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4 Os Ciclos da Cana-de-Açúcar e do Ouro na História Colonial Brasileira

No Capítulo anterior, mostramos que os padrões de desenvolvimento

econômico e institucional no território brasileiro estão intimamente relacionados a

um amplo conjunto de características geográficas e climáticas. Observando esses

padrões, é possível relacioná-los à diversidade de trajetórias históricas

experimentadas pelas regiões do país. O passado colonial parece ter imprimido

feições distintas na sociedade brasileira de acordo com as possibilidades que a

localização geográfica e os recursos naturais ofereceram à exploração econômica

da metrópole.

Entre 1500 e 1822, o Brasil esteve sob a condição de colônia de Portugal.

Durante a maior parte deste período, a intervenção portuguesa, de caráter

claramente extrativo, se fez sentir de formas e intensidades diferentes no território

do país. O tipo de intervenção variava de acordo com o interesse europeu sobre

determinados bens, com o tipo de atividade econômica que a exploração desses

bens engendrava e com a viabilidade da atividade e do exercício de um controle

efetivo da mesma, dadas as dimensões geográficas do país.

Nos primeiros anos da colonização, a principal atividade econômica era a

extração de pau-brasil, que era obtido, basicamente, através de escambo com a

população nativa. Quando Portugal decidiu colonizar o Brasil efetivamente, criou

o sistema de capitanias hereditárias que, apesar de sua duração efêmera, marcou o

início de uma exploração mais sistemática da colônia como fonte de extração de

renda. Diferentes atividades econômicas, então, começaram a ser promovidas

pelos colonos.

Na região Nordeste, devido às características climáticas e à proximidade à

Europa, as decisões acerca da exploração econômica desse território vinham

diretamente da metrópole9 e, durante todo o período colonial, foi uma região cujo

9 A coroa portuguesa chegou a proibir o cultivo de qualquer gênero diferente da cana-de-açúcar em uma determinada faixa do litoral nordestino (Fausto, 2006). Freire (1976) chama atenção para

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destino esteve muito associado à sua condição de colônia. A região Sudeste não

sofria tanta intervenção inicialmente, tendo sido desenvolvidas atividades

diversificadas e mais condizentes com o interesse dos colonos que permaneceram,

de certo modo, à margem dos empreendimentos coloniais apoiados por Portugal10.

Portanto, a distância em relação à metrópole, devido aos custos e às dificuldades

de transporte na época, era uma variável relevante para o grau de intervenção

sofrido pela colônia ao longo de seu território:

“A distância física entre Lisboa, o principal centro de decisão político-administrativo, e as cidades litorâneas brasileiras, e destas para o interior, transformava em meses ou anos o tempo das decisões (...). Impunha-se, assim, um ‘tempo administrativo’ que adiava as decisões e prejudicava a eficiência da máquina de governo”.(Wehling, 1994, p.302)

Entre as diversas atividades que se desenvolveram na época colonial –

cana-de-açúcar, fumo, mineração, café, algodão, pecuária, entre outras –, é

possível destacar dois ciclos econômicos que, segundo Simonsen (1979), foram

cruciais na formação econômica do Brasil: a cana-de-açúcar e a mineração.

Embora seja inevitavelmente reducionista analisar tais episódios como ciclos, pois

dá uma idéia de surgimento ascensão e fim – o que não é totalmente verdade,

especialmente, no caso do açúcar –, estes permitem identificar, nas áreas

diretamente afetadas no período “hegemônico” do produto, a estrutura

institucional a eles associada.

Nos períodos mais prósperos dessas atividades, havia de fato uma

mobilização de esforços econômicos, de mão-de-obra bem como da máquina

burocrática e administrativa para explorar ao máximo as rendas disponíveis. A

partir do momento em que essas rendas davam sinais de esgotamento, apesar de as

atividades, muitas vezes, seguirem existindo, essa mobilização se dissolvia, o que

denota a idéia de ciclo. Vale lembrar que a decadência do açúcar nordestino e a

descoberta de ouro na porção central do Brasil levaram, em 1763, à mudança da

capital da colônia de Salvador (BA) para o Rio de Janeiro.

o contraste entre a policultura e a riqueza nutricional do Sul e a monocultura extensiva e conseqüente pobreza alimentar do Norte. 10 Houve, no Brasil, uma espécie de “reverso da fortuna” em relação a estas regiões. Sobre a trajetória de desenvolvimento das capitanias do Sul, Simonsen (1937) afirma que, no final do século XVI, “não há (...) confronto possível entre a pobreza paulista e a fartura usufruída no Brasil açucareiro” (Simonsen, 1937, p.292).

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Em linhas gerais, pode-se dizer que a economia européia ditava quais

produtos eram valorizados e as condições geográficas determinavam a localização

da sua exploração no território. A construção da estrutura econômica, política e

social vinculada aos ciclos coloniais, devido a essa exogeneidade na determinação

do produto relevante e da situação geográfica do mesmo, pode ser considerada

como um choque institucional nas regiões afetadas.

