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45ª e 49ª PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DE NATAL Av. Mal. Floriano Peixoto, 550, Petrópolis, Natal/RN/RN, CEP.: 59012-500 51 com destaque para a destruição de edificações e de trecho da Rua Guanabara, produzindo a interrupção dos serviços e a ruptura da infraestrutura viária e de circulação; no segundo, pelas alterações no funcionamento dos serviços de infraestrutura de saneamento ambiental, principalmente, a oferta de águas e a coleta de esgotos e drenagem, cujas canalizações foram diretamente afetadas e/ou destruídas com os desmoronamentos. Nota-se que os danos não foram meramente locais. No que diz respeito à estrutura viária, por exemplo, o desastre afetou a dinâmica da cidade como um todo, uma vez que Av. Sílvio Pedrosa / Via costeira, que serve de acesso de chegada (aeroporto de São Gonçalo Natal e vice-versa), foi interrompida em pleno período de Copa do Mundo, trazendo problemas graves de circulação para moradores e visitantes da cidade que tiveram dificuldade em acessar a rede hoteleira da cidade e o Bairro de Ponta Negra. Quanto ao sistema viário, a interrupção dos fluxos de automóveis na Av. Guanabara, a segunda via mais importante do bairro, inclusive na hierarquia funcional do sistema viário do município, afetou não apenas o sistema de circulação interno, como também da própria cidade, na medida em que reduziu as possibilidades de escoamento dos fluxos entre as regiões, inclusive o de transporte coletivo, que ali se realizavam. Com relação à interrupção dos fluxos na Av. Silvio Pedrosa, em razão do grande acúmulo de areia gerado pela corrida de Areia nas encostas, a circulação dos bairros centrais da cidade no sentido leste-sul-leste ficou prejudicada, produzindo um colapso no tráfego durante várias semanas. Durante quase três semanas todo o fluxo oriundo a região sul pela Via Costeira no sentido centro ou norte, foi desviado para Rua João XXIII, provocando grandes congestionamentos durante todo dia e evidenciando a fragilidade do sistema viário que dependia da Av. Litorânea para garantir a fluidez do tráfego. Acrescente-se a isso o fato de que o evento aconteceu no período da realização da Copa 2014 e poucos dias após a inauguração do novo aeroporto da cidade, que tem na Via Costeira o principal eixo circulação entre este e o principal parque hoteleiro da cidade, localizado ao longo da própria Via e no bairro de Ponta Negra. Neste sentido, o impacto da interrupção do tráfego teve desdobramentos também com a Região Metropolitana de Natal e o Aeroporto Aluízio Alves (localizado em São Gonçalo do Amarante). (Fl. 97 do Relatório Técnico Ambiental – UFRN/FUNPEC, 2014.)

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com destaque para a destruição de edificações e de trecho da Rua Guanabara, produzindo a interrupção dos serviços e a ruptura da infraestrutura viária e de circulação; no segundo, pelas alterações no funcionamento dos serviços de infraestrutura de saneamento ambiental, principalmente, a oferta de águas e a coleta de esgotos e drenagem, cujas canalizações foram diretamente afetadas e/ou destruídas com os desmoronamentos.

Nota-se que os danos não foram meramente locais. No que

diz respeito à estrutura viária, por exemplo, o desastre afetou a dinâmica da

cidade como um todo, uma vez que Av. Sílvio Pedrosa / Via costeira, que serve

de acesso de chegada (aeroporto de São Gonçalo Natal e vice-versa), foi

interrompida em pleno período de Copa do Mundo, trazendo problemas graves

de circulação para moradores e visitantes da cidade que tiveram dificuldade em

acessar a rede hoteleira da cidade e o Bairro de Ponta Negra.

Quanto ao sistema viário, a interrupção dos fluxos de automóveis na Av. Guanabara, a segunda via mais importante do bairro, inclusive na hierarquia funcional do sistema viário do município, afetou não apenas o sistema de circulação interno, como também da própria cidade, na medida em que reduziu as possibilidades de escoamento dos fluxos entre as regiões, inclusive o de transporte coletivo, que ali se realizavam.

Com relação à interrupção dos fluxos na Av. Silvio Pedrosa, em razão do grande acúmulo de areia gerado pela corrida de Areia nas encostas, a circulação dos bairros centrais da cidade no sentido leste-sul-leste ficou prejudicada, produzindo um colapso no tráfego durante várias semanas. Durante quase três semanas todo o fluxo oriundo a região sul pela Via Costeira no sentido centro ou norte, foi desviado para Rua João XXIII, provocando grandes congestionamentos durante todo dia e evidenciando a fragilidade do sistema viário que dependia da Av. Litorânea para garantir a fluidez do tráfego. Acrescente-se a isso o fato de que o evento aconteceu no período da realização da Copa 2014 e poucos dias após a inauguração do novo aeroporto da cidade, que tem na Via Costeira o principal eixo circulação entre este e o principal parque hoteleiro da cidade, localizado ao longo da própria Via e no bairro de Ponta Negra. Neste sentido, o impacto da interrupção do tráfego teve desdobramentos também com a Região Metropolitana de Natal e o Aeroporto Aluízio Alves (localizado em São Gonçalo do Amarante). (Fl. 97 do Relatório Técnico Ambiental – UFRN/FUNPEC, 2014.)

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Figura 21: Infográfico. Fonte: Tribuna do Norte

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Figura 22: Carros soterrados devido ao deslizamento. Fonte: Tribuna do Norte, 13 de junho de 2015.

Figura 23: Carros soterrados devido ao deslizamento. (13 de junho de 2015) Fonte: Não identificado.

Figura 24: Carros soterrados devido ao deslizamento. Fonte: Tribuna do Norte, 13 de junho de 2015.

Figura 25: Escombros do deslizamento. Fonte: Blog de Daltro Emerenciano, 15 de junho de 2015.

Figura 26: População próximo à cratera. Fonte: Canindé Soares, 15 de junho de 2015.

Figura 27: Imagem aérea do deslizamento. Fonte: Blog Wllana Dantas, 16 de junho de 2015.

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Figura 28: Carros soterrados após novo deslizamento. Fonte: G1 - Golobo.com, 19 de junho de 2015

Figura 29: Carros soterrados após novo deslizamento. Fonte: Portal No ar, 23de junho de 2015

No quesito relativo à avaliação da área que foi atingida direta

e/ou indiretamente pelo desastre, os Professores da UFRN mencionaram vários

impactos de ordem ambiental, urbanístico e social.

Os cerca de 70.000 m3 de areia e detritos que escorregaram, juntamente com água pluvial e esgoto, se depositaram na Avenida Silvio Pedrosa e na Praia de Areia Preta, desde a via até a zona de arrebentação das ondas do mar, por uma extensão de aproximadamente 100 m, formando um leque (Figura 73). A espessura do depósito, superior a 2 m, foi maior próximo à Avenida, se espraiando pela via e pela praia (Figura 74). Os impactos ambientais sobre o meio físico associados à deposição de areia, detritos, águas pluviais e esgotos se estenderam pela praia e pelas águas costeiras próximas. A remoção de areia e detritos foi iniciada na terça-feira, dia 18 de junho. O material que não se perdeu por transporte marinho foi recolocado na área de origem, servido para o aterramento da Rua Guanabara e adjacências, conforme se observou ao longo dos dias posteriores ao desastre.

Os principais impactos ambientais sobre o meio físico identificados foram: alteração do relevo da praia, alteração do balanço de sedimentos entre praia e pré praia, alteração da paisagem e contaminação da praia local e da água do mar local e adjacente com microorganismos associados ao esgoto. Todos esses impactos ambientais foram considerados de caráter

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negativo, de ordem direta uma vez que são causa direta do evento, de magnitude grande no âmbito da área do desastre, de importância significativa em relação à sua interferência no meio, de duração de curta a longa. A duração do impacto, neste caso, depende das medidas mitigadoras a se adotar na tentativa da sua reversibilidade, que é possível pela remoção mecânica dos sedimentos e pela dispersão e diluição das águas contaminadas.

A abrangência dos impactos foi do local ao regional, visto que seus efeitos na área de pré-praia podem se estender pelas águas costeiras próximas, sobretudo no que diz respeito à contaminação das águas e das praias. Como a possibilidade de contaminação das praias pelo esgoto extravasado a partir do desastre é o impacto ambiental considerado mais grave, apresenta-se a seguir uma análise mais detalhada desse impacto. (Fl. 92 do Relatório Técnico Ambiental – UFRN/FUNPEC, 2014.)

Água de chuva e esgoto decorrentes da ruptura da galeria de águas pluviais e da tubulação coletora de esgotos atingiram a praia já nos primeiros escorregamentos ocorridos no dia 13 de junho (sexta-feira), alcançaram seu auge na madrugada do dia 15 e continuaram em descarga ao longo dos dias seguintes, cessando apenas com a instalação da tubulação provisória de coletora de esgotos. Além do cheiro desagradável de esgoto, causando incômodo aos moradores locais e aos transeuntes da praia e da Avenida Silvio Pedroza, o principal impacto foi a contaminação da água do mar, detectada a partir das análises físico-químicas realizadas pelo IDEMA. Segundo um informe técnico do órgão (DELGADO, 2014), a concentração maior de coliformes fecais na água do mar (16.000/100 ml) ocorreu no local de descarga dos esgotos na praia. Segundo a Resolução CONAMA n° 274/2000, que define os critérios de balneabilidade em águas brasileiras, concentrações de coliformes fecais (termotolerantes) superiores a 2.500/100 ml de água determinam impropriedade da água para banho. Como as correntes marinhas costeiras nesse setor do município de deslocam de sul para norte, há possibilidade de diluição dessas concentrações. De fato, a contagem de coliformes em local mais ao norte (Ponto NA-09 3) indicou concentração menor, porém ainda muito alta de coliformes fecais (9.200/100 ml). A elevada quantidade de coliformes observada na água do mar certamente está associada aos esgotos, uma vez que em ponto de coleta localizado a montante do local de descarga (Ponto NA-09 1) a quantidade de coliformes era bem menor (540 por 100 ml). Para detalhes ver imagem e quadro na página 7 de Delgado (2014). (Fl. 93 do Relatório Técnico Ambiental – UFRN/FUNPEC, 2014.)

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No registro da vistoria realizada pelo Ministério Público no

dia 25/06/2015 (fls. 72/75), consta o relato da dificuldade que os moradores das

áreas atingidas pelo desastre tiveram para sair de suas casas, em virtude da

falta de local seguro para guardar os seus pertences, já que residências ficaram

sem energia e foi noticiada a existência de saques em edificações sem a

presença dos proprietários.

À fl. 120/128 dos autos consta croqui apresentado pela

CAERN e relação contendo os imóveis que ficaram com o abastecimento de

água suspenso. No esclarecimento realizado pela empresa, à fl. 130, “no bairro

de Mãe Luiza, nas imediações do acidente, cerca de 70 imóveis / ligações foram

atingidos pelo deslizamento de terra ficando sem abastecimento de água,

temporariamente”.

Foi amplamente divulgada nos meios de comunicação local,

nacional e até internacional a poluição ocasionada em razão do desastre. Uma

das consequências foi a poluição do mar. A matéria jornalística de fl. 112, por

exemplo, mostra a situação dramática da poluição chegando com a menção de

que “o mar em frente à Areia Preta está recebendo 5 litros de esgoto por

segundo”.

O laudo pericial ainda destacou a existência do colapso no

tráfego da cidade por várias semanas em razão da interrupção dos fluxos na Av.

Silvio Pedrosa

Com a interrupção dos fluxos na Av. Silvio Pedrosa, em razão do grande acúmulo de areia gerado pela corrida de Areia nas encostas (Figuras 33 e 34), a circulação bairros centrais da cidade no sentido leste colapso no tráfego durante várias semanas. Durante quase três semanas todo o fluxo oriundo a região sul pela Via Costeira no sentido centro ou norte, foi desviado para Rua João XXIII, provocando grandes congestionamentos durante todo dia e evidenciando a fragilidade

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do sistema viário que dependia da Av. Litorânea para garantir a fluidez do tráfego.

Foi lembrado ainda que o acidente ocorreu no período de

realização da Copa do Mundo e que a cidade de Natal foi sede de jogos do

referido campeonato, o que ensejou uma comoção que extrapolou a cidade de

Natal e atingiu tanto, estados brasileiros e até outros países. Matérias

jornalísticas internacionais chegaram a ser realizadas no local.

Acrescente-se a isso o fato de que o evento aconteceu no período da realização da Copa 2014 e poucos dias após a inauguração do novo aeroporto da cidade, que tem na Via Costeira o principal eixo circulação entre este e o principal parque hoteleiro da cidade, localizado ao longo da própria Via e no bairro de Ponta Negra. (Fl. 44 do Relatório Técnico Ambiental – UFRN/FUNPEC, 2014.)

1.6. DANOS SOCIAIS E MORAIS OCASIONADOS

Como bem demonstrado, o desastre ensejou implicações

ambientais, urbanísticas e sociais. Sem falar dos danos materiais individuais e

coletivos, importa destacar que no caso em apreço a conduta dos demandados

foi caracterizada pela omissão, em especial, de considerar que a área atingida

pelo desastre foi classificada como área de risco, sujeita a deslizamentos.

Por outro lado, o desastre atingiu interesses jurídicos

fundamentais, não só de natureza patrimonial, como também de natureza

extrapatrimonial. Toda a comunidade de Mãe Luiza foi atingida diretamente e

toda a população de Natal também foi atingida. A repercussão social do evento

foi de grandes proporções. A omissão do Município e da CAERN com as

medidas de prevenção e cuidado com a comunidade de Mãe Luiza violou

frontalmente os interesses da coletividade difusamente considerada.

Embora o sentimento de dor, de repulsa e de indignação,

segundo entendimento atual do STJ, não seja mais condicionante para a

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reparação de danos morais coletivos, não se pode desconsiderar que o desastre

de Mãe Luiza fez instalar uma dor psicológica coletiva nos moradores da cidade

de Natal. A degradação ambiental, e seus efeitos sociais geraram grande mal-

estar e ofensa aos sentimentos de cidadania tanto aos moradores diretamente

atingidos, quanto às pessoas difusamente consideradas. Houve um sentimento

de dor, de angústia, de desgosto, de aflição espiritual por parte tanto de

moradores, quanto de visitantes e até mesmo de pessoas que acompanharam

por notícias impressas ou televisionadas o desastre relatado.

Houve um sentimento psicológico negativo junto à

população. Um sentimento de comoção social, de intranquilidade, de desgosto.

Muitas filmagens foram compartilhadas pela Internet, Whatsapp. Alguns deles

com relatos imediatos da dor e da aflição da população atingida. Houve um

sofrimento coletivo em razão do evento ocorrido.

O desastre ensejou a privação do bem-estar e da qualidade

de vida da coletividade. Situação essa que poderia ter sido evitada, caso o

Município de Natal tivesse adotado medidas para redução de riscos no local.

