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Anais IV SIPEQ ISBN - 978-85-98623-04-7 1 ESTUDO FENOMENOLÓGICO COM MULHERES DENUNCIANTES DA VIOLÊNCIA CONJUGAL Gleide Regina de Sousa Almeida Olivira UFBA Regina Lúcia Mendonça Lopes - UFBA Resumo A violência conjugal se configura como um problema social, muitas vezes silenciado pelas mulheres no ambiente privado e tolerado socialmente. A denúncia, desta forma, torna-se um instrumento do devir a ser para estas mulheres, surgindo como primeiro momento da aparição da violência ocorrida no espaço doméstico. Seguindo esta problematização, a pesquisa em andamento para a dissertação de Mestrado tem como objeto de estudo o significado da denúncia para mulheres em situação de violência conjugal e como objetivo do estudo, compreender o significado da denúncia para mulheres em situação de violência conjugal. A mulher ao denunciar o agressor companheiro ou ex-companheiro numa instituição policial, encontra-se permeada de significações que a levaram a ter esta decisão. Por isso a escolha da fenomenologia como referencial teórico-filosófico fundamentado em Martin Heidegger, pois a partir do desvelamento do ser que estes significados poderão ser compreendidos. Para tanto, a preocupação da fenomenologia é descrever o fenômeno e não explicá-lo; é compreendê-lo, não achar relações causais. A entrevista fenomenológica utilizada para coleta dos depoimentos das participantes que denunciaram o agressor na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, promove a compreensão do objetivo deste estudo. A análise dos depoimentos foi realizada a partir da hermenêutica heidegeriana. Utilizados para a análise compreensiva existencial alguns conceitos expressos em Ser e Tempo que serão desenvolvidos a partir da construção das unidades de significação que emergirão dos depoimentos do ser-mulher-em-situação-de- violência-conjugal. A abordagem fenomenológica poderá desvelar o fenômeno do significado da denúncia realizada por mulheres em situação de violência conjugal, sem intervenções de pressupostos construídos socialmente. Palavras-chave: Violência contra a mulher; polícia; filosofia. Abstract Domestic violence can be construed as a social problem, often silenced by women in private and socially tolerated. The complaint thus becomes an instrument of becoming to be for these women, emerging as the first moment of the apparition of violence at the domestic space. Following this questioning, the ongoing research for the Master's dissertation has as its object of study the significance of the complaint for women in situations of domestic violence and the objective of the study, understanding the meaning of withdrawal for women in situations of domestic violence. The woman to terminate the offending partner or former partner in a police agency, is permeated with meanings that have led to this decision. Therefore the choice of phenomenology as a theoretical and philosophical based on Martin Heidegger, for after the unveiling of being that these meanings can be understood. Therefore, the concern of phenomenology is to describe the phenomenon and not explain it, is to understand it, do not find causal relationships. Phenomenological interview will be conducted to collect the testimony of participants who reported the abuser to the police station in Specialized Assistance to Women in order to achieve the objective of this study. The statements will be held from Heideggeriana hermeneutics. Will be used for the analysis of existential understanding some concepts expressed in Ser e Tempo to be developed from the construction of meaning units that emerge from the testimony be-woman-in-situation-of-violence-marital affair. The phenomenological

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  • Anais IV SIPEQ ISBN - 978-85-98623-04-7 1

    ESTUDO FENOMENOLGICO COM MULHERES

    DENUNCIANTES DA VIOLNCIA CONJUGAL

    Gleide Regina de Sousa Almeida Olivira UFBA

    Regina Lcia Mendona Lopes - UFBA

    Resumo

    A violncia conjugal se configura como um problema social, muitas vezes silenciado pelas mulheres no ambiente privado e tolerado socialmente. A denncia, desta forma, torna-se um

    instrumento do devir a ser para estas mulheres, surgindo como primeiro momento da apario

    da violncia ocorrida no espao domstico. Seguindo esta problematizao, a pesquisa em andamento para a dissertao de Mestrado tem como objeto de estudo o significado da denncia

    para mulheres em situao de violncia conjugal e como objetivo do estudo, compreender o

    significado da denncia para mulheres em situao de violncia conjugal. A mulher ao denunciar o agressor companheiro ou ex-companheiro numa instituio policial, encontra-se