Soma-se a isso o fato de que não havia, no Brasil, antes da colonização,

sociedades complexas ou regiões densamente povoadas como na América

espanhola. Esses dois episódios coloniais se deram, portanto, em locais onde não

havia nenhuma estrutura social ou econômica bem desenvolvida, isto é, os ciclos

não foram determinados por alguma característica sócio-econômica preexistente.

Esses eventos foram, assim, originais em todos os seus aspectos institucionais, o

que permite a interpretação destes como choques.

Além dessa característica exógena, os dois ciclos econômicos destacados

têm um caráter claramente rent-seeking11. A condição de colônia impunha um

sentido extrativista nas principais atividades e um caráter prioritário àquelas que

geravam uma maior lucratividade para a metrópole. Os colonos que se engajavam

em tais atividades visavam, essencialmente, extrair as rendas envolvidas12. Há

diversos relatos sobre a grave carência de abastecimento de alimentos básicos,

tanto nas áreas açucareiras, em virtude da monocultura extensiva, quanto nas

áreas de mineração, locais absolutamente despreparados para receber o volume de

pessoas que chegava e cujos interesses residiam, exclusivamente, na obtenção de

metais preciosos (HGCB, 1968; Simonsen, 1937; Boxer, 2000; Freire, 1976).

Concentraremos a nossa análise nesses dois ciclos coloniais: cana-de-

açúcar e ouro. Ambos são marcados por uma estrutura sócio-econômica

extrativista, por uma lógica rent-seeking e pelo uso massivo de trabalho escravo.

No entanto, distinguem-se entre si por uma série de características importantes

11 Sobre a atividade açucareira: “(...) havia uma proibição formal de publicações relativas ao comércio e aos lucros portugueses; a apreensão e destruição da obra de Antonil provam essa asserção.”(Simonsen, 1937, p.112). 12 Os colonos portugueses tinham uma visão de curto-prazo tão forte com relação ao tempo de permanência no Brasil que, até o século XVIII, era comum homens migrarem para a colônia deixando suas esposas em Portugal. Durante todo o período colonial, o número de mulheres brancas, em particular, era muito reduzido (ver Wehling, 1994; ou Russel-Wood, 1977; em relação às áreas mineradoras). Em relação à economia do açúcar, Padre Manuel da Nóbrega escreveu no século XVI: “this people of Brazil pay attention to nothing but their engenhos and wealth even though it be with the perdition of all their souls” (citado em Schwartz, 1987, p.88).

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que serão ressaltadas no decorrer do trabalho. Assim sendo, se, por um lado,

espera-se que tais eventos históricos tenham conseqüências negativas na

qualidade das instituições de modo geral e, portanto, no desenvolvimento de

longo prazo das cidades afetadas, por outro, é possível que tenham efeitos

diferenciados de acordo com suas características institucionais específicas. Nas

próxima duas seções, analisaremos com mais detalhe os choques institucionais do

ciclo da cana-de-açúcar e do ciclo do ouro e, na última seção, sugeriremos

brevemente possíveis implicações para o desenvolvimento institucional de longo

prazo das áreas afetadas.

4.1 O Ciclo da Cana-de-Açúcar A etapa inicial da colonização se deu, sobretudo, no litoral nordestino.

Fatores climáticos e características de solo permitiram o florescimento da cultura

da cana-de-açúcar e a proximidade a Portugal viabilizou o aproveitamento do seu

potencial exportador, fazendo dessa atividade o núcleo econômico central do

Brasil-colônia (Fausto, 2006; Schwartz, 1987; Wehling, 1994)13.

Segundo Prado Jr. (1976), até o século XVII, o Brasil era o maior produtor

mundial de açúcar. No Nordeste, do Recôncavo Baiano ao Rio Grande do Norte,

cultivava-se cana-de-açúcar. Os núcleos principais de produção foram Bahia e

Pernambuco. Rio de Janeiro e Espírito Santo cultivavam cana em menor escala e,

de forma predominante, para a produção de aguardente que servia de moeda de

troca por escravos na África (Fausto, 2006). “Tratando-se da principal cultura do

Brasil naquela época, a do açúcar, contavam-se em Pernambuco sessenta e seis

engenhos; na Bahia trinta e seis, e nas outras capitanias, juntas, metade deste

número” (Simonsen, 1937, p.112).

13 Ao contrário do que se possa presumir, a localização da produção da cana não se deveu basicamente a condições geográficas. A distância para Portugal teve um papel-chave na localização geográfica. Por exemplo, hoje, o Brasil ainda é o maior produtor de açúcar, representando 18.5% da produção mundial de 2005, mas 61% da produção atual se localiza no estado de São Paulo. A produção de açúcar em São Paulo, hoje, é comparável com a da Índia, segundo maior produtor mundial (dados do IBGE e do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos).

