .............. 131

    6.7 Sentena inexistente ..................................................................................................... 134

    CONCLUSO .............................................................................................. 137

    REFERNCIAS ........................................................................................... 141

  • 9

    INTRODUO

    O estudo da forma e das invalidades1 dos atos processuais tema que sempre

    ocupou grande espao na doutrina do direito processual civil,2 mas que continua, at hoje,

    atual e controverso.3 Como sabido, o modelo legal de regramento das invalidades dos atos

    processuais sempre variou ao longo da histria, marcado pela dicotomia entre a rigidez e a

    liberdade das formas.45

    Nos tempos atuais, no possvel pensar o processo sem entender que o

    formalismo exagerado coloca em xeque a sua prpria finalidade.6 Por isso, o processo no

    pode ser analisado apenas por seu vis dogmtico, ignorando-se que o sistema positivo

    inspirado em princpios que visam garantir a sua mxima efetividade.7 Inclusive, nesse

    sentido, a Emenda Constitucional n 45/2004 concedeu celeridade processual o status de

    norma constitucional,8 o que ressalta, ainda mais, a necessidade de o processo, alm de ser

    justo, ser clere.9

    1 De incio, importante salientar que a adoo termo invalidade para classificar os atos processuais tidos

    como viciados uma escolha decorrente das concluses deste trabalho. Entretanto, ainda diante das

    concluses obtidas, a utilizao do termo nulidade (sem as adjetivaes usualmente encontradas na

    doutrina, como, por exemplo, absoluta ou relativa), tambm seria vlida. 2 Ver, por exemplo, SATTA, Salvatore. Il Formalismo nel processo, p. 141.

    3 A controvrsia doutrinria reside, prioritariamente, nas sistematizaes das invalidades processuais. Ver,

    sobre o tema, o Captulo 4. 4 uma realidade que o direito processual, e tambm a prpria tcnica do processo no algo nunca

    arbitrrio, mas algo que traz em sua prpria medida de exigncias prticas e culturais de um determinado

    tempo. O direito processual, em suma, pode ser considerado, em certo sentido, se nos permitir a metfora, um

    espelho no qual, com extrema fidelidade, se refletem os movimentos do pensamento, da filosofia e da

    economia de um determinado perodo histrico. (CAPPELLETTI, Mauro. El proceso civil em el derecho

    comparado: las grandes tendncias evolutivas, p.14-15). 5 Um breve apanhado histrico sobre a forma do ato processual ser realizada no Captulo I.

    6 Cf. BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Direito e processo. A influncia do direito material sobre o

    processo, passim. 7 Efetividade o alcance do mximo de resultado na atuao do direito com o mnimo emprego possvel de

    atividades processuais. Neste sentido, CINTRA, Antonio Carlos de Arajo; GRINOVER, Ada Pellegrini;

    DINAMARCO, Cndido Rangel. Teoria Geral do Processo, p. 28. 8 Trata-se de regramento constitucional, presente no Texto Maior em seu Ttulo II, que prev um rol

    exemplificativo dos direitos e garantias fundamentais e inclui, dentre eles, a celeridade processual. A Emenda

    45/04 (Reforma do Judicirio) previu que os processos administrativos e judiciais devem garantir todos os

    direitos s partes, sem, contudo, esquecer a necessidade de desburocratizao de seus procedimentos e na

    busca de qualidade e mxima eficcia de suas decises. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional,

    p. 46). 9 o chamado processo civil de resultados, a servio do cidado, descrito por Dinamarco (DINAMARCO,

    Cndido Rangel. Instituies de Direito Processual Civil. p. 110-112 e 117-119). Lucon destaca que

    preciso visualizar o processo (e isso vale para todo e qualquer processo, como mtodo de resoluo de

    conflitos, inclusive o administrativo) a partir dos seus resultados e como instrumento apto a proporcionar

    decises justas, razoveis e proporcionais com a realidade. (LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Devido

    processo legal, substancial e efetividade do processo, p. 277).

  • 10

    No direito brasileiro, especialmente com base no atual panorama doutrinrio,10

    impossvel estudar qualquer tema relacionado forma processual sem ter os olhos

    iluminados pelo instrumentalismo11

    e pelos princpios constitucionais do devido processo

    legal, do contraditrio, da ampla defesa e da razovel durao do processo.12

    por isso que, muito embora seja reconhecida a necessidade de uma previso da

    forma dos atos processuais como garantia da legalidade e da previsibilidade do

    procedimento,13

    determinados vcios dos atos processuais no devem ocasionar

    invalidao, dentro da premissa da preservao dos atos processuais viciados desde que

    tenham atingido o seu objetivo e que o contraditrio tenha sido respeitado.14

    Afinal, o

    objetivo fundamental da previso de determinada forma a garantia dos princpios e

    valores incidentes no processo.

    O grande desafio, todavia, diante do reconhecimento da instrumentalidade da forma

    como regra fundamental do sistema e da consequente possibilidade abstrata de o vcio ser

    superado luz do caso concreto15

    conseguir racionalizar, ao menos, um roteiro cognitivo

    para que, diante de um vcio no ato processual, seja possvel definir se a invalidade ser

    decretada ou no.16

    essa a principal misso do presente trabalho.

    10

    A doutrina processual brasileira, como sempre, continua em ampla produo intelectual. Algumas

    escolas processuais ganham relevo no cenrio nacional, principalmente, a escola instrumentalista, com

    bero na histrica Faculdade de Direito do Largo de So Francisco, e a escola constitucionalista do

    processo, com maior relevo no Rio Grande do Sul, especialmente em razo da repercusso das ideias de

    Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. As teses defendidas por essas duas escolas, complementares que so (a

    escola constitucionalista reconhece o instrumentalismo como ponto de partida de seus estudos), dedicam-se,

    entre outros pontos, a destacar a funo do processo como mecanismo de entrega da prestao jurisdicional

    pelo Estado, de maneira clere, justa e eficaz. Nesse ponto, ambas realizam profundo estudo sobre a forma

    dos atos processuais e, por decorrncia, dos seus vcios. 11

    Cf. Cndido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo, passim. 12

    (...) as relaes entre processo e Constituio no se colocam apenas no plano das garantias

    constitucionais do processo. Vo alm, devendo ser pensadas a partir da nova teoria das normas e dos direitos

    fundamentais. Vale dizer: o processo civil deve ser pensado a comear da metodologia prpria do direito

    constitucional contemporneo deve ser pensado na perspectiva dos direitos fundamentais. (ALVARO DE

    OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do Formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo, p.

    21). 13

    AULETTA, Ferruccio. Nullitt e Inesistenza degli atti pocessuale civile, p. 122. A importncia da forma

    do ato processual tambm ser tratada no Captulo 1, infra. 14

    Neste sentido, BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Tcnica Processual, p.

    421. 15

    CALMON DE PASSOS, Jos Joaquim. Esboo de uma teoria das nulidades aplicadas s nulidades

    processuais, p. 124. 16

    Da a impossibilidade de criar frmulas abrangentes em relao ineficcia do ato processual nulo. Regra

    a que se pretenda atribuir alcance geral, nesta sede, tem que expressar a inteno de evitar anulao do

    processo por irregularidade formal. A atividade saneadora do juiz, voltada ao longo de todo o procedimento,

  • 11

    Nesse sentido, para que seja possvel analisar as invalidades no direito processual

    civil, imperioso que seja tambm analisado o ato processual, com o seu devido

    enquadramento dentro da teoria dos fatos jurdicos.17

    O ato processual , sem dvida,

    instrumento para a realizao da tutela jurisdicional, dentro do procedimento em

    contraditrio,18

    o que possibilita entender que relevantes, portanto, so as consequncias

    do ato, no o ato em si mesmo.19

    Esse o foco do Captulo 2, infra.

    Na mesma esteira, necessrio estudar as regras e princpios norteadores das

    invalidades processuais, em especial o princpio da instrumentalidade, o princpio do

    prejuzo, o princpio do interesse e a regra da presuno de validade dos atos processuais.

    Constata-se, deste modo, a existncia de um conjunto axiolgico de regras e princpios que

    rege o sistema das invalidades processuais, conforme consta no Captulo 3 deste trabalho.

    oportuno, tambm, o estudo das principais tentativas de sistematizaes das

    invalidades processuais realizadas pela doutrina, que contribuem para o entendimento do

    fenmeno. Por isso, sero analisadas, no Captulo 4, as sistematizaes que separam as

    nulidades em absoluta, relativa e anulabilidade; a sistematizao que as separam em

    cominada e no cominada; a sistematizao que as separam em nulidade de fundo e de

    forma; e, por fim, a sistematizao que leva em conta a relevncia da atipicidade.

