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4 Os acordos entre a OLP e Israel Este capítulo traz os principais pontos dos acordos e protocolos assinados por Israel e a OLP entre 1993 e 1999, com o intuito de descrever a estrutura legal criada para a resolução do conflito israelense-palestino e o formato definido para o autogoverno palestino. Tendo em vista o interesse particular neste estudo em examinar a fase de implementação dos termos dos acordos, serão indicados (caso existam) os mecanismos estabelecidos nesses documentos para a supervisão de seu cumprimento e para o controle e a regulação do conflito. Ao longo dos próximos capítulos, quando for utilizada a expressão “Acordos de Oslo”, entenda-se o conjunto de acordos e protocolos firmados entre 1993 e 1999, aqui apresentados. Deve-se ressaltar que as negociações entre Israel e a OLP, que se seguiram a esse período, ainda tomaram como referência a estrutura daqueles acordos. Cabe observar, também, como evoluiu o processo de paz após a assinatura da Declaração de Princípios em 1993. Nessa direção, aquele acordo inaugurou uma estrutura para a resolução do conflito israelense-palestino, reconhecida por ambas as partes, além de definir seus respectivos compromissos para se alcançar uma paz estável e justa na região. Ao longo do processo negociador, seguindo esse primeiro acordo, as partes tiveram de lidar, no entanto, com as dificuldades na implementação dos princípios acordados. Nota-se que essas dificuldades resultavam, em parte, do conteúdo dos próprios acordos. Em outras palavras, os procedimentos para sua implementação foram apresentados de forma incompleta, dando margem a ambigüidades e a diferentes interpretações. Na última seção serão apresentadas algumas iniciativas para a revitalização do processo de paz entre o período de julho de 2000 (após as conferências em Camp David) e janeiro de 2005 (com as mudanças na liderança da OLP e da Autoridade Palestina). A última seção permite ver em que aspectos as novas propostas de paz para as duas comunidades, a partir da Intifada de Al- Aqsa (2000), aproximam-se dos Acordos de Oslo.

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Page 1: 4 Os acordos entre a OLP e Israel - PUC-Rio...4 Os acordos entre a OLP e Israel Este capítulo traz os principais pontos dos acordos e protocolos assinados por Israel e a OLP entre

4 Os acordos entre a OLP e Israel

Este capítulo traz os principais pontos dos acordos e protocolos assinados

por Israel e a OLP entre 1993 e 1999, com o intuito de descrever a estrutura legal

criada para a resolução do conflito israelense-palestino e o formato definido para

o autogoverno palestino. Tendo em vista o interesse particular neste estudo em

examinar a fase de implementação dos termos dos acordos, serão indicados (caso

existam) os mecanismos estabelecidos nesses documentos para a supervisão de

seu cumprimento e para o controle e a regulação do conflito.

Ao longo dos próximos capítulos, quando for utilizada a expressão

“Acordos de Oslo”, entenda-se o conjunto de acordos e protocolos firmados entre

1993 e 1999, aqui apresentados. Deve-se ressaltar que as negociações entre Israel

e a OLP, que se seguiram a esse período, ainda tomaram como referência a

estrutura daqueles acordos. Cabe observar, também, como evoluiu o processo de

paz após a assinatura da Declaração de Princípios em 1993. Nessa direção, aquele

acordo inaugurou uma estrutura para a resolução do conflito israelense-palestino,

reconhecida por ambas as partes, além de definir seus respectivos compromissos

para se alcançar uma paz estável e justa na região. Ao longo do processo

negociador, seguindo esse primeiro acordo, as partes tiveram de lidar, no entanto,

com as dificuldades na implementação dos princípios acordados. Nota-se que

essas dificuldades resultavam, em parte, do conteúdo dos próprios acordos. Em

outras palavras, os procedimentos para sua implementação foram apresentados de

forma incompleta, dando margem a ambigüidades e a diferentes interpretações.

Na última seção serão apresentadas algumas iniciativas para a

revitalização do processo de paz entre o período de julho de 2000 (após as

conferências em Camp David) e janeiro de 2005 (com as mudanças na liderança

da OLP e da Autoridade Palestina). A última seção permite ver em que aspectos

as novas propostas de paz para as duas comunidades, a partir da Intifada de Al-

Aqsa (2000), aproximam-se dos Acordos de Oslo.

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4.1 Declaração de Princípios sobre Arranjos para o Autogoverno Interino (13 de setembro de 1993)

A Declaração de Princípios - ou Oslo I - não constitui um acordo

abrangente, nem se trata de um documento com o objetivo de estabelecer a

implementação dos arranjos a que se refere para se obter uma paz imediata.

Limita-se, como seu próprio nome indica, a uma declaração com os princípios

necessários para um período específico, deixando para um futuro acordo os

detalhes sobre as questões nele indicadas e que deveriam ser tratadas por meio de

novas negociações entre as partes. Revela-se como a formalização de uma

proposta das duas partes negociadoras para desenvolverem medidas de confiança

mútua.

Embora seja um marco nas relações entre Israel e a OLP, que naquele

momento concordaram, formalmente, em finalizar o conflito, o texto da

Declaração de Princípios traz uma série de ambigüidades e generalidades em

alguns de seus trechos, levando a diferentes interpretações sobre o modo pelo qual

determinados itens devem ser implementados, gerando ainda alguns atritos entre

os negociadores em certos momentos na fase pós-acordo.

Dentro dessa lógica argumentativa, já na introdução do acordo, afirma-se

que Israel e a OLP: “Recognize their mutual legitimate and political rights, and

strive to live in peaceful coexistence and mutual dignity and security and achieve

a just, lasting and comprehensive peace settlement and historic reconciliation

through the agreed political process”. Esta passagem ilustra a abrangência de

significados que podem assumir termos como direitos políticos (a que direitos se

referem?), paz (entendida de forma mais restrita, como uma simples contraposição

à idéia de não-violência ou com um sentido mais abrangente?) e segurança

(seriam incluídas também outras noções, como a de segurança econômica, por

exemplo?). Apesar de a declaração ser complementada com anexos e minutas

tratando de questões relacionadas aos arranjos sobre os pontos acima citados,

entre outros, não chegam a esclarecer a que concepção de paz, segurança e

direitos se referem. Indefinições desse tipo voltariam à pauta das negociações

subseqüentes.

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O objetivo desse documento é apresentado no Artigo I, qual seja, a

fundação de uma autoridade palestina a ser eleita (também denominado como

“Conselho”132), sob o formato de um autogoverno por um período interino não

superior a cinco anos, tal como havia sido proposto em Madri (1991) e no Acordo

de Camp David (1978). Registre-se que não há uma definição a respeito da

natureza desse autogoverno. Dois outros relevantes pontos são tratados nesse

primeiro artigo: o local onde seria estabelecida tal autoridade e um acordo

permanente, seguindo a primeira fase transicional.

No que se refere ao primeiro ponto, o texto indica a área da Cisjordânia e

da Faixa de Gaza como os locais do autogoverno. Sobre isto, há um detalhe

importante que implicaria discussões posteriores. Isto é, a versão do documento

em inglês não deixa claro, nesse primeiro artigo, se a entidade a ser criada para o

povo palestino seria estabelecida na totalidade daqueles territórios ou não. Mais

adiante, no Artigo IV, sobre o alcance da jurisdição do Conselho, essa dúvida se

repete133.

Quanto ao segundo ponto, estipula as Resoluções 242 e 338 do Conselho

de Segurança da ONU como a base das negociações para a fase final do acordo de

paz. O artigo sugere também que, após essa segunda etapa, tais resoluções seriam

implementadas, sem evidenciar se haveria uma mudança no status do autogoverno

ou se seria estabelecido um Estado palestino. Sobre o cronograma especificando o

início de cada um desses períodos, a Declaração de Princípios determina que a

fase transitória, durante a qual seriam providenciados os arranjos para o

autogoverno, começaria com a retirada israelense da Faixa de Gaza e da área de

Jericó (Artigo V:1). Já as negociações, sobre o status permanente, deveriam ser

realizadas o quanto antes possível, não ultrapassando o terceiro ano do período

interino (ArtigoV:2). Nessa ocasião, seriam discutidas as questões mais

132 A Declaração menciona o estabelecimento de uma “Autoridade Palestina do Autogoverno Interino”, que no acordo foi igualmente denominada como “Conselho”. Os acordos subseqüentes introduziram a expressão Autoridade Palestina. Mas a terminologia política palestina emprega o termo Autoridade Nacional Palestina. O termo conselho é utilizado ao se dirigirem ao seu Poder Legislativo, ou seja, o Conselho Legislativo Palestino, eleito em março de 1996, uma instituição que passou a fazer parte da Autoridade Palestina. 133 Artigo I - Aim of the negotiations: “(…), to establish a Palestinian Interim Self-Government Authority, the elected Council (the “Council”), for the Palestinian people in the West Bank and Gaza Strip (…)”. Grifos meus.

Artigo IV – Jurisdiction: “Jurisdiction of the Council will cover West Bank and Gaza Strip territory (…)”. Fonte: Ministério de Relações Exteriores de Israel - http://www.mfa.gov .il/MFA/Peace+Process/Guide+to+the+Peace+Process/Declaration+of+Principles.htm.

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contenciosas: Jerusalém, refugiados, assentamentos, arranjos para a segurança,

fronteiras, relações e cooperação com os demais vizinhos e outros temas de

interesse comum (Artigo V:3).

Sobre os arranjos a serem adotados, podem ser agrupados em três

categorias. A primeira refere-se às eleições, conforme o Artigo III e o Anexo I.

Por conseguinte, a declaração previa que em até nove meses após sua assinatura

palestinos da Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém participariam de eleições

diretas, livres e gerais para a composição do Conselho, sob a supervisão e

observação internacionais, e sob a garantia da ordem pública pela polícia

palestina. Definiu-se que um acordo suplementar contemplaria o sistema eleitoral

a ser aplicado e uma regulação sobre a campanha para as eleições entre outras

questões. Contudo, vale observar que mais uma vez há imprecisões na declaração.

Sobre Jerusalém, não houve determinação sobre quais palestinos poderiam votar.

Em outras palavras, se poderiam participar do pleito os refugiados - anteriormente

residentes em Jerusalém - e os israelenses árabes (Buchanan, 2000, p. 170).

A segunda categoria de arranjos para a fase interina diz respeito à

manutenção da ordem pública e à segurança dos palestinos nos territórios,

conforme determina o Artigo VIII:

“(...) the Council will establish a strong police force, while Israel will continue to carry the responsibility for defending against external threats, as well as the responsibility for overall security of Israelis for the purpose of safeguarding their internal security and public order (…)”134.

Não foram definidas, pois, que medidas seriam legalmente permitidas a

Israel adotar contra ameaças externas nas fronteiras da Cisjordânia e da Faixa de

Gaza, assim como na defesa dos espaços aéreo e marítimo daquelas áreas.

Pode-se identificar uma terceira categoria de arranjos, concernente à

retirada das forças militares israelenses da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. E,

sobre esse tema, novamente o texto da Declaração de Princípios dá margem a

dúvidas. Em seu 13º. artigo, o documento não especifica para que áreas as forças

militares seriam removidas, dizendo tão-somente que deveriam ser deslocadas

para fora de áreas povoadas. Isto posto, pode-se pensar na possibilidade de as

134 Fonte: Ministério de Relações Exteriores de Israel. <http://www.mfa.gov.il>.

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mesmas serem mantidas ainda dentro dos territórios, como declara o primeiro

parágrafo desse artigo:

“After the entry into force of this Declaration of Principles, and not later than the eve of elections for the Council, a redeployment of Israeli military forces in the West Bank and the Gaza Strip will take place, in addition to withdrawal of Israeli forces carried out in accordance with Article XIV” 135. (Grifos meus).