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Tratar como ciclo a economia do açúcar colonial é certamente mais

controverso do que analisar a mineração de tal forma. Enquanto colônia, o Brasil

vivenciou altos e baixos no cultivo da cana, mas, em momento algum, o açúcar

deixou de ter um papel relevante em termos de valor de exportação. Contudo, é

possível identificar períodos relativamente claros de grande prosperidade e,

outros, de acentuada crise.

Com base, principalmente, em Simonsen (1937), consideramos como ciclo

do açúcar o período que vai do início da colonização até 1760. Este período inclui

o chamado, segundo Fausto (2006), “século do açúcar”, isto é, 1570-1670,

momento de intensa produção e lucratividade do negócio açucareiro. A partir de

1670, o valor exportado sofre quedas acentuadas14 e, em 1760, no auge do ciclo

do ouro, inicia-se uma fase de expressiva decadência da cana15. Em meados do

século XVIII, o valor total das exportações já representava apenas 60% do havia

sido no auge do ciclo (Simonsen, 1977). Sendo assim, pode-se perceber um

movimento de ascensão, auge e declínio do açúcar entre 1536-1760.

A economia do açúcar se estruturou no chamado plantation com base em

três elementos básicos: latifúndio, monocultura e trabalho escravo. Juntamente

com a plantação da cana, nasceram, no Brasil, a grande propriedade rural e a

sociedade patriarcal e escravocrata. O engenho de açúcar era um empreendimento

que exigia um grande volume de recursos para ser iniciado. As terras eram

concedidas àqueles que tinham alguma relação com a coroa portuguesa ou com os

capitães donatários16 e que possuíam recursos para ocupá-las e nelas produzir.

Além disso, o ciclo do açúcar só foi possível devido à solução do problema da

mão-de-obra: o escravo africano.

“Surgiu, assim, o uso dessa instituição como um imperativo econômico inelutável: só seriam admissíveis empreendimentos industriais, montagem de engenhos, custosas expedições coloniais, se a mão-de-obra fosse assegurada em quantidade e continuidade suficientes. E por esses tempos e

14 Em 1710, era necessário quatro vezes mais açúcar para substituir um escravo do que em 1608 (Schwartz, 1987). 15 No início do século XIX, há um renascimento do açúcar, expandindo-se, inclusive, em regiões que, antes, não abrigavam grandes produtores. Não consideramos esta fase do século XIX no que denominamos ciclo do açúcar por situar-se no final do período colonial e em uma época em que os movimentos abolicionistas ganhavam força. Nesse caso, o ambiente institucional já se constituiu de forma mais híbrida e não se pode interpretar esse renascimento como um choque institucional no sentido que estamos interpretando o ciclo do açúcar. 16 No início da colonização, as terras brasileiras foram divididas nas chamadas capitanias hereditárias e entregues à administração e exploração de capitães donatários que, entre outras poderes, concediam enormes lotes de terras – as chamadas sesmarias – a colonos que tivessem condições de explorá-los economicamente.

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nestas latitudes, só o trabalho escravo proporcionaria tal garantia” (Simonsen, 1937, p.126). O trabalho escravo, num contexto em que a oferta de terra para

subsistência era extremamente ampla, surgiu, também, como única possibilidade

de se extrair renda (Reis, 2005)17. Um engenho médio tinha de 60 a 100 escravos.

Um grande poderia ter mais de 200. No século XVIII, os escravos representavam

metade da população das capitanias nordestinas, mas nas regiões onde se plantava

açúcar constituíam, freqüentemente, 65 a 70% dos habitantes. No outro extremo

da pirâmide social, estavam os senhores de engenho. Eram a aristocracia local,

invariavelmente branca e concentradora de poderes sociais, econômicos e

políticos (Schwartz, 1987).

Apesar de não terem, na maior parte dos casos, o direito de propriedade

sobre as terras e, portanto, garantias de transmissão hereditária da propriedade

(Schwartz, 1987, p.88), o status social do senhor de engenho carregava a um

enorme prestígio: “o ser senhor de engenho, he titulo, a que muitos aspirão porque

traz comsigo, o ser servido, obedecido e respeitado por muitos. E [...] bem se póde

estimar no Brazil o ser senhor de engenho, quanto proporcionadamente se estimão

os titulos entre os fidalgos do Reino” (Padre Antonil em 1711, citado em

Simonsen, 1977, p.105).

O forte poderio local contrastava com o Estado português marcadamente

centralizador e burocrata. Enquanto metrópole, Portugal procurava criar regras e

dispositivos de controle da atividade açucareira tendo em vista, essencialmente,

manter um fluxo constante de renda e preservar seu poder nas áreas de interesse

(Wehling, 1994). Assim sendo, em Pernambuco, cerca de 80% da receita do

governo resultava de uma série de impostos sobre o açúcar (Schwartz, 1987,

p.96). Diversos relatos da época chamam atenção para a oposição entre a

opulência dos senhores de engenhos e os repetidos pedidos de isenção de

impostos e moratória de dívidas. O ambiente político-institucional da economia

do açúcar tornava-a, portanto, uma atividade fundamentalmente rent-seeking que

sustentava esse universo econômico e político dos engenhos.