Segundo o documento de fls. 905/907, de 28 de abril de

2015, proveniente da Secretaria Municipal de Habitação (SEHARPE), VINTE E

SEIS FAMÍLIAS PERDERAM SUAS CASAS E CENTO E SESSENTA E SETE

FAMÍLIAS TIVERAM SEUS IMÓVEIS INTERDITADOS EM RAZÃO DE

PROBLEMAS ESTRUTURAIS IDENTIFICADOS NAS EDIFICAÇÕES EM

DECORRÊNCIA DO EVENTO DANOSO.

Com efeito, desde o ano 2008, o Município tinha pleno

conhecimento de que o local onde ocorreu o desastre em Mãe Luiza havia sido

classificado como ÁREA DE RISCO pelo Plano Municipal de Redução de Risco

do Município de Natal (PMRR, sujeito a erosão e deslizamento. Numa gradação,

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que varia de 0 a 5, em relação ao RISCO, a área afetada pelo desastre

denominado tecnicamente de “Corrida de Areia” foi classificada como de grau 4,

como bem enfatizado no laudo pericial da UFRN/FUNPEC:

De acordo com o PMRR (NATAL, 2008), pode-se observar que a área afetada pelo desastre está inserida em área sob condição de risco de “instabilidade de solos”, estando, portanto, sujeita a deslizamento. Para cada uma das áreas estudadas na cidade o plano identifica os processos de risco presentes (podendo existir mais de um) e os classifica de acordo com a intensidade de cada um. Especialmente para a área afetada pelo deslizamento é possível identificar o “grau 4”, índice relativamente alto, para a condição de risco de deslizamento de solo. Essa condição identificada pelo Plano permite constatar o grau de fragilidade à ocupação do solo nessa essa área, já havia sido demonstrado desde 2008. Além desse processo e da condição de ser passível ao “deslizamento” a área apresenta ainda características de vulnerabilidade ambiental que se inserem em pelo menos mais três outras condições para a identificação/classificação do risco, que são: está sujeita ao carreamento de lixo, ser instável e sujeita a erosão/assoreamento e ter seu processo histórico de ocupação em Área de Preservação Permanente (APP’s) classificada com “grau 5” e ter como consequência dos demais processos citados, conforme pode ser visto na figura 35. (Fls. 46. Relatório Técnico Ambiental, UFRN/FUNPEC. 2014)

O local onde ocorreu o desastre representa a própria história

do lugar, uma vez que corresponde a origem da própria comunidade de Mãe

Luiza, como se demonstra:

Tratando-se das alterações no tecido urbano, destaca-se o fato de que, o perímetro que envolve a maioria das edificações destruídas representa a própria história do lugar, correspondendo ao setor do bairro com ocupação do solo de maior tempo de consolidação, conforme demonstrado no capítulo 1. Isso significa dizer que as rupturas espaciais, também interferiram diretamente nas relações socioculturais e simbólicas ali estabelecidas muitas delas consolidadas há, pelo menos, 50 anos quando a ocupação da área, hoje denominada bairro de Mãe Luiza, se intensificou, dando início ao processo de substituição das funções de balneabilidade da orla, para outras atividades de maior permanência, como a pesca e os serviços diversos ligados às atividades turísticas. (Fls. 98. Relatório

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Técnico Ambiental, UFRN/FUNPEC. 2014)

Em decorrência do desastre, a comunidade diretamente

atingida ficou prejudicada em praticamente todos os serviços considerados

essenciais: abastecimento de água, de energia, sistema de esgotamento

sanitário e de drenagem. A circulação de veículos, como já mencionado, também

ficou prejudicada.

a suspensão dos serviços de abastecimento d’agua, esgotamento sanitário e drenagem, além da coleta de lixo nas ruas diretamente afetadas, resultaram ser parte dos impactos negativos indiretos que afetaram toda a área de entorno. (Fls. 84. Relatório Técnico Ambiental, UFRN/FUNPEC. 2014)

A análise da configuração do tecido urbano, as consequências de maior gravidade se expressam nos problemas decorrentes da destruição física de parte do sistema viário principal do bairro (e da cidade), assim como do sistema de circulação, devido a interrupção dos fluxos pelas vias atingidas, resultando em prejuízos para a mobilidade da população do bairro e da cidade (Figuras 63, 64, 65 e 66). (Fls. 82. Relatório Técnico Ambiental, UFRN/FUNPEC. 2014)

Como visto, os impactos ambientais ocasionados atingiram

não só o local da “corrida de areia”, e o Bairro de Mãe Luiza, mas também o

entorno e a cidade como um todo.

Salienta-se ainda, que, embora a população mais atingida esteja localizada em Mãe Luiza, tendo em vista os desmoronamentos e as ações da defesa civil, os moradores dos prédios vizinhos ao terreno, localizados no bairro de Areia Preta, também sofreram os impactos do desastre, na medida em que, ainda que por tempo limitado, tiveram as suas moradias interditadas e foram obrigados a buscar alojamentos provisórios. Para uma melhor apreciação das condições sociais e do entorno foram selecionadas também variáveis que mensuram os índices econômicos e níveis de renda do setor censitário que envolve a área afetada, onde a renda per capitã apresenta uma oscilação de R$ 326,23 a R$ 2.458,82, conforme representado na cor vermelha na Figura 82. (Fls. 102. Relatório Técnico Ambiental, UFRN/FUNPEC. 2014)

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Às fls. 175/176 dos autos, consta informação proveniente da

Secretaria Municipal de Habitação, Regularização Fundiária e Projetos

Estruturantes – SEHARPE, demonstrando que as providências imediatas

tomadas em razão do desastre foi a de realizar um Termo de Referência para

apresentação de projetos visando à realocação de moradias envolvidas no

desastre e, com vista a minimizar a questão da moradia, a Prefeitura Municipal

criou, mediante Lei, o Auxílio Moradia para ser implantado para as famílias que

necessitaram sair dos seus imóveis, por desabamento ou risco iminente.

Nota-se que essas providências são ínfimas em relação aos

danos ocasionados e que poderiam ter sido evitados. Salienta-se, ademais, que

o projeto de realocação de moradia mencionado, mesmo após dois anos, sequer

foi implementado. Na verdade, o projeto de realocação específica da população

atingida pelo desastre de Mãe Luiza foi abortado!

Na informação, datada 19 de abril de 2016, de fls.

1963/1964 a SEHARPE informa:

“com relação à proposta de realocação (construção de novas unidades habitacionais na própria de Mãe Luiza), em que pese a conclusão do projeto arquitetônico e a desapropriação do terreno por parte da Prefeitura, fomos informados pela CAIXA de que não há previsão para abertura de contratação de obras via PMCMV. Diante do fato, levamos a situação ao CONHABINS – Conselho Municipal de Habitação de Interesse Social, que em sua 23ª Reunião Ordinária, realizada em 18/03/2016, deliberou por autorizar a inclusão das famílias em questão no cadastro reserva para o Residencial São Pedro (Maruim), por ser o que será entregue mais rapidamente (ainda neste semestre), respeitada a ordem de prioridade das demandas previstas e aprovadas pelo Conselho anteriormente. ” (Grifos acrescidos).

A opção ventilada (sequer há algo de concreto nessa

proposta) de colocar as famílias atingidas pelo desastre de Mãe Luiza nas

mesmas condições dos beneficiários de programas habitacionais realizados na

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cidade não pode ser aceito, tendo em vista que foi o próprio município que deu

causa ao desastre. A área atingida encontra-se devidamente regulamentada

pela Lei Municipal 4.663/1995, que dispõe sobre o uso do solo, limite e

prescrições urbanísticas da Área Especial de Mãe Luiza.

O Município também tem o dever legal de dotar a área de

infraestrutura mínima preventiva contra deslizamentos e acidentes, até mesmo

porque a área é considerada pelo Plano Diretor de Natal como Área Especial de

Interesse Social – AEIS, que demanda uma atitude positiva em relação as

medidas de proteção da população.

Nota-se que no Relatório Técnico Pericial da

UFRN/FUNPEC, os peritos enfatizaram que “a área afetada pelo desastre

(corrida de areia) integra o conjunto das áreas com maior permissibilidade

urbanística, sendo definida como Área de Ocupação Restrita (AO1).

1.7. MEDIDAS DE PREVENÇÃO DE NOVOS RISCOS, DE REPARAÇÃO E DE COMPENSAÇÃO

No Relatório realizado logo após o desastre, os Professores

da UFRN e IFRN, sugeriram “o aproveitamento da área degradada para um

projeto urbano de socialização, como forma de compensação à população

atingida” (Fl. 98).

Outra consideração relevante extraída nas considerações

realizadas pelos Professores da UFRN/IFRN foi no sentido de que a ocupação

em área de encosta representa em custo para o Município. Essa conclusão diz

que se o Município de Natal permite a ocupação da área de Mãe Luiza com

habitações, precisa dotar a área de infraestrutura adequada para não deixar a

população moradora do local exposta a risco de vida. É uma ocupação “CARA”,

como se observa abaixo:

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As bordas de relevo não são os lugares indicados para ocupação permanente por se tratarem de espaços naturalmente susceptíveis a movimentações de massa. No entanto, por suas características paisagísticas, com o adensamento das zonas urbanas estes espaços tendem a ser ocupados, inicialmente de forma ilegal, mas depois de modo permitido. Esta ocupação é possível

O laudo da UFRN ressalta em várias passagens que a área

afetada pelo desastre está inserida em área sob condição de risco de

“instabilidade de solos”, estando, portanto, sujeita a movimentos de

massa. Ressalta ainda que especialmente para a área afetada pela “corrida de

areia”, é possível identificar o “grau 4”, “índice relativamente alto, para essa

categoria de risco”. Os fatores que caracterizam a área como de vulnerabilidade

ambiental são o fato de estar sujeita ao carreamento de lixo; ser instável e

sujeita a erosão/assoreamento; ter seu processo histórico de ocupação em área

de Preservação Permanente (APP’s) classificada como “grau 5” e ter como

consequência os demais processos citados no plano. (Fls. 1112)

O laudo ainda ressalta a necessidade de se adotar as

recomendações do Plano Municipal de Redução de Risco (PMRR), que inclui

medidas preventivas e corretivas para a área e que foram classificadas como

Medidas Estruturais, que incluem serviços de limpeza e recuperação, obras de

macrodrenagem e proteção superficial, retaludamento, estruturas de contenção

de pequeno porte, remoção e reassentamento de moradias e Medidas não

estruturais, que incluem ações de mobilização social, elaboração de

plano/programa/projeto de desenvolvimento institucional e transferência de

tecnologia, discussão sobre remoção de moradias, elaboração de planos e

projetos de recuperação de área degradada e ações contínuas de fiscalização

(Fls. 1112/1113).

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Nota-se o registro da equipe de Professores da UFRN, sobre

a inexistência de ações sistematizadas de prevenção ou de risco por parte do

Município de Natal e por parte da CAERN:

a equipe também não constatou a ocorrência de ações sistematizadas dirigidas à prevenção ou ao controle do risco que caracteriza a área afetada, seja do órgão público municipal responsável pela gestão da ocupação do solo, seja de outros órgãos públicos ou agências concessionárias dos serviços públicos municipais e estaduais (CAERN), especialmente de saneamento e drenagem. Conforme foi demonstrado no capitulo 1 e nas respostas aos quesitos anteriores, os fatores causais da condição do risco que caracteriza a área (ausência de controle sobre a ocupação do solo, instabilidade do solo e precariedade do funcionamento do sistema de saneamento, entre outros) não tem sido objeto de qualquer ação mitigadora ou inibidora do risco, seja estrutural ou não estrutural. Segundo relatos dos moradores nas audiências realizadas pelo Ministério Público, as ações, quando ocorrem, são pontuais, e motivadas por uma situação de conflito ou crise em algum dos serviços públicos. No que se refere ao processo de ocupação do solo, as condições da ocupação continuam se intensificando, em muitas situações, à revelia da lei da AEIS (Lei Municipal Nº 4.663, de 31 de julho de 1995), fato que pode dificultar a realização dos estudos sugeridos para possíveis relocações de moradia com vistas a minorar as condições do risco nas áreas de maior instabilidade do solo. (Fl. 123 do Relatório Técnico Ambiental. UFRN/FUNPEC. 2014)

Os Professores subscritores do laudo afirmaram

categoricamente que novos deslizamentos somente poderão ser evitados ou

controlados se algumas ações integradas forem realizadas pelo Município de

Natal e pela CAERN. Entre as medidas citam:

1. No que se refere às encostas da Guanabara que integram a ZET’3, proibir novas ocupações, liberando os espaços livres para recuperação do recobrimento vegetal ou uso de baixa intensidade construtiva destinada a atender interesses públicos e coletivos, incluindo a recuperação de antigos acessos à praia, conforme demonstrado no capítulo 1 (Figura 23) e na resposta ao quesito 3. Nessa perspectiva deve-se elaborar um projeto de contenção das encostas de modo a impedir a ocupação das áreas remanescestes para conter o grau de impermeabilização

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do solo;

2. Exercer um controle mais efetivo sobre os graus de impermeabilização do solo na perspectiva da redução, seja nos espaços privados (quintais pavimentados), seja nos espaços públicos (vias, becos, travessas) com pavimentação impermeável (asfalto, cimento, etc.). No caso dos espaços públicos, especialmente as vias, deve-se estimular o seu uso e adotar pavimentos permeáveis, de modo a ampliar as funções de porosidade e permeabilidade próprias das dunas e, evitar a formação dos densos córregos nos becos e travessas com fluxos descendentes em dias de chuva, que dificultam ou impedem a circulação das pessoas;

3. Readequação e/ou redimensionamento do sistema de drenagem urbana e de esgoto dos bairros, de forma compatível com a densidade populacional e construída atual, bem como baseados em prognósticos de crescimento nas próximas décadas, não somente para a área afetada pela Corrida de Areia, mas para a totalidade dos bairros de Mãe Luiza e Areia Preta;

4. Aperfeiçoar a capacidade de gestão pública sobre os bairros afetados no que concerne ao monitoramento dos serviços públicos, especialmente de saneamento ambiental, e intensificar a fiscalização sobre o processo de ocupação do solo, especialmente nas frações urbanas delimitadas como áreas de risco;

5. Promover a implantação do Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), com o necessário detalhamento e aprofundamento técnico das suas medidas estruturais e não estruturais, de modo a avaliar a permanência (ou relocação) parcial da população residência na área afetada (Aparecida), e minimizar os efeitos dos fatores causais do risco, nos termos especificados na resposta ao quesito 9;

6. Adotar Modelos de Gerenciamento de Riscos, dotando os responsáveis técnicos de ferramentas adequadas para o monitoramento das áreas, de modo a evitar ou minimizar acidentes, atender as emergências, reduzir e até mesmo erradicar os riscos ambientais, nas áreas de assentamentos precários;

7. Realizar estudos detalhados sobre a condição de fragilidade na encosta dunar do ponto de vista geotécnico (monitoramento de buracos e fissuras no subsolo e superfície, movimentos gravitacionais lentos da encosta, entre outros) e hidrológico. Nesse sentido qualquer intervenção urbana realizada deve tomar medidas criteriosas e adequadas a estas condições naturais;

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8. Promover a manutenção permanente das instalações de infraestrutura urbana e de saneamento é imprescindível para se evitar que vazamentos na rede de galerias de esgoto e drenagem infiltrem e fragilizem o subsolo. Tal manutenção pode evitar o movimentando do material arenoso e a formação de vazios sob as construções e que, dependendo da carga hidráulica de escoamento, provoquem movimentos de areia desastrosos;

9. Como medida ambiental preventiva, sugere-se, ainda, a construção de estruturas de armazenamento e barramento de, pelo menos, parte das águas de escoamento superficial que fluem pelas encostas dos bairros de Areia Preta e Mãe Luiza, nos picos de chuvas intensas ou não. Tais construções podem ser piscinões, galerias de diminuição da velocidade de escoamento hidráulico e/ou bombeamento dessas águas para locais nos quais possam ser aproveitadas posteriormente. Caso o aproveitamento desta água seja considerado, as mesmas devem passar por algum tratamento que vai depender do uso posterior, inclusive para recarga do aquífero;

10. Manter ativo o acompanhamento das previsões das dinâmicas da atmosfera, tendo em vista a sua importância na gestão das manutenções prévias de infraestrutura e de atuação da defesa civil nas áreas consideradas de risco.