Deve-se chamar a atenção para um outro aspecto abordado na declaração

quanto a esse tema. Seu texto diz que futuras retiradas do Exército israelense dos

territórios estariam condicionadas à capacidade de a força policial palestina

assegurar a ordem pública e a segurança interna (Artigo XIII:3). Portanto, sugere

que nem todo o contingente militar seria retirado no prazo determinado no acordo.

Esse condicionante motivou Israel em determinados momentos a interromper seus

preparativos para o deslocamento de suas tropas, quando ocorriam atos de

violência de palestinos a israelenses, comprometendo, assim, o processo de paz

nos anos que se seguiram a esse acordo.

O artigo seguinte volta a mencionar a retirada militar da Faixa de Gaza,

porém, não faz referência à toda região da Cisjordânia, mas apenas à área de

Jericó, ali situada136. Um segundo anexo, intitulado Protocolo sobre a Retirada

das Forças Israelenses da Faixa de Gaza e da Área de Jericó, trata desse ponto,

definindo um cronograma para o deslocamento das forças militares israelenses a

ser completado em um período de até quatro meses137. Mas, como foi dito acima,

os 13º. e 14º. artigos sugerem que a retirada não seria total dentro do prazo

previsto, de modo que a representação palestina propôs acrescentar, no segundo

anexo, uma frase indicando a retirada de todo o contingente militar, mas que

acabou sendo rejeitada (Buchanan, 2000, p. 184). Ademais, uma vez que Israel

135 Cf., nota anterior. 136 A adoção do termo “área” resultou das controvérsias entre as partes durante as negociações que antecederam esse acordo sobre a extensão territorial daquela cidade a ser transferida para a jurisdição palestina. Segundo BUCHANAN (2000), Jericó constituía uma área simbólica adicionada ao primeiro plano limitado apenas à Faixa de Gaza, além de ser uma cidade na Cisjordânia sem assentamentos judaicos. Na medida em que, nas negociações para a Declaração de Princípios, Israel concordou em acrescentar dois campos refugiados adjacentes a Jericó, o termo no acordo acabou se tornando “área de” em vez de “cidade” (BUCHANAN, 2000, p. 185). 137 A data prevista para essa retirada das forças militares israelenses seria 13 de abril de 1994, mas acabou sendo novamente agendada para 4 de setembro daquele ano, correspondendo a um período de quatro meses após a assinatura de um segundo acordo, “Acordo Cairo” (ou Acordo Gaza-Jericó, de 4 de maio de 1994).

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seria responsável pela segurança dos israelenses nos territórios e pela segurança

externa, conclui-se que parte de suas forças militares permaneceria na Faixa de

Gaza e na área de Jericó.

Estabeleceu-se, ainda, naquele segundo anexo que um novo acordo mais

abrangente deveria ser produzido dentro de dois meses após a entrada em vigência

da Declaração de Princípios, para tratar dos arranjos necessários para uma

transferência de autoridade do governo militar e da administração civil israelenses

(localizados naquelas áreas) para os representantes palestinos. O segundo anexo

estipula, também, que o novo acordo definiria, entre outras questões, a estrutura,

poderes e responsabilidades do autogoverno nessa região; e os arranjos referentes

à força policial palestina e à passagem segura de pessoas e veículos entre a Faixa

de Gaza e a área de Jericó. Mais adiante, na seção das minutas, revela que o

governo militar não seria dissolvido, mas assumiria os poderes e

responsabilidades não transferidos para o autogoverno nessa fase interina, como

pode-se conferir no texto original: “The withdrawal of the military government

will not prevent Israel from exercising the powers and responsibilities not

transferred to the Council”(Agreed Minutes; Article VII:5)138.

Sobre a transferência de poderes e responsabilidades ao autogoverno, a

Declaração de Princípios decide que a jurisdição palestina, após a retirada das

forças israelenses daquelas áreas, cobriria apenas algumas esferas. Sendo assim,

os palestinos teriam autoridade sobre as esferas da educação e cultura, saúde,

bem-estar social, taxação direta e turismo, sendo que a transferência de outros

poderes e responsabilidades deveria ser discutida por meio de negociações

futuras. Dessa forma, a administração de alguns locais, como os estabelecimentos

sagrados para os judeus, permaneceria sob a responsabilidade de Israel, mesmo

que situados na jurisdição territorial palestina.

Ainda sobre essa questão, o Anexo II diz que uma autoridade palestina

deveria ter o controle daquelas cinco esferas, supracitadas, a serem transferidas

por Israel. Para isto, deveria ser indicada uma entidade palestina no período

subseqüente à retirada das forças israelenses e antes que ocorressem as eleições

138 Declaração de Princípios. Disponível em: <http://www.mfa.gov.il/MFA/Peace+Process /Guide+to+the+Peace+Process/Declaration+of+Principles.htm>.

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palestinas. Baseando-se no Artigo VI da declaração139, provavelmente essa

indicação deveria ser realizada pela OLP, representando os palestinos nas

negociações com Israel e, por conseguinte, essa autoridade, em sua origem,

forma-se sem a realização de eleições democráticas e sem mecanismos de

responsividade.

Para a implementação da Declaração de Princípios e de novos acordos

voltados para o período interino, definiu-se, naquele documento, que uma

Comissão Conjunta Israelense-Palestina seria estabelecida para tratar de questões

que necessitassem de coordenação de atividades entre as partes e para a discussão

sobre interesses comuns e disputas (Artigo X). Outra comissão bilateral deveria

ser criada para a promoção do desenvolvimento econômico (Artigo XI). O

terceiro anexo complementa as informações sobre esse ponto, declarando que a

comissão estaria voltada para projetos cooperativos para a utilização de recursos

hídricos; para os setores energético, comercial, financeiro, industrial; para as áreas

de comunicações, transportes, meio ambiente; relações trabalhistas e outros

programas de mútuo interesse. Com relação à esfera econômica, propôs-se que se

criasse um programa de cooperação multilateral para trabalhos que promovam um

“Plano Marshall” regional (Artigo XVI e Anexo IV). Deveria ser criado, ainda,

um comitê para tratar de arranjos cooperativos entre Israel, os representantes

palestinos, Egito e Jordânia, voltados para diferentes assuntos, tais como a

manutenção da ordem e providências sobre a questão dos refugiados da

Cisjordânia e da Faixa de Gaza em 1967 (Artigo XII).

Outro importante item na declaração prevê que disputas sobre a aplicação

e interpretação de acordos entre as partes devem ser resolvidas por negociações

pela Comissão Conjunta Israelense-Palestina a ser formada. Caso não cheguem a

uma solução, as partes devem procurar um mecanismo de conciliação para esse

fim e se, ainda assim, persistirem as disputas, devem buscar voluntariamente um

acordo sobre o estabelecimento de uma Comissão de Arbitragem (Artigo XV).

Registre-se que esses mecanismos propostos referem-se às medidas necessárias

para dirimir disputas referentes ao período interino, sendo que as demais

139 Artigo VI: “Upon the entry into force of this Declaration of Principles and the withdrawal from the Gaza Strip and the Jericho area, a transfer of authority from the Israeli military government and its Civil Administration to the authorised Palestinians for this task, as detailed herein, will commence. This transfer of authority will be of a preparatory nature until the inauguration of the Council”. Declaração de Princípios. Texto do acordo disponível em: <http://www. mfa.gov.il/MFA/Peace+Process/Guide+to+the+Peace+Process/Declaration+of+Principles.htm>.

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divergências sobre os arranjos para o período permanente deveriam ser

solucionadas por negociações. Observe-se, ainda, que em caso de as negociações

entre israelenses e palestinos não serem bem-sucedidas, a Declaração de

Princípios não vislumbra a possibilidade de se desenvolver mecanismos de

arbitragem internacional, nem de penalidades quando uma das partes não cumprir

os termos dos acordos sob sua responsabilidade.

Sobre as comissões conjuntas previstas no acordo, Buchanan (2000) avalia

que parecem operar acima da autoridade do autogoverno palestino, portanto,

provavelmente, diz o autor, o poder real e importantes decisões recairão sobre

elas. Diante disso, conclui que:

“The DoP140 could be seen as having a pyramidal structure, the apex being the government of Israel, on the next level the joint committees, then the Palestinian authority and at the bottom would be the Palestinian people in the occupied territories” (Buchanan, 2000, p. 183).

A necessidade de melhor definir várias cláusulas da Declaração de

Princípios levou à formulação de um outro documento, o Acordo Gaza-Jericó,

assinado no Cairo, em 4 de maio de 1994, e que será tratado na próxima seção.

Este documento serviu como uma base provisória para a implementação de vários

arranjos propostos na Declaração de Princípios, até que novas negociações

resultassem na elaboração do Acordo Interino para o Autogoverno Palestino na

Cisjordânia e na Faixa de Gaza (conforme previa o sétimo artigo da Declaração de

Princípios).

4.2 Acordo sobre a Faixa de Gaza e a Área de Jericó (4 de maio de 1994):

Não obstante o primeiro acordo entre Israel e a OLP, a continuidade do

processo de paz foi rapidamente ameaçada com ataques pelo Hamas a judeus na

Cisjordânia e por manifestações de protesto pelos palestinos nos territórios. Em

resposta a esses acontecimentos e ao avanço da violência nos primeiros meses de

140 Abreviação para “Declaração de Princípios”.

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1994, Ytzhak Rabin determinou a aplicação de toque de recolher e o fechamento

da fronteira com a Faixa de Gaza. Os confrontos entre as duas comunidades se

acirraram quando, em fevereiro, Baruch Goldstein assassinou 29 árabes em uma

mesquita de Hebron. A reação imediata da OLP foi de suspender as negociações

com Israel. Apesar de as relações palestino-israelenses permanecerem tensas, em

abril as negociações entre as partes seriam retomadas, chegando à assinatura de

mais um acordo em maio.

Na mesma data em que se firmou o Acordo Gaza-Jericó, Yasser Arafat

encaminhou uma carta a Rabin, declarando que a OLP asseguraria que a

Autoridade Palestina (AP) e outras agências agiriam de modo coordenado e

cooperativo com Israel. Em nome daquela organização, disse que seria submetida,

ao Conselho Nacional Palestino, uma proposta de alterações na Carta Nacional

Palestina referentes ao reconhecimento de Israel. Arafat explicou que, ao entrar

nas terras que estavam sendo transferidas para a jurisdição palestina, usaria o

título de Ra’ees da Autoridade Palestina ou da OLP, sem empregar o título de

presidente da Palestina141. Comprometeu-se, ainda, a informar o governo

israelense sobre os nomes dos membros da AP.

Segundo o Acordo Gaza-Jericó, a recém-criada entidade palestina teria

escritórios na Faixa de Gaza e na área de Jericó, até à eleição de um Conselho,

conforme a Declaração de Princípios havia determinado (Acordo Gaza-Jericó,

Artigo III:6).

Bem mais extenso do que a Declaração de Princípios, o novo acordo, em

aproximadamente 300 páginas, seis mapas e quatro anexos, trouxe detalhes sobre

os arranjos para as seguintes áreas temáticas: a) providências para a segurança e

para a retirada das forças militares israelenses; b) estrutura, responsabilidades e

poderes da Autoridade Palestina; c) questões legais; d) relações econômicas.

No que se refere às medidas para a segurança externa e para a segurança

de Israel e dos territórios, não houve mudanças significativas quanto aos

princípios definidos no primeiro acordo. Sendo assim, quanto à retirada das forças

141 Ra’ees, em árabe, corresponde ao termo chairman, em inglês. O uso dessa expressão por Arafat denota um compromisso de não declarar unilateralmente um Estado palestino soberano. No entanto, chairman traduzido para o português também significa presidente. Ao longo desta tese, ao me referir ao cargo de Arafat, empregarei o termo presidente da Autoridade Palestina (AP), sem, contudo, equipará-lo ao posto de chefe de Estado. Arafat tornou-se Ra’ees da AP em 5 de julho de 1994, posto confirmado nas eleições de 20 de janeiro de 1996, permanecendo na presidência dessa entidade até seu falecimento em 11 de novembro de 2004.