    Estabelecidos tais critrios, passa-se anlise do juzo de invalidao no Captulo

    5, que , propriamente, o roteiro cognitivo para a decretao (ou no) da invalidade diante

    do caso concreto. Inicia com a prpria identificao do vcio do ato processual, quando h

    desvio da forma prevista no suposto normativo. Segue com a verificao da legitimidade

    da iniciativa, com a ulterior anlise da possibilidade de superao do vcio. Por fim, no

    sendo possvel aproveitar o ato viciado, ou mesmo sanar o vcio, o tema dever ser

    no deve ser voltada ao reconhecimento de invalidades e extino do processo sem exame de mrito. Ao

    contrrio, ele tem o dever de se preocupar com a preservao, conservao e saneamento dos atos

    processuais, possibilitando o prosseguimento do processo at o seu objetivo final. (BEDAQUE, Jos

    Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Tcnica Processual, p. 447). 17

    Conforme ser visto no Captulo II, o regime das invalidades no Direito Processual Civil aparentemente

    semelhante quele existente no direito privado, especialmente na forma como foi sistematizado por Pontes de

    Miranda (Tratado de Direito Privado: parte geral. Tomo I. Introduo: das pessoas fsicas e jurdicas).

    Todavia, diante das peculiaridades do Direito Processual Civil, algumas adaptaes devem ser feitas ao seu

    regime. 18

    Ver item 1.1, infra. 19

    BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Tcnica Processual, p. 421.

  • 12

    submetido ao contraditrio para, se for o caso, ser decretada a invalidade, em deciso

    densamente fundamentada. A construo do roteiro terico testada no prprio captulo

    com a anlise de duas invalidades cominadas: a ausncia de participao do Ministrio

    Pblico em processo no qual deveria oficiar como custos legis e o vcio na intimao.

    Aps, diante das peculiaridades das invalidades no campo da sentena (que

    ultrapassam o mero requisito formal e demandam investigao de seu contedo), so

    analisadas algumas hiptese de vcio ou invalidade da sentena, no Captulo 6.

    Por fim, na concluso, apresentada a sntese dos pensamentos desenvolvidos no

    trabalho, em forma de tpicos, para uma apresentao mais concisa. O intuito do trabalho

    contribuir com algumas ideias sobre esse tema clssico to intrigante e, ao mesmo tempo,

    to desafiador.

  • 13

    1 FORMA E FORMALISMO

    1.1 A importncia da forma dos atos processuais

    O processo justo aquele que se realiza de modo a dar ao conflito de interesses a

    melhor soluo, dentro de um espao temporal tido como razovel,20

    para cumprir com o

    seu escopo social.21

    Essa definio sintetiza a busca de duas das principais qualidades que

    o processo deve (ou deveria) ter: certeza na aplicao do direito e celeridade.22

    A grande dificuldade, porm, conseguir equacionar essas qualidades no conjunto

    de normas reguladoras do processo. Conforme em alerta Barbosa Moreira, se uma justia

    lenta demais decerto uma Justia m, da no se segue que uma Justia lenta muito

    rpida seja necessariamente uma Justia boa. O que todos devemos querer que a

    prestao jurisdicional venha a ser melhor do que . Se para torn-la melhor preciso

    aceler-la, muito bem: no contudo, a qualquer preo.23

    E a definio das regras sobre as

    formas dos atos processuais influiu, de forma contundente, no ritmo que ser concedido

    marcha do procedimento.

    Por isso, na busca por um direito processual civil que atenda aos anseios de seu

    tempo, os diversos diplomas legais trataram sobre a forma do ato processual, com

    abordagens variadas.24

    20

    MORELLO, Augusto Mario. El proceso Justo. p. 225 e ss. 21

    Realmente, o direito fundamental ao processo justo apresenta, alm da dimenso subjetiva, uma dimenso

    objetiva: h um interesse geral, para alm dos participantes do processo, na sua observao e promoo.

    (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto e MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil: volume 1:

    Teoria Geral do Processo Civil e Parte Geral do Direito Processual Civil, Vol. 1, p.324). 22

    Por processo justo e quo deve-se entender aquele processo regido por garantias mnimas de meios e de

    resultados, com emprego de instrumental tcnico-processual adequado e conducente a uma tutela adequada e

    efetiva (LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Devido processo legal, substancial e efetividade do

    processo, p. 296). 23

    BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos. O futuro da justia: alguns mitos, p. 5. 24

    O processo, assim como o direito, uma forma de representao dos valores da sociedade. Galeno Lacerda

    afirma: Costumes religiosos, princpios ticos, hbitos sociais e polticos, grau de evoluo cientfica,

    expresso do indivduo na comunidade, tudo isto, enfim, que define a cultura e a civilizao de um povo, h

    de retratar-se no processo, em formas, ritos e juzos correspondentes. Ele, na verdade, espelha uma cultura,

    serve de ndice de uma civilizao. (LACERDA, Galeno. Processo e Cultura, p. 75).

  • 14

    Durante a o perodo da legis actiones do direito romano antigo, vigia o imprio da

    lei, com apego extremado forma. O culto ao procedimento no permitia qualquer

    flexibilizao de palavras, frases ou gestos, sendo que o menor erro j era suficiente para a

    completa invalidao do ato ou mesmo do processo. A segurana e a previsibilidade do

    procedimento determinavam a atuao do juiz.25

    Mais adiante, o prprio direito romano, ao ingressar na fase da cognitio extra

    ordinem, j experimentou uma maior flexibilizao das formas, com reduo dos poderes

    do juiz e um maior equilibro entre legalidade e liberdade.26

    Com o passar dos sculos e

    aps a Revoluo Francesa,27

    viveu-se a experincia da abolio quase que completa das

    formas processuais, sendo que o resultado foi a completa insegurana jurdica e o

    arbtrio.28

    Todavia, o processo ganhou as suas caractersticas contemporneas a partir de sua

    publicizao e do aumento das faculdades do juiz, movimento iniciado a partir do sculo

    XIX, especialmente com a ZPO Austraca,29

    que posicionou as formalidades sob nova

    base conceitual, num processo de cunho marcadamente publicista, simplificado, com

    espao para a oralidade e a economia processual.30

    Ao longo da histria, notado um movimento pendular dos diplomas legislativos,31

    sempre na busca de um equilbrio entre a dicotomia do publicismo e do privatismo, da

    predominncia das faculdades partes ou do poder do juzo, da rigidez ou da flexibilizao

    25

    CHIOVENDA, Giuseppe. Le forme nella difesa giudiziale del diritto, p. 356. 26

    CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditrio, proteo da confiana e

    validade prima facie dos atos processuais, p. 10. 27

    O grande salto na linha histrica justificvel pelo fato de que no se pretende abordar, aqui, toda a

    evoluo histrica da disciplina legal no tocante s formas processuais. A citao de alguns perodos

    histricos tem como finalidade apenas demonstrar as variadas formas de tratamento do tema. Para uma

    anlise mais profunda, conferir ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do Formalismo no processo

    civil. Proposta de um formalismo-valorativo, p. 15 e ss. 28

    TOMASEO, Ferruccio. Appunti di diritto processuale civile, p. 9. 29

    Zivilprozessordnung, o Cdigo de Processo Civil da ustria. 30

    CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditrio, proteo da confiana e

    validade prima facie dos atos processuais, p.11. 31

    Essa variao dos modelos ao longo da histria no escapou argcia de Ovdio Batista: Sendo o direito

    processual uma disciplina essencialmente formal, seria natural imaginar, em seu campo, o predomnio do

    princpio da rigidez das formas, segundo o qual haveriam de ter-se por vlidos todos os atos processuais que

    no obedecem rigorosamente determinao de forma estabelecida para sua realizao. E nos sistemas

    jurdicos rudimentares, como se verificava no direito primitivo, as solenidades processuais e a rigidez formal

    eram absolutas. A mais insignificante inobservncia dos ritos impostos por lei era motivo suficiente para

    causar a nulidade do processo. Contudo, no direito moderno tal no ocorre. (SILVA, Ovdio A. Batista da.

    Curso de processo civil, p. 204).

  • 15

    das formas. Hoje, no h dvida que de as formas so necessrias,32

    sendo que o

    formalismo exacerbado o que representa uma deformao,33

    ainda mais quando a

    sociedade passa por profunda evoluo cientfica e tecnolgica, com reflexos no processo,

    inclusive.34

    Em sntese, a forma do ato processual meio para a sua realizao escolhido pelo

    direito positivo, em sintonia com os princpios que regem o processo. , segundo a lio de