1.8. MEDIDAS PARA REPARAÇÃO DOS DANOS VERIFICADOS

O laudo técnico subscrito por Professores da UFRN arrola

medidas ou ações estruturais consideradas como essenciais para recuperação

dos danos decorrentes do desastre ocorrido em Mãe Luiza. São eles:

1. Promover a desapropriação dos terrenos situados entre a Rua Guanabara e a Avenida Silvio Pedroza, por onde o material proveniente do movimento de massa escoou;

2. Promover a execução de um projeto urbanístico para toda a encosta da Rua Guanabara, visando a recuperação do recobrimento vegetal e a proibição da ocupação por edificações dos espaços livres remanescentes, de modo a garantir o equilíbrio ambiental do lugar;

3.Executar projetos nos espaços públicos afetados, especialmente as vias e escadarias ou outros terrenos nas encostas ainda não construídos, que venham a ser desapropriados, de modo a diminuir os graus de impermeabilização do solo;

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4. Promover a recuperação do pavimento da Rua Guanabara e adjacências, assim como das obras de infraestrutura (rede elétrica e escadaria de acesso à praia de Areia Preta para a comunidade de Mãe Luiza);

5. Promover a recuperação e/ou reconstrução das áreas ocupadas pelas edificações atingidas pelo desastre, preferencialmente para fins coletivos;

6. Estabelecer um programa de educação ambiental para conscientizar a população do Bairro de Mãe Luiza sobre os riscos a que estão submetidas e medidas de proteção que devem ser adotadas;

7. Executar estruturas de contenção das encostas compatíveis com estudos detalhados sobre os aspectos geológicos e geotécnicos da área;

8. Executar obras de drenagem das águas pluviais em toda extensão das encostas e monitorar a sua ocupação de forma compatível com as previsões de precipitação futuras;

9. Recuperar a rede coletora de esgotos com redimensionamento apropriado para toda a área da encosta de Mãe Luíza e Areia Preta. (Fl. 127 do Relatório Técnico Ambiental, UFRN/FUNPEC)

O documento técnico ainda ressalta que o desenvolvimento

das ações indicadas deve pressupor o envolvimento da população, sendo-lhe

assegurado direito de participar do processo de decisão sobre a reformulação

dos projetos de reocupação e readequação da encosta, de maneira efetiva e

transparente. Além disso, não deve ser atribuído culpa à população pela falta de

planejamento urbano ou a má gestão da ocupação das áreas de riscos, cujos

modelos, sendo adotados ou não, são de responsabilidade dos órgãos

competentes nas diferentes esferas de governo.

2. DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

2.1. DESCUMPRIMENTO DE PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DA POLÍTICA AMBIENTAL E URBANA

Na intenção de apontar os principais dispositivos legais

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infringidos, relacionados à responsabilidade objetiva e à obrigação de reparar,

inicia-se dizendo que ao não implementarem as medidas e iniciativas que

deveriam ser providenciadas naquela área do acidente os réus descumpriram

preceitos da Constituição Federal, da Legislação Federal e da Municipal.

O Município, especialmente, desconsiderou o comando

inferido do Art. 30, VIII, da Constituição Federal, porquanto deixou, no caso

posto, de adequar o ordenamento territorial através de planejamento e controle

do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

Não atentou, tampouco, para as diretrizes gerais e nacionais

da política urbanística, que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento

das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art.

182 da Constituição Federal); o § 2º desse mesmo artigo constitucional diz que a

função social da propriedade urbana é cumprida quando ela atende as

exigências fundamentais de ordenação da cidade. O Estatuto da Cidade, Lei n.

10.257/2001, que regulamentou os Arts. 182 e 183 da Constituição Federal, ao

especificar, no seu art. 2º, aquelas diretrizes gerais, insere as de:

“I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;”

(...)

“IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente”;

(...)

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

(...)

f) a deterioração das áreas urbanizadas;

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g) a poluição e a degradação ambiental;

h) a exposição da população a riscos de desastres. (Incluído dada pela Lei nº 12.608, de 2012)

Muitos outros imperativos constitucionais foram infringidos

pelos réus: o art. 225 da Constituição da República também deve aqui ser

lembrado, na medida que garante a preservação do meio ambiente

ecologicamente equilibrado, reconhecendo-o como bem de uso comum do povo

e essencial à sadia qualidade de vida. Ao lado do ambiente natural, existe

também o artificial, que é “aquele constituído pelo espaço urbano construído,

consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos

equipamentos públicos (espaço urbano aberto). Assim, vê-se que tal “tipo” de

meio ambiente está intimamente ligado ao próprio conceito de cidade, vez que o

vocábulo “urbano”, do latim urbs, urbis, significa cidade e, por extensão, os

habitantes da cidade. ”2

FIORILLO e RODRIGUES3 seguem dizendo que o meio

ambiente artificial recebe proteção constitucional não somente no art. 225, mas

também no 182 e segs., além dos arts. 21, XX, e 5º, XXIII, entre outros,

afirmando ainda que não é possível “desvincular o meio ambiente artificial do

conceito de direito à sadia qualidade de vida, bem como aos valores da

dignidade humana e da própria vida, (...)”. A partir destas referências doutrinárias

e legais deseja-se chamar a atenção para o fato de os espaços urbanos se

encontrarem protegidos pelas normas de direito ambiental, mormente porque aí

se enaltece o bem-estar e a sadia qualidade de vida da população.

Sabendo-se que o meio ambiente urbano, e não só o natural,

está contemplado pelo raio de abrangência dos dispositivos legais, e

2 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco, RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável. São Paulo: Max Limonad. 1999 p. 63 3 Idem, p. 64

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principalmente os constitucionais, antes citados, é de se concluir que a inércia

dos réus, ou as suas ações equivocadas, também já anteriormente apontadas,

deram causa ao descumprimento de todos os padrões urbanísticos locais e

diretrizes gerais, o que significa, em concreto, dano à ordem urbanística, aqui

configurando-se mais um impacto merecedor de reparação.

A respeito da roupagem legislativa para os danos

mencionados, é de se invocar, mais uma vez, os arts. 225 e 182 da Constituição

Federal, porque pelo primeiro se infere que o direito ao meio ambiente urbano

deve ser ecologicamente equilibrado, haja vista também se inserir na categoria

de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida; o

segundo, o Art. 182, porque garante que “A política de desenvolvimento urbano,

executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em

lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.” Nesse passo seguem as

previsões do Estatuto da Cidade, Lei n. 10.257/2001, art. 2º, algumas delas já

transcritas nos itens anteriores desta petição.

Esses dispositivos constitucionais e do Estatuto da Cidade

citados devem ser, ainda com vistas na previsão legal para os danos ocorridos,

comparados com o art. 3º da Lei n. 6.938, de 31.8.1981 (Política Nacional do

Meio Ambiente), porque este dispositivo traz as seguintes definições:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da

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população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

V - recursos ambientais, a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera.

V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1981)

IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

Amoldando essas disposições conceituais acima transcritas

ao caso ora questionado, e sabendo-se que na região do desastre foram

afetados recursos naturais tipo solo, subsolo, água, paisagem, além de outros

impactos urbanos, deduz-se que os réus, ao se omitirem, ou agirem

equivocadamente, conforme acima relatado4, deram causa indireta ao desastre,

contribuindo para os danos concretos já identificados, e ainda transgrediram a

ordem urbanística, e, por consequência, agrediram o bem maior, o meio

ambiente.

Provocaram os demandados um tipo de poluição na medida

em que a ação ou inércia deles trouxeram como resultado a degradação da

4 Na jurisprudência sobre poder de polícia, consultem-se o Recurso Extraordinário 575918-DF, REsp 194732-SP, REsp 292846-SP, Ap. Civ. TJRN 2011.013752-1, Ap. Civ. TJDFT 649362 (2011.01.1.196242-8).

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qualidade ambiental. Com tal proceder interferiram de forma prejudicial na

saúde, no bem-estar e na qualidade de vida da parcela da população que residia

e frequentava aqueles espaços degradados pelo acidente. A propósito do dever

de reparar, em casos semelhantes, veja-se o entendimento de Ricardo Kochinski

Marcondes e Darlan Rodrigues Bittencourt, citados por Valery Mirra5:

“o poluidor-degradador deverá indenizar a coletividade pela utilização perdida do 'bem de uso comum do povo'. A sociedade deverá ser ressarcida da impossibilidade de desfrutar, durante o tempo em que se verificou a poluição e do necessário à sua completa restauração, de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e propício à sadia qualidade de vida”

Não cabe aqui cogitar se agiram com ou sem culpa, pois a

responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, nos termos do § 1º do art. 14

da Lei 6.938/1981, quando afirma que (...) “é o poluidor obrigado,

independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos

causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. ” Reforça-

se tal proposição legal com as disposições do art. 4º dessa mesma lei, quando

insere dentre os objetivos da política nacional do meio ambiente a obrigação,

imposta ao poluidor e ao depredador, de recuperar e/ou indenizar os danos

causados, seguindo-se assim a matriz constitucional do § 3º do art. 225 da

Constituição Federal. Basta, assim, demonstrar que o dano ambiental adveio da

ação ou omissão atribuída ao réu, prescindindo-se de elementos subjetivos.

A previsão legal da obrigação de reparar/indenizar sem se

aquilatar o elemento culpa, portanto, consta no art. 225, § 3º, da Constituição

Federal e arts. 4º, inc. VII, e 14, § 1º, da Lei 6.938/1981, que não destoam das

disposições do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, que institui a

obrigação de reparar, independentemente de culpa, nos casos especificados em

5 MARCONDES, Ricardo Kochinsk; BITTENCOURT, Darlan Rodrigues Apud MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 99

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lei. Tais dispositivos legais, aliados aos arts. 1º e 3º da Lei nº 7347, de

24.7.1985, possibilitam a cumulação de pedidos reparatórios, indenizatórios e

compensatórios com os de obrigação de fazer ou de não fazer6.

Os bens jurídicos mencionados nesta petição têm natureza

metaindividual e ao serem agredidos resultam em danos para a coletividade. Por

terem sido afetados de forma significativa e relevante pela conduta dos réus,

ensejam uma reparação, podendo esta aqui ser entendida no seu sentido mais

amplo, haja vista a dificuldade para se estipular uma quantia específica

indenizatória tomando-se como parâmetro a dimensão do dano. Em virtude

disto, há de se buscar um valor compensatório, o qual poderá ser estabelecido

por estimativa. Morato Leite7 afirma que

“concretamente, existem duas formas de ressarcimento do dano ambiental patrimonial no direito brasileiro: 1. pela reparação ou restauração natural ou retorno ao estado anterior à lesão; e 2. pela indenização pecuniária, que funciona como uma forma de compensação ecológica, além da reparação do dano extrapatrimonial ambiental,” (...)

2.2. DESCUMPRIMENTO DE PRECEITOS DA POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL

O Município, até então, não estava cumprindo as diretrizes

da Lei 12.608, de 10.04.2012, que “Institui a Política Nacional de Proteção e

Defesa Civil”, nas suas seguintes passagens:

Art. 5º - São objetivos da PNPDEC:

(...)

X - estimular o ordenamento da ocupação do solo urbano e rural, tendo em vista sua conservação e a proteção da vegetação nativa, dos recursos hídricos e da vida humana;

6 LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000. p. 217. 7 Ibidem. p. 217.

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XI - combater a ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de risco e promover a realocação da população residente nessas áreas;

XII - estimular iniciativas que resultem na destinação de moradia em local seguro;

(…)

Art. 8º Compete aos Municípios:

I - executar a PNPDEC em âmbito local;

(...)

IV - identificar e mapear as áreas de risco de desastres;

V - promover a fiscalização das áreas de risco de desastre e vedar novas ocupações nessas áreas;

(...)

VII - vistoriar edificações e áreas de risco e promover, quando for o caso, a intervenção preventiva e a evacuação da população das áreas de alto risco ou das edificações vulneráveis;

(...)

Art. 14. Os programas habitacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios devem priorizar a relocação de comunidades atingidas e de moradores de áreas de risco.

2.3. DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOS INDIVIDUAIS SOFRIDOS PELOS MORADORES ATINGIDOS

Segundo Hugo Nigro Mazzilli8, na defesa dos interesses

difusos, coletivos e individuais homogêneos aplicam-se os arts. 81 a 104 do

Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei 8.078/1990. Em seguida esse

mesmo autor lembra lição de Ada Pellegrine Grinover quando disse que cabe

ação proposta pelos legitimados do art. 5º da lei da Ação Civil Pública (Lei

7.347/1985) para cobrar a “reparação dos danos pessoalmente sofridos pelas

vítimas de acidentes ecológicos, tenham estes afetado, ou não, ao mesmo

tempo, o ambiente como um todo. E a ação coletiva de responsabilidade civil

8 MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 24ª ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 247.

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pelos danos ambientais seguirá os parâmetros dos arts. 91 a 100 do CDC,

inclusive quanto à previsão da preferência da reparação individual sobre a geral

e indivisível, em caso de concurso de créditos (art. 99 CDC) ”9

As regras do art. 186 do Código Civil10 e a Súmula 3711 do

Superior Tribunal de Justiça são aplicáveis na tutela coletiva, segundo Hugo

Mazzilli12; acrescenta ainda que a reparabilidade do dano moral e patrimonial

também está prevista no art. 1º da Lei 7.347/1995 (LACP) e no art. 6º, VI e VII

do CDC.13 Ilustra ainda suas afirmações fazendo referência a partes da ementa

do REsp 677.585-SC14, que admite a legitimidade do Ministério Público para

exigir, em defesa do patrimônio público, perdas e danos tanto no âmbito material

quanto no imaterial.

