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4 O sistema G7/8 e a economia política da globalização I: Do processo de formação do G7 à transição para o G8 O pós-guerra deu origem a uma série de fóruns deliberativos nos quais a cooperação econômica e monetária tem sido discutida: G10, G7/G8, G24, G22, G20 – “o bando dos Gs” Roy Culpeper 4.1. Introdução Um elemento importante de se perceber no processo de evolução da economia política global desde meados do século XX é o papel dos principais países capitalistas avançados e de suas interações nas formas de resolução ou intensificação das crises. Em especial, quando se olha para a economia política global a partir dos anos 1970 – em um contexto de crescente transformação da ontologia espacial da política mundial (Agnew, 2005) –, é possível perceber a centralidade dos processos de institucionalização das relações entre os principais países capitalistas para o entendimento das dinâmicas da economia política global. Nos dois próximos capítulos será apresentada a evolução da economia política global, com destaque para o período que concerne ao sistema G7/8 – ou seja, da crise da década de 1970 até a primeira década do século XXI. O objetivo neste ponto é dar o contexto no qual o sistema G7/8 se desenvolverá bem como apresentar a história do sistema G7/8, desde sua constituição até os desdobramentos contemporâneos. Neste sentido, no capítulo 4 será abordado o contexto de surgimento do sistema G7/8 até o período anterior à incorporação da Rússia em tal processo e a consequente expansão da reunião dos líderes de G7 para G8. Já no capítulo 5, destaque será dado para o momento que vai da constituição e consolidação do G8 ao surgimento do G20 como fórum distinto de deliberação acerca de certas questões da economia política global. Como forma de expor o sistema G7/8 serão utilizados os ciclos das cúpulas, por razões meramente didáticas. Os ciclos das cúpulas se completam em sete anos, seguindo a ordem França, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Japão, Itália e Canadá como os respectivos locais a sediarem as reuniões. Atualmente, completou-se o 5º ciclo iniciado em 2003, que agora

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4 O sistema G7/8 e a economia política da globalização I: Do processo de formação do G7 à transição para o G8

O pós-guerra deu origem a uma série de fóruns deliberativos nos quais a cooperação econômica e monetária tem sido discutida: G10, G7/G8, G24, G22, G20 – “o bando dos Gs”

Roy Culpeper

4.1. Introdução

Um elemento importante de se perceber no processo de evolução da

economia política global desde meados do século XX é o papel dos principais

países capitalistas avançados e de suas interações nas formas de resolução ou

intensificação das crises. Em especial, quando se olha para a economia política

global a partir dos anos 1970 – em um contexto de crescente transformação da

ontologia espacial da política mundial (Agnew, 2005) –, é possível perceber a

centralidade dos processos de institucionalização das relações entre os

principais países capitalistas para o entendimento das dinâmicas da economia

política global.

Nos dois próximos capítulos será apresentada a evolução da economia

política global, com destaque para o período que concerne ao sistema G7/8 – ou

seja, da crise da década de 1970 até a primeira década do século XXI. O

objetivo neste ponto é dar o contexto no qual o sistema G7/8 se desenvolverá

bem como apresentar a história do sistema G7/8, desde sua constituição até os

desdobramentos contemporâneos. Neste sentido, no capítulo 4 será abordado o

contexto de surgimento do sistema G7/8 até o período anterior à incorporação da

Rússia em tal processo e a consequente expansão da reunião dos líderes de G7

para G8. Já no capítulo 5, destaque será dado para o momento que vai da

constituição e consolidação do G8 ao surgimento do G20 como fórum distinto de

deliberação acerca de certas questões da economia política global.

Como forma de expor o sistema G7/8 serão utilizados os ciclos das

cúpulas, por razões meramente didáticas. Os ciclos das cúpulas se completam

em sete anos, seguindo a ordem França, Estados Unidos, Reino Unido,

Alemanha, Japão, Itália e Canadá como os respectivos locais a sediarem as

reuniões. Atualmente, completou-se o 5º ciclo iniciado em 2003, que agora

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incorpora a Rússia – que sediou pela primeira vez uma cúpula do G8 em 2006,

entre as cúpulas de Gleneagles (Reino Unido) e Heiligendamm (Alemanha). A

divisão em ciclos é útil para diferenciar as mudanças sofridas nas agendas,

ainda que nenhum dos temas necessariamente se esgote em um único ciclo – o

que se pode perceber, na verdade, e uma mudança de ênfase ao longo do

tempo.

4.2. O fim da Era de Ouro

No início de julho de 1944 mais de 700 delegados de 44 países se

reuniram no Mount Washington Hotel, em Bretton Woods, New Hampshire, e em

três semanas finalizaram os planos para a ordem monetária e financeira mundial

pós-guerra. Com o desenvolvimento do FMI e do Banco Mundial – bem como

dos papéis a serem por eles desempenhados no novo ordenamento econômico

mundial – “o capitalismo organizado da nova social-democracia (...) foi aplicado

ao âmbito internacional” (Frieden, 2006, p. 259).

Tal Sistema de Bretton Woods pautou as relações entre os países

capitalistas avançados no período que vai do final da Segunda Guerra Mundial

ao início dos anos 1970. Fundamental neste processo foi a emergência de uma

nova classe dominante nos Estados Unidos, que iria formar as bases para uma

visão hegemônica de ordem capitalista transnacional. Foi a visão de mundo

desta classe, aliada ao anti-comunismo do pós-II Guerra Mundial, que tornou

possível a intrincada aliança entre planejadores keynesianos – comprometidos

com as políticas econômicas nacionais direcionadas para o crescimento

econômico e para o pleno emprego – e os internacionalistas liberais –

comprometidos com a estabilidade financeira e com o comércio multilateral – em

um bloco histórico. Em suma, a reconstrução da economia capitalista liberal

após do término da II Guerra Mundial foi moldada pela interação dessas visões.

Tratava-se de um sistema híbrido, que combinava internacionalismo com

autonomia nacional, prosperidade com estabilidade social e democracia1. Neste

período, tal combinação levou à estabilidade econômica mais duradoura da

história moderna.

Contudo, a despeito de tal estabilidade histórica, a economia política global

não pode ser entendida a não ser a partir de uma perspectiva mais longa, que

1 Como visto no capítulo anterior, se tratava, segundo Ruggie, de um “liberalismo incrustado”, no qual se tinha “(...) uma forma de multilateralismo compatível com as exigências da estabilidade interna” (Ruggie, 1982, p. 399). 

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perceba a relação existente entre os desdobramentos contemporâneos e as

transformações ocorridas na passagem dos anos 1960 para os anos 1970.

Assim sendo, os problemas e dilemas contemporâneos não são facilmente

resolvíveis, em especial devido à notória incapacidade das economias

capitalistas avançadas de superar de maneira definitiva o período de

crescimento lento que se inicia por volta de 1973 (Brenner, 2006). Na verdade,

os problemas que emergem no final da primeira década do século XXI podem

ser vistos exatamente como expressão dessa incapacidade.

A partir do início dos anos 1970 – e, em especial no que concerne ao

período entre os anos 1970 e meados dos anos 1990 – é possível identificar, no

que diz respeito à economia mundial, uma queda nos investimentos cujas

consequências foram um baixo aumento da produtividade, um crescimento lento

dos salários, um alto índice de desemprego e uma gama de recessões e crises

como não se via desde os anos 1930.

A despeito das previsões feitas no início da década de 1970 pela OCDE,

de que o crescimento mundial continuaria, no médio prazo, a uma taxa de 5% ao

ano (Went, 2000; Brenner, 2006), em meados da década de 1970 percebe-se o

fim da era de expansão do capitalismo mundial – ou “era de ouro” (Hobsbawm,

1998). Isso fica ainda mais claro quando as atenções são voltadas para a queda

do crescimento econômico, da produtividade por trabalhador e do aumento do

desemprego no período em questão em alguns dos principais países do G7

(tabelas 4.1; 4.2 e 4.3):

Tabela 4.1

Média do crescimento anual do PIB real dos seis maiores países industrializados (%)

1950-1973 1973-1979 1979-1983

Estados Unidos 2,2 1,9 0,7

Reino Unido 2,5 1,3 0,4

França 4,1 2,6 1,1

Alemanha 5,0 2,6 0,5

Itália 4,8 2,0 0,6

Japão 8,4 3,0 3,9 Fonte: Went, 2000

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Tabela 4.2

Aumento na produtividade por empregado por ano (1950-1981) (%)

1950-1973 1973-1981

Estados Unidos Agricultura 5,5 1,6

Indústria 2,4 -0,2

Serviços 1,8 0,1

Reino Unido Agricultura 4,7 2,8

Indústria 2,9 1,8

Serviços 1,6 0,7

França Agricultura 5,6 3,5

Indústria 5,2 3,2

Serviços 3,0 1,6

Alemanha Agricultura 6,3 3,9

Indústria 5,6 2,6

Serviços 3,0 1,6

Japão Agricultura 7,3 1,1

Indústria 9,5 4,7

Serviços 3,6 1,9 Fonte: Went, 2000

Tabela 4.3

Desemprego médio (1952-1983) (%)

1952-1964 1965-1973 1973-1979 1980-1983

Estados Unidos 5,0 4,5 6,5 8,4

Reino Unido 2,5 3,2 4,6 9,0

França 1,7 2,4 4,2 7,6

Alemanha 2,7 0,8 3,1 5,7

Itália 5,9 3,4 6,0 8,6

Japão 1,9 1,3 1,8 2,3 Fonte: Went, 2000

De acordo com Brenner, o ponto chave para entender tanto a era de ouro

quanto o longo declínio subsequente seria a trajetória da taxa de lucro (Brenner,

2003 e 2006). Assim, no caso da economia mundial pós-II Guerra Mundial a

manutenção de altas taxas de lucro pelos países capitalistas desenvolvidos foi

condição sine qua non para que fossem gerados grandes superávits através de

quantidades fixas de instalações de equipamentos, superávits estes que

possibilitaram a manutenção de altos índices de investimento, rápido

crescimento da produtividade e até mesmo o aumento dos salários reais sem

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que isso ameaçasse os lucros. Neste processo, foi fundamental a repressão aos

trabalhadores, em especial aos movimentos de contestação que pululavam

desde os anos 1930 até após a II Guerra Mundial. Desta forma os salários reais

foram diminuídos à força com o intuito de garantir os grandes superávits e as

altas taxas de lucro. A partir daí foi possível o aumento da produtividade, do

emprego e dos salários reais, o que por sua vez levou a um aumento da

demanda por investimentos e bens de consumo e, por conseguinte, ao

crescimento da economia como um todo.

Neste contexto, os países da Europa ocidental e o Japão foram exitosos

na medida em que, através de seus grandes setores domésticos de

manufaturados, conseguiram aproveitar as altas taxas de crescimento do

comércio mundial durante o período pós-II Guerra Mundial para expandir suas

exportações e conquistar, assim, frações cada vez maiores do mercado mundial.

Assim, seria possível perceber, desde os primórdios da “Era de Ouro”, um certo

desenvolvimento desigual entre os países centrais que, se por um lado apontava

para um declínio relativo da economia estadunidense, por outro era fundamental

para a perpetuação do crescimento dos Estados Unidos no período – seja para

as empresas estadunidenses que necessitavam de locais lucrativos para seus

investimentos diretos, para os fabricantes domésticos que necessitavam de

demandas crescentes para aumentar suas exportações ou para o Estado que

necessitava da consolidação política de uma ordem capitalista pós-II Guerra

Mundial em seu combate ao comunismo.

Desta forma, desde o início dos anos 1960 Japão e parte da Europa

ocidental foram capazes de combinar técnicas relativamente avançadas com

salários relativamente baixos, o que os habilitou a reduzir significativamente seus

custos de produção em comparação à produção estadunidense. Tal tendência a

conquistar novas frações do mercado mundial por parte de tais países continuou

durante os anos 1960. Contudo, neste mesmo período os produtos desses

países, muitas vezes similares aos produtos estadunidenses, tendiam a entrar

em competição com estes, o que acabou levando ao excesso de capacidade e

de produção.

Ora, neste processo de exacerbação da competição entre os países

desenvolvidos é possível perceber dois fenômenos distintos. Por um lado, em

função dos baixos custos de produção Japão e parte da Europa ocidental foram

capazes de manter suas taxas de lucro; por outro lado, essas condições não

eram encontradas nos Estados Unidos, que se viram em uma situação de

redução das taxas de lucro. Consequentemente,

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“O resultado inexorável foi uma taxa de lucro agregada (grifo do autor) em declínio no setor manufatureiro internacional, que expressava o excesso de capacidade e de produção em todo o sistema. Entre 1965 e 1973, o setor manufatureiro dos Estados Unidos experimentou uma queda de 43,5% na taxa de lucro sobre seu estoque de capital; já os setores manufatureiros das economias do G7 juntos, representando o setor manufatureiro internacional como um todo, experimentaram um declínio na lucratividade da ordem de 25%” (Brenner, 2003, p. 57).

Tal competitividade exacerbada entre os países desenvolvidos teve

significativas consequências para a economia mundial no período, levando a

uma queda significativa da balança comercial e do balanço de transações

correntes dos Estados Unidos. Além disso, é importante notar que o Sistema de

Bretton Woods, na forma como se consolidou, padecia de uma falha ou

contradição central. De acordo com o “dilema de Triffin” – em alusão ao seu

formulador, professor de economia na Universidade de Yale, Robert Triffin –, a

tendência do Sistema de Bretton Woods de sustentar as demandas por reservas

com o aumento do estoque de dólares no exterior era algo altamente instável.

Isso se dava pelo fato de que tal mecanismo de criação de liquidez internacional

se baseava no déficit do balanço de pagamentos dos Estados Unidos, o que no

longo prazo solaparia a confiança no dólar e, por conseguinte, no sistema

monetário (Eichengreen, 2000; Gilpin, 2002).