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militares israelenses, o novo acordo anunciava uma agilização desse processo, o

qual deveria ser concluído no prazo de até três semanas após a assinatura desse

documento (Artigo II). No que diz respeito aos arranjos para a segurança e

manutenção da ordem pública nos territórios, os Artigos VIII e IX atribuem essas

funções à polícia palestina, estabelecendo ainda que atividades conjuntas com

Israel seriam realizadas para atender interesses comuns na área da segurança.

Previa-se que essas tarefas seriam facilitadas por uma Comissão Conjunta

Israelense-Palestina para Coordenação e Cooperação da Segurança e que patrulhas

conjuntas garantiriam a segurança nas estradas.

Um anexo cuida detalhadamente das providências necessárias para essas

duas questões acima, determinando que a referida Comissão Conjunta seria

responsável pela elaboração de um plano para assegurar a coordenação entre as

atividades das forças militares israelenses e da polícia palestina. Para isso, seriam

estabelecidos três escritórios distritais (District Coordination Offices) que

receberiam as diretrizes para a área da segurança formuladas pela mencionada

Comissão Conjunta. Deveriam também monitorar, investigar, relatar as

atividades, nesse setor, realizadas em seu respectivo distrito, e informar a respeito

de incidentes e eventos capazes de ameaçar a ordem pública. Nesse anexo, são

definidas também medidas para a proteção dos assentamentos judaicos, estradas e

passagens entre a Faixa de Gaza e Jericó e segurança externa.

Outros pontos desse primeiro anexo merecem atenção. Seu terceiro artigo

está voltado para a composição, equipamentos e atribuições da polícia palestina.

Dentre outros arranjos, o Acordo Gaza-Jericó estipulou que 9 mil policiais

palestinos se encarregariam da segurança interna dos territórios, devendo ainda

evitar ataques terroristas contra os israelenses nas áreas sob controle do

autogoverno palestino. Uma segunda questão abordada nesse anexo define um

perímetro de segurança a ser patrulhado pela polícia palestina. Determinou-se,

ainda, que as terras palestinas ao redor dos assentamentos judaicos permaneceriam

sob a responsabilidade da segurança israelense.

Com a dissolução da administração civil israelense na Faixa de Gaza e na

área de Jericó, a transferência de poderes e responsabilidades à Autoridade

Palestina foi estendida a outras esferas142. Essa transferência seria acompanhada

142 Além das cinco áreas já estipuladas na Declaração de Princípios – educação, bem-estar social, turismo, taxação direta e saúde –, o Acordo Gaza-Jericó definiu a transferência de autoridade aos

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por uma Comissão Conjunta para a Coordenação e Cooperação de Assuntos Civis

e dois Subcomitês Regionais Conjuntos para Assuntos Civis para a Faixa de Gaza

e a Área de Jericó (Artigo III :5 e Anexo II: Protocolo sobre Assuntos Civis).

O quarto artigo define a composição e a estrutura da AP, podendo exercer

poderes legislativo, executivo e judiciário conforme os princípios do Acordo

Gaza-Jericó. Determina, ainda, que a OLP informe a Israel os nomes dos

membros da AP e sobre quaisquer mudanças na composição de seus integrantes

(Artigo IV:3). Sobre sua jurisdição territorial, funcional e pessoal, o Artigo V

manteve as atribuições já delineadas no acordo anterior, porém, destacou que a

Autoridade Palestina deveria observar as questões legais previstas no terceiro

anexo do Acordo Gaza-Jericó. Quanto a este último, denominado Protocolo sobre

Questões Legais, traz uma série de arranjos para a jurisdição palestina em

assuntos civis e criminais, deixando claro que as instalações militares e

assentamentos judaicos estariam sob jurisdição israelense. Caberia a Israel, ainda,

possuir jurisdição sobre crimes e ofensas cometidos por israelenses em territórios

transferidos aos palestinos.

No entender das partes negociadoras, a cooperação econômica é

fundamental para se alcançar a paz. Isto posto, firmaram, em Paris, em 29 de abril

de 1994, o Protocolo sobre as Relações Econômicas, que foi incorporado ao

Acordo Gaza-Jericó como seu Anexo IV. Como principais temas ali abordados

estão: políticas de importação e exportação, política monetária, taxação e mão-de-

obra palestina empregada em Israel. Assim como na área da segurança, definiu-se

a criação de uma comissão conjunta para facilitar a cooperação, promover a

implementação das decisões e solucionar problemas na esfera econômica. Esse

tema voltará a ser discutido e analisado no quinto capítulo.

Dentre os outros temas tratados pelo Acordo Gaza-Jericó, dois merecem

atenção. O Artigo XX enfatiza a relevância de se estabelecer medidas de

confiança entre as partes. Neste sentido, Israel comprometeu-se a libertar, em um

prazo de cinco semanas, cerca de cinco mil prisioneiros palestinos que não palestinos nas seguintes esferas: reservas naturais, seguro, serviços públicos, habitação, parques, serviços postais, telecomunicações, arqueologia, religião, comércio e indústria, água e esgotos, pensões trabalhistas, planejamento e zoneamento, transportes, agricultura, proteção ambiental, registro populacional, emprego e documentação, eletricidade, finanças. O Artigo VI do Acordo Gaza-Jericó manteve a decisão de não atribuir poderes à AP na esfera das relações exteriores, o que a impede de estabelecer consulados e embaixadas nos territórios e de indicar diplomatas e desempenhar funções diplomáticas. Pode, contudo, negociar acordos internacionais para o desenvolvimento de sua região, de sua economia, acordos culturais, educacionais e científicos.

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tivessem participado de ataques, resultando na morte de israelenses que não

tivessem sido presos pela acusação de terrorismo desde a assinatura da Declaração

de Princípios. E no Artigo XXI, as partes mostram-se de acordo com a presença

temporária de agentes internacionais na Faixa de Gaza e na área de Jericó

(observadores, instrutores e especialistas provenientes de cinco ou seis países

participantes do processo de paz sob a categoria de doadores).

4.3 Acordo sobre a Preparação para a Transferência de Poderes e Responsabilidades (29 de agosto de 1994)

Como o título acima indica, o ponto central desse novo acordo reside na

transferência de poderes e responsabilidades para a entidade palestina interina até

que um Conselho fosse eleito na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Cada um de seus

seis anexos corresponde a um protocolo com as decisões tomadas pelas duas

partes quanto aos arranjos para as seguintes áreas: educação e cultura; saúde;

bem-estar social; turismo; taxação direta; taxação indireta (taxa de valor

adicionado – TVA - para a produção local). Sendo assim, esses textos especificam

o alcance da autoridade a ser transferida aos palestinos, além de indicarem a

legislação e os regulamentos referentes a essas seis esferas. Esse novo documento

constitui, pois, uma extensão do Acordo Gaza-Jericó. Não houve mudanças

significativas quanto ao que havia sido decidido nos acordos anteriores, sendo

acrescentada apenas mais uma esfera a ser transferida para a Autoridade Palestina

(AP), a saber, a tributação indireta. Dito isso, o objetivo desta seção é salientar os

pontos desse novo documento que delineiam o perfil dessa entidade política

palestina.

Quanto a uma definição desse ator, em seu segundo artigo, esclarece que a

Autoridade Palestina constitui os “palestinos autorizados” a receber autonomia

em certas áreas, que antes se encontravam sob o controle do governo militar e da

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administração civil israelenses, conforme o Artigo VI da Declaração de

Princípios.

Sobre a jurisdição da AP, o terceiro artigo baseia-se na Declaração de

Princípios para afirmar que a mesma não se aplica a Jerusalém, aos assentamentos

judaicos, às localidades militares e aos israelenses (não apenas os cidadãos, mas

também as agências e corporações israelenses nos territórios e que possuem

registro em Israel). Uma ampliação dessa autoridade seria possível apenas

mediante negociação entre as partes.

No que concerne à administração dos escritórios referentes a essas esferas,

o Artigo V atribui à AP a responsabilidade por seu apropriado funcionamento e

gerência de seus empregados, incluindo a distribuição dos salários e outros

direitos trabalhistas. Quanto às demais esferas não transferidas à Autoridade

Palestina, deveria haver uma coordenação entre essa entidade e a administração

civil israelense para tratar das questões pertinentes àqueles setores (Artigo VI:1).

No que diz respeito às relações entre as partes, alguns princípios do sexto

artigo merecem atenção por indicarem os limites da autonomia palestina mesmo

sobre as áreas que passariam a ser de sua responsabilidade. Nesse sentido, o

Artigo VI, em seu 3º. parágrafo, determina que a AP deverá evitar qualquer

atividade que comprometa o decoro, a disciplina e dissolução das instituições sob

sua responsabilidade. Registre-se que, para esse fim, o artigo prevê que a AP

adote uma orientação militar para manter o funcionamento das atividades de suas

instituições. No parágrafo seguinte, estabelece-se que a AP deverá notificar ao

governo militar e à administração civil israelenses quaisquer eventos, nas esferas a

lhe serem transferidas, em que haja concentração em massa de pessoas. Note-se

que, não obstante esses dois parágrafos não façam menção direta à segurança

israelense, pode-se dizer que revelam as preocupações de Israel quanto a essa

questão. Por outro lado, observe-se uma particularidade do texto do Artigo VI,

que além de denotar a restrição na autonomia da AP, evidencia uma clara

preocupação israelense com a segurança:

“Nothing in this Agreement shall affect the continued authority of the military government and its Civil Administration to exercise their powers and

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responsibilities with regard to security and public order, as well as with regard to other spheres not transferred”143.

Com relação aos poderes legislativos, o sétimo artigo atribui à Autoridade

Palestina o direito de elaborar uma legislação secundária e de alterar as leis já

existentes para as esferas que passariam para sua responsabilidade, desde que

observados os princípios desse acordo. Contudo, tais procedimentos deveriam ser

comunicados a Israel em um prazo de 30 dias, que por sua vez, passaria a ter o

direito de vetar uma legislação promulgada pela AP nos seguintes casos: a) se a

legislação ultrapassar os poderes e responsabilidades conferidas à AP; b) se

apresentar inconsistências com o acordo; c) se afetar a legislação existente e os

poderes e responsabilidades que não tiverem sido transferidos à entidade

palestina.

Vale observar que, embora os acordos refiram-se à Faixa de Gaza e à

Cisjordânia como partes de um único território, os princípios presentes nesse

último acordo sobre a elaboração de leis abrangiam somente a área de Jericó e a

Faixa de Gaza. Sendo assim, o Artigo VII determina que a legislação com relação

à Cisjordânia deveria ser publicada separadamente daquela referente à área de

Jericó e da Faixa de Gaza.

Outro trecho do acordo, que deixa clara a restrição à autonomia da AP, diz

respeito ao cumprimento da lei. Conforme o oitavo artigo, os procedimentos

judiciais e de investigação, assim como as medidas para o aprisionamento,

permanecerão sob a responsabilidade das autoridades existentes na Cisjordânia. A

Autoridade Palestina poderia participar dessas atividades autorizando funcionários

que agiriam como inspetores civis com a função de monitorar o cumprimento da

legislação nas esferas sob sua competência.

Essa decisão de se manter certas atividades sob os cuidados do governo

militar e/ou administração civil israelenses se aplica em outras situações

envolvendo o controle das seis esferas transferidas à autoridade palestina, e não se

limita à área de Jericó, mas a toda a Cisjordânia. Nessa direção, o Anexo II sobre

o campo da saúde diz que a transferência de poderes e responsabilidades à AP não 143 Artigo VI:5 do Acordo para sobre a Preparação para a Transferência de Poderes e Responsabilidades. Fonte: Ministério de Relações Exteriores de Israel: http://www.mfa. gov.il/MFA/Peace+Process/Guide+to+the+Peace+Process/Agreement+on+Preparatory+Transfer+of+Powers+and+Re.htm.

