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    Espao Para Deus - 1 partepor Henri Nouwen

    INTRODUOPortanto no vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? ou:Com que nos vestiremos? porque os gentios que procuram todas estascoisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; buscai, pois,em primeiro lugar o seu reino e a sua justia, e todas estas coisas vos seroacrescentadas (Mt 6:31-33).

    Neste livreto eu gostaria de explorar o que significa viver uma vida espiritual, ecomo se pode viv-la. No meio das nossas vidas agitadas e turbulentas svezes indagamos: Qual a nossa verdadeira vocao na vida? Onde podemosachar tranquilidade de mente para poder escutar a voz de Deus que chama?

    Quem pode guiar-nos atravs do labirinto interior dos nossos pensamentos,emoes, e sentimentos? Estas e muitas outras indagaes semelhantesexpressam um profundo desejo de viver uma vida espiritual, mas ao mesmotempo uma grande obscuridade sobre seu significado e prtica.

    Escrevi este livreto, em primeiro lugar, para os homens e mulheres queexperimentam um impulso persistente para entrar mais profundamente navida espiritual mas que esto confusos sobre a direo em que devem andar.Estas so as pessoas que conhecem a histria de Cristo e tm um profundodesejo de deixar este conhecimento descer das suas mentes para seus

    coraes. Sentem vagamente que tal "conhecimento do corao" pode no sdar-lhes um novo senso de identidade, mas tambm at mesmo fazer novastodas as coisas para eles. Contudo estas mesmas pessoas freqentementesentem uma certa hesitao e temor para comear nesta vereda sem mapa, emuitas vezes se indagam se no esto se enganando. Espero que este livretolhes oferea algum encorajamento e direo.

    Mas quero falar tambm, embora indiretamente, aos muitos que consideram ahistria de Cristo como desconhecida ou estranha, mas que experimentam umdesejo indefinido por liberdade espiritual. Espero que o que foi escrito paracristos tenha sido escrito de tal forma que haja espao para outrosdescobrirem pontos de apoio na sua prpria busca por um lar espiritual. Estes pode ser um verdadeiro livreto para cristos quando se dirige tambm aosque tm tantas perguntas sobre o significado da vida e que nunca acharamrespostas. A autntica vida espiritual encontra sua base na condio humanaque todas as pessoas - sejam ou no cristos tm em comum.

    Como ponto de partida, escolhi as palavras de Jesus: "No sepreocupem" ("No vos inquieteis"). A preocupao tornou-se uma parte tointegral da nossa vida cotidiana que uma vida sem preocupaes no sparece ser impossvel, mas at mesmo indesejvel. Suspeitamos que ficardespreocupado; no ser realista e - pior ainda perigoso. Nossaspreocupaes nos motivam a trabalhar muito, a preparar-nos para o futuro, e

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    a armar-nos contra pendentes ameaas. Entretanto, Jesus diz: "No vosinquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? ou: Com que nosvestiremos? ... pois vosso Pai celestial sabe que necessitais de todas elas;buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino ... e todas estas cousas vos seroacrescentadas (Mt 6:31-33). Com este conselho radical e "utopista", Jesusindica a possibilidade de uma vida sem preocupaes, uma vida em que todasas coisas esto se fazendo novas. Desejo, ento, descrever a vida espiritualem que o Esprito de Deus pode nos recriar como pessoas verdadeiramentelivres.

    Dividi minhas reflexes em trs partes. Na primeira parte, quero discutir osefeitos destrutivos da preocupao na nossa vida diria. Na segunda parte,pretendo mostrar como Jesus responde s nossas preocupaes paralisadoras,oferecendo-nos uma nova vida, uma vida na qual o Esprito de Deus pode fazertodas as coisas novas para ns. Finalmente, na terceira parte, quero descreveralgumas disciplinas especficas que podem levar nossas preocupaes a perder

    paulatinamente sua fora sobre ns, permitindo assim que o Esprito de Deusfaa sua obra de recriao.

    Cap. 1: Todas Estas CoisasINTRODUOA vida espiritual no uma vida antes, aps, ou alm da nossa existnciacotidiana. No, a vida espiritual s pode ser real quando vivida no meio dasdores e alegrias do aqui e agora. Portanto, precisamos comear com um

    exame cuidadoso da forma como pensamos, falamos, sentimos e agimos acada hora, a cada dia, a cada semana, e a cada ano, a fim de ficarmos maisplenamente conscientes da nossa fome pelo Esprito. Enquanto tivermosapenas um vago sentimento interior de insatisfao com nossa presente formade vida, e somente um desejo indefinido por "'coisas espirituais", nossas vidascontinuaro a estagnar-se em melancolia generalizada. Freqentementedizemos: "No estou muito feliz. No estou contente com o rumo da minhavida. No tenho muita alegria ou paz, mas como no sei como as coisaspoderiam ser diferentes, suponho que devo ser realista e aceitar a vida como". este esprito de resignao que nos impede de ativamente buscar a vida

    do Esprito.Nossa primeira tarefa expulsar este vago e obscuro sentimento deinsatisfao e fazer um exame crtico da forma que estamos vivendo. Istorequer honestidade, coragem e confiana. Temos de honestamentedesmascarar e corajosamente confrontar nossas numerosas brincadeiras queusamos para enganarmos a ns mesmos. Temos que confiar que nossahonestidade e coragem no nos levaro ao desespero, mas a um novo cu e auma nova terra.

    Bem mais do que o povo da poca de Jesus, ns nesta "era moderna"podemos ser chamados de povo preocupador. Mas como nossa preocupaocontempornea realmente se manifesta? Depois de examinar criticamente

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    minha prpria vida e as vidas ao meu redor, duas palavras surgem comodescritivas da nossa situao: cheios e no realizados.

    CHEIOSUma das caractersticas mais bvias das nossas vidas dirias que estamos

    atarefados. Na nossa vida os dias so cheios de coisas para fazer, pessoas paraencontrar, projetos para terminar, cartas para escrever, telefonemas paracompletar, e compromissos para guardar. Nossas vidas muitas vezes parecemmalas abarrotadas rebentando nas costuras. Na realidade, quase sempreestamos cnscios de algum atraso. H um sentimento incmodo queimportunamente nos avisa que h tarefas incompletas, promessas nocumpridas, propostas no realizadas. Sempre h algo mais que deveramos terlembrado, feito ou dito. Sempre h pessoas com quem no falamos, a quemno escrevemos ou no visitamos. Assim, embora sejamos muito atarefados,tambm temos um sentimento persistente de que nunca realmente cumprimos

    nossas obrigaes.O estranho, porm, que muito difcil no estar atarefado. Estar atarefadotornou-se um smbolo de status. As pessoas esperam que estejamos ocupadose que tenhamos muitos assuntos na nossa mente. Freqentemente nossosamigos nos dizem:

    "Imagino que voc est ocupado como sempre", e o dizem em tom de elogio.Reafirmam a presuno generalizada que bom estar atarefado. De fato, osque no sabem o que fazer no futuro imediato incomodam seus amigos. Estaratarefado e ser importante normalmente parecem significar a mesma coisa.Muitos telefonemas comeam com a frase: "Sei que voc est ocupado, masser que poderia me dar um minuto?" Com isto, sugerem que tomar umminuto de quem tem uma agenda cheia vale mais do que tomar uma hora dequem tem pouco para fazer.

    Na nossa sociedade orientada para produo, estar atarefado ou ter umaocupao tornou-se uma das principais formas, se no a principal, de nosidentificar. Sem uma ocupao, no s nossa segurana econmica, mas nossaprpria identidade ameaada. Isto explica o grande temor com que muitaspessoas enfrentam a aposentadoria. Afinal , quem somos depois de no maister uma ocupao?