No início, devido à capacidade dos Estados Unidos de cobrir seus déficits

graças ao alto volume de suas reservas de ouro, tal “dilema” despertou interesse

apenas nos meios acadêmicos (Gilpin, 2002). Contudo, a partir dos anos 1960

os Estados Unidos começaram a apresentar sérios déficits em seu balanço de

pagamentos2, o que em um determinado momento colocou os Estados Unidos

em uma situação extremamente delicada: uma vez que a conversibilidade do

padrão monetário do Sistema de Bretton Woods era em dólar – na razão de

US$35 o onça de ouro –, não era possível aos Estados Unidos desvalorizarem o

dólar, segundo as regras do jogo, sem a cooperação dos demais Estados. As

alternativas que se apresentavam neste contexto eram duas: primeiro,

deflacionar a economia estadunidense – o que comprometeria significativamente

as políticas domésticas adotadas no período ligadas ao movimento de direitos

civis e à guerra do Vietnã –; segundo, romper, mesmo que unilateralmente, com

2 Em outubro de 1960 o preço do ouro nos mercados privados chegou ao patamar de US$40 por onça, indicando como o mundo havia mudado desde os anos 1940, “quando os US$35 por onça de ouro pareciam um referencial imutável” (Eichengreen, 2000, p. 174). 

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o regime cambial do Sistema de Bretton Woods preservando, assim, a

autonomia política.

Tendo em vista tais pressões e alternativas possíveis, em 15 de agosto de

1971 o presidente estadunidense Richard Nixon anunciou a adoção de uma

série de medidas para conter a evasão de ouro e reverter a situação econômica

dos Estados Unidos: primeiro, suspensão da conversibilidade do ouro em dólar –

o que acabou por colocar o dólar como fundamento exclusivo do sistema

monetário mundial –; segundo, visando forçar europeus e japoneses a

valorizarem suas respectivas moedas em relação ao dólar, a imposição de uma

sobretaxa de 10% sobre as importações; terceiro, buscando conter a inflação

nos Estados Unidos, o controle de salários e preços. Após tais medidas, os

países industrializados se viram em uma série de negociações visando a

reestruturação do sistema monetário internacional: em dezembro de 1971, a

partir do Acordo Smithsoniano entre os países do G103, houve uma

desvalorização de 8% do dólar, um alargamento das bandas de flutuação de 1%

para 2,25% e a eliminação das sobretaxas nas importações dos Estados Unidos.

Contudo, a flutuação da libra esterlina em 1972 fora dos limites anteriormente

definidos pelo Acordo Smithsoniano foi o prelúdio para o grand finale: em março

de 1973 foi acordado que as taxas de câmbio flutuariam, levando assim ao fim o

Sistema de Bretton Woods – cujo fim oficial se daria nos dias 7 e 8 de janeiro de

1976, em reunião do comitê interino do Fundo Monetário Internacional em

Kingston, Jamaica (Solomon, 1979; Eichengreen, 2000; Gilpin, 2002).

Assim, entre os anos de 1971 e 1973 o sistema Bretton Woods de taxa

cambiais fixas foi abandonado e o dólar desvalorizado – caminho inverso ao

seguido pelo marco alemão e pelo iene japonês, que sofreram forte valorização

cuja consequência foi a perda de competitividade por parte das manufaturas

destes países, resultando na queda de sua taxa de lucro. Assim, a taxa média

de lucro do setor de manufaturados nos Estados Unidos caiu, no período entre

1969-1973, 29,5% em comparação com a taxa média de lucro no período entre

1948-1969. No tocante ao G7, a lucratividade agregada no setor de manufaturas

caiu cerca de 25% (Brenner, 2003 e 2006).

Neste contexto, outra questão que merece destaque é o choque do

petróleo. Entre 10 e 14 de setembro de 1960, na Conferência de Bagdá, Irã,

Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela criaram a Organização dos Países

3 Composto por Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Suécia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos – tendo status de observador BIS, OCDE, FMI e

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Exportadores de Petróleo (OPEP), cujo objetivo principal era o de coordenar a

produção mundial de petróleo e o aumento dos valores pagos pelas empresas

de extração de petróleo aos países produtores. Assim, em 1973 a OPEP dobrou

o preço do petróleo, para mais de US$5 por barril e dois meses depois dobrou

novamente o preço para quase US$12 por barril.

Dado o fato de o petróleo corresponder a ¾ da energia dos países

industrializados, cuja maior parte das importações de petróleo era oriunda dos

países da OPEP, tais aumentos tiveram impactos significativos na economia

política global do período. Somado a outros fenômenos do período, uma das

consequências foi o aumento na inflação, que em 1974 era de 12% nos Estados

Unidos, 14% na França, 16% no Reino Unido e 23% no Japão. Tal aumento de

preços, associado a uma percepção de que a economia dos países estava em

uma situação extremamente delicada, levou a uma sensação próxima ao pânico,

dado que tanto trabalhadores quanto proprietários dos países industrializados

estavam acostumados com crescimento, pleno emprego e estabilidade de

preços: “uma geração de europeus, norte-americanos e japoneses conheciam

apenas a prosperidade” (Frieden, 2006, p. 367).

Assim sendo, a despeito da pertinência do resgate da teorização marxista

da taxa de lucro para o entendimento das dinâmicas do processo de acumulação

capitalista a partir do pós-II Guerra Mundial (Brenner, 2003 e 2006), pode se

dizer que a crise que se manifesta na década de 1970 não foi apenas do

processo de acumulação; não foi fruto de um único incidente ou de qualquer

evento isolado dentro de um ciclo comercial normal. Na verdade, tratava-se de

uma crise fundamental – até mesmo orgânica – da “normalidade” que afetou

todos os aspectos da ordem pós-II Guerra Mundial, sejam eles as relações

sociais de produção, a composição do bloco histórico hegemônico até então, o

papel do Estado e a ordem internacional. O novo conceito de controle que

emerge a partir dos esforços construtivos com o intuito de lidar com a crise

orgânica dos anos 1970 foi o neoliberalismo4 (Overbeek & van der Pijl, 1993).

Comissão Europeia –, se trata de um grupo formado nos anos 1960 para lidar com questões concernentes à política de empréstimos no âmbito do FMI. 4 Embora seja possível identificar pelo menos três correntes teóricas representativas do neoliberalismo – Escola Austríaca (von Mises e Friedrich Hayek), Escola de Chicago (Milton Friedman) e Escola de Virgínia ou Public Choice (Gordon Tullock e James Buchanan) –, um ponto comum de todas elas é o fato de se colocarem contra a expansão das fronteiras econômicas do Estado, a intervenção estatal e o planejamento central e em defesa do mercado auto-regulado; em suma, se trata de “uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar” (Anderson, 1995, p .9). 

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Neste contexto de reconstrução da hegemonia em escala mundial o

consenso em torno das políticas keynesianas e de pleno emprego começa a ser

questionado; assim, abre-se espaço para reações por parte de outros setores da

sociedade. Em especial, os grandes setores industriais, apoiados por governos

cada vez mais adeptos do modelo neoliberal, buscaram compensar suas perdas

mediante a redução dos custos diretos e indiretos da mão-de-obra – havendo,

inclusive, uma disseminação ideológica neste período acerca do papel dos

históricos aumentos salariais na eclosão da crise. Deste modo, o crescimento

dos salários reais e dos encargos sociais foram contidos a partir dos anos 1970

(tabelas 4.4 e 4.5), o que colocou os movimentos trabalhistas na defensiva e

marcou a crise do bloco histórico até então dominante (Cox, 1987).

Tabela 4.4

Crescimento dos salários reais

(variação média anual percentual)

1960-1973 1973-1979 1979-1990 1990-2000

Estados Unidos 2,8 0,3 0,4 1,1

(por hora)

Alemanha 5,4 2,5 1,0 0,95

(por hora)

Japão 7,7 2,8 1,6 0,5

(por hora) Fonte: Brenner, 2003

Tabela 4.5

Crescimento dos salários reais

(variação média anual percentual)

1960-1975 1975-1980 1980-1985

Estados Unidos 6,5 2,0 2,7

Alemanha 4,8 2,0 0,7

Japão 8,5 8,2 3,2

G7 7,6 4,2 2,6 Fonte: Brenner, 2003

Com o fim do Sistema de Bretton Woods, e da obrigação por parte dos

Estados Unidos de sustentar a conversibilidade do dólar em ouro e com a

oficialização da flutuação monetária, caíram por terra as justificativas até então

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existentes para a manutenção do controle internacional de capitais. Em 1974 os

Estados Unidos acabaram com o controle de capitais, seguidos pelo Reino

Unido em 1979 e pelos demais países industrializados nos anos 1980. Neste

processo, os petrodólares tiveram um papel central: a abundância destes no

mercado internacional em função do aumento dos preços do petróleo contribuiu

para que os governos liberalizassem seus sistemas financeiros a fim serem mais

atrativos para tais recursos (Howard & King, 2008).

Todos esses processos de globalização financeira foram acompanhados

por um ressurgimento do fundamentalismo do laissez-faire desde os anos 1970

– o que fica claro na medida em que se percebe que a austeridade neoliberal

tem, em grande medida, eclipsado a ideologia orientada para o crescimento que,

originalmente, servia de sustentáculo da economia mundial pós-II Guerra

Mundial.

Embora tenha mudado do conceito de “capital produtivo” para o

fundamentalismo do laissez-faire característico do capital financeiro, o bloco

histórico que se encontra por trás do liberalismo transnacional contemporâneo

apresenta uma continuidade fundamental com o projeto político do bloco

hegemônico do pós-II Guerra Mundial. Enquanto o “liberalismo corporativo” (van

der Pijl, 1984) orientado para o crescimento das primeiras décadas do pós-II

Guerra Mundial e o neoliberalismo possam divergir em termos de abertura

internacional, ambos compartilham um mesmo comprometimento com uma

economia mundial mais aberta baseada na propriedade privada dos meios de

produção e na troca generalizada de commmodities. Tal projeto de globalização

capitalista liberal tem sua justificativa ideológica na teoria ortodoxa do livre

comércio. Essa doutrina continua a ser parte integral da ideologia central das

instituições da ordem mundial pós-II Guerra Mundial, tais como Banco Mundial,

FMI e OMC. Ambas as instituições promovem a liberalização e temem a

repolitização do comércio como um sendo o primeiro passo em direção ao

isolamento, na medida em que um grupo de interesse após o outro demandem

protecionismo. Tais questões foram fundamentais no processo de reconstrução

da hegemonia global após a crise dos anos 1970.

4.3. Da constituição ao primeiro ciclo: 1975-1981

Durante o primeiro ciclo das cúpulas, um elemento central diz respeito ao

próprio processo de criação e consolidação das cúpulas como uma nova forma

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de promover a discussão e a coordenação entre as principais democracias

liberais nas questões concernentes às políticas macroeconômicas e de energia –

tendo em vista a crise do Sistema de Bretton Woods e o choque do petróleo.

Neste sentido, o primeiro ciclo representou o processo de institucionalização das

cúpulas, de um encontro ad hoc para um encontro periódico entre seus

membros, tendo como tema comum a todo o período o encorajamento de um

crescimento não-inflacionário, um consumo responsável de petróleo e a

promoção do livre-comércio – neste caso, como forma de combater a ameaça

protecionista no período. Tal ciclo também se caracteriza por ter sido o ciclo de

passagem do modelo keynesiano para o neoliberalismo, expressando assim a

transição dos blocos históricos – o que fica mais claro na passagem da cúpula

de 1978 para a de 1979. Além disso, em função das mudanças no contexto

histórico-estrutural, principalmente no que diz respeito à relação Leste-Oeste,

temas relacionados a tal questão também começaram a ganhar espaço na

agenda até assumirem a primazia no segundo ciclo (Dobson, 2007).

Assim, da mesma forma que as instituições do Sistema de Bretton Woods

foram fundamentais no processo de definição das bases ideológicas do

consenso no período da Era de Ouro, com a crise de tal sistema não apenas as

instituições já existentes teriam que se reformular – FMI e Banco Mundial, por

exemplo – mas também novos arranjos institucionais deveriam ser criados.

Como colocado anteriormente, de maneira geral, os países capitalistas

ocidentais se viram frente a uma série de crises no início dos anos 1970:

primeiro, a crise do Sistema de Bretton Woods, que apontou para os limites das

organizações multilaterais criadas após o fim da II Guerra Mundial – em 1973 a

Rodada Tóquio do GATT, por exemplo, não foi capaz de conter as pressões

protecionistas, o que não apenas intensificava a crise então vigente como

também ia contra um dos valores centrais tanto do bloco histórico liberal-

corporativo anteriormente hegemônico quanto do bloco histórico liberal

transnacional então emergente; segundo, o choque do petróleo (1973); terceiro,

o avanço dos partidos comunistas no sul da Europa; quarto, a “entrada” da Índia

para o clube das potências nucleares; por fim, a derrota dos Estados Unidos no

Vietnã.

Neste contexto, há a percepção de que as respostas dadas

individualmente para tais crises se mostraram insuficientes pra superá-las. Tal

percepção não era uma novidade neste momento, pois desde 1971 Henry

Kissinger já vinha considerando, junto a outros líderes dos países

industrializados, a possibilidade da realização de um encontro para lidar com as

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questões econômicas internacionais do período. A saída foi pensar em outra

solução, que incorporaria os líderes das grandes potências democráticas. Assim,

em 1975, o presidente francês Valéry Giscard d’Estaing convidou os líderes das

seis maiores democracias liberais do mundo da época – Estados Unidos, Reino

Unido, Alemanha, Itália5, e o Japão – para participarem de um encontro privado

para lidar com as questões econômicas – e principalmente com as monetárias.

Conforme ele explicou na época a James Reston, do New York Times, na sua

visão,

“Os países capitalistas parecem absolutamente incapazes de gerenciar suas situações monetárias e econômicas (...) mas nós nunca temos uma conversa séria entre os grandes líderes capitalistas para dizer o que faremos agora (...). A questão deveria ser discutida entre aqueles que possuem uma responsabilidade maior como os Estados Unidos – uma conversa entre poucos e quase em um nível privado” (Reston apud Putnam & Bayne, 1987, p. 27).