    permeada de significaes que a levaram a ter esta deciso. Por isso a escolha da fenomenologia

    como referencial terico-filosfico fundamentado em Martin Heidegger, pois a partir do

    desvelamento do ser que estes significados podero ser compreendidos. Para tanto, a preocupao da fenomenologia descrever o fenmeno e no explic-lo; compreend-lo, no

    achar relaes causais. A entrevista fenomenolgica utilizada para coleta dos depoimentos das

    participantes que denunciaram o agressor na Delegacia Especializada no Atendimento Mulher, promove a compreenso do objetivo deste estudo. A anlise dos depoimentos foi realizada a

    partir da hermenutica heidegeriana. Utilizados para a anlise compreensiva existencial alguns

    conceitos expressos em Ser e Tempo que sero desenvolvidos a partir da construo das

    unidades de significao que emergiro dos depoimentos do ser-mulher-em-situao-de-violncia-conjugal. A abordagem fenomenolgica poder desvelar o fenmeno do significado

    da denncia realizada por mulheres em situao de violncia conjugal, sem intervenes de

    pressupostos construdos socialmente.

    Palavras-chave: Violncia contra a mulher; polcia; filosofia.

    Abstract

    Domestic violence can be construed as a social problem, often silenced by women in private and

    socially tolerated. The complaint thus becomes an instrument of becoming to be for these

    women, emerging as the first moment of the apparition of violence at the domestic space.

    Following this questioning, the ongoing research for the Master's dissertation has as its object of study the significance of the complaint for women in situations of domestic violence and the

    objective of the study, understanding the meaning of withdrawal for women in situations of

    domestic violence. The woman to terminate the offending partner or former partner in a police agency, is permeated with meanings that have led to this decision. Therefore the choice of

    phenomenology as a theoretical and philosophical based on Martin Heidegger, for after the

    unveiling of being that these meanings can be understood. Therefore, the concern of phenomenology is to describe the phenomenon and not explain it, is to understand it, do not find

    causal relationships. Phenomenological interview will be conducted to collect the testimony of

    participants who reported the abuser to the police station in Specialized Assistance to Women in

    order to achieve the objective of this study. The statements will be held from Heideggeriana hermeneutics. Will be used for the analysis of existential understanding some concepts

    expressed in Ser e Tempo to be developed from the construction of meaning units that emerge

    from the testimony be-woman-in-situation-of-violence-marital affair. The phenomenological

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    approach can reveal the phenomenon of the meaning of the complaint made by women in

    situations of domestic violence, without intervention of socially constructed assumptions.

    Keywords: Violence against women; police; philosophy.

    INTRODUO

    O interesse pelo estudo da temtica violncia contra a mulher, particularmente a

    violncia conjugal, surgiu a partir de inquietaes frente s notcias exibidas em meios televisivos, jornais, revistas e outros, que sempre me traziam questionamentos quanto aos

    motivos da permanncia da mulher numa relao permeada pela violncia. A discriminao e

    idias pr-formuladas se estabeleciam facilmente, principalmente pelo fato da mdia dramatizar a violncia de tal forma, que suas origens e seu contexto no so analisados e nem divulgados

    por estes meios de comunicao.

    Vale salientar que a aproximao com o estudo deu-se a partir das atividades tericas e

    prticas desenvolvidas na graduao em Enfermagem1, e especificamente no decorrer da

    Disciplina Enfermagem em Ateno Sade da Mulher2, perodo do curso que coincidiu com o

    processo de elaborao do Projeto de Pesquisa para o Trabalho de Concluso de Curso (TCC)

    em 2005. A partir de ento, com as visitas tcnicas e os estgios curriculares realizados atravs da

    disciplina foi observado a dinmica da violncia nas instituies de sade e outras instituies

    da rede de atendimento mulher. As experincias no campo de prtica das disciplinas Estgio Curricular Supervisionado I

    3 e Estgio curricular Supervisionado II

    4, proporcionaram maior

    contato com as mulheres em situao de violncia conjugal na comunidade e no ambiente

    hospitalar. Assim, estas mulheres expressavam, atravs de relatos na relao enfermeira-

    paciente, a vivncia com um companheiro agressor e as conseqncias fsicas e psicolgicas para a sade, possibilitando a reflexo sobre o assunto.