    Mais escravizadoras do que nossas ocupaes, porm, so as nossaspreocupaes. Estar preocupado significa encher nosso tempo e espao muitoantes de chegar l. Isto inquietao no sentido mais especfico da palavra. uma mente cheia de "se". Dizemos a ns mesmos: "E se eu ficar gripado? Seeu perder meu emprego? Se o meu filho no chegar em casa na hora certa? Seno houver bastante alimento amanh? Se eu for atacado? Se uma guerracomear? Se o mundo acabar? Se ... ?" Todas essas perguntas enchem a nossamente com pensamentos ansiosos e fazem-nos indagar constantemente sobre

    o que fazer e o que dizer caso algo acontea no futuro. Grande parte, seno amaioria, do nosso sofrimento tem ligao com estas preocupaes. Possveismudanas de carreira, possveis conflitos familiares, possveis enfermidades,

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    possveis desastres, e um possvel holocausto nuclear fazem-nos ansiosos,temerosos, desconfiados, gananciosos, nervosos e melanclicos. Impedem-nosde sentir uma verdadeira liberdade interior. Por estarmos sempre prontos paraeventualidades, raramente confiamos plenamente no agora. No exagerodizer que grande parte da energia humana investida nestas preocupaestemerosas. Tanto nossa vida individual como coletiva esto to profundamentemoldadas por nossas preocupaes com o amanh, que dificilmente o hojepode ser vivido.

    No somente estar ocupado mas tambm estar preocupado altamenteencorajado por nossa, sociedade. A forma que jornais, rdio e televiso noscomunicam suas informaes cria uma atmosfera de constante emergncia. Asvozes excitadas dos reprteres, a preferncia por acidentes repugnantes,crimes cruis, e conduta pervertida, e a cobertura de hora em hora da misriahumana dentro e fora do pas, lentamente nos engolfam num sensoabrangente de iminente destruio. Alm de todas essas notcias ruins existe a

    avalanche de anseios. Sua insistncia inflexvel de que perderemos algumacoisa muito importante se ficarmos sem ler este livro, sem ver este filme, semouvir este locutor, ou sem comprar este novo produto, intensifica nossainquietao e acrescenta muitas preocupaes fabricadas s preocupaes jexistentes. s vezes parece como se nossa sociedade dependesse damanuteno dessas preocupaes artificiais. Que aconteceria se parssemosde nos preocupar? Se o desejo por divertir tanto, viajar tanto, comprar tanto, enos proteger tanto, no mais motivasse nosso comportamento, ser que nossasociedade atual ainda poderia funcionar? A tragdia que realmente estamospresos num emaranhado de expectativas falsas e necessidades arranjadas.Nossas ocupaes e preocupaes enchem nossas vidas externas e internasat ao mximo. Impedem o Esprito de Deus de fluir livremente em ns edesta forma renovar nossas vidas.

    NO REALIZADOSSob a preocupao das nossas vidas, contudo, algo mais est acontecendo. Aomesmo tempo que nossa mente e corao esto cheios com muitas coisas,levando-nos a indagar como podemos satisfazer as expectativas impostassobre ns por ns mesmos e por outros, temos um sentimento profundo de

    no realizao. Embora atarefados e preocupados com muitas coisas,raramente nos sentimos verdadeiramente realizados, em paz, ou em casa. Umsentimento corrosivo de no realizao est sob a superfcie das nossas vidasocupadas. Refletindo um pouco mais sobre esta experincia de no realizao,posso discernir diversos sentimentos. Os mais significativos so enfado,ressentimento e depresso.

    Enfado um sentimento de estar desligado. Enquanto estamos atarefados commuitas coisas, indagamos se o que fazemos realmente faz alguma diferena. Avida se apresenta como uma srie aleatria de atividades e acontecimentos

    desconexos sobre os quais temos pouco ou nenhum controle. Estar enfadado,portanto, no significa que no temos nada para fazer, mas que questionamoso valor das coisas que estamos to atarefados em fazer. O grande paradoxo da

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    nossa poca que muitos de ns estamos simultaneamente atarefados eenfadados. Enquanto corremos de um acontecimento para outro, indagamosem nosso prprio ntimo se alguma coisa est realmente acontecendo. Emboradificilmente cumpramos com nossas tarefas e obrigaes, no estamos tocertos se faria alguma diferena se no as cumprssemos. Enquanto as pessoascontinuam nos empurrando por todos os lados, duvidamos se algumrealmente se importa conosco. Em resumo, embora nossas vidas estejamcheias, ns nos sentimos no realizados.

    Enfado muitas vezes est intimamente relacionado com ressentimentos Aomesmo tempo que estamos atarefados, ainda indagamos se nossa atividadesignifica algo para algum. Facilmente sentimo-nos usados, manipulados, eexplorados. Comeamos a nos ver como vtimas mandadas e foradas arealizar toda sorte de coisas por pessoas que realmente no nos consideramseriamente como seres humanos. A partir da uma ira interior comea a sedesenvolver, uma ira que com o tempo se instala no nosso corao como um

    companheiro constantemente queixoso. Nossa ira quente aos poucos se tornauma ira fria. Esta "ira congelada" o ressentimento que causa um efeito tomortfero em nossa sociedade.

    Porm, a expresso mais debilitante de nossa no realizao depresso.Quando comeamos a sentir que no somente nossa presena no faz muitadiferena, mas que tambm nossa ausncia talvez seja prefervel, podemosfacilmente ser enrolados por um sentimento opressivo de culpa. Esta culpa notem ligao com nenhuma atividade particular, mas com a prpria vida.Sentimo-nos culpados por estar vivos. O pensamento de que o mundo talvez

    fosse melhor sem refrigerante, desodorante, ou submarino nuclear, cujaproduo preenche as horas de trabalho de nossa vida, pode levar-nos desesperante pergunta: "Vale a pena viver?" Portanto, no de se admirar quepessoas que so sempre elogiadas por seus xitos e realizaes,freqentemente sentem muita falta de realizao, at ao ponto de suicidarem-se.

    Enfado, ressentimento e depresso so todos sentimentos de desligamento.Apresentam-nos a vida como um elo quebrado. Transmitem a ns um senso deno pertencer. No caso de relacionamentos pessoais, esta desconexo

    experimentada como solido. Quando estamos solitrios vemos a ns mesmoscomo indivduos isolados, cercados, talvez, por muitas pessoas, mas norealmente parte de qualquer comunidade de apoio e proteo. Sem dvidasolido uma das doenas mais disseminadas do nosso tempo. Afeta nosomente a vida dos aposentados, mas tambm a vida familiar, a vidacomunitria, a vida escolar, e a vida profissional. Causa sofrimento nosomente s pessoas idosas, mas tambm s crianas, aos jovens e adultos.Penetra no somente em prises mas tambm em residncias particulares,edifcios de escritrios e hospitais. vista at na interao cada vez maisescassa entre pessoas nas ruas de nossas cidades. No meio de toda esta

    solido impregnante muitos clamam: "Existe algum que realmente se importacomigo? Existe algum que pode arrancar meu sentimento interior deisolamento? Existe algum com quem eu possa me sentir em casa?"