Tal encontro que marca o início do G7/8 – na época, ainda G6 – ocorreu

de 15 a 17 de novembro de 1975 em Châteu de Rambouillet. O modelo usado

foi o do “Grupo da Biblioteca” ou Grupo dos Cinco – ministros de finanças de

Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e, posteriormente, Japão, cuja

primeira reunião ocorreu na biblioteca da Casa Branca em 1973. Conforme

defendido por Giscard e semelhantemente pelo Grupo da Biblioteca, os

elementos centrais da cúpula de Rambouillet eram seu tamanho reduzido e seu

caráter seleto e pessoal. Assim, a ideia era que a cúpula fosse limitada aos

países com maior influência na economia política global, que poderiam assim

conversar de maneira aberta e sem inibições. Nas palavras do chanceler alemão

Helmut Schmidt, “nós queremos um encontro privado e informal daqueles que

realmente importam no mundo” (Schmidt apud Putnam & Bayne, 1987, p. 29).

Desde o seu início, portanto, o G7/8 apresentou um caráter altamente anti-

burocrático e informal.

Além disso, outro aspecto presente desde o início era a convicção de que

os líderes dos países em questão deveriam discutir as questões concernentes

5 Embora não fizesse parte do “Grupo da Biblioteca” e não constasse nos planos iniciais de Giscard, este concordou em ceder às pressões italianas não apenas pelo fato de neste período a Itália estar na presidência da Comunidade Europeia mas também, e principalmente, pelo fato de que a recusa poderia enfraquecer o governo italiano em sua batalha interna com os comunistas. Tal questão remete a um dos elementos ideológicos centrais no processo de constituição do G7/8: a defesa do mundo democrático liberal em um contexto de crise orgânica. Assim como a Itália, o Canadá solicitou participar da cúpula de Rambouillet. Contudo, a despeito do apoio por parte dos Estados Unidos, tal solicitação foi negada pelo presidente francês – no caso, o Canadá seria incorporado no grupo a partir do ano seguinte, na cúpula de Puerto Rico (1976). 

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aos rumos da economia internacional. A percepção era a de que tais líderes

poderiam contribuir de uma maneira que ia além das contribuições por parte dos

ministros. Não se tratava de uma crítica à despolitização das questões

econômicas – que aliás seria ainda mais reforçada pelo neoliberalismo então

emergente –, mas de uma percepção de que, naquele contexto de crise

orgânica, a integração de políticas, guiada por um projeto comum entre as

principais democracias liberais, era condição sine qua non para a reconstrução

de uma ordem econômica mundial (neo)liberal. Isso fica expresso no artigo 2 da

declaração de Rambouillet:

“Nós estamos unidos devido às nossas crenças e responsabilidades comuns. Cada um de nós é responsável pelo governo de uma sociedade democrática, aberta, dedicada à liberdade individual e ao avanço social. Nosso sucesso irá fortalecer, e de fato é essencial para, as sociedades democráticas por toda parte” (Group of Seven, 1975).

Na cúpula de Rambouillet o foco temático se deu nas políticas

macroeconômicas, questões monetárias e de comércio internacional. Outros

temas como energia, países em desenvolvimento e as relações comerciais entre

o leste e o oeste foram discutidas, mas submetidas aos temas principais. A

recessão havia começado nos países da OCDE em 1974, e os países

participantes da cúpula – Reino Unido posteriormente – haviam adotado duras

políticas fiscais e monetárias a fim de conter a inflação no período. Assim, um

elemento fundamental da cúpula foi a busca pela restauração da confiança no

sistema “(...) e demonstrar que os líderes das maiores economias estavam

trabalhando juntos pela recuperação” (Putnam & Bayne, 1987, p. 37).

Apesar da rejeição por parte dos partícipes da cúpula das propostas de

uma institucionalização mais formal feita por Kissinger e pelo Japão, com o

sucesso da cúpula de Rambouillet começou-se a pensar sobre a organização de

uma nova cúpula, o que foi proposto pelo presidente estadunidense Gerald Ford.

Dentre as razões para tal cúpula, destacam-se a percepção da necessidade de

continuar o processo de coordenação da recuperação da economia

internacional, a necessidade de fortalecer a Itália – tanto em termos econômicos,

devido às pressões sofridas pela lira no período, quanto em termos políticos,

devido à força dos comunistas nas eleições de 1976 – e a percepção, por parte

de Ford, de que a organização da cúpula lhe poderia ser útil para as eleições

presidenciais de 1976. Além disso, buscando um equilíbrio com relação à

influência europeia na cúpula e em função de sua importância para os Estados

Unidos em termos de sua produção petrolífera – especialmente em um contexto

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pós-choque do petróleo – os Estados Unidos fizeram uso de suas prerrogativas

de organizador da cúpula e convidaram o Canadá para participar da mesma –

que terminou por se tornar membro permanente do clube.

Em 27 e 28 de junho de 1976 ocorreu a cúpula de Puerto Rico. Assim

como na cúpula anterior, o equilíbrio nas políticas macroeconômicas foi o tema

central, sendo mantida a condenação das práticas protecionistas no que diria

respeito ao comércio mundial (Group of Seven, 1976). Contudo, o que ficou

notório é que a falta de organização prévia, ao contrário do que havia ocorrido

em Rambouillet, contribuiu para que não se chegasse a algum resultado mais

concreto, apenas reafirmando decisões tomadas na cúpula anterior. Os fracos

resultados da cúpula de Puerto Rico tiveram grande influência nos rumos

posteriores das cúpulas. Contudo, não foram os únicos fatores a influenciar tal

processo; para entender tais mudanças faz-se necessário uma breve

contextualização.

Tendo como pano de fundo o temor de um possível recrudescimento do

comprometimento dos Estados Unidos com a Europa ocidental, um número

significativo de líderes políticos e homens de negócio europeus – de esquerda e

direita – se reuniu nos anos 1950. A partir de tal iniciativa, teve início, em 1954,

as conferências de Bilderberg e em 1955, na terceira conferência6, foram

explicitados os seguintes objetivos:

“(...) alcançar o denominador mais alto possível de entendimento mútuo entre os países da Europa ocidental e da América do Norte e também trabalhar para remover as causas de atrito, estudar aqueles campos onde a ação pode ser necessária para prevenir o surgimento de atritos no futuro e examinar as áreas gerais nas quais acordos podem ser buscados. [Isto deverá ocorrer] em uma atmosfera de confiança mútua e amizade pessoal que admite uma discussão franca e aberta. (...) Todos compartilham um alto propósito e um grande reconhecimento da urgência da situação. (...) sempre haverá diferenças de opinião entre os países da Europa ocidental e da América do Norte (...). Divergências de visão não são em si deploráveis, e de fato, são a quintessência da vida democrática. Contudo, é uma questão de urgência máxima que a vontade e os meios devam existir para encontrar uma base comum sobre a qual construir nosso futuro” (Garmisch-Partenkirchen Conference, 1955, p. 1).

Na medida em que “criaram oportunidades para (...) redes e agrupamentos

transnacionais” (Gill, 1990, p. 132), tais conferências foram significativamente

relevantes, em especial para ampliar, em um contexto de macartismo, uma visão

de desenvolvimento internacionalmente orientada na elite estadunidense –

6 A primeira conferência ocorreu em Oosterbeek, Holanda (29-31 de maio de 1954); a segunda em Barbizon, França (18-20 de marco de 1955); e a terceira em Garmisch-Partenkirchen, Alemanha (23-25 de setembro de 1955). 

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contendo assim forças sociais que poderiam incentivar uma postura unilateral

por parte dos Estados Unidos. Além disso, também foram relevantes para conter

as rivalidades intra-europeias (como por exemplo a rivalidade entre França e

Alemanha).

Como visto, nos anos 1970 começou a se difundir uma visão de que o

mundo passava por um processo de transição, com um aumento das tensões e

atritos entre determinados interesses domésticos e a crescente interdependência

associados a um suposto declínio da hegemonia estadunidense. Neste contexto,

forças sociais internacionalistas estadunidenses começaram a se articular com o

intuito de lidar com tais questões, sendo a Comissão Trilateral um marco neste

processo. Neste sentido, o objetivo era criar “um grupo de pressão privado que

buscaria influenciar os governos (...) e remodelar a hegemonia estadunidense

em um formato mais coletivo, tripartite” (Ibidem, p. 137), grupo este que emergiu

a partir das conferências de Bilderberg em 19727. Em muitos aspectos as

conferências de Bilderberg foram uma espécie de balão de ensaio para a

Comissão Trilateral, que envolveu em larga medida os mesmos temas e os

mesmos tipos de atores, com algumas diferenças fundamentais: primeiro, a

Comissão Trilateral era menos fechada em termos comparativos; segundo, ao

contrário das conferências de Bilderberg, incorporavam os japoneses; terceiro,

Bilderberg incorporava uma proporção muito maior de social-democratas e

sindicalistas (Ibidem).

Feita esta breve contextualização, a partir de 1976 começa-se a perceber

certo atrito, em função dos fracos resultados da cúpula de Puerto Rico e dos

fenômenos associados ao contexto histórico-estrutural, entre dois grupos no

sistema G7/8 que então se constituía: de um lado o “grupo da biblioteca”, com

uma visão mais informal acerca do que deveriam ser as cúpulas, e de outro os

“trilateralistas”, que embora também reconhecessem a importância da vontade

política que esteve associada ao início do sistema G7/8, viam as cúpulas como

momentos que deveriam não apenas servir para a troca de experiências e

visões, mas também para a busca de respostas e soluções concretas para as

grandes questões enfrentadas na década de 1970. Para que isso ocorresse era

fundamental um processo coordenado de preparação das cúpulas, o que

7 Se por um lado a origem imediata da Comissão Trilateral possa ser datada de um discurso de David Rockfeller na conferência de Bilderberg em 1972, a criação formal da Comissão ocorreu no ano seguinte, em 1973. De acordo com Gill, seria possível dividir a Comissão Trilateral em três fases no que diz respeito ao seu aspecto organizacional: construção e estabelecimento (1972-1974); consolidação e centralização (1975-1979);

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contribuiu para a crescente institucionalização do sistema G7/8. Neste processo

começam a ganhar destaque figuras que passarão a ser centrais, a saber, os

“sherpas”: representantes pessoais dos líderes que estariam à frente das

discussões e do estabelecimento da agenda das cúpulas. Eles se reuniriam

várias vezes por ano antes do encontro anual do G7/8 – as cúpulas em si – e

suas reuniões são, via de regra, reservadas, muitas vezes até mesmo sem a

presença de seus assistentes, chamados de “yaks”8. Em suma, percebe-se que,

para os trilateralistas, “os burocratas eram parte da solução, não parte do

problema” (Putnam & Bayne, 1987, p. 48). Assim, a partir da cúpula de 1977,

questões políticas específicas foram discutidas em detalhes entre os sherpas

antes da cúpula e uma versão prévia do comunicado final também foi discutida.

Além disso, a partir de então outras instituições internacionais passaram a ser

envolvidas no processo, como OCDE, FMI e GATT.

Na passagem do ano de 1976 para o ano de 1977 a retomada do

crescimento nos países da OCDE sofreu um revés, e a prescrição de inspiração

keynesiana feita na ocasião era a de que Alemanha, Japão e Estados Unidos

deveriam adotar políticas domésticas de estímulo à atividade econômica. Tal

política coordenada faria com que tais países atuassem como uma “locomotiva”

que puxaria o crescimento econômico, com um efeito multiplicador significativo

para a economia mundial como um todo. Embora tal ideia tenha estado presente

nas cúpulas de 1977 e 1978, isso não ocorreu sem resistências. Na visão de

alemães e japoneses, a “teoria da locomotiva” subestimava o risco, ainda

presente, da inflação e sua consequências para a estabilidade dos negócios.

Neste sentido, começa aqui a se estruturar a alternativa, no âmbito do sistema

G7/8, à proposta keynesiana: ao invés de uma política coordenada de estímulo

da demanda, o que se apresentava era um “ajuste estrutural no lado da oferta”

(Putnam & Bayne, 1987, p. 65). Tal tensão entre visões acerca do modelo mais

adequado para a organização econômica fica clara na declaração final da

cúpula, que enfatiza a necessidade de se “criar mais empregos enquanto se

continua a reduzir a inflação”. O interessante neste ponto é perceber o espaço

que o discurso anti-inflacionário começa a ganhar em contexto de crise do

expansão geográfica (a partir de 1979). Para maiores detalhes, ver Ibidem, p. 143-172 e The Trilateral Comission (http://www.trilateral.org/). 8 Devido ao papel que passou a ser desempenhado pelos representantes dos líderes, a palavra “sherpa” passou a ser utilizada metaforicamente para tais representantes. Originalmente o termo diz respeito a uma etnia da região do Himalaia, no Nepal. Em função do papel desempenhado por representantes de tal etnia para os primeiros exploradores do Himalaia, o nome sherpa passou a ser sinônimo de guia. Já o termo

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modelo keynesiano: de acordo com a mesma declaração, “a inflação não reduz o

desemprego. Pelo contrário, é uma de suas causas principais” (Group of Seven,

1977).

