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  An o 1 - Núm ero 2 - 2º. Semest re de 2005 www.unasp.edu.br/kerygma p.73 TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE CURSO 1 TIMÓTEO 4:4 E A DIETA A LIMENTAR DO CRIST ÃO Manolo Damá sio Bacharel em Teologia pelo Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP. TCC apresentado em novembro de 2004 Orientador: Reinaldo W. Siqueira, Ph.D. [email protected] RESUMO:  Em I Timóteo 4:4, encontramos as seguintes palavras de Paulo dirigidas a Timóteo: “pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graças, nada é recusável”. Um das interpretações mais comuns deste verso é a de que a oração santifica o alimento, qualificando a ingestão do mesmo como aceitável a Deus. No entanto, o que seria “bom” neste verso? Seriam todos os tipos de alimentos considerados adequados ao uso? Não haveria mais restrições quanto a dieta alimentar apresentada no Antigo Testamento? O objetivo deste trabalho é procurar compreender mais claramente a expressão “bom”, proveniente do grego καλος, evidente no texto acima. P  AL AVRA S-CHAVE:  alimento, bom, καλος , práticas ascéticas. 1 Timothy 4:4 and the Christian’s alimentary diet  ABSTRACT:  In 1 Timothy 4:4 are found the following words of Paul: "for everything God created is good, and , once it is received with thanksgiving, nothing is to be rejected". One of the most common interpretations of this verse is that prayer sanctifies any aliment, rendering it proper and acceptable to God. However, what is the meaning of "good" in this verse? Would all kind of food be considered adequate for consumption? There are no more restrictions as in the food dietary laws of the Old Testament? The objective of this study is to search for a clear understanding of the term "good", from Greek καλος, found in the text above. KEYWORDS:  aliment, good,  καλος, ascetic practices.  www.unasp.edu.br/kerygma/monografia2.05.asp 73

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Timóteo

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  • Ano 1 - Nmero 2 - 2. Semestre de 2005 www.unasp.edu.br/kerygma

    p.73

    TRABALHOS DE CONCLUSO DE CURSO

    1 TIMTEO 4:4 E A DIETA ALIMENTAR DO CRISTO

    Manolo Damsio Bacharel em Teologia pelo Unasp, Campus Engenheiro Coelho, SP.

    TCC apresentado em novembro de 2004 Orientador: Reinaldo W. Siqueira, Ph.D.

    [email protected] RESUMO: Em I Timteo 4:4, encontramos as seguintes palavras de Paulo dirigidas a Timteo: pois tudo que Deus criou bom, e, recebido com aes de graas, nada recusvel. Um das interpretaes mais comuns deste verso a de que a orao santifica o alimento, qualificando a ingesto do mesmo como aceitvel a Deus. No entanto, o que seria bom neste verso? Seriam todos os tipos de alimentos considerados adequados ao uso? No haveria mais restries quanto a dieta alimentar apresentada no Antigo Testamento? O objetivo deste trabalho procurar compreender mais claramente a expresso bom, proveniente do grego , evidente no texto acima. PALAVRAS-CHAVE: alimento, bom, , prticas ascticas. 1 Timothy 4:4 and the Christians alimentary diet ABSTRACT: In 1 Timothy 4:4 are found the following words of Paul: "for everything God created is good, and , once it is received with thanksgiving, nothing is to be rejected". One of the most common interpretations of this verse is that prayer sanctifies any aliment, rendering it proper and acceptable to God. However, what is the meaning of "good" in this verse? Would all kind of food be considered adequate for consumption? There are no more restrictions as in the food dietary laws of the Old Testament? The objective of this study is to search for a clear understanding of the term "good", from Greek , found in the text above. KEYWORDS: aliment, good, , ascetic practices.

    www.unasp.edu.br/kerygma/monografia2.05.asp 73

  • Faculdade Adventista de Teologia UNASP Campus 2

    UM ESTUDO SOBRE O TEXTO 1 TIMTEO 4:4 E SUAS IMPLICAES QUANTO

    AO USO DE ALIMENTOS

    Um Relatrio

    Apresentado em Cumprimento Parcial do

    Trabalho de Concluso de Curso

    Estudo Dirigido Individual

    por

    Manolo Damasio

    Novembro de 2004

  • SUMRIO

    INTRODUO.................................................................................................................... 1

    O Problema ............................................................................................................ 1 Metodologia ........................................................................................................... 2

    Captulo

    I. REVISO DE LITERATURA ................................................................................... 4

    Todo Alimento Intrinsecamente Bom............................................................... 4 O Alimento Santificado Pela Orao ................................................................ 4 O Alimento Santificado Pela Orao do Justo.................................................. 5 A Lei Mosaica Foi Abolida ................................................................................. 6 A Alimentao Regida Pela Palavra de Deus ...................................................... 6

    II. O TEXTO................................................................................................................... 8

    Delimitao da Percope ...................................................................................... 8

    Elementos de Unidade ................................................................................... 8 Elementos de Diviso .................................................................................... 8

    O Texto da Percope ............................................................................................ 8 Variantes Textuais ......................................................................................... 9

    Traduo .............................................................................................................. 9 Traduo Literal................................................................................................. 10 Concluso Parcial .............................................................................................. 10

    III. CONTEXTO HISTRICO..................................................................................... 11

    Contexto Geral ................................................................................................... 11

    O Autor ........................................................................................................ 11 Data e Local................................................................................................... 12 Circunstncias Histricas .............................................................................. 13

    Contexto Histrico Especfico ............................................................................. 13 Concluso Parcial ................................................................................................ 14

    ii

  • IV. CONTEXTO LITERRIO....................................................................................... 15

    Gnero Literrio................................................................................................... 15 Forma Literria .................................................................................................... 15 Estrutura Literria ................................................................................................ 16

    Estrutura do Livro.......................................................................................... 16 Estrutura da Percope..................................................................................... 17

    Figuras de Linguagem ......................................................................................... 17 Concluso Parcial ................................................................................................ 18

    V. ANLISE LXICO-SINTTICO E TEMTICO ................................................... 19

    A Palavra no Contexto do Verso ......................................................................... 19 O Contexto da Palavra na Percope ..................................................................... 20 O Contexto da Palavra na Carta........................................................................... 21 Paralelo de Palavras ............................................................................................ 22

    No Novo Testamento..................................................................................... 22 No Antigo Testamento................................................................................... 24

    Paralelo de Idias ................................................................................................. 25 Alimentao................................................................................................... 25

    No Antigo Testamento ............................................................................ 25 Nos Ensinos de Jesus............................................................................... 26 No Livro de Atos ..................................................................................... 26 Nos Escritos de Paulo.............................................................................. 27

    Casamento ..................................................................................................... 28 No Antigo Testamento ............................................................................ 28 Nos Ensinos de Jesus............................................................................... 28 Nos Escritos de Paulo.............................................................................. 29

    A S Doutrina ................................................................................................ 30 Concluso Parcial ................................................................................................ 31

    VI. TEOLOGIA.............................................................................................................. 32

    Crtica................................................................................................................... 32 Reflexo ............................................................................................................... 34

    CONCLUSO......................................................................................................................35 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 38

    iii

  • INTRODUO

    O Problema

    Em 1Tm 4:4, encontramos as seguintes palavras de Paulo dirigidas a Timteo:

    pois tudo que Deus criou bom, e, recebido com aes de graas, nada recusvel1. O

    que seria bom? Seriam todos os tipos de alimentos considerados aptos ao uso? No haveria

    mais restries quanto a dieta alimentar apresentada no Antigo Testamento? Seria o

    alimento santificado pela orao?

    O objetivo deste trabalho procurar compreender mais claramente a expresso

    bom, proveniente do grego , evidente no texto acima. Portanto, ser necessrio desenvolver uma exegese do texto, na busca do sentido do termo luz do seu contexto e de

    toda a Escritura.

    1 Bblia de Estudo Almeida, Revista e Atualizada, 2 ed., trad. Joo Ferreira de

    Almeida (Barueri, SP: Sociedade Bblica do Brasil, 1999), 172.

    1

  • 2

    Metodologia

    A fim de alcanar esse objetivo, utilizaremos o mtodo de Leitura Atentiva

    do texto. No captulo um, procuraremos fazer uma reviso de literatura a fim de vermos as

    diferentes interpretaes desse texto existentes entre os autores. Dividiremos este captulo

    de acordo com as diferentes posies dos escritores.