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    este sentimento paralisante de abandono que constitui o cerne da maioria dosofrimento humano. Podemos suportar muito sofrimento fsico e at mentalquando sabemos que isto verdadeiramente nos torna uma parte integrante davida que vivemos juntos neste mundo. Mas quando nos sentimos cortados dafamlia dos seres humanos, rapidamente desfalecemos. Enquanto acreditamosque nossos sofrimentos e lutas nos unem a nossos companheiros ecompanheiras humanos, fazendo-nos assim partes da luta comum do serhumano por um futuro melhor, estamos plenamente dispostos para aceitaruma tarefa exigente. Mas quando nos consideramos espectadores passivossem nenhuma contribuio para fazer histria da vida, nossos sofrimentosno so mais sofrimentos construtivos e nem nossas lutas servem paraproduzir nova vida, porque assim temos um sentimento de que nossas vidasacabam e desaparecem depois de ns, sem nos levar a destino algum. De fato,s vezes somos obrigados a dizer que a nica coisa que lembramos de nossopassado recente que estvamos muito atarefados, que todas as coisaspareciam muito urgentes e que dificilmente podamos coloc-las em dia. O quefizemos no lembramos. Isto mostra quo isolados nos tornamos. O passadono mais nos leva para o futuro; simplesmente nos deixa preocupados semnenhuma promessa de mudanas para o melhor.

    Nosso desejo de ser livres deste isolamento pode se tornar tio forte queexplode em violncia. Ento nossa necessidade por um relacionamento ntimo- com um amigo, um namorado, ou uma comunidade apreciativa - setransforma num apelo desesperado por algum que nos oferea umasatisfao imediata, relaxamento de tenso, ou um sentimento temporrio deidentificao. Neste caso, nossa necessidade mtua degenera e torna-se umaagresso perigosa que causa muito dano e somente intensifica nossosentimento de solido.

    CONCLUSOEspero que estas reflexes tenham nos aproximado mais do significado dapalavra "preocupao" tal como foi usada por Jesus. Hoje preocupaosignifica estar ocupado e preocupado com muitas coisas, e ao mesmo tempoestar enfadado, ressentido, deprimido, e muito solitrio. No estou tentandodizer que todos ns em todo tempo estamos to extremamente preocupados.

    Porm, h pouca dvida em minha mente que a experincia de estar cheioporm no realizado atinge a maioria de ns em alguma medida em algumtempo da nossa vida. Em nosso mundo altamente tecnolgico e competitivo, difcil evitar completamente as foras que saturam nosso espao interior eexterior e desligam-nos de nosso ser mais ntimo, dos nossos companheiroshumanos, e do nosso Deus.

    Uma das caractersticas mais notveis da preocupao que ela fragmentanossas vidas. As muitas coisas que temos de fazer, considerar, e planejar, asmuitas pessoas que precisamos lembrar, visitar, ou conversar, as muitas causas

    que devemos atacar ou defender, tudo isto despedaa-nos e nos faz perdernosso equilbrio. Preocupao nos leva a estar "em todo lugar", mas raramenteem casa. Uma forma de expressar a crise espiritual de hoje dizer que a

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    maioria de ns tem um endereo, mas no pode ser encontrado l. Sabemosonde est nosso lugar, mas estamos sempre sendo arrastados em muitasdirees, como se fssemos ainda desabrigados. "Todas estas coisas" estosempre exigindo nossa ateno. Levam-nos to longe de casa que no fim nosesquecemos do nosso verdadeiro endereo, isto , o lugar onde podemos serencontrados.

    Jesus reage a esta condio de estar cheio porm no realizado, muitoatarefado porm desligado, em todo lugar porm nunca em casa. Ele nos querlevar ao lugar onde pertencemos. Mas seu chamado para viver uma vidaespiritual s pode ser ouvido quando queremos honestamente confessar nossaexistncia desabrigada e preocupada e reconhecer seu efeito fragmentador emnossa vida diria. S ento um desejo por nosso verdadeiro lar pode serdesenvolvido. a respeito deste desejo que Jesus fala quando diz: "No vospreocupeis... buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e todas estas cousasvos sero acrescentadas".

    Espao Para Deus - 2 partepor Henri Nouwen

    Cap. 2: Seu Reino em Primeiro LugarINTRODUOJesus no reage ao nosso estilo de vida cheio e preocupao dizendo que no

    deveramos estar to ocupados com afazeres terrenos. Ele no tenta nosretirar dos muitos eventos, atividades, e pessoas que compem nossas vidas.No nos diz que o que fazemos no tem importncia, valor, ou utilidade.

    Nem sugere que devemos nos afastar de nossos envolvimentos e viver vidascalmas, tranqilas e retiradas das lutas do mundo.

    A resposta de Jesus para nossas vidas cheias de preocupao bem diferente.Ele pede de ns que substituamos nosso ponto de gravidade, relocalizemos ocentro de nossa ateno, que mudemos as nossas prioridades. Jesus quer que

    deixemos as "muitas coisas" para a "nica coisa necessria". importante quecompreendamos que Jesus no quer de forma alguma que deixemos nossomundo de muitas facetas. Antes, quer que vivamos nele, mas firmementearraigados no centro de todas as coisas. Jesus no fala sobre uma mudana deatividades, uma mudana de contatos, ou at uma mudana de ritmo. Ele falasobre uma mudana de corao. Esta mudana de corao faz todas as coisasdiferentes, at mesmo quando todas as coisas parecem permanecer asmesmas. Este o significado de: "Buscai, pois. em primeiro lugar, o seureino ... e todas estas coisas sero acrescentadas". O mais importante ondeesto nossos coraes. Quando nos preocupamos, temos nossos coraes no

    lugar errado. Jesus pede que coloquemos nossos coraes no centro, ondetodas as outras coisas iro se encaixar.

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    Qual este centro? Jesus o chama de reino, o reino do Seu Pai. Para ns dosculo XX, isto pode no ter muito significado. Reis e reinos no exercem umpapel muito importante em nossa vida diria. Mas somente quandoentendemos as palavras de Jesus como um chamado urgente para colocar avida do Esprito de Deus como nossa prioridade que podemos ver melhor oque est envolvido. Um corao que busca o reino do Pai tambm um umcorao que busca a vida espiritual. Buscar o reino, portanto, significa colocara vida do Esprito, dentro de ns e entre ns como o centro de tudo quepensamos, dizemos ou fazemos.

    Agora, quero explorar em mais profundidade esta vida no Esprito. Primeiroprecisamos ver como o Esprito de Deus se manifesta na prpria vida de Jesus.Depois precisamos discernir o que significa para ns ser chamados por Jesuspara entrar com ele nesta vida do Esprito.

    A VIDA DE JESUSNo h muita dvida de que a vida de Jesus foi uma vida muito atarefada. Eleesteve atarefado ensinando seus discpulos, pregando s multides, curandoos doentes expelindo demnios, respondendo perguntas de inimigos e amigos,e andando de um lugar para outro. Jesus estava to envolvido em atividadesque se tornava difcil ter algum tempo sozinho. Esta histria nos d uma ideia." tarde, ao cair do sol, trouxeram a Jesus todos os enfermos, eendemoninhados. Toda a cidade estava reunida porta. E ele curou muitosdoentes de toda sorte de enfermidades; tambm expeliu muitos demnios...Tendo se levantado alta madrugada, saiu, foi para um lugar deserto, e ali

    orava. Procuravam-no diligentemente Simo e os que com ele estavam. Tendo-o encontrado, lhe disseram: Todos te buscam. Jesus, porm, lhes disse: Vamosa outros lugares, s povoaes vizinhas, a fim de que eu pregue tambm ali,pois para isso que eu vim. Ento foi por toda a Galilia, pregando nassinagogas deles e expelindo os demnios" (Mt 1:32-39).