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poderá afetar a autoridade de Israel e de seu governo militar no exercício de suas

atribuições em assuntos criminais na região da Cisjordânia. O mesmo anexo

determina que a AP deverá informar à polícia israelense, naquela área, sobre

qualquer pessoa ferida ou morta por armas e explosivos que tenha sido atendida

em uma instituição médica palestina. A mesma linha argumentativa reaparece no

Anexo III (referente à esfera do bem-estar social) e no Anexo IV (sobre o setor do

turismo), indicando que as atividades desempenhadas pela AP (nesses campos)

não poderiam afetar a autoridade israelense quando esta estiver exercendo seus

poderes e responsabilidades para garantir a segurança e a ordem pública.

Ademais, vale ressaltar que esse acordo confirma a existência de

categorias distintas (e separadas) no interior dos territórios que passariam para a

autonomia palestina. Em outras palavras, os assentamentos judaicos, as

localidades militares, corporações, agências e cidadãos israelenses permaneceriam

sob a autoridade de Israel, até mesmo no que diz respeito à arrecadação das taxas

diretas e indiretas. Nesta direção, o Anexo V sobre taxas diretas, em seu apêndice

B:5, além de declarar que não incidirá tributação sobre os assentamentos e

localidades militares, afirma que a AP não tem poder para empregar medidas que

afetem direta ou indiretamente o governo militar e a administração civil

israelense. O Anexo VI, sobre a taxação indireta, segue linha argumentativa

semelhante, ao dizer que a administração civil israelense será responsável pela

arrecadação dessa taxa (conforme as regras da legislação palestina) a ser

repassada para a AP, em seu valor líquido, depois de subtraídas as deduções

cabíveis.

4.4 Acordo Interino Israelense-Palestino sobre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza (ou Oslo II, 28 de setembro de 1995)

Foram necessários vários meses de negociações até a elaboração do

Acordo Interino, interrompidas diversas vezes devido a atentados suicidas contra

israelenses, entre abril e outubro de 1994. Um novo ataque a soldados israelenses,

em 22 de janeiro de 1995, levou Israel a suspender as negociações por dois meses.

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Contudo, secretamente, as conversações para a preparação do Acordo Interino

foram iniciadas em seguida. Em agosto de 1995, quando se tornou público que

mais um acordo estava sendo concluído, aumentaram as pressões domésticas

sobre Rabin, acusado de pôr em risco a vida de judeus e de comprometer o ideal

da “Grande Israel” ao prosseguir com seus planos de paz e ao ceder territórios aos

palestinos. As manifestações contrárias a Rabin, no parlamento e por parte de

alguns setores da sociedade israelense, continuaram em outubro. Com o

assassinato do primeiro-ministro em 4 de novembro de 1995, o processo de paz

entraria em um novo período crítico.

Contudo, o Acordo Interino assinado na gestão de Rabin representava um

passo importante na implementação dos arranjos estipulados pela Declaração de

Princípios e na institucionalização da Autoridade Palestina. Segundo este

documento, um futuro acordo delinearia a estrutura do Conselho Palestino (Artigo

VII), a ser eleito (Artigo III), o qual receberia por um período interino todos os

poderes e responsabilidades até então transferidos aos palestinos, incluindo

poderes para legislar (Artigo IX). A conclusão desse quarto acordo, em setembro

de 1995, cumpriu aquelas decisões da Declaração de Princípios e constituiu, pois,

uma precondição para a eleição da referida entidade palestina.

Coloquialmente chamado Acordo Interino ou Oslo II, o novo tratado

possibilitou, também, que se estendesse a autonomia do autogoverno palestino a

outras regiões da Cisjordânia. Sendo assim, além de suas 29 páginas, seus anexos,

apêndices e mapas traçam a extensão da autoridade desse autogoverno e

especificam os arranjos quanto à segurança, eleições, assuntos civis, questões

legais, relações econômicas, programas de cooperação israelense-palestina, e a

libertação de prisioneiros palestinos. Vale lembrar que, até então, a jurisdição

territorial palestina sobre a Cisjordânia limitava-se à área de Jericó. Observe-se

que, embora Oslo II tenha sido assinado em 1995, a contagem do período interino

para o autogoverno palestino começou a partir do Acordo Gaza-Jericó, em 4 de

maio de 1994.

O Acordo Interino definiu o formato das eleições para o Conselho e para o

cargo de Ra’ees da Autoridade Executiva, os quais seriam eleitos para um período

de até cinco anos. Segundo o Artigo III, ambos comporiam a Autoridade Palestina

do Autogoverno Interino, que passaria a ter poderes nas esferas executiva,

legislativa e judiciária. O mesmo artigo determina, em seu 7º. parágrafo, que a

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organização, estrutura e funcionamento do Conselho deveriam seguir os

princípios do Acordo Interino e da Lei Básica a ser adotada pelo Conselho.

Quanto à sua jurisdição, abrangeria a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, exceto no

que se refere às questões da fase das negociações do status permanente, aos

israelenses e aos poderes e responsabilidades não transferidos ao Conselho. Sobre

este último ponto, vale citar o Artigo XVII, parágrafo 4(a), estabelecendo que:

“Israel, through its military government, has the authority over areas that are not

under the territorial jurisdiction of the Council, powers and responsibilities not

transferred to the Council and Israelis”144.

Ademais, Oslo II confirmou uma decisão anterior da Declaração de

Princípios, a saber, que o Conselho não teria poderes e responsabilidades na esfera

das relações externas, nem lhe seria permitido estabelecer embaixadas, consulados

e postos diplomáticos no exterior ou na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. A

participação em negociações internacionais estaria limitada a acordos econômicos,

culturais, educacionais, científicos e para o desenvolvimento regional, porém,

registre-se que seriam conduzidas pela OLP, e não pela Autoridade Palestina

(Artigo IX).

Previu-se uma retirada de forças militares israelenses em determinadas

áreas da Cisjordânia a ser completada antes das eleições palestinas. Quanto às

etapas subseqüentes, as forças militares seriam retiradas depois de eleito o

Conselho e de modo gradual, em um período de 18 meses, na medida em que a

polícia palestina garantisse a segurança e a ordem internas (Artigo X). E, por

conseguinte, à proporção que ocorresse a retirada das tropas israelenses, a

jurisdição territorial do Conselho sobre a Cisjordânia seria ampliada. Ao se

completar a retirada das forças militares, a autoridade palestina seria total sobre

aquela região, exceto para as localidades cuja jurisdição deveria ser discutida no

estágio final das negociações israelense-palestinas. Assim como nos acordos

anteriores, seria mantida a presença de bases militares israelenses em

determinadas partes da Cisjordânia, sem, contudo, serem indicados, ao certo, os

locais para onde seriam deslocadas. Como declara o Artigo XI(d):

144 Fonte: Ministério das Relações Exteriores de Israel. Disponível em: <http:// www.mfa.gov.il/MFA/Peace+Process/Guide+to+the+Peace+Process/THE+ISRAELIPALESTINIAN+ INTE RIM+AGREEMENT.htm>.

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“The further redeployments of Israeli military forces to specified military locations will be gradually implemented in accordance with the DoP in three phases, each to take place after an interval of six months, after the inauguration of the Council, to be completed within 18 months from the date of the inauguration of the Council”145.

Portanto, a autoridade palestina não se daria de forma plena em sua

jurisdição territorial, pessoal e funcional sobre os territórios da Faixa de Gaza e da

Cisjordânia. Em outras palavras, conforme as proposições do Acordo Oslo II, a

Cisjordânia – excluída Jerusalém oriental - foi dividida em três áreas, sendo

delineados distintos arranjos para a segurança e responsabilidades palestina e

israelense (ver anexo 3 desta tese).

Por conseguinte, o autogoverno palestino teria total controle sobre a área

"A", após a retirada das forças militares israelenses dos distritos inseridos naquela

localidade. Essa área representa 2,7% das terras e 35,7% da população naquela

região146. Sobre esse território, a autoridade palestina seria total quanto às

questões civis e o autogoverno teria total responsabilidade pela segurança interna

e ordem pública (Artigo XIII).

Na área "B", equivalente a cerca de 200 localidades palestinas que, em

conjunto, totalizavam 25,1% do território e 460 centros habitados por palestinos

(cidades, vilas e campos de refugiados com aproximadamente 64% da população

palestina), a jurisdição seria compartilhada. Se, por um lado, o autogoverno

palestino teria total autonomia sobre a esfera civil, por outro, sua autoridade seria

restrita em questões no âmbito da segurança. Ou seja, embora o Artigo XIII:2(a)

estipule a completa retirada das forças militares de Israel, o Estado assumiria a

responsabilidade pela segurança interna de seus cidadãos e pelo combate ao

terrorismo, enquanto a Autoridade Palestina deveria manter a ordem pública.

E a área "C", representando 72,2% da região, composta de terras

inabitadas, ocupadas por assentamentos judaicos e postos militares (Anexo IV,

145 Fonte: Ministério das Relações Exteriores de Israel. Disponível na Internet: http://www.mfa.gov.il/MFA/Peace+Process/Guide+to+the+Peace+Process/THE+ISRAELI-PALE STINIAN+INTERIM+AGREEMENT.htm. 146 A área “A” corresponde às cidades sem assentamentos judaicos: Jenin, Nablus, Tulkarem, Kalkilya, Ramallah e Belém; e, parcialmente, Hebron, uma vez que era também habitada por judeus. O Artigo VII indica que as duas partes deveriam entrar em acordo sobre a presença de alguma organização internacional em Hebron.

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Artigo I:1, alínea a). Israel manteria total autoridade sobre a ordem pública e a

segurança local, ficando os residentes palestinos e as questões civis não

relacionadas àquelas localidades sob a jurisdição da Autoridade Palestina.

O acordo estabelece ainda que Israel e o Conselho Palestino deveriam se

comprometer a tomar todas as medidas necessárias para evitar a violência, o

terrorismo (Artigo XV) e atos hostis à outra parte, além de se absterem de

propaganda contrária à imagem do outro (Artigo XXII:1).

O processo de paz e a implementação de Oslo II passariam por momentos

críticos após a morte de Rabin e durante a gestão interina de Peres. Embora

apresentasse uma postura favorável ao diálogo com os palestinos baseado na

fórmula “terra por paz”, Peres condicionou a garantia da segurança nacional

como fator para continuar as conversações com a OLP.

Ao final de 1995, as forças militares israelenses já haviam se retirado das

seis maiores cidades palestinas na área “A” e em mais de 400 vilas da área “B”.

As eleições palestinas haviam sido realizadas em 20 de janeiro de 1996 conforme

determinara a Declaração de Princípios. Contudo, o assassinato de um membro do

Hamas, Yahya Ayyash, no início de janeiro, levou a outro momento de

instabilidade nas relações israelense-palestinas. E apesar de intensas medidas de

segurança, quatro atentados suicidas entre 25 de fevereiro a 4 de março em Israel

tiveram um impacto negativo sobre a campanha eleitoral de Peres, que concorreria

às eleições em maio. Sua ordem para se efetuar uma incursão militar ao sul do

Líbano, contra o Hizbollah, também repercutiu desfavoravelmente ao primeiro-

ministro, que perderia votos dos israelenses-árabes em virtude das baixas de

libaneses civis. Ao mesmo tempo, Peres suspendeu o processo de paz, acusando

Arafat pelos recentes ataques suicidas, impondo, ainda, um total fechamento das

cidades e vilas da Cisjordânia. Ademais, devido às eleições em Israel, que

ocorreriam entre 15 e 29 de maio de 1996, as reuniões bilaterais entre israelenses

e palestinos seriam temporariamente suspensas, exceto para conversações sobre

segurança.

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4.5 Protocolo para a Retirada de Hebron, Memorandos de Wye River e de Sharm el-Sheikh

Após sua vitória para o cargo de primeiro-ministro, o líder do Likud,

Benjamim Netanyahu, mostrou-se contrário ao estabelecimento de um Estado

palestino, recusou-se a discutir o status de Jerusalém no estágio final das

negociações e declarou que se encontraria com Arafat somente se fosse

estritamente necessário.