    Na seqncia, em um segundo captulo, buscaremos analisar o texto bblico da

    passagem em questo, delimitando a percope, descobrindo possveis variantes textuais e

    suas implicaes na compreenso do texto. Forneceremos tambm uma traduo do texto

    da percope que nos parece mais de acordo com o original.

    J no captulo trs, iremos discorrer sobre o contexto histrico da passagem,

    apresentando o contexto histrico geral da carta a Timteo, seguido pelo contexto

    especfico do texto.

    Em um quarto captulo ser analisado o contexto literrio, definindo qual o

    gnero e a forma literria da percope, apresentando a estrutura literria da carta e da

    percope e finalmente as figuras de linguagem que aparecem no texto.

    No captulo cinco, faremos uma anlise lxico-sinttico e temtico do texto,

    analisando o contexto da palavra na frase, na percope e no livro. Verificando tambm o

    paralelo de palavras, idias e o ensino geral do tema.

    Em um sexto e ltimo captulo, veremos as implicaes das descobertas para a

    interpretao teolgica do texto, mostrando sua contribuio na compreenso da teologia

    bblica. Analisaremos criticamente os blocos de interpretao demonstrados no primeiro

    captulo luz das descobertas realizadas ao longo da pesquisa.

  • 3

    Por fim faremos uma concluso, apresentando as descobertas feitas ao longo do

    trabalho e suas implicaes para a compreenso do verso.

  • CAPTULO I

    REVISO DE LITERATURA

    Todo Alimento Intrinsecamente Bom

    O Comentrio de la Santa Bblia, Francis Davidson, David S. Dockery e

    Matthew Poole argumentam que pelo simples fato de Deus ter criado, todo alimento pode e

    deve ser considerado bom. Foi com o propsito de servir ao homem que todas as coisas

    foram criadas, sendo intrinsecamente boas e apropriadas. Por pior que parea ser o

    alimento, no deve ser rejeitado quando apreciado de corao. Para manter a vida humana,

    nada rejeitvel. Desprezar os benefcios de Deus considerado perigoso. Paulo exorta

    Timteo a cuidar com a idia fantica de rejeitar qualquer alimento, porque todos so

    bons1.

    O Alimento Santificado Pela Orao

    J Martin Dibelius, Ralph Earle, Archibald T. Robertson, F. F. Bruce, R. C. H.

    Lenski, Everett F. Harrison, Roy S. Nicholson e Gordon Fee pensam que independente do

    1 La Esperanza Superior [I Tm 4:4] Comentario de La Santa Bblia, ed.

    Adam Clarke (Kansas City, MS: Casa Nazarena de Publicaciones, 1976), 3:550-551; Francis Davidson, O novo comentrio da Bblia, 3 ed., trad. Russel P. Shedd (So Paulo: Sociedade Religiosa Edies Vida Nova, 1995), 1318; David S. Dockery, Manual bblico Vida Nova (So Paulo: Sociedade Religiosa Edies Vida Nova, 2001), 785; e Matthew Poole, Mattew Revelation, A Commentary on the Holy Bible, 2 ed., 3 vols. (Carlisle, PN: The Banner of Truth Trust, 1975), 3:782.

    4

  • 5

    que seja, sendo criado por Deus dando-se aes de graas, pode ser considerado apropriado.

    Tudo lcito quando dedicado. A ao de graa torna aceitvel o alimento pela expresso

    de gratido. Existe certa condicionalidade na questo. Qualquer alimento se torna

    aceitvel aps a ao de graa, no porque o alimento seja mau em si, mas porque a ao de

    graa prepara o que recebe o alimento1.

    O Alimento Santificado Pela Orao do Justo

    Morgan P. Noyes enfatiza tambm a idia de que o alimento santificado pela

    orao do justo. Para ele, o homem regido pelo Esprito, tendo vontade e vida santificada,

    no pode ser contaminado por qualquer influncia ou objeto externo. Tudo puro para o

    puro, tudo aceitvel para o aceitvel2.

    1 Martin Dibelius, The Pastoral Epistles, Hermeneia A Critical and Historical

    Commentary on the Bible, 12 vols., 4a ed. (Philadelphia: Fortress Press, 1984), 8:64-65; Ralph Earle, False Ascetism, The Expositors Bible Commentary (I Timoteo), ed. Frank E. Gaebelein, 12 vols. (Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing, 1978), 11:372; Archibald T. Robertson, Word Pictures in the New Testament, 7 vols. (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1931), 4:579; F. F. Bruce, International Bible Commentary, 2a ed. (Grand Rapids, MI: Englande and Zondervan Publishing House, 1986), 1479-1480; R. C. H. Lenski, The Interpretation of St.Pauls Epistles to the Colossians, to the Tessalonians, to Timothy, to Titus and to Philemon, 12 vols. (Minneapolis, MN: Augsburg Publishing House, 1946), 9:624-625; e Everett F. Harrison, ed. The Wycliffe Bible Commentary, 4 ed. (Chicago: Moody Press, 1968), 1376; Roy S. Nicholson, Romans, I & II Corinthians, Galatians, Ephesians, Philippians, Colossians, I & II Tessalonians, I & II Timothy, Titus, Philemon, The Wesleyan Bible Commentary, ed. Ralph Earle, 2 ed., 6 vols. (Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Company, 1971), 592; e Gordon D. Fee, I e II Timteo, trad. Luiz Aparecido Caruzo, Novo Comentrio Bblico Contemporneo (So Paulo: Editora Vida, 1994), 35.

    2 Morgan P. Noyes, Exegesis of the Book of Timothy, Interpreters Bible, ed.

    G. Arthur Buttrick (Nova Iorque: Abingdon, 1954), 11:425.

  • 6

    A Lei Mosaica Foi Abolida

    Russel N. Champlim, John N. Kelly, Henry H. Halley e os comentrios das

    Bblias de Traduo Ecumnica e Edio Pastoral argumentam que o texto apia a abolio

    das leis alimentcias. Dizem que o prprio Cristo aboliu essas leis, rejeitando-as como

    mero ritual (Mc 7:19). Tambm com o intuito de provar a Pedro, foi-lhe concedida uma

    viso apresentando todo e qualquer tipo de alimento como aceitvel (At 10:9). Todas as

    regulamentaes cerimoniais da legislao mosaica caem por terra no conselho de Paulo a

    Timteo. Essas regras jazem no passado, nem sendo dignas da ateno dos crentes. Os

    que aceitam o evangelho esto livres das leis alimentcias1.

    A Alimentao Regida Pela Palavra de Deus

    F. B. Meyer, George W. Knight III e o Comentrio bblico Adventista del

    Sptimo Dia defendem a idia de que os alimentos dados na criao no devem ser

    rejeitados. No existe qualquer restrio em relao queles alimentos, exceto aos que

    foram dados aps o dilvio. A alimentao do homem regida pela Palavra de Deus.

    Cada coisa criada tem seu propsito definido, devendo ser usado de maneira apropriada.

    1 Russel N. Champlim, O Novo Testamento comentado versculo por versculo,

    6 vols., 4a ed. (So Paulo: Editora Candeia, 1996), 6:320-321; John N. Kelly, I e II Timteo e Tito Introduo e Comentrio, trad. Gordon Chown, Srie Cultura Bblica (So Paulo: Sociedade Religiosa Edies Vida Nova, 1983), 94-95; B. H. Carroll, Las Epistolas Pastorales del Apostol Pablo, I y II de Pedro, Judas, I, II y III de Juan, Una Interpretacin de la Biblia, 6 vols, ed. J. B. Cranfill, trad. Sara A. Hale (El Paso, TX: Casa Bautista de Publicaciones, 1966), 5:79-81; Henry H. Halley, Manual bblico (So Paulo: Sociedade Religiosa Edies Vida Nova, 1994), 559; Bblia Traduo Ecumnica, trad. Gabriel C. Galache (So Paulo: Edioes Loyola, 1988), 2326; e Bblia Sagrada Edio Pastoral, eds. Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin (So Paulo: Sociedade Bblica Catlica Internacional e Edies Paulinas, 1989), 1532.

  • 7Paulo no revoga as distines entre alimentos puros e impuros, institudas por

    Deus atravs de Moiss. Ele est afirmando que tudo bom, dentro de um propsito

    definido1.

