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EIXO PEDAGÓGICO

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I. Introdução

II. Ensino de ciências no Brasil

III. Mas o que é construtivismo?

IV. Epistemologia genética de Piaget

V. Aprendizagem signifi cativa – Ausubel

VI. Concepção histórico-cultural – Vigotski

VII. As críticas ao construtivismo

VIII. O Estudo das representações dos alunos

IX. Características do conhecimento dos alunos

X. Exemplos de representações de alunos

XI. Papel pedagógico das representações na aprendizagem de conceitos científi cos

XII. Conclusões

XIII. Referências

Construtivismo e ensino de ciências

Unidade 2

Autores: Maria Helena da Silva Carneiro

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56 Módulo III — Processos de manutenção da vida

Este texto é resultado de nossas refl exões pessoais, elaboradas a partir de estudos e pesquisas na área de Didática das Ciências, e, principalmente, a partir da nossa ex-periência como professora dos diferentes níveis de escolaridade (Educação Infantil

a Universidade).A partir da leitura do texto, infelizmente ainda superfi cial devido as exigências do

texto (25 laudas), você terá oportunidade de refl etir sobre questões relativas ao processo de ensino e de aprendizagem do conhecimento científi co e tecnológico. Esperamos que ao desenvolver as atividades propostas ao longo do texto você possa desenvolver o pen-samento crítico a respeito do tema Construtivismo para que mais tarde possa fazer a sua opção teórica.

Ressalto que as minhas refl exões sobre o tema são diferenciadas, uma vez que não considero que a Teoria do Desenvolvimento elaborada pelo autor russo L. S. Vigotski seja Construtivista. Lembre-se sempre, na área da Ciência da Educação não existem grandes consensos científi cos tal como ocorre na área de Biologia. Para explicar o processo de ensi-no e de aprendizagem, por exemplo, existe uma série de modelos teóricos! O importante é que você tenha claro os pressupostos teóricos de cada teoria !

#M3U2 I. Introdução

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Saiba mais

A LDB (Lei de Diretrizes e Bases) é a lei que estabelece regras e normas para a educação no Brasil. O texto completo está disponível no site do Ministério da educação: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf

Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 57

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Antes de começar a leitura do tema gostaríamos que você lesse atentamente o tre-cho do discurso de um político que defende a reforma de ensino.

O vício essencial dessa espécie de instrução, entre nós, está em ser, até hoje, quase que exclusivamente literária. Agrava esse mal o fato de que as escassas noções científi cas envolvidas na massa indigesta desse en-sino são subministradas sempre sobre a expressão mais abstrata, dida-ticamente, por métodos que não se dirigem senão a agravar passagei-ramente na memória proposições formuladas no compêndio, repetidas pelo mestre e destinadas apenas a habilitar os alunos a passarem nos exames, salvando as aparências, e obtendo a suspirada matrícula numa Faculdade [...] (p.440).

Você é capaz de adivinhar a data de publicação do discurso acima? Parece muito atual?Trata-se do discurso de Rui Barbosa proferido em 1882 em defesa da Reforma de

Ensino que estava sendo discutida naquela época. Como você pode concluir, o autor faz críticas ao ensino de ciências que poderiam ser aplicadas ao ensino atual. Mas isso não quer dizer que nesses 125 anos nós fi camos de braços cruzados. No Brasil, várias ten-tativas têm sido empreendidas na expectativa de melhorar a qualidade da educação e, naturalmente, o ensino de Ciências e Biologia, uma vez que o ensino dessas disciplinas não é feito de forma isolada, pois elas fazem parte de um contexto pedagógico que refl ete as concepções de homem, de ciências, de ensino e aprendizagem e de currículo de uma determinada época. Na década de 1990, por exemplo, após a promulgação da LDB em 1996, foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN –, uma das tentati-vas de implementar mudanças no sistema educacional brasileiro. Os PCN, por exemplo, ao contrário de outras propostas curriculares, evidenciam uma concepção de aprendiza-gem centrada na chamada perspectiva construtivista.

Nas 22 páginas dedicadas ao esclarecimento de seus “Princípios e Fun-damentos”, o substantivo “construção” ou o verbo “construir” ocor-reram 31 vezes. Nelas, se mesclam seus possíveis sentidos descritivos de natureza psicológica com certas noções pragmáticas ligadas à vei-culação de práticas e princípios pedagógicos. Se nós concentrarmos nas 11 páginas em que, após comentar criticamente tendências e carac-terísticas da educação brasileira, os Parâmetros passam a apresentar, de modo positivo, a visão teórica que alegadamente os fundamenta, encontraremos 25 referencias à noção de que a criança “constrói” seu conhecimento e suas representações (BRASIL, 1997, p.33-35). Nelas, também encontramos sínteses simplifi cadas de hipóteses psicológicas aliadas a pretensas “conseqüências” pedagógicas dessa visão de conhe-cimento” (CARVALHO, 2001 p.104).

#M3U2 II. Ensino de ciências no Brasil

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#M3U2

58 Módulo III — Processos de manutenção da vida

Contrutivismo e ensino de ciências

O movimento mundial em torno de novos projetos que visam à melhoria da quali-dade da educação científi ca – Alfabetização Científi ca; Ciências, Tecnologia e Sociedade, CTS; Mão na massa – é na verdade, uma resposta à crise atual do ensino das disciplinas científi cas nos diferentes níveis de escolaridade e contextos de ensino e aprendizagem. Trabalhos de pesquisa e de assessoramento aos professores, desenvolvidos nessas últimas décadas, têm demonstrado que, apesar dos esforços desprendidos, o ensino de ciências ainda é centrado na transmissão de resultados da ciência, sem contextualização histó-rica, desvinculado da realidade do aluno, o que transmite uma visão de ciências e do trabalho científi co que não corresponde à realidade.

Atividade complementar 1

Você deve estar se perguntando por que o ensino de ciências apresenta, ainda hoje, praticamente os mesmos problemas? Aproveite para discutir com seus colegas e faça uma avaliação do ensino de Biologia vivenciado por você no Ensino Médio.

Sabemos que a melhoria do ensino passa, entre outros processos, pela atualização de currículos do Ensino Fundamental e Médio; por uma defi nição de política mais efi caz de livros didáticos e pela revisão dos modelos de currículo dos cursos e programas de formação inicial e continuada de professores. Mas não podemos esquecer que estes são apenas alguns dos aspectos de um problema multifacetado. Não basta intervir em apenas uma das dimensões do problema. Além disso, o avanço científi co e tecnológico, a situação política e socioeconômica do país exige da escola mudanças constantes.

Atividade complementar 2

1) Como primeiro passo do nosso trabalho, descreva uma boa aula de Biologia ou Ciên-cias que você tenha vivenciado enquanto aluno(a) do Ensino Fundamental ou Médio.

2) Compare a descrição da sua aula com a de outros colegas.

3) Para você o que signifi ca os termos: ensinar e aprender. Existe unidade entre eles?

A frase “a criança constrói seu conhecimento” tornou-se uma máxima no meio edu-cacional. Mas o que signifi ca “construtivismo” ou “construir conhecimento”?

É difícil e comprometedor realizar uma síntese, com a brevidade que esta unidade requer, de uma discussão tão polêmica como as diferentes concepções construtivistas de ensino e aprendizagem.

A palavra construtivismo, quando utilizada na área de educação para designar trabalhos de pesquisas ou para descrever e/ou sugerir práticas educacionais, apresenta diferentes signifi cados. Esta variação deve-se às tentativas de transposição de conceitos e princípios de teorias psicológicas, de concepções fi losófi cas e sociológicas para o campo educacional. A teoria psicológica desenvolvida por Piaget e seus colaboradores é um bom exemplo disso.