Duas outras questões centrais levantadas na cúpula de Londres (“Londres

I”) – de 6 a 8 de maio de 1977 – diziam respeito à energia nuclear e ao comércio

internacional. No tocante à energia nuclear, os Estados Unidos buscaram um

comprometimento, por parte dos países membros do G7, com a redução da

proliferação nuclear, mas apesar do apoio inicial do Canadá, tal posição foi

isolada a partir de uma discussão acerca da necessidade de diversificação das

fontes energéticas tendo em vista o contexto do choque do petróleo. Com

relação ao comércio internacional, houve uma condenação, por parte dos

estadunidenses, alemães e japoneses, do protecionismo e o incentivo para a

conclusão da Rodada Tóquio. Franceses, italianos e ingleses, por sua vez,

temendo a competição dos novos países industrializados em alguns produtos

específicos, como têxteis, por exemplo, foram menos entusiastas de tal

proposta, embora não tenham se colocado contra. Por fim, cumpre destacar que

em 1977 foi a primeira vez que o presidente da Comissão Europeia foi convidado

para participar da cúpula – o que passaria a ser comum a partir de então.

Uma questão central apontada pela cúpula de Londres é o fato de que a

economia mundial passava por problemas mas não havia consenso acerca das

causas nem do rumo que deveria ser adotado para sua solução. Tal tensão

também estaria presente na cúpula de Bonn, em 1978; neste contexto, é

possível perceber o processo de consolidação da hegemonia neoliberal.

Nos dias 16 e 17 de junho de 1978 ocorreu a cúpula de Bonn (“Bonn I”).

Embora a “teoria da locomotiva” ainda estivesse presente no debate (Group of

Seven, 1978a), no início de 1978 as principais economias ocidentais, com

exceção dos Estados Unidos, cresciam abaixo das expectativas. Isso levou a

Alemanha a defender especialmente a valorização do dólar – o que deveria

passar pela redução das importações de petróleo por parte dos Estados Unidos.

Em março de 1978 o dólar ficou abaixo dos DM2,00 – um valorização acumulada

do marco alemão de 20% em doze meses. Tendo que enfrentar um dólar fraco e

temendo o contágio inflacionário, o chanceler alemão iniciou os primeiros

movimentos para o Sistema Monetário Europeu, que foi o principal tema do

Conselho Europeu dez dias antes da cúpula de Bonn (Putnam & Bayne, 1987;

Eichengreen, 2000; Gilpin, 2002). A despeito das tensões entre alemães e

“yak” diz respeito, originalmente, aos animais de carga utilizados pelos sherpas do Himalaia nas expedições. 

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estadunidenses, em Bonn I chegou-se a um acordo que articulava questões

macroeconômicas e energéticas: os Estados Unidos se comprometeram com um

pacote anti-inflacionário, que incluía a contenção de salários e gastos públicos e

o aumento do preço do petróleo no mercado interno até os níveis mundiais;

europeus e japoneses, por sua vez, adotaram certas políticas expansionistas –

os japoneses se comprometeram a elevar os gastos governamentais em 1,5%

do PNB, e alemães e franceses em aumentar a demanda interna em cerca de

1% através de aumentos nos gastos governamentais e de cortes nos impostos

(Eichengreen, 2000). Uma novidade em Bonn I foi a condenação, em uma

declaração política, do terrorismo internacional9 – o que remete ao caráter

informal da cúpula, capaz de incorporar com relativa facilidade temas relevantes

para a agenda internacional.

Em suma, a cúpula de Bonn pode ser vista como uma cúpula exitosa.

Contudo, é fundamental perceber os limites dos acordos então estabelecidos.

Em especial, o segundo choque do petróleo em 1979 após a Revolução Iraniana

demonstrou para vários que as medidas até então acordadas eram

demasiadamente modestas – o que apontaria os limites não apenas das

medidas em si mas especialmente do modelo keynesiano aggiornato, abrindo

espaço, assim, para a emergência de um novo conceito de controle (Overbeek &

van der Pijl, 1993). Neste sentido, entre os anos de 1978 e 1980 começa a

emergir o consenso, entre os países mais industrializados do mundo, de que

apenas uma restrição fiscal e monetária seria capaz de restaurar a estabilidade

econômica.

Mas outros fenômenos conjunturais também foram relevantes para a

evolução do sistema G7/8 nos anos subsequentes: a Revolução Islâmica e

queda do Xá Reza Pahlevi no Irã, a tomada da embaixada estadunidense no Irã

e a invasão soviética ao Afeganistão são extremamente significativos neste

contexto. Se as cúpulas anteriores tinham como foco o primeiro choque do

petróleo e a necessidade de recuperação econômica, a partir de 1979 a

preocupação passou a ser a recessão e o segundo choque do petróleo – o que

só terminou na cúpula de 1983.

9 “Os Chefes de Estado e de Governo, preocupados com o terrorismo (…) declaram que seus governos intensificarão seus esforços conjuntos para combater o terrorismo internacional. Para este fim, em casos nos quais um país se recusar a extraditar ou processar aqueles que tiverem sequestrado uma aeronave e/ou não retornarem tal aeronave, os Chefes de Estado e de Governo estão conjuntamente resolvidos que seus governos devem tomar ações imediatas para cessar todos os vôos para aquele país. Ao mesmo tempo, seus governos irão iniciar ações para deter todos os vôos de origem de

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Durante as cúpulas anteriores ávidos debates ocorreram com relação à

resposta que deveria ser dada à crise orgânica pela qual a economia mundial

passava nos anos 1970. Dois modelos básicos se apresentavam naquele

momento: por um lado, um modelo de inspiração keynesiana, cujo foco era na

demanda e, assim, destacava a necessidade da ação estatal – via aumento do

gasto público ou redução dos impostos, o que aumentaria o déficit do orçamento

– para estimular o crescimento econômico. Por outro, um modelo orientado no

lado da oferta que enfatizava a necessidade de uma política monetária e fiscal

austera que visasse a contenção da inflação o que geraria crescimento

econômico. De acordo com tal modelo, neoliberal, o crescimento viria não da

intervenção estatal no lado da demanda mas através da redução das barreiras à

livre operação das forças de mercado.

Nota-se, neste período, um processo de embate ideológico ou, em outras

palavras, de luta pela hegemonia. Se por um lado Estados Unidos, Reino Unido

e, em alguma medida, Itália e Canadá apoiavam uma postura orientada pelo

lado da demanda, Alemanha e Japão tinham uma visão mais para o lado da

oferta, com a França ocupando um lugar de meio termo10. Durante o processo, é

possível perceber nas cúpulas a mudança de um modelo keynesiano rumo a um

modelo neoliberal – as concessões feitas na cúpula de Bonn I são um exemplo,

mas o marco dessa transformação no que concerne especificamente ao sistema

G7/8 é o ano de 1979. O segundo choque do petróleo foi central, tanto em

termos materiais quanto ideacionais: a negligência até então prevalecente para

com a inflação foi vista cada vez mais como a causa da vulnerabilidade da

economia mundial ao choque cujo "efeito na política econômica foi desacreditar

a estratégia adotada nos cinco anos anteriores" (Putnam & Bayne, 1987, p. 96).

Neste sentido, após o segundo choque começa a emergir certo consenso

entre os principais países industrializados acerca da necessidade e da

centralidade do combate à inflação – consenso que se expande para a

Comunidade Europeia, FMI e OCDE, que passam cada vez mais intensamente a

defender tal proposta neoliberal. É fundamental neste ponto perceber que tal

empreitada teórico-normativa não se resumia apenas ao segundo choque do

tal país ou de qualquer outro país feito por linhas aéreas do país em questão” (Group of Seven, 1978b). 10 Nota-se, assim, que o processo de “neoliberalização” dos países a partir do final dos anos 1970 não foi algo homogêneo. Na verdade, o caso dos países do G7 (e de maneira mais ampla do sistema G7/8) exemplifica como “o desenvolvimento geográfico desigual do neoliberalismo, sua aplicação frequentemente parcial e irregular de um Estado e formação social para outro, testifica (...) as formas complexas nas quais as forças

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petróleo, mas dizia respeito a todo um modelo de controle e regulação – enfim,

de produção de subjetividade – para lidar com a crise orgânica dos anos 1970.

Uma batalha deste porte, que articula elementos de caráter material –

formas de organizar a economia mundial em suas dimensões comercial,

financeira e produtiva e a relação entre essas áreas – e ideacional – todo um

complexo ideológico que dá sustentação, legitimidade e em certa medida coesão

ao modelo que se apresenta –, ou seja, intimamente relacionada ao processo de

produção e constituição de um novo sujeito coletivo não é algo simples mas

permeado por contradições nos mais diversos níveis. Uma vez que se retome a

questão do Estado neste ponto, percebe-se seu papel central neste processo,

como unidade política fundamental no processo de construção do consenso e de

articulação interna dos processos de globalização neoliberal neste caso

específico.

O movimento de transformação para o modelo neoliberal nos principais

países componentes do sistema G7/8 é extremamente elucidativo deste

processo. Com a derrota do governo de Callaghan em maio de 1979 para a

conservadora Margaret Thatcher o Reino Unido passou por uma mudança mais

radical em direção ao neoliberalismo. Nos Estados Unidos o percurso foi um

pouco mais gradual, se iniciando com a chegada de Paul Volcker à presidência

do Federal Reserve em outubro de 1979, ainda durante o governo Carter.

Contudo, foi durante o governo de Ronald Reagan a partir de 1981 que o modelo

neoliberal foi mais profundamente adotado. No que concerne à Alemanha, as

medidas de estímulo adotadas pouco antes do segundo choque do petróleo

causaram um aumento significativo do déficit orçamentário. Em um contexto de

reconfiguração do bloco histórico as respostas para lidar com tal déficit geraram

uma fissura no bloco então dominante na Alemanha, levando a uma polarização

entre os democrata-liberais, defensores da liberdade do mercado, e os social-

democratas, mais intervencionistas – o que em última instância levou à queda do

chanceler Schmidt em 1982. Mesmo assim, tal transição foi menos abrupta

dentre outros fatores por questões de caráter ideológico, dado o fato da

Alemanha historicamente ser uma defensora de uma postura anti-inflacionária –

em função do ocorrido na República de Weimar e no imediato pós-II Guerra

Mundial (Frieden, 2006; Harvey, 2005; Putnam & Bayne, 1987).

O caráter sistêmico de tal processo termina por apontar que, se por um

lado o Estado – como ponto nodal – é fundamental na definição da forma pela

políticas, tradições históricas e arranjos institucionais existentes moldam porque e como o processo de neoliberalização realmente ocorreu” (Harvey, 2005, p. 13). 

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qual ideologias e transformações no bloco histórico são absorvidas e

implementadas, por outro o poder estrutural do capital é de suma importância na

definição dos contornos, limites e potencialidades do papel do Estado em tal

contexto (Gill & Law, 1989). Isso fica claro quando as atenções são voltadas

para o caso francês. Com a ascensão dos socialistas ao poder com François

Mitterrand em lugar de Giscard em maio de 1981, há a tentativa de

implementação de uma política econômica diametralmente oposta àquelas

adotadas nos demais países do G7 – ou seja, uma política econômica orientada

pela demanda, de estímulo ao crescimento com o intuito de reduzir o

desemprego. Não obstante, o contexto histórico-estrutural acabava por

impossibilitar um curso de ação isolado nestes termos. Consequentemente,

houve na verdade um aprofundamento do déficit, um enfraquecimento do franco

e uma manutenção da inflação nos mesmos patamares anteriores enquanto a

inflação nos demais países membros do G7 diminuía. Por fim, a França acabou

por adotar medidas de austeridade e, em última instância, o modelo neoliberal

que se configurava.

Tais transformações no bloco histórico tiveram impacto direto na lógica de

funcionamento do sistema G7/8. Em especial, percebe-se uma mudança na

forma de lidar com as questões macroeconômicas: a partir de 1979, as cúpulas

passariam a ser “menos ambiciosas” (Putnam & Bayne, 1987, p. 98) deixando

para a esfera do mercado a regulação da economia. Isso ficaria ainda mais

claro, com impactos significativos na economia política global a partir de 1982,

quando foi dada maior capacidade de articulação e decisão aos ministros das

finanças e presidentes de bancos centrais de Reino Unido, Estados Unidos,

França, Alemanha e Japão (Baker, 2006).

Neste contexto, nos dias 28 e 29 de junho de 1979 ocorreu a cúpula de

Tóquio (“Tóquio I”). O segundo choque do petróleo foi fundamental para a

condução de tal cúpula; neste sentido, a questão energética e as políticas

macroeconômicas que deveriam ser adotadas em resposta a tal crise foram o

centro dos debates. O grande receio que rondava os países do G7 naquele

momento dizia respeito ao risco de inflação em função da crise energética, e

neste sentido os países europeus foram para a cúpula com o intuito de levar os

Estados Unidos a uma redução na importação de petróleo. No final, foi acordado

uma declaração metas de consumo de petróleo para cada um dos participantes

para os anos de 1979 e 1980 – além de uma meta de redução de consumo para

ser atingida no ano de 1985. Tal decisão foi relevante, dentre outras razões, pelo

seu efeito de demonstração; ou seja, enviou sinais da existência de certa coesão

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entre os países mais industrializados do mundo desde Rambouillet, em 1975.

Além disso, teve um papel importante na articulação entre organizações

internacionais na área de energia, com a criação de um grupo internacional de

tecnologia de energia ligado à OCDE e AIE (Group of Seven, 1979a).

O fato de tais questões terem sido o foco das discussões não implica que

foram os únicos temas discutidos. No tocante às questões comerciais, foi

reafirmado o compromisso com o livre comércio e, em especial, com os acordos

alcançados na Rodada Tóquio do GATT. Por fim, por se tratar da primeira cúpula

que ocorria na Ásia, em Tóquio I um tema que foi abordado na ocasião dizia

respeito aos refugiados da Indochina – Vietnã, Laos e Camboja. Foi acordado

pelos países o acolhimento de um número maior de refugiados em seus

territórios e o levantamento de fundos para lidar com tal questão humanitária

(Idem, 1979b).

As questões energéticas ainda estavam no centro dos debates em 1980.

Assim, nos dias 22 e 23 de junho de 1980 ocorreu a cúpula de Veneza (“Veneza

I”). Em linhas gerais, Veneza I deu continuidade às decisões tomadas um ano

antes em Tóquio I: nas questões macroeconômicas, a manutenção de políticas

anti-inflacionárias; nas questões energéticas, manutenção dos acordos de

Tóquio I; nas questões de comércio internacional, defesa do livre comércio e

condenação das práticas protecionistas (Idem, 1980a).