    No Brasil, 23% das mulheres esto sujeitas violncia domstica e 85,5% dos casos os

    agressores so seus prprios parceiros (ADEODATO et al., 2005). A violncia, desta forma, traduz-se em repercusses para a sade das mulheres e de seus descendentes, sendo desta forma,

    um assunto que poder emergir na atuao da enfermagem.

    Houve a oportunidade de participar, ainda na graduao, de uma oficina realizada na

    Casa-Abrigo Mulher Cidad em 20065, estimulada pelos trabalhos acadmicos, onde foi

    observada a violncia contra a mulher, atravs de relatos vividos pelas mulheres abrigadas, o

    extremo de isolamento social e ainda a articulao com a assistncia policial. O

    encaminhamento destas mulheres ao abrigo realizado atravs da interveno da Delegacia Especial de Atendimento Mulher (DEAM), quando se observa a insegurana da mulher e seus

    filhos.

    As mulheres participantes da oficina relatavam diferentes concepes acerca da violncia contra a mulher, diversas causas e consequncias e a partir destes diferentes aspectos

    traziam as compreenses acerca das aes implementadas pela rede de atendimento mulher,

    inclusive em relao s denncias realizadas nas delegacias especializadas. Algumas viam

    benefcios, outras no.

    1 Curso realizado na Escola de Enfermagem da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), no perodo de

    2001.2 a 2005.2. 2 Disciplina cadastrada sob o cdigo ENF012, oferecida no semestre 2004.2. 3 Disciplina cadastrada sob o cdigo ENF015, oferecida no semestre 2005.1. 4 Disciplina cadastrada sob o cdigo ENF016, oferecida no semestre 2005.2. 5 Oficina coordenada pela Prof Msc Tnia Christiane Ferreira Bispo, orientadora da pesquisa do TCC,

    tendo como objetivo identificar o perfil de mulheres em situao de violncia conjugal, avaliar

    funcionamento da rede de atendimento e observar a vivncia de mulheres em situao de violncia

    conjugal.

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    Segundo Presse e Meneghel (2008), a rota crtica6 das mulheres que decidem romper

    com a violncia atravessada por avanos e retrocessos, desprovida de apoio nas suas decises

    e sendo, muitas vezes re-vitimizadas pelos servios que realizam atendimento s mulheres nesta

    situao de violncia. A revitimizao causa, muitas vezes, a frustrao de no resolver os problemas conjugais, desencadeando a descredibilidade de alguns servios de atendimento

    mulher conforme relatos nas oficinas.

    Observou-se que a denncia, atravs dos relatos em pesquisas, no tem expressivamente como objetivo a punio criminal, mas sim, a negociao dos conflitos conjugais para uma

    igualdade nas relaes. Alm disto, de acordo com o estudo de Oliveira e Cavalcanti (2007),

    que assevera que da deciso de ir at a DEAM at uma ao efetiva, ainda os silncios prevalecem, assim confirma que estas mulheres se encontram permeadas de significaes a

    respeito da denncia em quaisquer circunstncias para efetivao da mesma.

    Na coleta de dados do TCC7 foi possvel uma maior aproximao com as mulheres em

    situao de violncia conjugal e a visibilizao das consequncias deste fenmeno. Concluiu-se, com esta pesquisa, que as mulheres no reconhecem a violncia conjugal a partir do primeiro

    ato violento, mas quando a situao no mais suportvel, procura-se a delegacia para efetivar a

    denncia. Entretanto, confirmando os pressupostos anteriores, de acordo com os resultados obtidos, as mulheres no almejam somente a punio pelo crime com a denncia, mas resoluo

    de conflitos familiares e amorosos.

    Numa pesquisa realizada por Santos (2008), a procura pela DEAM pela maioria das entrevistadas aconteceu depois da ocorrncia de um ato considerado grave, no qual foram

    ofendidas fortemente fisicamente e sentiram as suas vidas e as de seus filhos ameaadas.

    Portanto, a representao destes atos considerados graves na vivncia da mulher em situao de

    violncia conjugal desencadeia a busca pela ajuda institucional. Desde a pesquisa do TCC, o processo da denncia na delegacia j era uma inquietao

    para mim, pois se dava em diferentes contextos vividos pelas mulheres e era conduzido por

    estas tambm de maneira desigual, pois nem sempre denunciavam a fim de penalizar o agressor, porm a instituio as atendia com a perspectiva de cumprir os servios policiais. Servios,

    estes, voltados para apurar os ilcitos penais na forma da lei e o desfecho, muitas vezes, no era

    o rompimento da relao conjugal violenta e nem a continuidade do processo da denncia.