Em maio, entre o fim do período do governo interino de Shimon Peres e o

início do mandato de Netanyahu (18 de junho de 1996), foram interrompidas as

retiradas das tropas de Israel em Hebron. Em uma declaração sobre o processo de

paz, em princípios de julho, Netanyahu dizia que Israel já havia cumprido as

exigências da fórmula “terra por paz”, ao devolver o Sinai ao Egito. Na ocasião,

disse também que a Autoridade Palestina poderia ter o controle de várias esferas

da vida pública em territórios sob sua jurisdição, mas não teria o direito à

soberania; declarou, ainda, que os bloqueios e cercamentos de territórios da Faixa

de Gaza e da Cisjordânia seriam suspensos somente quando a segurança de Israel

estivesse garantida147. No mês seguinte, após ser encarregado pelo primeiro-

ministro israelense de reformular um plano com novos arranjos para aquela

cidade, o ministro da Defesa, Ytzhak Mordechai, apresentou sua proposta de

classificar as áreas com estabelecimentos judaicos e habitados por judeus como

“B”. Na mesma ocasião, propôs aumentar o número de tropas e de postos de

observação do Exército, limitar o número de forças de segurança palestinas e o

alcance de seu patrulhamento, bem como diminuir o ritmo das fases,

anteriormente acordadas, para a retirada militar. Netanyahu autorizou a

147 O fechamento de áreas sob jurisdição palestina foi aplicado após a série de atentados suicidas pelo Hamas entre fevereiro e março de 1996. No mês de março, o Gen. Mikhaek Ben-Ya’ir entregou um relatório ao primeiro-ministro Peres, declarando serem permitidas atividades defensivas na área “A”, sob o direito internacional e Oslo II. Em maio, o Exército israelense entrou na Vila de Dura, próxima a Hebron, além de aumentar o montante de suas patrulhas nessa segunda cidade. Em suas ações, foram detidos vários policiais palestinos e realizadas inspeções em seus veículos. Em conseqüência, houve confrontos entre os residentes palestinos em Hebron e as tropas israelenses. Em agosto, houve o fechamento de Tulkarem e no período de maio a agosto Belém, Jenin, Jericó, Nablus, Qalqilya e Ramallah foram declaradas zonas militares fechadas; toque de recolher foi imposto em algumas cidades, incluindo Hebron. Journal of Palestine Studies, vol. 25, n. 4, p. 116 e vol. 26, n. 1, 1996, p. 117-118.

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continuação dos planos de assentamentos em territórios ocupados. Não havia

previsão sobre a realização de reuniões sobre o status final, além de ter recusado

implementar os entendimentos previamente assumidos pelo governo Rabin sobre

essa questão.

As negociações para a implementação dos arranjos sobre Hebron previstos

no Acordo Interino de 1995 recomeçaram somente em outubro de 1996 com a

participação de conselheiros e membros do governo israelense e da Autoridade

Palestina, mas chegaram logo a um impasse no mês seguinte. Em dezembro,

Netanyahu e Arafat concordaram em encontrar-se, para a busca de solução para

várias questões pendentes sobre aquela cidade. Apesar de o presidente da AP

ameaçar retirar-se das negociações em duas ocasiões, houve um certo progresso

nas conversações que acabaram resultando em uma primeira versão de um

protocolo com arranjos para Hebron, em 2 de janeiro de 1997. A demora para se

assinar um documento nesse sentido deu-se pela insistência de Arafat para que

fossem incluídas, no protocolo, garantias para a retomada das discussões sobre o

status final, a implementação da retirada do Exército israelense dos territórios e

outras questões pendentes do Acordo Oslo II. O diálogo entre as duas partes foi

facilitado pela intervenção do enviado especial dos Estados Unidos, Dennis Ross,

e pelo rei Husayin, da Jordânia. No dia 15 de janeiro, Arafat e Netanyahu

recebiam cartas de garantia do secretário de Estado norte-americano quanto à

implantação do “Protocolo de Hebron”. Apesar de essas cartas não fazerem parte

oficialmente do processo de negociação, foram consideradas de fundamental

importância por israelenses e palestinos.

Portanto, embora o Acordo Interino tenha definido arranjos específicos

para Hebron, que incluiriam a retirada militar israelense e a transferência de

poderes e responsabilidades à Autoridade Palestina, o status da cidade manteve-se

inalterado até 15 de janeiro de 1997. Mais uma rodada de negociações levou à

assinatura, em 17 de janeiro daquele ano, de um protocolo para a retirada militar

israelense em partes da cidade.

Repetiu-se nesse novo documento a mesma configuração prevista no

Acordo Interino, ou seja, uma divisão de responsabilidades pela segurança da

cidade. Assim, definiram-se duas zonas de segurança, uma denominada H1, na

qual a polícia palestina operaria livremente e o Conselho Palestino assumiria

poderes e responsabilidades civis; e uma outra, a H2, na qual Israel manteria

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forças militares para garantir a segurança dos israelenses e a ordem pública. Nesta

segunda área, a Autoridade Palestina teria poderes e responsabilidades civis

exceto sobre os israelenses e as propriedades destes que, por sua vez, ficariam sob

os cuidados do governo militar de Israel.

Ao protocolo, anexou-se um documento elaborado por Ross, referindo-se a

questões que constam no Acordo Oslo II, até então não-implementadas. Dizia que,

em março de 1997, Israel deveria efetuar o primeiro estágio de uma nova retirada

da Cisjordânia e que as negociações sobre o status final deveriam recomeçar

naquela data.

Contudo, seguindo outro atentado suicida em Israel, em março de 1997,

Netanyahu suspendeu as conversações de paz, condicionando uma retomada do

processo a seis exigências a serem cumpridas pela AP: a) prender e punir todos os

terroristas; b) desmantelar grupos guerrilheiros; c) impedir a violência e a

propaganda hostil a Israel; d) retomar atividades de cooperação na área da

segurança; e) rever os pedidos de extradição de palestinos apresentados por Israel;

f) confiscar todas as armas ilegais148. De sua parte, a AP recusou-se a recomeçar

as negociações enquanto prosseguisse a construção de assentamentos judaicos.

Várias tentativas de reiniciar o diálogo entre as partes foram feitas pelos EUA e

Egito, mas houve pouco progresso nas negociações, tendo em vista as condições

impostas pela AP e pelo governo de Israel. Paralelamente, continuaram os

confrontos na região, com ataques mútuos entre judeus e palestinos.

Em agosto de 1998, alguns contatos entre Arafat e Ytzhak Molho,

conselheiro de Netanyahu, e entre o primeiro-ministro israelense e Ahmad Qrei’a,

motivaram o presidente norte-americano, Bill Clinton, a enviar Dennis Ross para

a região, no início do mês seguinte. Embora não tenham sido divulgados os

detalhes dos encontros entre esse enviado dos EUA e Arafat, nem os resultados de

suas conversas com Netanyahu, com o herdeiro ao trono jornadiano, príncipe

Hassan, e com o presidente egípcio, Hosni Mubarak, Ross retornaria a seu país em

19 de setembro com a missão de assegurar um encontro trilateral – Estados

Unidos-Israel-Autoridade Palestina. Em seguida, a secretária de Estado norte-

americana, Madeleine Albright, encontrou-se em Nova Iorque com Netanyahu,

Arafat e outros líderes árabes na busca por um acordo entre Israel e a OLP sobre a

148 Journal of Palestine Studies, vol. 26, n. 4, 1997, p. 126.

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retirada militar israelense dos territórios. Finalmente, em 28 de setembro, o

premiê israelense e o presidente da OLP encontraram-se em Washington com

Clinton para discutir a respeito da saída das forças militares israelenses, previstas

no Protocolo Hebron. Uma vez que falharam em um consenso sobre todos os

pontos, incluindo questões relacionadas à segurança israelense, concordaram em

remarcar novas negociações para outubro. Enquanto isso, o diálogo foi mantido

com a participação de Ross, Albright e de seu assessor, Martin Indyk, e de George

Tenet (diretor da Central Intelligence Agency), no sentido de resolver o máximo

das lacunas existentes antes da retomada das conversações israelense-palestinas

em Wye Plantation, nos EUA.

Em 15 de outubro começaram as negociações em Wye. Entretanto, os

nove dias de conversações foram marcados por impasses em virtude dos

diferentes posicionamentos das partes, requerendo, por conseguinte, a participação

direta de Clinton como mediador. Ao mesmo tempo, as delegações mantinham

contatos com Mubarak e o rei jordaniano Husayin. Pode-se dizer que aquelas

reuniões representaram uma renegociação dos termos do Protocolo de Hebron e

uma tentativa de solucionar questões pendentes do Acordo Interino de 1995, tais

como as discussões sobre passagens seguras149. Porém, um ataque em 19 de

outubro, ferindo 64 israelenses, levou Netanyahu a suspender totalmente o

diálogo, exceto para a questão da segurança de Israel. As dificuldades persistiram,

havendo até mesmo confrontos entre Clinton e Netanyahu, que chegou a ameaçar

não firmar nenhum acordo.

No entanto, em 23 de outubro de 1998, Netanyahu foi convencido a

assinar em Washington o Memorando de Wye River, que representou mais um

passo para se retomar o processo de implementação do Acordo Interino (1995) e o

Protocolo sobre a Retirada de Hebron (1997). O documento apresentou um novo

cronograma para o deslocamento das forças militares israelenses. Desse modo,

mais 12% do território da área “C” passariam para a área “B” e 1% seria

transferido para a área “A”; previu-se, ainda, que 14,2% da área “B” seriam

transformados em área “A” (ver anexo 4 desta tese). Quanto às futuras etapas de

retirada do Exército de Israel, o Memorando informou que uma comissão seria

formada para tratar do assunto.

149 Journal of Palestine Studies, vol. 28, n.2, 1998, p. 115.

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Refletindo a escalada da violência e de atos terroristas, o documento

afirmou o compromisso das partes no combate a tais ameaças. Determinou-se que

caberia à Autoridade Palestina assumir responsabilidades pela segurança e

cooperar nesse sentido, adotando as seguintes medidas: a) desenvolver um plano

compartilhado com os Estados Unidos para garantir uma sistemática e efetiva

repressão às ações de organizações e infra-estrutura terroristas; b) deter suspeitos

de terem cometido violência e atos terroristas para serem investigados e, se fosse

o caso, serem julgados e condenados; c) quanto às armas ilegais, a Autoridade

Palestina deveria se encarregar de estabelecer uma estrutura legal, impedindo a

importação, produção, aquisição e posse de armas e munições nas áreas sob sua

jurisdição; uma comissão conjunta com Israel e os EUA deveria ser criada para

evitar o contrabando e a entrada de armas e materiais explosivos nas áreas sob a

administração palestina.

Apenas a primeira fase da segunda etapa de retirada militar da Cisjordânia

foi concluída em 20 de novembro de 1998, na qual 2% da área “C” foram

transformados em área “B” e 7,1% da região “B” foram classificados como “A”.

Netanyahu suspendeu em dezembro a próxima fase de retirada das tropas

israelenses, alegando que a Autoridade Palestina não cumpria suas

responsabilidades quanto à segurança.

Com a aproximação do fim do período interino, a liderança palestina

decidiu, em 12 de abril de 1999, declarar um Estado palestino em 4 de maio. Essa

decisão foi publicada pelo Comitê Político do Conselho Palestino, em um

relatório em 30 de abril, onde se enfatizou que:

“(...) an independent Palestinian state is not an issue for negotiation, but a legitimate right for the Palestinian people decided on by the international will. This state is the basis and the launching pad for any future negotiations (…)”.150

Em sua tentativa de persuadir a OLP, a não declarar unilateralmente um

Estado ao fim do período interino, o presidente norte-americano, Bill Clinton,

convidou representantes palestinos para discutirem essa questão em Washington.

No encontro, Abu Mazen e Saeb Erakat pediram uma carta ao presidente dos

EUA que servisse como garantia para a definição de um prazo para as 150 Journal of Palestine Studies, vol. 28, n. 4, 1999, p. 153-168.