Além de tais temas, duas outras questões foram objeto de atenção em

Veneza I. Em primeiro lugar, as relações com os países em desenvolvimento.

Neste sentido duas questões foram centrais neste tópico: os impactos (i) do

aumento do preço do petróleo e (ii) e da importação de alimentos para os países

em desenvolvimento. Neste sentido foram apoiados os programas do Banco

Mundial e da FAO (ibidem). A despeito da relevância da incorporação de tal

questão, nenhum resultado substantivo foi alcançado em Veneza I. Por fim, no

final de 1979 ocorreram dois eventos que exerceram impacto na cúpula de 1980:

a invasão do Afeganistão pela URSS e a ocupação da embaixada dos Estados

Unidos no Irã. Nestes dois casos as reações dos Estados Unidos e dos países

europeus foram distintas, o que acabou gerando certo atrito entre eles. Assim, a

cúpula de 1980 foi importante pelo fato de ter, em alguma medida, contribuído

para a resolução de tais divergências – com destaque para o papel dos Estados

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Unidos neste processo. Foram, assim, produzidos documentos condenando a

ocupação da embaixada e a invasão do Afeganistão (Idem, 1980b; 1980c)11.

A política econômica estadunidense na primeira metade da década de

1980 teve impactos significativos para o sistema G7/8. Neste período as políticas

de caráter neoliberal de corte dos impostos e o aumento dos gastos militares

levaram a um aumento do déficit orçamentário dos Estados Unidos, que

associado ao aumento do consumo decorrente do corte dos impostos, levou a

um aumento do déficit comercial e das pressões inflacionárias. Buscando

combater tais questões Paul Volcker elevou as taxas de juros de curto prazo – o

que levou ao aumento do fluxo de capitais para os Estados Unidos e a

consequente valorização do dólar12 (Eichengreen, 2000; Frieden, 2006, p. 372-

378 passim). Consequentemente, em 1981 as preocupações que rondaram as

cúpulas anteriores – dólar fraco e as questões energéticas – deram agora lugar a

outras questões: as taxas de juros estadunidenses, o dólar forte e as relações

entre os blocos ocidental e oriental.

Neste contexto, entre os dias 19 e 21 de julho de 1981 ocorreu a cúpula de

Ottawa. No tocante às questões políticas, houve referência à questão do

terrorismo, em especial no que concerne ao sequestro de aviões. Além disso,

fez-se menção à questão árabe-israelense e seus deletérios impactos no Líbano

bem como à questão do Afeganistão (Group of Seven, 1981a; 1981b). No que

concerne à relação Leste-Oeste, apesar das relações comerciais entre os blocos

serem mais importantes em termos econômicos para a Europa do que para os

Estados Unidos, o documento final aprovado segue muito mais próximo da

posição estadunidense, afirmando que, apesar do “complexo equilíbrio dos

interesses políticos e econômicos” era necessário “garantir que, no campo das

relações Leste-Oeste, nossas políticas econômicas continuem a ser compatíveis

com nossos objetivos políticos e de segurança” (Idem, 1981c, §36).

Com relação às questões econômicas o ponto a ser destacado é que não

havia, por parte do governo estadunidense, interesse em alterar sua política

econômica naquele momento. Além disso, como visto anteriormente, a visão

neoliberal predominante a partir de 1979 dava ênfase ao papel dos Estados na

criação das condições para a livre e criativa operação das forças de mercado –

em oposição a uma visão keynesiana de estímulo ao crescimento a partir da

11 Também foi elaborado um documento sobre a questão dos refugiados – documento este que envolvia questões relacionadas aos países da Indochina, Cuba e Afeganistão (Group of Seven, 1980d). 12 Neste sentido, “o dólar registrou uma valorização de 29% em termos nominais e de 28% em termos reais entre 1980 e 1982” (Eichengreen, 2000, p. 195). 

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adoção de determinadas políticas macroeconômicas. O governo Reagan

compartilhava de tal visão, o que fica claro nas colocações feitas pelo presidente

Reagan em setembro de 1981 – poucos meses depois da cúpula de Ottawa – no

encontro anual do Banco Mundial e do FMI:

“a contribuição mais importante que qualquer país pode fazer para o desenvolvimento mundial é adotar firmes políticas econômicas em casa. (…) Reduzindo a taxa de gastos governamentais, honrando nosso comprometimento com o equilíbrio orçamentário, reduzindo os impostos para encorajar o investimento produtivo e a poupança pessoal, eliminando a regulação governamental excessiva, e mantendo uma política monetária estável, estamos convencidos que iremos adentrar em uma nova era sustentada e não inflacionária de crescimento e prosperidade, do tipo que não temos visto há muitos anos” (Reagan, 1981).

Por fim, é importante destacar a questão do comércio internacional. Se nas

cúpulas imediatamente anteriores tal questão, embora mencionada, não havia

sido objeto de atenção maior, em Ottawa foi acordado que uma nova

conferência ministerial do GATT deveria ocorrer em 1982 com o intuito de

combater o protecionismo durante a recessão. Além disso, neste contexto foi

criado o grupo quadrilateral (“Quad”) de ministros do comércio de Estados

Unidos, Japão, Canadá e Comunidade Europeia – grupo este que exerceria uma

importante função neste âmbito (Ulrich, 2006).

4.4. Segundo ciclo: 1982-1988

É possível perceber nos anos 1980 uma intensificação das tensões entre

os blocos da Guerra Fria, que começa a diminuir a partir de 1985, com a

chegada ao poder na URSS de Mikhail Gorbachev. Somado a isso, nota-se

também tensões no Oriente Médio – guerra Irã-Iraque, instabilidade no Camboja

–, o que acaba impactando na agenda das cúpulas no segundo ciclo. Não

obstante, a despeito de tal influência das questões de segurança, se trata de um

ciclo de consolidação hegemônica do neoliberalismo, no qual as questões

macroeconômicas permaneceram com peso relevante na agenda das cúpulas

assim como a questão da promoção do livre-comércio – com o início da Rodada

Uruguai em 1986 que levaria à criação da OMC em 1995.

Na passagem de 1981 para 1982 os indicadores econômicos dos países

industrializados se encontravam em uma situação extremamente delicada

(Putnam & Bayne, 1987). Neste contexto, a postura estadunidense, intimamente

relacionada à visão monetarista então predominante, mantinha a ideia de

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“primeiro arrumar a casa”. Neste sentido, a diplomacia econômica transatlântica

estava em seu ponto mais complicado desde a suspensão unilateral da

convertibilidade do dólar em ouro feita por Nixon (Henning, 1987), e foi neste

contexto que ocorreram as negociações iniciais para a cúpula de Versailles,

entre 4 e 6 de junho de 1982.

Se por um lado não havia, em Ottawa, consenso entre europeus e

japoneses acerca dos problemas da política monetária estadunidense, em

Versailles os Estados Unidos se viram isolados (Ibidem). Embora as questões

macroeconômicas não tenham sido muito debatidas na cúpula, é interessante

perceber que menção especial foi feita à importância de um engajamento

coletivo para uma “maior estabilidade do sistema monetário mundial”. Mesmo

assim, a visão estadunidense prevaleceu no período na medida em que grande

ênfase foi dada “ao papel do FMI como autoridade monetária” (Group of Seven,

1982a): em função da estrutura de cotas vigente no FMI, em questões que

necessitam de super-maioria os Estados Unidos possuem poder de veto

(Vreeland, 2007). Destacam-se ainda as colocações acerca da “luta contra

inflação” e da urgência em se “adotar políticas monetárias prudentes e atingir um

controle maior dos déficits orçamentários” (Group of Seven, 1982a). Em um

contexto de recessão marcado pelas mais altas taxas de desemprego em

décadas (tabela 4.3) e em contraposição à ideia da “locomotiva” de Bonn I, tais

afirmações associadas a tal postura expressam claramente o processo de

consolidação de uma nova forma de subjetividade, agora neoliberal.

Com relação às questões políticas, houve referência às Malvinas, em

apoio ao Reino Unido – embora em um comunicado do presidente Mitterrand ao

final cúpula, e não na declaração final (Mitterrand, 1982) –, e às questões Leste-

Oeste, que demonstraram claramente as tensões existentes entre

estadunidenses, mais radicais em termos de sanções econômicas à URSS, e

europeus mais moderados e céticos. Um elemento central neste ponto dizia

respeito aos impactos de tais sanções, que seria muito maior na Europa do que

nos Estados Unidos (Putnam & Bayne, 1987). No final, menção foi feita à

necessidade de um maior controle das exportações de bens estratégicos ao

bloco oriental e maior cooperação no âmbito da OCDE com relação à troca de

informações sobre as relações comerciais, econômicas e financeiras com tal

bloco. Por fim, em um comunicado separado, colocou-se a questão dos ataques

de Israel ao Líbano, reafirmando o cessar-fogo nos termos das resoluções 508 e

509 do Conselho de Segurança (Group of Seven, 1982b).

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No tocante à questão do comércio internacional, percebe-se a

continuação, mesmo que tímida, de um movimento que se inicia na cúpula

anterior, com a criação do “Quad”. Neste sentido, em um contexto de recessão e

pressão protecionista por algumas forças sociais nos Estados Unidos, Europa e

Japão, Estados Unidos e Alemanha pressionaram por um acordo preliminar

sobre as questões que seriam discutidas no âmbito da reunião ministerial do

GATT em novembro de 1982. No final, contudo, pouco de concreto foi decidido.

No que concerne à relação com os países em desenvolvimento e ao diálogo

norte-sul, menção foi feita mas ênfase foi dada no papel de outras instituições

internacionais neste processo – destaque para Banco Mundial e FMI.

Algumas mudanças que ocorreram após a cúpula de Versailles tiveram

significativa importância para os desdobramentos futuros do sistema G7/8. A

França adotou uma série de medidas congruentes com um modelo neoliberal,

desvalorizando o franco, congelando os preços e salários e introduzindo uma

série de medidas fiscais deflacionárias. Os Estados Unidos, por sua vez,

diminuíram as taxas de juros, o que contribuiu significativamente para a

superação da recessão de 1981-1982. Mesmo assim, em função das altas taxas

de desemprego e de inflação no período havia a ideia, por parte de alguns, da

necessidade da adoção de políticas coordenadas entre os países do G7 para

superar tais questões. Não obstante, os governos neoliberais – destaque para

Estados Unidos, Japão, Alemanha e Reino Unido – se colocaram contra tal

questão.

Como decorrência das mudanças das atitudes com relação às cúpulas,

para 1983 buscou-se a organização de uma cúpula menos estruturada; neste

sentido, menor papel foi desempenhado pelos sherpas na preparação da cúpula,

com o aumento dos contatos diretos entre os líderes. Neste processo, é possível

perceber uma expansão do sistema G7/8, dado que parte das negociações mais

relevantes não deixou de ocorrer, apenas foi deslocada para outros fóruns, como

OCDE e AIE, por exemplo.

Assim, entre os dias 28 e 30 de maio de 1983 ocorreu a cúpula de

Williamsburg. No tocante às questões econômicas, foram discutidas questões

concernentes ao déficit orçamentário e às taxas de juros estadunidenses; não

obstante, não se chegou a nenhum resultado conclusivo em relação a tais

questões, apenas à necessidade de se buscar “políticas orçamentárias e

monetárias apropriadas que irão conduzir à baixa inflação, taxas de juros

reduzidas, aumento dos investimentos produtivos e maior oportunidade de

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empregos” (Group of Seven, 1983a, §2)13. Além disso, questões relacionadas à

liberalização comercial foram objeto de discussão. Na verdade, tais questões

eram de significativa importância para os Estados Unidos, que defendiam uma

nova rodada do GATT que enfatizasse o comércio norte-sul. A despeito de tais

questões, no final foi apenas destacada a necessidade de novas “negociações

de liberalização no GATT, com ênfase particular na expansão do comércio com

e entre os países em desenvolvimento” (Ibidem, §3). Em suma, o que se

percebe em Williamsburg é um passo menor nas negociações monetárias e

comerciais entre os países. No que diz respeito às questões políticas,

Williamsburg teve uma importância singular. Em um contexto de tensão Leste-

Oeste, a cúpula teve um papel fundamental na consolidação do “sistema militar

ocidental” – e em especial na consolidação do Japão neste processo (Putnam &

Bayne, 1987, p. 181; Group of Seven, 1983b).

Devido às experiências das cúpulas passadas, na cúpula de Londres de 7

a 9 de junho de 1984 (“Londres II”), nota-se uma postura mais comedida e

menos ambiciosa por parte dos participantes – o que levou, em larga medida, a

uma continuidade de Williamsburg na questão econômica. No tocante à

economia mundial no período, passava-se por um contexto mais favorável do

que nas cúpulas anteriores, com crescimento econômico e diminuição da

inflação (Group of Seven, 1984a, §3; tabelas 4.6 e 4.7). Isso ocorria

principalmente nos Estados Unidos, o que marca a tensão entre o otimismo

estadunidense e o europessimismo e euroesclerose – período de estagnação da

integração europeia que vai de meados dos anos 1960 a meados dos anos

198014.

13 Destaque deve ser dado ao fato de que foi acordada a continuação e aprofundamento do processo de consulta iniciado em Versailles acerca das taxas de câmbio. Assim, a despeito das tensões existentes, percebe-se que Versailles foi relevante na medida em que estabeleceu as bases dos acordos feitos um ano depois, em Williamsburg. 14 Neste processo, permanecia o consenso neoliberal: “políticas monetárias e orçamentárias prudentes (…) que tem nos trazido até aqui tem de ser sustentadas e onde for necessário, fortalecidas. Nós reafirmamos o comprometimento de nossos governos com tais objetivos e políticas” (Group of Seven, 1984a, §4). 