Embora Piaget tenha escrito vários artigos demonstrando a sua preocupação com a educação, ele não sistematizou a sua teoria para ser aplicada diretamente na sala de aula, dando margem a várias interpretações e sugestões de aplicações.

#M3U2 III. Mas o que é construtivismo?

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Curiosidade

As primeiras obras que tentaram aplicar as idéias de Piaget na sala de aula foram as de Aebli, por volta de 1950 ao publicar o seu livro Didáticas Psicológicas e, mais tarde, em 1970, Hans G. Furth com o livro Piaget na sala de aula. Desde então encontramos uma variedade de interpretações e propostas de aplicação.

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Não queremos dizer com isso que não se possa buscar respaldo teórico em outras áreas do conhecimento para compreender o processo de aprendizagem. O próprio Piaget não descartava a possível relação entre Psicologia e Pedagogia. Em uma palestra profe-rida na XII Conferência Internacional da Instrução Pública em 1949, em Genebra, o autor explicitou as observações psicológicas sobre o ensino de Ciências, citando como exemplo as várias tentativas de aplicação de sua teoria na defi nição de currículos (em diferentes países). Além disso, destacou a importância do ensino das disciplinas científi cas e reto-mou os resultados de seus estudos desenvolvidos no campo da Psicologia para funda-mentar a sua posição:

Por mais sumário e esquemático que seja, esse quadro psicológico exi-ge, para concluir, uma breve confrontação entre os fatos revelados pela análise do desenvolvimento mental espontâneo e os programas e mé-todos do ensino de ciências naturais, tal como aprecem nas respostas à pesquisa da Agencia Internacional de Educação. É extremamente alentador constatar a profunda concordância entre os dados psicoló-gicos e os resultados mais avançados da experiência pedagógica. Tal convergência está longe de ser comum a todos os ramos do ensino, mas parece real no terreno que estamos considerando. Podemos, portanto, esperar um aperfeiçoamento cada vez maior dos métodos de ensino, quando os pormenores do mecanismo formador das operações inte-lectuais e das noções forem mais conhecidos pelo corpo docente, cujo esforço e habilidade prática já dão provas de uma real adaptação ao espírito da criança (PIAGET, p. 178, 1949)(grifo nosso).

Nas décadas de 1960 e 1970, após a Conferência de Woods Hole, na qual foram debatidas amplamente as idéias de Piaget, houve uma grande difusão de sua obra prin-cipalmente nos Estados Unidos e Brasil. Considerando o fato de a psicologia genética ter evidenciado que o desenvolvimento cognitivo da criança ocorre a partir da construção de estruturas cada vez mais equilibradas, muitos pedagogos tentaram ajustar os objetivos curriculares a esse princípio psicológico, na expectativa de promoverem o desenvolvi-mento da criança.

Segundo Matthews (2000):

[...] Existem três principais tradições de construtivismo: O construtivis-mo educacional, o construtivismo fi losófi co e o construtivismo socio-lógico. O construtivismo educacional, por sua vez, divide-se em cons-trutivismo pessoal e construtivismo sócio-cultural. O construtivismo pessoal tem suas origens em Piaget, e atualmente é mais claramente professado por Ernst von Glasersfeld. O construtivismo social tem suas origens em Lev Vigotski e tem sido proclamado por pesquisadores como Rosalind Driver, no ensino de ciências, e Paul Ernest, no ensino de matemática. O construtivismo fi losófi co tem suas origens imediatas no trabalho de Thomas Khun, e é mais substancialmente representado por Bas van Fraasen, um recente presidente da Associação de Filoso-fi a da Ciência dos EUA. Este construtivismo fi losófi co tem suas raízes na fi losofi a da ciência de Berkeley e, muito anteriormente, na fi losofi a instrumentalista da Grécia Antiga. Tal tradição tem sido contestada pe-los realistas na fi losofi a da ciência desde Aristóteles (Cf.MATTHEWS, 1994, Cap.8). O construtivismo sociológico é identifi cado como o “Programa Forte” de Edimburgo e da pesquisa sobre Sociologia do Conhecimento Cien-

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#M3U2

60 Módulo III — Processos de manutenção da vida

Contrutivismo e ensino de ciências

tífi co (SSK) lá realizada. Nessa tradição, o desenvolvimento da ciência e as mudanças em suas teorias e compromissos fi losófi cos são interpre-tados em termos das mudanças das condições e interesses sociais. O poder explanatório do conteúdo cognitivo e do raciocínio lógico é des-prezado – o fato de que uma proposição é verdadeira, ou determinado raciocínio é válido, não é tomado como uma explicação da crença na proposição ou aceitação do argumento. Nesta tradição, não são feitas muitas referências aos processos psicológicos: a mente individual é tra-tada como uma “caixa preta” e os sociólogos encontram-se principal-mente no input ou no contexto sociológico e no output teórico ou nas declarações de crenças. Ou seja, os adeptos do Programa de Edimburgo não pensam que o fato de algo ser verdadeiro e razoável constitua uma explicação do porquê se acredita nisso. Eles acreditam no Princípio da Simetria: a explicação para falsas crenças e para crenças verdadeiras deve ter a mesma feição. (p.275).

Mesmo dentro da corrente chamada construtivismo educacional é possível encon-trar uma variedade de interpretações. Good, Wandersee e St Julian, (1993) fi zeram uma revisão da literatura e identifi caram nada menos que dezessete variantes do construtivis-mo incluindo dialética, contextual, empírica, epistemológica, pragmática, radical, realista e sócio-histórica. A esta lista Matthews (2000) acrescentou mais algumas: construtivismo humanista (CHEUNG; TAYLOR, 1991), construtivismo didático (BRINK, 1991), cons-trutivismo sociocultural (O’LAUGHLIN, 1992), construtivismo sociopragmático (GARRI-SON, 1998), construtivismo sociotransformativo (RODRIQUEZ, 1998), e construtivismo crítico (WATTS; JOFILI; BEZERRA 1997).

Como destaca Matthews (2000), “o construtivismo educacional” pessoal” tem suas origens na teoria de conhecimento e desenvolvimento cognitivo elaborada por Piaget. Trata-se, portanto, de uma teoria epistemológica e psicológica e não de uma teoria peda-gógica. Além desse último autor, acrescentam-se, ainda, autores como Ausubel,Gardner, Bruner e Vigotski que, pelo menos no caso brasileiro, também são associados ao constru-tivismo educacional,embora a inclusão desse último autor – Vigotski - na corrente cons-trutivista educacional não seja aceita por muitos teóricos da área de educação.

A seguir apresentaremos alguns conceitos importantes de apenas três autores: Pia-get, Ausubel e Vigotski. É importante que você tenha sempre em mente que as obras dos referidos autores são vastas e em um texto tão simples como este só é possível destacar-mos alguns aspectos de cada uma das teorias.

Atividade complementar 3

Consulte as referências desta unidade e pesquise em outras fontes para enriquecer o seu conhecimento sobre o construtivismo!

Partindo do pressuposto de que o conhecimento não se encontra nem no sujeito, nem

no objeto, mas sim na ação que este sujeito exerce sobre o objeto, Piaget tenta explicar ao lon-go de sua obra, como o indivíduo elabora o conhecimento desde a infância até a fase adulta.