Tais normas e entendimentos também são aplicados na

defesa dos interesses individuais homogêneos, que igualmente podem ser

defendidos dentro de ação civil pública com qualquer uma das finalidades

previstas no art. 1º da LACP e não apenas através da que tutela o interesse

consumerista específico, segundo se entendia anteriormente, principalmente

porque os sistemas do CDC (art. 90) e da LACP (art. 21) devem ser vistos de

forma reciprocamente integrada15. Esse entendimento tem sido defendido no

9 Ibidem. p. 247 10 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 11 Súmula 37 do STJ: “SÃO CUMULAVEIS AS INDENIZAÇÕES POR DANO MATERIAL E DANO MORALORIUNDOS DO MESMO FATO.” 12 MAZZILLI, Op. cit. p. 147 13 Idem. Ibidem. p. 148 14 REsp n. 677.585-SC “(…) 17. O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social não se limitando à ação de reparação de danos. 18. Em consequência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público (neste inserido o histórico, cultural, urbanístico, ambiental, etc), sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade), bem como à defesa da ordem econômica, consoante dispõe o parágrafo único do art. 1º da lei 8.884/94. (...)” 15 MAZZILLI, op. cit. p. 766

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STJ (cf. REsp 706.791-PE)16 e no STF (AgRgRE n. 394.180-CE e RE n.

163.231-3-SP)17

No caso em apreço, várias famílias perderam, com o

desastre, casas, estabelecimentos comerciais, móveis, eletrodomésticos,

automóveis, objetos e pertences pessoais. Daí exsurgem direitos individuais

homogêneos, assim entendidos porque decorrentes de origem comum — perda

patrimonial por causa do desastre —, segundo previsão do art. 81, caput, e

parágrafo único, III, do Código de Defesa do Consumidor. E, nestes casos, foi

atribuída legitimidade também ao Ministério Público para a defesa desses

interesses individuais homogêneos, segundo os arts. 82, I, e 91, deste Código

citado. Na defesa desses interesses, portanto, segundo já alertou MAZZILLI (cf.

nota de rodapé n. 9), aplicam-se as disposições dos arts. 81 a 104 do CDC,

conforme previsto no art. 21 da Lei n. 7.347/1985 (LACP).

2.4. DO DANO MORAL E EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO – OBRIGAÇÃO DE REPARAR

Sabe-se que o dano moral ambiental decorre do material, de

modo que a sua fundamentação legal passa por todos aqueles dispositivos de lei

acima citados e mais especificamente no art. 1º, I e IV, arts. 186 e 927 do Código

Civil18 e art. 5º, V, da Constituição Federal. Está incluído dentro da abrangência

16 Citado por MAZZILLI, op. cit. p. 766, em nota de rodapé; REsp 706.791-PE: ementa - RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DE SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS. CABIMENTO. LEGITIMIDADE DO SINDICATO. PRECEDENTES. 1. De acordo com a jurisprudência consolidada deste Superior Tribunal de Justiça, o artigo 21 da Lei nº 7.347/85, com redação dada pela Lei nº 8.078/90, ampliou o alcance da ação civil pública também para a defesa de interesses e direitos individuais homogêneos não relacionados a consumidores. 2. Recurso especial improvido. 17 Citados por MAZZILLI, op.cit. p. 767 18 LEITE, José Rubens Morato, AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011. p. 276-277

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da reparação integral do dano ao meio ambiente que, no dizer MIRRA19,

“(...) deve compreender não apenas o prejuízo causado ao bem ou recurso ambiental atingido, como também, na lição de Helita Barreira Custódio, toda a extensão dos danos produzidos em consequência do fato danoso, o que inclui os efeitos ecológicos e ambientais da agressão inicial a um bem ambiental corpóreo que estiverem no mesmo encadeamento causal, como, por exemplo, a destruição de espécimes, habitats e ecossistemas inter-relacionados com o meio afetado; os denominados danos interinos, vale dizer, as perdas de qualidade ambiental havidas no interregno entre a ocorrência do prejuízo e a efetiva recomposição do meio degradado; os danos futuros que se apresentarem como certos, os danos irreversíveis à qualidade ambiental e os danos morais coletivos resultantes da agressão a determinado bem ambiental.”

Para MORATO LEITE e PATRYCK AYALA20, há conexão do

dano extrapatrimonial com o direito da personalidade, porque o meio ambiente

ecologicamente equilibrado é indispensável à personalidade humana, “essencial

à sadia qualidade de vida” e “à dignidade social”. Esses autores citados

acrescentam, numa perspectiva de caracterizar o dano extrapatrimonial

ambiental21, que:

“Deve-se registrar que, quando o interesse ambiental atingido é o difuso, fala-se em dano extrapatrimonial ambiental objetivo. Este, por sua vez, caracteriza-se pela lesão a valor imaterial coletivo, pelo prejuízo proporcionado a patrimônio ideal da coletividade, relacionado à manutenção do equilíbrio ambiental e da qualidade de vida. Neste contexto, Steigleder, em excelente trabalho sobre o dano ambiental no direito brasileiro, identifica três diferentes formas de expressão da dimensão extrapatrimonial do dano ambiental autônomo, a saber: (a) dano moral ambiental coletivo, caracterizado pela diminuição da qualidade de vida e do bem-estar da coletividade; (b) dano social, identificado pela privação imposta à coletividade de gozo e fruição do equilíbrio ambiental proporcionado pelos microbens ambientais degradados; (c) dano ao valor intrínseco do meio

19 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. 2ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 315 20 LEITE e AYALA, op. cit. p. 277-279 21 LEITE e AYLALA, op. Cit. p. 291

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ambiente, vinculado ao reconhecimento de um valor ao meio ambiente em si considerado – e, portanto, dissociado de sua utilidade ou valor econômico, já que “decorre da irreversibilidade do dano ambiental, no sentido de que a Natureza jamais se repete.”

Estes últimos autores citados ainda remetem ao REsp n.

1.057.274-RS22 e ao acórdão do TJMG, neste “aceitando o dano extrapatrimonial

ambiental e acatando que a lesão extrapatrimonial diz respeito a valores que

afetam negativamente a coletividade e não se referindo à dor individual (...)”23. A

prova do dano moral está ínsita a do dano material ambiental, na medida em que

este desrespeita “o direito humano fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado”24, interferindo negativamente no bem-estar e

qualidade de vida das pessoas. É interessante ler a ementa do REsp acima

citado porque ele muda entendimento do STJ sobre o cabimento do dano moral

coletivo.

22 Ementa: ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS – DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO - ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO. 1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. 2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos. 3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de documento de identidade. 4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo. 5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstancias fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão. 5. Recurso especial parcialmente provido. 23 LEITE e AYALA, op. cit. p. 293 24 Ibidem. p. 294

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No Superior Tribunal de Justiça atualmente é pacífico o

posicionamento sobre a procedência da indenização por dano moral coletivo.

Confira-se o recente entendimento extraído do REsp 1.509.923-SP: (parte da

ementa)

(...)

8. O dano moral coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, pois tal comprovação, embora possível na esfera individual, torna-se inaplicável quando se cuida de interesses difusos e coletivos. Nesse sentido: 1.410.698/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, Dje 30/06/2015; REsp 1.057.274/RS, Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 26/02/2010

(...)

No caso do desastre do Bairro Mãe Luiza restou evidente

que a população da localidade e a que por lá transita ficou sem receber, durante

muitos dias, o fornecimento de água potável pela rede de saneamento; a rede

coletora de esgotos e a de drenagem de águas pluviais deixaram de funcionar,

bem como os transportes públicos e os veículos de coleta de lixo e outros

serviços públicos; por muitos dias não puderam acessar e desfrutar do lazer na

Praia de Areia Preta em virtude da contaminação do mar, naquele setor de praia,

por coliformes fecais trazidos pelos esgotos que imediatamente após o acidente

para lá passaram a correr. O deslizamento de terra provocou a ruína das

estruturas urbanas (parte da rua, da calçada, da escadaria) e ambientais,

levando abaixo casas cheias de objetos pessoais e móveis, abrindo uma vala

enorme na encosta, dentro da qual se via escombros amontoados e revolvidos.

Todos esses eventos impactaram fortemente a paisagem urbana e ambiental,

afetando, negativamente, o bem-estar e a qualidade de vida dos moradores da

área e dos que por lá transitam.

Cabe, portanto, no caso, duas indenizações cumuladas

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(Súmula 37 do STJ)25: uma pelos danos materiais e outra por dano moral

infligido à coletividade daquele Bairro de Mãe Luiza. Por não existirem critérios

objetivos para se estipular o quantum indenizatório, aconselham LEITE e AYALA

que sejam observados os arts. 944 a 946 do Código Civil e também os

ensinamentos de Maria Helena Diniz, quando diz que “É de competência

jurisdicional o estabelecimento do modo como o lesante deve reparar o dano

moral, baseado em critérios subjetivos (posição social ou política do ofendido,

intensidade do ânimo de ofender: culpa ou dolo) ou objetivos (situação

econômica do ofensor, risco criado, gravidade e repercussão da ofensa). Na

avaliação do dano moral, o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação

equitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na

capacidade econômica do responsável. ”26

2.5. DO DESATENDIMENTO PELOS RÉUS DAS OBRIGAÇÕES LEGAIS ATINENTES AOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE DRENAGEM (PELO MUNICÍPIO) E DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO (PELA CAERN)

Pela descrição dos fatos, ficou evidente que os réus na

ocasião do desastre e até a presente data, como se demonstrará, prestaram os

serviços públicos de drenagem e de esgotamento sanitário de forma deficiente e

em descumprimento a preceitos legais e a princípios constitucionais essenciais,

como se observa:

RUTH HELENA PIMENTEL DE OLIVEIRA, em sua obra

Entidades Prestadoras de Serviços Públicos e Responsabilidade Extracontratual

(Atlas, SP, 2003), faz uma síntese da evolução do conceito de serviço público

com citação dos ensinamentos de vários doutrinadores. Entre esses, vale

25 Súmula 37 STJ: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato” 26 Ibidem, p. 307-308

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transcrever:

Entre os doutrinadores que aceitam a noção de serviço público, alguns apresentam uma definição ampla de serviço público, outros preferem definição mais restrita. Hely Lopes Meirelles conceitua serviço público de forma ampla: É todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controle estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado. Entre os autores que adotam conceituação restrita, podemos citar Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que, colocando o serviço público como uma das atividades administrativas de natureza pública – ao lado da polícia administrativa, fomento e intervenção, conceitua serviço público como toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.

A mesma linha de entendimento é defendida por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que igualmente considera os serviços públicos como uma das atividades inseridas na função administrativa, excluindo as atividades legislativa e jurisdicional. Esse autor conceitua os serviços públicos como atividade da Administração Pública que tem por fim assegurar de modo permanente, contínuo e geral a satisfação de necessidades essenciais ou secundárias da sociedade, assim por lei consideradas, e sob as condições impostas unilateralmente pela própria Administração.

Analisando o posicionamento de Odete Medauar, da mesma forma filiada à corrente doutrinária que adota um conceito restrito para a expressão, constatamos que, para essa autora, os serviços públicos também se apresentam como uma das múltiplas atividades desempenhadas pela Administração, inseridas no Poder Executivo, referindo-se à atividade prestacional, em que o Poder Público satisfaz a uma necessidade coletiva (como água, energia elétrica, transporte coletivo), submetida total ou parcialmente ao direito administrativo (...)

Conceito mais restrito ainda é o adotado por Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído pelo Estado em favor dos

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interesses que houver definido como próprios no sistema normativo.

A autora, também, traz uma definição própria de serviço

público, como sendo:

toda atividade material desempenhada pelo Estado, ou por quem lhe faça as vezes, e inserida na função administrativa, que tem como objetivo atender às necessidades coletivas, submetida a regime total ou parcial de direito público.

(...)

O serviço público atende a um regime jurídico especial, o qual lhe confere características próprias (continuidade, generalidade, mutabilidade do regime, modicidade e eficiência), assegura posição de supremacia ao interesse público sobre o particular e permite diferenciá-lo das demais atividades desempenhadas pela Administração. Esse regime jurídico é preponderantemente de direito público, exorbitante e derrogatório do direito comum.

DIÓGENES GASPARINI, em sua obra Direito Administrativo

(SARAIVA, 2006), destaca a vinculação do serviço público com a submissão do

mesmo ao regime do Direito Público, como se observa:

Em sentido formal, serviço público é a atividade desempenhada por alguém (Poder Público ou seus delegados), sob regras exorbitantes do Direito Comum, para a satisfação dos interesses dos administrados. É a submissão de certa atividade a um regime de Direito Público.

Sobre os serviços públicos, a Constituição Federal assim

dispõe:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

No tocante ao serviço de esgotamento sanitário prestado

pela CAERN no local, merece ressaltar que esse serviço não foi prestado de

acordo com os comandos legais e constitucionais relativos aos serviços

prestados por empresas concessionárias de serviços públicos, uma vez que,

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como visto, eram constantes os problemas de obstrução nas tubulações,

causando poluição no local. Essa atividade é um serviço público essencial e de

vital importância cuja deficiência em sua prestação afeta diretamente a saúde

dos moradores.

A Lei 7.773 de 28 de junho de 1989, que dispõe sobre o

exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o

atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, em seu art. 10, inclui

o tratamento e abastecimento de água como serviço público essencial, como se

observa:

Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:

(...)

VI- captação e tratamento de esgoto e lixo

Deve ser mencionado, ainda que as concessionárias de

serviços públicos – pertencentes à Administração Indireta – submetem-se aos

princípios estatuídos no caput do art. 37 da Constituição Federal, quais sejam:

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Também, nos termos do art. 37 § 6º da Constituição Federal,

as concessionárias de serviços público devem responder por qualquer dano que

cause aos usuários, independentemente de questionamento acerca da culpa,

como se observa:

Art. 37

§6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

A definição de poder concedente e de concessão encontra-

se inserida na Lei Federal 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o

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regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no

art. 175 da Constituição Federal, nos seguintes termos:

Art. 2º

I- poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público,precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão.

II- concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.

A referida Lei, além de outras disposições importantes sobre

o regime das concessões, traz a definição de serviço adequado, bem como o

rol dos direitos dos usuários e dos encargos da concessionária. Alguns

desses preceitos merecem ser enfatizados:

DO SERVIÇO ADEQUADO

Art. 6º. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

§2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.

DOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES DOS USUÁRIOS

Art. 7º Sem prejuízo do disposto na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:

I- receber serviço adequado;

II- receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou coletivos;

III- obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores de serviços, quando for o caso, observadas

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as normas do poder concedente;

(...)

DOS ENCARGOS DA CONCESSIONÁRIA

Art. 31. Incumbe à concessionária:

I- prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas aplicáveis e no contrato;

II- manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão;

III- prestar contas da gestão do serviço ao poder concedente e aos usuários, nos termos definidos no contrato;

IV- cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da concessão;

(...)

VIII- captar, aplicar e gerir os recursos financeiros necessários à prestação do serviço.

O art. 2º da Lei Federal 11.445/2007 reitera os princípios

fundamentais dos serviços públicos de saneamento básico; entre esses,

merecem ser citados: da eficiência; da utilização de tecnologias apropriadas,

da segurança, da qualidade e da regularidade.

Com todas essas premissas, fica clarividente que a CAERN

não pode se furtar a arcar com a responsabilidade de prestar um serviço de

esgotamento sanitário com qualidade e eficiência, sem expor a vida humana a

risco.

Além do que dispõe o art. 43 do Código Civil, a

responsabilidade dos fornecedores de serviços públicos também está

estabelecida no CDC, em seu art. 14, nos seguintes termos:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

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§1º. O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I- o modo de seu fornecimento;

II- o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam

(...)

Como se observa, o Código de Defesa do Consumidor

incluiu no conceito de fornecedor a pessoa jurídica pública, deixando claro que o

fornecimento de serviços públicos pelo Estado também diz respeito a uma

relação de consumo. E esse serviço público, mesmo quando realizado através

de concessionárias deve atender aos consumidores de forma adequada,

eficiente, segura e contínua, quando os serviços forem essenciais. É o que se

observa no art. 22:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo,

DIOGENES GASPARINI, em seu Direito Administrativo,

intitula um tópico da obra como Sujeição da Administração Pública ao Código do

Consumidor e explica que:

Vê-se que a Administração Pública, em qualquer de suas manifestações (federal, estadual, distrital, municipal), sempre que, em razão de seu comportamento, puder ser havida como fornecedor, subsume-se integralmente às disposições desse Código. Assim é se o Município, por exemplo, for o prestador dos serviços de transporte de passageiros ou o executor dos serviços de captação, tratamento e distribuição de água domiciliar o explorador dos serviços funerários. Nesse aspecto, a Administração Pública equipara-se ao fornecedor particular.

Utilizando os ensinamentos de DIOGENES GASPARINI,

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como representante da uníssona doutrina que apregoa que os serviços públicos

devem ser prestados aos usuários, com a observância dos requisitos da

permanência, da generalidade, da eficiência, da modicidade e da cortesia,

vale transcrever o que o referido doutrinador diz sobre a eficiência:

A eficiência exige que o responsável pelo serviço público se preocupe sobremaneira com o bom resultado prático da prestação que cabe oferecer aos usuários. Ademais, os serviços, por força dessa exigência, devem ser prestados sem desperdício de qualquer natureza, evitando-se, assim, onerar os usuários por falta de método ou racionalização no seu desempenho.

Nos autos, ficou sobejamente demonstrado que as partes

demandadas não prestaram os serviços públicos de drenagem e de

esgotamento sanitário de acordo com os preceitos constitucionais e legais

pertinentes.

Não se pode descurar, ainda, que a área atingida requer

uma atenção especial do Poder Público local, tendo em vista que é qualificada

como ÁREA ESPECIAL DE INTERESSE SOCIAL – AEIS, nos termos do arts 22

e segs da Lei Complementar 82/2007, que dispôs sobre o Plano Diretor de

Natal, como se observa:

Art. 22 - Áreas Especiais de Interesse Social, demarcadas no Mapa 4 do Anexo II, definidas na Mancha de Interesse Social e pelos seus atributos morfológicos, são aquelas situadas em terrenos públicos ou particulares destinadas à produção, manutenção e recuperação de habitações e/ou regularização do solo urbano e à produção de alimentos com vistas a segurança alimentar e nutricional, tudo em consonância com a política de habitação de interesse social para o Município de Natal, e compreende:

[...] I - terrenos ocupados por favelas, e/ou vilas, loteamentos irregulares e assentamentos que, não possuindo as características das tipologias citadas, evidenciam fragilidades quanto aos níveis de habitabilidade, destinando - se à implantação de programas de urbanização e/ou regularização fundiária;

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Art. 24 - A regulamentação específica das AEIS estabelecerá critérios de remembramento ou desmembramento dos lotes, em consonância com o Plano de Urbanização aprovado e constará de:

II - formas de participação dos moradores, proprietários, empreendedores, entidades públicas e demais organismos não governamentais, com observância dos princípios relativos à função sócio - ambiental da propriedade e do Direito Ambiental; III - a fixação do preço, forma de financiamento, transferência ou aquisição das unidades habitacionais e serem produzidas; IV - critérios de controle ambientais estabelecidos a partir das especificidades de cada área a ser regulamentada; V - infra- estrutura em conformidade com a fragilidade ambiental da área ocupada ou a ser ocupada;

3. DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA LIMINAR

Passados dois anos do desastre narrado, constata-se que o

Município de Natal e a CAERN realizaram algumas obras de melhoria dos danos

ocasionados na área, que incluíram a construção de uma escadaria que liga a

Av. Silvio Pedrosa à Rua Guanabara, a recomposição de instalações relativas ao

sistema de esgotamento sanitário e ao sistema de drenagem entre outras que

serão detalhadas. A despeito disso, o Município de Natal e a CAERN não

realizaram TODAS as medidas necessárias que precisam ser tomadas, em

regime emergencial, para a prevenção de novos eventos danosos e para cessar

efeitos ambientais e sociais negativos decorrentes do evento, razão pela qual

cabe ao Poder Judiciário suprir essa omissão e determinar diligências

emergenciais para:

1) impedir novos desastres no local;

2) cessar com a poluição continuada por lançamento de esgotos no ambiente;

3) solucionar o problema das famílias que foram atingidas pelo desastre ocorrido, especialmente no que atine à realocação das famílias que perderam suas casas

Entre as medidas que necessitam ser tomadas, algumas

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precisam ser realizadas de forma emergencial para evitar a permanência da

situação de risco na área. A contenção das encostas, por exemplo, foi realizada

apenas em parte da área de risco diretamente afetada. Nos mapas a seguir é

possível visualizar o local da área afetada. A visualização permite constatar que

ainda existe áreas significativas de instabilidade de solo e que não receberam

qualquer melhoria ou medida de prevenção.

O laudo técnico, à fl. 1005 realiza os seguintes

esclarecimentos:

Nesse sentido, definimos dois níveis de análise: a) área diretamente afetada pelo evento delimitada pelos trechos das ruas Atalaia e Guanabara, que sofreram deslizamentos e que tiveram o seu conjunto edificado destruído ou sob condição de risco/interdição pela defesa civil do município (figuras 06 e 07); e b) o segundo, definido como área de entorno, que envolve a fração do bairro de Mãe Luiza e Areia Preta delimitada e atendida pela Bacia de Contribuição 2 que estrutura o sistema de drenagem e saneamento dos dois bairros (Figura 08). (Fls. 1005, dos autos)

Figura 30: Delimitação da área de Aparecida, e áreas críticas com instabilidade dos solos, segundo o Plano Municipal de Redução de Riscos de Natal (PMRR). Fonte: PMRR. 2008 (alterado)

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Figura 31: Área diretamente afetada em Areia Preta / Mãe Luiza. Fonte: Relatório Técnico Ambiental. UFRN/FUNPEC. 2014.

Figura 32: Área de entorno – situação e localização. Fonte: Relatório Técnico Ambiental. UFRN/FUNPEC. 2014.

Estes dois níveis de análises se justificam pela necessidade

de evidenciar as condições do saneamento ambiental da área, com o enfoque

nos sistemas de drenagem e de esgotos, elementos centrais na ocorrência do

evento em questão. Compreende-se assim, que as ações de reparação dos

danos verificados também deveriam ter esta mesma abrangência

Providências emergenciais também precisam ser tomada

para conter a poluição ambiental continuada no local – principalmente a de

ordem sanitária, que afeta a saúde da população. Há necessidade de

diagnosticar e de conter, os extravasamentos de esgotos/águas servidas que

têm sido lançados em via pública e que chegam até mesmo na Praia de Areia

Preta, como será demonstrado.

Apesar da recuperação e ampliação do sistema, foi

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constatado que o problema de despejo de esgotos da rede de drenagem não

tem sido coibido nem pelo Município de Natal, nem pela CAERN. O fato foi

detectado, tanto no ponto final de lançamento (a praia), quanto na rede de coleta

implantada no bairro, conforme pode ser observado nos registros fotográficos.

Figura 33: Água servida despejada irregularmente no sistema de drenagem de Mãe Luiza acumulando na faixa de praia. Praia de Areia Preta (27 de abril de 2016)

Figura 34: Água servida despejada irregularmente no sistema de drenagem de Mãe Luiza acumulando na faixa de praia. Praia de Areia Preta (27 de abril de 2016)

Figura 35: Água servida despejada irregularmente no sistema de drenagem de Mãe Luiza acumulando na faixa de praia. Praia de Areia Preta (27 de abril de 2016)

Figura 36: Água servida. Praia de Areia Preta (05 de maio de 2016)

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Figura 37: Água servida escoamento pela sarjeta da Rua Guanabara até o sistema de drenagem.

Figura 38: Vista da galeria do sistema de drenagem com águas servidas, areia e lixo.

Figura 39: Água servida sendo escoada pela sarjeta de um das travessas que ligam a Rua Atalaia a Rua Guanabara

Figura 40: Água servida escoando pela Trav. Atalaia, que liga a Rua Atalaia a Rua Guanabara.

Além disso, foram identificados mais outros dois pontos de

escoamento de água servida chegando na praia a partir do sistema de

drenagem da Av. Sílvio Pedrosa.

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Figura 41: Identificação de despejo de águas servidas na galeria próxima ao restaurante Muqueca's. Praia de Areia Preta (27 de maio de 2016)

Figura 42 Faixa da praia próxima a galeria – nas proximidades do restaurante Muqueca's – apresentando coloração mais escura. Praia de Areia Preta (27 de maio de 2016):

Figura 43: Despejo de água servida em uma tubulação próxima ao rancho dos pescadores. (05/05/2016)

Figura 44: Acumulo de água servida próxima ao rancho dos pescadores. (05/05/2016) Praia de Areia Preta

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Figura 45: Local em que ocorre o despejo de esgotos, próximo ao rancho dos pescadores. Praia de Areia Preta

Outra situação preocupante e que enseja uma determinação

judicial imediata, até mesmo para diminuir a ansiedade e a completa incerteza

que se instalou na população atingida pelo desastre, diz respeito à definição do

futuro das famílias que perderam suas casas com o evento. Como visto no item

1.6, a princípio, o Município de Natal realizou um projeto para possibilitar a

realocação das famílias atingidas (VINTE E SEIS FAMÍLIAS) para o mesmo

bairro de Mãe Luiza, “Projeto de Reassentamento Mãe Luiza”.

Pelas informações contidas nos autos e divulgadas para a

população atingida, as famílias seriam realocadas para o mesmo bairro. Nesse

desiderato o Município de Natal chegou até mesmo a mencionar a ocorrência de

uma desapropriação de um imóvel em Mãe Luiza.

A despeito disso, as informações posteriores fornecidas ao

Ministério Público pelos representantes Municipais, foram no sentido de que o

projeto inicialmente planejado ficou inviabilizado e que as famílias iriam ser

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incluída nos planos gerais de reassentamento do Município e que a realocação

não iria ser mais realizada no Bairro de Mãe Luiza.

Nesse aspecto específico, o Ministério Público sustenta que

o Município não pode tratar os moradores atingidos pelo desastre de Mãe Luiza

da mesma forma que trata a população em geral que é beneficiada por projetos

sociais de habitação. A comunidade atingida estava assentada em área

legalmente autorizada pelo Município de Natal. Como visto, o Município deu

causa ao desastre. Assim, tem o dever de arcar com o ônus de realocar a

população prejudicada na própria comunidade. O Município tem, portanto, que

dar a opção para a população atingida de ser realocada para o mesmo bairro de

Mãe Luiza e não de impor, como única alternativa a realocação das famílias

atingidas para lugar diverso.

Esse argumento é justificado pelo fato de que as famílias

que foram atingidas, de acordo com os documentos constantes nos autos, são

pessoas que residem na área há muitos anos e/ou possuem laços fortes de

caráter socioeconômico e afetivo com a comunidade de Mãe Luiza.

Não se pode negar que, segundo Bachelard, a casa não

pode ser considerada apenas como um “objeto”, ligado à função original do

habitar, uma vez que a casa é um verdadeiro cosmos, “nosso canto no

mundo”27, um local onde grande número das lembranças individuais encontra-se

guardado. Existe, assim, um elo afetivo entre o morador e o local de sua

morada, uma topofilia, que pode ser objeto de estudo da psicanálise, com o

nome de topoanálise. “A topoanálise seria então o estudo psicológico

sistemático dos locais de nossa vida íntima” (BACHELARD, 2008, p. 28).

27 BARCHELARD, Gaston. A poética do espaço.: tradução Antônio de Paula, 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 24

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Sob o aspecto simbólico, portanto, “a casa é um corpo de

imagens que dão ao homem razões ou ilusões de estabilidade” (BACHELARD,

2008, p. 36).

Com essas considerações, torna-se perceptível o quão pode

ser danosa a retirada dessas famílias da área onde possuem seus vínculos

afetivos.

O Município também não realizou qualquer projeção real, em

relação a prazos, etc. para garantir a realocação dessas famílias que se

encontram em casas improvisadas. É necessário garantir, ainda a manutenção

do aluguel social para as famílias atingidas.

Cabe ao Poder Judiciário, portanto, determinar ao Município

obrigações relativas ao prazo e ao local para realocação das famílias atingidas

pelo desastre.

A tabela a seguir sintetiza as ações realizadas e as não

realizadas pelos réus após o desastre de junho de 2014. Pelo esquema, é

possível constatar que ainda faltam muitas providências para serem tomadas

pelas demandadas. Os pedidos, no presente tópico, portanto, são apenas

relativos aos emergenciais, que se apresentam como essenciais para evitar

novos eventos danosos no local:

1. No que se refere às encostas da Guanabara que integram a ZET’3, proibir novas ocupações, liberando os espaços livres para recuperação do recobrimento vegetal ou uso de baixa intensidade construtiva destinada a atender interesses públicos e coletivos, incluindo a recuperação de antigos acessos à praia, conforme demonstrado no capítulo 1 (Figura 23) e na resposta ao quesito 3. Nessa perspectiva deve-se elaborar um projeto de contenção das encostas de modo a impedir a ocupação das áreas remanescestes para conter o grau de impermeabilização do solo;

Realizado Não realizado

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O Município realizou um projeto de contenção de parte da área diretamente afetada pelo desastre, a conhecida “Escadaria de Mãe Luiza”, apresentado pela Semov, às folhas 242 a 247 dos autos.