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negociações do status permanente e que valesse como um reconhecimento pelo

governo norte-americano do direito palestino a estabelecer um Estado. Junto a

essa carta a Arafat, o porta-voz da Casa Branca anunciava, em 26 daquele mês, o

posicionamento dos EUA sobre esse ponto, qual seja, que os palestinos e os

israelenses evitassem tomar medidas unilaterais e declarações que prejudicassem

ou predeterminassem questões a serem tratadas somente nas negociações para o

status permanente.

Em agosto de 1999, o cronograma definido em Wye tornava-se obsoleto.

Mesmo com um novo governo liderado pelo trabalhista Ehud Barak, a evolução

do processo de paz era lenta e gradual, com vários impasses na implementação

dos arranjos previstos nos acordos. Vale notar que, enquanto ministro do Interior

no governo de Rabin, Barak era contrário aos Acordos de Oslo.

O Memorando de Sharm el-Sheikh ou “Wye II”, de 4 de setembro de

1999, foi mais um compromisso entre as partes para prosseguirem no processo de

paz (ver anexo 5 desta tese). As cláusulas desse novo documento repetiam, em

grande parte, as providências definidas no Protocolo de Wye River. Dessa forma,

a exemplo do que ocorreu com todos os acordos formulados entre israelenses e

palestinos, o Memorando de Sharm el-Sheikh constituía, essencialmente, uma

revisão do acordo anterior. Sendo assim, questões ligadas à fase interina, tais

como arranjos para a segurança, a passagem segura entre a Faixa de Gaza e a

Cisjordânia, a construção do porto de Gaza, as atividades das comissões conjuntas

e a retirada das forças militares israelenses, foram mantidas, estabelecendo-se

apenas um novo cronograma para sua implementação. As mudanças mais

significativas ocorreram no nível das negociações finais. Neste sentido, o

memorando convocava a AP e Israel para concluírem um acordo sobre as

questões do status final em 13 de fevereiro de 2000. O otimismo quanto ao

cumprimento dos termos dos acordos para os períodos interino e permanente com

a assinatura de Memorando de Sharm el-Sheikh logo se desfez e as negociações

foram suspensas pelos palestinos em fevereiro de 2000.

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4.6 As negociações em Camp David e novas iniciativas para a paz

Apesar de as conversações entre Israel e a OLP terem sido restabelecidas

em maio, não houve nenhum avanço na evolução do processo de paz. Pode-se

dizer que esse resultado negativo deveu-se, em parte, às dificuldades enfrentadas

por Barak na arena política doméstica, reduzindo o apoio às decisões no âmbito

externo, em particular, no que diz respeito às relações com os palestinos. Em

outras palavras, à medida que as negociações prosseguiam, o primeiro-ministro

teve de lidar com o enfraquecimento de sua base de sustentação no Parlamento,

além de passar por várias moções para uma votação de desconfiança em seu

governo. Foram várias as acusações pela direita de ser condescendente com a

“causa palestina”, por fazer escolhas políticas ameaçando a segurança de Israel,

além de ter sido pressionado por membros de sua própria coligação partidária por

suas decisões sobre a paz com os palestinos151.

Por outro lado, Barak recusava-se a conduzir a terceira fase da retirada

militar israelense da Cisjordânia152, insistindo que as negociações se

concentrassem no status final. Isto posto, o diálogo entre o governo de Israel e a

OLP recomeçaria em 11 de julho em Camp David, nos Estados Unidos, constando

na pauta da agenda as questões referentes ao estágio permanente dos acordos. As

propostas de Barak deixavam claras suas intenções em manter alguns pontos

estratégicos para a segurança de Israel. Ao mesmo tempo, protestos palestinos

ocorreriam devido à expansão dos assentamentos israelenses e ao mapa proposto

por Israel para o status permanente (ver anexos 6 e 7 desta tese). Tratava-se da

151 Apesar de Ehud Barak ter sido eleito com uma boa margem de votos em relação ao seu opositor (56,08% dos votos contra os 43,92% recebidos por Netanyahu), sua coligação partidária (One Israel) obteve apenas 26 cadeiras no Parlamento, levando o novo primeiro-ministro a formar um governo de coalizão com partidos de diferentes linhas ideológicas, como o Meretz, (favorável à devolução dos territórios ocupados e ao estabelecimento do Estado palestino), o ortodoxo Shas, o Partido Religioso Nacional e Israel B’Alya, de Nathan Sharansky. Sua posição no governo tornou-se bastante delicada a partir de junho de 2000, quando o Partido Religioso Nacional e o Shas ameaçaram retirar-se do Parlamento, tornando-se ainda mais crítica no início das negociações de Camp David, em julho daquele ano. Em 9 de julho, os dois partidos e Israel B’Alya saíram do governo, contando Barak com o apoio de 42 dos 120 parlamentares; no mesmo dia, o ministro das Relações Exteriores, descontente com o posicionamento do governo quanto ao processo de paz, não acompanhou a comitiva negociadora aos EUA, declarando sua renúncia em 2 de agosto. Fonte: Parlamento de Israel – Knesset: <http://www.knesset.gov.il>. 152 A segunda fase, prevista para Janeiro de 1997, foi completada em 21 de março de 2000; e a terceira estava inicialmente prevista para ser realizada até julho de 1997 (segundo o cronograma de Oslo II). Os memorandos de Wye e de Sharm el-Sheikh redefiniram esse cronograma.

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devolução de 66% da Cisjordânia aos palestinos e uma anexação do restante do

território por Israel, incluindo todos os principais agrupamentos de assentamentos

judaicos; e a permanência, por um período de sete anos, de 14% das terras do

Vale do Jordão sob o domínio israelense.

Até o encontro em Camp David, 18% dos territórios haviam sido

transferidos para a Autoridade Palestina e 24% de outras áreas estavam sob

jurisdição compartilhada com Israel. Cabe salientar que os acordos anteriores

definiam que uma ampla retirada das forças militares israelenses da Faixa de Gaza

e da Cisjordânia deveria ocorrer durante o período interino, como pré-requisito

para se passar ao estágio final dos acordos. Sendo assim, nessa nova etapa das

negociações, acabou sendo estabelecido um vínculo entre uma futura retirada

militar israelense e as concessões a serem feitas pelos palestinos sobre questões do

status permanente.

No dia 17 de julho, não obstante as partes tenham se entendido sobre

várias questões, o status sobre Jerusalém ainda não havia sido debatido. Contudo,

a discussão sobre esse tema acabou se tornando central para o prosseguimento das

conversações em Camp David. Ou seja, os dois lados não intencionavam finalizar

acordos sobre outras questões até que pudessem ter uma idéia clara sobre a

negociação em torno de Jerusalém. Na semana seguinte, após dialogar

separadamente com Arafat e Barak - e com as respectivas delegações desses dois

líderes -, Clinton apresentou três propostas a respeito daquela cidade: a) adiar essa

discussão por um período de 2 a 25 anos; b) conceder à AP alguma forma de

soberania sobre os bairros muçulmano e cristão na Cidade Velha e um controle

administrativo sobre os bairros árabes de Jerusalém Oriental fora da Cidade

Velha; c) permitir o controle administrativo pela AP sobre todos os bairros

cristãos e muçulmanos da Cidade Velha e conceder soberania sobre vários bairros

árabes de Jerusalém Oriental. Para essas duas últimas opções, cogitou-se a

possibilidade de uma soberania palestina “por custódia” sobre Haram Ash-

Sharif/Monte do Templo153. Em contrapartida, deveria ser reconhecida a

soberania israelense sobre todas as demais áreas de Jerusalém Oriental, Ocidental

e os assentamentos da área metropolitana daquela cidade (por exemplo, Ma’ale

153 Journal of Palestine Studies, vol. 30, n. 1, 2000, p. 119.

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Adumim, Gush Etzion e Givat Ze’ev). A Autoridade Palestina rejeitou essas

propostas, uma vez que demandava soberania sobre toda Jerusalém oriental.

Após várias horas de conversações separadamente com cada um dos

líderes, Clinton declarava encerrado, em 25 de julho, o encontro de Camp David,

ao concluir que não havia possibilidade de ocorrerem novos avanços rumo a um

acordo. Não obstante isso, na avaliação dos Estados Unidos e de Israel, as

conferências em Camp David produziram resultados importantes sobre questões

do status final, exceto no que diz respeito a Jerusalém. No entanto, para Akhram

Hanieh, um dos assessores de Arafat e membro da delegação palestina, as partes

permaneceram distantes ao longo das reuniões, sobretudo no que se refere ao

problema dos refugiados. Assim, na sua opinião, o maior fracasso daquele

encontro nos EUA residia no comitê sobre essa questão. De um lado, os palestinos

defendem o direito de retorno dos refugiados conforme a Resolução 194 da

Assembléia Geral da ONU, o estabelecimento de um cronograma e de um

mecanismo para a implementação desse direito e um regime de compensação a ser

instituído. De outro lado, os israelenses não reconheceram em Camp David esse

direito de retorno (dos refugiados), apesar de estarem dispostos a discutir a

permissão de regresso de milhares de pessoas sob um programa de “reunificação

familiar” e por razões humanitárias154.

Apesar do insucesso para se chegar a decisões concretas sobre o status

permanente, o canal negociador manteve-se aberto na tentativa de se retomar

rapidamente as conversações e com o objetivo de se chegar a um acordo até 13 de

setembro, correspondendo ao prazo definido no Memorando de Sharm el-Sheikh

(setembro de 1999). Contudo, mais uma vez, o cronograma não seria cumprido,

tornando-se aquele memorando de 1999 o último documento oficial formalizando

um acordo entre as partes nos parâmetros da “estrutura Oslo”.

Foi visto que os acordos entre 1993 e 1995 delinearam o formato de uma

nova entidade política palestina, o autogoverno interino, cuja jurisdição recairia

sobre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. Definiram-se, naqueles documentos, seus

poderes e responsabilidades para o período de sua administração. Viu-se, também,

que a constituição desse ator ocorreu de modo gradual e sob uma autonomia

limitada. Quanto às relações israelense-palestinas, os acordos estabeleceram a

154 HANIEH, 2001, p. 75-97.

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centralidade da confiança mútua e da cooperação por meio de diversas comissões

conjuntas. No entanto, quando deveriam estar reunidos para discutir a fase

permanente dos acordos (com início previsto para maio de 1996), o processo

negociador passaria a se concentrar em outras questões, em particular, em arranjos

para a segurança e na definição de cronogramas para a retirada militar israelense.

Assim, diferentemente dos primeiros acordos, o protocolo e os memorandos do

período 1996-1999 deixaram de lado temas relacionados à constituição da

Autoridade Palestina, como, por exemplo, a possibilidade de se expandir seus

poderes e sua jurisdição territorial.

Paralelamente a uma crescente escalada da violência entre israelenses e

palestinos nos territórios a partir de setembro, Barak enfrentava sérias

dificuldades para se manter no poder, a ponto de convocar, em novembro de 2000,

eleições antecipadas.

Quando os representantes palestinos Sa’eb Eraket (integrante do Governo

Local da AP) e Muhammad Dahlan (chefe das Forças de Segurança Preventivas) e

os israelenses Shlomo Ben-Ami (ministro da Segurança Interna) e Gilead Sher

(advogado e negociador-chefe no memorando de Sharm el-Sheikh) estavam nos

Estados Unidos para mais uma rodada de negociações, uma nova crise nas

relações bilaterais ocorreu em virtude de eventos em Jerusalém. Em 28 de

setembro de 2000, Ariel Sharon (líder do Likud, partido de oposição ao governo

naquela época), acompanhado de uma forte escolta, visitou Haram Ash-

Sharif/Monte do Templo - um dos pontos mais disputados nas negociações. Esse

fato gerou protestos pela população palestina que interpretou a atitude de Sharon

como um sinal de afirmação da soberania israelense sobre o local. Não se deve

tomar isoladamente esse fato como causa do colapso das negociações de paz. No

entanto, pode-se dizer que motivou o início da Intifada de Al-Aqsa, marcando o

recomeço de violentos confrontos entre israelenses e palestinos. No princípio de

outubro, tropas do Exército de Israel posicionaram-se ao redor das cidades

palestinas da área “A”, fecharam as estradas ao norte de Israel, na Cisjordânia e na

Faixa de Gaza para o tráfego de civis. Aos ataques de palestinos a judeus dos

assentamentos, Israel respondeu com armas antitanques e helicópteros.