#M3U2 IV. Epistemologia genética de Piaget

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[...]o conhecimento não é cópia do real, é uma elaboração subjetiva que desemboca na aquisição de representações organizadas do real e na formação de instrumentos formais do conhecimento (SACRISTÁN; GÓMEZ, p.35, 1998).

Piaget preconiza que o desenvolvimento cognitivo é um processo contínuo que tem início com o nascimento da criança e passa por quatro amplos períodos: período sensó-rio-motor (de 0 a 2 anos), período pré-operacional (de 2 a 7 anos), período das operações concretas (de 7 a 11 anos) e o período das operações formais (11 a 15 anos). Vale ressaltar que essas etapas são sucessivas, ou seja, existe uma relação de dependência entre elas. Considerando essa perspectiva, o sujeito constrói o conhecimento segundo dois proces-sos: assimilação e acomodação.

Assimilação é o processo pelo qual o sujeito interpreta a informação que provém do meio no qual esta inserido. Para tanto, faz uso dos esquemas ou estruturas conceituais disponíveis na sua estrutura cognitiva. Os esquemas de assimilação representam, portan-to, uma forma de ação do sujeito frente à realidade. Acomodação é toda e qualquer modi-fi cação de um esquema assimilador ou de uma estrutura. Assim, a acomodação pressupõe não somente modifi cação, mas também uma nova assimilação, ou seja, a reinterpretação dos dados em função dos novos esquemas construídos. Em outras palavras, não há aco-modação sem assimilação, uma vez que a acomodação é a reestruturação da assimilação. O equilíbrio entre acomodação e assimilação é a adaptação à situação.

Mas qual a relação entre desenvolvimento e aprendizagem? Para a teoria piagetia-na, o desenvolvimento cognitivo determina a aprendizagem.

A questão biológica central em relação à aprendizagem é a de saber se ela constitui a fonte ou o resultado do desenvolvimento. Certamente seria a fonte, se o desenvolvimento consistisse somente de uma acumu-lação de aquisição de origem externa, como acreditam os empiristas. Ao contrário, se o desenvolvimento consistir de uma construção contínua de estruturas operatórias por meio da interação das atividades do sujeito com os dados externos, então a assimilação desses dados determinaria e dirigiria a aprendizagem que depende dos estágios de desenvolvimen-to. Consequentemente, segundo o nosso ponto de vista, “é o desenvolvi-mento que dirige a aprendizagem e não vice-versa” (INHELDER, 1971, p.152-53, Apud WADSWORTH, 1984).

Para desenvolver a sua teoria, Piaget (1947) investigou o desenvolvimento das mais variadas noções matemáticas e científi cas: número, relações, substâncias, peso, noção de vida, a origem dos astros. Muitos desses estudos foram publicados no livro intitulado La représentation du monde chez l’enfant.

Sacristán e Gómez (1998), levando em conta as idéias de Piaget, nos apresentam algumas conclusões para facilitar e orientar a regulação didática dos processos de ensino e aprendizagem:

1 – O caráter construtivo e dialético de todo o processo de desenvolvimento indi-vidual. O conhecimento e o comportamento são os resultados de processos de construção subjetiva nas trocas cotidianas com o meio circundante. A criança e o adulto constro-em seus esquemas de pensamento e ação sobre os esquemas anteriormente elaborados e como conseqüência de suas interações com o mundo exterior. Dessa forma, os processos educativos, preocupados em estimular e orientar o desenvolvimento, podem ser concebi-dos como processos de comunicação que estimulam os intercâmbios do indivíduo com o meio físico e psicossocial que o rodeia.

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2 - A enorme signifi cação que tem para o desenvolvimento das capacidades cog-nitivas superiores a atividade do aluno/a, desde as atividades sensório-motoras de discri-minação e manipulação de objetos, até as complexas operações formais. Estas atividades – que constituirão o objeto da prática na escola infantil – são as responsáveis, em grande medida, pelo desenvolvimento satisfatório dos instrumentos formais do conhecimento.

3 – O espaço central que ocupa a linguagem como instrumento insubstituível das operações intelectuais mais complexas. Os níveis superiores do pensamento exigem um instrumento de expressão, um veículo de transporte que permite a variabilidade e a re-versibilidade operacional. A falta de um desenvolvimento satisfatório deste instrumento é um handicap permanente para o exercício do pensamento formal.

4 – A importância do confl ito cognitivo para provocar o desenvolvimento do alu-no. A criança progride questionando suas construções e esquemas cognitivos anteriores com os quais entendia a realidade. Sua interpretação necessariamente limitada e restrita da realidade cria esquemas de pensamento necessariamente defi cientes, pois são parciais e limitados. O progresso requer o confl ito cognitivo, a percepção da discrepância entre seus esquemas e a realidade ou as representações subjetivas da realidade elaboradas pelos demais [...].

5 – A signifi cação da cooperação para o desenvolvimento das estruturas cognitivas. A troca de opiniões, a comunicação de diferentes pontos de vista é a condição necessária para superar o egocentrismo do conhecimento infantil e permitir a descentração que exige a conquista da “objetividade”.

6 – A distinção e a vinculação entre desenvolvimento e aprendizagem. Nem toda aprendizagem provoca desenvolvimento. É necessário levar em conta a interação das aquisições, o aperfeiçoamento e a transformação progressiva das estruturas e esquemas cognitivos. [...] A aprendizagem refere-se a conhecimentos particulares, enquanto que o pensamento e a inteligência são instrumentos gerais de conhecimento, interpretação e intervenção.

7 – A estreita vinculação das dimensões estrutural e afetiva da conduta. Como afirma Piaget:

não existe estrutura alguma (cognição) sem um elemento ativador (mo-tivação) e vice-versa. A motivação está sempre conectada com um nível estrutural (cognoscitivo) determinado ( PIAGET, 1970, p. 36-37).

É importante ressaltar que os pressupostos psicológicos difundidos nos anos 60 e 70, antes da popularização do construtivismo defendia que o homem enquanto organis-mo vivo, reagia a estímulos vindos do mundo exterior – Escola Behaviorista Skinneriana. Como você pode concluir a tese central de Piaget é contrária a esta última. Para ele nem o indivíduo nem o objeto têm primazia no conhecimento, mas sim a ação que o homem exerce sobre o objeto de conhecimento.

Nos anos 60, surge a teoria da aprendizagem signifi cativa, amplamente divulgada no Brasil e também associada à concepção construtivista de ensino. Esta teoria, inicialmen-te elaborada por Ausubel (1960) e, mais tarde, desenvolvida pelos autores Ausubel, Novak e Hanesian (1980) foi elaborada para explicar o processo de aprendizagem escolar.

62 Módulo III — Processos de manutenção da vida

Contrutivismo e ensino de ciências

#M3U2 V. Aprendizagem signifi cativa – Ausubel

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Para Ausubel, a aprendizagem signifi cativa é a incorporação de uma nova informa-ção, de maneira substantiva (não literal) e não arbitrária, ao conhecimento já exis-tente na estrutura cognitiva do aluno. A esse conhecimento prévio o autor chama de conceito subsunçor. Para que ocorra a aprendizagem signifi cativa faz-se necessá-rio: que o material a ser aprendido seja potencialmente signifi cativo; que o aluno já disponha na sua estrutura cognitiva de conceitos relevantes para ancorar as novas idéias e que interiorize o novo conhecimento de modo não arbitrário.

Mas, você, deve estar se perguntado: e se o aluno não possui os conceitos relevantes para que possa efetivar a ancoragem de novos conhecimentos?