    Alvaro de Oliveira, o invlucro do ato processual, a maneira como deve este se

    exteriorizar; cuida-se portanto do conjunto de signos pelos quais a vontade se manifesta e

    dos requisitos a serem observados na sua celebrao.35

    No representa um fim em si

    mesmo, mas sim o modo e o meio de que serve a lei para que o processo atinja a seus

    objetivos dentro dos postulados a que se subordina.36

    As formas legalmente previstas para o processo existem para fornecer sociedade

    segurana jurdica e previsibilidade dos atos processuais.37

    Ao determinar as opes de

    32

    O processo no pode ser enxergado como um mal a ser resolvido, eis que este constitui uma garantia constitucional complexa de: 1. legitimidade e participao dos cidados na formao das decises; 2. de

    limitao e adequao da atuao dos sujeitos processuais (advogados, juzes, rgos do Ministrio Pblico e

    partes); e, 3. de viabilizao dos direitos (especialmente fundamentais). (NUNES, Dierle, Curso de direito

    processual civil: fundamentao e aplicao, p. 31). 33

    LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile, p. 258. 34

    O processo eletrnico, tratado no item 1.2, infra, exemplo eloquente de que o processo deve acompanhar

    a evoluo da sociedade. 35

    OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do Formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-

    valorativo, p. 18. importante destacar que o referido autor faz uma distino entre a forma em sentido

    estrito e o formalismo, sendo que este ltimo ultrapassaria a anlise da forma do ato para abordar os poderes,

    faculdades e deveres dos sujeitos processuais. o que esclarece na seguinte passagem: O formalismo, ou

    forma em sentido amplo, no se confunde com a forma do ato processual individualmente considerado. Diz

    respeito totalidade formal do processo, compreendendo no s a forma, ou as formalidades, mas

    especialmente a delimitao dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, coordenao de sua

    atividade, ordenao do procedimento e organizao do processo, com vistas a que sejam atingidas suas

    finalidades primordiais. A forma em sentido amplo investe-se, assim, da tarefa de indicar as fronteiras para o

    comeo e o fim do processo, circunscrever o material a ser formado, e estabelecer dentro de quais limites

    devem cooperar e agir as pessoas atuantes no processo para o seu desenvolvimento. O formalismo processual

    contm, portanto, a prpria idia do processo como organizao da desordem, emprestando previsibilidade a

    todo o procedimento (Do Formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo, p. 8). 36

    MARQUES, Jos Frederico. Instituies de direito privado civil, p. 384. No mesmo sentido, precisa a

    lio de Luiz Guilherme Bondioli: No plano processual, os atos so em alguma medida atrelados a modelos

    legais abstratos que visam criao de um ambiente seguro e propcio para a soluo de controvrsias. Para

    tutelar os interesses das partes e assegurar o bom desenvolvimento da atividade do Poder Judicirio, o

    legislador vincula atos do processo a certas frmulas pensadas para finalidades determinadas, todas elas

    convergentes ao alcance dos escopos da jurisdio. assim, no mbito do processo, a forma um fato de

    segurana. Todavia, mais do que um fator de segurana, a forma um instrumento para a produo de

    resultados programados. E sempre luz desses resultados que ela deve ser dimensionada no processo.

    (BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. Nulidades processuais e mecanismos de controle, p. 25). 37

    Como ensina Roque Komatsu: as formas processuais correspondem a uma necessidade de ordem, certeza

    e eficincia e a sua escrupulosa observncia representa uma garantia de andamento regular e legal do

  • 16

    comportamento dos sujeitos do processo, o direito processual afasta o sentimento de

    complexidade e incertezas, aproximando-o do seu objetivo de pacificao social.38

    No razovel imaginar a sequencia procedimental39

    do processo sem uma pr-

    determinao de ordem, com a especificao do modo, tempo e lugar da pratica de cada

    ato.40

    A ausncia de uma definio prvia levaria em uma situao de desordem, sem

    limites ou garantias para as partes, prevalecendo ou podendo prevalecer a arbitrariedade

    e a parcialidade do rgo judicial ou a chicana do adversrio.41

    por isso que, no dizer

    de Rudolf von Jhering, a forma a inimiga jurada do arbtrio e irm gmea da

    liberdade.42

    Por outro lado, o que no se pode admitir um formalismo exacerbado, decorrente

    de um culto pela forma como um fim em si mesmo, seja na legislao, seja na exegese do

    processo e de respeito aos direitos das partes. (KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil, p.

    129). 38

    DINAMARCO, Cndido Rangel. A Instrumentalidade do processo, p. 252. 39

    A natureza do processo como procedimento em contraditrio ser analisada no captulo 2 desta dissertao. 40

    Parte da doutrina cria uma diviso entre forma em sentido amplo e forma em sentido estrito. A anlise

    da forma em sentido amplo determina o estudo no s do modo como se exterioriza o ato processual, mas

    tambm o tempo e o lugar determinados para a sua prtica. Por sua vez, o estudo da forma do ato stricto

    senso dispensaria a anlise de tempo e lugar do ato processual. Roque Komatsu defende a incluso do tempo

    e lugar do ato como parte integrante da forma em sentido estrito: "A forma, em sentido estrito, abrange o

    como, modalidade de exprimir-se exigida para a realizao de um ato, o onde - o lugar e o quando - tempo. O

    lugar, como o tempo e a modalidade de expresso, compe um dos elementos constitutivos do ato

    processual. (KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil, p. 130). Teresa Wambier afirma que o

    problema do tempo dos atos processuais, ao menos das partes, inserem-se no campo da admissibilidade, e

    no da invalidade: Os arts. 172 a 175 e 177 a 192 tratam do problema do tempo no processo, que se liga ao

    fenmeno da 'admissibilidade', pelo menos no que diz respeito aos atos das partes (Nulidades no processo e

    na sentena, p. 148). imperioso reconhecer que o tempo e o lugar da prtica do ato so fatores exteriores

    ao ato processual e, por isso, no se relacionam com as suas invalidades.Porm, fazem parte da forma em

    sentido amplo. Em relao aos atos das partes, como ser visto adiante, todos os seus atos sujeitam-se ao

    regime da admissibilidade, e no invalidade sobre o tema, ver Captulo 5, infra. 41

    OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do Formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-

    valorativo, p. 9. 42

    Passagem citada por CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditrio,

    proteo da confiana e validade prima facie dos atos processuais. Piero Calamandrei tambm

    correlaciona a disciplina da forma como representao de uma garantia individual: la disciplina delle forme

    processuali serve appunto a questo: le regole del procedimento sono in sostanza una specie di metodologia

    fissata dalla legge per servir di guida a chi vuol chiedere giustizia: quasi, si direbbe, il galateo del

    litigante, che gli insegna come ci si deve comportare col giudice per esserne ascoltati. Cos le forme

    processuali, imponendo un certo ordine e un certo modo di espressione alle deduzioni delle parti e vietando

    al giudice di tener conto delle difese presentate in modi diversi, assicurano il rispetto del contraddittorio e la

    ugualianza delle parti; esse non servono dunque, come potrebbero pensare i profani, a render pi

    complicato e meno comprensibile lo svolgimento del processo, ma anzi a renderlo pi semplice e pi

    sollecito, in quanto forzano le parte a ridurre le loro attivit al mnimo essenziale e a servirsi di modi di

    espressione tecnicamente appropriati per farsi intendere com chiarezza dal giudice: esse, in conclusione,

    anzich um intralcio alla giustizia, sono in realt una precioza garanzia dei diritti e delle liberta individuali

    (CALAMANDREI, Piero. Istituzioni di Diritto Processuale Civile, p. 25).

  • 17

    aplicador do direito.43

    A corrente do instrumentalismo44

    processual veio justamente resgatar

    a noo da finalidade do processo, como forma de pacificao social por meio da

    jurisdio, para o centro da cincia processual.45

    A forma, portanto, necessria e indispensvel para o processo civil. A anlise dos

    defeitos de forma dos atos, que geram (ou no) a sua invalidao, tema de central

    relevncia, que deve ser estudado sempre com olhos no direito positivo vigente46

    e

    iluminado pelas regras e princpios identificados pela doutrina.47

    43

    BONCIO, Marcelo Magalhes. Aspectos bsicos do sistema de invalidade, p. 74. 44

    interessante destacar que o instrumentalismo novamente coloca o estudo do processo em destaque, o que

    foi chamado pro Cndido Rangel Dinamarco de a escalada processualstica, o que pode trazer um lado

    negativo do instrumentalismo: a sua deturpao, como visto, por exemplo, nos casos de jurisprudncia

    defensiva dos tribunais. Explica o doutrinador: O lado negativo do princpio da instrumentalidade

    corresponde ao refluxo da escalada processualstica que sucedeu s grandes descobertas dos processualistas

    da segunda metade do sculo passado, escalada que no Brasil chegou a um nvel de quase euforia com a

    vigncia do Cdigo de Processo Civil. Trata-se, assim, da instrumentalidade realada e invocada como fator

    de conteno de exageros e distores. A excessiva preocupao com os temas processuais constitui

    condio favorvel a essas posturas inadequadas, com o esquecimento da condio instrumental do processo.

    Favorece, inclusive, o formalismo no modo de empregar a tcnica processual, o que tem tambm o

    significado de menosprezar a advertncia que as formas so meios preordenados aos objetivos especficos em

    cada momento processual. (DINAMARCO, Candido Rangel. A instrumentalidade do processo, p. 327). 45

    No exame do processo a partir de um ngulo exterior, diz-se que todo o sistema no vale por si, mas pelos

    objetivos que chamado a cultuar; e depois, em perspectiva interna, examinam-se os atos do processo e deles

    diz-se o mesmo. Cada um deles tem uma funo perante o processo e este tem funes perante o direito

    substancial, a sociedade e o Estado. (DINAMARCO, Cndido Rangel. A instrumentalidade do processo,

    p. 269). 46

    J no segredo que o processo influenciado diretamente pelas regras constitucionais, no sendo restrito

    ao Cdigo de Processo Civil. O processo civil deve ser instrumento para a efetivao dos direitos

    fundamentais e, por isso, a influncia das normas constitucionais dentro do processo cada vez maior, dentro

    do movimento que a doutrina identificou como modelo constitucional do processo. Ver, nesse sentido,

    ANDOLINA, Italo e VIGNERA,Giuseppe. Il modello costituzionale del processo civile italiano: corso di

    lezioni, passim. 47

    Identifica-se, inclusive, um conjunto de princpios e regras prprios do sistema das invalidades

    processuais. Ver Captulo 3, infra.