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Tabela 4.6

Crescimento anual do PIB (%)

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995

Estados Unidos -0,2 2,5 -2,0 4,5 7,2 4,1 3,4 3,3 4,1 3,5 1,9 -0,2 3,3 2,7 4,1 2,5

Canadá 2,2 3,5 -2,9 2,7 5,8 4,8 2,4 4,3 5 2,6 0,2 -2,1 0,9 2,3 4,8 -

Reino Unido -2,1 -1,3 2,1 3,6 2,7 3,6 4 4,6 5 2,3 0,8 -1,4 0,1 2,2 4,3 -

França 1,7 0,9 2,4 1,2 1,5 1,7 2,5 2,5 4,6 4,2 2,6 1 1,4 -0,9 2,2 2,1

Alemanha 1,4 0,5 -0,4 1,6 2,8 2,3 2,3 1,4 3,7 3,9 5,3 5,1 2,2 -0,8 2,7 1,9

Itália 3,4 0,8 0,4 1,2 3,2 2,8 2,9 3,2 4,2 3,4 2,1 1,5 0,8 -0,9 2,2 2,8

Japão 2,8 2,9 2,8 1,6 3,1 5,1 3 3,8 6,8 5,3 5,2 3,4 1 0,2 1,1 1,9

Mundial 1,9 1,9 0,3 2,5 4,6 3,7 3,4 3,6 4,7 3,7 2,9 1,6 2,1 1,8 3,3 2,9

Fonte: Banco Mundial

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Tabela 4.7

Inflação (%)

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990

Estados Unidos 9,1 9,4 6,1 4,0 3,8 3,1 2,2 2,8 3,4 3,8 3,9

Reino Unido 10,1 10,8 8,5 5,4 3,3 3,1 3 4,6 4,5 4,5 3,2

Canadá 19,4 11,4 7,4 5,5 4,6 5,8 3,4 5,3 6,3 7,3 7,7

França 11,3 11,4 12,0 9,5 7,3 5,5 5,3 2,8 3,1 3,3 2,6

Alemanha 5,5 4,2 4,6 2,8 2,0 2,1 3 1,3 1,7 2,9 3,4

Itália 20,8 18,8 17,5 15,1 10,8 9,2 7,5 6 6,7 6,2 8,4

Japão 5,4 4,4 2,1 2,4 3,2 2,3 1,7 0,3 0,8 2,3 2,4

Mundial 13,3 10,6 8,5 7,5 7,6 5,5 4,8 6 6,3 6,9 7,7

Fonte: Banco Mundial

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Outra questão fundamental neste contexto era a crise da dívida dos países

em desenvolvimento. Tal questão vinha desde 1982, mas, em 1984, Argentina,

Equador, Bolívia, México se encontravam em uma situação extremamente

delicada. Em face de tal questão percebe-se certa divergência de interesses

dentre os países do G7: França defendia um aporte de capital ao FMI; Alemanha

e Reino Unido, embora concordassem com os Estados Unidos de que tal

proposta poderia ter um impacto inflacionário na economia mundial, por outro

lado concordavam com a França de algo deveria ser feito no sentido de

“convencer os países devedores a ‘continuar a jogar o jogo’” (Putnam & Bayne,

1987, p. 186). Para os Estados Unidos, por sua vez, a solução de tal questão

passava pela liberalização das relações comerciais entre norte e sul – questão

por eles defendida desde 1981 no âmbito do G7. Mas em função dos interesses

japoneses e europeus, tal questão continuava pendente. Por fim, houve menção

a ambas as questões, destacando e legitimando o papel do FMI no processo de

gestão da dívida dos países em desenvolvimento, “encorajando uma cooperação

mais próxima entre FMI e o Banco Internacional para Reconstrução e

Desenvolvimento (BIRD)” e a abertura dos mercados para “as exportações dos

países em desenvolvimento” (Group of Seven, 1984a, §9). Não obstante, tais

questões apareceram de maneira mais geral, sem detalhamento sobre o aporte

de capitais ao FMI e da retomada das negociações de liberalização do comércio

no âmbito do GATT.

No tocante às questões políticas, houve quatro documentos: (a) sobre o

conflito Irã-Iraque, reafirmando a autoridade do Conselho de Segurança para

lidar com tal questão e destacando as complicações que tal conflito poderia ter

para o mercado mundial de petróleo (Idem, 1984b); (b) sobre o terrorismo,

reafirmando e aprofundando questões já levantadas nas cúpulas de Bonn I

(1978), Veneza I (1980) e Ottawa (1981) (Idem, 1984c); (c) sobre as relações

leste-oeste e o controle de armas (Idem, 1984d); (d) Pouco tempo antes da

cúpula, houve a comemoração, por parte dos antigos aliados, dos 40 anos do

dia-D – da qual foram excluídos os países derrotados na II Guerra Mundial.

Assim, foi proposto pelos britânicos um documento sobre os valores

democráticos, reafirmando os valores que seriam centrais ao sistema G7/8

desde sua criação (Putnam & Bayne, 1987; Group of Seven, 1984e)15.

No ano de 1984 a economia estadunidense cresceu mais de 7% (tabela

4.6). Para alguns grupos e técnicos que faziam parte do governo dos Estados

15 É interessante destacar que, em Londres II, pela primeira vez questões de meio ambiente entram na declaração final (Group of Seven, 1984a, §14). 

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Unidos tal crescimento se deu com um grande efeito colateral, com destaque

para os desequilíbrios fiscal e comercial, o que intensificava as pressões internas

em favor de medidas protecionistas. De acordo com alguns, era necessário um

crescimento da economia mundial suficiente para absorver as exportações

estadunidenses reequilibrando, assim, as contas estadunidenses. Neste

processo, o governo dos Estados Unidos passou a dar uma importância ainda

maior à liberalização do comércio mundial, envidando esforços para lançar uma

nova rodada do GATT. Por outro lado, as discussões concernentes ao sistema

monetário internacional acordadas em Williamsburg não haviam avançado

satisfatoriamente. Neste sentido, os franceses se opunham a uma nova rodada

do GATT enquanto tal questão não fosse tratada de uma maneira menos

superficial, em especial pelos Estados Unidos. É neste contexto que ocorre,

entre os dias 2 e 4 de maio de 1985, a cúpula de Bonn (“Bonn II”), com duas

questões centrais para serem tratadas.

Tais questões foram expressão clara do desacordo existente. Nas

discussões sobre uma nova rodada do GATT em 1986 a França se colocou

contra a menção explícita a uma data. Em face de tal tensão, na declaração final

se colocou que uma nova rodada do GATT era necessária e que “a maioria de

nós pensa que deve ser em 1986” (Group of Seven, 1985a, §10) – o que deixava

explícita a discordância existente. Nas questões monetárias, as discussões

foram, em larga medida, superficiais. Apenas houve menção ao trabalho do G10,

mas sem nenhuma colocação mais incisiva sobre a questão, o que refletia os

interesses estadunidenses (Ibidem, §11). Europeus e japoneses eram favoráveis

à adoção de certas políticas de harmonização das taxas de câmbio e vinham

pressionando os Estados Unidos a reduzirem seu déficit a fim de conter a

valorização do dólar. Estes, contudo, eram contrários a tal política alegando,

desde Williamsburg, que “o dólar forte não era consequência dos déficits e das

altas taxas de juro nos Estados Unidos” (Eichengreen, 2000, p. 198).

Com relação às questões econômicas, manteve-se o consenso neoliberal.

A diferença em Bonn II, embora incipiente em termos de negociação, dizia

respeito à incorporação, na declaração final, de políticas econômicas particulares

com as quais cada Estado se comprometia individualmente. No que concerne às

relações com os países em desenvolvimento, o tema recebeu significativa

atenção, mas, no final, repetiu-se a abordagem adotada em Londres II, de

reafirmação e legitimação do FMI e do Banco Mundial para lidar com tais

questões relacionadas ao desenvolvimento e negociação das dívidas (Ibidem,

§8). No tocante às questões políticas, foi dada atenção às questões das drogas,

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além da produção de uma declaração política sobre os 40 anos de fim da II

Guerra Mundial (Idem, 1985b).

A despeito da produtividade da mão de obra do setor manufatureiro

estadunidense ter crescido em uma média anual de 3,5% entre 1979 e 1985, tal

processo era insustentável em função do esvaziamento que tal setor vinha

vivenciando desde os anos 1970 devido à crise econômica que figurava no

período (Brenner, 2003). Neste sentido, mesmo indo contra a política adotada

até então, a resposta foi a desvalorização do dólar, que se deu mediante o

Acordo do Plaza, de 22 de setembro de 1985, no qual o Grupo dos Cinco

Ministros de Finanças (G5) concordava, “sob pressão americana” (Brenner,

2003, p. 108), em agir de maneira coordenada para desvalorizar o dólar.

A despeito do papel central dos Estados Unidos na condução de tal

processo, a afirmação de Brenner parece um tanto quanto exagerada face aos

desdobramentos no âmbito do G7 ao longo da década de 1980. Como visto,

desde o início dos anos 1980 havia uma demanda, por parte dos demais

membros do G7, de desvalorização do dólar que sempre era postergada pelos

Estados Unidos:

“‘Espere um pouco’, foi sua mensagem em Ottawa; ‘Vamos estudar isso’, a abordagem em Versailles; ‘Nosso boom solucionará isso’, a linha em Williamsburg; e ‘após nossas eleições’, a promessa em Londres II. Ações sérias com relação ao dólar ao déficit orçamentário teriam que esperar até 1985” (Putnam & Bayne, 1987, p. 128).

Além disso, a partir de junho de 1984 é possível perceber uma valorização

significativa do dólar, que atinge mais de 20% em fevereiro de 1985 – indicando,

para alguns, a existência de uma bolha especulativa (Eichengreen, 2000). Neste

sentido, o que se pode perceber é, na verdade, certa convergência de interesses

entre os países do G7 em meados dos anos 1980 – com destaque para o papel

central desempenhado pelos Estados Unidos neste processo, o que levou ao

Acordo do Plaza. A partir de tal acordo houve uma série de desvalorizações do

dólar com relação ao iene e ao marco, o que combinado com o congelamento no

crescimento dos salários reais estabeleceu as bases para a recuperação da

economia estadunidense por uma década e evitou a aprovação de uma

legislação protecionista que vinha sendo discutida no congresso estadunidense

tendo em vista as consequências do dólar valorizado para os produtores

estadunidenses de artigos de exportação. Foram atendidos, assim dois

interesses: do governo Reagan, que temia as consequências do protecionismo

para sua política de liberalização e desregulamentação econômica; e dos

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europeus e japoneses, que temiam as consequências do protecionismo para o

acesso ao mercado estadunidense (Eichengreen, 2000).

É interessante perceber neste ponto que um ator fundamental neste

processo foi o G5. Tal grupo começa a ganhar relevância a partir de 1982, na

cúpula de Versailles, quando foi decidido que os ministros de finanças e

presidentes de bancos centrais de Estados Unidos, Reino Unido, Japão,

Alemanha e França deveriam se reunir periodicamente juntamente com um

representante do FMI. O ponto central de tais reuniões girava em torno do

desenvolvimento de mecanismos multilaterais de vigilância, buscando assim a

construção de políticas de convergência e estabilidade as taxas de câmbio

(Baker, 2006). No que concerne ao Acordo do Plaza, este demonstrou algo

interessante, a saber, o aprofundamento da lógica neoliberal, com uma

separação ainda maior entre as questões econômicas e as questões políticas –

sendo as primeiras deixadas a cargo de técnicos, não de políticos. É neste

sentido que se deve entender o papel pouco significativo de Bonn II para o

Acordo do Plaza.

Além disso, juntamente com a busca por “contornar a pressão da mão-de-

obra sobre a lucratividade por meio do deslocamento industrial” (Arrighi, 2008, p.

139), o acordo foi um ponto de inflexão nos investimentos externos japoneses:

se antes de 1970 eles eram baixos, com um aumento relativo a partir de 1969

para a produção de manufaturas intensivas em trabalho no Leste Asiático, entre

1985 e 1989 tais investimentos (em iene) triplicaram (Brenner, 2006). Ora, uma

vez que as moedas dos países do Leste Asiático eram vinculadas ao dólar, com

a queda deste a partir do Acordo do Plaza – associada à produtividade da mão

de obra destes países – tais países aumentaram significativamente sua

participação no mercado mundial, passando de 1,2% das exportações mundiais

em 1965 para 6,4% em 1990 (Brenner, 2006, p. 190-191). Tal questão é

fundamental para se entender os processos de reconfiguração da economia

política global a partir de meados dos anos 1980.

Além disso, a ascensão de Gorbachev ao poder na União Soviética trouxe

novos elementos para a relação Leste-Oeste: poucos meses antes da cúpula de

Tóquio (em novembro de 1985), houve uma reunião entre Gorbachev e Reagan

em Genebra – a primeira reunião entre os líderes da União Soviética e dos

Estados Unidos desde o encontro entre Carter e Brejnev em 1979. Neste

contexto, entre os dias 4 e 6 de maio de 1986 ocorreu a cúpula de Tóquio

(“Tóquio II”). Embora a reunião entre Gorbachev e Reagan tenha levado muitos

a acreditarem que o tema predominante em Tóquio seria a relação Leste-Oeste,

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a agenda política da cúpula foi dominada pela questão do terrorismo em função

principalmente do sequestro do avião TWA em junho de 1985, em Beirute. Foi

reafirmada assim a Declaração de Bonn de 1978 contra o terrorismo bem como

a necessidade de articulação com outras instituições internacionais – como

ONU, Organização Marítima Internacional (OMI) e Organização da Aviação Civil

Internacional (OACI) – em função de sua expertise para lidar com o terrorismo

(Group of Seven, 1986a). Além disso, também foi assunto da cúpula o acidente

nuclear ocorrido em abril de 1986, em Chernobyl, com destaque para o incentivo

dado para a participação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) no

processo pós-acidente (Idem, 1986b).