    Outras experincias na temtica deram-se com o ingresso como Aluna Especial do Curso de Mestrado em Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA), cursando a

    Disciplina Violncia de Gnero em 2008.2 e Gnero, Raa e Sade em 2009.1. Estes momentos

    me facilitaram o entendimento sobre a temtica e possibilitaram reflexes sobre o enfrentamento da violncia contra a mulher e a eficcia da rede de atendimento realizada pela

    mulher em situao de violncia conjugal, principalmente em relao Delegacia Especial de

    Atendimento Mulher. Coadunando com o desejo de continuar estudando a temtica, ingressei no Curso de

    Mestrado da Escola de Enfermagem da UFBA, na Linha de Pesquisa: Mulher, Gnero e Sade,

    apresentando uma proposta de estudo direcionada denncia da violncia conjugal a partir da

    significao das mulheres. A Organizao Pan-americana de Sade (OPAS) em uma reviso sobre estudos

    populacionais realizados em vrios pases constatou que entre 10 a 69% das mulheres

    mencionaram ter sido agredida por seus companheiros uma vez na vida (KRUG et al., 2003). No Brasil, 70% dos crimes contra as mulheres acontecem no mbito domstico e os agressores

    so os maridos e companheiros (SEPROMI, 2009).

    6 Segundo Brando (1997), o termo rota crtica se refere exposio da usuria a novas agresses, por

    debilidades dos sistemas protetivos, isolamento social e constantes deslocamentos visando a fuga da

    perseguio iniciada pelo agressor. 7 TCC intitulado: Rompendo o silncio: O reconhecimento da violncia conjugal pelas mulheres e suas

    expectativas frente denncia, pesquisa realizada em 2006, numa Delegacia Especial de Atendimento

    Mulher (DEAM), em Salvador-BA.

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    Em Salvador-BA, durante o ano de 2009 foram registradas 8.581 ocorrncias policiais

    na DEAM, que abrange ameaas, agresses morais, leses corporais, espancamentos e estupros,

    dentre outras formas de violncia e no ano de 2010 at o ms de julho foram registradas 4.502

    ocorrncias, demonstrando que os ndices de violncia contra a mulher so ainda alarmantes. Segundo pesquisa da Vara de Violncia Contra a Mulher de Salvador-BA, 60% das mulheres

    vtimas de violncia conviviam com as agresses do companheiro h mais de um ano

    (AMORIM; RIOS, 2009). Segundo o resultado da notificao de casos de violncia, no perodo de 2006-2007,

    coletada atravs do sistema de Vigilncia de Violncias e Acidentes (VIVA), em todas as fases

    da vida, em especial na adolescncia e na vida adulta, so as mulheres as principais vtimas da violncia intrafamiliar e sexual (74%), na maioria das vezes, cometida por um nico indivduo

    do sexo masculino (BRASIL, 2009b).

    Alguns dados em relao violncia contra a mulher expem as dimenses das

    ocorrncias no ambiente domstico, este que seria o local de proteo e cuidados, justamente onde se encontram os agressores. Segundo o local de ocorrncia, os eventos violentos foram

    mais frequentes em via pblica (38,7%), residncia (30,4%) e bares ou similares (13,5%).

    Entretanto, entre os homens, as violncias ocorreram em maior proporo na via pblica (45%), enquanto a residncia (56,9%) foi o local mais frequente para a ocorrncia de violncias contra

    as mulheres (BRASIL, 2009b).

    Apesar do reconhecimento da violncia conjugal atravs da implementao de Poltica Pblicas, controladas e cobradas pelo movimento feminista e pela sociedade atravs das

    pactuaes realizadas pelo pas, ainda predomina a magnitude deste agravo da sade da mulher.