17 Em 1729, o Governor Luís Vahia Monteiro escreveu: “The most solid properties in Brazil are slaves, and a man’s wealth is measured by having more or fewer (…), for there are lands enough, but only he who has slaves can be master of them” (citado por Schwartz, 1987, p.81).

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A polarização entre o senhor de engenho e o escravo – entre a casa grande

e a senzala de Gylberto Freire – e a condição de colônia orientada pela

monocultura latifundiária exportadora foram os elementos fundadores das

instituições políticas e econômicas das zonas açucareiras. Poderíamos dizer, em

consonância com as idéias de Engerman e Sokoloff (1997, 2002), que aí estariam

os elementos constitutivos de instituições ruins: extrema desigualdade social, uma

elite política e econômica demasiadamente pequena e a formação de um

arcabouço legal e tributário extrativista. “Like sugar-loaf itself, society

crystallized with white Europeans at the top, tan-coloured people of mixed race

receiving lesser esteem, and black slaver considered, like the dark panela sugar, to

be of the lowest quality” (Schwartz, 1987, p.67).

4.2 O Ciclo do Ouro A exploração do ouro no Brasil colonial foi extremamente intensa e

concentrada no tempo. Em 1695, os bandeirantes paulistas fizeram as primeiras

descobertas significativas de ouro em Minas Gerais, próximo ao que corresponde,

hoje, a Sabará e Caeté (Fausto, 2006). A partir daí, foram encontradas sucessivas

jazidas na região de Minas. A produção crescia de forma acelerada e, a partir de

1720 e 1726, Mato Grosso e Goiás passaram a contribuir para esse crescimento18.

Em 1728, descobriram-se as primeiras jazidas diamantíferas. O apogeu da

produção brasileira se deu por volta de 1760, declinando rapidamente, até se

tornar muito reduzida no final do século XVIII (Simonsen, 1937).

Apesar de efêmero, o ciclo do ouro brasileiro teve um impacto

significativo na economia da colônia, na sua demografia e na relação com

Portugal. Segundo Simonsen (1937), “(...) o ouro do Brasil (...) traduzia, naquele

tempo, a maior massa aurífera explorada e produzida após a queda de Roma”

(Simonsen, 1937, p.248). “Entre 1700 e 1770, a produção do Brasil foi

praticamente igual a toda a produção do ouro do resto da América, verificada

18 Nessa época, foram encontrados ouro e diamantes na Bahia, mas são escassos registros da mineração baiana.

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entre 1493 a 1850; alcançou cerca de 50% do que o resto do mundo produziu nos

séculos XVI, XVII e XVIII” (Simonsen, 1937, p.258).

As notícias das descobertas de ouro geraram um grande fluxo migratório

para as regiões mineradoras. Tamanha foi a fascinação exercida pelas minas que,

decorridos os primeiros 25 anos, a região centro-sul, antes, inabitada, concentrava

cerca de 50% da população brasileira (Fausto, 2006). A coroa chegou a se

preocupar seriamente com o despovoamento de Portugal, recorrendo a

dispositivos legais para restringir a emigração para a colônia (Porto, 1967; Costa,

1982a).

Juntamente com a enxurrada populacional, as regiões mineradoras

sofreram diversas intervenções da metrópole com o objetivo de controlar e se

apropriar ao máximo do ouro brasileiro. Uma série de impostos e regras para a

exploração das minas e movimento de bens e pessoas foi criada para garantir um

montante de renda que fosse adequado para Portugal, dada a repentina riqueza

encontrada na colônia. Houve, até mesmo, uma tentativa absolutamente inviável e

frustrada de se exigir um passaporte especial para o ingresso na região das minas

(Boxer, 2000).

Ao menos doze sistemas de impostos distintos foram adotados em

diferentes momentos do tempo. Contudo, é possível destacar dois sistemas básicos

de tributação: o quinto (20% do ouro produzido) e a capitação (imposto por

escravo maior de 12 anos). O ouro era monopólio real, a exploração era feita

através do arrendamento de lotes ou datas de minas. Usualmente, indivíduos

responsáveis pela descoberta de novas jazidas tinham prioridade para escolher a

porção da área encontrada e o restante era alocado a outros candidatos via leilões

ou loterias, sendo que o tamanho do lote variava conforme o número de escravos

do candidato contemplado. Após a alocação inicial, os mineradores tinham

liberdade para vender ou negociar seus lotes ou minas (Boxer, 2000, p.75; Reis,

2005).

De modo a ter mais controle sobre a produção, foi proibida a circulação de

ouro em pó. A exigência do processamento do ouro para convertê-lo em barras era

uma forma de garantir a taxação. Para a maior parte da região, as barras de ouro

só podiam circular com o selo da coroa portuguesa, o que significava ter passado

oficialmente por uma Casa de Fundição, responsável por fundir o ouro e coletar os

devidos impostos.