  • 18

    1.2 A forma no direito positivo brasileiro

    Compreendida a importncia da forma no processo civil, pertinente analisar o

    modo como o direito positivo brasileiro tratou das regras relativas forma em sentido

    amplo dos atos processuais. Por isso, justifica-se uma breve anlise das normas que o

    Cdigo de Processo Civil reservou para o tema.

    Na mesma esteira, no possvel ignorar as normas que tratam do chamado

    Processo Eletrnico, que trouxeram diversas alteraes para o campo da forma do ato

    processual e sero estudadas no item 1.2.2. Por fim, diante da possibilidade de o novo

    Cdigo de Processo Civil48

    ter o seu trmite legislativo finalizado, prudente, tambm,

    analisar como o tratamento da forma ser feito por esse novel diploma legal (item 1.2.3,

    infra).

    1.2.1 Cdigo de Processo Civil de 1973

    O Cdigo de Processo Civil, no seu Livro I, dedica o ttulo V para tratar dos atos

    processuais. controvertida na doutrina49

    a definio se o processo civil brasileiro regido

    pelo princpio da legalidade das formas ou se, no sentido oposto, vige o princpio da

    liberdade das formas.

    De imediato, o artigo 15450

    aparentemente consagra o princpio da liberdade das

    formas, ao destacar que os atos e termos processuais no dependem de forma determinada,

    exceto quando a lei expressamente a exigir, reputando-se vlidos os que, realizados de

    outro modo, preencham a finalidade essencial da norma. Diante desse dispositivo, Pontes

    de Miranda,51

    por exemplo, afirma vigorar no Brasil o princpio da inexistncia das formas

    pr-determinadas.

    48

    Projetos de lei nos 6.025, de 2005, e 8.046, de 2010. 49

    Para um bom panorama dessa divergncia, conferir SCAPARO, Eduardo. As Invalidades Processuais

    Civis na Perspectiva do Formalismo-Valorativo, p. 66 e ss. 50

    Art. 154. Os atos e termos processuais no dependem de forma determinada seno quando a lei

    expressamente a exigir, reputando-se vlidos os que, realizados de outro modo, Ihe preencham a finalidade

    essencial. 51

    Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, p. 63.

  • 19

    Todavia, a partir de uma anlise sistmica, alguns doutrinadores, como Carlos

    Alberto lvaro de Oliveira,52

    reconhecem a existncia, no direito brasileiro (tal qual no

    direito italiano53

    ), de uma regra de legalidade (ou tipicidade) das formas, ainda que de

    rigidez atenuada.

    Porm, como muito bem observado por Candido Rangel Dinamarco,54

    a liberdade

    na escolha das formas, como regra geral, complementa-se pela instrumentalidade no

    momento da anlise do ato praticado quando existe modelo previsto em lei, o que leva o

    jurista a identificar, com acerto, que o Cdigo de Processo Civil adotou uma posio

    intermediria.55

    certo, porm, que o direito processual brasileiro avana em direo ao resgate do

    seu escopo, pelo instrumentalismo, acompanhado do movimento de constitucionalizao

    do processo. A chamada constitucionalizao do processo determina no s a

    observncia irrestrita das garantias constitucionais do processo,56

    mas tambm a imposio

    do modo de pensar constitucional para a proteo dos direitos fundamentais na rbita

    processual.57

    Portanto, possvel uma exegese de que as formas previstas no atual Cdigo de

    Processo Civil, por mais relevantes que sejam, sempre devem ser analisadas luz do

    alcance do objetivo do processo, com observncia das garantias processuais, o que torna,

    de certo modo, incua a classificao em sistema de forma livre ou sistema de forma

    rgida.

    52

    Do formalismo no processo civil, p.124. 53

    Cf. MARELLI, Fabio. La conservazioni degli atti invalidi nel processo civile, p. 46. 54

    Instituies de Direito Processual Civil, p. 599. 55

    A despeito de reconhecer, na seguinte passagem, uma prevalncia do princpio da legalidade formal: No

    processo civil brasileiro, temos a promessa da liberdade das formas em normas programticas dos dois

    sucessivos Cdigos de Processo Civil nacionais, mas s a promessa: ambos foram to minuciosos quanto

    forma dos atos processuais (alis, seguindo os tradicionais modelos europeus) que com segurana se pode

    afirmar ser o princpio da legalidade formal o que realmente prepondera. (DINAMARCO, Cndido Rangel.

    A instrumentalidade do processo, p. 128). 56

    ARAJO CINTRA, Antonio Carlos; GRINOLVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel.

    Teoria Geral do Processo, p.79. 57

    Essa a proposta do formalismo-valorativo: Com base nos valores e normas estabelecidos na

    Constituio d-se a organizao do processo. Entre esses ressaltam ao valores da igualdade, segurana e

    efetividade (plano axiolgico), que se manifestam no plano deontolgico nos direitos fundamentais

    igualdade, segurana e efetividade. Os mesmos fundamentos podem servir para a interpretao e aplicao

    das normas e princpios processuais. (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto e MITIDIEIRO, Daniel.

    Curso de Processo Civil: volume 1: Teoria Geral do Processo Civil e Parte Geral do Direito Processual

    Civil, p. 18).

  • 20

    At porque o atual Cdigo de Processo Civil prdigo em determinar mincias

    formais de diversos atos que, se no interpretados a luz dos princpios processuais,

    inviabilizariam a progresso da marcha processual diante de tantas possibilidades de vcios

    formais. Por exemplo, deve o juiz indicar na sentena a data de sua prolao, requisito

    previsto no art. 164 do Cdigo de Processo Civil,58

    muito embora a importncia resida,

    especialmente, na data de sua publicao, e no na data de prolao.

    Da mesma forma, o atual Cdigo de Processo Civil veda a utilizao de qualquer

    abreviao em um ato ou termo do processo, conforme previso do pargrafo primeiro do

    artigo 169 do Cdigo de Processo Civil59

    , que ainda determina que os atos e termos do

    processo sero datilografados ou escritos com tinta escura e indelvel, assinando-os as

    pessoas que neles intervieram. Tambm no se admitem, nos atos e termos, espaos em

    branco, bem como entrelinhas, emendas ou rasuras, salvo se aqueles forem inutilizados e

    estas expressamente ressalvadas.60

    Enfim, as diversas previses sobre a forma dos atos processuais constantes no atual

    Cdigo de Processo Civil jamais podem ser consideradas isoladamente, de forma rgida,

    sem ateno aos princpios constitucionais e s regras atinentes ao processo. Essa parece

    ser a direo axiolgica do sistema processual.61

    Inclusive, legislaes processuais especiais posteriores ao Cdigo de Processo Civil

    abrandaram exigncias de forma na busca de um processo mais simples, com menos

    formalismo e maior oralidade. A Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispe sobre

    os Juizados Especiais Cveis e Criminais e d outras providncias, o exemplo mais

    eloquente.

    58

    Art. 164. Os despachos, decises, sentenas e acrdos sero redigidos, datados e assinados pelos juzes.

    Quando forem proferidos, verbalmente, o taqugrafo ou o datilgrafo os registrar, submetendo-os aos juzes

    para reviso e assinatura. 59

    Art. 169. Os atos e termos do processo sero datilografados ou escritos com tinta escura e indelvel,

    assinando-os as pessoas que neles intervieram. Quando estas no puderem ou no quiserem firm-los, o

    escrivo certificar, nos autos, a ocorrncia.

    1 vedado usar abreviaturas. 60

    a redao ipsi litteris do artigo 171 do Cdigo de Processo Civil. 61

    BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do processo e tcnica processual, p. 439.

  • 21

    Destinada a tratar das demandas de menor complexidade, o processo nos juizados

    so orientados pelos critrios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia

    processual e celeridade, buscando, sempre que possvel, a conciliao ou a transao,

    conforme a redao do art. 2 da referida Lei.

    Ao tratar dos atos processuais na Seo IV, a Lei 9.099/1995 permitiu a sua prtica

    no horrio noturno (artigo 1262

    ), alm de consagrar os princpios da finalidade dos atos e

    do prejuzo como regra bsica do sistema das invalidades processuais.63

    Verifica-se, desta forma, que a direo fornecida pelo legislador ps Cdigo de

    Processo Civil de 1973 no sentido da simplificar as regrais formais do procedimento,

    valendo-se de princpios consagrados no prprio Cdigo de Ritos, como a

    instrumentalidade, o interesse e a ausncia de prejuzo.

    com essa mentalidade, inclusive, que o aplicador do direito deve interpretar todas

    as regras processuais, especialmente na anlise do regramento legal quanto ao formalismo

    do processo.