    1 F. B. Meyer, Comentrio bblico devocional (Venda Nova, MG: Editora

    Betnia, 1992), 241; George W. Knight III, The Pastoral Epistoles, A Commentary on the Greek Text, ed. I. Howard Marshall e W. Ward Gasque, 7 vols. (Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Company, 1992), 5:191-192; e Bueno [I Tm 4:4], Comentrio bblico Adventista del 7 Dia [CBASD], ed. Francis D. Nichol, trad. Victor E. Ampuero Matta (Boise, ID: Pacific Press Publishing Association, 1990), 7:303-304.

  • CAPTULO II

    O TEXTO

    Delimitao da Percope

    A percope da passagem que est sendo analisada corresponde a 1Timteo 4:1-5,

    que pertence a uma seo de instrues especiais a Timteo (4:1-16). Chegamos a essa

    concluso, procurando respeitar os limites naturais do texto, ao averiguar os elementos de

    unidade e de diviso explcitos no prprio texto bblico.

    Elementos de Unidade

    Ao verificar o contexto da percope delimitada observa-se que o tema

    unificador marcado pela preocupao de Paulo quanto a apostasia provocada por

    doutrinas estranhas, hipocrisia e mentira, iniciado em 4:1. Paulo prediz a apostasia por

    doutrinas estranhas (1Tm 4:1), dizendo que os que a propagam so hipcritas (vs. 2) por

    proibirem o uso de coisas boas, criadas por Deus (vss. 3 e 4). Esse tema tratado at

    4:5 na expresso pela palavra de Deus e orao santificada, referindo-se ao casamento e

    alimentao.

    Elementos de Diviso

    Os limites so indicados pela mudana de tema. No final do captulo 3 (vss 14-

    16), Paulo justifica os conselhos dados anteriormente (2:8- 3:13), tratando do procedimento

    8

  • 9

    na casa de Deus por parte das mulheres, diconos e bispos; ele muda consideravelmente de

    assunto no verso 1 do captulo 4, quando passa a tratar da apostasia que viria a igreja por

    espritos enganadores e doutrinas de demnios que rejeitavam o casamento e abstinham-se

    de alimentos. J o fim da percope encontra-se no verso 5 do captulo 4, pois no verso 6,

    Paulo d incio a uma srie de recomendaes ministeriais notavelmente visto nas

    expresses: sers bom ministro, rejeita as fbulas, exercita-te, manda, ensina-as,

    s o exemplo, persiste, no desprezes. Ele no mais trata de assuntos doutrinrios

    especficos. Justificamos a delimitao por notarmos a diferena da seo anterior (2:8-

    3:16) ao tratar da postura na igreja e das instrues posteriores (4:6-16) ao fazer

    recomendaes especficas s atividades ministeriais de Timteo1.

    O Texto da Percope

    Segundo a 4 edio do The Greek New Testament, a percope proposta no

    apresenta variantes textuais2.

    Traduo3

    1O Esprito diz expressamente que nos ltimos tempos alguns renegaro a f, dando ateno a espritos sedutores e a doutrinas demonacas, 2por causa da hipocrisia dos mentirosos, que tm a prpria conscincia como que marcada por ferro quente; 3eles proibiro o casamento, exigiro a abstinncia de certos alimentos, quando Deus os criou para serem recebidos, com aes de graas, pelos que tm f e conhecem a verdade. 4Pois tudo o que Deus criou bom, e nada desprezvel, se tomado com aes de graas, 5porque santificado pela Palavra de Deus e pela orao.

    1 Apiam a idia da percope de 1Tm 4:1-5 os seguintes comentaristas:

    Champlim, 5:318; John N. Kelly, 93; F. F. Bruce, 1474; Leon Morris, Introduo ao Novo Testamento, trad. Mrcio Loureiro Redondo (So Paulo: Sociedade Religiosa Edies Vida Nova, 1997), 411; Noyes, 1172; e Knight, 5:187.

    2 Kurt Aland e outros, The Greek New Testament, 4a ed. (Grand Rapids, MI:

    William B. Eedermans, 1989), 718. 3 Bblia de Jerusalm (So Paulo: Edies Paulinas, 1973), 2229.

  • 10

    Traduo Literal

    A traduo literal do texto de 2 Timteo 4:4, segundo nos parece, a seguinte:

    Pois tudo que Deus criou bom, e nada recusvel se recebido com aes de graa.

    Concluso Parcial

    O contedo da percope traz um conselho de Paulo a Timteo quanto a

    apostasia provocada por falsas doutrinas que pregam a abstinncia de alimentos e do

    casamento. Paulo reprova esta prtica asctica por serem estas coisas institudas por Deus

    na Criao, no havendo, portanto, dentro desse plano original, motivos para serem

    rejeitados. Paulo enftico ao tratar do problema da apostasia. Ele procura esclarecer que

    tais prticas ascticas esto em desacordo com a verdade. O texto contrasta as outras

    doutrinas com a s doutrina, a hipocrisia com a verdade. O apstolo recorre a criao para

    confirmar o paradigma do bom relacionado ao casamento e aos alimentos.

  • CAPTULO II

    CONTEXTO HISTRICO

    Contexto Geral

    O Autor O autor se identifica claramente como Paulo. Alm da apresentao (1Tm 1:1)

    e da experincia pessoal (1:12-14), notamos que o apstolo refere-se a uma viajem para a

    Macednia, aconselhando o jovem Timteo a permanecer em feso, esperando em breve

    encontrar-se com ele, mesmo que venha a demorar um pouco (1Tm 1:3; 3:14, 15 e 4:13).

    Essas referncias no teriam motivo de serem mencionadas se de fato no fosse o prprio

    Paulo quem as houvesse escrito1.

    Todavia, a crtica moderna levantou a idia de que o autor poderia no ser

    Paulo e sim algum prximo a ele, ou qualquer um outro que, com o propsito de dar

    credibilidade ao escrito, atribuiu ao apstolo a autoria da carta2.

    Parece no haver coerncia em aceitar a idia de que algum, posterior a Paulo,

    tenha escrito cartas preocupando-se em dar informaes sobre viagens e planos, sendo seu

    objetivo principal combater idias erradas e aconselhar o ministro quanto a maneira de

    conduzir a igreja. Tais referncias harmonizam-se com o relato de At 16:10, 11; 18:5 e

    11

    1 Champlim, 5:266; Fee, 35. 2 Kelly, 13.

  • 12

    19:22, onde vemos descries da 3 viagem missionria de Paulo, deixando-nos evidncias

    claras de que o apstolo o autor da epstola1.

    Data e Local

    A referncia inicial da carta quanto ao destino de Paulo (1Tm 1:3) e sua

    inteno em voltar a feso para juntar-se a Timteo (3:14), mostra-nos que a carta foi

    remetida da Macednia. Pelos planos de viagem do apstolo (3:14, 15 e 4:13), conclumos

    que a carta de 1Timteo foi escrita num perodo em que Paulo estava em liberdade, em

    contraste com a segunda epstola, escrita num tom bem diferente, por ele estar preso em

    Roma (2 Tm 1:16, 17; 2:9; 4:6-8 e 16-18)2.

    A diferena circunstancial em que a primeira e a segunda carta foram escritas

    podero estabelecer uma data aproximada de sua composio. O ano de execuo de

    Paulo, normalmente aceito como ocorrido em 64 d.C. Por relatos histricos, sabemos que

    sua morte ocorreu no perodo em que Nero governava, entre os anos 54-68 d.C. Se Paulo

    escreveu a segunda carta a Timteo enquanto estava preso em Roma, consideramos a

    autoria da primeira epstola a Timteo como ocorrendo numa data anterior ao

    aprisionamento, em sua 3 viagem, no final da quinta, incio da sexta dcada de nossa era3.

    1 Champlim, 5:266; e Fee, 35. 2 Fee, 15. 3 Ibid., 16.

  • 13

    Circunstncias Histricas

    Quando Paulo escreveu a carta a Timteo, os judeus ainda estavam sob o jugo

    romano e Jerusalm ainda no havia sido destruda. Iniciando seu trabalho junto aos

    gentios, Paulo funda vrias igrejas na sia. Entre elas, encontra-se a de feso, na regio da

    sia menor1.

    As circunstncias no qual a carta foi escrita nos ajudam a entender o contedo

    da mesma. Paulo estava de viajem para a Macednia. Quando passa por feso, v-se

    forado a deixar Timteo ali, para que lide com alguns problemas existentes na igreja. Ao

    escrever a carta, Paulo est bem ciente dos problemas da igreja, por isso to especfico ao

    descrever tais problemas2.