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Apesar dos esforços de Portugal, fraudes eram constantes. O problema de

evasão de ouro era tão grave que a descoberta dos santos do pau oco – imagens de

santos ocas que eram utilizadas para esconder ouro – fez com que a metrópole

banisse frades sem autorização e proibisse o estabelecimento de ordens religiosas

em Minas (Boxer, 2000, p.76).

Criou-se, assim, um ambiente de disputa e hostilidade entre cidadãos e o

Estado nas áreas mineradoras. De um lado, os produtores se esforçavam

continuamente para se esquivar dos impostos e fiscalização da coroa portuguesa.

Do outro, a metrópole criava cada vez mais instrumentos de controle. Na medida

em que o ouro começou a escassear, essa disputa ficou ainda mais acirrada. Um

exemplo emblemático disso é a chamada derrama. No auge do ciclo, estipulou-se

uma quantidade mínima de arrecadação de impostos em ouro para as regiões das

minas. Caso essa quantia não fosse atingida, o governo podia se apropriar de todo

o ouro existente até completá-la e se, ainda assim, não fosse suficiente, podia-se

decretar a derrama, um imposto pago por toda a população. Quando se iniciou a

rápida decadência da mineração colonial brasileira, o dispositivo da derrama

começou a ser mais recorrente, exacerbando, assim, o conflito entre o Estado e a

população (Fausto, 2006).

“Quando o quinto arrecadado não chegava a estas 100 arrobas, procedia-se ao derrame (...). Cada pessoa, minerador ou não, devia contribuir com alguma coisa, calculando-se mais ou menos ao acaso as possibilidades. Criavam-se impostos especiais sobre o comércio, casas de negócio, escravos, trânsito pelas estradas, etc. Qualquer processo era lícito contanto que se completassem as 100 arrobas do tributo (...). A força armada se mobilizava, a população vivia sob o terror; casas particulares eram violadas a cada hora do dia ou da noite, as prisões se multiplicavam. Isto durava não raro muitos meses, durante os quais desaparecia toda e qualquer garantia pessoal. Todo mundo estava sujeito a perder de uma hora para outra seus bens, sua liberdade, quando não sua vida”. (Prado Jr., 1976, p.59)

A conseqüência natural desse processo desencadeado pelo ciclo minerador

foi a formação de um aparato de Estado extremamente ineficiente, uma grande

instabilidade institucional e uma relação hostil e sufocante do Estado com os

cidadãos das regiões mineradoras.

De maneira geral, apesar desse caráter inequivocamente extrativista, o

ciclo do ouro teve um impacto bastante relevante em diferentes dimensões da vida

colonial. Favoreceu, por exemplo, o povoamento do interior, deslocou o eixo

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colonial do nordeste para o centro-sul – acarretando, inclusive, no deslocamento

da capital do país – e estimulou atividades complementares em outras regiões.

Além disso, a sociedade mineira se diferenciou muito do universo casa grande e

senzala do Brasil colonial nordestino. Apesar de o trabalho escravo ter sido, assim

como no negócio açucareiro, a base da produção, não havia a polarização senhor-

escravo da forma que se verificava nos engenhos.

“Ao minerador eram necessários coragem, alguma ferramenta e um punhado de escravos. (...). Enquanto os senhores de engenho necessitavam possuir grandes cabedais, para se instalar, o minerador das aluviões brasileiras poderia ser um homem de poucas posses. Não obstante repousarem os serviços principais no braço escravo, é inegável que se operou no sertão Brasileiro uma ‘divisão do trabalho’ muito mais intensa do que se permitia a organização social do Nordeste brasileiro”(Simonsen, 1937, p.291).

Furtado (1999) chama atenção, ainda, para o seguinte fato: “(...) a

economia mineira brasileira oferecia possibilidades a pessoas de recursos

limitados, pois não se exploraram grandes minas – como ocorria com a prata no

Peru e no México – e sim o metal aluvião que se encontrava depositado no fundo

dos rios”.

O trabalho escravo era intensamente usado e considerado mais duro que

nos engenhos. Entretanto, a relação dos senhores com seus escravos era diferente.

Não só porque os próprios senhores, conforme mencionamos anteriormente,

tinham características distintas, mas, também, porque o escravo tinha algum poder

nessa relação. Os escravos “(...) podiam esquivar-se de muitos maus tratos dada a

possibilidade de utilizar contra seus donos a arma da denúncia de fraudes fiscais;

qualquer delação, mesmo infundada, podia causar sérios transtornos” (Costa,

1982a, p.11). Na verdade, mesmo que raramente usada, foi instituída pela coroa

portuguesa uma legislação de acordo com a qual o escravo podia ganhar sua

liberdade denunciando evasão fiscal (Reis, 2005).

Além disso, freqüentemente, os escravos compravam a própria alforria.