Neste caso, podemos dizer que na perspectiva ausubeliana não ocorreu aprendi-zagem signifi cativa. É importante destacar que ao contrário de outras teorias, a aprendi-zagem mecânica desempenha um papel importante durante o processo de aprendizagem signifi cativa. Para os autores, a aprendizagem mecânica ocorre quando a nova informação é armazenada arbitrariamente e estabelece poucas, ou nenhuma relação com outros con-ceitos já existentes. À medida que a aprendizagem vai se processando, os elementos arma-zenados isoladamente vão fi cando cada vez mais estruturados, podendo servir de âncora para novas informações. Nessa perspectiva, não existe uma fronteira entre aprendizagem mecânica e aprendizagem signifi cativa. Na verdade, trata-se de um continuum.

O autor preconiza que a estrutura cognitiva do indivíduo evidencia uma organi-zação lógica e hierárquica, partindo sempre de conceitos mais gerais para os conceitos mais específi cos. Nesse sentido, estrutura cognitiva signifi ca um sistema hierárquico de conceitos que são abstrações resultantes da experiência do sujeito.

Para Ausubel (1978), o conhecimento prévio do aluno desempenha um papel im-portante no processo de aprendizagem de conceitos e princípios científi cos:

Se eu tivesse que reduzir toda Psicologia Educacional a um único prin-cípio, eu diria isto: o fator isolado mais importante que infl uencia a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já conhece. Descubra o que ele sabe e baseie nisso os seus ensinamentos” (AUSUBEL,1978,p.1).

A segunda forma de construtivismo educacional é a versão social que, segundo Matthews (2000), encontra a sua fundamentação na teoria de desenvolvimento de Vigotski (2000). É importante ressaltar que não existe consenso quanto à inserção de Vigotski nessa corrente de pensamento, uma vez que, entre outros aspectos, os pressupostos epistemológicos são diferentes dos pressupostos de Piaget.

Rossler (2005), após pesquisa realizada, conclui que a presença da visão construtivista, é ainda hoje, mais viva do que nunca no meio educacional e formula algumas hipóteses para explicar a inserção de outros autores, e, particularmente, de Vigotski nessa corrente de pensamento construtivista já que este último parte de pressupostos epistemológicos tão diferentes das demais teorias que fundamentam o modelo teórico construtivista.

Qualquer aparente perda de prestígio para outras teorias seria apenas a expressão de um movimento mais amplo e organização e reestruturação

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#M3U2 VI. Concepção histórico-cultural – Vigotski

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do respectivo ideário (construtivista), que vem a cada dia incorporando (ou sendo incorporado por) outros discursos teóricos aparentemente concorrentes, mas que guardam entre si profundas fi liações e interfaces. E mesmo teorias radicalmente opostas, por divergências que já partem desde o âmbito dos fundamentos fi losófi cos, foram e vêm sendo incorporadas ao ideário interacionista-construtivista, como é o caso do pensamento do psicólogo russo L. Vigotski, pois foi muito mais interessante e conveniente tê-lo como aliado teórico, ressaltando as supostas e aparentes aproximações entre ambas teorias, do que enfrentar as profundas diferenças e discordâncias (ROSSLER, 2005, p.8) .

O princípio orientador da abordagem de Vigotski é a dimensão histórica e cultural do psiquismo.

Para esse autor, a criança nasce em um mundo construído pelo homem e desde o início do seu desenvolvimento está em constante interação com adultos, objetos, modos de vida e valores criados por gerações anteriores. Assim, à medida que a criança se desenvolve, vai internalizando os modos de pensar e agir do grupo social no qual está inserida.

Segundo Vigotski, 2000 a relação entre a criança e o seu meio não se caracteriza como uma atividade direta. Trata-se de uma atividade que é sempre mediada por produtos culturais humanos, tais como os instrumentos e os signos (tudo que é usado pela espécie humana para representar, evocar: palavras, desenhos e símbolos) construídos pelo próprio homem ao longo de sua história. Em outras palavras, é na relação com o outro que a criança vai se apropriando das signifi cações socialmente construídas. Para o autor, esses instrumentos mediadores transformam a realidade. Sua função não é adaptar-se passivamente às condições ambientais, mas modifi cá-las.

Embora a base epistemológica de Vigotski seja diferente da base epistemológica de Piaget, alguns autores contemporâneos da área de ensino de Ciências insistem na idéia de que esse primeiro autor é construtivista. No entanto, em termos de teoria de desenvolvimento humano, existem diferenças fundamentais entre os dois autores.

Em oposição a Piaget, Vigotski, (2000) ressalta que as etapas do desenvolvimento estabelecidas por Piaget são muito mais uma descrição do que uma explicação do processo de desenvolvimento. Para ele, não interessa saber se a criança passou pelas diferentes etapas do desenvolvimento, mas sim como cada indivíduo atravessou tais etapas e quais atividades conseguiu realizar.

Nessa perspectiva, o desenvolvimento segue a aprendizagem, pois é esta última quem cria a área de desenvolvimento potencial:

A aprendizagem cria uma área de desenvolvimento potencial, estimula e ativa processos internos no marco das inter-relações, que se transformam em aquisições internas (VIGOTSKI , 1973, p.57).

Outra diferença entre os dois autores está relacionada à atividade do sujeito sobre o meio. A perspectiva piagetiana admite uma ação direta do sujeito sobre o meio, enquanto que para Vigotski (2000) esta ação é sempre mediada por instrumentos e signos.

O fato de o construtivismo considerar os aspectos sociais durante o processo de aprendizagem não o aproxima da perspectiva histórico-cultural. Matthews, reforça esta posição quando destaca que:

Saiba mais

A Epistemologia é uma refl exão geral em torno da natureza, etapas e limites do conhecimento humano, especialmente. nas relações que se estabelecem entre o sujeito e o objeto.

64 Módulo III — Processos de manutenção da vida

Contrutivismo e ensino de ciências

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Curiosidade

O trecho em negritotrata-se de um estudo realizado por Carneiro, em 1997, que tinha como objetivo identifi car as representações elaboradas por professores de ciências sobre o ensinar e aprender e analisar as suas implicações para o ensino. O nome do professor é fi ctício.

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Os problemas de identidade são ainda mais exacerbados quando outros autores identifi cam o construtivismo como todas as visões que reconhecem as dimensões social, histórica e cultural da cognição. Desde pelo menos a época de Hegel e Marx, muitos reconheceram que a proposição “nós pensarmos” determina e defi ne os limites sobre “o que eu penso”. Paulo Freire é um dos muitos autores que defendem esta visão (MATTHEWS, 1980, p.88-97).

É acertado que os construtivistas enfatizem esta idéia, porém frequentemente eles permanecem cegos para sua maior implicação: o indivíduo não se defronta com o mundo, e o vivencia, como o arquétipo de Robinson Crusoé. Ele precisa absorver, aprender e ser formado por seu meio social e lingüístico. A linguagem, especialmente a linguagem científi ca e a matemática, precisa ser dominada e, no fi nal do processo, transmitida.

Paradoxalmente, os construtivistas sociais querem abraçar a dimensão “histórico-cultural” da cognição, ao mesmo tempo em que se apegam à tese “de que o conhecimento não pode ser transmitido”. Mas, se normas e conceitos culturais não podem ser transmitidos, como eles se tornam parte da constituição cognitiva do indivíduo?” (p. 276)

Atividade complementar 4

1) Agora que você já sabe os princípios gerais das duas teorias do desenvolvimento – de Piaget e Vigotski – e a teoria da aprendizagem de Ausubel, aprofunde a sua leitura (ver bibliografi a complementar) e faça um quadro comparativo das idéias dos três autores.

2) Compare e discuta com seus colegas o seu quadro comparativo.