Depois de três meses de enfrentamentos entre as duas comunidades,

atentados terroristas e ações militares israelenses, novas negociações ocorreram

em Taba (Egito), entre 21 e 27 de janeiro de 2001 (ver anexo 8 desta tese).

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Diferentemente das conversações em Camp David, nas quais a participação norte-

americana teve um papel fundamental, daquela vez não houve a presença de um

mediador. Embora não tenham obtido um entendimento sobre todas as questões

da agenda, lograram um progresso em certos temas. As duas delegações

declararam que o diálogo havia sido positivo, indicando uma possibilidade de se

chegar a um acordo em breve, concordando, ainda, que algumas lacunas e

assuntos pendentes poderiam ser discutidos após as eleições em Israel, a se

realizarem em fevereiro de 2001. Comprometeram-se a tomar providências para

uma normalização da ordem e da segurança na região. Discutiram quatro tópicos,

a saber, a questão dos refugiados, segurança, fronteiras e Jerusalém.

Porém, a derrota de Barak nas eleições pode ser considerada o final da

iniciativa em Taba. O novo primeiro-ministro, Ariel Sharon155, condicionou o

restabelecimento das conversações com a AP à capacidade desta instituição de pôr

fim à violência e aos atos terroristas causados por palestinos. Ele também

declarou que se retomasse as negociações, estas não se baseariam no

posicionamento do governo anterior. Mostrou-se, ainda, favorável a oferecer um

prolongamento do período interino no qual a autonomia palestina se restringiria a

um território com cerca de 40 a 42% da Cisjordânia (correspondentes às áreas “A”

e “B” já sob jurisdição palestina). Determinou o fechamento das fronteiras entre

Israel e a Cisjordânia e Faixa de Gaza, o cercamento de várias cidades palestinas,

limitando, conseqüentemente, o movimento de seus residentes. Ademais, Sharon

desconsiderava Arafat como um parceiro nas negociações enquanto persistissem

os ataques a israelenses. Nas palavras dele:

“(...) if there is quiet and if there is security, and if there is no terrorism, Arafat can be a partner. But he cannot be a partner as long as terrorism continues and as long as he does not take measures against terrorism and his most loyal forces

155Apesar de Sharon ter sido eleito com uma significativa vantagem de 25% sobre Ehud Barak nas eleições de 6 de fevereiro de 2001, sua vitória, na verdade, representou apenas 38% dos votos válidos, colocando-o em uma delicada situação em termos de apoio doméstico. Ademais, desde o início de seu mandato, dependeu da manutenção de um governo de unidade nacional, tendo em vista que seu partido, o Likud, obteve somente 19 assentos no Knesset. Nesse sentido, para garantir a coalizão com o Partido Trabalhista, indicou Shimon Peres, para o ministério das Relações Exteriores, e Benyamin Ben-Eliezer para a pasta da Defesa. No entanto, foram inúmeros os momentos críticos decorrentes de desentendimentos entre Sharon e esses ministros, quanto às decisões e medidas a serem implementadas por esses ministérios no que diz respeito às negociações com os palestinos. Fonte: Parlamento de Israel – Knesset: <http://w ww.knesset.gov.il>.

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are involved in terrorism. I am saying this in the clearest way possible: There will be no negotiations under fire.”156

Algumas iniciativas internacionais para a paz foram propostas nos anos

seguintes. Apesar de não terem sido bem-sucedidas na sua implementação, é

válido examinar seus principais pontos. Pode-se argumentar que, como reflexo da

crise do processo de negociação entre israelenses e palestinos e da intensificação

do conflito, a ênfase das novas formulações para a paz recai sobre a necessidade

da normalização da ordem nos territórios e em Israel e do estabelecimento da

confiabilidade entre as duas partes. Exceto pelas iniciativas de países árabes,

pode-se notar uma tendência, entre 2001 e 2004, a se reduzir a participação da

OLP no processo decisório nas mesas de negociação. Ademais, algumas agências

internacionais, como o Banco Mundial, começaram a recomendar que a AP

passasse por reformas em algumas de suas instituições para ampliar sua

efetividade governamental. Junto a isso, começa-se a associar o bom andamento

do processo de paz à sua capacidade governativa (esse ponto será retomado no

próximo capítulo). Seguindo essa linha de argumentação, como será visto mais

adiante, as proposições da Comissão Mitchell (2001), o pronunciamento do

presidente dos EUA, George W. Bush (2002) e o Road Map (2003) abordam a

dimensão institucional da AP, ressaltando sua necessidade de melhor cumprir suas

responsabilidades e de ser mais responsiva. Assim, pode-se verificar que, a partir

de 2001, a atenção volta novamente para a institucionalização da Autoridade

Palestina.

Decorridos vários meses da crise iniciada com a Intifada de Al-Aqsa, a

Jordânia e o Egito, após consultarem a AP, apresentaram formalmente a Sharon e

Peres, em 16 de abril de 2001, um plano para a paz consistindo em: a) um cessar-

fogo no qual as partes retomariam atividades coordenadas para a segurança,

cabendo a Israel recuar seu Exército para as posições ocupadas em 28 de setembro

de 2000; b) restabelecer a confiança mútua por um período em que deveriam ser

implementadas as questões pendentes dos acordos; c) reiniciar as negociações

sobre o status permanente interrompidas em janeiro de 2001, em Taba, definindo,

ainda, um prazo de um ano para se concluir um acordo final. Os governos dos

156 Entrevista de Ariel Sharon ao jornalista Ari Shavit publicada em Ha’Aretz, em 12 de abril de 2001, reproduzida pelo Journal of Palestine Studies, vol. 30, n. 3, 2001, p. 157-158.

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dois países se ofereceram para monitorar a adequada implementação dessa

proposta, sugerindo, ainda, a participação da União Européia e do secretário-geral

da ONU nesse sentido. Embora Sharon tenha recusado essas propostas, Peres

reuniu-se com membros da AP157, mas nenhum avanço no processo de paz foi

alcançado.

De modo semelhante, as recomendações da Comissão Mitchell,158

publicadas em maio de 2001, versavam sobre o fim da violência e sobre a

construção de uma confiança mútua entre Israel e a Autoridade Palestina. Nesse

caso, fez-se referência aos Acordos de Oslo, destacando que as partes deveriam

retomar as negociações para a implementação das decisões anteriores. Dentre uma

série de proposições ao governo israelense, pediu-se que o Exército israelense não

excedesse no uso de sua capacidade militar. Quanto à Autoridade Palestina, a

Comissão concluiu que:

“(...) there are disturbing ambiguities in the basic areas of responsibility and accountability. The lack of control exercised by the PA over its own security personnel and armed elements affiliated with the PA leadership is very troubling. We urge the PA to take all necessary steps to establish a clear and unchallenged chain of command for armed personnel operating under its authority. We recommend that the PA institute and enforce effective standards of conduct and accountability, both within the uniformed ranks and between the police and the civilian political leadership to which it reports.”159

Em sua avaliação sobre esse relatório, a OLP disse reconhecê-lo como um

caminho para solucionar a crise, ponderou, contudo, a respeito de alguns de seus

trechos. Em primeiro lugar, o texto não mencionou o modo pelo qual as

recomendações seriam implementadas. Para isso, a OLP sugeriu o envolvimento

de uma terceira parte que atestasse a veracidade das alegações israelenses ou

palestinas quanto ao não-cumprimento das recomendações. Em segundo lugar,

157 Journal of Palestine Studies, vol. 30, n. 2, 2001, p. 113-116. 158 Essa comissão foi indicada pelo presidente Bill Clinton em 7 de novembro de 2000, após consultas ao governo israelense, à AP e à ONU. Composto por cinco membros, o grupo foi liderado pelo ex-senador norte-americano George Mitchell, pelo ex-presidente turco Suleyman Demirel, pelo ministro de Relações Exteriores da Noruega, Thorbjoern Jagland, pelo conselheiro para Política Externa e Segurança da União Européia, Javier Solana, e pelo ex-senador dos EUA Warren Rudman. Suas principais funções seriam investigar os fatos da Intifada de Al-Aqsa, avaliar como seria possível evitar a escalada da violência e como restabelecer a confiança mútua e propor o reinício das negociações. Seu relatório foi finalizado em 30 de abril de 2001 e publicado no mês seguinte. 159 O texto está no Meridian International Center Web: <www.meridian.org>.

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embora o relatório tenha indicado a necessidade de serem cumpridos os acordos

anteriores, segundo a OLP, deixou de identificar os pontos não-implementados

por Israel, dentre eles: a) o Artigo XI, §2º.(d), de Oslo II, estabelece a retirada

militar israelense da Cisjordânia, porém, até maio de 2001, as tropas de Israel

detinham o controle de 82% daquela área160; b) lembra que não se cumpriu

integralmente o Artigo XVI, §1º. de Oslo II e seu sétimo anexo, a respeito da

libertação de prisioneiros políticos; c) ainda não havia sido realizada a passagem

segura entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, conforme o Artigo X do primeiro

anexo de Oslo II. Concluiu que Israel tem se concentrado apenas nas questões de

segurança, que têm, por conseguinte, ditado o curso das negociações. Concorda, a

OLP, com a relevância dessa questão, porém, sugere que seja realizada ao mesmo

tempo em que outros importantes pontos sejam atendidos161.

Em junho de 2001, o diretor da CIA, George Tenet, encontrou-se com

Sharon e com Arafat para estabelecer um acordo de cessar-fogo. Tenet concluiu,

em 31 daquele mês, um plano determinando a retomada da cooperação israelense-

palestina na área da segurança, medidas para um cessar-fogo e para evitar o

recomeço da violência, a troca de informações sobre ameaças terroristas, dentre

outros arranjos. Em seguida à adoção dessas providências, Israel recuaria seu

Exército às posições anteriores a 28 de setembro de 2000 e retiraria as barreiras

internas. Não obstante os esforços para se obter uma trégua tenham sido

fracassados, os negociadores sugeriram que a implementação do Plano Tenet

constituísse um pré-requisito para se aplicar as recomendações da Comissão

Mitchell.

Durante o primeiro ano de seu governo, o presidente George W. Bush

envolveu-se pouco nas questões israelense-palestinas, não demonstrando interesse

até mesmo quanto à execução do relatório Mitchell e do Plano Tenet. Contudo, a

crescente escalada da violência entre israelenses e palestinos levou-o a mostrar

maior preocupação com o conflito, conforme seu pronunciamento em 24 de junho

de 2002. Na ocasião, apresentou um plano para o Oriente Médio, no qual

associava a paz ao estabelecimento de uma nova liderança palestina

160 Esse percentual era superior àquele à época do começo do governo de Sharon, em virtude da reocupação militar de áreas da Cisjordânia como resposta à Intifada e ao aumento no número de ataques a israelenses, além da continuação da construção de assentamentos judaicos. 161 A resposta oficial da OLP a esse relatório está disponível na Internet (PLO-Negotiations Affairs Department): <http://www.nad-plo.org/inner.php?view=nego_peace_michelle_cimitch ellp>.

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comprometida com uma reforma democrática, com a implantação de novas

instituições políticas e econômicas e com novos arranjos para a segurança. Nessa

direção, embora não tenha mencionado Arafat, fez críticas à sua administração e

afirmou que as autoridades palestinas vinham encorajando o terrorismo. Por

conseguinte, sugeriu que os palestinos deveriam escolher líderes que não

estivessem envolvidos com o terrorismo e, uma vez que surgisse uma nova

liderança, os EUA se empenhariam em apoiar o estabelecimento de um Estado

palestino162.