Inicialmente, através do roubo. Com o tempo, foi se tornando comum permitir que

o escravo trabalhasse parte do tempo por conta própria, pagando uma parte ao

senhor. É interessante notar, segundo Reis (2005), que a exploração do ouro em

si envolvia um alto grau de assimetria de informação entre o escravo, diretamente

envolvido na atividade, e o seu dono ou supervisor. Os escravos podiam roubar ou

esconder o que encontrassem e os mineradores dependiam da disposição deles em

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reportar descobertas para que o empreendimento fosse lucrativo. A fração de

escravos livres na população descendente de africanos, que correspondia a apenas

1,4% entre 1735 e 1749, aumentou para 41% em 1786 (34% do total da

população; Russell-Wood, 1977). Uma razão para isso é que, com a decadência,

tornou-se impossível ou desnecessária a posse de escravos (Fausto, 2006).

Nasceu, dessa relação entre escravos e senhores, da estrutura

administrativa criada por Portugal e do enorme fluxo migratório, uma sociedade

bastante complexa e diferenciada. A economia do engenho do açúcar, latifundiária

por excelência, não estimulava a formação de cidades. A economia do ouro gerou

um grande número de cidades e centros urbanos. A sociedade mineira se

constituía também de negociantes, advogados, padres, fazendeiros, artesãos,

burocratas, militares. Muitos desses agentes tinham seus interesses estritamente

vinculados à colônia e não por acaso ocorreu, em minas, uma série de

conspirações e revoltas contra autoridades coloniais.

Fausto (2006) argumenta que, apesar dessa formação social diferente, as

zonas mineiras não deixaram de formar, em seu conjunto, uma sociedade pobre e

desigual. Além disso, o esgotamento dos metais preciosos teve um efeito

extremamente negativo nas cidades que nasceram das minas. Ouro Preto, por

exemplo, tinha 20 mil habitantes em 1740 e apenas 7 mil em 1804.

Segundo Simonsen (1937), os campos de mineração eram compostos, em

grande parte, de terras pobres e as cidades formadas em suas proximidades

tiveram uma prosperidade efêmera.“Era uma decadência triste e uma desolação

geral. Os vizinhos da outrora opulenta Vila Rica miravam-se nas ruínas da antiga

prosperidade. Mendigos habitavam em palácios carunchosos” (Simonsen, 1937;

p.292).

O ciclo do ouro, portanto, esteve associado, por um lado, a uma

diferenciação da sociedade e da economia coloniais. Por outro, apesar das

diferenças com relação ao ciclo da cana, a exploração do ouro foi marcada pelo

rent-seeking e pela formação de um arcabouço institucional acentuadamente

extrativista e ineficiente, criando um embate contínuo entre o Estado e a

população.

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4.3 Herança Colonial: Implicações Institucionais de Longo Prazo A ocupação do território brasileiro que foi determinada pelos ciclos

coloniais esteve associada à formação de estruturas socioeconômicas e políticas

que podem ter condicionado o desenvolvimento institucional de longo prazo das

regiões afetadas. Ao estabelecer as condições iniciais em termos da distribuição

do poder econômico e político, do funcionamento da máquina do Estado e do

sistema legal, os episódios rent-seeking do período Brasil-colônia criaram o

ambiente a partir do qual a história institucional daquelas áreas evoluiu. Dada a

tendência à persistência das instituições discutida no Capítulo 2 (por exemplo,

Acemoglu, Johnson e Robinson, 2001, 2002; Acemoglu e Robinson 2000, 2002),

é plausível que tais municípios hoje ainda apresentem sinais da baixa qualidade

institucional inaugurada em um passado histórico marcado pelos ciclos coloniais.

Esses efeitos de longo prazo dos ciclos, apesar da semelhança do caráter

extrativista, podem apresentar diferenças importantes em função das

idiossincrasias de cada episódio. No caso do açúcar, a conseqüência mais clara é

sobre a formação de uma sociedade extremamente polarizada, com poderes

políticos e econômicos concentrados nas mãos de líderes locais que sofriam muito

pouca interferência de qualquer tipo de poder central e que não eram submetidas a

quase nenhuma restrição externa de sistema político ou legal (Reis, 2005).

A origem de tamanho poder econômico e político era, essencialmente, a

acentuada desigualdade de distribuição de terras. Nas áreas onde se plantava

açúcar, terra significava poder. Segundo Schwartz (1987), os engenhos eram mais

estáveis que os seus senhores. As propriedades mudavam de mãos dentro desse

extrato social restrito sem alterar a desigualdade de poder político e econômico.

Assim sendo, a instituição do latifúndio perdurou no tempo, podendo ter levado

consigo os efeitos perniciosos do rent-seeking colonial. É possível que a

configuração política e social da economia do açúcar, portanto, tenha reflexos

hoje uma vez que a concentração de terras contemporânea do Brasil tem suas

raízes no processo colonial (Leal, 1997; Assunção, 2006).

Essa concentração de poder político pode ter diversas conseqüências hoje.