    Est claro neste relato que Jesus tinha uma vida muito cheia e raramente,possivelmente nunca, era deixado sozinho. Pode at nos dar a impresso deum fantico impulsionado a transmitir sua mensagem por todo lado a qualquercusto. A verdade, porm, diferente. Quanto mais nos aprofundamos nosrelatos do Evangelho sobre sua vida, mais vemos que Jesus no era um zelotetentando realizar muitas coisas diferentes a fim de alcanar uma meta impostapor ele mesmo. Ao contrrio, tudo o que sabemos sobre Jesus mostra queestava interessado numa coisa somente: fazer a vontade do seu Pai. Nada nosEvangelhos to marcante como a obedincia resoluta de Jesus a seu Pai.Desde suas primeiras palavras registradas ditas no templo. "No sabeis queme cumpria estar na casa de meu Pai?" -(Lc 2:49), at suas ultimas palavrasna cruz- "Pai, nas tuas mos entrego o meu esprito"(Lc.23:46), o nicointeresse de Jesus era fazer a vontade de seu Pai. Ele disse: "...o Filho nadapode fazer de si mesmo, seno somente aquilo que vir fazer o Pai..." (Jo 5-19).

    As obras que Jesus fez so as obras que o Pai o enviou para fazer, e aspalavras que falou so as palavras que o Pai lhe deu. Ele no deixa duvidasobre isto: "Se no fao as obras de -meu Pai, no me acrediteis.." (Jo

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    10.-37);" ...e a palavra que estais ouvindo no minha, mas do Pai que meenviou" (Jo 14:24).

    Jesus no e nosso Salvador simplesmente por causa do que disse ou fez parans. o nosso Salvador porque o que disse e fez foi dito e feito em obedinciaa seu Pai. Por isto Paulo pode dizer. "Porque, como pela desobedincia de um

    s homem muitos se tornaram pecadores, assim tambm por meio daobedincia de um s muitos se tornaro justos"(Rm 5:19). Jesus o homemobediente. O centro da sua vida este relacionamento de obedincia com oPai. Isto pode ser difcil para ns entendermos, porque a palavra "obedincia"tem tantas conotaes negativas em nossa sociedade. Faz-nos pensar emfiguras autoritrias que impem a vontade deles sobre os nossos desejos. Faz-nos lembrar de acontecimentos infelizes da infncia ou tarefas difceisexecutadas sob ameaas de castigo. Mas nada disto se refere obedincia deJesus. Sua obedincia significa uma ateno total e destemida a seu Paiamoroso. Entre o Pai e o Filho h somente amor. Todas as coisas que

    pertencem ao Pai, ele confia ao Filho (Lc IO:22), e todas as coisas que o Filhorecebe, devolve ao Pai. O Pai se abre totalmente para o Filho e coloca todas ascoisas em ,suas mos: todo conhecimento (Jo 12:50), toda glria (Jo 8:54),todo poder (Jo 5:19-21). E o Filho se abre totalmente para o Pai e desta formadevolve todas as coisas s mos de seu Pai. "Vim do Pai e entrei no mundo;todavia deixo o mundo e vou para o Pai" (Jo 16:28).

    Este amor inexaurvel entre o Pai e o Filho inclui e at transcende todas asformas de amor que conhecemos. Inclui o amor de pai e me, irmo e irm,esposo e esposa, professor e amigo. Mas tambm vai muito alm das muitas

    limitadas e limitantes experincias humanas de amor que conhecemos. umamor que cuida mas exige. um amor sustentador mas severo. um amorsuave mas forte. um amor que da vida. mas aceita a morte. Neste divinoamor Jesus foi enviado ao mundo, e por este divino amor Jesus se ofereceu nacruz. Este amor envolvente, que sintetiza o relacionamento entre o Pai e oFilho, uma Pessoa divina, co-igual com o Pai e o Filho.. Tem um nomepessoal. chamado Esprito Santo. O.Pai ama o Filho e se derrama no Filho. OFilho amado pelo Pai e devolve tudo que ele ao Pai. O Esprito o prprioamor em si, eternamente envolvendo o Pai e o Filho.

    Esta comunidade eterna de amor o centro e fonte da vida espiritual deJesus, uma vida de sensibilidade ininterrupta para com o Pai no Esprito deamor. desta vida que o ministrio de Jesus floresce. Comendo e jejuando,orando e agindo, viajando e descansando, pregando e ensinando, expulsando ecurando, tudo foi feito neste Esprito de amor. Nunca entenderemos o plenosignificado do rico e variado ministrio de Jesus sem que vejamos como asmuitas coisas so enraizadas em uma coisa: ouvir o Pai numa intimidade deamor perfeito.Quando virmos isto, tambm compreenderemos que o alvo doministrio de Jesus nada menos que nos introduzir nesta mais intimacomunidade.

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    NOSSAS VIDASNossas vidas so destinadas a se tornarem como a vida de Jesus. Afinal, opropsito total do ministrio de Jesus levar-nos -a casa do seu Pai. Jesus noveio somente para nos libertar dos grilhes do pecado e da morte, senotambm para levar-nos intimidade desta vida divina. Para ns difcil

    imaginar o que isto significa. Nossa tendncia enfatizar a distancia entreJesus e ns mesmos. Vemos Jesus como o Onisciente e Onipotente Filho deDeus, o qual inatingvel para ns seres humanos cados e pecadores. Maspensando desta forma, esquecemos que Jesus veio para nos dar sua prpriavida. Veio para nos elevar participao na comunidade de amor com o Pa.Somente quando reconhecemos o propsito fundamental do ministrio deJesus que estaremos aptos a entender o significado da vida espiritual. Todasas coisas que pertencem a Jesus nos so dadas para que as recebamos. Tudoque Jesus fez ns tambm podemos fazer. Jesus no se refere a ns comocidados de segunda classe. Ele no retm nenhuma coisa de ns: " ... tudo

    quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer" (Jo 15:15); " ... aqueleque cr em mim, far tambm as obras que eu fao..."(Jo 14:12). Jesus querque estejamos onde ele est. Em sua orao sacerdotal, ele no deixa duvidaalguma sobre sua inteno: "... a fim de que todos sejam um; e como s tu, Pai, em,mim e eu em ti ... Eu lhes tenho transmitido a glria que me tensdado, para que sejam um, como ns o somos, eu neles e tu em mim, a fim deque sejam aperfeioados na unidade, para que o mundo conhea que tu meenviaste, e os amaste como tambm amaste a mim. Pai, a minha vontade que onde eu estou, estejam tambm comigo os que me deste, para que vejama minha glria que me conferiste... Eu lhes fiz conhecer o teu nome ainda o

    farei conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e euneles esteja" (Jo 17:2126).

    Estas palavras so uma expresso bela da natureza do ministrio de Jesus. Elese tornou como ns para que pudssemos nos tornar como ele. Ele no seapegou a sua unidade com Deus, mas se esvaziou e se tornou como ns para,que pudssemos nos tornar como ele e desta forma participar da sua vidadivina.

    Esta transformao radical de nossas vidas a obra do Esprito Santo. Os

    discpulos mal conseguiam compreender o significado de Jesus.Enquanto Jesusestava presente com eles na carne, ainda no reconheciam sua presena plenano Esprito. Por isto Jesus disse: "Convm-vos que eu v, porque se eu no foro Consolador no vira para vs outros; se, porm, eu for, eu vo-lo enviarei ...quando vier, porm, o, Esprito da verdade, ele vos guiar a toda a verdade;porque no falara por si mesmo, mas dir tudo o que tiver ouvido, e vosanunciara as cousas que ho de vir. Ele me glorificar porque h de receber doque meu, e vo-lo h de anunciar. Tudo quanto o Pai tem meu; por isso que vos disse que h de receber do que meu e vo-lo h de anunciar" (Jo16:7, 13-15).

    Jesus envia o Esprito para nos levar plena verdade da vida divina. Verdadeno significa uma ideia, conceito, ou doutrina mas o verdadeiro

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    relacionamento. Ser levado a participar da verdade ser levado a participar dorelacionamento que Jesus tem com o Pai; entrar no noivado divino.