    O apstolo busca conscientizar Timteo de sua obra, encorajando, instruindo e

    preocupando-se com ele. Era trabalho de Timteo tratar da adorao (1Tm 2:1-8), do

    procedimento de vrios grupos da igreja (2:9-3:13; 5:1-6:2) e das falsas doutrinas

    (especificamente 4:1-5). Mesclado a tudo isso foram feitas recomendaes diretas ao

    ministrio de Timteo e como ele deveria lidar com todas essas questes.

    Contexto Histrico Especfico

    Os problemas abordados por Paulo tinham que ver com falsas doutrinas,

    disseminadas por hereges que promoviam contendas e dissenses levando uma vida

    moralmente questionvel. Essas doutrinas, tambm pregadas por uns tais de Alexandre e

    1 Champlim, 5:272. 2 Ibid.

  • 14Himeneu, homens citados e rejeitados por Paulo (1Tm 1:20), que, aparentemenente

    misturavam elementos judaicos e gnsticos nas suas doutrinas.

    Apesar de ganhar expresso a partir do 2 sculo, o gnosticismo manifestou-se

    antes disso. Podendo ser chamado de pr-gnsticismo, esta corrente j sentida no 1

    sculo representava mais uma maneira de pensar do que uma religio. Fundia-se com

    facilidade a qualquer religio, ajustando-se tambm a filosofia. Para os gnsticos a matria

    constantemente m, sendo bom o que se relaciona apenas com o esprito. A salvao,

    segundo eles, vinha pelo conhecimento a Gnsis1.

    O ascetismo era uma forte caracterstica dessa corrente, que praticava a

    penitncia visando a perfeio. Abstinham-se de alimentos, relaes sexuais e bebidas

    alcolicas buscando a purificao. Segundo eles, tais prticas comprometiam o

    recebimento da Gnsis2.

    Concluso Parcial

    Atravs de evidncias aqui analisadas, vemos que Paulo foi o autor da epstola,

    e que ao escrever a Timteo buscava instruir o discpulo tanto na conduta ministerial como

    na soluo de problemas existentes na igreja de feso. Em sua carta, Paulo demonstra

    preocupao especfica com as ameaas pr-gnsticas que procuravam fundir-se com a s

    doutrina. Tais ameaas promoviam a abstinncia de alimentos e a rejeio do casamento,

    sendo tratadas por Paulo como heresia.

    1 Philip Hughes, Sntesis de historia de la Iglesia (Barcelona: Editorial Herder,

    1963), 72. 2 Ascetismo, Enciclopedia de la Biblia, ed. Alejandro Dez-Macho

    (Barcelona: Ediciones Garriga, 1963), 1:832.

  • CAPTULO IV

    CONTEXTO LITERRIO

    Gnero Literrio

    A percope analisada est inserida na sua totalidade, no gnero literrio

    denominado carta, comumente considerada como carta pastoral1.

    Forma Literria

    A forma literria da percope interpretada como a de conselho ou instruo,

    especificamente um conselho contra a apostasia (4:2). Percebe-se essa caracterstica pela

    maneira que Paulo insiste em instruir a Timteo em questes pertinentes ao bom

    funcionamento da igreja (4:1). O apstolo age como um professor antevendo,

    evidenciando e combatendo problemas2.

    1 Recebe este ttulo por abordar problemas eclesisticos, tendo por intuito

    ajudar os pastores em seu trabalho, especialmente no ministrio do ensino e na vigilncia em favor da igreja crist. Para maiores informaes, ver Gordon D. Fee e Douglas Stuart, Entende o que Ls? Um guia para entender a Bblia com o auxlio da exegese e da hermenutica, trad. Gordon Chown (So Paulo: Sociedade Bblica Religiosa Edies Vida Nova, 1991), 30; Champlim, 5:265; Kelly, 9.

    2 Earle, 11:344 e Kelly, 18.

    15

  • 16

    Estrutura Literria

    Estrutura do Livro1

    I. Saudao. II. A tarefa de Timteo em feso, 1:3-11.

    A. Supresso de Falsos Mestres, 1:3-7 B. O Propsito da Lei, 1:8-11

    III. Ao de Graas Deus, 1:12-17 A. A graa abundante de Deus, 1:12-14 B. O Pior dos Pecadores, 1:15-17

    IV. A responsabilidade de Timteo, 1:18-20 V. Adorao e Conduta, 2:1 3:16

    A. Orao, 2:1-7 B. Homens, 2:8 C. Mulheres, 2:9-15 D. Pastores, 3:1-7 E. Diconos, 3:8-13 F. O ministrio da piedade, 3:14-16

    VI. Instrues Especiais a Timteo, 4:1-16 A. Falso Ascetismo, 4:1-5 B. Superioridade espiritual, 4:6-10 C. Deveres Pastorais, 4:11-16

    VII. Grupos Especiais na Igreja, 5:1 6:2 A. Os mais velhos e os mais novos, 5:1, 2 B. Vivas, 5:3-16 C. Ancies, 5:17-25 D. Escravos, 6:1, 2

    VIII. O perigo do Amor ao Dinheiro, 6:3-10 IX. Apelo de Paulo a Timteo, 6:11-16 X. Instrues Finais, 6:17-21

    A. Admoestaes para os Ricos, 6:17-19 B. Admoestaes a Timteo, 6:20, 21a C. Adeus, 6:21b

    Verificamos pela estrutura acima, que nossa percope (1Tm 4:1-5) se enquadra

    dentro da seo de instrues especiais dadas a Timteo em 4:1-16.

    1 Earle, 11:347.

  • 17

    Estrutura da Percope

    A percope nos parece estar estruturada da seguinte maneira:

    I. A Descrio da Apostasia, 4:1-3a A. O Esprito Prediz a Apostasia, 4:1a B. A Causa da Apostasia nos ltimos Tempos, 4:1b

    (1) Pela Obedincia de Espritos Enganadores, 4:1b' (2) Pelo Ensino de Demnios, 4:1b''

    C. A Manifestao da Apostasia nos ltimos Tempos, 4:2 (1) Pela Hipocrisia, 4:2a (2) Pela Mentira, 4:2b (3) Por Uma Conscincia Cauterizada, 4:2c

    D. A Pregao Apstata nos ltimos Tempos, 4:3a (1) Proibio do Casamento, 4:3a' (2) Abstinncia de Alimentos, 4:3a''

    II. A Descrio da Verdade, 4:3b -5 A. Deus Criou Alimentos para Serem Recebidos, 4:3b (1) Com Aes de Graas, 4:3b' (2) Pelos Fiis, 4:3b'' (3) Pelos que Conhecem Plenamente a Verdade, 4:3b''' B. Tudo que Deus Criou Bom, 4:4a C. Recebido com Aes de Graa nada Recusvel, 4:4b D. A Palavra de Deus e a Orao Santificam, 4:5

    Figuras de Linguagem

    A percope em questo traz consigo algumas figuras de linguagem que acabam

    enfatizando a mensagem do texto. Em 1Tm 4:1, encontramos uma antenantiosis que

    consiste na reduo da pessoa ou objeto com o objetivo de a engrandecer. Nesse verso

    quando Paulo diz que alguns apostataro, de fato ele quer dizer que muitos, uma multido

    apostatar1. Em 1Tm 4:3, encontramos um protozeugma e uma paronomasia, uma figura

    de construo onde omitido um termo facilmente identificado na orao ou contexto.

    1 Ethelbert W. Bullinger, Dicionario de figures de diccin usadas en la Bblia

    (Barcelona: CLIE, 1990), 156.

  • 18

    No verso trs isso ocorre entre os verbos proibir e mandar, sendo o segundo verbo

    omitido a fim de enfatizar o primeiro1. Em 1Tm 4:2, vemos a expresso cauterizada,

    uma espcie de metfora, que substitui uma palavra por outra, no possuindo entre si uma

    ligao. mais usada para lhe atribuir um significado do que meramente uma

    comparao2.