Em agosto de 2002, quando Israel ainda ocupava as sete cidades na

Cisjordânia com a maior concentração populacional palestina, a União Européia,

Rússia, ONU e os EUA – o chamado Quarteto – traçavam um plano para o fim da

violência entre as comunidades israelense e palestina e para a fundação de um

Estado palestino, em junho de 2005. Uma versão dessa proposta foi concluída em

2 de dezembro de 2002, sendo oficialmente apresentada em 30 de abril de 2003

em Aqaba (Jordânia) como “Performance-based and goal-driven road map”. Essa

proposta foi aceita pelo governo israelense163 e pela liderança palestina,

entretanto, ainda não foi implementada.

Trata-se de um plano a ser executado em três etapas: 1) a primeira deveria

ser cumprida até maio de 2003; determina o fim do terrorismo, a normalização da

vida palestina e o estabelecimento de instituições (em particular, a reestruturação

das forças de segurança palestinas e a elaboração de uma carta constitucional); 2)

entre junho e dezembro de 2003, deveriam ser adotadas medidas para a transição a

um Estado palestino, independente, com fronteiras provisórias e com direitos

soberanos (conforme a Constituição a ser implantada na primeira fase); 3) o

terceiro estágio compreende o período entre 2004 e 2005, tendo como objetivos a

consolidação da reforma das instituições palestinas, a obtenção de um acordo

sobre o status permanente e o fim do conflito israelense-palestino.

162 “Text of Bush’s Mideast Plan”, CBS, disponível em: <http://www.cbsnews.com/storie s/2002/06/24/national/main513235.shtml>. 163 O governo israelense aprovou o Road Map (Mapa do Caminho) em 25 de maio de 2003, por 12 votos contra sete e quatro abstenções, anexando 14 ressalvas ao plano, as quais os EUA se comprometeram a analisar seriamente. Dentre elas, decidiu que não haveria progresso na sua implementação caso os palestinos não cumprissem todas suas responsabilidades quanto à segurança e combate ao terrorismo; disse ainda que uma nova liderança palestina constitui uma condição para o prosseguimento do Road Map, além de especificações sobre a soberania palestina. Sobre o posicionamento israelense, ver o artigo “Israel’s road map reservations”, no jornal Ha’Aretz, 27 de maio de 2003.

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Assim como a estrutura de Oslo, o Road Map estabelece que as

negociações, a implementação dos arranjos e a configuração de uma entidade

política palestina – nesse caso, um Estado – seriam realizadas de forma gradual e

em etapas. Na concepção do Quarteto, esse processo em fases permitiria

revitalizar a cooperação e a confiança entre as duas partes. Mas, diferentemente da

estrutura de Oslo, essa nova iniciativa propõe a instituição de um Estado palestino

soberano como uma base para o fim do conflito local. Enfatiza, ainda, a

necessidade de maior envolvimento de agências multilaterais, do Quarteto e de

países árabes nesse processo para a paz, seja para o monitoramento de sua

implementação, seja como financiadores, seja combatendo o terrorismo. Contudo,

a exemplo dos Acordos de Oslo, o Road Map não indica mecanismos para se

verificar e exigir o cumprimento dos compromissos por Israel e pela AP.

Uma das principais iniciativas independentes, depois da Intifada de Al-

Aqsa, é o Acordo Genebra164, apresentado por israelenses e palestinos em

dezembro de 1993. Da mesma forma que o Road Map, esse documento prevê a

criação de um Estado palestino. Nesse acordo, porém, ressaltam que esse Estado

seria o sucessor da OLP. Mas, diferentemente do Road Map, maior atenção é dada

à fase pós-acordo. Ou seja, em seu Artigo III, o Acordo Genebra define a

implementação de um “grupo verificador”, composto por diversos países, para

facilitar, assistir, garantir, monitorar e resolver disputas sobre sua implementação.

Inova, portanto, ao propor que, na eventualidade de disputas sobre a implantação

do acordo não serem resolvidas bilateralmente, cada uma das partes poderia

submeter um pedido de mediação e de conciliação ao grupo verificador para

solucionar as divergências.

Essa iniciativa não rejeita as decisões dos acordos oficiais anteriores a ela,

seguindo, pois, a mesma estrutura do processo de paz iniciado em Madri, em

1991. Busca, ainda, constituir-se em uma complementação aos esforços do

Quarteto com seu plano do Road Map. Contudo, nenhuma das duas propostas foi

ainda implementada.

Uma significativa mudança na evolução do processo de paz ocorreu em 18

de dezembro de 2003, quando o primeiro-ministro Sharon anunciou seu plano

164 Um acordo anterior, apresentado em 1995 por Abu Mazen e Yossi Beilin, em seu conteúdo aproxima-se da proposta de Genebra, mas, ao contrário desta última, deixou em aberto questões relevantes como o status de Jerusalém e a situação dos refugiados. O texto da Iniciativa de Genebra está disponível em: <http://www.geneva-accord.org>.

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unilateral de retirada da Faixa de Gaza e do norte da Cisjordânia, o que implicaria

a remoção de alguns assentamentos em meados de 2004. As medidas a serem

tomadas não requereriam a participação palestina. Em uma conferência em

Herzlya (Israel), Sharon salientou a importância de se tomar todas as medidas que

permitam a continuação do processo de paz, contudo, disse: “(...) if the

Palestinians do not make a similar effort toward a solution of the conflict I do not

intend to wait for them indefinitely” 165.

Na ocasião, lembrou, ainda, seu apoio ao programa de paz Road Map,

ressaltando ser este o único plano político aceito por seu governo. E nesse sentido,

ao concordar com as proposições daquela iniciativa, aceitava a idéia de ser

instituído um Estado palestino. Nas suas palavras: “We are willing to proceed

toward its implementation: two states Israel and a Palestinian State living side by

side in tranquility, security and peace” 166. E mais adiante disse:

“I take this opportunity to appeal to the Palestinians and repeat, as I said at Aqaba: it is not in our interest to govern you. We would like you to govern yourselves in your own country. A democratic Palestinian state with territorial contiguity in Judea and Samaria and economic viability, which would conduct normal relations of tranquility, security and peace with Israel. Abandon the path of terror and let us together stop the bloodshed. Let us move forward together towards peace”.167

No entanto, afirmou que não se comprometeria a cumprir todas as etapas

previstas pelo Road Map, caso os palestinos não controlassem a violência e o

terrorismo. E, por conseguinte, se falhassem nas suas responsabilidades quanto à

segurança, Sharon garantiu que iniciaria seu plano de retirada militar entendido

como uma medida necessária para a segurança de Israel. Essa iniciativa do

primeiro-ministro israelense foi bem-recebida pelo presidente Bush, que lhe

enviou uma carta, em 14 de abril de 2004, assegurando-lhe que se empenharia

para que o Road Map não fosse substituído por nenhuma outra proposta de paz.

Sobre os arranjos previstos pelo Plano de Retirada, constituem, na opinião do

presidente dos EUA: “These steps described in the plan will make a real progress

toward realizing my June 24, 2002 vision, and make a real contribution toward

165 Seu pronunciamento pode ser lido na Internet (Fonte: Ministério de Relações Exteriores de Israel): disponível em: <http://www.mfa.gov.il/MFA/Government/Speeches+by+Israeli+leaders /2003/Address+by+PM+Ariel+Sharon+at+the+Fourth+Herzliya.htm>. Ver anexo 9 desta tese. 166 Cf. nota 160. 167 Cf. nota 160.

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peace”168. Novamente o plano de Sharon seria endossado pelo governo norte-

americano e pelo britânico, em 12 de novembro de 2004, em uma Declaração

Conjunta dos EUA e do Reino Unido sobre o Processo de Paz no Oriente

Médio169.

Em 31 de maio de 2004, a liderança palestina reiterou seu compromisso na

busca por uma paz justa e ampla com Israel e que se baseie nas resoluções

internacionais, incluindo àquelas da ONU que encerram o assunto. Confirmou,

ainda, estar comprometida com a retomada das negociações e com a

implementação do Road Map.

O contexto das negociações de paz mudou com a substituição do

presidente da Autoridade Palestina, após o falecimento de Yasser Arafat, em 11

de novembro de 2004, e as eleições na Cisjordânia e em Gaza, em 9 de janeiro de

2005, nas quais Abu Mazen venceu com 62,32% dos votos. Essa mudança foi

recebida com otimismo por Israel e pelo governo norte-americano, uma vez que o

novo presidente da AP havia adquirido uma reputação como político moderado

desde o início do processo de paz, não só por ser um dos arquitetos dos Acordos

de Oslo, mas também por ter criticado a Intifada e o uso da violência como

opções para uma solução da questão palestina.

Quanto à presidência da OLP, passou a ser ocupada por Ahmad Qrei'a.

Apesar de ambos os líderes palestinos continuarem seguindo os mesmos objetivos

políticos de Arafat, a alteração no comando da OLP e da AP levou Israel a

restabelecer o diálogo com essas instituições. E, em 8 de fevereiro de 2005,

Sharon e Mazen reuniram-se no Egito, comprometendo-se com um cessar-fogo. O

encontro dos dois resultou de um convite do presidente egípcio, Hosni Mubarak,

contando com a presença do rei Abdullah, da Jordânia. Naquela ocasião, em

Sharm el-Sheikh, Sharon parabenizou Mazen por sua vitória, acrescentando:

“Your victory and the path on which you wish to lead your people can mark a direction of real change to your people, which will affect the entire region. I hope that you will be able to lead your people on the path of democracy and maintenance of law and order, until the establishment of an independent and democratic Palestinian state.

168 O texto da carta pode ser consultado na Internet (PLO – Negotiations Affairs Department): disponível em: <http://www.nad-plo.org/inner.php?view=palisraeli_gaza_doc_letter3p>. 169 As declarações de Blair e de Bush podem ser consultadas na Internet: <http://www.state.gov/p/eur/rls/rm/38126.htm> (12 novembro de 2004). Registre-se que, na arena doméstica, o plano de Sharon foi aprovado pelo Parlamento em outubro de 2004.

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2005 began as a year of great opportunity for all the peoples of the region, first and foremost for Israelis and Palestinians. We must all ensure that this opportunity is not missed”. “(…) Over the past few days, we reached a number of understandings with our Palestinian colleagues, which will enable us to grant both peoples tranquility and security for the near future. Today, in my meeting with Chairman Abbas, we agreed that all Palestinians will stop all acts of violence against all Israelis everywhere and parallelly, Israel will cease all its military activity against all Palestinians anywhere. (…). Furthermore, we agreed on a process of transferring security responsibility for Palestinian areas. I informed Chairman Abbas of our intention to take a series of confidence-building measures: soon we will release hundreds of Palestinian prisoners, and also establish a joint committee to explore future release of prisoners” 170.

Entretanto, nos meses seguintes, houve pouco progresso na evolução do

processo de paz e no cumprimento do que se acordou no Egito. Por um lado,

Sharon esteve envolvido com o Plano de Retirada, iniciado em 14 de agosto de

2005, enfrentando dificuldades para sua implementação com protestos

domésticos; por outro, alguns momentos críticos nas relações entre as partes

comprometeram as negociações, devido à continuidade da ocorrência de atentados

a israelenses e de ações militares do Exército de Israel nos territórios contra

palestinos. Um dos resultados dessa crise no processo de paz, e das dificuldades

de se implementar o que os acordos estipularam, foi a manutenção do status do

autogoverno palestino como interino e restrito em termos de poderes e autonomia.

170 O pronunciamento de Sharon na Conferência de Sharm el-Sheikh pode ser consultado na Internet (Ministério das Relações Exteriores de Israel): <http://www.mfa.gov.il/ MFA/Peace+Process/Key+Speeches/Statement+by+PM+Sharon+at+Sharm+el-heikh+Summit+8-Feb-2005.htm>.

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