    1.2.2 A forma no processo eletrnico

    O processo civil brasileiro vive mais um momento de grande transformao, com a

    implementao do processo eletrnico.64

    E, por certo, a era da informatizao gera impacto

    62

    Art. 12. Os atos processuais sero pblicos e podero realizar-se em horrio noturno, conforme

    dispuserem as normas de organizao judiciria. 63

    Art. 13. Os atos processuais sero vlidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem

    realizados, atendidos os critrios indicados no art. 2 desta Lei. 1 No se pronunciar qualquer nulidade

    sem que tenha havido prejuzo.

    2 A prtica de atos processuais em outras comarcas poder ser solicitada por qualquer meio idneo de

    comunicao.

    3 Apenas os atos considerados essenciais sero registrados resumidamente, em notas manuscritas,

    datilografadas, taquigrafadas ou estenotipadas. Os demais atos podero ser gravados em fita magntica ou

    equivalente, que ser inutilizada aps o trnsito em julgado da deciso.

    4 As normas locais disporo sobre a conservao das peas do processo e demais documentos que o

    instruem. 64

    Utiliza-se o vocbulo processo eletrnico em razo da escolha feita pelo legislador (como se nota na Lei

    11.419/2006), sendo certo que demonstra mais apuro tcnico a denominao de "procedimento eletrnico", j

    que procedimento "o meio extrnseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo; a

    manifestao extrnseca deste, a sua realidade fenomenolgica perceptvel." (ARAJO CINTRA, Antonio

    Carlos; GRINOLVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo, p. 277).

  • 22

    representativo na seara da forma (tempo, lugar e modo) dos atos processuais.65

    Por isso,

    necessrio analisar as peculiaridades desse novo tipo de procedimento dentro do direito

    processual.

    A utilizao de meios eletrnicos e informatizados no direito processual civil

    ocorreu de forma paulatina. A Lei n 9.800, de 26 de maio de 1999, chamada de Lei do

    Fax, inovou ao permitir s partes o encaminhamento de peties escritas mediante a

    utilizao de sistema de transmisso de dados e imagens do tipo fac-smile ou outro

    similar. Contudo, referida lei no afastou a exigncia de apresentao das vias originais em

    juzo e sua autuao no processo fsico, a fim de comprovar a sua autenticidade. Desse

    modo, a essncia da forma do ato processual petio escrita em papel continuou em

    vigncia.

    Por sua vez, a Lei n 10.259, de 12 de julho de 2001, que criou os juizados

    especiais no mbito da Justia Federal, foi alm e permitiu o uso do meio eletrnico no

    envio e recebimento de peties, por meio de digitalizao,66

    sem a necessidade da

    apresentao das vias fsicas (da petio em papel).

    Na sequencia, a Lei n 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, alterou a redao do art.

    154, pargrafo nico, do Cdigo de Processo Civil, para permitir que os tribunais realizem

    a comunicao dos atos judiciais mediante certificao digital.

    O avano final rumo ao processo eletrnico decorreu da Lei n 11.419/06. A lei

    tratou, basicamente, das formas, ritos e procedimentos a serem seguidas no processo

    eletrnico.67

    65

    A informatizao dos processos levou a jurisprudncia a enfrentar situaes certamente impensveis h 30

    anos. Por exemplo, conhecida a divergncia jurisprudencial sobre a validade das informaes lanadas nos

    andamentos dos processos na pgina dos respectivos tribunais: Informaes prestadas pela rede de

    computadores operada pelo Poder Judicirio so oficiais e merecem confiana. Bem por isso, eventual erro

    nelas cometido constitui "evento imprevisto, alheio vontade da parte e que a impediu de praticar o ato.".

    Reputa-se, assim, justa causa (CPC, Art. 183, 1), fazendo com que o juiz permita a prtica do ato, no prazo

    que assinar. (Art. 183, 2) (STJ, RESP 390561/PR, 1a Turma, Rel. Humberto Gomes de Barros, j.

    18/6/2002). 66

    Segundo a definio da Resoluo 94/2012, do Conselho Superior da Justia do Trabalho, no art. 3, inciso

    III , digitalizao o Processo de converso de um documento originalmente confeccionado em papel para

    o formato digital por meio de dispositivo apropriado, como o scanner. 67

    Por exemplo, a lei disciplina as formas de comunicao eletrnica dos atos no seu Captulo II, em ateno

    ao princpio processual da publicidade dos atos processuais.

  • 23

    Para adequar ao novo ambiente digital do processo s necessidades de certeza e

    segurana na prtica dos atos processuais, o legislador exigiu a utilizao de uma

    assinatura eletrnica para a prtica do ato processual, com o objetivo de resguardar a

    autenticidade, a segurana e a credibilidade na prtica dos atos virtuais.68

    De igual modo, foram alterados diversos dispositivos do Cdigo de Processo Civil

    para no conflitar com a lei do processo eletrnico. Destaca-se: (i) possibilidade de a

    procurao pode ser assinada digitalmente (Art. 38, pargrafo nico); (ii) todos os atos e

    termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio

    eletrnico, na forma da lei (Art. 154, 2);69

    (iii) A assinatura dos juzes, em todos os

    graus de jurisdio, pode ser feita eletronicamente, na forma da lei (Art. 164, pargrafo

    nico); (iv) eventuais contradies na transcrio devero ser suscitadas oralmente no

    momento da realizao do ato, sob pena de precluso, devendo o juiz decidir de plano,

    registrando-se a alegao e a deciso no termo (Art. 169, 3); (v) a carta de ordem, carta

    precatria ou carta rogatria pode ser expedida por meio eletrnico, situao em que a

    assinatura do juiz dever ser eletrnica, na forma da lei (Art. 202, 3) e, por fim, (vi) as

    intimaes podem ser feitas de forma eletrnica, conforme regulado em lei prpria (Art.

    237, pargrafo nico).70

    Mesmo com as alteraes implementadas no Cdigo de Processo Civil pela Lei n

    11.419/06, algumas previses quanto a forma dos atos nos dois diplomas no se

    coadunam.71

    Por exemplo, o Cdigo de Processo Civil, no seu artigo 176, determina que os

    68

    Nos termos do art. 1 da Medida Provisria n 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, a assinatura digital

    depende de habilitao e homologao especfica pela ICP-Brasil para possuir validade jurdica plena a

    documentos eletrnicos produzidos segundo suas disposies, sebdo que sua autenticidade oponvel a

    todos, in verbis: Fica instituda a Infra-Estrutura de Chaves Pblicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a

    autenticidade, a integridade e a validade jurdica de documentos em forma eletrnica, das aplicaes de

    suporte e das aplicaes habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realizao de transaes

    eletrnicas seguras. 69

    Os documentos juntados ao processo eletrnico nos termos da Lei n 11.419, de 19 de dezembro de 2006

    so considerados autnticos sendo despicienda a apresentao posterior de cpias autenticadas ou dos

    originais. Nesse sentido: STJ, SEC 9.570/EX, Rel. Ministro Benedito Gonalves, Corte Especial, julgado em

    05/11/2014, DJe 17/11/2014. 70

    A sistematizao das alteraes legislativas ora apresentada foi realizada por Carlos Henrique Abro

    (Processo Eletrnico: Lei n. 11.419, de 19.12.2006, passim). 71

    O novo Cdigo de Processo Civil (Projetos de lei nos 6.025, de 2005, e 8.046, de 2010), por sua vez,

    dedicou uma seo para tratada da prtica eletrnica de atos processuais. Os artigos 193 a 195 tratam dos atos

    processuais praticados em meio eletrnico, em sintonia com a Lei de Processos Eletrnicos:

    Art. 193. Os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam

    produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrnico, na forma da lei.

    Pargrafo nico. O disposto nesta Seo aplica-se, no que for cabvel, prtica de atos notariais e de registro.

  • 24

    atos processuais realizam-se de ordinrio na sede do juzo. Com o processo eletrnico,

    diversos atos processuais so realizados pela internet, remotamente e, por vezes, fora da

    sede do juzo, sem que exista qualquer vcio no ato.72

    Assim, a para a correta aplicao dessa nova legislao imprescindvel a

    compreenso do princpio da instrumentalidade das formas, previsto nos artigos 154, 244 e

    249, 2, do Cdigo de Processo Civil, visto que dela indissocivel. Afinal, o processo

    civil um sistema harmnico e regido por regras e princpios prprios, vigentes no s nos

    processos dito fsicos, mas tambm nos processos eletrnicos.

    1.2.3 A forma no novo Cdigo de Processo Civil

    Com o intuito de elaborar o Anteprojeto de Novo Cdigo de Processo Civil, o

    Senado Federal instituiu uma Comisso de Juristas,73

    por meio do ato do Presidente do

    Senado Federal n 379, de 2009. No segundo semestre de 2010, aps a Comisso receber

    diversas sugestes e realizar audincias pblicas por todo o Brasil, o anteprojeto foi

    entregue ao Senado e ulteriormente convertido, com algumas alteraes, em projeto de lei

    (Projeto de Lei do Senado n 166, de 2010).