    Concluso Parcial

    Chamada de carta pastoral por haver muitas recomendaes ao trabalho

    ministerial, 1Timteo de natureza instrutiva. A estrutura literria da percope nos ajuda a

    entender o texto por contrastar apostasia e verdade, classificando como erro a abstinncia

    alimentar e matrimonial e como verdade o fato de Deus ter criado estas coisas para serem

    usadas. Em 1Tm 1:3-11 Paulo atribui a necessidade da permanncia de Timteo em feso

    a existncia de outras doutrinas(vs. 3). Segundo o apstolo estas heresias desviam alguns

    (vs. 6) e promovem discusses (vs. 4). So pregadas por alguns que se julgam mestre da

    lei, mas que no entendem o que dizem. A percope (4:1-5) est intimamente ligada a

    esta seo por detalhar que outras doutrinas eram as prticas ascticas (vs. 3) e por

    classificar a lei como boa quando usada de maneira legtima (1:8), assim como o uso de

    alimentos por serem dados por Deus na criao (4:4).

    1 Ibid., 133, 135, 268 e 275. 2 Jos de Nicola, Gramtica contempornea da lngua portuguesa, 8 ed. (So

    Paulo: Editora Scipione, 1992), 441.

  • CAPTULO V

    ANLISE LXICO-SINTTICO E TEMTICA

    Para uma compreenso segura do texto, faz-se necessrio uma anlise lxico-

    sinttica da palavra , onde est implcito o problema de nosso estudo. pode ser traduzida em seu significado bsico como: organicamente

    saudvel, apropriado, til, sadio. Julgamentos estticos se vinculam desde a mais

    remota antiguidade ao conceito de saudvel e belo. Posteriormente, o significado foi

    alargado e ganhou o sentido adicional de moralmente bom1.

    A Palavra no Contexto do Verso

    Pois tudo que Deus criou bom, e, recebido com aes de graas, nada

    recusvel. O verso busca esclarecer um assunto mencionado no verso anterior (vs. 3), a

    abstinncia de alimentos e a proibio do casamento.

    A expresso que Deus criou explica o tudo de 1Tm 4:4, colocando-o em

    paralelo com Gn 1:31, onde o adjetivo bom tambm usado para classificar a obra da

    criao. Esta classificao no valida todo e qualquer uso, antes, sublinha a qualidade da

    criao, em seu propsito original, como base para determinar a discusso acerca do uso de

    alimentos e da prtica do casamento.

    1 Colin Brown, ed., O novo dicionrio internacional de teologia do Novo

    Testamento, trad. Gordon Chown (So Paulo: Sociedade Religiosa Edies Vida Nova, 2000), 1:243.

    19

  • 20

    A ao de graa mencionada no verso est em harmonia com a idia bblica da

    cooperao e submisso a Deus. Repetidas vezes, Paulo enfatiza a necessidade de

    expressar gratido e reconhecimento a Deus (Cl 1:12; 2:7; 3:15; 3:17 e; 4:2). Em

    Colossenses 3:17, Paulo declara: quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei tudo em

    nome do Senhor Jesus, dando por ele graas a Deus Pai. A ao de graa assume papel

    importante no sentido de expressar gratido Deus, mas no provoca mudana no que Ele

    criou. Portanto, a qualificao no est associada vontade humana, nem tampouco a uma

    atitude sua. A palavra de Deus quem determina a santidade e qualifica aquilo que pode e

    deve ser recebido (1Tm 1:5).

    O Contexto da Palavra na Percope

    A primeira parte da percope marcada pela descrio da apostasia (1Tm 4:1-

    3a). Predita pelo Esprito como ocorrendo nos ltimos tempos, tal apostasia seria

    caracterizada pela obedincia a espritos enganadores e ensinos de demnios.

    Manifestar-se-ia na hipocrisia e mentira daqueles que tm a mente cauterizada, que

    probem o casamento e exigem a abstinncia de alimentos. Isso est em pleno contraste

    com a descrio da verdade vista na segunda parte da percope (1Tm 4:3b-5) que reafirma a

    licitude dos alimentos dados na criao. Os que praticam o casamento e recebem esses

    alimentos so descritos como fiis e plenos conhecedores da verdade. A validade dessas

    coisas est condicionada criao, como evidente nas expresses: que Deus criou para

    serem recebidos (vs. 3) e tudo que Deus criou bom (vs. 4).

    A apostasia rejeita a f (vs. 1) e sustentada pela hipocrisia dos mentirosos e

    doutrinas de demnios (vss. 1 e 2), enquanto a verdade recebe o apoio daqueles que a

  • 21

    conhecem plenamente e dos fiis (vs. 3) que se apiam na Palavra de Deus e na orao (vs.

    5).

    O Contexto da Palavra na Carta

    Para compreendermos melhor o contexto da palavra no livro, fundamental

    que tenhamos em mente o objetivo de Paulo ao escrever a carta. O Apstolo procura fazer

    recomendaes pertinentes ao funcionamento da igreja e ao ministrio de Timteo com o

    intuito de preservar a igreja da apostasia. Sua preocupao de eliminar tendncias

    filosficas no bblicas que se ocupam com fbulas e genealogias sem fim que promovem

    discusses (1:4); que se voltam para as discusses inteis (vs. 6); obedecem a espritos

    enganadores e a ensinos de demnios (4:1); so guiados pela hipocrisia dos que falam

    mentiras (vs. 2); probem o casamento e exigem abstinncia de alimentos (vs. 3);

    dedicam-se a fbulas profanas (vs. 7); tm mania por questes e contendas de palavras

    (6:4) e que; supem que a piedade fonte de lucro (vs. 5). Paulo aconselha Timteo a

    no permitir que ensinem outra doutrina (1:3). Condena aqueles contrrios a s

    doutrina (vs. 10), prediz a apostasia pela pregao da doutrina de demnios (4:1) e acusa

    de blasfmia os que ensinam outra doutrina (6:3).

    Tratando dessa corrente hertica, Paulo usa a lei para sustentar a verdadeira

    doutrina. O contraste feito por ele entre a heresia e a verdade ganha forma quando ele

    recorre ao relato da criao. O bom usado em Gnesis revela o parecer de Deus sua

    prpria obra, e usado por Paulo para confirmar a validade dos alimentos e do casamento

    dados na criao.

    A palavra ocorre dezesseis vezes na primeira carta a Timteo, procurando sempre destacar uma atitude, necessidade ou qualificar uma pessoa.

  • 22

    Destacamos duas ocorrncias que elucidam o texto de 1Tm 4:4. Para contrastar a

    verdadeira doutrina da graa com as fbulas que produzem vs contendas e que no

    passam de falsas doutrinas, 1Tm 1:8 classifica a lei como boa se usada de maneira

    legtima. Logo, a qualidade est condicionada a maneira e ao propsito do uso.

    A outra referncia encontra-se em 1Tm 4:6. Esse verso vem logo aps a nossa

    percope. Assim Paulo, ao descrever a apostasia e suas manifestaes (4:1-3a) e expor a

    verdade utilizando o relato da criao (vss. 3b-5), anima Timteo a ensinar essa verdade,

    que a boa doutrina (vs. 6) e no as fbulas que incentivam uma f fingida (1:5) que

    no passa de hipocrisia (4:2).

    Portanto, o apstolo ao recomendar Timteo que repreenda os que pregam

    outra doutrina, afirma que a lei boa, indicando que a boa doutrina aquela

    fundamentada na Palavra revelada de Deus e no em meras conjecturas produzidas por uns

    que pretendem ser mestres da lei, mas no sabem nem o que dizem (1:7).

    Paralelo de Palavras

    No Novo Testamento

    aparece noventa e nove vezes1 no Novo Testamento2, quarenta e uma

    delas nos escritos de Paulo, sendo vinte e trs nas epstolas pastorais3.

    1 Mt 3:10; 5:16; 7:17, 18, 19; 12:33; 13:8, 23, 24, 27, 37, 38, 45, 48; 15:26;

    17:4; 18:8, 9; 26:10, 24; Mc 4:8, 20; 7:27; 9:5, 42, 43, 45, 47, 50; 14:6, 21; Lc 3:9; 6:38, 43; 8:15; 9:33; 14:34; 21:5; Jo 2:10; 10:11, 14, 32, 33; At 27:8; Rm 7:16, 18, 21; 12:17; 14:21; 1Co 5:6; 7:1, 8, 26; 9:15; 2Co 8:21; 13:7; Gl 4:18; 6:9; 1Ts 5:21; 1Tm 1:8, 18; 2:3; 3:1, 7, 13; 4:4, 6; 5:10, 25; 6:12, 13, 18, 19; 2Tm 1:14; 2:3; 4:7; Tt 2:7, 14; 3:8, 14; Hb 5:14; 6:5; 10:24; 13:9, 18; Tg 2:7; 3:13; 4:17; 1Pe 2:12; 4:10.