    Desta forma o Pentecoste a concluso da misso de Jesus. No Pentecoste aplenitude do ministrio de Jesus se torna visvel. Quando o Esprito Santodesce sobre os discpulos e habita neles, suas vidas so transformadas em

    vidas semelhantes a Cristo, vidas moldadas pelo mesmo amor que existe entreo Pai e o Filho. A vida espiritual realmente uma vida na qual somos elevadospara nos tornar, participantes da vida divina.

    Ser elevado vida divina do Pai, do Filho, e do Esprito Santo no significa,porm, ser tirado do mundo. Ao contrrio, aqueles que entram na vidaespiritual so exatamente os que so enviados ao mundo para continuar econcluir a obra que Jesus comeou. A vida espiritual no nos remove domundo mas leva-nos a nos aprofundar mais nele.

    Jesus disse para seu Pai: "Assim como tu me enviaste ao mundo, tambm euos enviei ao mundo" (Jo 17:18). Ele esclarece que exatamente porque seusdiscpulos no mais pertenciam ao mundo, podiam viver no mundo como elevivia. "No peo que os tires do mundo, e sim, que os guardes do mal. Eles,no so do mundo como tambm eu no sou" (Jo 17:15-16). Vida no Espritode Jesus e portanto uma vida na qual a vinda de Jesus ao mundo suaencarnao, sua morte, e ressurreio demonstrada por aqueles que entraramno mesmo relacionamento de obedincia ao Pai que marcou a prpria vida deJesus. Tornando-nos filhos e filhas como Jesus foi Filho, nossas vidas setornam uma continuao da misso de Jesus.

    "Estar no mundo sem ser do mundo". Estas palavras sintetizam bem a maneiraque Jesus fala sobre a vida espiritual. uma vida na qual somos totalmentetransformados pelo Esprito de amor. Contudo uma vida onde todas as coisasparecem permanecer as mesmas. Viver uma vida espiritual no significa quedevemos deixar nossas famlias, abandonar nossos empregos, ou mudarnossas formas de trabalhar; no significa que temos de nos afastar deatividades polticas e sociais, ou perder interesse na literatura e na arte; noexige formas severas de ascetismo ou longas horas de orao. Mudanas comoestas podem de fato vir como frutos da nossa vida espiritual, e para algumas

    pessoas decises radicais podem ser necessrias. Mas a vida espiritual podeser vivida de tantas formas quanto existem pessoas. A novidade que nostransferimos das muitas coisas para o reino de Deus. A novidade que noslivramos das coeres do mundo e colocamos nossos coraes na nica, coisanecessria. A novidade que no experimentamos mais as muitas coisaspessoas e acontecimentos como motivos infindveis de preocupao, mascomeamos a experiment-los como maneiras ricas e variadas nas quais Deusmanifesta sua presena para ns.

    De fato, viver uma vida espiritual requer uma mudana de corao, uma

    converso. Tal converso pode ser marcada por uma mudana interiorrepentina, ou pode ocorrer atravs de um longo e suave processo detransformao. Mas sempre envolve uma experincia interior de harmonia.

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    Compreendemos que agora estamos no centro, e que desta posio tudo queexiste e ocorre pode ser visto e entendido como parte do mistrio da vida deDeus conosco. Nossos conflitos e dores, nossas tarefas e compromissos,nossas famlias e amigos, nossas atividades e projetos, nossas esperanas easpiraes, no mais se nos apresentam como uma variedade de coisasfatigantes que mal conseguimos controlar, mas antes se revelam comoafirmaes e revelaes da nova vida do Esprito em ns. "Todas estas coisas",que nos ocupavam e preocupavam ' agora vm como dons ou desafios quefortalecem e aprofundam a nova vida que descobrimos. Isto no significa quea vida espiritual torna as coisas mais fceis ou que abole nossos esforos elutas. A vida dos discpulos de Jesus mostra claramente que o sofrimento nodiminui por causa da converso. s vezes at se torna mais intenso. Mas nossaateno no mais dirigida para esta questo de "mais ou menos". Oimportante escutar atentamente ao Esprito e ir obedientemente aondeestamos sendo dirigidos quer seja um lugar alegre, quer seja doloroso.

    Pobreza, dor, luta, angstia, agonia e mesmo escurido interior podemcontinuar a fazer parte de nossa experincia. Podem at ser a maneira deDeus nos purificar. Mas a vida deixou de ter enfado, ressentimento, depresso,ou solido porque aprendemos que todas as coisas que acontecem fazem partedo nosso caminho para a casa do Pai.

    CONCLUSO"Seu reino em primeiro lugar". Espero que estas palavras tenham adquiridoum novo sentido. Elas nos chamam a seguir a Jesus em seu caminho de

    obedincia, a entrar com ele na comunidade estabelecida pelo amor exigentedo Pai, e a viver toda nossa vida daquela posio. O reino o lugar ondeEsprito de Deus nos dirige, nos cura, nos desafia, e nos renovacontinuamente. Quando nossos coraes esto fixos naquele reino, nossaspreocupaes lentamente ficam para trs, porque as muitas coisas que nosfaziam preocupar tanto comeam a se encaixar. importante entender que"buscar o reino" no um mtodo para se ganhar galardes.Neste caso a vidaespiritual acabaria sendo como ganhar o sorteio num jogo de sorte. Aspalavras "todas as, outras coisas vos sero acrescentadas" expressam que oamor e o cuidado de Deus se estendem para todo o nosso ser. Quando

    buscarmos a vida no Esprito de Cristo,conseguiremos ver e entender melhorcomo Deus nos guarda na palma de sua mo. Chegaremos a um melhorentendimento do que realmente precisamos para nosso bem estar fsico emental, e experimentaremos a ligao ntima entre nossa vida espiritual enossas necessidades temporais durante a nossa peregrinao no seu mundo.

    Mas isto nos deixa com uma pergunta muito difcil. H uma maneira de sair danossa vida, "cheia de preocupao e entrar na vida do Esprito? Devemossimplesmente esperar passivamente at que o Esprito chegue e assopre paralonge as nossas preocupaes? H alguma maneira pela qual podemos nos

    preparar para a vida do Esprito e aprofundar esta vida depois dela nos tocar?A distncia entre a vida cheia e no realizada de um lado, e a vida espiritual dooutro, to grande que pode parecer completamente irreal esperar a mudana

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    de uma para a outra. As exigncias que a vida diria nos faz so to reais, toimediatas, e to urgentes que uma vida no Esprito parece alm de nossacapacidade.

    Minha descrio da vida cheia de preocupao e a vida espiritual como doisextremos do espectro da vida foi necessria para tornar claro o que est

    envolvido. Mas a maioria de ns no est nem constantemente preocupada enem exclusivamente absorvida no Esprito. Muitas vezes h lampejos dapresena do Esprito de Deus no meio de nossas preocupaes, efreqentemente preocupaes surgem mesmo quando experimentamos a vidado Esprito no mais interior de nosso ser. importante que aos poucosentendamos onde estamos e que aprendamos como podemos deixar a vida doEspito de Deus se fortalecer dentro de ns.

    Isto leva-me para a tarefa final: descrever as disciplinas principais que podemnos sustentar em nosso desejo de nos desvencilhar das garras de nossas

    preocupaes e deixar que o Esprito nos guie para a verdadeira liberdade dosfilhos de Deus.