“O conhecimento não é passivamente assimilado, mas ativamente construído pelo indivíduo desde que o professor crie as condições necessárias para que isso ocorra”.(Prof. Heleno)

Esta afi rmação tornou-se uma máxima construtivista defendida no meio educacional, e, particularmente, por um professor de Ciências da sétima série do Ensino Fundamental: Prof. Heleno.

Professor Heleno, defensor dos pressupostos construtivistas, preparou uma série de atividades pedagógicas com o objetivo de promover a construção do conceito de célula. Inicialmente, fez o levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos. Veja alguns exemplos de conceitos elaborados pelos alunos:

“célula é a menor parte do corpo humano” (Paulo, 13 anos);

“ [...] é como se fosse o átomo do corpo” (Carlos, 14anos).

#M3U2 VII. As críticas ao construtivismo

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#M3U2

Em um segundo momento, Prof. Heleno ministrou as aulas em um laboratório. Para tanto, preparou, juntamente com os alunos, várias lâminas para serem observadas com o auxílio do microscópio (células da mucosa bucal, células da cebola, células de vários tipos de folhas). Considerando que era o primeiro dia de aula no laboratório, o professor teve o cuidado de explicar detalhadamente o funcionamento de um microscópio e o processo de produção das lâminas. Além das lâminas preparadas pelos próprios alunos, o professor mostrou outros tipos de células: muscular e sangüíneas (lâminas fi xas).

Os alunos fi caram muito empolgados e curiosos durante o desenvolvimento das atividades de preparação e observação das lâminas. Desenharam o que observaram e discutiram com os colegas, sempre sob a orientação do professor. Finalmente, Heleno pediu aos alunos que escrevessem um pequeno texto sobre célula. Veja alguns fragmentos dos textos produzidos pelos alunos:

“As células são pedaços muito pequenos do corpo humano que só podem ser vistas no microscópio [..]. Primeiro corta a folha em pedaços bem pequenos [...].” (Paulo, 13 anos)

“[...] o corpo das pessoas é formado por átomos e células muito pequenas. [...] Precisamos de um aparelho chamado microscópio para ver célula.” (Carlos, 14 anos)

Você acha que o conceito de célula foi construído pelos alunos? Como você pode concluir, o conceito elaborado pelos alunos foi quase o mesmo apresentado inicialmente. Aparentemente eles apreenderam o processo de produção de uma lâmina e o papel do microscópio na observação da célula, mas isso não é um atributo do conceito de célula. Nesse caso podemos afi rmar que o objetivo do professor foi alcançado?

Ao contrário do que afi rmava o prof. Heleno, o aluno não constrói o conhecimento, mesmo que sejam criadas as condições ditas necessárias. Os alunos se apropriam dos signifi cados elaborados pela ciência. Os conceitos científi cos são produções históricas e sociais, foram sistematizados e não descobertos. Não podemos esquecer que o conceito de célula, por exemplo, só foi sistematizado em meados do século XIX, muitos anos depois das primeiras observações feitas por Hooke.

Portanto, não basta observar uma célula para garantir a formação do conceito. É importante ressaltar que o conhecimento incorporado pelos alunos, o papel do microscópio na observação da célula, foi claramente exposto pelo professor.

A expressão “a criança constrói o seu próprio conhecimento” tornou-se uma máxima defendida e proclamada no meio educacional brasileiro, ou melhor, tornou-se a síntese da teoria de Piaget. No entanto, nem o termo, nem a referida expressão (ou máxima popular) são recorrentes na obra de Piaget (CARVALHO, 2001, p.104). Segundo Carvalho, uma das poucas vezes que Piaget faz uso da “imagem da construção” como metáfora elucidativa de sua teoria é no livro Biologia e Conhecimento:

Se procurarmos o segredo da organização racional na organização vital, inclusive em suas superações, o método consiste então em procurar compreender o conhecimento por sua própria construção, o que nada tem de absurdo, pois o conhecimento é essencialmente uma construção (PIAGET, 1973 , p.409; apud CARVALHO, 2001, p.104).

Ao afi rmar que o conhecimento é uma construção individual resultante da interação do indivíduo com o meio no qual está inserido, a concepção construtivista de conhecimento desconsidera que o conhecimento científi co é um empreendimento social referenciado pela comunidade científi ca das diferentes áreas.

66 Módulo III — Processos de manutenção da vida

Contrutivismo e ensino de ciências

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Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 67

Pedagógico

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BSC

B

Retomando o exemplo do Prof. Heleno, podemos dizer que um aluno aprendeu o conceito de célula quando assimilou todos os atributos do referido conceito. Em outras palavras, quando o aluno sabe operar com os simbolismos da linguagem específi ca elaborada pela comunidade científi ca (especialistas em citologia).

Portanto, faz-se necessário, que o aluno apreenda os signifi cados historicamente construídos. Ou seja, o conceito de célula é algo que precisa ser ensinado!

É importante destacar que

[...] a perspectiva piagetiana parece ignorar que as diversas formas de conhecimento pelas quais elaboramos quadros compreensivos da realidade não são construções de representações mentais individuais ou meros produtos da atividade psicológica do sujeito, mas produtos sociais que se consubstanciaram em teorias e conceitos formulados em linguagens públicas, relativamente independentes e autônomas em relação a um sujeito individual que delas faz uso (CARVALHO, 2001, p. 111).

Outra máxima muito divulgada no meio educacional é a que defi ne o papel do “professor como facilitador da aprendizagem”. Esse postulado limita o papel do professor ao de um “organizador” ou “planejador” de atividades. Não resta dúvida que planejar as atividades que serão desenvolvidas na sala de aula é uma das funções do professor, mas não podemos esquecer que o processo de ensinar

[...] é um acontecimento pedagógico estruturado, com objetivos claramente determinados, no qual ocorre uma sucessão de ações sob a direção do professor. É um processo dinâmico e impulsionado por fatores e condições específi cas já existentes ou criados pelo próprio professor. Assim, constituem papeis do professor criar, gerir, regular, reger e avaliar situações de ensino e aprendizagem, à luz dos resultados que planejou como esperado (TUNES; CARNEIRO, 2002, p.47).

Como você pode concluir, os fundamentos teóricos do chamado construtivismo educacional são diversifi cados e confusos, uma vez que partem de várias teorias que nem sempre são consensuais. Mas o que elas têm em comum é o reconhecimento e a valorização do conhecimento prévio do aluno. Embora Vigostski não seja construtivista, este autor também admite a existência do conhecimento prévio do aluno:

Tomemos como ponto de partida o fato de que a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar. A aprendizagem escolar nunca parte do zero. Toda aprendizagem da criança na escola tem uma pré-história. Por exemplo, a criança começa a estudar aritmética, mas já muito antes de ir à adquiriu determinada experiência referente à quantidade, encontrou já várias operações de divisão e adição, complexas e simples; portanto a criança teve uma pré-escola de aritmética, e o psicólogo que ignorasse esse fato estaria cego.Um exame atento demonstra que esta matemática pré-escolar é extremamente complexa, que a criança já passou por uma aprendizagem aritmética própria, muito antes de se entregar na escola à aprendizagem da aritmética. Mas a existência desta pré-história da aprendizagem escolar não implica uma direta continuidade entre as duas etapas do desenvolvimento aritmético (2000, p. 39-41).