Talvez através da ausência formal do estado nas áreas inicialmente sob a

influência dos senhores de engenho; ou através do controle do sistema político

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pelos principais grupos econômicos; ou, possivelmente, pela dominação do poder

do estado por elites locais e pelo estabelecimento de instituições de facto bastante

descoladas das características do ambiente institucional de jure em que estão

inseridas.

No caso do ouro, a formação institucional se estruturou de uma forma

distinta. A sociedade das minas era relativamente mais horizontal e flexível em

termos de mobilidade social que a do açúcar, o que se traduzia em uma

distribuição de poder político, de certa forma, mais igualitária. As questões mais

marcantes do ciclo do ouro foram o seu caráter acentuadamente extrativista e os

constantes embates entre o Estado e a sociedade civil pelas rendas do ouro.

Por um lado, a mineração colonial caracterizou-se por um

intervencionismo sem precedentes de Portugal que engendrou a formação de um

aparato estatal extremamente sufocante e ineficiente. Por outro, esteve associado à

criação de uma sociedade civil dedicada a múltiplas formas de se esquivar da

pesada mão fiscal do Estado. Nesse sentido, diferentemente do ciclo do açúcar, as

implicações de longo prazo desse extrativismo do ciclo do ouro estão,

provavelmente, relacionadas à ineficiência burocrática, assim como, a uma baixa

participação ou comprometimento da população com o governo local. Nesse caso,

não seriam esperados os efeitos sobre o ambiente político local como, de modo

geral, espera-se das áreas afetadas por grandes empreendimentos agrícolas do

período colonial.

Na próxima seção, descreveremos em detalhe a construção das variáveis

históricas dos ciclos.

4.4 Variáveis Históricas

Analisamos alguns determinantes coloniais das instituições de hoje com

base no fato de que (i) é possível identificar o período histórico e a localização

geográfica dos ciclos do ouro e do açúcar; e de que (ii) Portugal era uma

metrópole bastante interventora e ativa ao longo do período colonial.

Primeiramente, identificamos os municípios atuais que foram diretamente

afetados pelos ciclos coloniais que estamos considerando. No caso da cana-de-

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açúcar, as áreas afetadas foram mapeadas a partir de informações contidas na

literatura sobre a história colonial brasileira e no ano de fundação do município. A

partir de Simonsen (1937), definimos o período relativo ao ciclo do açúcar: do

início da colonização brasileira a 1760. De acordo com Prado Jr. (1976),

Simonsen (1937) e Fausto (2006), as regiões afetadas pelo ciclo correspondem a

áreas dos atuais estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas,

Bahia e Espírito Santo, incluindo também a região de Campos dos Goytacazes no

estado do Rio de Janeiro.

Contudo, não há informação precisa nos relatos históricos sobre a

distribuição da produção de cana-de-açúcar dentro dessas regiões, nem mesmo

sobre a localização exata do ciclo nessas áreas. Assim sendo, utilizamos o ano de

fundação dos municípios com o intuito de identificar as localidades que têm suas

origens relacionadas ao ciclo do açúcar. Mais especificamente, definimos um

município diretamente afetado pelo ciclo do açúcar se este estiver localizado em

alguma das áreas supracitadas e se seu ano de fundação for anterior a 176019.

Como o ciclo do açúcar se desenvolveu no litoral brasileiro, excluímos da amostra

municípios identificados por esse método que se localizassem a mais de 200 km

da costa20.

No caso do ciclo do ouro, a identificação dos municípios afetados foi

diferente. Com base em relatos históricos (ver, por exemplo, Russel-Wood, 1977;

Simonsen, 1937; Boxer, 2000; Fausto, 2006), podemos determinar os atuais

estados cujas histórias estão relacionadas ao ciclo do ouro (Bahia, Goiás, Mato

Grosso e Minas Gerais). A partir do mapa de “Caminhos Antigos, Mineração e

Máxima Expansão da Capitania Paulista” apresentado por Simonsen (1937),

podemos delimitar a localização precisa das minas históricas dentro de cada um

desses estados21.

De acordo com essas definições de ciclo, construímos duas variáveis

dummy que assumem valor um se o município foi diretamente afetado pelo

19 Os resultados não se modificam quando consideramos como ciclo do açúcar apenas o período que vai do início da colonização ao fim do chamado “século do açúcar”, isto é, 1700. 20 Foram excluídos cinco municípios do interior da região Nordeste. Vale ressaltar que verificamos que a criação dessas cinco cidades se dá no século XVII e está associada, na realidade, ao ciclo do ouro. 21 Os resultados também permanecem praticamente os mesmos quando incluímos todas as áreas presentes no mapa “Caminhos Antigos, Mineração e Máxima Expansão da Capitania Paulista” (Simonsen, 1977). Isto significa adicionar pequenas áreas no Norte e no Sudeste do Brasil que não são usualmente associadas ao ciclo do ouro.