    Seguindo o trmite do processo legislativo, o projeto foi enviado Cmara dos

    Deputados e, aps algum tempo, o Relatrio Final apresentado pela Comisso Especial

    destinada a proferir parecer ao Projeto de lei no 6.025, de 2005, ao Projeto de lei no 8.046,

    de 2010, ambos do Senado federal, e outros, que tratam do Cdigo de Processo Civil

    Art. 194. Os sistemas de automao processual respeitaro a publicidade dos atos, o acesso e a participao

    das partes e de seus procuradores, inclusive nas audincias e sesses de julgamento, observadas as garantias

    da disponibilidade, independncia da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos

    sistemas, servios, dados e informaes que o Poder Judicirio administre no exerccio de suas funes.

    Art. 195. O registro de ato processual eletrnico dever ser feito em padres abertos, que atendero aos

    requisitos de autenticidade, integridade, temporalidade, no-repdio, conservao e, nos casos que tramitem

    em segredo de justia, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves pblicas unificada

    nacionalmente, nos termos da lei. 72

    ABRO, Carlos Henrique, Processo Eletrnico: Lei n. 11.419, de 19.12.2006, p. 47. 73

    A Comisso do Senado foi integrada pelos juristas Luiz Fux (presidente), Teresa Wambier, Adroaldo

    Fabrcio, Benedito Pereira Filho, Bruno Dantas, Elpdio Nunes, Humberto Teodoro Jnior, Jansen Almeida,

    Jos Miguel Medina, Jos Roberto Bedaque, Marcus Vincius Coelho e Paulo Cezar Carneiro.

  • 25

    (revogam a lei no 5.869, de 1973)74

    trouxe a certeza, para a comunidade jurdica, que

    muito em breve teremos um novo Cdigo de Processo Civil.75

    A anlise do novo diploma legislativo permite verificar o enfoque dado a dois

    valores: segurana jurdica e celeridade.76

    E, como no poderia deixar de ser, o chamado

    formalismo excessivo foi identificado como um dos culpados pela lentido excessiva dos

    processos.77

    Todavia, uma anlise do provvel novo Cdigo de Processo Civil brasileiro no

    permite vislumbrar diferena significativa entre as disposies sobre a forma (em sentido

    amplo) dos atos processuais, tampouco quanto ao sistema de invalidades, em comparao

    com o Cdigo de Processo Civil em vigor.

    O novo Cdigo de Processo de Processo Civil, ao que tudo indica, a despeito de

    anunciar uma suposta filiao ao sistema da liberdade das formas,78

    continuar seguindo o

    74

    Projetos de lei nos 6.025, de 2005, e 8.046, de 2010. 75

    At a redao final do presente trabalho (novembro de 2014) o Novo Cdigo de processo Civil no havia

    sido aprovado pelo Senado, na sua redao final, e nem encaminhado sano presidencial. 76

    A valorizao da segurana jurdica foi tratada tambm em na Exposio (A Exposio de Motivos do

    Anteprojeto do Cdigo de Processo Civil. Projeto de Lei do Senado n 166, de 2010):

    O novo Cdigo prestigia o princpio da segurana jurdica, obviamente de ndole constitucional, pois que se

    hospeda nas dobras do Estado Democrtico de Direito e visa a proteger e a preservar as justas expectativas

    das pessoas. Todas as normas jurdicas devem tender a dar efetividade s garantias constitucionais, tornando

    segura a vida dos jurisdicionados, de modo a que estes sejam poupados de surpresas, podendo sempre

    prever, em alto grau, as conseqncias jurdicas de sua conduta. Se, por um lado, o princpio do justo

    convencimento motivado garantia de julgamentos independentes e justos, e neste sentido mereceu ser

    prestigiado pelo novo Cdigo, por outro, compreendido em seu mais estendido alcance, acaba por conduzir a

    distores do princpio da legalidade e prpria idia, antes mencionada, de Estado Democrtico de Direito.

    A disperso excessiva da jurisprudncia produz intranqilidade social e descrdito do Poder Judicirio. Se

    todos tm que agir em conformidade com a lei, ter-se-ia, ipso facto, respeitada a isonomia. Essa relao de

    causalidade, todavia, fica comprometida como decorrncia do desvirtuamento da liberdade que tem o juiz de

    decidir com base em seu entendimento sobre o sentido real da norma. (...) Por outro lado, haver,

    indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma

    jurdica, leva a que jurisdicionados que estejam em situaes idnticas, tenham que submeter-se a regras de

    condutas diferentes, ditadas por decises judiciais emanadas de tribunais diversos. 77

    Conforme consta na mensagem do Ministro Luiz Fux que serve de prembulo para a A Exposio de

    Motivos do Anteprojeto do Cdigo de Processo Civil (Projeto de Lei do Senado n 166, de 2010): No af

    de atingir esse escopo deparamo-nos com o excesso de formalismos processuais, e com um volume

    imoderado de aes e de recursos. 78

    o que tenta indicar o artigo 188 dos Projetos de lei nos 6.025, de 2005, e 8.046, de 2010: Art. 188. Os

    atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir,

    considerando-se vlidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.

  • 26

    sistema de tipicidade legal das formas,79

    ainda que amplamente mitigada pelo princpio do

    instrumentalismo, conforme Dinamarco j identificou no atual sistema positivo.80

    O Livro IV, intitulado de Dos Atos Processuais, ser responsvel por disciplinar

    a forma, o tempo e o lugar dos atos processuais (especificamente no Ttulo I). Dentre

    algumas disposies j conhecidas no atual sistema,81

    destaca-se a possibilidade de as

    partes estipularem mudanas no procedimento para ajust-lo s especificidades da causa,

    com a permisso de pactuao quanto aos seus nus, poderes, faculdades e deveres

    processuais, antes ou durante o processo.82

    No mesmo Livro IV, o Ttulo III trata das nulidades e consagra regras e princpios

    j conhecidos do atual sistema de invalidades processuais do Cdigo de Processo Civil

    vigente,83

    como os princpios da instrumentalidade,84

    do prejuzo,85

    do interesse86

    e o da

    presuno de validade dos atos87

    , alm da regra da precluso.88

    79

    So vrias a previses de invalidades cominadas por vcio do ato no novo Cdigo de Processo Civil. Por

    exemplo: Art. 279. nulo o processo quando o membro do Ministrio Pblico no for intimado a

    acompanhar o feito em que deva intervir.

    1 Se o processo tiver tramitado sem conhecimento do membro do Ministrio Pblico, o juiz invalidar os

    atos praticados a partir do momento em que ele deveria ter sido intimado.

    2 A nulidade s pode ser decretada aps a intimao do Ministrio Pblico, que se manifestar sobre a

    existncia ou a inexistncia de prejuzo.

    Art. 280. As citaes e as intimaes sero nulas quando feitas sem observncia das prescries legais. 80

    Ver item 1.2.1, supra. 81

    Como, por exemplo, a regra da publicidade dos atos processuais: Art. 189. Os atos processuais so

    pblicos (...). 82

    o que dispe o artigo 191: Art. 191. Versando a causa sobre direitos que admitam autocomposio,

    lcito s partes plenamente capazes estipular mudanas no procedimento para ajust-lo s especificidades da

    causa e convencionar sobre os seus nus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o

    processo. 83

    Tratados no Captulo 3, infra. 84

    Art. 277. Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerar vlido o ato se, realizado de outro

    modo, lhe alcanar a finalidade. 85

    Art. 282. Ao pronunciar a nulidade, o juiz declarar que atos so atingidos e ordenar as providncias

    necessrias a fim de que sejam repetidos ou retificados.

    1 O ato no se repetir nem sua falta ser suprida quando no prejudicar a parte.

    2 Quando puder decidir o mrito a favor da parte a quem aproveite a decretao da nulidade, o juiz no a

    pronunciar nem mandar repetir o ato ou suprir-lhe a falta. 86

    Art. 276. Quando a lei prescrever determinada forma sob pena de nulidade, a decretao desta no pode

    ser requerida pela parte que lhe deu causa. 87

    Art. 281. Anulado o ato, consideram-se de nenhum efeito todos os subsequentes que dele dependam; a

    nulidade de uma parte do ato no prejudicar, todavia, as outras que dela sejam independentes.

    Art. 283. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulao dos atos que no possam ser

    aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessrios a fim de se observar as prescries legais. 88

    Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber parte falar nos

    autos, sob pena de precluso.

    Pargrafo nico. No se aplica esta disposio s nulidades que o juiz deva decretar de ofcio, nem prevalece

    a precluso provando a parte legtimo impedimento.

  • 27

    Desta forma, a concepo sistemtica do novo Cdigo de Processo Civil seguir,

    basicamente, as mesmas diretrizes do Cdigo vigente, de forma que as concluses do

    presente trabalho tambm sero vlidas diante da novel legislao.

  • 28

    2. O ATO JURDICO PROCESSUAL

    2.1 O processo como procedimento em contraditrio.

    A identificao da natureza jurdica do processo fundamental para um estudo das

    invalidades dos atos no processo civil. Na doutrina,89

    ecoam com maior fora duas

    concepes distintas acerca do tema: a primeira, que classifica o processo como uma

    relao jurdica; e a segunda, que identifica o processo como um fato jurdico.