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#M3U2

68 Módulo III — Processos de manutenção da vida

Contrutivismo e ensino de ciências

O conhecimento elaborado pela criança é o resultado da apreensão sensível, intuitiva, imediata e pessoal dos elementos do ambiente físico e cultural no qual o aluno está inserido. Esses conhecimentos buscam explicar o como e o porquê dos fenômenos da natureza, e por meio deles as crianças atribuem signifi cados para as palavras usadas em ciências muito antes do ensino formal dos conhecimentos científi cos.

Esta atividade traduz-se numa construção ativa de “teorias” simples, mas que fazem sentido e produzem explicações para os diversos fenômenos da natureza. É um tipo de conhecimento que possui uma estrutura lógica interna própria e desempenha um papel de estrutura receptora que infl uencia a observação e a interpretação dos elementos do meio e, naturalmente, na aquisição de novas informações.

No entanto, a preocupação e valorização do conhecimento do aluno não é um fato recente, nem exclusividade da concepção construtivista, Bachelard, epistemólogo francês, no início do século XX já chamava atenção para esse fato:

Acho surpreendente que os professores de ciências, mais do que os outros se possível fosse, não compreendam que alguém não compreenda. Poucos são os que se detiveram na psicologia do erro, da ignorância e da refl exão [...]. Os professores de ciências imaginam que o espírito começa como uma aula, que é sempre possível reconstituir uma cultura falha pela repetição da lição, que se pode fazer entender uma demonstração repetindo-a ponto por ponto. Não levam em conta que o adolescente entra na aula de física com conhecimentos empíricos já constituídos: não se trata, portanto, de adquirir uma cultura experimental, mas sim de mudar de cultura experimental, de derrubar os obstáculos já sedimentados pela vida cotidiana. ( BACHELARD, 1996 p.23 grifo do autor)

Em outras palavras, na chamada visão construtivista da aprendizagem, o aluno tem um papel ativo no processamento das experiências e das informações que são determinadas pelo seu quadro teórico existente. A realidade é percebida e construída de forma pessoal por cada observador.

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Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 69

Pedagógico

P

BSC

B

A partir da década de 1970 e, sobretudo nas décadas de 1980 e 1990, vários estudos foram realizados com o objetivo de identifi car as pré-concepções ou conhecimentos elaborados pelos alunos para explicar os fenômenos da natureza. Desde então numerosas investigações têm sido feitas para saber o que pensam os alunos. Esses estudos deram início ao chamado Movimento das Concepções Alternativas – MCA – (ou Alternative Conception Movement – ACM) na área de ensino de Ciências.

Segundo Giordan e De Vecchi (1996, p.87), as pesquisas nessa área seguiram duas grandes orientações:

[...] a primeira do tipo “fundamental”; nesse quadro, procura-se precisar quais as representações prévias dos alunos em relação a uma área de saber ensinada, ou ainda aborda-se a evolução dessas representações e a possível existência de obstáculos às aprendizagens.

A segunda orientação “é mais aplicada”, isto é, ela pretende ser diretamente aproveitável na sala de aula; procura relacionar, por exemplo, as representações e as tramas conceituais e mostrar como as concepções dos aprendentes podem ser realmente tomadas em consideração.

R. Driver (1986), uma das autoras que defende a concepção construtivista de ensino de ciências, nos apresenta algumas características dos conhecimentos prévios dos alunos:

Tratam-se de esquemas dotados de certa coerência interna. Em muitos casos, os argumentos dos alunos para explicar os fenômenos da natureza possuem uma lógica interna própria e são válidos em algumas situações.

Os estudantes utilizam linguagem do senso comum para expressar as suas idéias.

As idéias intuitivas similares são detectadas em estudantes de diferentes meios e idades. Considerando que vivemos em um meio com as mesmas características físicas é natural que os conhecimentos apresentem alguma semelhança e, incidentalmente com idéias que surgiram ao longo da história da construção de determinados conhecimentos.

Os esquemas conceituais alternativos são persistentes e não se modifi cam facilmente mediante o ensino tradicional.

Os esquemas conceituais dos alunos não são simples construções ad hoc.

Não se pode atribuir todas as difi culdades do estudante a seus esquemas conceituais alternativos.

#M3U2 VIII. O Estudo das representações dos alunos

#M3U2 IX. Características do conhecimento dos alunos

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#M3U2

Designações que sugerem a origem

das representações.

Designações que focalizam a anterioridade das

representações (no tempo e na precisão) relativamente aos

conceitos científicos.

Designação que sugere a generalidade do seu uso para dar

sentido a corpos relativamente amplo de conhecimentos.

Designações que enfatizam a natureza acidental, defeituosa, evitável, imatura ou errada de

tais representações. Referem-se também, à assimilação incorreta

de modelos formais.

Designações que sugerem diferenças qualitativas entre as

representações do aluno e os conceitos científicos.

Representação espontânea.Representação intuitiva. Representação social.Versão privada.Conhecimento privado.Conhecimento do senso comum.Modelo espontâneo.Raciocínio espontâneo.Idéias não tutoradas.

Representação inicial.Pré-concepção (preconception).

Visão prototípica.

Concepção errônea (misconception).Compreensão errada (misunderstanding).

Concepções alternativas.Estrutura alternativa (alternative frame Work).

70 Módulo III — Processos de manutenção da vida

Contrutivismo e ensino de ciências

Outras características:

Em algumas situações as crianças tendem a explicar os fenômenos da natureza centrando em si próprias ou em outra pessoa. Ex: “Uma bola rola por que passamos a nossa força para a bola”.

As explicações tendem a seguir uma seqüência causal e linear. Ex: “uma força produz movimento”.

O pensamento da criança é centrado em aspectos observáveis do fenômeno, o que torna a sua explicação limitada a determinadas situações. Ex: “a água desaparece quando evapora”.

Para fazer referência ao conhecimento elaborado pelo aluno, os pesquisadores que atuam na área de Didática das Ciências e Didática da Biologia utilizam diferentes terminologias, conforme o quadro abaixo:

Designações atribuídas às representações dos alunos face a problemas de ordem científi ca (SANTOS,1998)

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Designações que sugerem a organização e coordenação dos elementos cognitivos da repre-

sentação. As representações são consideradas construções

solidárias de uma estrutura.

Designação que sugere que todos somos uma

espécie de cientistas ao procurar o “como” e o

“porquê” das coisas.

Estrutura conceptual (conceptual frame work).Estrutura alternativa.Sistema de crenças.Mini-teoria.Esquema conceitual.Paradigma do aluno.

Representação inicial.Pré-concepção (preconception).

Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 71

Pedagógico

P

BSC

B

Como você pode constatar, existem vários termos e expressões para designar o conhecimento do aluno. A escolha do termo revela o valor atribuído a este tipo de conhecimento do aluno. Assim, quando se usa o termo concepções errôneas (ou misconceptions) já fi ca evidenciado um julgamento e parte-se do princípio de que o conhecimento do aluno é sempre falso, o que nem sempre corresponde à realidade. A palavra “representação”, apesar de polissêmica, admite que o conhecimento da criança é mais uma das interpretações possíveis além de revelar a possibilidade da presença dos aspectos culturais.

As pesquisas nessa área evidenciaram outra concepção de aluno. Não se trata mais de considerar o aluno como alguém que não sabe nada. Ele passa ser considerado um sujeito que chega à escola com um conhecimento já adquirido, construído a partir das relações que ele estabelece com seu meio sociocultural.