    A violncia contra a mulher reflete-se em aumento nas taxas de suicdio, abuso de

    drogas e lcool, incidncia de problemas de sade como cefalias e distrbios gastrointestinais e consequncias psicolgicas devido a incapacidade da mulher em enfrentar a situao vivida do

    ciclo da violncia, alm de causar danos para a sade sexual e reprodutiva (SCHRAIBER et al.,

    2002). considerada, portanto, um grave problema de sade pblica. O vivido da denncia por mulheres em situao de violncia conjugal pode representar

    uma diminuio destes agravos para a sade da mulher, ou talvez, intensific-los ou perpetu-

    los, se no houver um eficaz direcionamento desta mulher na rede de atendimento.

    O reconhecimento da violncia conjugal entre as mulheres ainda, aps muitas tentativas de disseminao do assunto violncia contra mulher, um problema enraizado nas estruturas familiares, pois muitas no admitem que sejam violentadas com frequncia, associando o fato

    violento ao comportamento momentneo ou alcolico, todavia justificam a atitude dos companheiros ou at miniminizam os atos violentos.

    A partir do reconhecimento dos agravos sofridos, estas mulheres partem em busca de

    estratgias que mudem este cenrio de diferenas de gnero, remetendo-as a procurar auxlio numa delegacia especializada como significado de no aceitao de um relacionamento violento

    que lhe cause alteraes fsicas e psicolgicas.

    Nos ltimos anos, apesar de se identificar um aumento significativo de publicaes

    sobre violncia conjugal, em relao denncia das mulheres em delegacias especializadas, a produo pouca expressiva para o seu significado. Como assevera Santos (2008), so mais

    estudadas as questes relativas ao fenmeno da violncia e menos s mulheres enquanto sujeitos

    do mesmo. Compreender o processo de denncia aps este subsdio ser lanado para a sociedade

    importante para avaliao dos resultados, da compatibilidade com a vivncia das mulheres e,

    enfim, implementao de novas polticas pblicas que desenvolvam nestas mulheres a possibilidade do enfrentamento frente violncia conjugal, considerando suas necessidades

    individuais.

    Assim, em 2009, foi por mim realizado um estudo de natureza bibliogrfica referente ao

    perodo de 2004 a 2008, que teve como objetivo identificar como as publicaes cientficas abordam a denncia realizada por mulheres em situao de violncia conjugal. Do total das 165

    produes que abordavam o descritor violncia contra a mulher, foram utilizadas 10 que estavam inseridas na base de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe em Cincias da

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    Sade (LILACS), que atendiam aos objetivos do estudo. As expectativas das mulheres frente

    denncia e a desistncia ou no da continuidade do processo da denncia foram as duas

    categorias encontradas nas publicaes que retrataram a denncia no perodo mencionado.

    Demonstra-se, desta forma, a importncia em se avaliar a significao da denncia para estas mulheres.

    Existem vrios fatores que dificultam os estudos com o tema relacionado aos registros

    de violncia conjugal e denncia, entre eles a dificuldade em lidar com a situao, principalmente pela inexistncia de uma linguagem comum relacionada ao tema para os

    profissionais de sade, h uma falta de conceitos que renam o conhecimento em sade ao de

    outras reas. No acreditaram que suas atividades frente esta problemtica vo ser eficazes, argumentando, muitas vezes, que tal competncia no faz parte de seus conhecimentos tcnicos

    e habilidades em sade

    No entanto, atravs da ampliao de produes acerca da denncia da violncia

    conjugal que ela se caracteriza em sua existncia, evidencia seus contornos e determina sua magnitude, exatamente pela capacidade de suscitar e legitimar o debate sobre sua ocorrncia e

    importncia.

    Romper com o silncio que cerca as mulheres em situao de violncia conjugal e dar visibilidade social, pode ser importante para decises compartilhadas com as mulheres sobre

    como lidarem com a violncia incluindo, assim, o instrumento da denncia.

    Surgiu desta forma, o desejo de estudar sobre a temtica e analis-la frente ao vivido da denncia, desvelando a sua significao para a mulher em situao de violncia conjugal. A

    busca por significados, separando-os dos vrios pressupostos trazidos pela vivncia social que

    transparecem na sociedade, atravs de uma metodologia voltada para a dimenso subjetiva das

    mulheres que denunciaram o companheiro ou ex-companheiro agressor, ir permitir a melhor compreenso de como se d o processo da denncia.