No tocante às questões econômicas, ênfase foi dada no comércio

internacional. Ao contrário dos anos anteriores, em Tóquio II os chefes de

Estado estavam apoiando, de maneira geral, as articulações feitas em favor de

uma nova rodada do GATT, o que cinco meses depois se consolidaria na

Rodada Uruguai. É interessante perceber neste processo que as grandes

tensões giravam em torno da agricultura, tema este que foi deslocado para o

âmbito da OCDE (Idem, 1986c, §13). A expansão econômica e a queda da

inflação no período foram fundamentais para a manutenção da hegemonia

neoliberal em Tóquio II (Tabelas 4.6 e 4.7)16. Contudo, algumas questões

permaneciam em aberto; assim, concomitante à reunião do G7 os ministros de

finanças (G5) se reuniram em torno das questões relacionadas à política

econômica. Neste contexto, James Baker, Secretário do Tesouro dos EUA,

propôs institucionalizar os processos de coordenação de políticas econômicas

que já vinham sendo implementados desde antes do Acordo do Plaza – uma

espécie de melhora no sistema de vigilância multilateral praticado pelo G5 em

conjunto com o FMI desde Versailles (1982). Tal proposta dizia respeito

originalmente apenas ao G5; contudo, ações e articulações feitas por parte da

Itália e do Canadá levaram à sua inclusão no processo e à consequente criação

do G7 – grupo dos sete ministros de finanças (Idem, 1986, §7). Percebe-se,

assim, neste contexto um retorno à coordenação de políticas macroeconômicas,

algo que não ocorria desde Bonn (1978).

Entre os dias 8 e 10 de junho de 1987 ocorreu a cúpula de Veneza

(Veneza II), que em larga medida reafirmou elementos colocados nas cúpulas

anteriores. Tendo em vista que a economia mundial atingia o 5º ano consecutivo

16 “Desenvolvimentos desde nosso último encontro refletem a efetividade das políticas com as quais temos nos comprometido nas sucessivas cúpulas econômicas nos anos recentes” (Group of Seven, 1986c, §2). 

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de crescimento razoavelmente equilibrado (Tabela 4.6), tal reafirmação se fez

presente nas questões econômicas e em especial no que concerne ao papel do

grupo de ministros de finanças e presidentes de bancos centrais e sua relação

com o FMI – com destaque para o retorno da noção de coordenação nos

documentos das cúpulas (Group of Seven, 1987a). Visando a redução do

desemprego, em Veneza II foram acordadas certas políticas estruturais – o que

não significava o abandono de uma visão de mundo neoliberal, dada a ênfase

em políticas monetárias e fiscais prudentes e na “eliminação das imperfeições de

mercado” (Ibidem, §8). No tocante ao comércio mundial, foi reafirmado o papel

do GATT e da Rodada Uruguai para evitar o protecionismo, bem como o papel

da OCDE nos processos de negociação na área agrícola, conforme estabelecido

anteriormente em Tóquio II. Além disso, questões concernentes à dívida dos

países em desenvolvimento foram colocadas em discussão. Com relação aos

países mais pobres – como os países da África Subsaariana –, foi defendida

uma redução das taxas de juros daqueles que realmente se esforçassem na

implementação das reformas estruturais consideradas necessárias – redução

esta que deveria ser negociada no âmbito do Clube de Paris17. Além disso, foi

reafirmada a política de negociação particular de cada caso – em especial no

que concernia aos países médios – e o papel do FMI e do Banco Mundial como

interlocutores neste processo.

No tocante às questões políticas, em Veneza II foi dada grande atenção

aos desenvolvimentos políticos da URSS, desde a chegada de Gorbachev ao

poder (Idem, 1987b). No tocante à questão do terrorismo, foram reafirmados os

compromissos estabelecidos em Bonn I, Veneza I, Ottawa, Londres II e Tóquio

II, mais uma vez enfatizando o papel de certas instituições internacionais para o

êxito de tais políticas – como OMI e OACI – e reafirmando a declaração de Bonn

I sobe terrorismo e aviação civil (Idem, 1987c). Além disso, foram produzidos

documentos sobre a Guerra Irã-Iraque, sobre a questão do combate às drogas e

sobre o combate a AIDS, apontando a OMS como “o melhor fórum para o

desenvolvimento conjunto de esforços internacionais no âmbito mundial para

combater a AIDS” (Idem, 1987d).

As questões de coordenação de políticas macroeconômicas características

de Tóquio II e Veneza II remetem diretamente ao Acordo do Plaza de 1985, que

17 O Clube de Paris é um grupo informal, composto por governos em grande parte de países industrializados membros da OCDE, credores dos países em desenvolvimento. Tal grupo se reúne regularmente em Paris desde 1956, e em tais reuniões busca-se um acordo entre devedores e credores sobre a reestruturação da dívida dos países devedores. 

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teve significativas consequências para os países do G7. No segundo semestre

de 1986 o dólar apresentava uma desvalorização de 40% com relação ao iene e

ao marco, o que gerou problemas de competitividade para os produtos europeus

e japoneses. Além disso, com a desvalorização do dólar e a consequente queda

das taxas de juros o valor dos ativos estadunidenses ficou em uma situação

muito delicada. Em face de tal situação, em fevereiro de 1987 os países do G7

se reuniram no que ficou conhecido como Acordo do Louvre. Neste encontro os

Estados Unidos defendiam que Alemanha e Japão aumentassem seus gastos e

cortassem impostos e taxas de juros, o que na visão estadunidense

fortaleceriam a demanda doméstica nestes países contribuindo, assim, para a

diminuição do déficit comercial estadunidense e para fortalecimento do dólar.

Tais países, por sua vez, defendiam uma diminuição do déficit orçamentário dos

Estados Unidos, que estaria contribuindo para a elevada demanda

estadunidense por capital externo e importações. Ações neste sentido foram

tomadas e no fim de 1987, buscando conter a queda do dólar e,

consequentemente, acalmar os mercados financeiros, o Fed aumentou as taxas

de juros. Não obstante, tal ação foi neutralizada na prática por intervenções

semelhantes por parte de alemães e japoneses. Como consequência, houve

uma fuga de capitais do mercado financeiro estadunidense, o que levou à crise

de outubro de 1987 da bolsa de valores – que só foi superada no curto prazo

mediante intervenções do Fed e das autoridades japonesas (Webb, 2001;

Brenner, 2003).

É neste contexto que ocorre a cúpula de Toronto, de 19 a 21 de junho de

1988. Em tal cúpula são reafirmados os princípios e medidas adotados ao longo

dos anos 1980 com destaque para o papel da coordenação de políticas

macroeconômicas para lidar com os problemas do final de 1987 (Group of

Seven, 1988a). Além disso, também foi reafirmada a importância das políticas

aconselhadas pelo grupo de ministros de finanças e presidentes de bancos

centrais – especialmente neste caso com relação à redução dos déficits

orçamentários e de manutenção das políticas monetárias acordadas neste

âmbito. Assim como em Veneza II, ênfase foi dada na questão das reformas

estruturais no âmbito da agricultura e no papel da OCDE neste processo.

Na área política foi dado destaque ao início da retirada das tropas

soviéticas do Afeganistão. A questão do Oriente Médio também foi mencionada

e, além disso, houve nova condenação ao terrorismo na aviação civil, bem como

ao tráfico de drogas, ao conflito no Camboja e ao apartheid (Idem, 1988b;

1988c).

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Duas outras questões merecem destaque com relação à cúpula de

Toronto. Em primeiro lugar, os avanços com relação às questões levantadas em

Veneza II no que concerne à dívida os países em desenvolvimento. Tais

avanços ficaram conhecidos como “termos de Toronto”, e enfatizavam a redução

dos juros e alagamento de prazos para países mais pobres. Não obstante,

permaneciam como fundamentais neste processo os ajustes e reformas

estruturais, orientadas para o mercado e monitorados pelo Clube de Paris, FMI e

Banco Mundial (Idem, 1988a, §22-30). Segundo, menção explícita é feita no

documento final aos países asiáticos que emergiam como novos países

industrializados na época. Tendo em vista o papel que tais países começavam a

ter na economia mundial graças à sua capacidade de competição em produtos

industrializados, começa-se a perceber a atenção dada pelo G7 a tais países.

4.5. Terceiro ciclo: 1989-1995

Um elemento central presente em todo o terceiro ciclo foi o fim da Guerra

Fria e os processos de democratização e redemocratização em curso no mundo

– com atenção especial para os países do então extinto bloco soviético –

destaque feito para a Rússia neste processo. Novas questões, como o meio-

ambiente, foram trazidas ao debate nas cúpulas e, neste contexto, as questões

econômicas que deram origem ao G7 foram colocadas à margem das

discussões – sendo deixadas para o âmbito das reuniões dos ministros de

finanças e presidentes de bancos centrais. Ao mesmo tempo, o surgimento, nas

declarações das cúpulas, do termo “globalização” aponta para o início do

discurso sobre uma globalização neoliberal inexorável.

Neste contexto, entre 14 e 16 de julho de 1989 se iniciou o terceiro ciclo

com a cúpula de Paris (“cúpula do Arco”). No tocante às questões econômicas,

dois pontos merecem destaque. Em primeiro lugar, o acordo entre os ministros

de finanças do G7 na cúpula do Arco foi fundamental para a aprovação, no

âmbito do FMI em Setembro de 1989, do Plano Brady sobre o perdão da dívida

para países altamente endividados em troca da abertura econômica (Vásquez,

1996; Bayne, 2005a). Em segundo lugar, foi anunciada a constituição, em 1989,

de um Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o

Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF – Financial Action Task Force ou

Groupe d’action financière), grupo este que estaria aberto para a participação de

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outros Estados interessados (Group of Seven, 1989a, §53). Em 2007, tal grupo

contava com 34 membros (FATF-GAFI).

Em tal cúpula ênfase foi dada na questão ambiental; não obstante, um

ponto fundamental que se percebe é a importância dada às questões políticas,

como a declaração sobre os direitos humanos em geral e, em especial, na China

(Group of Seven, 1989b; 1989c), sobre a questão árabe-israelense (Idem,

1989d), a questão do Líbano (Idem, 1989e), apartheid e a África do Sul (Idem,

1989f), Camboja (Idem, 1989g), terrorismo (Idem, 1989h) e América Central

(Idem, 1989i; 1989j). Em especial, foi acordado em Paris um mecanismo de

coordenação técnica e assistência financeira para os países da Europa central

que buscavam se transformar em economias de mercado – com destaque

naquele momento para Hungria e Polônia (Idem, 1989l, §9) – com a

incorporação da OCDE neste processo no que ficou conhecido como G24

(Bayne, 2005a; Woodward, 2009). Além disso, é interessante perceber a

menção explícita aos países em desenvolvimento na declaração, que de certa

forma começa a chamar tais países para um diálogo com o sistema G7/8 (Group

of Seven, 1989a, §9).

Com a queda do muro de Berlim e o êxito do G24, as atenções foram

voltadas para a União Soviética. Assim, o tema central da cúpula de Houston, de

9 a 11 de julho de 1990, foi o processo de democratização da Europa central e

do leste e a União Soviética18. Os países da Europa central e do leste foram

incentivados a se integrarem à economia mundial, sendo dado destaque ao

papel do recém-estabelecido Banco Europeu para Reconstrução e

Desenvolvimento (EBRD), assim como do Centro para Cooperação com as

Economias Europeias em Transição da OCDE. Neste processo, foi destacada a

importância de que a liberalização para investimentos fosse colocada como

condicionalidade pelos programas dos bancos multilaterais de desenvolvimento

e do FMI voltados tanto para estes países quanto para os países em

desenvolvimento. Com relação à União Soviética, foi destacada a necessidade

do apoio ocidental às reformas que vinham sendo implementadas. Contudo, em

função de discordâncias entre os países do G7, em Houston foi apenas

acordada a necessidade de “um estudo detalhado da economia soviética, para

fazer as recomendações para sua reforma e para estabelecer os critérios a partir

dos quais a assistência econômica ocidental poderia efetivamente apoiar tais

18 Neste sentido, semelhantemente ao que havia ocorrido em Toronto (1988), foi inclusive feita uma declaração política acerca da garantia da democracia no mundo.

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reformas” – estudo este que seria preparado por FMI, Banco Mundial, OCDE e

EBRD (Idem, 1990b, §45).

Outro tema de destaque foi o comércio internacional. Contudo, apesar da

Rodada Uruguai estar prevista para terminar em dezembro de 1990, a cúpula de

Houston não logrou êxito em seu engajamento com a questão, que permaneceu,

assim, em aberto. Foi também discutida a situação dos países em

desenvolvimento, com menção explícita à “Iniciativa para as Américas”,

anunciada pelos Estados Unidos em 27 de junho de 1990 e seu potencial para

garantir o “crescimento sustentável das Américas” através do encorajamento do

livre comércio e de regimes de investimentos (Ibidem, §52). No tocante à dívida

do terceiro mundo, foi reafirmado o papel do Clube de Paris e a necessidade que

este buscasse implementar mecanismos alternativos com relação à dívida dos

países mais pobres. As questões ambientais também foram destacadas assim

como o papel da GAFI/FATF no combate à lavagem de dinheiro. Além disso,

embora a menção explícita ao termo “globalização” só viesse ser feita em

Nápoles, 1994, em Houston há preocupação com o que seriam questões

transnacionais – neste caso, terrorismo e não-proliferação nuclear (Idem, 1990c).

As relações com a União Soviética avançaram na passagem de 1990 para

1991, e na busca por aproximá-la do ocidente, na cúpula de Londres (“Londres

III”), de 15 a 17 de julho de 1991, Gorbachev foi convidado para participar de

uma sessão com os membros do então G7. Contudo, a despeito de tal fato,

devido às reservas existentes com relação à efetividade das políticas

econômicas adotadas pela União Soviética o engajamento do G7 se deu em

larga medida em termos condicionais.