Ao fazer uma análise do signifi cado das palavras “criança”, “aluno”, “compreender” e “aprender” e de suas explicações para o ensino, Henriques destaca que

A criança, desde o seu nascimento, já possui o seu projeto intelectual: compreender o mundo que a cerca. Seus conhecimentos foram construídos pouco a pouco, em um acervo muito organizado. Chegando à escola, ela torna-se aluno e deve aprender. Após os cinco ou seis primeiros anos de sua vida durante os quais ele fez de maneira quase autônoma seu trabalho de explorador – as intervenções didáticas do adulto não são ainda muito sistematizadas – as crianças tornam-se alunos. O que signifi ca que ele se sujeita a pressões sabiamente orquestradas — Ciências da Educação obriga! — para empreender um novo projeto de construção de conhecimentos ditos escolares. O projeto da criança se desenvolve em torno de uma exigência interna: compreender. O projeto proposto, em grande parte, imposto ao aluno, se desenvolve em torno de uma exigência central: aprender (HENRIQUES, 1989, p.53).

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#M3U2

Hoje, podemos dizer que no contexto educativo, a existência das representações dos alunos a respeito de um tema é largamente aceita. O papel que as mesmas desempenham na formação de conceitos é igualmente reconhecido.

As noções de representação individual ou social dos alunos e sua utilização pedagógica tornaram-se familiar. A idéia essencial consiste em admitir que não basta centrar-se na clareza do discurso científi co enunciado pelo professor. O trabalho pedagógico não se resume mais à busca dos melhores meios para tornar o saber mais evidente e suscitar o interesse do aluno (RUMELHARD, 1985, p.38).

Além disso: as representações dos alunos devem ser consideradas não somente como um ponto de apoio para o processo de ensino e aprendizagem, mas também como um dos elementos do processo de interação entre professor e aluno, pois conhecer as representações dos alunos é o início do processo de compreensão da sua relação com o mundo (CARNEIRO, 1992, p.45).

Apresentarei a seguir um exemplo de um estudo sobre as concepções (e/ou representações) das crianças realizado por Carneiro (1992). Esta pesquisa tinha como objetivo identifi car as representações construídas por crianças brasileiras e francesas a respeito do processo de reprodução e desenvolvimento humano. Considerando a extensão do trabalho, apresentarei apenas as representações relativas ao papel biológico dos pais no processo de fecundação, ou seja, a primeira fase do trabalho.

Participaram desse estudo 240 crianças brasileiras e 240 crianças francesas das séries iniciais do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série). Para explicitar as representações das crianças, a autora lançou mão de vários procedimentos: após um período de observação participante das atividades de sala de aula desenvolvidas pelos professores, a pesquisadora solicitou aos alunos:

Fase I

que desenhassem uma mulher grávida de tal forma que o bebê fosse visível;

escrevessem um texto explicando como a mulher fi cou grávida;

partindo do princípio que a interpretação de desenhos infantis não é uma tarefa fácil, a pesquisadora iniciou a entrevista, com cada uma das crianças solicitando que explicassem os seus desenhos. É importante ressaltar que cada entrevista foi gravada e, posteriormente, transcrita (Figura 1).

72 Módulo III — Processos de manutenção da vida

Contrutivismo e ensino de ciências

#M3U2 X. Exemplos de representações de alunos

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Após análise dos desenhos, dos textos produzidos pelas crianças e do conteúdo das entrevistas, a autora identifi cou quatro padrões de respostas: representações “preformistas”, que admitem que o bebê esta pré-formado no espermatozóide do pai, ou no óvulo da mãe ou, simplesmente é feito por Deus e depois repassado para os pais. A esses três tipos de representações nós chamamos respectivamente de “animalculista”, “ovista” e criacionista. O quarto padrão de resposta é o “epigenista”, que aceita que existe a contribuição biológica dos pais, embora não usem a terminologia científi ca.

Para preservar a identidade das crianças, cada uma recebeu um código.

Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 73

Pedagógico

P

BSC

B

Séries

Brasil França

“Ele é feito de uma semente que o papai dá para a mamãe”. (A6-F-7)

“O homem coloca uma semente dentro da mulher“. (F18-F-8)

“O homem deve colocar um líquido dentro da mulher”. (G17-F-9)

“Ele tinha uma semente que cresceu em uma bolsa. [...] e o pai deu a semente para a mãe”.(O8-M-8)

“O homem solta um líquido dentro da mulher e faz o bebê”.(S2-M-9)

“Quando os pais fazem amor o espermatozóide se transforma em bebê”. (D3-F-9)

“Ele é feito através do sexo masculino que joga o espermatozóide no sexo da mulher”.(T20-F-11)

“Ele é feito com uma semente do papai”. (U7-F-7)

Figura 1: representações de crianças sobre sua origem.

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#M3U2

As crianças atribuem ao pai o papel principal. Neste caso, a mulher é apenas o “campo fértil” onde se desenvolve a semente doada pelo pai. É importante destacar que as crianças atribuem diferentes signifi cados a palavra semente – líquido ou espermatozóide. É como se o bebê já estivesse pré-formado no espermatozóide do pai e encontrasse no útero materno as condições necessárias para se desenvolver.

Representações “ovistas”

Ao analisar as explicações acima podemos concluir que para estas crianças a mãe é a única responsável pelo processo de fecundação. Quanto ao pai, este assume o que chamamos de função socioeconômica, pois é o responsável pelo “sustento da família”!

O padrão criacionista foi identifi cado no discurso de crianças que pertencem a famílias religiosas. Este tipo de representação não foi identifi cado em nenhuma criança francesa.

Representações epigenistas

Séries

Brasil França

“O pai dá uma semente e a mãe dá outra”. (113-M-7)

“O pai dá o espermatozóide e a mãe dá o ovário. Eles se juntam e formam o bebê”. (F2-M-8)

“Ele dá alguma coisa que entra na barriga da mãe. A mãe também dá outra coisa”. (C12-F-9)

“O homem dá o espermatozóide e a mulher da o óvulo”. (M1-M-10)

“[...] pelo seu pai e sua mãe. O pai tem uma semente e a mãe tem outra. Elas se juntam e formam o bebê”. (V18-M-8)

“O bebê nasce de uma semente que a mãe tem dentro do ventre”. (L16-M-10)

“O espermatozóide penetra no óvulo”. (Z6-M-11)

“[...] por uma pequena semente que o papai deu à mamãe. Ela se mistura com a semente da mamãe e faz o bebê”. (U8-M-8)

Séries

Brasil França

“O bebê nasce do intestino da mãe”. (I 17-M-7)

“Quando uma menina cresce tem uma semente que cresce também e vai formar o bebê”. (J8-M-8)

“Quando a mamãe come, o bebê começa a se formar”. (V12-M-9)

“O bebê nasce de uma semente que a mãe tem dentro do ventre”. (L16-M-10)

[...] “o ovo onde se encontra o bebê chama-se óvulo”. (Z15-M-10)

“O bebê é gerado dentro da barriga da mãe”. (H6-F-10)

“A mamãe tem um grão na sua barriga”.(N12-F-7)

74 Módulo III — Processos de manutenção da vida

Contrutivismo e ensino de ciências

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É importante destacar que este tipo de representação é mais freqüente em crianças que estão na quarta série do ensino fundamental, embora se faça presente em crianças de primeira e segunda série. Na verdade, este tipo de representação está relacionada ao tipo de relação que as crianças possuem com a família (se elas têm o hábito de ler ou mesmo manusear livros para crianças que discutem o assunto).

Atividade complementar 5

1) Escolha um conceito da área de Biologia e faça um estudo das representações dos alunos.

2) Convide um colega para repetir o estudo com outro grupo de alunos.

3) Compare os resultados obtidos e identifi que a(s) especifi cidade(s) cultural (ais) das representações dos diferentes grupos de alunos participantes do estudo.