    O estudo, portanto, dentro deste aspecto, dever ter relevante importncia para o

    processo pedaggico das profissionais das Delegacias Especializadas no Atendimento

    s Mulheres, desde quando podero compreender os aspectos que permeiam a denncia

    e proporcionar um atendimento voltado para os respectivos atendimentos individuais.

    Neste sentido, o estudo no trata do cumprimento ou no pelas profissionais das

    DEAMs dos trmites legais em relao Lei Maria da Penha promulgada em 2006, que

    inclusive inviabiliza a retirada do registro da queixa em Boletim de Ocorrncia. Isto

    seria objeto para prximos estudos. Busca, entretanto, compreender o significado da

    denncia para as mulheres em situao de violncia conjugal. Franco (2002) refere que saber entender o que essas mulheres procuram diante das

    agentes policiais, se configura em uma dificuldade que pode estar relacionada ao fato de muitas

    dessas profissionais no conseguirem visualizar os aspectos sociais e culturais envolvidos com o

    problema.

    No s no mbito policial e judicirio deve ser tratada a questo da violncia contra a

    mulher, mas entre outros vrios setores que envolvem a temtica, deve-se ressaltar o setor

    sade, pois a violncia contra as mulheres j se revela importante questo social e sanitria, tanto do ponto de vista da sua magnitude com repercusses na morbidade e mortalidade das

    mulheres, como do impacto social dela decorrente em termos de qualidade de vida, retratando

    ento, um problema de Sade Pblica.

    Para as (os) profissionais de sade, principalmente enfermeiras (os), o estudo servir para proporcionar a compreenso da vivncia da violncia conjugal, podendo compartilhar com

    as mulheres a deciso sobre o enfrentamento individual da situao, tendo como possibilidade a

    denncia do crime, na tentativa, enfim, de diminuir a emisso de juzos prvios a estas mulheres e proporcionar a soma dos servios assistenciais para mulheres em situao de violncia como

    as competncias e afazeres dos profissionais de sade.

    De acordo com o exposto, o presente trabalho parte da seguinte questo norteadora: Qual o significado do vivido da denncia para as mulheres em situao de violncia conjugal?

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    Desta forma, o estudo permite sob mtodo fenomenolgico apreender como objeto de estudo: o

    significado do vivido da denncia para mulheres em situao de violncia conjugal.

    Neste sentido, o estudo tem como objetivo compreender o significado do vivido da

    denncia para mulheres em situao de violncia conjugal.

    MTODO FENOMENOLGICO

    A pesquisa ser fundamentada em carter qualitativo, baseado em MINAYO (1999),

    que comenta: o estudo qualitativo permite o aprofundamento no mundo dos significados, das aes e relaes humanas, lado no perceptvel e no captvel em equaes, mdias e

    estatsticas. Segundo a autora, a pesquisa qualitativa, responde a questes muito particulares, preocupando-se, nas cincias sociais com o nvel de realidade que no pode ser identificado.

    Em decorrncia do estudo qualitativo, poder ser proporcionada a possibilidade de

    tomar decises, no campo, medida que o estudo se desenvolve, quanto a melhor maneira de

    obter os dados, de quem os dados devero ser obtidos, como programar a coleta e quanto tempo

    ir durar uma sesso de coleta de dados. Desta forma, a fenomenologia foi escolhida como mtodo apropriado para o estudo

    relacionado mulher em situao de violncia conjugal que vivencia a denncia do agressor,

    pois uma cincia com o propsito de descrever um fenmeno enquanto experincias vividas. Para Husserl (2000), a fenomenologia designa uma cincia, uma conexo de disciplinas

    cientficas, mas ao mesmo tempo, acima de tudo, fenomenologia designa um mtodo e uma

    atitude intelectual, a atitude intelectual filosfica, o mtodo especificamente filosfico. A fenomenologia como proposta metodolgica apresenta-se como um dos caminhos do

    campo da sade, sendo uma possibilidade de compreenso do ser humano. Vale salientar que,

    como a violncia contra a mulher se configura como um problema de Sade Pblica, o mtodo

    fenomenolgico torna-se uma alternativa para compreender a estrutura ou essncia da experincia vivida de um fenmeno, na procura de uma unidade de significado para uma

    temtica especfica, citando, neste caso, a denncia na DEAM.