    2 Concordncia Fiel do Novo Testamento (So Jos dos Campos, SP: Editora

    Fiel da Misso Evanglica Literria, 1994), 415-416.

  • 23

    O uso de merece destaque nos captulos 7 e 14 da epstola aos Romanos. Em Romanos 7:16 a palavra usada para qualificar a lei por sua moral e excelncia, em

    contraste com as frustradas tentativas do apstolo de observ-la perfeitamente. A mesma

    expresso usada em 1Tm 1:8. Em ambos os casos, notamos o modo determinante de

    Paulo ao classificar a lei como boa. Em Romanos 14:21, diz que no bom comer

    carne, nem beber vinho, nem fazer outras coisas em que teu irmo tropece, ou se

    enfraquea. Tais palavras demonstram a preocupao de Paulo com os mais fracos na f e

    a responsabilidade dos mais fortes em relao a estes, semelhantemente a 1Co 8, que ser

    abordado mais abaixo. O apstolo argumenta que o cristo deve estar disposto a renunciar

    sua liberdade a escandalizar um irmo mais fraco. No importa se a carne ou o legume

    fazem parte da dieta, porque ambos foram permitidos. A preocupao se d em conservar

    os mais fracos de um escndalo, no lhes comprometendo a f.

    Em 1Co 7, usado trs vezes (vss. 1, 8, 26) no contexto de casamento e deve ser entendido como uma resposta aos captulos 5 e 6, que tratavam da fornicao.

    Paulo responde tanto aos que viviam na libertinagem como a uns judeus que pregavam a

    obrigatoriedade do casamento apoiados em suas tradies. O apstolo valida o matrimnio

    ao dizer que os que casam no pecam (1 Co 7:28, 36), mas no reprova quem, assim como

    ele, decide ficar solteiro (vs. 8). A prtica espria do sexo e a exigncia abstmia do

    3 Brown, 1:244.

  • 24

    casamento so condenadas por Paulo, o que importa segundo ele, a observncia dos

    mandamentos de Deus (vs. 19).

    A epstola aos Hebreus no captulo 13 apresenta os deveres sociais do crente,

    exaltando os que conservam o matrimnio sem impureza (vs. 4). Aponta como bom o

    corao cheio de graa e no de caprichos disfarados de obrigaes religiosas como a

    abstinncia de alimentos (vs. 9).

    No Antigo Testamento

    Na traduo do Velho Testamento, a LXX usou a palavra para traduzir

    as palavras yab e b. A primeira significa uma bela aparncia externa, j a segunda

    geralmente traduzida por bom e abarca tanto valores externos quanto morais1.

    Outra palavra de significado semelhante . Como sinnimo de , ela agrega em seu sentido o toque de Deus, sendo bom o que se associa Ele2. Em seu uso comum, d sentido de bom, til, suficiente, apropriado, beneficioso, honrado3. Usada em sua maioria para traduzir b, ficou sendo a designao regular do carter ou das aes de Deus, aquilo que O agrada e se dirige vontade dEle

    expressa na lei (Mq 6:8; Is 1:17; Dt 6:18; 12:28; II Cr 14:2 e Pv 3:4)4.

    1 Brown, 240. 2 Ibid., 242. 3 Barclay Newman M., Jr. A Concise Greek-English Dictionary of the New

    Testament (Suttgart, Alemanha: Deutsche Bibelgesellschaft German Bible Society, 1993), 718.

    4 Ibid., 244.

  • 25

    O uso extraordinrio de em Gnesis 1:31 explica a preferncia de Paulo em 1Tm 4:4 pela palavra. Num contexto como o da criao, b normalmente seria

    traduzida por , entretanto, a LXX prefere utilizar , escolha seguida por Paulo ao referir-se criao.

    Paralelo de Idias

    Alimentao

    No Antigo Testamento

    A dieta original foi dada por Deus na criao. Ela descrita como envolvendo

    toda a erva que d semente, que est sobre a face de toda a terra; e toda a rvore, em que

    h fruto que d semente, servindo para mantimento (Gn 1:29). Essa proposta/lei aquilo

    realmente bom para alimentao (vs. 31). Aps a entrada do pecado, adicionado a isso,

    foi dado tambm ao homem a erva do campo (3:18).

    Em Gn 9:3 vemos a liberao do alimento crneo aps o dilvio. importante

    lembrar que a distino entre animais puros e impuros j existia, como visto nas

    recomendaes de Deus a No sobre que animais deveria preservar dentro da arca (Gn 7:2,

    8; 8:20).

    Em Lv 11 temos a lei acerca dos animais puros e impuros. Tais normas,

    consideradas por Deus como essenciais (vss, 46, 47), esclarecem com mais detalhes aquilo

    que j era conhecido. Deus encerra a seo associando a santidade com a obedincia a

    essas ordenanas (vs. 43).

    O uso da carne, como observado, no fazia parte do plano original. em Gn

    1:29 que encontramos a lei de Deus sobre a conservao de Sua criao perfeita, em termos

    de alimentao, avaliada por Ele como muito bom (vs. 31).

  • 26

    Nos Ensinos de Jesus

    Jesus, em debate com os fariseus, declarou em Mateus 15 que o que entra pela

    boca no contamina o homem, e sim o que sai da boca, levando alguns a entenderem que

    no h mais restrio ao uso de alimentos. No entanto, ao Jesus explicar a parbola

    (assim classificada pelos discpulos [vs. 15]), Ele diz que a maldade do corao que

    contamina o homem e no o deixar de lavar as mos (vs. 20) que mera tradio (vss. 2, 3

    e 7). Portanto, a questo do debate no eram os tipos de alimentos apropriados, e sim a

    violao da tradio. Ao conden-la (a tradio), Jesus valida a lei e acusa os fariseus de

    transgredi-la em detrimento de doutrinas que so preceitos de homens (vs. 9).

    No Livro de Atos

    Faz-se necessrio uma breve meno passagem de Atos 10, por ser

    interpretada como uma prova de j no haver mais restries alimentcias, como

    especificadas na lei mosaica. O relato descreve Pedro diante de um grande lenol que

    descia do Cu, e sobre ele toda a espcie de animal imundo (vs. 11 e 12). Diante de tal

    cena lhe ordenado que mate e coma (vs. 13). O apstolo nega o pedido (vs. 14). Ento, a

    voz lhe diz que no deve ser considerado comum o que Deus purificou. Aparentemente o

    assunto sobre alimentao. Entretanto, fica claro nos versos 28, 34 e 35 que a questo o

    preconceito racial. Deus apenas usou um assunto comum e familiar a Pedro para

    comunicar Sua vontade. Deste modo, o que Deus purificou no so os animais imundos,

    mas as pessoas que o temem, independente da raa (vs. 35).

  • 27

    Nos Escritos de Paulo1

    Em 1Co 8 vemos o problema da carne sacrificada a dolos. Paulo lembra que o

    dolo nada no mundo, porque h um s Deus (vss. 4-6). Todavia, ele no desconhece

    o fato de que alguns no so familiares a essa verdade (vs. 7), e se espantariam ao ver um

    cristo mesa comendo carne sacrificada a dolos (vs. 10). O apstolo no visa, com este

    relato, determinar que espcie de alimento deva ser ingerido pelos cristos, como uma

    exegese errada poderia mostrar. O ponto determinante tem a ver com um problema de

    conscincia. Em outras palavras, Paulo preocupa-se com o fraco na f, que no deve ter a

    conscincia abalada ao ver um cristo participando de algo que ele poderia muito bem

    deixar de lado apesar de lcito (vss. 8, 13)2.

    No captulo 10 da mesma epstola, Paulo trata mais uma vez do uso da carne

    sacrificada a dolos. Declara que a participao na idolatria um culto direto aos demnios

    e no deve ter lugar na vida do crente (vss. 14-21). Considerando a liberdade humana, o

    apstolo declara que todas as coisas so lcitas, mas nem todas convm; todas as coisas

    so lcitas, mas nem todas edificam (vs.23). O conveniente pra Paulo aqui o no servir

    de tropeo a ningum (vss. 24, 32), buscando a salvao de muitos e no a satisfao

    prpria (vs. 33). Quando o apstolo diz para que se coma tudo o que se vende no

    mercado, sem pergunta nada (vs. 25), ele no est endossando o uso de qualquer tipo de

    alimento como se no houvesse diferena entre eles. A pergunta a que Paulo se refere

    diz respeito dedicao aos dolos e no o tipo de animal sacrificado3.