Tal convite foi de extrema relevância para a relação Leste-Oeste; não

obstante, é importante destacar o impacto da Guerra do Golfo em tal cúpula.

Neste sentido, a questão da energia voltou com renovada relevância, sendo a

AIE chamada para coordenar a ação dos Estados membros bem como o uso

das reservas de petróleo. Neste processo, menção foi feita à questão do Oriente

Médio na declaração final, além de uma declaração política, que dentre outras

questões enfatizava a necessidade de fortalecimento da ONU dado o papel de

destaque que tal organização teria nos mundo pós-Guerra Fria (Idem, 1991a) e

uma declaração sobre transferência de armas convencionais e não-proliferação

(Idem, 1991b).

Contudo, neste caso especificamente as questões ao narcotráfico e terrorismo não fizeram parte explícita do documento (Group of Seven, 1990a). 

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No início dos anos 1990 a economia dava sinais de desaceleração em

alguns países; assim, uma das questões discutidas na cúpula dizia respeito às

recomendações acerca das políticas econômicas necessárias para a retomada

do crescimento – políticas estas que tinham um caráter eminentemente

neoliberal (Idem, 1991c, §7). Não é apenas neste ponto que a dimensão

neoliberal da declaração de Londres III vem à tona. No tocante à situação dos

países da Europa central e do leste, a transição destes para se tornarem

economias de mercado é vista de maneira extremamente positiva, assim como o

fato de todos os países da Europa central e do leste – com exceção da Albânia –

serem, naquele momento, membros do FMI e do Banco Mundial. FMI e EBRD

eram vistos, assim, como fundamentais no processo de “estabilização

macroeconômica (...), privatização e reestruturação das empresas estatais,

aumento da competição e fortalecimento dos direitos de propriedade (...) [bem

como na] promoção da transição para economias abertas, orientadas para o

mercado” (Ibidem, §24).

A questão ambiental foi retomada, principalmente tendo em vista a

Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento

(CNUMAD ou Eco-92) que ocorreria no próximo ano. Neste sentido, a partir de

então foram iniciadas reuniões anuais entre os ministros de meio ambiente do

G7; não obstante, na medida em que as discussões se moveram de princípios

gerais para questões mais específicas bem como para os comprometimentos

mais formais, as tensões e divergências nesta área temática entre os países do

G7 começaram a aflorar. Também foi tema de discussão a questão do perdão da

dívida dos países mais pobres. Neste sentido houve certa demanda por avanços

em tal processo, com destaque para as medidas especiais com relação aos

países mais pobres – medidas estas que fossem além dos “termos de Toronto”,

o que ficou conhecido como os “termos de Londres”.

Em agosto de 1991, em função das consequências oriundas das reformas

econômicas e políticas implementadas por Mikhail Gorbachev, setores do

Partido Comunista soviético o depuseram mediante um golpe de Estado.

Contudo, em função da resistência liderada por Boris Yeltsin, tal golpe não logra

êxito e Gorbachev é restituído ao poder mas enfraquecido. Neste processo, em

dezembro de 1991 a URSS deixa de existir. Neste contexto de fim da URSS é

que ocorre, de 6 a 8 de julho de 1992, a cúpula de Munique. Nos primeiros seis

meses de 1992 a Rússia, sob o comando de Boris Yeltsin, havia se

comprometido com um ambicioso programa de reformas econômicas, voltadas

para a lógica de livre-mercado. Assim, o tema principal em Munique dizia

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respeito à ajuda a ser dada à Rússia. Yeltsin foi então convidado para participar

da cúpula – como Gorbachev havia sido no ano anterior – e foi prometido US$24

bilhões para a Rússia via FMI, além de enfatizada a necessidade, na Rússia, de

“estabilização macroeconômica (...), privatização, reforma agrária, medidas para

promover o investimento e a competição (...)” (Idem, 1992a, §32).

Com relação aos países da Europa central e do leste foi destacado seu

processo de reforma política e econômica com vistas à integração plena na

economia mundial. Neste processo foi enfatizada a importância do G24 e das

instituições financeiras internacionais que, desde 1989, já haviam transferido

cerca de US$52 bilhões para tais países (Ibidem, §25), bem como a necessidade

do aprofundamento das relações de cooperação entre os antigos países do

bloco socialista e os países ocidentais no que concerne à não proliferação de

armas nucleares (Idem, 1992b). Outra questão política fundamental tratada em

Munique foi o processo de desintegração da Iugoslávia (a partir de 1991) e, em

especial, a Guerra da Bósnia (Idem, 1992c).

Foi dado destaque à reforma da Política Agrícola Comum da Comunidade

Europeia; contudo, mesmo assim não foi possível resolver em Munique os

impasses relacionados à questão comercial visando a conclusão da Rodada

Uruguai (Idem, 1992a, §8). Menção também foi feita à Conferência das Nações

Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD ou Eco-92) e à

necessidade do aprofundamento dos processos de cooperação na área

ambiental.

Entre 7 e 9 de julho de 1993 ocorreu a cúpula de Tóquio (“Tóquio III”).

Assim como ocorreu na cúpula anterior, um dos tópicos de maior destaque foi a

Rússia. Neste caso, ao contrário do que ocorreu na cúpula anterior – quando

parte da supracitada ajuda de US$24 bilhões foi interrompida em função de

problemas na execução do programa do FMI – as deliberações foram menos

ambiciosas, mas ainda insuficientes para promover a integração da Rússia no

mercado mundial e garantir seu crescimento econômico (Idem, 1993a, §9-11). É

fundamental perceber neste ponto um elemento central no processo de

integração da Rússia no sistema financeiro mundial: em abril de 1993, em

acordo com o Clube de Paris, a Rússia assumiu as dívidas da ex-URSS

(Storchak, 2006).

Tendo em vista o fim da Guerra Fria e os desdobramentos de tal questão

para o ordenamento político mundial, foi dada atenção aos processos de

reconstrução política pós-Guerra Fria, em especial para a situação dos países

oriundos do ex-bloco socialista e de suas relações com as instituições

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internacionais – com destaque para o Tratado de Não-Proliferação Nuclear

(TNP). Além disso, houve referência à situação dos Bálcãs, Oriente Médio,

Camboja, Haiti e ao processo de fim do apartheid na África do Sul (Group of

Seven, 1993b).

Tabela 4.8

Desemprego (%)

1990 1991 1992 1993 1994

Estados Unidos 5,6 6,8 7,5 6,9 6,1

Canadá 8,1 10,3 11,2 11,4 10,4

Reino Unido 7 8,6 9,8 10,3 9,7

França 9,4 9,1 10,2 11,3 12,6

Alemanha - 5,3 6,3 7,7 8,7

Itália 9,8 10,1 9,3 10,2 11,1

Japão 2,1 2,1 2,2 2,5 2,9 Fonte: Banco Mundial

Embora em Munique no ano anterior as questões do crescimento

econômico e do desemprego já preocupassem – na verdade, as atenções

começam a se voltar para tais questões de maneira mais explícita, mesmo que

de uma forma ainda tímida, a partir da declaração de Londres III –, sendo

mencionadas na declaração final, em Tóquio III é possível perceber uma

intensificação de tal preocupação (Tabelas 4.6, e 4.8): logo no segundo

parágrafo da declaração econômica há menção explícita à preocupação com o

“crescimento insuficiente e criação inadequada de empregos” (Group of Seven,

1993a, §2). Como forma de solucionar tal questão foram mantidos na declaração

elementos de caráter neoliberal: “políticas macroeconômicas prudentes para

promover o crescimento sustentável não-inflacionário, e reformas estruturais

para melhorar a eficiência dos mercados, especialmente dos mercados de

trabalho”, além de destacar a importância de uma “conclusão rápida e

satisfatória da Rodada Uruguai” para a retomada do crescimento (Ibidem, §3)19.

Neste sentido, uma questão de destaque em Tóquio III diz respeito à

questão do comércio mundial. Neste ponto, o grupo quadrilateral (“Quad”) de

ministros de comércio se reuniu pouco antes da cúpula, sendo suas decisões

conjuntas confirmadas posteriormente pelos líderes na cúpula do G7 – o que foi

19 Neste sentido também foi realizada um reunião dos ministros de finanças em Tóquio para lidar com tal questão (Group of Seven, 1993c). 

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central para a conclusão da Rodada Uruguai em dezembro do mesmo ano

(Bayne, 2000 e 2005a; Ulrich, 2006). Neste processo, em função de tais

preocupações políticas e econômicas, embora a questão dos países em

desenvolvimento e do perdão de suas dívidas tenha ocupado parte da

declaração final, sua relevância desta vez foi marginal.

Entre os dias 8 e 10 de julho de 1994 ocorreu a cúpula de Nápoles. Na

passagem de 1993 para 1994 nota-se certa redução na taxa de desemprego em

alguns países do G7 bem como uma retomada no crescimento de tais países

(Tabelas 4.8 e 4.6), o que é mencionado na declaração de Nápoles como

consequência da estratégia de crescimento adotada em Tóquio III; contudo, tal

redução do desemprego ainda era baixa e não atingia a todos os países, o que

levou à reafirmação das políticas que vinham sendo adotadas desde o ano

anterior.

Nesta cúpula a questão do perdão da dívida dos países em

desenvolvimento voltou com certa relevância, naquilo que ficou conhecido como

os “termos de Nápoles”. Além disso, em uma declaração política separada foram

discutidas questões concernentes à estabilidade política mundial como um todo

– incluindo aí questões como Bósnia, Coréia do Norte, Oriente Médio, Conselho

de Segurança, TNP e ASEAN, por exemplo (Group of Seven, 1994a).

Não obstante, a despeito de tais questões, Nápoles não se destaca por

decisões substantivas tomadas, mas sim por duas iniciativas procedimentais que

teriam desdobramentos para as cúpulas posteriores. Em primeiro lugar, destaca-

se a mudança de postura com relação à Rússia, que é convidada para participar

da cúpula do G7 novamente mas desta vez não para discutir questões

relacionadas a ajuda econômica mas como participante ativo nas questões

políticas tratadas na cúpula, o que foi um marco em sua integração como

membro pleno do sistema G7/8 a partir da cúpula de Birmingham, em 1998. Em

segundo lugar, em Nápoles se inicia uma discussão sobre a revisão das

instituições internacionais – tema este que seria retomado nas cúpulas

seguintes. É neste contexto que surge, nas cúpulas do G7, o termo

“globalização”, que passa ser associado ao fim da Guerra Fria demandando tais

ajustes e revisões institucionais (Bayne, 2005a; Group of Seven, 1994b).

Tal revisão institucional continuou na cúpula seguinte, de 17 a 15 de junho

de 1995, em Halifax. O foco foi no regime monetário internacional e no sistema

ONU, estando os demais temas – como comércio, desenvolvimento, crime e

drogas, e meio ambiente – presentes mas relegados a um segundo plano.

Mesmo assim, questões relacionadas à Bósnia foram objeto de discussão, bem

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como outras questões relacionadas à estabilidade da ordem mundial (Chrétien,

1995; Group of Seven, 1995a). É importante notar, neste contexto, o impacto da

crise do México neste processo: naquele momento, dificilmente seria possível

prever tal consequência da globalização neoliberal.

Antes da crise, o México era visto como o grande exemplo a ser seguido

pelos países “emergentes”: foi o primeiro país – em 1994 – a ser admitido na

OCDE e neste mesmo ano formou uma zona de livre-comércio com Estados

Unidos e Canadá, o NAFTA. A despeito dessas questões, no dia 20 de

Dezembro de 1994 se iniciou a débâcle mexicana: o peso perdeu cerca de 40%

de seu valor, o mercado de capitais mexicano entrou em colapso e o governo

mexicano falhou completamente em deter a fuga de capitais. Adotando à risca

as políticas de privatização, desregulação e liberalização, o México se abriu para

o capital externo. Esta política favoreceu um aumento nas exportações

mexicanas; contudo, suas importações aumentaram em um patamar ainda

maior. O resultado foi um aumento do déficit no balanço de pagamentos

mexicano de US$28 bilhões, o que na época correspondia a mais de 7% do PIB

mexicano (Went, 2000). Tal déficit era coberto pela entrada de capitais; contudo,

esse fluxo de capitais direcionados para a América Latina neste período era, em

sua maior parte, composto por capital especulativo ou fruto de privatizações.

Ora, em algum momento os bens públicos a serem privatizados terminam; por

outro lado, o capital especulativo é volátil e instável, podendo sair do país em

questão ao menor sinal de instabilidade. Essa mistura entre privatizações e

capital especulativo mostrou ser extremamente explosiva.

A crise mexicana é paradigmática na medida em que deixou às claras um

novo problema da economia global: devido à ausência de um mecanismo

regulatório que ocupasse o vácuo deixado pelos Estados em seu processo de

(neo)liberalização, uma crise em um país poderia se espalhar e atingir outros

países rapidamente. O “efeito tequila” afetou o mercado de capitais no Brasil,

Argentina e Chile, além de afetar também a cotação do real brasileiro e do dólar

americano e os preços dos títulos da Nigéria, Bulgária, Marrocos e Rússia. Daí

as razões da preocupação do G7: evitar uma crise sistêmica, evitar a bancarrota

daquele que era um exemplo a ser seguido pelos países “emergentes” e, no

caso específico dos EUA, evitar uma crise do NAFTA (Went, 2000). Assim, em

Halifax foram discutidas várias questões que tinham como objetivo evitar novas

crises como a mexicana, dentre as quais se destacam uma melhora da

regulamentação financeira, aumentar as fontes de financiamento do FMI e uma

melhor padronização dos dados econômicos dos países (Group of Seven,

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1995b, §16)20. Tendo em vista a questão da reforma do sistema ONU, algumas

questões foram levantadas em Halifax, contudo sem um progresso significativo.

20 Para maiores detalhes, ver Group of Seven, 1995c. 

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