    Espao Para Deus - 3 partepor Henri Nouwen

    Cap. 3: Buscai o Reino

    INTRODUOA vida espiritual um dom. o dom do Esprito Santo, que nos introduz noreino do amor de Deus. Mas dizer que ser introduzido no reino de Deus umdom divino no quer dizer que esperamos passivamente at que o dom se nosoferea. Jesus nos fala para buscar o reino. Buscar alguma coisa envolve nosomente aspiraco sria mas tambm determinao forte. A vida espiritualrequer esforo humano. As foras que sempre nos puxam de volta a uma vidacheia de preocupao no so fceis de se vencer. "Quo dificilmente", Jesusexclama, "entraro no reino de Deus ..." (Mc 10:23). E para nos convencer danecessidade de trabalho duro, ele diz: "Se algum quer vir aps mim, a si

    mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me" (Mt 16:24)

    Neste ponto tocamos a questo de disciplina na vida espiritual. A vidaespiritual sem disciplina impossvel. Disciplina o outro lado do discipulado.A prtica de uma disciplina espiritual nos torna mais sensveis voz tranqila esuave de Deus. O profeta Elias no encontrou Deus no vento forte nem noterremoto e nem no fogo, mas no cicio tranqilo (1 Rs 19:11-13). Atravs daprtica de uma disciplina espiritual tornamo-nos sensveis essa voz tranqilae prontos a responder quando a ouvimos.

    Em relao a tudo que eu disse sobre nossas vidas preocupadas esobrecarregaras claro que geralmente estamos envolvidos, interior e exteriorque fica realmente difcil ouvir a voz de Deus quando Ele nos est falando.

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    Muitas vezes tornamo-nos surdos, incapazes de saber quando Deus noschama, incapazes de entender em que direo nos chama. Desta forma nossasvidas se tornam um absurdo. Na palavra absurdo encontramos a palavra latinasurdus, que significa "surdo". A vida espiritual requer disciplina porqueprecisamos aprender a ouvir a Deus. que constantemente fala mas a quemraramente ouvimos. Porm, quando aprendemos a ouvir, nossas vidas setornam vidas obedientes. A palavra obediente vem da palavra latina obaudire,que significa "ouvir". necessrio ter uma disciplina espiritual se quisermosmudar lentamente de uma vida absurda para uma vida obediente, de uma vidacheia de preocupaes agitadas para uma vida em que h espao livre nonosso interior para ouvir nosso Deus e seguir sua orientao. A vida de Jesusfoi uma vida de obedincia. Estava sempre escutando o Pai, sempre atento asua voz, sempre alerta as suas direes. Jesus era "todo ouvidos". Isto averdadeira orao: ser todo ouvido para Deus. O cerne de toda orao realmente ouvir, permanecer obedientemente na presena de Deus.

    Uma disciplina espiritual, portanto, um esforo concentrado para criar umpouco de espao interior e exterior em nossas vidas, onde esta obedinciapode ser praticada. Atravs de uma disciplina espiritual impedimos que omundo preencha nossas vidas de tal forma que no haja mas lugar para ouvir.Uma disciplina espiritual nos liberta para orar, ou melhor dizendo, liberta oEsprito de Deus para orar em ns.

    Vou apresentar agora duas disciplinas pelas quais podemos "buscar o reino".Podem ser consideradas como disciplinas de orao. So a disciplina de solidoe a disciplina de comunidade.

    SOLIDOSem solido virtualmente impossvel viver uma vida espiritual. Solidocomea com um tempo e lugar para Deus e somente para ele. Se realmentecremos que Deus no somente existe mas tambm est ativamente presenteem nossas vidas - curando, ensinando, e dirigindo - precisamos reservar umtempo e um espao para lhe dar nossa ateno ininterrupta. Jesus disse: "Tu,porm, quando orares, entra no teu quarto, e fechada a porta orars a teu Paique est em secreto..." (Mt 6:6).

    Produzir um elemento de solido em nossas vidas uma das disciplinas maisnecessrias mas tambm mais difceis. Mesmo que tenhamos um desejoprofundo por solido verdadeira, tambm experimentamos uma certaapreenso quando nos aproximamos deste lugar e tempo solitrios. Uma vezque estamos ss, sem pessoas com quem conversar, livros para ler, TV paraassistir, ou telefonemas para fazer, um caos interior se revela em ns. Estecaos pode ser to perturbador e to confuso que no vemos a hora de nosocuparmos novamente. Portanto, entrar num quarto parte e fechar a porta,no significa que

    Imediatamente exclumos todas nossas dvidas interiores, ansiedades, medos,maus pensamentos,

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    Conflitos insolveis, sentimentos de ira, desejos impulsivos. Ao contrrio,quando nos afastamos de nossas distraes exteriores, frequentementedescobrimos que nossas distraes interiores se manifestam a ns com toda asua fora. Muitas vezes usamos as distraes exteriores para nos proteger dosbarulhos interiores. Desta forma no de se admirar que tenhamos dificuldadepara ficar sozinhos. A confrontao com nossos conflitos interiores pode serdolorosa demais para ser suportada.

    Isto torna a disciplina de solido ainda mais importante. Solido no umaresposta espontnea a uma vida ocupada e preocupada. H razes de sobrapara no ficar sozinho. Portanto, devemos comear planejandocuidadosamente um tempo de solido. Cinco ou dez minutos por dia pode sero mximo que toleramos. Talvez estejamos prontos para uma hora todo o dia,uma tarde toda semana, um dia

    todo ms, ou uma semana todo ano. A quantidade de tempo vai variar para

    cada pessoa de acordo com o temperamento, idade, trabalho, estilo de vida ematuridade. Mas no estamos levando a vida espiritual a srio se noreservamos algum tempo para estar com Deus e ouvi-lo. Talvez tenhamos queescrever isto em preto e branco em nossa agenda diria para que maisningum possa nos roubar este perodo de tempo. Ento poderemos dizer aosnossos amigos, vizinhos, alunos, fregueses, clientes, ou pacientes: "Desculpe,mas j fiz um compromisso neste horrio que no pode ser mudado".

    Uma vez que nos comprometemos a gastar tempo em solido, desenvolvemosuma sensibilidade voz de Deus em ns. No incio, durante os primeiros dias,

    semanas, ou at meses, podemos ter o sentimento de que estamossimplesmente perdendo tempo. Tempo em solido no incio pode parecer nadamais que um tempo no qual somos bombardeados por milhares depensamentos e sentimentos que emergem das reas escondidas de nossamente. Um dos mais antigos escritores cristos descreve o primeiro estgio deorao solitria como a experincia de um homem que, depois de viver anoscom as portas abertas, de repente decidiu fech-las. Os visitantes quecostumavam vir e entrar em sua casa comeam a bater nas suas portas,indagando porque no se lhes permite a entrada. Somente quandocompreendem que no so bem vindos, aos poucos param de vir. Esta a

    experincia de algum que decide entrar em solido depois de uma vida semmuita disciplina espiritual. No incio, as muitas distraes continuam seapresentando. Depois, medida que recebem menos e menos ateno,lentamente se retiram.

    claro que o importante a fidelidade disciplina. No incio, solido pareceto contrria aos nossos desejos que somos constantemente tentados a nosesquivar disso. Uma maneira de se esquivar divagar na mente ousimplesmente cair no sono. Mas quando nos dedicamos nossa disciplina, naconvico que Deus est conosco mesmo quando ainda no o escutamos,

    lentamente descobrimos que no queremos perder nosso tempo ss comDeus. Apesar de no experimentarmos muita satisfao em nossa solido,

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    compreendemos que um dia sem solido menos "espiritual" do que um diacom solido.