    1 Ver infra, 22. Para um estudo ao uso de por Paulo. 2 Para uma discusso mais detalhada do assunto, ver Pedro Apolinrio,

    Explicao de textos difceis da Bblia 4 ed. (Santo Amaro, SP: Editora Universitria Adventista IAE, 1990), 144; Knight e; Nichol, [1Co 8].

    3 Para uma discusso mais detalhada do assunto, ver Nichol, [1Co 10].

  • 28

    O princpio estabelecido em toda essa discusso a glria de Deus que deve ser

    buscada em cada ao humana e o dever do crente em relao queles que Ele busca salvar.

    Os trs grupos mencionados em 1Co 10:32 assinalam a responsabilidade do crente como

    estando alm das fronteiras ou paredes da igreja, envolvendo todas as pessoas.

    Casamento

    No Antigo Testamento

    O casamento institudo na recomendao de Gn 1:28 que diz: frutificai e

    multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as

    aves dos cus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra. E confirmado pelo

    diagnstico divino ao dizer que no bom que o homem esteja s; far-lhe-ei uma

    auxiliadora que lhe seja idnea (Gn 2:18).

    Como parte da criao, o casamento tambm classificado como muito bom

    (Gn 1:28, 31). Contrrio a idia de ser pecaminosa, a relao sexual ratifica o compromisso

    do casamento, proporciona prazer e participa juntamente com Deus da perpetuidade da

    vida.

    A expresso e sero uma s carne (Gn 2:24) denota uma relao etimolgica

    com a afirmao de que h um s Deus (Dt 6:4). O uso de ehad para a unio matrimonial

    indica que o homem e a mulher, unidos por laos de amor e fidelidade no matrimnio,

    exemplificam a plenitude da imagem de Deus no seio da humanidade, segundo o Seu plano

    estabelecido na criao.

    Nos Ensinos de Jesus

    Questionado pelos fariseus sobre o casamento (Mt 19:3-12; Mc 10:2-12 e Lc

    16:18), Jesus usa o evento da criao para solucionar o problema como visto nessas

  • 29

    palavras: no tendes lido [na lei e nos profetas] que o Criador, desde o princpio, os fez

    homem e mulher e que disse: Por esta causa deixar o homem pai e me e se unir a sua

    mulher, tornando-se os dois uma s carne? (Mt 19:4; Mc 10:6-9). Com essa citao de Gn

    2:24, Ele pe fim ao debate, validando o matrimnio como instituio divina. Jesus usa a

    lei e o evento da criao como base na discusso com os fariseus.

    Nos Escritos de Paulo1

    Paulo, em suas cartas, procurou tratar de questes familiares e matrimoniais.

    Em Romanos 7:2, antes de classificar a lei como boa, Paulo reafirma a vigncia da

    mesma ao dizer que a mulher est sujeita ao marido... pela lei. Ao aconselhar os maridos

    e as mulheres da igreja de feso (Ef 5:22-33), o apstolo menciona o relato da criao para

    solucionar o problema e ratificar o compromisso matrimonial. Ele traa um paralelo entre

    o marido e Cristo, a mulher e a igreja. O homem deveria amar a mulher assim como Cristo

    ama a igreja (vs. 25), por sua vez, a mulher deveria se submeter ao marido como ao

    Senhor (vs. 22). Quando cita Gn 2:24, Paulo aponta o modelo da criao como parmetro,

    enfatizando tambm o princpio do amor que deve prevalecer no casamento a exemplo do

    relacionamento que Cristo mantm com Sua igreja.

    No diretamente ligados compreenso do nosso texto, existem outras duas

    passagens na primeira carta a Timteo que abordam a questo do matrimnio. No captulo

    3, verso 12, Paulo reafirma o plano monogmico do casamento ao considerar este um

    critrio para a ordenao do dicono, e em 5:14, o apstolo recomenda o casamento s

    vivas mais novas a fim de assumirem o papel da mulher no lar.

    1 Para a discusso desse tema em 1Co 7 e Hb 13, ver infra., 22 e 23.

  • 30

    A S Doutrina

    A compreenso do nosso texto (1Tm 4:4) exige uma abordagem da

    problemtica enfrentada por Paulo sobre as falsas doutrinas. Em suas cartas, o apstolo

    busca prevenir os crentes contra a apostasia provocada por essas falsas doutrinas que

    causavam desordem na igreja.

    Na epstola aos Efsios, Paulo expressa preocupao com a maturidade

    espiritual dos santos nas seguintes palavras: para que no mais sejamos como meninos,

    agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela

    artimanha dos homens, pela astcia com que induzem ao erro (4:14). Paulo est se

    referindo a falsa piedade condenada em 1Tm, que para ele no passa de vento de

    doutrina. A carta aos Colossenses traz uma advertncia igreja para no se enganar com

    raciocnios falazes (2:4) e que tome cuidado [para] que ningum os enrede com suas

    filosofias e vs sutilezas, conforme a tradio dos homens, conforme os rudimentos do

    mundo e no segundo Cristo (vs. 8).

    Notamos ranos de distores doutrinrias e risco de apostasia em outras partes

    do Novo Testamento tambm. A segunda Epstola de Pedro previne os crentes a no

    serem arrastados pelo erro desses insubordinados (2Pe 3:17) que deturpam as Escrituras

    (vs. 16) e aquilo que o amado irmo Paulo escreveu (vs. 15).

    Os problemas doutrinrios so combatidos por Paulo com o que ele chama de

    boa doutrina, fundamentada unicamente na Palavra de Deus (1Tm 4:6; Tt 1:9; 2:1). O

    contraste feito por ele no incio da primeira carta a Timteo, entre as falsas doutrinas e o

    evangelho da graa (ilustrado em sua experincia [vss. 12-16]), mostram a carter da

    doutrina verdadeira, que a lei (vs. 8) unida ao evangelho (vss. 14-16). A s doutrina a

  • 31

    unio entre esses dois elementos lei e evangelho. Em 1Tm 4:6, ele a classifica como

    boa, e constantemente exorta Timteo que se apie na Palavra (4:9, 16; 6:3).

    Outra doutrina no passa de um mau uso da lei e do evangelho. Ao invs de

    apontar o pecado (1Tm 1:9) e conduzir a Cristo (vs. 14), a lei usada para promover uma

    espcie de aperfeioamento meritrio (como propagado pelas prticas ascticas [1Tm

    4:3]),excluindo a necessidade de Cristo, que a essncia do evangelho. Paulo repudia tais

    fbulas, doutrinas, filosofias por usarem a lei de maneira e com propsitos errados.

    Concluso Parcial

    A palavra no contexto do verso apresenta a dieta e o casamento como parte

    integrante da criao e alvo do parecer de Deus em relao Sua prpria obra. O tudo de

    1Tm 4:4 est em franco paralelo ao de Gn 1:31, etimolgica e tematicamente. A afirmao

    de Paulo de que tudo que Deus criou bom fez-se necessria devido a heresia pietista de

    proibir o que Deus havia dado para ser recebido. Essa filosofia combatida por Paulo

    com severidade. Ele a contrasta com a Palavra de Deus, o bom uso da lei e o relato da

    criao.

    Tanto Jesus quanto Paulo usam a lei e o relato da criao como base para

    repudiar as tradies e ensinos humanos no-bblicos. Para eles, o plano estabelecido na

    criao corresponde ao verdadeiro paradigma, devendo ser imitado e considerado realmente

    bom.

  • CAPTULO VI

    TEOLOGIA

    Feita a anlise textual e abordado os seus problemas, buscaremos aqui refletir

    sobre as implicaes e descobertas feitas ao longo da pesquisa para a teologia bblica. Nos

    posicionaremos a partir dos dados encontrados no texto, em relao s diferentes

    interpretaes apresentadas no primeiro captulo.