O conhecimento prévio dos alunos interfere no processo de aprendizagem de novos conceitos científi cos? Parece ser consenso entre os autores que defendem a perspectiva construtivista que os conhecimentos dos alunos desempenham um papel importante durante o processo de ensino e aprendizagem de princípios e conceitos científi cos. A maioria dos teóricos e pesquisadores da área de ensino de Ciências e Biologia vê esses conhecimentos como elementos que os auxiliam a organizar e dar sentido às experiências dos estudantes. Esta convicção tem levado alguns autores a admitirem que os alunos “constroem” conceitos menos elaborados e, progressivamente, caminham na direção da formação de conceitos mais elaborados.

É a atividade do aluno que permite a organização ou reorganização de conhecimentos em esquemas específi cos. Defendem, portanto, o modelo de mudança conceitual baseado na suposição de que aprender implica uma mudança de conceitos. Nessa perspectiva, os autores rejeitam a idéia de que a aprendizagem ocorre por simples aquisição conceitual.

Segundo Santos (1998), existem vários modelos teóricos que explicam o processo de mudança conceitual. No entanto, nesse texto apresentaremos as idéias principais de apenas dois deles: captura conceitual e troca conceitual.

O modelo de captura conceitual focaliza a atenção nos aspectos das representações dos alunos que são considerados mais próximos do conceito científi co vigente, ou seja, do conceito científi co a aprender. Esta forma de considerar o conhecimento prévio dos alunos baseia-se no pressuposto de que há sempre algo nesse conhecimento que pode possibilitar a ancoragem de um novo conhecimento. Nessa perspectiva, os seguidores dessa linha de raciocínio acreditam que o novo conhecimento é construído no prolongamento do familiar por incorporação de novos elementos. Esse modelo pressupõe certo isomorfi smo

Saiba mais

É importante lembrarmos que um conceito é um pensamento abstrato designado por uma palavra. Ao aprendermos um conceito, distinguimos os atributos que o especifi cam e identifi camos as relações que se estabelecem entre eles. Nesse sentido, podemos dizer que a complexidade de um conceito está diretamente relacionada às relações estabelecidas entre seus atributos.

Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 75

Pedagógico

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B

#M3U2 XI. Papel pedagógico das representações na aprendizagem de conceitos científi cos

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#M3U2

entre o conhecimento novo e o conhecimento prévio e defende que a mudança conceitual não deve envolver o confl ito cognitivo.

O segundo modelo, chamado troca conceitual parte do princípio de que as representações dos alunos são irreconciliáveis com o conceito científi co que se pretende ensinar.

Preconizam, portanto, que é necessário, a priori, chamar à consciência tais concepções alternativas a fi m de promover a sua desorganização estrutural, que é necessário começar por criticar o próprio pensamento ( SANTOS, 1998, p.179).

Nessa perspectiva, ao contrário do modelo anterior, o conhecimento novo não é construído a partir do prolongamento do conhecimento prévio.

É a desorganização estrutural do conhecimento anterior que possibilita a nova orga-nização e, posteriormente, se reconcilia com as estruturas conceituais já existentes.

Vale ressaltar que os estudos realizados no campo das representações de conceitos demonstram que os conhecimentos prévios dos alunos podem coexistir com conceitos científi cos e que difi cilmente desaparecem. Para que o aluno aceite a mudança de conceitos faz-se necessário preencher certo número de condições que foram defi nidas pelo grupo formado por Posner, Strike e Gertzog, do Departamento de Educação da Universidade de Cornell (Estados Unidos) e por Hewson da Universidade de Witwartersrand (África do Sul), ( PSHG). Baseados nos pressupostos da Filosofi a das Ciências desenvolvidos por Kuhn (1970),Toulmin (1977) e Lakatos (1970), os autores destacam quatro condições para que ocorra a reconstrução racional por troca conceitual:

1 – Insatisfação relativamente às concepções existentes. A principal fonte de insatisfação são as anomalias. De fato, é razoável supor que antes que tenha lugar uma mudança radical das concepções, o sujeito necessita acumular puzzels não solucionados que o façam perder a confi ança nas suas concepções alternativas. Face a uma anomalia profunda, várias alternativas são possíveis: rejeitar a teoria subjacente à observação; considerar os dados experimentais irrelevantes; comparti mentalizar o conhecimento admitindo, por exemplo, que a ciência não tem nada a ver com o mundo real; tentar integrar a nova informação nas concepções existentes

2 – Inteligibilidade da nova concepção. Para ser inteligível, a nova concepção deve ser passível de representação coerente por parte do aluno. Tal inteligibilidade requer a compreensão dos termos e símbolos componentes da concepção, mas requer, sobretudo, a compreensão das relações entre eles.

3 – Plausibilidade da nova concepção. A plausibilidade tem a ver com a possibilidade que tem uma concepção de ser racionalmente incorporada pelo aluno sem pôr em causa a sua concepção do mundo. Dependendo, entre outras coisas, de crenças metafísicas (crenças, por exemplo, no espaço e tempo absolutos; na ordem, simetria e não aleatoriedade do Universo...), de crenças religiosas, de crenças sobre relações entre ciências e senso comum. A plausibilidade aumenta, se as novas concepções tiveram capacidade para solucionar problemas não solucionados pelas concepções existentes.

76 Módulo III — Processos de manutenção da vida

Contrutivismo e ensino de ciências

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4 – Fecundidade da nova concepção. A nova concepção apresentar-se-á como prometedora se puder resolver novos problemas, se permitir novas abordagens. Deve, pois, revelar-se útil para algum propósito. Se o sujeito estiver consciente da inteligibilidade e plausibilidade da nova concepção, mesmo que ela não resolva todas as anomalias da sua antecessora, deve dar esperanças de levar a novo insights a novas descobertas, à possibilidade de interpretar experiências com ela (SANTOS, 1998, p.179-180).

É o aluno que deve encontrar-se em situação de mudar de representações, o que signifi ca que não basta o professor fornecer os conhecimentos científi cos vigentes para garantir a mudança de representações. Faz-se necessário, portanto, criar situações pedagógicas que possibilitem a tomada de consciência, o confronto entre as diferentes concepções que se fazem presentes na sala de aula para que o aluno reconheça a necessidade de operar revisões.

Atividade complementar 6

Captura conceitual e troca conceitual são modelos criados para explicar o processo de aprendizagem de conceitos científi cos. Qual a sua posição em relação aos dois modelos? Justifi que sua resposta.

Para concluir o nosso texto podemos dizer que o termo construtivismo, tal como se usa na área educacional, é um nome genérico que se dá às múltiplas e variadas tentativas de aplicar, na sala de aula, as concepções desenvolvidas pela psicologia genética associadas a outros modelos teóricos na expectativa de promover melhorias no ensino de ciências. Como nos lembra Vinh Bang (1998), Piaget nunca propôs explicitamente uma aplicação de sua psicologia no domínio escolar. Para se fazer tal aplicação nós recorremos à interpretação de idéias e fatos para tornar a psicologia mais aplicada. Como se trata de uma interpretação, o risco de deformações é sempre possível. Na passagem da teoria para a prática, o erro e a distorção das interpretações não são excluídos.

Atividade complementar 7

1) Após a leitura do texto, analise a aula de Biologia descrita, inicialmente por você, e tente criar uma hipótese a respeito da concepção de ensino e aprendizagem do professor. 2) Após a leitura do texto, você percebe se houve mudança no seu modo de conceber o processo de ensino e aprendizagem de conhecimentos científi cos?

#M3U2 XII. Conclusões

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#M3U2

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