    A fenomenologia aparece como mtodo alternativo de pesquisa, pois vai desde a compreenso mais bsica do sensvel at a mais elaborada da conscincia de si, levando

    apreenso do absoluto, por meio do processo dialtico (TERRA et al., 2006). A reflexo

    fenomenolgica inclui a possibilidade de olhar as coisas como elas se manifestam. Para Chau

    (1996), a conscincia uma atividade constituda por atos, com os quais ela visa algo. Como mtodo de pesquisa, a Fenomenologia uma forma radical de pensar. Assim

    sendo, por sempre estar contextualizada, necessariamente, de caminhos conhecidos, de

    efetuarem-se as prticas sociais e de realizarem-se as aes, desafiando pressupostos aceitos e buscando estabelecer uma nova perspectiva para compreender o fenmeno (MARTINS;

    BICUDO, 2006).

    Conforme explicita Streubert e Carpenter (2002), os assuntos mais apropriados para o mtodo de investigao fenomenolgica incluem as experincias da vida de uma pessoa, como

    medo, felicidade, compromissos e significados de algo. Portanto, a denncia de um cnjuge

    violento, por agresses fsicas, psicolgicas ou sexuais, uma temtica que cabe ao mtodo

    fenomenolgico, por ser uma experincia vivida. O pesquisador fenomenlogo dirige-se para o fenmeno da experincia, para o dado, e

    procura v-lo da forma que ele se mostra na prpria experincia em que percebido. Isso quer

    dizer que h um mundo ao redor do fenomenal, que surge e que se doa ao pesquisador que intenciona o fenmeno. Assim, o pesquisador fenomenolgico busca ir--coisa-mesma,

    entendida, no como objeto concreto fenomenal que est-a-diante-dos-olhos, mas como a

    maneira desse fenomenal se dar experincia do ver do pesquisador (MARTINS; BICUDO, 2006).

    Conforme outras proposies, a expresso dos significados das questes relacionadas

    existncia humana no momento do encontro com o outro desvela o fenmeno atravs de quem o

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    vivencia, atravs da suspenso dos valores e julgamentos, evitando desta forma que as idias

    pr-formadas influenciem no entendimento do fenmeno (LOPES et al., 1995).

    por meio dos depoimentos que a existncia se revela atravs do ser-a transmitindo os

    significados dos fenmenos. O pesquisador precisa ter algumas caractersticas para desvelar a essncia do fenmeno

    que se est investigando como ajudar as participantes a se sentirem vontade na expresso das

    suas experincias e ter habilidade para comunicao. Como algumas caractersticas pessoais podem interferir na coleta dos depoimentos, a pesquisadora deve perguntar s participantes se

    ela a pessoa mais indicada para ter acesso s suas experincias (STREUBERT; CARPENTER,

    2002). Para Urbano (1996), a conscincia intencionalidade. A conscincia que o homem tem

    do mundo mais ampla do que mero conhecimento racional ou emprico, porque ela fonte de

    intencionalidades no s cognitivas como tambm afetivas e prticas. No importa para

    pesquisa o conhecimento racional do fenmeno, mas a intencionalidade no ato de denunciar, desvelando os significados.

    O fenmeno vai se revelando em suas possibilidades de aparecer, mesmo porque, ele,

    no sendo uma realidade objetiva e concretamente dada e pronta, pode apenas mostrar-se em seu sendo, que o modo bsico do ser humano existir (HEIDEGGER, 1981). O que ocorre com

    muitas mulheres que continuam vivendo em silncio, apenas sendo na sua existncia.

    Os depoimentos vo se constiturem em dados da pesquisa a partir do ser-mulher em situao de violncia conjugal que fez uma denncia do companheiro ou ex-companheiro

    agressor.

    Para a utilizao da abordagem fenomenolgica preciso que o pesquisador esteja

    atento sua temtica, capacidade de lidar com os imprevistos, com a flexibilidade, com o incerto, pois os fenmenos podem estar emergindo a qualquer momento. O pesquisador

    comprometido com a essncia da fenomenologia precisa estar atento para quando os

    significados surgirem, aceitando a verdade que ele traz de forma incondicional (BOEMER, 1994).

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    ________________________________ Gleide Regina de Sousa Almeida Oliveira E-mail: [email protected] Regina Lcia Mendona Lopes E-mail: [email protected]