    Intuitivamente, compreendemos que importante gastar tempo em solido.At comeamos a aguardar com expectativa este estranho perodo deinutilidade. Este desejo por solido muitas vezes o primeiro sinal de orao,

    a primeira indicao de que a presena do Esprito Deus no despercebida.Quando nos esvaziamos de nossas muitas preocupaes conseguimosentender no somente com nossa mente mas tambm com nosso corao quenunca estivemos realmente ss, que o Esprito de Deus estava sempreconosco. Desta forma conseguimos compreender o que Paulo escreve aosRomanos: "... a tribulao produz perseverana; e a perseverana,experincia; e a experincia, esperana. Ora, a esperana no confunde,porque o amor de Deus derramado em nossos coraes pelo Esprito Santo,que nos foi outorgado" (Rm 5:3-5). Em solido, chegamos a conhecer oEsprito que j nos foi outorgado. As dores e as lutas que encontramos em

    nossa solido se tornam desta forma o caminho de esperana, porque nossaesperana no baseada em alguma coisa que acontecer depois que nossossofrimentos terminarem, mas na presena real do Esprito de Deus que noscura no meio destes sofrimentos. A disciplina de solido nos permitegradativamente entrar em contato com a presena esperanosa de Deus emnossas vidas, e tambm nos permite experimentar mesmo agora as primciasde gozo e paz que pertencem ao novo cu e nova terra.

    A disciplina de solido, como tenho descrito aqui, uma das mais poderosasdisciplinas para desenvolver uma vida de orao. um caminho simples,

    embora difcil, para nos libertar da escravido de nossas ocupaes epreocupaes e comear a ouvir a voz que faz novas todas as coisas.

    Deixe-me dar uma descrio mais concreta de como a disciplina de solidopode ser praticada. uma grande vantagem ter um quarto ou um canto dequarto ou um quartinho! - reservado disciplina de solido. Tal lugar"arrumadinho" ajuda-nos a buscar o reino sem gastar tempo com preparativos.Algumas pessoas gostam de decorar este lugar, mas o importante que olugar de solido seja um lugar simples e ordenado. L ficamos na presena doSenhor. "Nossa tentao fazer alguma coisa til: ler algo estimulante, pensar

    sobre uma coisa interessante, ou experimentar algo extraordinrio. Mas nossomomento de solido exatamente um momento em que queremos estar napresena de nosso Senhor de mos vazias, nus, vulnerveis, inteis, sem nadapara apresentar, provar, ou defender. assim que, lentamente, aprendemos aouvir a voz tranquila de Deus. Mas o que fazer com nossas muitas distraes?Devemos lutar contra estas distraes e esperar que desta forma nostornemos mais atentos voz de Deus? Isto no parece ser a maneira de seentrar em orao. Criar um espao vazio onde podemos ouvir o Esprito deDeus no fcil quando colocamos toda nossa energia na luta contra asdistraes. Se confrontamos as distraes de maneira to direta, acabamos

    lhes dedicando mais ateno que merecem. Temos porm, as palavras dasEscrituras para dedicar nossa ateno.

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    Um salmo, uma parbola, uma histria bblica, uma declarao de Jesus, ouuma palavra de Paulo, Pedro,Tiago, Judas ou Joo, pode nos ajudar a focalizarnossa ateno presena de Deus . Desta forma impedimos "todas estascoisas" de Ter poder sobre ns. Quando colocamos as palavras das Escriturasno centro de nossa solido, tais palavras seja uma pequena expresso, umaspoucas sentenas ou um texto mais longo - podem funcionar com ponto aoqual retornamos quando nos desviamos para diferentes direes. Formam umancoradouro seguro num mar tempestuoso. No fim de tal perodo na presenatranqila de Deus podemos, atravs de orao intercessria, levar todas aspessoas que fazem parte de nossa vida, tanto amigos como tambm inimigos sua presena restauradoura. E por que no concluir com as palavras que oprprio Jesus nos ensinou: O Pai Nosso?

    Isto somente uma das formas especificas nas quais a disciplina de solidopode ser praticada. Infinitas variaes so possveis. Passeios no campo, arepetio de oraes curtas tais como a orao de Jesus, formas simples de

    cantochos, certos movimentos ou posturas - estes e muitos outros elementospodem se tornar uma parte til da disciplina de solido. Mas temos de decidirque forma especifica desta disciplina melhor nos convm, e na qual podemosperseverar. melhor ter uma prtica diria de dez minutos em solido do queter uma hora completa de vez em quando. melhor se tornar familiar comuma postura do que ficar sempre experimentando novas posturas.Simplicidade e regularidade so os melhores guias para achar nosso caminho.Permitem-nos fazer da disciplina de solido outra parte da nossa vida diriatanto quanto comer ou dormir. Quando isto acontece, nossas preocupaesbarulhentas perdero lentamente seu poder sobre ns e a atividaderenovadora do Esprito de Deus aos poucos se manifestar.

    Embora a disciplina de solido exija que separemos para isso tempo e espao,no final de tudo o importante que nossos coraes se tornem aposentostranqilos e que Deus possa habitar, onde

    quer que vamos e o que quer que faamos. Quanto mais nos treinarmos agastar tempo com Deus e unicamente com ele, mais descobriremos que emtodo o tempo e em todo o lugar Deus est conosco. Ento poderemosreconhec-lo mesmo no meio de uma vida atarefada e ativa. Depois que a

    solido de tempo e espao se torna solido de corao, nunca haveremos dedeixar aquela solido. Poderemos viver a vida espiritual de qualquer lugar eem qualquer tempo. Desta forma a disciplina da solido capacita-nos a viveruma vida ativa no mundo, enquanto permanecemos constantemente napresena do Deus vivo.

    COMUNIDADEA disciplina de solido no se mantm sozinha. Est intimamente relacionadacom a disciplina de comunidade. Comunidade como disciplina o esforo decriar um espao livre e vazio entre pessoas, onde juntos possamos praticarverdadeira obedincia. Atravs da disciplina de comunidade nos prevenimos de

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    nos apegar um ao outro com sentimentos de medo e isolamento, e criamos umespao livre para ouvir a voz libertadora de Deus.

    Pode parecer estranho falar de comunidade como disciplina mas sem disciplinacomunidade se torna uma palavra "mole", referindo-se mais a um lugarseguro, aconchegante e exclusivo do que ao espao onde se pode receber vida

    nova e desenvolv-la sua plenitude. Em qualquer lugar onde se achaverdadeira comunidade, disciplina decisivo. decisivo no somente nasmuitas velhas e novas formas de vida em comum, mas tambm nosrelacionamentos sustentadores de amizade, casamento, e famlia. Criar espaopara Deus entre ns requer o constante reconhecimento do Esprito de Deusum no outro. Depois de ter conhecido o Esprito vivificante de Deus no centrode nossa solido, tornando-nos capazes desta forma a afirmar nossaverdadeira identidade, passamos a ver tambm o mesmo Esprito vivificantefalando-nos atravs de nossos companheiros humanos. E quando chegamos areconhecer o Esprito vivificante de Deus como, a fonte de nossa vida em

    conjunto, mais facilmente tambm ouviremos sua voz em nossa solido.

    Amizade, casamento famlia, vida religiosa e toda outra forma de comunidade solido saudando solido, esprito falando a esprito, corao chamandocorao. o grato reconhecimento do chamado de Deus para compartilhar avida juntos e o alegre oferecimento de um espao hospitaleiro onde o poderrecriador do Esprito de Deus pode se manifestar. Desta maneira todas asformas de vida em conjunto podem se tornar maneiras de manifestar um aooutro a presena real de Deus em nosso meio.

    Comunidade no tem muito a ver com compatibilidade mtua. Semelhanasem "background" educacional, constituio psicolgica, ou posio social,podem nos atrair um ao outro, mas nunca podem ser a base para comunidade.Comunidade fundamentada em Deus, que nos chama a viver juntos, e nona atratividade mtua das pessoas. H muitos grupos que se constituram afim de proteger seus prprios interesses, defender sua prpria posio, oupromover suas prprias causas, mas nenhum destes uma comunidade crist.Ao invs de romper os muros de medo e criar novo espao para Deus, fecham-se a intrusos reais ou imaginrios. O ministrio da comunidade exatamenteseu envolvimento de todas as pessoas, quaisquer que sejam suas diferenas

    individuais, permitindo-lhes viver juntas como irmos e irms de Cristo e filhose filhas do seu Pai celeste.