    A viso do processo como relao jurdica remonta origem da fase cientfica do

    Direito Processual,90

    momento no qual o grande desafio da doutrina era conferir autonomia

    em relao ao direito material. Oskar Blow,91

    expoente da tese, consignou que o processo

    caracterizado como uma relao de direito pblico, distinta da relao de direito material,

    entre sujeitos e com pressupostos especficos de existncia e validade.92

    Todavia, o dinamismo inerente ao processo dificulta a apreenso do conceito

    esttico de uma relao jurdica.93

    A importao irrestrita de conceitos do direito material,

    pura e simples, no se mostra adequada a caracterizar o fenmeno dinmico do processo.94

    Por isso, a classificao do processo como um fato jurdico se mostra mais

    apropriado ao fenmeno,95

    especialmente se encarado como um procedimento, no qual o

    89

    Sobre o tema, com anlise das diversas correntes, cf. SCAPARO, Eduardo. As Invalidades Processuais

    Civis na Perspectiva do Formalismo-Valorativo, p. 29 e ss. 90

    Apenas para referncia histrica, a fase cientfica do direito processual foi precedida da fase imanetista.

    Durante esse perodo, negava-se a autonomia do Direito Processual, sendo que o direito material era o

    verdadeiro direito substantivo, enquanto o processo, tido como um mero conjunto de formalidades para a

    atuao prtica daquele, era um direito adjetivo. (CMARA, Alexandre Freitas. Lies de Direito

    Processual Civil, p. 9). 91

    La teoria de las excepiciones procesales y ls presupuestos procesales, p. 15 e ss. 92

    A diferena entre eles (processo e procedimento) foi o incio da passagem do empirismo cincia, em

    determinado momento da histria doutrinria do processo. Os alemes, qui desde os princpios do sculo

    XIX, mas seguramente a partir de sua metade, usam o vocbulo processo, ao contrrio do procedimento.

    Wetzell, em 1865, expe um sistema de processo, ao que j atribui ainda que dentro da teoria da

    litiscontestatio uma natureza anloga da obrigao. Com Von Bllow, trs anos depois, o processo uma

    relao processual. Esta considerao do processo no s como uma combinao de atos (procedimento),

    mas como tal relao, sua caracterstica diferencial e, simultaneamente, a origem de sua cincia

    (KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil, p. 112). 93

    SCAPARO, Eduardo. As Invalidades Processuais Civis na Perspectiva do Formalismo-Valorativo, p.

    29. 94

    O dinamismo processual jamais pode ser explicado atravs de um conceito que pressupe a anlise de

    um modo de estar e no um modo de ir sendo, como muito bem definiu Paula Costa e Silva (Acto e

    processo: o dogma da irrelevncia da vontade na interpretao e nos vcios do acto postulativo, p. 95.).

  • 29

    alcance do resultado final depende de uma srie de atos e uma srie de efeitos

    causalmente coligados com vistas a um evento conclusivo.9697

    com base nessa ideia que Falazzari desenvolve o conceito de processo como

    procedimento em contraditrio, no qual os sujeitos envolvidos no processo (juiz e

    partes) tem no procedimento uma garantia de participao paritria nos atos, apto a resultar

    no resultado ato final por meio do exerccio do contraditrio, mediante o exerccio abstrato

    de posies subjetivas (nus e deveres processuais das partes) e do exerccio concreto de

    atos integrantes do procedimento.98

    Como explica Roque Komatsu, a essncia do procedimento se caracteriza pela

    especial ndole dos vnculos que medeiam entre os diversos atos que o compem.99

    Esses

    vnculos do-se de modo que um dos atos integrantes do procedimento precede aos

    seguintes, para que estes sejam admissveis, e deve seguir aos anteriores para que estes

    sejam eficazes. O procedimento , portanto, uma pluralidade de atos coordenados de

    modo que cada um deles o pressuposto de admissibilidade dos seguintes e fator de

    eficcia dos anteriores.100

    A concepo de processo como procedimento em contraditrio, com o fim de

    realizao do direito por meio do exerccio da funo jurisdicional,101

    ressalta a sua face

    instrumental.102

    E essa caracterstica de instrumentalidade determina que a tcnica

    processual seja empregada como forma de melhor assegurar o exerccio da funo

    95

    Afinal, a noo fundamental do direito a de fato jurdico (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de.

    Tratado de Direito Privado, p. 15). 96

    PASSOS, Jos Joaquim Calmon de. Esboo de uma teoria das nulidades aplicada s nulidades

    processuais, p. 85. 97

    precisa a lio de Eduardo Scarparo: J no procedimento, aos atos so agregados para a produo de um

    efeito que se adere ao ltimo ato da sequncia, razo pela qual no se fala em um ato final diverso dos atos de

    cadeia, mas de um nico ato, integrado pelos atos que se vo sucedendo no tempo. No caso, vrios atos

    combinados conservam suas individualidades, enquanto a coligao opera somente para a unidade do efeito

    jurdico, cuja produo remonta coordenao dos atos e recai normalmente sobre o ltimo ato da srie. (As

    Invalidades Processuais Civis na Perspectiva do Formalismo-Valorativo, p. 31). 98

    FALAZZARI, Elio. Instituzioni di diritto processuale, p. 160. 99

    KOMATSU, Roque. Da Invalidade no Processo Civil, p. 114. 100

    Idem, ibidem. 101

    BAUTISTA, Jose Bacerra, Introduccion al Estudio del Derecho Procesal Civil, p. 15. 102

    preciso ter em mente que o carter instrumental no significa que o processo seja mero instrumento para

    o Direito Material. o processo, na verdade, instrumento para o exerccio da funo jurisdicional, dentro de

    seus escopos polticos, sociais e jurdicos. Sobre essa importante distino conceitual, ver, por todos, a

    doutrina de Cndido Rangel Dinamarco (A instrumentalidade do processo, passim).

  • 30

    jurisdicional, dentro dos princpios constitucionais da segurana jurdica, do contraditrio,

    da ampla defesa e da celeridade na prestao jurisdicional. 103

    O estudo do ato processual integrante deste procedimento em contraditrio voltado

    para a resoluo de conflito, portanto, no pode ficar margem da viso instrumentalista

    do processo e dos princpios que o iluminam.

    Por isso, diversos autores104

    defendem que o estudo dos atos jurdicos tema

    indispensvel para a abordagem das invalidades processuais,105

    sempre com as devidas

    adaptaes s peculiaridades do direito processual.106

    esse estudo que ser realizado no

    presente captulo.

    103

    Tambm no que se refere forma do ato processual e consequente nulidade decorrente da no-

    observncia do modelo, necessrio verificar se para o sistema no admissvel outra escolha, mais adequada

    aos objetivos do prprio processo. Da o confronto entre dois valores. De um lado, a forma do ato processual,

    meio pelo qual se garante a liberdade e a participao efetiva das partes, possibilitando o desenvolvimento

    seguro do processo. O outro, consiste no prprio resultado previsto para o ato. Em ltima anlise, ao exigir a

    observncia de determinada forma, o legislador pretende assegurar o resultado do ato processual, cuja

    verificao considerar imprescindvel regularidade do processo. (BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos.

    Efetividade do Processo e Tcnica Processual, p. 60). 104

    Destacam-se as obras de Roque Komatsu (A invalidade no processo civil) e de Jos Joaquim Calmon de

    Passos (Esboo de uma teoria das nulidades aplicada s nulidades processuais). 105

    Calmon de Passos adverte que: Essa transposio de categorias de Invalidades, j muito bem trabalhadas

    no direito privado, carece de adequabilidade no espao do direito pblico, mxime no campo do direito

    processual. (CALMON DE PASSOS, Jos Joaquim. Esboo de uma Teoria das Nulidades Aplicada s

    Nulidades Processuais, p. 141-142). 106

    Bedaque destaca que: Se quisermos aproveitar ideias concebidas para o sistema das nulidades de direito

    material, temos que considerar no s a natureza pblica do direito processual, como principalmente o carter

    instrumental do processo sob pena de desvirtuarmos sua principal caracterstica. No se pode, pura e

    simplesmente, transportar para o mbito do processo regras e princpios concebidos para regular a validade e

    a eficcia de atos jurdicos substanciais, sem considerar as especificidades do direito processual a comear

    pelo fato de que, nesta sede, o ato, embora absolutamente nulo, eficaz e suscetvel de convalidao pela

    coisa julgada, o que no ocorre no plano do direito material. (BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos.

    Efetividade do processo e tcnica processual, p. 444).