A medida indicada pelos peritos abrange as encostas da Guanabara que integram a ZET’3.

Nas diligências realizadas por este Ministério Público, verificou-se que os demais lotes da encosta da Rua Guanabara não sofreram intervenções de recuperação, nem ações de controle de novas ocupações. Durante uma vistoria realizada no dia 5 de maio de 2016, havia uma edificação sendo reconstruída na encosta, ao lado da Escadaria de Mãe Luiza, à revelia do controle municipal, conforme registros às folhas 1979 a 1987.

2. Exercer um controle mais efetivo sobre os graus de impermeabilização do solo na perspectiva da redução, seja nos espaços privados (quintais pavimentados), seja nos espaços públicos (vias, becos, travessas) com pavimentação impermeável (asfalto, cimento, etc.). No caso dos espaços públicos, especialmente as vias, deve-se estimular o seu uso e adotar pavimentos permeáveis, de modo a ampliar as funções de porosidade e permeabilidade próprias das dunas e, evitar a formação dos densos córregos nos becos e travessas com fluxos descendentes em dias de chuva, que dificultam ou impedem a circulação das pessoas;

Realizado Não realizado

O município implantou um projeto urbanístico para a recuperação das áreas diretamente afetadas, no qual foram recuperados os trechos das ruas Atalaia e Guanabara. A recuperação dessas vias manteve os padrões de pavimentação utilizados na comunidade, asfalto e Bripar.

No tocante aos lotes privados, o município não demostrou a realização de um controle mais efetivo sobre o uso e ocupação do solo, fato constatado nas diligências realizadas por esta Promotoria: às folhas. 1149, a permanência de edificações construídas sobre o muro de arrimo da encosta, bem como, a reconstrução de uma edificação na encosta, próximo a “Escadaria de Mãe Luzia”, recentemente construída. (Folhas 1979 a 1987)

3. Readequação e/ou redimensionamento do sistema de drenagem urbana e de esgoto dos bairros, de forma compatível com a densidade populacional e construída atual, bem como baseados em prognósticos de crescimento nas próximas décadas, não somente para a área afetada pela Corrida de Areia, mas para a totalidade dos bairros de Mãe Luíza e Areia Preta;

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Realizado Não realizado

A Semov elaborou e executou um projeto de recomposição do sistema de drenagem para parte da bacia de contribuição de águas pluviais da comunidade de Aparecida. O projeto redimensionou a estrutura que existia na área, com a implantação de estruturas de captação das águas pluviais em parte das ruas Camaragibe, Antônio Félix, Saquarema e Atalaia (3 trechos), diminuindo, assim, a contribuição superficial que chegava ao ponto mais baixo da sub-bacia. (Folhas 1154 a 1155)

A CAERN elaborou e executou projeto de recomposição do sistema de esgotamento sanitário apenas nos trechos que sofreram o desmoronamento, folhas 647. A companhia informou no relatório que a estrutura implantada está apta a receber a vazão do bairro de Mãe Luiza, esclarecendo, ainda, que as sobrecargas no sistema podem ocorrer pela ligação clandestina de águas pluviais no sistema. (Fls.626 a 652)

Apesar do redimensionamento da rede de drenagem implantada na encosta, conforme projeto apresentado às folhas 1154 a 1155, o projeto não contemplou toda a sub-bacia de drenagem VIII.4, que abrange os bairros de Mãe Luiza e Areia Preta. Conforme ressaltado pela própria equipe técnica da SEMOVI, (folha 66), que a situação ideal de drenagem é a captação por sistema em toda a bacia não de apenas parte da bacia, como existente.

A Caern, não realizou o redimensionamento da rede de coleta e transporte de esgotos, justificando que a estrutura implantada está apta a receber a vazão do bairro. (Fls.626 a 652)

4. Aperfeiçoar a capacidade de gestão pública sobre os bairros afetados no que concerne ao monitoramento dos serviços públicos, especialmente de saneamento ambiental, e intensificar a fiscalização sobre o processo de ocupação do solo, especialmente nas frações urbanas delimitadas como áreas de risco;

Realizado Não realizado

No tocante a melhoria de gestão pública, especialmente sobre os serviços de saneamento ambiental, verificou-se a continuidade no despejo irregular de esgoto e água servida nas redes de drenagem, bem como o despejo de resíduos sólidos nas encostas de Aparecida, conforme verificado nas diligências realizadas e registradas as folhas 472, 1146 (figura 11), 1148, 1149 e 1979 a 1987.

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5. Promover a implantação do Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), com o necessário detalhamento e aprofundamento técnico das suas medidas estruturais e não estruturais, de modo a avaliar a permanência (ou relocação) parcial da população residência na área afetada (Aparecida), e minimizar os efeitos dos fatores causais do risco, nos termos especificados na resposta ao quesito 9;

Realizado Não realizado

No tocante a avaliação da permanência ou não da população residente na área afetada, após o desastre na encosta da Rua Guanabara, a Defesa Civil Municipal, junto com a SEMTAS, realizou a identificação das edificações em situação de risco (baixo e alto) e o cadastramento das famílias, conforme folhas 74, fls. 191 a 193 e Folhas 277 a 283.

Na segunda etapa, a SEHARPE deu continuidade ao trabalho, baseado no material já elaborado pela Defesa Civil, esclarecendo as habitações que serão recuperadas, portanto permaneceriam no local, e as que seriam retiradas.

O município retirou apenas as edificações que se localizavam no trecho do projeto de urbanização implantado entre a rua Atalaia e a Guanabara.

No caso da encosta de Aparecida, bairros de Mãe Luiza e Areia Preta, o PMRR já mapeou e caracterizou a encosta de Aparecida como uma encosta com instabilidade no solo, portanto, já identificou áreas em potencial para a ocorrência de desastres.

Conforme descrito, às folhas 1111 a 1113 do laudo pericial da UFRN/FUNPEC, o PMRR também estabeleceu medidas estruturais e não estruturais para reduzir o risco na comunidade de Aparecida, tais como:

a) Medidas estruturais, que inclui serviços de limpeza e recuperação, obras de macrodrenagem e proteção superficial, retaludamento, estruturas de contenção de pequeno porte, remoção e reassentamento de moradias;

b) Medidas não estruturais que inclui ações de mobilização social, elaboração de plano / programa/ projeto de desenvolvimento institucional e transferência de tecnologia, discussão sobre remoção de moradias, elaboração de planos e projetos de recuperação de área degradada e ações contínuas de fiscalização.

As ações realizadas pelas secretarias municipais, se limitaram a avaliar e intervir na área diretamente afetada, não havendo intervenções sobre o restante da encosta, conforme delimitado nos mapas presentes as folhas 1111 e 1112 dos autos.

Ressalta-se que o PMRR propõe, ainda, no Capítulo 9, fls. 294 a 301 do plano, a realização de ações mitigadoras específicas para redução de riscos relacionadas a áreas de instabilidade dos solos, que deveriam ser avaliadas a partir

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das especificidades de cada área.

Dentre as atividades consideradas preventivas, destacam-se: Obras de infraestrutura (implantação dos sistemas de água, drenagem, coleta de lixo e esgotamento sanitário); Controle da rede de abastecimento de água; controle da declividade e da altura dos cortes, com ações preventivas de educação comunitária e da elaboração de normas rígidas de urbanização, e quando necessário, recomenda-se abrandar a declividade, através de retaludamento ou de obras de contenção); Controle de aterros; controle do lixo, com o incremento dos serviços de limpeza urbana e educação ambiental sanitária da comunidade; Controle da cobertura vegetal, com a recomposição da cobertura vegetal e desenvolvimento de barreiras para facilitar a contenção de massas escorregadas.

6. Adotar Modelos de Gerenciamento de Riscos, dotando os responsáveis técnicos de ferramentas adequadas para o monitoramento das áreas, de modo a evitar ou minimizar acidentes, atender as emergências, reduzir e até mesmo erradicar os riscos ambientais, nas áreas de assentamentos precários;

Realizado Não realizado

Não foram apresentados registros sobre a implantação de modelos de gerenciamento de riscos específicos a comunidade, como Planos de Alerta (ou preventivos) e de Contingência para garantir a segurança da população em momentos críticos.

Estes planos são baseados em conhecimento técnico-científicos, associados aos procedimentos operacionais de atendimento à população, visando a proteção da vida e a diminuição dos prejuízos socioeconômicos.28

Na montagem e operação destes Planos devem ser realizadas diversas tarefas, tais como: definição do tipo de processo a ser considerado, levantamento das áreas de risco, estruturação logística das ações do plano, definição do aparato tecnológico de recepção e transmissão

28 Ministério das Cidades/Cities Alliance. Prevenção de Riscos de Deslizamentos em Encostas: Guia para Elaboração de Políticas Municipais / Celso Santos Carvalho e Thiago Galvão, organizadores – Brasília: Ministério das Cidades; Cities Alliance, 2006.

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de dados hidrometeorológicos e geotécnicos (de preferência em tempo real), capacitação das equipes locais para realizar vistorias das áreas durante todo o período das chuvas, difusão do sistema para a população por meio de palestras, folhetos, cartilhas e a realização de simulados (ensaios) de evacuação de áreas29

No caso da encosta de Aparecida, bairros de Mãe Luiza e Areia Preta, o PMRR já mapeou e caracterizou a encosta de Aparecida como uma encosta com instabilidade no solo, portanto, já identificou áreas em potencial para a ocorrência de desastres. A elaboração de planos específicos de alerta e contingência para a comunidade ocupante destas áreas, trata-se de uma medida não estrutural, para garantir a segurança da população, enquanto as medidas estruturais, que eliminem o risco instalado no local, não são realizadas.

7. Realizar estudos detalhados sobre a condição de fragilidade na encosta dunar do ponto de vista geotécnico (monitoramento de buracos e fissuras no subsolo e superfície, movimentos gravitacionais lentos da encosta, entre outros) e hidrológico. Nesse sentido, qualquer intervenção urbana realizada deve tomar medidas criteriosas e adequadas a estas condições naturais;

Realizado Não realizado

Não foram apresentados registros da realização de estudos sobre a condição de fragilidade da encosta das dunas do ponto de vista geotécnico e hidrológico.

8. Promover a manutenção permanente das instalações de infraestrutura urbana e de saneamento é imprescindível para se evitar que vazamentos na rede de galerias de esgoto e drenagem infiltrem e fragilizem o subsolo. Tal manutenção pode evitar o movimentando do material arenoso e a formação de vazios sob as construções e que, dependendo da carga hidráulica de escoamento, provoquem movimentos de areia desastrosos;

Realizado Não realizado

29 Brasil. Ministério das Cidades / Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT Mapeamento de Riscos em Encostas e Margem de Rios / Celso Santos Carvalho, Eduardo Soares de Macedo e Agostinho Tadashi Ogura, organizadores – Brasília: Ministério das Cidades; Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT, 2007.

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No tocante a manutenção das instalações de infraestrutura urbana e de saneamento, nas últimas diligências realizadas por esta Promotoria às folhas 1979 a 1987, foi constatado o contínuo despejo de esgotos na rede de drenagem. Estes esgotos chegam as galerias, superficialmente, pelas ruas e travessas do bairro de Mãe Luiza.

No laudo técnico, os peritos ressaltam que a manutenção das instalações de infraestrutura é imprescindível para que vazamentos na rede de galerias de esgoto e drenagem infiltrem, fragilizem o subsolo, movimentando material arenoso e formando vazios sob as construções e, dependendo da carga hidráulica de escoamento, provoquem movimentos de areia desastrosos. (Fls. 1046)

9. Como medida ambiental preventiva, sugere-se, ainda, a construção de estruturas de armazenamento e barramento de, pelo menos, parte das águas de escoamento superficial que fluem pelas encostas dos bairros de Areia Preta e Mãe Luiza, nos picos de chuvas intensas ou não. Tais construções podem ser piscinões, galerias de diminuição da velocidade de escoamento hidráulico e/ou bombeamento dessas águas para locais nos quais possam ser aproveitadas posteriormente. Caso o aproveitamento desta água seja considerado, as mesmas devem passar por algum tratamento que vai depender do uso posterior, inclusive para recarga do aquífero;

Realizado Não realizado

O município de Natal elaborou e implantou um projeto de drenagem com estruturas de captação e transporte das águas pluviais em alguns trechos das ruas Guanabara, Camaragibe, Antônio Félix, Saquarema e Atalaia (3 trechos), às folhas 1152/1155 e 1156/1157, diminuindo o fluxo superficial que se concentrava no local do evento.

A partir do ponto mais baixo da Rua Guanabara, a água segue sob a estrutura da escadaria implantada até a praia, tendo a cada dois patamares poços de visita para a manutenção.

A estrutura implantada para a captação de drenagem, de fato, apresenta uma maior capacidade de coleta e transporte de águas pluviais, principalmente na coleta da contribuição que chegava a Rua Guanabara e que descia até a praia.

Entretanto, conforme registrados em vistorias de campo desta Promotoria (1979 a 1987) e pelos relatos dos moradores do bairro de Areia Preta folhas 1990/1991 e 2012/2013), a água escoada até a praia, tem chegado com muita velocidade e tem acarretado um significativo carreamento de areia da faixa de orla.

A sugestão do laudo pericial, incluía a construção de estruturas que permitiam a diminuição da velocidade de escoamento hidráulico e/ou bombeamento dessas águas

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para locais nos quais poderiam ser aproveitadas posteriormente.

10. Manter ativo o acompanhamento das previsões das dinâmicas da atmosfera, tendo em vista a sua importância na gestão das manutenções prévias de infraestrutura e de atuação da defesa civil nas áreas consideradas de risco.

Realizado Não realizado

Não foram apresentados registros sobre a realização do citado acompanhamento.

Elaboração de planos de intervenções estruturais integradas considerando os aspectos técnicos, econômicos e socioculturais dos bairros;

Realizado Não realizado

Não foram elaborados planos de intervenção, de modo integrado, nas áreas de instabilidade de solos da comunidade de Aparecida, nos limites estabelecidos pelo PMRR, fls. 1111 a 1112, mas apenas para a área diretamente afetada pelo desastre.

Os planos de intervenções estruturais devem ser realizados para eliminar o risco instalado, e a partir de um processo de avaliação detalhado, poderá abranger obras de retaludamento; drenagem superficial ou subterrâneas; drenagem de estruturas de contenção; proteção superficial da encosta, com materiais naturais; proteção superficial com materiais artificiais; muros de gravidade; obras de contenção com estrutura complexa.30

Inserção de obras de contenção em programas de reurbanização ou consolidação geotécnica, levando em consideração as características físicas e urbanísticas;

Realizado Não realizado

Não foram implantadas as referidas intervenções nas áreas de instabilidade de solos

30 Prefeitura do Natal. Plano Municipal de Redução de Riscos do Município de Natal. Relatório Final, Vol 1. Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB). Natal, 2008.