    Eu gostaria de descrever uma forma concreta desta disciplina de comunidade. a prtica de ouvir juntos. Em nosso mundo prolixo geralmente gastamosnosso tempo juntos falando. Sentimo-nos mais confortveis compartilhandoexperincias, discutindo assuntos interessantes, ou argumentando problemassociais. atravs de uma troca verbal muito ativa que tentamos nos descobrirum ao outro. Mas muitas vezes descobrimos que as palavras funcionam maiscomo muros do que como portes, mais como formas de manter a distncia do

    que para se aproximar. Muitas vezes - at contra nossa vontade - percebemo-nos competindo mutuamente. Tentamos provar um ao outro que merecemosateno, que o que temos para mostrar nos torna especiais- A disciplina de

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    comunidade ajuda-nos a ficar em silncio juntos. Este silncio disciplinado no um silncio embaraador, mas um silncio no qual prestamos ateno juntosao Senhor que nos chamou juntos. Desta forma chegamos a nos conhecermutuamente no como pessoas que se apegam ansiosamente a sua auto-instituda identidade, mas como pessoas que so amadas pelo mesmo Deus deuma forma muito ntima e singular.

    Aqui - como ocorre com a disciplina de solido - muitas vezes so as palavrasdas Escrituras que podem nos levar a este silncio comunal. A f, como Paulodiz, vem pelo ouvir. Temos que ouvir a palavra um do outro. Quando nosreunimos de diferentes contextos geogrficos, histricos, psicolgicos, ereligiosos, ouvir a mesma palavra falada por pessoas diferentes pode criar emns uma abertura e vulnerabilidade comuns que nos permitem reconhecer queestamos seguros juntos naquela palavra. Desta forma podemos descobrirnossa verdadeira identidade como comunidade, desta forma podemosexperimentar o que significa ser chamados juntos, e desta forma podemos

    reconhecer que o mesmo Senhor que descobrimos em nossa solido tambmfala na solido do nosso prximo, seja qual for sua linguagem, denominao,ou carter. Atravs de ouvir juntos a palavra de Deus, um silncio realmentecriativo pode se desenvolver, Este silncio um silncio impregnado com apresena amorosa de Deus. Desta forma ouvir juntos a palavra de Deus podelibertar-nos de nossa competio e rivalidade e permitir-nos reconhecer nossaverdadeira identidade como filhos e filhas do mesmo Pai amoroso, irmos eirms do nosso Senhor Jesus Cristo, e conseqentemente um do outro.

    Este exemplo de disciplina de comunidade um dentre muitos. Celebrar

    juntos, trabalhar juntos, brincar juntos, todas estas so maneiras pelas quais adisciplina de comunidade pode ser praticada. Mas seja qual for seu tipo ouforma concreta, a disciplina de comunidade sempre leva-nos alm dos limitesde raa, sexo, nacionalidade, carter, ou idade, e sempre nos revela quemrealmente somos diante de Deus e do nosso prximo.

    Atravs da disciplina de comunidade nos tornamos pessoas; isto , pessoasque esto soando uma outra (a palavra latina personare significa "soar")uma verdade, uma beleza, e um amor que maior, mais profundo e mais ricodo que ns mesmos podemos compreender individualmente. Em comunidade

    verdadeira somos janelas oferecendo constantemente um ao outro novospanoramas do mistrio da presena de Deus em nossas vidas. Desta forma adisciplina de comunidade uma verdadeira disciplina de orao. Faz-nosalertas presena do Esprito que clama "Aba", Pai, entre ns, orando assimdo centro de nossa vida em comum. Comunidade desta forma obedinciapraticada juntos. A questo no simplesmente. "Para onde Deus me levacomo um indivduo tentando fazer sua vontade?" Mais bsica e maissignificante a questo, "Para onde Deus nos leva como um povo?" Estaquesto requer que prestemos cuidadosa ateno direo de Deus em nossavida coletiva e que juntos procuremos uma resposta criativa. Aqui podemos

    ver como orao e ao so realmente unidas, porque o que quer que faamoscomo comunidade somente pode ser um ato de verdadeira obedincia quando uma resposta quilo que ouvimos da voz de Deus em nosso meio.

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    Finalmente, temos de lembrar que comunidade, como solido, principalmente uma qualidade do corao. Embora seja verdade que nuncaconheceremos o que comunidade se no nos unirmos em um lugar,comunidade no significa necessariamente estar fisicamente juntos. Podemosmuito bem viver em comunidade mesmo estando fisicamente sozinhos. Em talsituao podemos agir livremente, falar honestamente, e sofrer pacientementepor causa do vnculo ntimo de amor que nos une com outros, mesmo quandotempo e espao nos separam deles. A comunidade de amor nao s se estendealm dos limites de pases e continentes mas tambm alm dos limites dedcadas e sculos. No somente a conscincia daqueles que esto longe mastambm a memria dos que viveram no passado podem levar-nos a umacomunidade que nos cura, sustenta e dirige. O espao para Deus nacomunidade transcende todos os limites de tempo e lugar.

    Desta forma a disciplina de comunidade libera-nos a ir aonde quer que oEsprito nos guie, mesmo a lugares onde preferiramos no ir. Isto a

    verdadeira experincia pentecostal. Quando o Esprito desceu sobre osdiscpulos que estavam trancados juntos com medo, eles foram libertos parasair do seu quarto fechado para o mundo. Enquanto estavam reunidos commedo ainda no se constituam uma comunidade. Mas quando receberam oEsprito, tornaram-se um corpo de pessoas livres que podiam permanecer emcomunho um com o outro mesmo quando estavam to longe um do outroquanto Roma est de Jerusalm. Desta forma, quando o Esprito de Deus eno o medo que nos une em comunidade, nenhuma distncia de tempo oulugar nos pode separar.

    CONCLUSOAtravs da disciplina de solido descobrimos espao para Deus no mais ntimode nosso ser. Atravs da disciplina de comunidade descobrimos um lugar paraDeus em nossa vida em conjunto. Ambas as disciplinas se complementam,exatamente porque o espao dentro de ns e o espao entre ns so o mesmoespao.

    neste espao divino que o Esprito de Deus ora em ns. Orao primeira eprincipalmente a presena ativa do Esprito Santo em nossa vida pessoal, ecomunitria. Atravs das disciplinas de solido e comunidade tentamosremover - lentamente, mas persistentemente - os muitos obstculos que nosimpedem de ouvir a voz de Deus dentro de ns. Deus nos fala no somente devez em quando mas sempre. Dia e noite, durante o trabalho e durante o lazer,na alegria e na dor, o Esprito de Deus est ativamente presente em ns.Nossa tarefa permitir que esta presena se torne real para ns em tudo quefazemos, dizemos ou pensamos. Solido e comunidade so as disciplinas pelasquais o espao se torna livre para percebermos a presena do Esprito de Deuse respondermos destemidamente e generosamente. Quando ouvirmos a voz deDeus em nossa solido tambm a ouviremos em nossa vida juntos. Quando

    ouvirmos a Deus em nossos companheiros humanos, tambm o ouviremosquando estivermos com ele sozinhos. Quer em solido quer em comunidade,quer sozinhos quer com outros, somos chamados para viver vidas obedientes

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    isto , vidas de orao incessante - "incessante" no por causa das muitasoraes que fazemos, mas por causa de nossa sensibilidade oraoincessante do Esprito de Deus dentro de ns e entre ns.