  • 31

    2.2 O ato processual

    Todos os acontecimentos da vida so denominados fatos. disciplina do Direito

    interessam apenas os fatos que possuem relevncia jurdica, ou seja, s ser fato jurdico

    aquele que irradiar efeitos no mundo do Direito. A vontade da lei torna-se concreta, ou

    seja, cede lugar s relaes jurdicas, em virtude de fatos que se verificam. Por igual, em

    virtude de tais fatos, podem ser criadas, modificadas ou extinguidas relaes.107

    O fenmeno jurdico, enquanto srie de acontecimentos dirios no cotidiano das

    pessoas com reflexos no mundo do Direito nem sempre percebidos pela coletividade.108

    sabido que o Direito um acontecimento dirio na vida social. Pode-se afirmar, desta

    forma, que o fato jurdico, portanto, aquele acontecimento da vida que acarreta efeitos

    juridicamente qualificveis.109

    Chiovenda, por sua vez, conceitua os fatos jurdicos como aqueles de que deriva a

    existncia, a modificao ou a cessao de uma vontade concreta de lei: como tais,

    distinguem-se dos fatos simples ou motivos, que s tem importncia para o direito

    enquanto possam servir a provar a existncia de um fato jurdico. 110

    O fato jurdico comporta uma classificao em sentido lato, que se produz

    independentemente de ao humana e outra em sentido estrito, que se produz em virtude

    da ao humana e se refere propriamente aos atos jurdicos, objetos de anlise nos

    prximos itens.

    O fato jurdico, na lio de Pontes de Miranda, seria o fato ou complexo de fatos

    sobre o qual incidiu a regra jurdica; portanto, o fato de que dimana, agora, ou mais

    107

    Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurdico: plano da existncia, p. 30 e ss. 108

    O viajante que apanha na praia a concha preciosa que para ali fora atirada pelas ondas, o fumador que

    deita fora o resto de seu charuto, o campons que semeando o seu campo lana algumas sementes sobre o

    campo do vizinho ignoram quase sempre que praticam atos jurdicos: o primeiro pratica uma occupatio,

    adquirindo a propriedade de uma res nullius, o segundo realiza um ato de derelictio, abandonando uma coisa

    sua, e o terceiro d lugar a uma figura de acesso a satio, pois torna o vizinho proprietrio da semente

    lanada no seu campo. (RUGGIERO, Roberto de. Instituies de direito civil, p.17-18). 109

    DALLAGNOL JUNIOR, Antonio Janyr. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil: arts. 154 a 261;

    dos atos e nulidades processuais, p. 3. 110

    CHIOVENDA, Giusepe. Instituies de direito processual civil, p. 22.

  • 32

    tarde, talvez condicionalmente, ou talvez no dimane, eficcia jurdica. No importa se

    singular, ou complexo, desde que, conceptualmente, tenha unidade.111

    O Direito nasce do fato: ex facgto oritur jus.112

    Atribui-se a denominao de fato

    jurdico ao evento em que as normas jurdicas carregam determinadas consequncias, aptas

    a configurar e tipificar o ato objetivamente.113

    Conforme ser verificado posteriormente, Pontes de Miranda114

    coloca o ato

    humano como fato jurdico. Em outras palavras, o suporte ftico pode figurar no mundo

    jurdico como negcio jurdico, estabelecendo, dessa forma, uma classificao peculiar

    entre ato jurdico no negocial, que alude ao ato jurdico stricto sensu, ato-fato jurdico,

    fato jurdico strictu sensu ou ato ilcito. Assim, os atos humanos sero considerados atos

    jurdicos no momento da incidncia da norma jurdica sobre eles.

    O nascimento dos fatos jurdicos, a partir de uma srie de eventos, pode ter como

    ponto de partida a vontade humana, mas isto no condio indispensvel sua

    caracterizao. Em outras palavras, os fatos jurdicos no decorrem necessariamente da

    vontade humana. S ser jurdico o fato que repercutir no mundo do Direito.115

    Orlando Gomes116

    divide os fatos jurdicos em duas categorias: a primeira delas

    abarca os acontecimentos naturais, trazendo em sua substncia acontecimentos ordinrios e

    extraordinrios. A segunda categoria, por sua vez, dotada das aes humanas, sendo estas

    111

    PONTES DE, Miranda. Tratado de Direito Privado: parte geral. Tomo I. Introduo: das pessoas

    fsicas e jurdicas, p. 126. 112

    O Direito corresponde a regras criadas pelo prprio homem para regular a vida em sociedade, segundo

    valores que, em dado momento, so considerados essenciais convivncia humana. A regulao social, alis,

    inseparvel da condio humana e se efetiva mediante instrumentos de coero, destacando-se a sano

    institucionalizadas, prprias das normas jurdicas, que se caracterizam exatamente por sua particular

    impositividade. (BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do processo e tcnica processual, p.

    418). 113

    REALE, Miguel. Lies preliminares de Direito, p. 200. 114

    PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti Tratado de Direito Privado: parte geral. Tomo I.

    Introduo: das pessoas fsicas e jurdicas, p. 125. 115

    Em sntese, os acontecimentos e as condutas so fatos e atos da vida. Se relevantes para o Direito,

    qualificam-se como jurdicos. Temos, ento, a categoria dos fatos jurdicos em sentido amplo. Podem ser

    naturais fato jurdico em sentido estrito ou dependentes da vontade atos jurdicos. Se os efeitos

    produzidos pelos atos constituem resultado direto do querer, estamos diante dos negcios jurdicos. Se a

    vontade, embora essencial existncia do ato, irrelevante para determinao das consequncias, que so

    previamente estabelecidas pelo legislador, o fenmeno denominado ato jurdico stricto senso.

    (BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos. Efetividade do processo e tcnica processual, p. 419). 116

    GOMES, Orlando. Introduo ao Direito Civil, p.269.

  • 33

    de efeitos jurdicos voluntrios (atos jurdicos) e efeitos jurdicos involuntrios (atos

    ilcitos).

    No obstante as diversas classificaes existentes, todas tendem a um ponto

    pacfico: trata-se de fato jurdico, todo fato, em sentido lato, que em sua origem poder

    depender ou no da vontade humana, enquanto o fato em sentido estrito resulta

    exclusivamente da vontade humana.

    Os atos jurdicos, dentro da classificao proposta por Pontes de Miranda,117

    estariam inseridos na categoria dos fatos jurdicos voluntrios, decorrentes de ao

    humana.118

    Qualquer atitude humana, desde que preencha um suporte ftico normativo,

    ser um ato jurdico.119

    E, como si bvio, o ato jurdico pode ser um ato jurdico processual120

    que

    usualmente so assim identificados pela doutrina121

    com base em trs critrios distintos:

    por sua eficcia no processo (critrio de produo de efeitos dentro do processo), por terem

    sido praticados por sujeitos do processo (critrio subjetivo) ou por terem sido praticados

    dentro do processo (critrio topolgico).

    117

    PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado: parte geral. Tomo I. Introduo: das pessoas

    fsicas e jurdicas, p. 395 e ss. 118

    ...o fato jurdico constitui elemento fundamental da juridicidade e que a norma jurdica, embora seja um

    elemento essencial para que haja o fato jurdico, no mais que um instrumento de construo da

    jurisdicidade. Com efeito, nessa viso cabe norma jurdica definir qual fato da vida deve ser jurdico e

    juridiciz-lo, pela incidncia, quando concretizar-se no mundo das realidades. Sem essa definio e sem essa

    incidncia juridicizante, nenhum fato da vida poderia receber a qualificao de fato jurdico.

    A norma jurdica, portanto, enquanto no se materializa no mundo o seu suporte ftico no passa de uma

    proposio lingustica sem consequncias jurdicas quaisquer. S a cpula norma/suporte ftico cria fato

    jurdio e somente de fato jurdico nascem efeitos jurdicos. (DIDIER JNIOR, Fredie e NOGUEIRA, Pedro

    Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurdicos processuais, p. 14). 119

    A norma jurdica, enquanto proposio, prev hipoteticamente fatos de possvel ocorrncia no mundo. A

    esses elementos da norma, insto , o fato ou conjunto de fatos previstos abstratamente, , d-se o nome de

    suporte ftico. Quando o que se est previsto na norma acontece, no plano da experincia, d-se a

    incidncia, de modo que o fato passa a ser considerado jurdico. Composto o fato jurdico, surgem, no

    mundo jurdico, os efeitos previstos em abstrato na norma. (DIDIER JNIOR, Fredie e NOGUEIRA, Pedro

    Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurdicos processuais, p. 29). 120

    TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua reviso, p. 285-289. 121

    SCAPARO, Eduardo. As Invalidades Processuais Civis na Perspectiva do Formalismo-Valorativo, p.

    35.

  • 34

    Segundo o primeiro critrio de identificao, o ato jurdico processual quando

    cria, desenvolve, conserva ou modifica alguma situao processual.122

    nesse sentido a

    lio de Couture, para quem os atos processuais so consequncia de uma interveno da

    vontade humana, suscetveis de produzir efeitos processuais, primordialmente com a

    subsistncia, o desenvolvimento e a extino do processo.123

    O cerne desse vis de classificao repousa na concepo do processo como relao

    jurdica, que encontra fundamento no direito positivo,124

    consegue satisfazer a maioria das

    situaes, mas, porm, ignora que alguns atos praticados fora do processo podem emanar

    efeitos processuais,125

    como alerta Carnelluti, ao trazer a sua definio de ato processual:

    Ato processual, por sua vez, uma