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da comunidade de Aparecida, nos limites estabelecidos pelo PMRR, fls. 1111 a 1112, mas apenas para a área diretamente afetada pelo desastre.

Avaliação técnica e criteriosa do possível reuso da área de risco para fins habitacionais de interesse social, especialmente dos estratos inferiores de renda, utilizando técnicas construtivas adequadas às condições geotécnicas das encostas.

Realizado Não realizado

Considerando os estudos do PMRR, praticamente toda a encosta da Rua Guanabara (Comunidade de Aparecida) se caracteriza como área de instabilidade de solos.

Além das recomendações específicas à encosta de Aparecida, já relatadas, o plano indica uma série de ações preventivas ou de obras corretivas de processos erosivos para áreas com estas características.

No tocante a ocupação de áreas com estas características, o Plano recomenda a elaboração de um microzoneamento das áreas de risco e a definição criteriosa das áreas interditadas para a edificação. (Fls. 296 do PMRR)

Dentre as ações realizadas pelo Município de Natal, verificou-se que foi realizada uma avaliação, por parte da defesa civil, das edificações em situação de risco, que interditou algumas residências na área diretamente atingida pela tragédia.

Ao longo do processo, algumas dessas edificações foram sendo liberadas, outras foram recomendadas a realização de melhorias e outras a indicação de demolição. No entanto, exceto o trecho entre as Ruas Atalaia e Guanabara, área diretamente afetada, no qual foi realizada uma reurbanização, não ouve uma avaliação da encosta, sobre esta perspectiva, de avaliar trecho passiveis de (re) ocupação ou não, considerando a situação de fragilidade do restante da encosta, após a ocorrência do desastre.

Concomitante as ações de engenharia referidas, deve-se estabelecer um programa de AÇÕES NÃO-ESTRUTURAIS, que inclua atividades de educação ambiental para a comunidade com vistas a minimizar riscos futuros e a realização de ações de

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conscientização dos moradores para os problemas da área que ocupam.

Realizado Não realizado

Não foram realizadas ações de educação ambiental, principalmente, quanto a manutenção dos serviços de saneamento ambiental.

Entre as medidas preventivas não efetuadas pode-se

afirmar, a partir das análises técnicas realizadas nos citados documentos, que a

uma das providências indicadas como primordial se refere à feitura de “estudos

detalhados sobre a condição de fragilidade na encosta dunar do ponto de vista

geotécnico e hidrológico. ” (Item 7 – medidas preventivas Laudo

UFRN/FUNPEC)

Os professores que subscreveram o laudo enfatizaram que a

intervenção urbana realizada deve tomar medidas criteriosas e adequadas as

condições naturais da área. Ainda neste sentido, o laudo pericial da

UFRN/FUNPEC e o relatório da CPRM – Serviço Geológico do Brasil –

ressaltam a forma de aterramento da vala que pode apresentar problemas

futuros, como se constata nas seguintes observações técnicas:

O aterramento da vala, iniciada no dia 18 de junho, é uma tentativa de reverter os impactos ambientais. A maneira como foi conduzido inicialmente o aterramento, sem a remoção das lonas plásticas e dos detritos (Figura 72), poderá, entretanto, provocar daqui a algum tempo o rebaixamento (recalque) do terreno por acomodação do material de aterramento e por infiltração diferenciada. Isto poderá acentuar os riscos de desabamento caso novas construções surjam no local. (Fls. 91 do Relatório Técnico Ambiental. UFRN/FUNPEC. 2014)

A retirada dos escombros, lixo e material contaminante do canal, também é necessária, pois podem causar a formação de vazios sob o aterro, podendo agravar os problemas de erosão, como também potencializar a

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contaminação do lençol freático, visto que as dunas funcionam como filtros naturais para os aquíferos da região. Relatório CPRM – Serviços Geológico do Brasil (Fl. 227)

Assim como as medidas preventivas, algumas das medidas

indicadas para a garantia da recuperação integral da encosta não foram

realizadas, conforme exposto na tabela a seguir:

1. Promover a desapropriação dos terrenos situados entre a Rua Guanabara e a Avenida Sílvio Pedrosa, por onde o material proveniente do movimento de massa escoou;

Medidas realizadas Medidas não realizadas

O município desapropriou os terrenos citados e implantou o projeto de recuperação da área, denominado “Projeto Básico de Drenagem de águas Pluviais para prevenir novo desmonte hidráulico da Rua Guanabara/ Rua Atalaia/ Av. Gov. Silvio Pedrosa”, apresentado pela SEMOV em dezembro de 2015. (Fls. 1152/1155 e 1156/1157)

2. Promover a execução de um projeto urbanístico para toda a encosta da Rua Guanabara, visando à recuperação do recobrimento vegetal e a proibição da ocupação por edificações dos espaços livres remanescentes, de modo a garantir o equilíbrio ambiental do lugar;

Medidas realizadas Medidas não realizadas

O município não executou um projeto urbanístico para encosta da Rua Guanabara, na abrangência indicada no laudo, denominada na perícia técnica como área de entono.

3. Executar projetos nos espaços públicos afetados, especialmente as vias e escadarias ou outros terrenos nas encostas ainda não construídos, que venham a ser desapropriados, de modo a diminuir os graus de impermeabilização do solo;

Medidas realizadas Medidas não realizadas

O Município implantou um projeto de recuperação urbanística em parte da área diretamente afetada pelo desastre.

No trecho correspondente ao Bairro de Areia Preta foi implantada uma escadaria de acesso entre a Rua Guanabara e a Av. Sílvio Pedrosa, a “Escadaria de Mãe Luiza”, assim como a reconfiguração da ocupação urbanística no trecho atingindo

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entre as Ruas Guanabara e Atalaia.

Antes do desastre, este trecho era ocupado por edificações habitacionais e uma pequena Travessa de interligação entre as citadas ruas. O novo projeto recuperou as áreas ao uso público, implantando uma via de acesso, entre a Rua Atalaia e a Guanabara, e equipamentos de uso coletivo (academia da terceira idade e um estacionamento)

Ressalta-se que a indicação do laudo não abrange apenas as áreas diretamente afetadas, mas outros terrenos existentes na encosta, principalmente, nos trechos ainda não ocupados por edificações.

Em relação as edificações habitacionais, o município apresentou dois projetos de realocação, ambos priorizando a permanência das famílias dentro do bairro de Mãe Luiza. (Fls.905/910).

A última proposta chegou a ser detalhada e o terreno desapropriado. No entanto, no ano de 2016, dois anos após o desastre, o município informou que não teria recursos financeiros para a execução da obra orçada em aproximadamente 1,5 milhão de reais (orçamento de 2015). As famílias desabrigadas foram incluídas na lista do Programa Minha Casa Minha Vida de Natal, e passarão pelos mesmos critérios de seleção das outras famílias existentes no cadastro. Não havendo prazo para a entrega das residências aos moradores afetados pelo desastre.

4. Promover a recuperação do pavimento da Rua Guanabara e adjacências, assim como das obras de infraestrutura (rede elétrica e escadaria de acesso à praia de Areia Preta para a comunidade de Mãe Luiza);

Medidas realizadas Medidas não realizadas

As vias locais foram recuperadas e a Travessa Atalaia foi ampliada, conforme já descrito nos itens anteriores.

5. Promover a recuperação e/ou reconstrução das áreas ocupadas pelas edificações atingidas pelo desastre, preferencialmente para fins coletivos;

Medidas realizadas Medidas não realizadas

Na área diretamente afetada, o município executou um projeto urbanístico, priorizando a implantação de espaços

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públicos, conforme descrito no item 3.

6. Estabelecer um programa de educação ambiental para conscientizar a população do Bairro de Mãe Luiza sobre os riscos a que estão submetidas e medidas de proteção que devem ser adotadas;

Medidas realizadas Medidas não realizadas

Não foram realizadas ações de educação ambiental, principalmente, quanto à manutenção dos serviços de saneamento ambiental.

A prática de despejo de esgotos clandestinos na rede de drenagem continua ocorrendo, levando a contaminação da praia de Área Preta, conforme verificado as folhas 1979 a 1987.

7. Executar estruturas de contenção das encostas compatíveis com estudos detalhados sobre os aspectos geológicos e geotécnicos da área;

Medidas realizadas Medidas não realizadas

O Município executou um projeto de contenção de parte da área diretamente afetada pelo desastre, a “Escadaria de Mãe Luiza”, apresentado pela Semov, às folhas 242 a 247 dos autos.

Entretanto, este projeto não abrangeu os demais trechos com instabilidade dos solos, conforme delimitado no PMRR (fls. 112). Além disso, o laudo especificou como medida preventiva a realização “de estudos detalhados sobre a condição de fragilidade na encosta dunar do ponto de vista geotécnico (monitoramento de buracos e fissuras no subsolo e superfície, movimentos gravitacionais lentos da encosta, entre outros) e hidrológico.

8. Executar obras de drenagem das águas pluviais em toda extensão das encostas e monitorar a sua ocupação de forma compatível com as previsões de precipitação futuras;

Medidas realizadas Medidas não realizadas

A Semov executou um projeto de recomposição do sistema de drenagem para parte da bacia de contribuição de águas pluviais para a comunidade de Aparecida. O projeto redimensionou a estrutura que existia na área, com a implantação de estruturas de captação das águas pluviais em parte das ruas Camaragibe, Rua Antônio Félix, Rua

No tocante ao monitoramento do uso e ocupação das encostas, nas diligências realizadas por este Ministério Público, folhas 1979 a 1987, verificou-se que os demais lotes da encosta da Rua Guanabara não sofreram ações de controle de novas ocupações.

Durante uma vistoria realizada no dia 5 de maio de 2016, uma edificação estava

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Saquarema e Rua Atalaia (3 trechos), diminuindo, assim, a contribuição superficial que chegava ao ponto mais baixo da sub-bacia. (Folhas 1154 a 1155)

sendo reconstruída na encosta ao lado da Escadaria de Mãe Luiza, à revelia do controle municipal.

9. Recuperar a rede coletora de esgotos com redimensionamento apropriado para toda a área da encosta de Mãe Luíza e Areia Preta;

Medidas realizadas Medidas não realizadas

A CAERN executou projeto de recomposição do sistema de esgotamento sanitário apenas nos trechos que sofreram o desmoronamento, folhas 647. A companhia informou no relatório, que a estrutura implantada está apta a receber a vazão do bairro de Mãe Luiza, esclarecendo, ainda, que as sobrecargas no sistema podem ocorrer pela ligação clandestina de águas pluviais no sistema. (Fls.626 a 652)

Ressalta-se que o laudo especifica como medida preventiva a readequação e/ou redimensionamento do sistema de forma compatível com a densidade populacional e construída atual, bem como baseados em prognósticos de crescimento nas próximas décadas, não somente para a área afetada pela Corrida de Areia, mas para a totalidade dos bairros de Mãe Luíza e Areia Preta; (Laudo pericial – medidas de caráter preventivo para impedir novos deslizamentos)

Fica nítido que as medidas realizadas pelos réus não foram

suficientes para tirar a população da área de risco e estão longe de serem

suficientes para impedir a continuidade da poluição que continua diuturnamente

no local, ensejando reiteradas reclamações por parte dos moradores e visitantes

da área atingida e das adjacências.

Conforme depoimento prestado pelos representantes da

Associação de Moradores da Praia de Areia Preta, no dia 15 de abril de 2016, é

patente a existência de lançamentos de esgotos irregulares no sistema de

drenagem da comunidade de Mãe Luiza (escadaria), que escoam até a praia de

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Areia preta; a existência de uma tubulação da CAERN com lançamento de

esgotos diretamente na praia; e a erosão de parte da praia, em função das

águas pluviais que chegam pelas estruturas de drenagem.

No dia 27 de abril de 2016, foi realizada uma vistoria no local

com o acompanhamento dos representantes da Associação e do IDEMA. Em

função da ausência da Semurb e da Guarda Municipal, a equipe não realizou

vistoria em Mãe Luiza. No dia 05 de maio de 2016, a equipe do Ministério

Publico retornou ao local com os representantes da Semurb, onde foram

verificados os problemas apontados na vistoria anterior e os possíveis pontos de

lançamento de esgoto na galeria de drenagem do bairro de Mãe Luiza.

O problema relatado pelos moradores sobre o despejo

de esgotos (águas servidas) na rede de drenagem e consequente despejo

na praia, foi identificado, de modo mais crítico, na saída das galerias que

deveriam escoar as águas pluviais da comunidade de Mãe Luiza.

Este problema já era relatado antes de ocorrer o

deslizamento (corrida de areia) da encosta da Rua Guanabara, que destruiu as

redes de coleta e transporte do sistema local. Após o desastre, o Município de

Natal implantou uma nova rede de drenagem, que segundo as informações

prestadas pela SEMOV, às folhas 1152/1155 e 1156/1157, abrangem trechos das

ruas Camaragibe, Antônio Félix, Saquarema e Atalaia (3 trechos), diminuindo,

assim, a contribuição superficial que chegava ao ponto mais baixo da sub-bacia.

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Figura 46: Planta da rede de drenagem implantada no local. FONTE: Trecho da planta encaminhada pela SEMOV, em 2015.

Os moradores relataram, ainda, que o problema aumentava

nos momentos de chuva.

Outro ponto vistoriado foi a Estação Elevatória de Esgotos,

EE03-AS, operada pela CAERN, que bombeia o esgoto coletado para seu

tratamento final, na Estação de Tratamento de Esgotos do Baldo. Segundo a

denúncia, nas proximidades da E.E. haveria uma espécie de “suspiro” que seria

eventualmente aberto pela companhia, despejando esgoto sem tratamento

diretamente na praia. No local apontado pelos moradores, foi identificada uma

tubulação que seria um extravasador gravitacional da caixa de passagem

existente antes da EE, e seria utilizada em caso de sobrecarga do sistema ou

quebra das bombas. Esta tubulação estava tamponada e não foram identificados

indícios de despejos recentes no local (lama ou lodo).

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Figura 47: Local indicado como "caixa de passagem do esgoto", que segue para a EEE.

Figura 48: Vista interna da "caixa de passagem do esgoto". Uma das duas tubulações localizadas na parede da caixa, a esquerda, seria um extravasador para a praia.