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respectivo ciclo colonial e zero caso contrário. O problema dessa categorização é

que a influência desses episódios históricos não se restringe apenas aos

municípios delimitados. A produção da cana e a mineração, assim como as

estruturas políticas e sociais associadas a essas atividades, afetaram e

influenciaram áreas vizinhas. De modo a captar esse efeito contínuo, definimos

para cada município diretamente afetado a seguinte função de influência:

⎪⎩

⎪⎨⎧

≤⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ −

=contrário, caso0

km, 200 se200

200 2

ii

id

dI (1)

onde di é a distância em quilômetros do município i para o município

diretamente afetado mais próximo.

Essa função atribui um peso maior aos municípios próximos às localidades

diretamente afetadas pelos episódios de rent-seeking e decai de forma quadrática

até atingir zero em um raio de 200 km. Assim, a função influência varia entre 0 e

1 de acordo com a Figura 5. Nessa mesma Figura, apresentamos três funções

influência alternativas utilizadas na análise de robustez dos resultados.

Foram criadas, portanto, duas variáveis indicando a influência do ciclo do

açúcar e do ouro nos municípios brasileiros:

açúcar – Índice de proximidade ao ciclo da cana-de-açúcar, variando entre

0 (municípios a mais de 200km dos diretamente afetados pelo ciclo do açúcar) e

1, de acordo com a equação (1).

ouro – Índice de proximidade ao ciclo do ouro, variando entre 0

(municípios a mais de 200km dos diretamente afetados pelo ciclo do ouro) e 1, de

acordo com a equação (1).

A Figura 6 apresenta a variável de influência do ciclo da cana-de-açúcar.

Os pontos mais escuros se referem a municípios com mais peso nessa função

contínua. Nota-se que a área de influência da cana-de-açúcar está concentrada na

costa Nordeste brasileira. Essa área e os 200km em torno dela correspondem a

1.060 municípios com uma área de 180 mil quilômetros quadrados e com uma

população de 30 milhões de pessoas em 200022.

22 Para se ter uma idéia do que isso representa, essa área equivale a duas vezes o território de Portugal.

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A região afetada pelo ciclo do ouro está representada na Figura 7.

Diferentemente do ciclo da cana-de-açúcar, a área mineradora concentra-se no

interior do país. O índice do ciclo do ouro contém mais de 1.500 municípios,

correspondendo a uma área acima de 480 mil quilômetros quadrados e a uma

população de 34 milhões de pessoas em 2000. As estatísticas descritivas, tanto das

áreas afetadas pelos ciclos, quanto das áreas fora dos 200km de influência dos

mesmos, estão na Tabela 5.

Sintetizando a discussão da seção anterior, consideramos os ciclos da

cana-de-açúcar e do ouro como diferentes fontes de variação exógena para

instituições, caracterizados, principalmente, pelos seguintes aspectos:

• Ciclo da Cana-de-Açúcar: Economia baseada no sistema de plantation,

isto é, latifúndio monocultor escravista. Os recursos econômicos e o poder

político eram extremamente concentrados. A sociedade da cana-de-açúcar se

caracterizava por uma acentuada polarização marcada pelo enorme poder e

influência local dos senhores de engenho e por um grande número de escravos

absolutamente desprovidos de poder econômico, político ou consideração social.

• Ciclo do Ouro: Diferentemente da sociedade do açúcar, a economia

mineradora formou uma sociedade menos rígida, com mais mobilidade social e

equidade de distribuição de poder político. A intensidade do controle do Portugal

também é um fator que distingue os dois ciclos. Com o intuito de controlar todo o

processo de produção e circulação de bens e pessoas, a coroa portuguesa construiu

um aparato governamental complexo e ineficiente que impunha obstáculos na

relação entre a população local e o setor público.

Além dos indicadores de proximidade aos ciclos do açúcar e do ouro,

utilizamos a distância para Portugal para incorporar a influência ativa que a

metrópole mantinha sobre a colônia nesse período. A distância para Lisboa

representava um custo administrativo importante nesse período que, em última

instância, afetava a eficácia do aparato institucional para a extração de renda.

Também consideramos a interação entre a distância para Portugal e as variáveis

dos ciclos de modo a captar os efeitos da variação do controle da metrópole dentro

dos ciclos.

distância para Portugal – Distância Euclidiana calculada a partir das

coordenadas da sede de cada municípios brasileiro e do centro de Lisboa (38º42’N

e 9ºO).

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açúcar x distância para Portugal – Interação entre a distância para

Portugal e a influência do ciclo da cana-de-açúcar.

ouro x distância para Portugal – Interação entre a distância para Portugal

e a influência do ciclo do ouro.

Deste modo, foram construídas cinco variáveis históricas com o objetivo

de caracterizar os determinantes de longo-prazo de diferentes dimensões

institucionais dos municípios brasileiros. Além disso, utilizamos essas variáveis

como instrumentos para identificar como esses canais institucionais específicos

afetam o desenvolvimento econômico local. No próximo capítulo, discutiremos os

resultados de nossa análise empírica.

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