    Crtica

    Uma corrente de pensamento existente no primeiro sculo, considerada por

    Paulo como v sutileza, se fundia facilmente com a religio. Podendo ser chamada de

    pr-gnosticismo, caracterizava-se pelo aperfeioamento da alma atravs de prticas

    ascticas. O corpo mau e no deve ter os desejos atendidos. Por isso a obrigatoriedade

    em abster-se de alimentos e do casamento. Vestido de piedade, essa corrente fazia um

    mau uso da lei ao proibir coisas que a lei considerava apropriada. O reflexo dessas

    exigncias consistia no aperfeioamento atravs de obras e penitncias, contrrio a s

    doutrina, que tem por base a justificao pela f.

    Ao tratar desse assunto, Paulo afirma que tudo que Deus criou bom e deve

    ser recebido com aes de graa. Alguns telogos, baseados nessa declarao sustentam a

    idia de que todos os alimentos so bons por terem sido criados por Deus, no havendo

    32

  • 33

    motivos para no serem utilizados. De fato, todos os alimentos so bons para o uso. A

    questo o que Deus considera como alimento, pois nem tudo que possvel comer

    considerado pelo Criador como prprio alimentao, haja vista que Ele mesmo

    determinou a dieta (Gn 1:29).

    Outros comentaristas bblicos afirmam que a orao tem o poder de santificar o

    alimento. Aceitar isso no levar em conta que a santificao ou qualificao do alimento

    condicionada, como o prprio texto diz: pela palavra de Deus (1Tm 4:5). A orao

    nesse contexto assume apenas o papel de expressar gratido a algo santificado pela Palavra.

    Uma atitude humana no pode mudar um princpio ou lei divina. Seria contraditrio rogar

    pela santificao de algo contrrio a uma revelao divina j existente. Logo, o papel que a

    orao assume na refeio simplesmente uma atitude de gratido, no mudando

    essencialmente o alimento.

    Uma outra linha de pensamento afirma ter sido a lei abolida, no havendo mais

    restries quanto ao uso de alimentos. Estes desconsideram o fato de que a lei no

    anulada pela f em Cristo; antes confirmada por Sua morte. Paulo afirma que ele no

    conheceria pecado sem a permanncia da lei (Rm 7:7). A Carta aos Hebreus se refere

    permanncia dos Dez Mandamentos na exortao pureza matrimonial (Hb 13:3). A carta

    de Tiago chama a ateno para os Dez Mandamentos como o padro do juzo citando o

    stimo e o sexto mandamento como exemplos da lei da liberdade (Tg 2:10-12). No

    incio da primeira carta a Timteo Paulo menciona o mau uso da lei, condenando a heresia

    e a hipocrisia. Se a lei no estivesse mais em vigor, como alguns destes telogos sugerem,

    o apstolo no se preocuparia em corrigir suas ms interpretaes. A Bblia mantm a lei

    como padro perfeito da vontade de Deus, e foi a ela (lei) que Jesus recorreu ao debater

    com os fariseus e Paulo ao trabalhar pela conservao da igreja apostlica.

  • 34

    Reflexo

    O bem-estar da igreja depende da unidade doutrinria, e essa, do fundamento

    que a sustm as Escrituras Sagradas. Em suas cartas, Paulo demonstra cuidado especial

    em prevenir os crentes contra as falsas doutrinas. O apstolo repudia as vs filosofias que

    se misturam com a verdade comprometendo suas bases. Para ele, a boa doutrina aquela

    firmada na Palavra revelada de Deus.

    Os alimentos e o casamento protagonizaram algumas discusses na igreja

    apostlica. Ao trat-las, Paulo, buscava exaltar o princpio de que tudo deve ser feito para a

    glria de Deus, que o testemunho dado em cada ao do crente e o zelo que os mais

    experientes na f devem ter para com os mais fracos. O apstolo no negava as permisses

    de Deus, mas, buscava levar o crente a ver a convenincia de seus atos.

    A alimentao e o casamento encontram seu paradigma na criao. Ambos

    foram recomendados especificamente no relato de Gnesis. O bom aquilo que Deus

    considera bom. Todavia, com a entrada do pecado, alguns ajustes foram feitos. Deus

    amplia a dieta ao permitir a erva do campo e o uso da carne, da a necessidade de instituir

    normas para essa ampliao alimentar. Quanto ao casamento, Deus reconhece duas

    possibilidades para o divrcio morte e adultrio.

  • CONCLUSO

    Comeamos com uma reviso de literatura, e descobrimos que os autores se

    dividem em cinco grupos. Primeiro, aqueles que colocam os alimentos como sendo bons

    intrinsecamente; segundo, os que consideram o alimento como santificado atravs da

    orao; terceiro, em complemento posio anterior, os que defendem a santificao do

    alimento pela orao do justo; quarto, os que dizem que a lei que determinava isso, foi

    abolida; e finalmente, os autores que defendem a idia da alimentao ser regida pela

    Palavra de Deus.

    Delimitamos nossa percope como se enquadrando em I Tm 4:1 5.

    Analisamos o texto da percope, notando a inexistncia de variantes textuais. Apresentamos

    uma traduo do texto da percope. O seu contexto indica que a questo em debate deveria

    ser compreendida no mbito do relato da criao, na Bblia, e o uso do adjetivo bom

    dentro desse relato.

    Analisamos o contexto geral e especfico, apresentamos o autor como Paulo,

    escrevendo a carta antes do aprisionamento e execuo em Roma, por volta do ano 60 da

    nossa era. O objetivo primrio da carta a Timteo era aconselhar o jovem pastor em

    questes pertinentes a sua funo ministerial, principalmente a apostasia. As doutrinas

    condenadas por Paulo torciam a lei fazendo um uso errado dela. Vestida numa

    35

  • 36

    espcie de pr-gnosticismo, essas doutrinas defendiam a autopurificao atravs de

    penitncias. Abstinham-se de muitas coisas, entre elas o alimento e o casamento, na busca

    do aperfeioamento.

    Determinamos o gnero literrio como carta pastoral, a forma literria como

    conselho contra a apostasia, a estrutura do livro e da percope e as figuras de linguagem

    encontradas nela. Verificamos que o tema central da percope a falsa doutrina da

    autopurificao pela abstinncia de alimentos e rejeio do casamento em contraste a

    qualificao de Paulo ao dizer que tudo que Deus criou bom.

    Fizemos uma anlise lxico-sinttico e temtico. Vimos que Paulo utiliza o

    adjetivo bom dentro do contexto da criao de Deus em Gnesis, e aos Seus propsitos

    originais. O tudo utilizado por Paulo em 1Tm 4:4 est em paralelo com o tudo de Gn

    1:31, sendo aplicado diretamente criao perfeita, obras das mos do Criador, excluindo

    uma aplicao generalizada fora do propsito original. A preferncia da LXX por em Gn 1:31 explica o uso de Paulo pela palavra em 1Tm 4:4, quando normalmente se

    empregaria a palavra . Ao condenar a apostasia, Paulo exalta a verdade, que a Palavra de Deus. O apstolo qualifica a lei como boa logo aps referir-se a criao.

    Ambos, a criao e a lei, determinam o plano de Deus tanto em relao aos alimentos

    quanto ao casamento abarcando o que foi estabelecido antes e depois do pecado. Os

    ensinos gerais mostram que textos como o de At 10, Rm 14 e 1Co 7, 8, 10 buscavam

    essencialmente a unidade e o cresimento da igreja e em nada aboliam as recomendaes de

    Deus quanto aos alimentos e ao matrimnio. Nos debates de Jesus com os fariseus, Jesus

    no invalida a lei, mas a tradio. Tanto Jesus quanto Paulo volveram criao na busca

  • 37

    de soluo aos debates, no desconsiderando, todavia, as permisses de Deus aps o

    pecado, que ampliavam as propostas originais.

    Terminamos contrastando as diferentes interpretaes do texto com as

    descobertas feitas ao longo da pesquisa, a ponto de respondermos: Seriam todos os

    alimentos bons em si? No, porque sua qualidade est ligada no s a criao, mas

    tambm ao propsito. Poderia o alimento ser santificado pela orao? No, pois no

    pode haver discordncia entre o pedido e a revelao divina j existente. Estaria a lei

    abolida, liberando o uso de qualquer alimento? No, pois Tanto Jesus quanto Paulo usam

    a lei e o relato da criao como base para repudiar as tradies e ensinos humanos no-

    bblicos. A dieta boa seria ento a estabelecida na criao? Esta a concluso geral

    desta pesquisa o bom est condicionado ao propsito original de Deus estabelecido e

    avaliado por Ele mesmo na criao, havendo na lei uma adaptao devido a entrada do

    pecado.

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