Figura 49: Local indicado pelos moradores com o despejo de esgotos, a tubulação viria da caixa de passagem. No momento da vistoria esta tubulação estava fechada. Praia de Areia Preta

Durante a vistoria, a equipe técnica da Semurb informou que

a EE possui um reservatório pulmão, para ser utilizado nestes casos de

sobrecarga do sistema. Informou ainda, que a sobrecarga pode ocorrer em

períodos de chuva, em função da interligação das águas pluviais dos lotes

privados ao sistema de esgotamento, ou nos casos em que as bombas da

elevatória pararem de funcionar. Os técnicos que acompanharam as vistorias, do

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IDEMA e da SEMURB, não conseguiram confirmar se este reservatório possui

algum extravasador para a praia. Os representantes do IDEMA ficaram de

confirmar esta informação. O representante da Semurb, chegou a verificar o

reservatório pulmão e constatou que havia um volume significativo de esgotos.

Esclareceu que isto não poderia ocorrer, pois o reservatório só poderia conter

esgotos nos casos já mencionados.

Figura 50: Vista do local onde, segundo a equipe da SEMURB, estaria o reservatório pulmão e que no momento da vistoria possuía um volume significativo de esgotos. (05/05/2016)

Em relação ao processo de erosão da faixa de praia, foram

verificadas as áreas nas proximidades das galerias do sistema de drenagem.

Nestas áreas foi observado que a linha topográfica sofria alterações e a faixa de

areia ficava “mais baixa”, seguindo assim até o mar. Dependendo do volume e

da velocidade (energia) que estas águas chegam ao local, é possível gerar um

processo de carreamento da faixa de areia. Nestes casos. Quanto ao fato do

volume das águas provocar um processo de erosão na faixa de praia, foi

constatado que na saída da galeria Mãe Luiza foram implantados degraus e

rochas, dispositivos utilizados para dissipar a energia das águas. Deve-se

ressaltar que apenas um profissional especializado pode avaliar se os

dispositivos implantados nas saídas das galerias estão suficientes para

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minimizar o impacto sobre a praia.

Figura 51: Saída de uma das galerias da praia. Identificação em vermelho do trecho da faixa de areia carreado. Praia de Miami (05/05/2016)

Figura 52: Saída de uma das galerias da praia. Identificação em vermelho do trecho da faixa de areia carreado. Praia de Areia Preta (05/05/2016)

Figura 53: Trecho da faixa de areia próximo ao rancho dos pescadores. Praia de Areia Preta

Segundo os moradores, o fato se agrava em dias de chuva,

devido ao volume e a velocidade da água, carreando um volume de areia

superior e alterando o perfil da praia. Além disso, informaram que em um trecho

da praia a água fica acumulada, formando uma lagoa por diversos dias.

Ressalta-se que mesmo sem chuva, foi identificado o acumulo de efluentes nas

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duas galerias em que foram registrados os despejos de águas servidas,

conforme demonstrado no item 2 do presente relatório.

Figura 54: Identificação do local indicado pelos moradores. Praia de Miami.

Figura 55: Trecho em que os moradores relataram em que ocorre o maior acumulo de água, mas no período de chuva. Praia de Miami. (05/05/2016)

No tocante as reclamações sobre a “erosão” da praia,

provocada pelas águas que escoam pelas galerias do sistema de drenagem,

constatou-se que o efluente lançado tem acarretado a criação de “cavas”, pontos

de erosão, que dependendo da intensidade impede/dificulta o escoamento até o

mar. Esta erosão, em muitos casos, é causada pelo volume e velocidade do

efluente lançado, por isso é comum a implantação de “dissipadores de força”. No

caso das praias de Miami e Areia Preta, a criação das cavas e o acumulo dos

efluentes nestes locais, não está relacionado exclusivamente a existência ou

não desses dissipadores, há também uma relação com a morfologia da orla, a

topografia do trecho e a dinâmica marinha. Além disso, o lançamento de água

servida pode agravar a situação, pois pode criar uma camada de lodo espessa

que dificulta a permeabilização no local.

Quanto ao suposto extravasamento do esgoto da Estação

Elevatória operada pela CAERN, em função da ausência do projeto da rede

instalada no local e da ausência de constatação do despejo no momento da

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vistoria, não foi possível esclarecer se o esgoto realmente sai do sistema de

esgotamento. De qualquer modo, constatou-se a necessidade de esclarecer se a

Estação possui algum extravasador para o mar e sob quais condições ele seria

utilizado.

Com tais considerações, fica possível constatar que o

município não tem realizado ações de fiscalização ou de educação

ambiental/urbana na localidade de Aparecida/Mãe Luiza, tendo em vista o

volume de esgotos (águas servidas) identificadas na rede de drenagem, bem

como a identificação da construção de uma residência na encosta da Rua

Guanabara.

Figura 56: Construção (ou reconstrução) de uma residência na área diretamente afetada no "desastre de Mãe Luiza, ao Lado da nova escadaria.

Figura 57: Construção (ou reconstrução) de uma residência na área diretamente afetada no "desastre de Mãe Luiza, ao Lado da nova escadaria.

3.1. DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA

Como bem demonstrado no relato dos fatos e, em especial,

nas vistorias e demais diligências realizadas neste ano de 2016, a poluição de

ordem sanitária e a situação de risco no local ainda persistem. No tocante ao

risco, importa frisar que o próprio Plano Municipal de Redução de Risco

atribuiu grau cinco, sob a justificativa de que “Está sujeito a risco alto de

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deslizamento de solo” naquela região de Aparecida.

Esse risco ainda não foi efetivamente afastado pelo

Município e tende a aumentar no período de chuvas, que já vem se

aproximando. As pessoas que construíram suas casas no sopé ou no topo das

encostas continuam na iminência de serem vitimadas por soterramentos ou

desmoronamentos.

A poluição por lançamento de esgotos a céu aberto no

ambiente, como demonstrada detalhadamente nos relatórios recentes

realizados, ainda persiste, deixando a população diuturnamente prejudicada no

que diz respeito às condições sanitárias do local. Nota-se que a poluição

detectada se apresenta como de ampla repercussão porque extrapola o Bairro

de Mãe Luiza e atinge também o Bairro de Areia Preta, afetando, inclusive a

balneabilidade das praias que se apresentam sempre como imprópria ao banho.

Nisso reside o perigo de dano (periculum in mora).

A expectativa do bom direito (fumus boni juris), o outro

requisito do pedido liminar, exsurge dos fundamentos já expostos e vastamente

delineados no tópico da fundamentação jurídica. Ressalta, no tocante à

eliminação da área de risco, as diretrizes e objetivos, não observados pelo

Município réu, descritos nos arts. 5º e 8º da Lei n. 12.608, de 10.04.2012, que

“Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil”, dispositivos estes já

transcritos na presente petição, bem como nas orientações e sugestões,

igualmente não implantadas, previstas no já citado Plano Municipal de Redução

de Riscos, com referências já realizadas nesta inicial.

Em razão disso o Ministério Público requer, em fase

liminar, com apoio nos arts. 12 da LACP e art. 84, § 3º, do CDC:

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1) Considerando a necessidade de se adotar medidas emergenciais

de prevenção necessárias para evitar novos deslizamentos de terra na

comunidade de Mãe Luiza e considerando, ainda, que, após o desastre,

algumas obras foram realizadas pelo Município no local, sem contudo

solucionar os problemas que requerem diligências emergenciais para

garantir a prevenção de novos eventos danosos, bem como para cessar a

poluição ambiental continuada que tem sido detectada em Mãe Luiza/

especificamente na região de Aparecida (conforme delimitado no item 3

da presente petição e no Plano Municipal de Redução de Risco – PMRR)

e adjacências: que seja nomeado por esse Digno Juízo, perito e/ou

equipe de peritos para que realize, no prazo que sugere que seja de

30 (trinta) dias, uma vistoria nessa área e adjacências - com custos

arcados pelo Município e pela CAERN - para que o perito ou a equipe,

com base no Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) e nos

documentos técnicos existentes nos presentes autos, aponte as medidas

estruturais e não estruturais que precisam ser adotadas pelo Município e

pela CAERN (as medidas da CAERN são relativas ao sistema de

esgotamento sanitário) na área para evitar novos acidentes, atender

emergências, reduzir e erradicar os riscos ambientais nas áreas de

assentamentos;

2) Que o perito ou a equipe de peritos indique as edificações e/ou

encostas e/ou áreas que ainda se encontram em situação de risco e, em

se constatando perigo iminente de desabamentos, soterramentos ou

outros danos, indique os locais e as diligências que precisam ser tomadas

para eliminação dos riscos, tais como a evacuação das pessoas

instaladas nas áreas de alto risco ou das que se encontram em

edificações vulneráveis (inc. VII, art. 8º, da Lei 12.608/2012);

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3) Que o perito ou a equipe de peritos realize uma análise técnica do

sistema de drenagem que foi instalado no local após o desastre e,

levando em consideração além dos dados levantados, os laudos técnicos

já existentes nos autos, que esclareça quais são as medidas necessárias

para aprimoramento e/ou ampliação do sistema de forma a contemplar e

a impedir alagamentos, acidentes e de forma a impedir que o sistema

seja utilizado como descarte de água servida;

4) Que o perito ou a equipe de peritos realize uma análise técnica do

sistema de esgotamento sanitário já existente, bem como do que foi

instalado no local após o desastre e, levando em consideração além dos

dados levantados, os laudos técnicos já existentes nos autos, que

esclareça quais são as medidas necessárias para aprimoramento do

sistema de forma a contemplar e a impedir a continuidade de lançamento

de esgotos a céu aberto, como demonstrado nas vistorias realizadas nos

meses de abril e maio deste ano de 2016. O documento deve esclarecer

a existência de extravasador na Estação Elevatória – EE da CAERN;

5) Que o Município de Natal e a CAERN adotem as medidas

indicadas pelo perito e/ou equipe de peritos, no prazo a ser indicado no

documento técnico;

6) Que seja determinado ao Município de Natal que ofereça a opção

de realocação, no próprio bairro, das famílias prejudicadas no desastre de

Mãe Luiza, que perderam suas casas, (a relação das vinte e seis famílias

prejudicadas encontra-se às fls.1963/1970 dos autos);

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7) Que seja concedido prazo para que o Município de Natal realize a

construção de novas casas e a realocação das famílias que perderam

suas moradias no desastre, bem como para a realização dos reparos das

casas das famílias que tiveram seus imóveis danificados;

8) Que seja mantido o aluguel social por parte do Município às

famílias que tiveram que se ausentar de suas residências em razão do

desastre até a reforma e/ou a reconstrução das residências;

9) Independentemente do trabalho pericial requerido, que o Município

de Natal, realize, no prazo que sugere que seja de 30 (trinta) dias, uma

vistoria das áreas de encostas e/ou outras sujeitas a risco de

deslizamento de terra situadas na área delimitada no PMRR como

Aparecida (tópico 3 da presente petição), abrangendo as Ruas

Guanabara, Atalaia e vias adjacentes, nos Bairros de Mãe Luiza e Areia

Preta, nesta Capital, e, em se constatando perigo iminente de

desabamentos e soterramentos, promover, além das diligências cabíveis,

a evacuação das pessoas instaladas nas áreas de alto risco ou das que

se encontram em edificações vulneráveis (nos termos do art. 8º, VII da Lei

12.608/2012 – a relação encontra-se a fl. 1963/1970);

10) Que o Município promova, até solução final do litígio, fiscalização

rotineira das áreas mencionadas no item anterior para vedar novas

ocupações (art. 8º, V da Lei 12.608/2012);

11) Que o Município de Natal adote, no que couber, na mesma área,

“os instrumentos de prevenção/intervenção” previstos nas págs. 29 e 30

do Volume I e págs. 135-138 do Volume 2 do “Plano Municipal de

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Redução de Riscos do Município de Natal” (cf. arquivo digitalizado anexo

intitulado Vol I-PMRR e Vol 2-PMRR contendo o “PLANO MUNICIPAL DE

REDUÇÃO DE RISCOS DO MUNICÍPIO DE NATAL”).

4- DOS PEDIDOS CONCLUSIVOS

Diante de todo o exposto, além da ratificação, no mérito, dos

pedidos acima arrolados, o Ministério Público requer:

1. a citação das partes demandadas, pelos seus representantes legais, nos

endereços já indicados, para contestarem ou concordarem com o pedido, sob

pena de revelia;

2. o deferimento definitivo de todos os pedidos formulados em sede de

antecipação de tutela;

3. a procedência dos pedidos, para determinar, além da condenação das partes

demandadas nas obrigações mencionadas em sede de tutela antecipada:

3.1. em relação ao Município de Natal, que este seja condenado a:

3.1.1. realizar todas as medidas de prevenção de novos riscos, de

reparação e de compensação arroladas no item 1.7 da presente

petição inicial, bem com as recomendações e medidas estruturais e

não estruturais indicadas no Plano Municipal de Redução de Riscos

– PMRR, além das apuradas e indicadas em decorrência da fase

instrutória desta lide;

3.1.2. realizar a ampliação e a melhoria do sistema de drenagem na área

de contribuição de drenagem que compreende o trecho de

Aparecida, nos Bairros de Mãe Luiza e Areia Preta e adjacências, de

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forma que o sistema opere com eficiência e não ocasione poluição;

3.2. em relação à CAERN:

3.2.1. adequar todo o sistema de esgotamento sanitário na área de

contribuição de esgotos que compreende o trecho de Aparecida, nos

Bairros de Mãe Luiza e Areia Preta e adjacências, de forma que o

sistema opere com eficiência e não ocasione poluição, adotando

também todas as medidas cabíveis a empresa constantes no Plano

Municipal de Redução de Riscos – PMRR;

4. em relação ao Município de Natal e à CAERN, que sejam condenados a:

4.1. pagar, valor a ser determinado por esse Digno Juízo, a título de dano

moral coletivo, por violação ao interesse difuso tutelado na presente lide

em decorrência do desastre ambiental causado no Bairro de Mãe Luiza,

devendo o respectivo montante ser revertido para o fundo de que trata o

art. 13 da Lei 7.347/85;

4.2. adotar todas as recomendações exaradas pela perícia judicial e as

decorrentes das conclusões técnicas realizadas durante o curso da

presente demanda;

4.3. realizar todas as obras que porventura forem determinadas, com

eficiência;

4.4. indenizar os danos materiais e morais às pessoas atingidas pelo

desastre em Mãe Luiza, nos termos do CDC, em especial do art. 81

caput e Parágrafo Único, inciso III, bem como art. 91 e segs;

5. a publicação de edital em consonância com o art. 94 da Lei 8.078/90, c/c o

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art. 21 da Lei 7.347/85, a fim de que os interessados possam intervir no

processo como litisconsortes;

6. a produção de todas as provas permitidas no Direito; e

7. a condenação dos demandados aos honorários de peritos, que porventura

forem precisos, e verbas sucumbenciais de praxe.

Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 para efeitos fiscais.

Termos em que, esperam deferimento

Natal, 14 de junho de 2016

GILKA DA MATA DIAS 45ª PROMOTORA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE

MARIA DANIELLE SIMÕES VERAS RIBEIRO

49ª PROMOTORA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA