33-1353-1-pb

22
Formação de professores: história da educação e suas interfaces com o ensino de História no Paraná (1973 a 2003) Graduation of teachers: history of education inter- facing the teaching of History in Paraná (1973-2003) Elaine Rodrigues* Fátima Maria Neves** Sonia Maria Vieira Negrão*** * Doutora em História e Sociedade pela Unesp/Assis/SP. Profa. Associada do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-graduação, mestrado e doutorado, em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected] ** Doutora em História e Sociedade pela Unesp/Assis/SP. Profa. Associada do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected] *** Doutora em Educação pela Unesp/Marília/SP. Profa. Associada do Departamento de Teoria e Prática da Edu- cação e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected] Resumo objetiva-se integrar o campo de estudos acerca dos processos de apropriação e circulação dos saberes afetos ao ensino e à pesquisa em História da Educação. A temporalidade dos documentos eleitos está circunscrita aos de 1983 a 2003. A análise amparou-se na postura que compreende currículos ou progra- mas disciplinares como dispositivos que tendem a legitimar discursos no campo educacional, gestando “verdades”. Ao concluir, reafirma-se que os documentos analisados e considerados como desdobramentos do ensino e da pesquisa em História da Educação no Paraná, observando-se possíveis interfaces com o conteúdo prescrito para o ensino de história, que aí figuram e possibilitam discernir o que foi cultural- mente selecionado para o conhecimento de professores e alunos. Palavras-chave Educação no Paraná. Ensino e Pesquisa em História da Educação. Ensino de História. Abstract The objective is to integrate field studies on the processes of appropriation and circulation of knowledge Série-Estudos - Periódico do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB Campo Grande, MS, n. 35, p. 219-240, jan./jun. 2013

Upload: davison-alves

Post on 02-Oct-2015

213 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Historia

TRANSCRIPT

  • Formao de professores: histria da educao e suas interfaces com o ensino de Histria no Paran (1973 a 2003)Graduation of teachers: history of education inter-facing the teaching of History in Paran (1973-2003)

    Elaine Rodrigues*Ftima Maria Neves**Sonia Maria Vieira Negro***

    * Doutora em Histria e Sociedade pela Unesp/Assis/SP. Profa. Associada do Departamento de Fundamentos da Educao e do Programa de Ps-graduao, mestrado e doutorado, em Educao da Universidade Estadual de Maring. E-mail: [email protected]

    ** Doutora em Histria e Sociedade pela Unesp/Assis/SP. Profa. Associada do Departamento de Fundamentos da Educao e do Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade Estadual de Maring.E-mail: [email protected]

    *** Doutora em Educao pela Unesp/Marlia/SP. Profa. Associada do Departamento de Teoria e Prtica da Edu-cao e do Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade Estadual de Maring.E-mail: [email protected]

    Resumoobjetiva-se integrar o campo de estudos acerca dos processos de apropriao e circulao dos saberes afetos ao ensino e pesquisa em Histria da Educao. A temporalidade dos documentos eleitos est circunscrita aos de 1983 a 2003. A anlise amparou-se na postura que compreende currculos ou progra-mas disciplinares como dispositivos que tendem a legitimar discursos no campo educacional, gestando verdades. Ao concluir, reafirma-se que os documentos analisados e considerados como desdobramentos do ensino e da pesquisa em Histria da Educao no Paran, observando-se possveis interfaces com o contedo prescrito para o ensino de histria, que a figuram e possibilitam discernir o que foi cultural-mente selecionado para o conhecimento de professores e alunos.

    Palavras-chaveEducao no Paran. Ensino e Pesquisa em Histria da Educao. Ensino de Histria.

    AbstractThe objective is to integrate field studies on the processes of appropriation and circulation of knowledge

    Srie-Estudos - Peridico do Programa de Ps-Graduao em Educao da UCDBCampo Grande, MS, n. 35, p. 219-240, jan./jun. 2013

  • 220 Elaine RODRIGUES; Ftima Ma. NEVES; Sonia Ma. V. NEGRO. Formao de professores: histria...

    O Curso de Pedagogia/UEM, ao ser criado em 1973 e reconhecido pelo Ministrio da Educao e Cultura (MEC) em 30/09/1976, pelo Decreto n. 78.525, habilitava para a docncia das matrias pedaggicas do ento 2o Grau, assim de-nominado poca. No Brasil a valorizao da cincia como forma de conhecimento objetivo, passvel de verificao rigorosa por meio da observao e da experimenta-o, fundamentou a formao do professor da dcada de 1970. O currculo inicial do Curso de Pedagogia da Universidade Esta-dual de Maring (UEM) permeou a eleio das disciplinas: Elementos de estatstica, Documentao, Elementos de matemtica; Anlise de sistemas, Tecnologia do ensino, Economia da educao, Avaliao, Teoria da informao; Princpios e mtodos de orientao educacional, Psicopatologia e Mtodos audiovisuais e Histria da Edu-cao (NEGRO; FERREIRA, 2006).

    Ao examinarmos as atas do Colegia-do do Curso de Pedagogia, especificamente a de n. 17 de 1978, verificamos a constitui-o de um novo currculo. Nas descries

    das novas ementas, constatamos a pre-sena de um padro narrativo, marcado pelo que ousamos denominar, positivista, entendido como coerente com a necessida-de de estabelecer-se uma relao entre a divulgao da cincia, por meio de tcnicas para sua aplicao, e a formao daqueles que iriam aplic-la diretamente na escola, os professores. Esse padro concretizou-se na UEM de maneira significativa e por ge-raes. A ementa de Histria da Educao III afirmava: Estudo da educao brasileira dentro do processo evolutivo, enfatizando os principais educadores nacionais (NE-GRO; FERREIRA, 2006, p. 29).

    A partir de 1979, por meio da Reso-luo n. 050/79 do Conselho de Ensino e Pesquisa (CEP), o Curso de Pedagogia passou a formar especialistas em educa-o, nos setores de Orientao Educacio-nal, Superviso Escolar e Administrao Escolar. O aluno conclua o curso com duas habilitaes, Magistrio das matrias pedaggicas do 2o Grau, obrigatria, e outra, a sua escolha. A compreenso de que a base formativa do pedagogo ne-cessitava ser mais poltica do que tcnica,

    concerned the teaching and research in History of Education. The temporality of the chosen documents is limited from 1983 to 2003. The analysis is bolstered on position that comprises curriculum or discipli-nary programs such as devices that tend to legitimize discourses on the educational, managing truths. In conclusion, it reaffirms the documents reviewed and considered as a development of teaching and research in History of Education in Parana, it also observes possible interfaces with the prescribed con-tent for teaching history therein and allows discerning what was culturally selected for the knowledge of teachers and students.

    Key wordsEducation in Paran. Education and Research on Education History. Teaching History.

    Breve inventrio: o difcil iniciar de uma graduao 1973

  • Srie-Estudos... Campo Grande, MS, n. 35, p. 219-240, jan./jun. 2013. 221

    objetivando desenvolver a conscincia crtica em um momento de resistncia ditadura militar, levou reestruturao curricular o peso das disciplinas de cunho terico alocadas na rea de fundamentos da educao. Os educadores uniram-se em torno de teorias que, por meio da constituio de argumentos crticos, ten-diam negao da hegemonia positivista, instalada na formao docente no perodo militarista no Brasil, discurso este, reconhe-cidamente estruturante e estruturado, em meio vivncia da redemocratizao, na dcada de 1980. A busca de teorias que se constitussem como alternativas a uma pedagogia de carter meramente aplicativo funcionaram como suporte discursivo para o fortalecimento da crena em uma prtica pedaggica centrada nos contedos a serem ensinados.

    A estrutura curricular do curso de Pedagogia da UEM assumiu a crtica ao capitalismo como princpio terico formu-lador, por um lado, pela associao entre crtica e formas de interveno na prtica escolar, por outro, pelas discusses sobre a formao de professores, elegendo-se temas como: especificidade do curso de Pedagogia, formao de especialistas no-docentes, formao para professores das sries iniciais do 1o grau em nvel superior, uma base comum nacional para formao dos pedagogos, aes estratgicas que ti-nham por objetivo um projeto de educao a servio da transformao social.

    Parte dos educadores que aderem ao movimento [sociolgico da educao] tambm resistem fortemente existncia de uma cincia pedaggica [...] a teoria

    pedaggica , ento, esvaziada para dar lugar a uma teoria sociopoltica da edu-cao. Essa orientao passa a nutrir boa parte da produo dos intelectuais da rea, principalmente filsofos e socilogos da educao se dispuseram a contribuir na seleo de saberes para a definio dos currculos, amparo para a formao de educadores (LIBNEO, 2001, p. 113).

    A abordagem sociolgica da forma-o do pedagogo resultou na negao explcita do campo de estudos da Peda-gogia e, por decorrncia, do campo da Metodologia de Ensino, da Didtica e das prticas pedaggicas, o que ocasionava para os discentes uma formao frag-mentada com dissociao entre o terico e a prtica. A abordagem sociolgica da formao do educador gerou uma viso, por um lado, militante do profissional da educao, porque bastaria ao pedagogo ter uma viso poltica globalizante das relaes entre educao e sociedade e compromisso poltico manifesto em suas aes de carter pedaggico para que a decantada qualidade da educao se efe-tivasse no Brasil. A competncia tcnica teria um sentido no tecnicista, negando a aplicao de metodologias simplificadas aplicveis s tarefas escolares (MELLO, 1982).

    No perodo de 1984 a 1987, por uma exacerbao da viso sociolgica na formao do pedagogo, o planejamento para o desenvolvimento das disciplinas desconsiderava qualquer referncia, ou ainda, exemplo que trouxesse o indivduo como centro das discusses, projetava-se um sujeito coletivo para uma sociedade

  • 222 Elaine RODRIGUES; Ftima Ma. NEVES; Sonia Ma. V. NEGRO. Formao de professores: histria...

    idealmente configurada. A construo curricular levava o acadmico e futuro pe-dagogo a desconsiderar os procedimentos que envolviam a prtica pedaggica e o cotidiano escolar como relevantes. Bastava compreender a sociedade, e a escola esta-ria, por decorrncia, compreendida.

    Em 1986 foi realizado um levanta-mento sobre a evaso e repetncia em 28 municpios jurisdicionados ao Ncleo Regional de Maring, cujo resultado de-monstrou: dos 13.643 alunos matricula-dos na 1a srie, somente 32% chegavam s sries finais do 1o grau. Com base nessa constatao, ficou expresso que tal situao mereceria ateno do corpo docente do Curso de Pedagogia da UEM, e a resposta foi implantar de uma nova habilitao, qual seja: Magistrio de 1a a 4a sries do ensino de 1o Grau, no qual um dos objetivos seria fazer o Curso de Pedagogia debruar-se sobre as questes do ensino. A preocupao estava voltada para a formao do pedagogo para atuar nas escolas de 1a a 4a sries; portanto, formar para uma docncia como ao poltica era objetivo principal do curso (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING, 1978, p. 186)1.

    1 Parece oportuno destacar que esta reestruturao curricular estava ligada s discusses efetivadas por diferentes fruns afetos rea, como a Asso-ciao Nacional pela Formao dos Profissionais da Educao (ANFOPE), Associao Nacional de Pesquisa em Ps Graduao (ANPED), Encontro Nacional de Didtica e Prtica de Ensino (ENDIPE), Frum Nacional de Diretores de Faculdades/Cen-tros de Educao das Universidades Pblicas do pas (FORUNDIR) e Centro de Estudos Educao &

    Os programas de histria da edu-cao: graduao e especializao

    No Curso de Pedagogia oferecido pela UEM, a disciplina Histria da Educa-o foi concebida, desde sua criao em 1973 at 2005, ano em que se aprovou sua nova estrutura, ainda vigente. Num primei-ro momento, apresentou-se subdividida em Histria da Educao I, II e III, sendo que o contedo programtico I enfatizava as re-laes sociais e econmicas da Educao nas comunidades primitivas, na Grcia, e Educao no Feudalismo; os contedos II destacavam as relaes sociais e de pro-duo material e suas influncias sobre a Educao na Modernidade e, na ementa III, as relaes sociais do modo de produo capitalista e a Histria da Educao no Bra-sil. A noo de periodizao que amparou a organizao curricular desta disciplina2 tem sido considerada pela historiografia, desde 1972, como tradicional.

    A crtica mais contunde quanto histria da educao brasileira. Para Carvalho (1989), os critrios calcados em moldes tradicionais para o estabeleci-mento da periodizao do tempo hist-rico mostravam-se inadequados porque, primeiramente, se aproximavam dos ideais positivistas, quando enfatizavam a ordenao cronolgica em detrimento da problematizao dos contedos; segundo,

    Sociedade (CEDES).2 Ainda que no seja objeto deste artigo, faz-se importante destacar que, aps as reformulaes de 2005, a disciplina Histria da Educao ganhou outra complexidade curricular.

  • Srie-Estudos... Campo Grande, MS, n. 35, p. 219-240, jan./jun. 2013. 223

    porque destacavam os acontecimentos polticos e econmicos, independente-mente da natureza do objeto em estudo em Educao.

    Selecionamos 50 documentos insti-tucionais, chamados Formulrios de Emen-tas, Objetivos, Programas e Bibliografias utilizadas no perodo de 1973 a 2003, na disciplina de Histria da Educao. Essas fontes foram identificadas no Diretrio de Assuntos Acadmicos (D.A.A.). De 1973 at 1980, esses formulrios eram compostos dos seguintes campos: o nome da discipli-na, o cdigo, a turma, o perodo, a carga ho-rria, os crditos, os pr-requisitos, o nome do professor que ministrou as aulas e os assuntos ministrados, a data, a assinatura do chefe de departamento e assinatura do professor. A partir dos anos de 1980, mantm-se os mesmos cdigos, com exce-o do nome e da assinatura do professor que desaparecem e, em seu lugar, aparece a aprovao pelo colegiado do Curso. Muitos documentos se encontram sem o preenchimento de alguns campos, portan-to, com essa configurao de presenas e ausncias, de dilogos e de silncios, que construmos uma interpretao para a trajetria da disciplina de Histria da Educao, no Curso de Pedagogia da UEM.

    Ao analisar os programas da discipli-na de Histria da Educao, optamos por apresent-los em separado, da forma como eles originalmente se realizaram no Curso de Pedagogia. Em Histria da Educao I, encontramos 10 programas disciplinares diferentes e no verificamos o registro de ementas, de objetivos e de bibliografia bsica. Com uma carga horria de 60h/

    aula, ministrada semestralmente, em duas turmas, uma diurna (01) e outra noturna (31), por professores formados em Pedago-gia e Filosofia, sendo que a periodizao e os recortes temticos abordados, em 1973, destacavam a Modernidade e contedos programticos pertinentes a este perodo. Em 1975, com 75h/aula, abordavam te-mas relacionados Educao Primitiva e Antiga, posteriormente, em 1979, tratou-se simultaneamente da Educao no Brasil e da Revoluo industrial. A percepo que se tem, aps a anlise dos 20 formulrios especficos da Histria da Educao I, que esta disciplina foi, nos anos de 1970, sob o cdigo 11212, lugar de indefinies.

    Nos anos de 1980, observamos a manuteno da semestralidade, das duas turmas, do cdigo de referncia disciplinar e da carga horria. Identificamos, tambm, que a periodizao e os recortes temticos se mantiveram em torno da Educao na Antiguidade Clssica e da Idade Mdia sob o registro de duas ementas semelhantes, trs programas disciplinares e duas listas de bibliografias bsicas. Uma constata-o considervel para anlise que, no primeiro semestre de 1980, encontra-se registrado, simultaneamente, aos conte-dos da Educao na Grcia e na Idade Mdia, um item programtico que traz para o debate em sala de aula questes sobre o materialismo histrico dialtico e concepes de trabalho relacionadas aos perodos que seriam estudados. Esse item programtico desaparece no programa organizado para o trabalho em 1983, sendo retomado em 1992.

    A partir de 1992, como j afirmamos,

  • 224 Elaine RODRIGUES; Ftima Ma. NEVES; Sonia Ma. V. NEGRO. Formao de professores: histria...

    o curso passou a ser anual, e a Histria da Educao I passou a ter o cdigo 455 e a carga horria de 136h/aula. Mantiveram-se a periodizao e os recortes temticos dos anos anteriores, todavia, sob outra ementa ento relacionada a um objetivo e programa curricular que enfatizavam a educao no interior dos modos de produo escravista e feudal. Em Histria da Educao II, a exemplo da Histria da Educao I, durante os anos de 1970, tambm era ministrada semestralmente, em duas turmas, 01 e 31 respectivamente, uma diurna e outra noturna, por profes-sores formados em Pedagogia e Filosofia. Encontramos 08 programas disciplinares diferentes, e no se verifica o registro de ementas, de objetivos e de bibliografia bsica. Com uma carga horria de 60h/au-las, a periodizao e os recortes temticos abordados, em 1973, estavam relacionados Educao no Brasil Imprio com con-tedos programticos pertinentes a este perodo. Em 1974, abordaram-se temas relacionados ao Renascimento, Moderni-dade e a Educao brasileira, do perodo colonial contemporaneidade.

    A partir de 1975, temas referentes educao humanista, Reforma, Educao nos sculos XVII, XVIII, XIX e Educao brasileira, da colnia repblica, juntamente com a questo da legislao sobre a educao, confluram no mesmo programa disciplinar. As informaes encontradas nos 22 formulrios sobre a Histria da Educao II revelam que esta disciplina foi, nos anos de 1970, sob o cdigo 11213, um lugar em que os recortes temticos destacavam a histria

    das ideias pedaggicas, panoramicamente. Nos anos de 1980, observamos a manuten-o da semestralidade, das duas turmas, do cdigo referencial da disciplina e da carga horria. Identificamos, a partir do 2o semestre de 1980, que a periodizao e os recortes temticos mantiveram a Educao na Modernidade sob o registro de uma ementa, quatro programas disciplinares e duas listas de bibliografia bsica.

    Nos anos de 1990, no regime serial, a Histria da Educao II passou a ser reconhecida pelo cdigo 461, e sua car-ga horria foi para 68h/aula. Manteve a periodizao e os recortes temticos dos anos anteriores, porm outro programa curricular organizado sob uma ementa diferenciada enfatizava a anlise da sociedade capitalista, desde o perodo de seu surgimento at o sculo XX e os encaminhamentos dados educao, com uma bibliografia mais direcionada aos propsitos disciplinares.

    Em Histria da Educao III, o contedo foi ministrado semestralmente, em duas turmas, uma diurna (01) e outra noturna (31), por professores formados em Pedagogia e Filosofia, tal como a I e II, nos anos de 1970. Encontramos apenas um programa disciplinar, e no se verifica o registro de ementas, de objetivos e de bibliografia bsica. Com uma carga horria de 75h/aula, a periodizao e os recortes temticos, de 1974 at 1981, estavam rela-cionados Educao dos povos primitivos, Educao no Oriente (China, Japo, ndia, Prsia, Assria e Babilnia), no Egito, na Grcia e em Roma antiga.

    Constatamos, por meio de nove

  • Srie-Estudos... Campo Grande, MS, n. 35, p. 219-240, jan./jun. 2013. 225

    formulrios, que esta disciplina, registrada nos anos de 1970 sob o cdigo 1277, no foi concebida com preocupaes que per-mitissem relaes com as discusses pro-postas para a Histria I e II, tanto do ponto de vista dos pr-requisitos de contedo quanto da cronologia, definidos ao estudo. Nos anos de 1980, somente a semestra-lidade e as duas turmas mantiveram-se tal como no perodo anterior. O cdigo de referncia disciplinar passou a ser 11243, a carga horria foi reduzida para 60h/aulas. A periodizao e os recortes temticos se concentraram em torno da Educao no Brasil, do perodo colonial ao republicano.

    Constatamos que os temas da educao brasileira mantiveram-se em destaque durante os anos de 1980, mas as ementas, descrio detalhada do contedo, foram alteradas. A primeira ementa enfa-tizava o recorte educacional, a segunda, aprovada, em 1989, destacou a relao da educao com a economia, alterando tambm o cdigo de sua identificao para 11803, o programa curricular e a bibliografia bsica.

    Nos anos de 1990, no regime serial, a Histria III passou a ser reconhecida pelo cdigo 469, e sua carga horria foi para 68h/aula. Manteve a periodizao e os recortes temticos que a caracterizavam desde o incio dos anos de 1980, a educa-o no Brasil, da colnia a repblica, era o mote. Criou e manteve como objetivo pro-porcionar ao aluno a compreenso de que o estudo especfico da educao no Brasil obedecia s mesmas determinaes gerais que embasam o estudo da educao na sociedade capitalista em suas vrias fases,

    estabelecendo nova ementa, programa e bibliografia bsica. A Histria da Educao III - histria da educao brasileira, foi a nica disciplina que apresentou, depois da dcada de 1990, registro de alterao nos formulrios. Encontramos um documento que revela modificao em seu cdigo para 1712 e uma reduo na bibliografia bsica, todavia manteve a ementa, o obje-tivo e o programa anterior. Observa-se que as ementas desta disciplina, inicialmente, um pouco mais voltada para o processo educacional e os seus principais educado-res, foram, ao longo da dcada de 1980 e 1990, formuladas com base em macro-re-lao da educao com os fundamentos da economia e da poltica.

    A ementa de 1992 objetivava pro-porcionar ao aluno a compreenso de que o estudo especfico da educao no Brasil obedece s mesmas determinaes gerais que embasam o estudo da educao na sociedade capitalista em suas vrias fases. Esta ementa e objetivo nos levaram a re-afirmar a marca de uma periodizao an-corada nos balizadores polticos, haja vista a nfase na compreenso da dinmica do funcionamento do modo de produo capitalista para entender a organizao da educao como mecanismo de reproduo do sistema econmico. Essa concepo, re-velada nos programas disciplinares, emen-tas e objetivos da disciplina em questo, aproximava o curso de Pedagogia local e uma concepo divulgada nacionalmen-te, por um segmento de profissionais da educao que a entendiam como reflexo da sociedade. Esse campo de estudo, ain-da, no comportava a definio de sua

  • 226 Elaine RODRIGUES; Ftima Ma. NEVES; Sonia Ma. V. NEGRO. Formao de professores: histria...

    periodizao. A periodizao da Histria da Educao, deve ser realizada pelo historiador, utilizando como parmetro a base material da sociedade (ALVES, 1981, p. 69). Esse modelo reconhecia nos fatores econmicos uma determinao para com-preenso dos acontecimentos histricos, concebidos como a nica causa ativa dos fenmenos investigados.

    Outra instncia de nossas preocupa-es est vinculada formao continuada do professor, por meio da oferta de cursos de especializao em fundamentos da educao. A garimpagem dos formulrios revelou que estes apresentam, em suas es-truturas curriculares, o programa disciplinar de Histria da Educao associado ao de Filosofia da Educao, intitulado, Histria e filosofia da Educao, ministrado nos Cursos de Especializao ofertados pelos departamentos responsveis pelo curso de Pedagogia na UEM.

    O trabalho de formao de profes-sores, por meio das especializaes, teve incio em 1986 e finalizou-se em 1988, sua rea de concentrao era Funda-mentos da Educao. Concomitantemente ofertou-se, por meio de um convnio cele-brado entre a Universidade e a Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da cidade de Campo Mouro, vizinha a Maring, um curso que teve seu incio em 1986 e encerrou-se em 1989, o mesmo contedo de Histria e Filosofia da Educao fazia parte da estrutura curricular listada, o que demonstra a aceitao e a difuso dessa forma de conceber a disciplina no s na comunidade local, mas na regio. Somam-se a estes mais cinco cursos que

    mantiveram a mesma perspectiva terico-metodolgica para disciplina em questo (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING, 1985c).

    Histria e Filosofia da Educao no so campos de conhecimento distintos, segundo a citada proposta disciplinar, e os temas e autores selecionados revelam que as inquiries epistemolgicas ante-cedem as prprias formulaes dos tpicos que direcionavam o Ensino de Histria da Educao. A Filosofia era o referencial, e embora o ttulo anuncie a possibilidade de conhecer as duas cincias, elas no se apresentam separadas, convivem como nicas e com a supremacia dos princpios filosficos utilizados como amparo para o trabalho com o campo da histria da edu-cao. Tradio marcadamente azevediana (CARVALHO, 1989).

    A oferta da disciplina Histria e Filo-sofia da Educao, uma organizao pro-gramtica que assinalava a importncia de temas tais como: e os homens tornaram-se iguais no mundo (do trabalho); os direitos do homem, os direitos dos cidados; o mo-vimento existe (a histria existe) e se reduz ao mtodo; O mtodo na histria; A histria termina, a cincia parcializa-se e o mtodo torna-se positivo; a soluo para a cultura burguesa: a tragdia e o mito; A histria e a estria de cada um; A filosofia retorna como complexidade lgica; Nem capitalismo, nem socialismo. O produto dos homens domina os homens (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING, 1986a, p. 106).

    A organizao do contedo disci-plinar por ordenao temtica expressa uma tentativa de inovao. O no estava

  • Srie-Estudos... Campo Grande, MS, n. 35, p. 219-240, jan./jun. 2013. 227

    sendo dito para os estudos de histria da educao que se amparavam em marcos cronolgicos e geogrficos. A tentativa era, por meio da complexidade dos temas que envolvem a filosofia e amparando-se na teoria materialista, evidenciar a educao como expresso da correlao de foras advinda da luta de classes. O entendimento do processo educacional era concebido como uma decorrncia das anlises in-terpretativas que levavam ao centro do conhecimento as relaes de trabalho, entendido pela teoria materialista histrica dialtica como processo de atividade hu-mana em que o homem desenvolve a si (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING, 1986b).

    interessante observar que a meta dos defensores deste modelo era proporcio-nar meios para que os educandos adqui-rissem conscincia do mundo fetichizado e ideologizado pelo capital e suas institui-es. A noo de conscientizao estava atrelada a uma converso, a uma deciso de transformao, e principalmente, a um posicionamento filosfico sobre o assunto (LUCKESI, 1983). A escola era veculo de divulgao e reproduo de uma ideologia, a qual se intentava compreender e desmis-tificar, por estas premissas, e justificava-se a prioridade em ministrar a disciplina Histria da Educao com o enfoque no contexto, afirmava-se ser necessrio conhecer para alm dos muros da escola.

    A noo de educao nos progra-mas disciplinares, ementas e objetivos apareciam como expresso necessria das relaes sociais que as caracterizam. A anlise das sociedades (escravista, feudal,

    moderna e capitalista) antecedia anlise dos fenmenos e encaminhamentos dados educao, estes seriam compreendidos a partir da relao com a economia. A edu-cao compreendida como decorrncia de um modelo econmico.

    A nosso ver a compreenso de educao subjacente a esses programas insere-se nas tendncias que a concebem como um campo genrico, indefinido epistemologicamente, que no tem um estatuto prprio, uma compreenso que est muito mais prxima das tendncias que a identificam como decorrente de um mecanismo social reprodutor e de afirma-o do carter desigual das classes, am-plamente estudados por Pierre Bourdieu, Michel Verret e Yves Chevallard. Portanto, diferente da tendncia que entende a edu-cao e a escola relacionando-as com os modelos sociais e, logo, produzindo cultura e conhecimento, como defendem Andr Chervel, Ivor Goodson, entre outros.

    Considerando esses aspectos que conferiram identidade, no interior do Curso de Pedagogia, por meio da disciplina de Histria da Educao, e que sob diferen-tes formatos atuou no sentido de auxiliar na consolidao e na problematizao da formao de professores, assim como as preocupaes com as transformaes ocorridas com o campo da Histria da Educao, veiculadas e divulgadas pela historiografia, nos preocupamos com os historiadores da educao formados neste formato, com essa formulao disciplinar de Histria da Educao que se preocupou com a manuteno e a reproduo de um referencial terico pr-definido, mas no

  • 228 Elaine RODRIGUES; Ftima Ma. NEVES; Sonia Ma. V. NEGRO. Formao de professores: histria...

    se ateve, pelos menos no consta nos programas, para os procedimentos bsicos do exerccio de se fazer histria, identifican-do mtodos, fontes, categorias histricas, noes bsicas sobre periodizao.

    Os saberes produzidos pela histria da educao: sobre sua circulao

    A anlise dos trabalhos produzidos pelos discentes nos cursos de ps-gradua-o Lato Sensu em Educao, e a dos trabalhos resultantes dos programas de PIC e PIBIC forneceram elementos para iden-tificar e avaliar as prticas pedaggicas, observando o nvel de assimilao e de aculturao entre os discentes. Subsidiam, ainda, o avaliar da distncia entre o que se ensinou e o que se aprendeu. E por lti-mo, a verificao do que se fez surgir entre os discentes, se uma autonomia, vontade prpria contrariando a lgica das finali-dades das disciplinas, ou a adequao ao saber proposto (CHERVEL, 1990, p. 208).

    As caractersticas desse movimento de renovao na Histria da Educao podem ser observadas nas propostas da recentrao temtica, na diversificao metodolgica e nas novas estratgias de pesquisa, bem como na consolidao de uma comunidade cientfica em Histria da Educao (NVOA, 1994).

    Verificar quais contedos program-ticos da Histria da Educao so privile-giados no desenvolvimento dos trabalhos discentes de PIC/PIBIC; Selecionar dentre a produo discente em Histria da Educa-o resultantes dos trabalhos dos cursos de ps-graduao Lato Sensu em Educao

    os textos que recortam como objeto de es-tudo os contedos da disciplina Histria da Educao; Identificar os recortes temticos que caracterizam a produo dos trabalhos monogrficos produzidos pelos cursos de ps-graduao Lato Sensu em Educao/UEM e ainda, estabelecer a relao entre os contedos disciplinares e os recortes foram privilegiados como temticas de investigao nos trabalhos resultantes dos cursos de ps-graduao.

    Num primeiro momento, por meio de investigao de iniciao cientfica, foi feito um levantamento de todas as mono-grafias do curso de especializao da rea de Fundamentos da Educao. Em seguida elaboramos uma ficha catalogrfica que norteou a anlise das monografias e tam-bm dos relatrios resultantes dos projetos de iniciao cientfica PIC (sem financia-mento/bolsa para o estudante) e PIBIC (com financiamento).

    Com relao s monografias dos cursos de especializaes, nem todas es-tavam com o nmero de catalogao da biblioteca. Das 74 monografias encontra-das, 30 destas no estavam catalogadas, dificultando o nosso trabalho, pois o acesso a elas s era possvel em horrio comercial. Na tentativa de identificar os fundamentos terico-metodolgicos, nas monografias dos cursos de especializaes e nos rela-trios de PIC e PIBIC, nos deparamos com falta de clareza. Muitos dos trabalhos no trazem o referencial claramente, foi com um pouco mais de leitura, principalmente na introduo dos trabalhos, que pudemos perceber o referencial, informao esta que deveria estar presente no resumo e no

  • Srie-Estudos... Campo Grande, MS, n. 35, p. 219-240, jan./jun. 2013. 229

    na introduo. A maioria dos trabalhos, quantificada na ordem de 95%, a anlise pelos autores anunciada apresenta a ques-to a ser estudada, ou seja, o objeto do trabalho, submetido a um referencial que considerava qualquer elemento de estudo, neste caso monogrfico, como decorrente do nvel das foras produtivas pertinentes s relaes de trabalho estabelecidas na sociedade capitalistas.

    Nos relatrios oriundos dos proje-tos de iniciao cientfica, em suas duas formas PIC (sem financiamento) e PIBIC (com financiamento) havia inteno em definir qual referencial terico-meto-dolgico amparava o desenvolvimento do trabalho, porm essa informao no est nos resumos, e sim no incio do item Desenvolvimento, parte integrante dos relatrios finais dos projetos de PIC e PIBIC.

    Outras monografias no evidencia-vam clareza de que era necessrio ter um referencial terico como amparo para as anlises apresentadas. Referente ao recorte temtico, as monografias apresentam, em seu ttulo, a inteno de realizar estudos referentes ao Brasil, mas os textos tratam da Europa. O Brasil aparece como coad-juvante, sua histria escrita como uma decorrncia, como um desdobramento da histria geral do capitalismo ocidental. A crena na importao de modelos, na premissa colonizadora que considerava o Brasil como um pas devedor, ptria de um povo sem tradio, revela-se como marca indelvel.

    Das 85 monografias de cursos de especializao, ofertados pela rea de Fundamentos da Educao, catalogamos

    74, sendo 11 no encontradas. Com os re-latrios de PIC e PIBIC tivemos maior xito, apenas 1 relatrio no estava disponvel.

    O primeiro curso de Especializao em fundamentos da educao aconteceu no ano de 1983 e foi reeditado anualmente at 1986. As quatro turmas somaram um total de 35 monografias defendidas. Desta-camos que estes quatro cursos de especia-lizao em Fundamentos da Educao no apresentaram nos trabalhos de concluso o item resumo. Ousamos afirmar que no houve a priorizao desse elemento por seus autores e orientadores devido falta de obrigatoriedade, caracterstica daquele perodo, o que difere de nossa prtica para a realizao de pesquisa nos dias de hoje.

    O quinto curso de especializao intitulou-se, O pensamento educacional no Brasil, do qual resultou uma produo de 11 trabalhos monogrficos. Esta turma foi ofertada no ano de 1995. merecedor de destaque o fato de que 9 de seus alu-nos tornaram-se professores efetivos das Instituies de Ensino Pblico Superior do Paran. O sexto curso, Educao pblica no Brasil, registra 10 defesas de mono-grafias, e o stimo curso, de mesmo ttulo, finaliza-se com um total de 25 trabalhos.

    O primeiro ponto que nos chamou a ateno, em todas as monografias, h uma seo denominada retrospectiva histrica. Os autores demonstram preocupao em realizarem contextualizao histrica, ao desenvolverem suas pesquisas as quais dedicam um captulo especfico para apresentao dessa recuperao histrica. Os autores das referidas monografias, ao realizarem este resgate histrico buscam,

  • 230 Elaine RODRIGUES; Ftima Ma. NEVES; Sonia Ma. V. NEGRO. Formao de professores: histria...

    incessantemente, as origens dos aconte-cimentos, subentendendo, estar contidos nessa ascendncia, a essncia, uma pos-svel explicao para estes fatos.

    Para Foucault (1972, p. 11) o histo-riador deve rever esta postura, de sempre buscar explicao na origem dos fatos histricos, prescrevendo que a anlise histrica no deva partir, somente [...] dos comeos silenciosos, no mais a regresso sem fim em direo aos primeiros pre-cursores, mas a demarcao de um tipo novo de racionalidade e de seus efeitos mltiplos.

    Estes estudos tendem a no consi-derar as rupturas, os intervalos de tempos do fazer histrico, como se a linearidade, apresentada como padro narrativo, pu-desse dar cientificidade ao estudo. Todavia, essa prtica vem sendo revista por intelec-tuais do campo da Histria e da Histria da Educao, para Foucault (1972, p. 9) filsofo francs [...] as sucesses lineares, que at ento tinham sido o objeto da pesquisa, foram substitudas por um jogo de rompimentos em profundidades.

    No campo da Histria da Educao, Lopes e Galvo (2001, p. 38) reforam essa tendncia dos pesquisadores em fazer a Histria de modo linear, o que acaba por dar a impresso de que o processo histrico, cronologicamente, delimitado por marcos polticos ou econmicos, caminha, necessariamente, em direo ao progresso.

    Outro ponto, em que nos saltaram os olhos, refere-se leitura da realidade que os pesquisadores pretendem quando enveredam pelo campo da pesquisa hist-

    rica. Nota-se nas monografias do perodo de 1983 a 2003, que estes estudiosos, ao buscarem as origens dos acontecimentos e retratarem a Histria de forma linear, almejavam encontrar algum tipo de passado-verdade.

    Pesavento (2005) ressalta que aban-donar as verdades absolutas no uma prtica frequentemente utilizada pelos historiadores e, da mesma forma, pelos historiadores da educao, j que esse processo causa, ainda, muito incmodo. A nosso ver, admitir essas transformaes no modo de fazer pesquisa, no campo da Histria da Educao, defender que no h verdades universais, no existe uma nica verso da Histria, e que no pode-mos prever o resultado do estudo, j que a escrita da Histria feita e refeita por ho-mens, em diferentes lugares e momentos. Essas incertezas trazem insegurana aos estudiosos deste campo, uma vez que no h fronteiras do que o fim ou comeo de um estudo.

    Ensino de histria da educao e ensino de histria: interfaces

    Currculo Bsico para a Escola Pblica do Estado do Paran, editado e assumido oficialmente pela educao fun-damental em 1990, d destaque aos pres-supostos tericos norteadores do Ensino de Histria e suas relaes com o Ensino de Histria da Educao veiculado por meio de Cursos de Especializao ofertados

  • Srie-Estudos... Campo Grande, MS, n. 35, p. 219-240, jan./jun. 2013. 231

    pelo Departamento de Educao3 da UEM, que configuram formao continuada de professores.

    O Currculo Bsico para a Escola Pblica do Paran e os programas disci-plinares so uma possibilidade de estudos acerca dos espaos internos e externos escola. Externos porquanto, afirma Goo-dson (1995, p. 17), como qualquer outra reproduo social, ele constitui o campo de toda sorte de estratagemas, interesses e relaes de dominao. Inegavelmente portadoras de contradies em todo o seu processo de produo e implantao, iniciando pelas articulaes e conciliaes na fase de confeco, momento de tenses e de acordos entre os vrios sujeitos que as produzem (BITTENCOURT, 1998, p. 128). A produo do currculo como artefato da educao escolarizada negociada e reproduzida, denota o estabelecimento pblico de normas que direcionam o fazer programtico das disciplinas escolares adentrando o mbito interno, portanto.

    Do Currculo Bsico, seccionamos a proposta para o Ensino de Histria porque a identificamos como um campo aut-nomo e norteador de todo o documento. Ganhou especial destaque, foi tomado poca como um aliado4 consciente do

    3 Este departamento foi dividido em dois no ano de 1988. Passou-se ento a denominar Departamento de Fundamentos da Educao e Departamento de Teoria e Prtica da Educao, ambos responsveis pelo Curso de Pedagogia.4 Outros documentos do perodo, tambm editados pela Secretaria de Estado da Educao do Paran, destacam o Ensino de Histria como um aliado

    compromisso poltico do professor, que socialmente deveria objetivar com o ato educativo a igualizao dos homens (RODRIGUES, 2004, p. 57).

    A proposta para o Ensino de Histria estabelece considerar, como pressuposto, para a elaborao dos contedos de His-tria de 1o Grau5 que um simples reorde-namento, um arranjo novo de contedos antigos, segundo frmulas cansadas, no teria sentido (PARAN, 1990, p. 81). A afirmao justificada na declarao de uma nova meta em relao disciplina de Histria e, para isso defendiam uma ne-cessria renovao das concepes sobre a natureza do processo histrico e sobre o ensino de histria (PARAN, 1990, p. 81).

    O texto documental elucida que a renovao pretendida no se vinculava Histria dos vencidos ou da Histria dos vencedores, mas da Histria da relao tra-vada entre um e outro (PARAN, 1990, p. 81). A frase denota uma tomada de posio em defesa de uma vertente interpretativa que se torna preponderante no Paran, mas no hegemnica6. Essa opo terico-

    no processo de redemocratizao da nao. Cito a ttulo de exemplo PARAN. Projeto Pedaggico: 1987-1990. Curitiba: SEED, 1987. E ainda, PARAN. Polticas da SEED-PR: fundamentos e explicitao. Curitiba: SEED, ago., 1983.5 1o Grau: denominao utilizada poca para designar o que hoje identificamos como Ensino Fundamental.6 No ano de 1992, dois anos depois da edio do Currculo Bsico para a Escola Pblica do Paran, em uma nova gesto governamental, publica-se o texto Paran Construindo a Escola Cidad que, tal como a recomendao anterior, pretendia-se

  • 232 Elaine RODRIGUES; Ftima Ma. NEVES; Sonia Ma. V. NEGRO. Formao de professores: histria...

    metodolgica para formulao curricular que norteia a proposta para o Ensino de Histria estrutura-se por uma matriz filosfica materialista de interpretao da realidade. Por esse motivo, afirma que pretende fixar suas bases interpretativas nas relaes entre um e outro.

    O trabalho com essa teoria refora-ria, por princpio, a conscincia de classe social, de pertencimento a uma das que compem o cenrio social. O trabalho com a denominada relao significava conhecer o movimento de luta entre elas e, de posse desse ferramental, o aluno po-deria ento se engajar em um movimento de transformao social. Esse discurso poca, em meio a um universo de re-democratizao social, de finalizao do perodo ditatorial, foi amplamente aceito e divulgado. Segundo Nunes (1996, p. 70), grande parte do que se escreveu nas dcadas de 80 e 90 foi uma contribuio de professores ligados aos cursos de ps-graduao em educao que optavam predominantemente pelo materialismo histrico como paradigma analtico para a sociedade.

    Conceituar os elementos essenciais da mudana pretendida era uma priorida-de e, segundo as idealizadoras do projeto, explicitar quais seriam os elementos da

    representar uma inovao para a organizao escolar. O contedo deste novo referencial difere do anterior assumindo outra base interpretativa para os problemas educacionais. Mas importante esclarecer que o documento de 1990 encontra-se oficialmente em vigor no Paran, ainda que tenha sido esquecido por algumas gestes.

    renovao, seus princpios, temas, objetos e mtodos para que se pudesse entender a forma da Histria, isto , apreender de modo crtico os princpios que possibilitam a construo da Histria como cincia (PARAN, 1990, p. 82).

    A explanao acerca dos princpios terico-metodolgicos foi apresentada em trs itens considerados essenciais: 1. Enten-der a Histria como o devir do homem. 2. A Histria o produto da prtica concreta do homem. 3. A Histria um processo.

    O primeiro ponto pressupe a His-tria como produto da ao de todos os homens, do conjunto da humanidade. O conceito de trabalho considerado central e deveria ser entendido como um processo de atividade por meio do qual o homem de-senvolve a si mesmo, tornando-se sujeito de sua prpria Histria (PARAN, 1990, p. 82).

    O segundo princpio permite nortear o estudo das sociedades no tempo e no espao pela compreenso do que estas tm de original e de comum com as outras, ao mesmo tempo diferentes. Procura-se resgatar a multilinearidade da Histria, isto , o entendimento de que o estudo das sociedades no feito linearmene, por suas causas e consequncias ao longo do tempo cronolgico, mas pela anlise da ao dos homens em tempos e espaos diferentes. o princpio que permite a viso de totalidade (PARAN, 1990, p. 82).

    E o terceiro e ltimo elemento aponta para a necessidade de conhecer a Histria como processo, significa estud-la em seu movimento contnuo dinmico, total e plural. (...) O objetivo estudar a vida das sociedades em seus vrios aspectos,

  • Srie-Estudos... Campo Grande, MS, n. 35, p. 219-240, jan./jun. 2013. 233

    pretende-se recuperar a dinmica, prpria, de cada sociedade (PARAN, 1990, p. 82).

    A nova meta manifestada na pro-posta pretendia romper com a organizao dos contedos que, at ento, atendiam uma lgica que supunha que a Histria era composta de uma infinidade de fatos, identificados e isolados pelo historiador, encadeados pela narrativa. Essa tentativa de inovao intentava romper com uma cronologia linearizada, confundida com uma corrente de causas e efeitos, em linha ascendente, da pr-histria aos nossos dias (PARAN, 1990, p. 81).

    A crtica mais severa feita pelas idealizadoras da proposta curricular para o ensino de Histria editada em 1990, pautava-se no entendimento de que Estu-dar Histria parece ser uma atividade que exige muito pouco: decorar fatos, nomes e datas, aprender explicaes genricas e j empacotadas para o consumo (PARAN, 1990, p. 81). Analisando a proposta pa-ranaense que pretendia repensar os con-tedos bsicos das disciplinas no que se refere aos aspectos terico-metodolgicos de cada rea de conhecimento (PARAN, 1990, p. 8), destacamos o entendimento da Secretaria de Estado da Educao do Para-n acerca da possibilidade de permitir que a maioria da populao pudesse dominar a soma de conhecimentos j acumulados atravs dos tempos, para que todos pudes-sem se incumbir de criar uma nova socie-dade. O enfoque estava no contedo a ser trabalhado. Especificamente relacionada ao campo disciplinar da Histria, a propos-ta paranaense propunha-se a desenvolver um trabalho em que ensinar Histria fosse

    sinnimo de educar os jovens para serem crticos, capazes de participar, capazes defenderem sua classe social.

    Essa proposta uma tentativa de descartar o componente conservador incorporando nos programas de Histria uma perspectiva mais comprometida com a participao, por meio de um discurso, para trabalhar com contedos mais sig-nificativos sociedade. Os significados so construdos, e essa significao no desarticulada dos interesses que a com-pem e propem. No final do sculo XX, as renovaes curriculares objetivaram fornecer escola subsdios para que esta formasse o seu educando criticamente. Projetava-se na proposta para o Ensino de Histria uma educao eivada de conte-dos sociais (RODRIGUES, 2004).

    A rigor temos duas instncias de produo do conhecimento uma no ensi-no superior Programas disciplinares de Histria e Filosofia da Educao, a outra, no padro fundamental Currculo Bsico do Paran. Embora em nveis educacionais distintos, o discurso que elas veiculam o mesmo. A nfase est na formao do cidado crtico, quer seja para ocupar socialmente o lugar de professor ou de aluno. Ensinar por meio dos textos dos pensadores os temas listados implicava fornecer ao futuro professor o ferramental terico que o currculo bsico evidencia como renovador. Aqui reside a aproxi-mao possvel de ser estabelecida entre essas fontes.

    Esses Programas so expressivos por muito bem representarem os anseios relacionados formao de professores, no

  • 234 Elaine RODRIGUES; Ftima Ma. NEVES; Sonia Ma. V. NEGRO. Formao de professores: histria...

    perodo marcado pelo fim da dcada de 80 e incio dos anos de 1990, quando permi-tem, ao examinar seu prprio contedo, no-tabilizar o conhecimento que se produziu pela disciplina em questo, observando-a como entidade cultural autnoma, como criao didtica original (CHERVEL, 1990), registrando sua consonncia com as finali-dades determinadas pelo Currculo Bsico para compor o rol de preocupaes com o Ensino de Histria no 1o Grau.

    Imprescindvel avultar que os dois documentos concebem disciplina e currculo como formas de acentuar a hierarquizao dos saberes como base para a constituio de conhecimentos fun-damentais para a sociedade, porquanto defendem que, de posse de certa erudi-o, o sujeito passaria a defender-se da opresso. No caso do Ensino de Histria e do contedo de Histria e Filosofia da Educao ministrados no Paran, os dois apresentam a mesma fundamentao epistemolgica, direcionam seus esforos para a formao do cidado comum ten-tando oferecer a ele um ferramental para o entendimento e a interveno em seu meio social. Os dois exemplos pretendem-se pro-dues cientficas porque amparados em princpios filosficos, entretanto a Filosofia e Histria da Educao foram incorporadas nos currculos acadmicos como discipli-nas formadoras, e no propriamente como cincias.

    O Brasil vivenciava nesse perodo o incio de um processo de redefinio dos diferentes campos disciplinares de conhecimento, a Histria e a Histria da Educao beneficiaram-se pela ampliao

    de suas fontes, de seus objetos e de seus mtodos. Conquistaram e estabeleceram dilogos com outras disciplinas, e aqui destacamos a sociologia e os interesses pelos estudos sobre currculo que muito contriburam no redimensionar do para-digma da Histria Educacional. No que tange Filosofia, os novos olhares tambm foram construtivos permitindo a pesquisa que evidenciasse o que lhe era peculiar.

    No Paran, mais especificamente na UEM, podemos afirmar que a elaborao de um currculo, como quer Goodson (1995, p. 27), foi um processo pelo qual se inventou uma tradio. No como acontece com toda tradio, algo pronto de uma vez por todas; , antes, algo a ser defendido onde, com o tempo, as mistifica-es tendem a se construir e reconstruir. Mantm-se um formato disciplinar que opta por no separar os campos da Histria da Educao e da Filosofia da Educao, tendem a corroborar um discurso pedag-gico doutrinrio e ensasta como entende da historiografia especializada da rea.

    Os programas disciplinares ministra-dos em cursos de especializao ofertados at o ano de 20007 mantiveram a mesma fundamentao, a mesma seleo de con-tedos. A tradio inventada na dcada de 1990 foi soberana na luta para fazer crer

    7 Programas registrados nos processos n. 0099/83- turma 01; 0799/84 turma 02; 1161/85 turma 03; 0548/86 turma 04 (Cursos intitulados: Es-pecializao em Fundamentos da Educao). A partir do ano de 1993 tivemos mais trs turmas, processo 0181/93 turma 01; 0969/97 turma 02; 2792/00 turma 03.

  • Srie-Estudos... Campo Grande, MS, n. 35, p. 219-240, jan./jun. 2013. 235

    que determinada verso de currculo ou disciplina era boa, manteve-se um espa-o onde as mistificaes se construram e reconstruram o que permitiu a reproduo da tradicionalidade. As escolas refletem e refratam, de acordo com a dinmica que lhes prpria, definies de sociedade e, da mesma forma, sobre os conhecimentos culturalmente vlidos (GOODSON, 1995).

    A tentativa de captar as rupturas, as descontinuidades que permitem diferentes interpretaes que se cunham por meio do no negligenciar dos aspectos menos evidentes nos documentos torna possvel afirmar, juntamente com Bittencourt (2004), que a constituio desse currculo ou dessa disciplina foi o resultado de disputas entre os conhecimentos que deveriam fazer parte do saber escolar.

    O esforo para manuteno de uma tradio interpretativa e conceitual tanto no Currculo Bsico como nos programas disciplinas de Histria da Educao no Estado do Paran pode ser atestado pela informao de que, desde a inaugurao desse discurso, ele vem se renovando e se mantendo, como uma tradio. A importante noo de transitoriedade to presente em nosso mundo contemporneo parece no fazer parte das preocupaes que reproduzem o texto discursivo datado pela publicao dos documentos aqui eleitos como fontes. Larrosa (2002) afirma que todo texto um prlogo, um esboo, no momento em que se escreve, uma mscara morturia alguns anos depois, quando no outra coisa a no ser a figura j sem vida dessa tenso que o gerou e animou. Currculo e programas

    disciplinares so textos, so descobertas, mas como soluo conveniente apresenta poucas possibilidades de generalizao no que tange efetiva preocupao com o mbito interno da ou das escolas.

    Manter a tradio sob a forma de interpretao do objeto educacional proposto por esses textos/documentos compartilhar uma noo estandartizada, acreditar que temos a funo de orientar as conscincias oprimidas, sobretudo, seria, guiarmo-nos por um cdigo moral no fazer da Histria da Educao ou da Histria. Interrogamo-nos, ainda, sobre a ideia de que, de posse dos princpios tericos listados como fundamentais no Currculo bsico, o indivduo estaria em condies de agir socialmente, porquanto teria em mos um ferramental orientador. A ideia central, assim nos parece, utilitarista, obrei-ra, como se toda e qualquer atitude, toda e qualquer pesquisa pudesse adequar-se a este arcabouo terico. As finalidades das propostas que foram analisadas primam por uma concepo de histria que tende a homogeneizar os estudos relacionados ao campo da histria, e a histria da edu-cao, com suas especificidades, a figura.

    O contedo: ressignificado / sistematizado

    Entende-se que o estudo sobre a construo do campo disciplinar pode contribuir de forma significativa para com-preenso do sistema educativo, pretenden-do diminuir as dificuldades que a escola enfrenta ao transmitir os conhecimentos de maneira sistematizada, visto que nem

  • 236 Elaine RODRIGUES; Ftima Ma. NEVES; Sonia Ma. V. NEGRO. Formao de professores: histria...

    tudo que planejado pode ser executado. A ordem, a escolha e a importncia do contedo dependero dos pressupostos tericos com os quais o professor mais se identifica. importante registrar que os pro-fessores possuem interpretaes prprias dos textos e seguem uma determinada linha terico-metodolgica, isto , segundo Chervel (1990), um elemento constituinte da disciplina.

    Percebe-se que o estudo acerca do campo disciplinar fornece subsdios importantes prtica pedaggica, no en-tanto Chervel (1990 p. 177) ressalta que o interesse dos docentes por esse campo muito recente, estes, ao invs de realizarem pesquisas sobre uma determinada prtica ou poca histrica, tm procurado conhe-cer a histria da sua prpria disciplina. Essa ideia tambm reforada por Lopes e Galvo (2001, p. 15) ao dizer que muito do que ocorre no mundo da educao ainda pouco conhecido pelos seus pesquisadores e mesmo pelos professores.

    Na Histria da Educao, durante muito tempo recorreram-se aos documen-tos oficiais escritos, porm os pesquisadores foram, nas relaes estabelecidas com o historiador de oficio, alargando e diversifi-cando suas fontes e suas abordagens, pas-sando assim a gizar de maneira diferente a pesquisa historiogrfica. O interesse da Histria, j no mais se cristaliza exclusiva-mente sobre os grandes homens, deixando de lado nossos heris e empenha-se tam-bm em interessar-se na histria de todos os homens (LE GOFF, 2003, p. 541).

    Para alm da utilizao de docu-mentos oficiais, abriu-se aos historiadores

    um conjunto de opes documentais no-oficiais como, fotografia, pintura, dana, literatura, imprensa pedaggica, mveis, currculo, produo discente e docente, entre outros, e tornaram-se importantes nos estudo sobre as instituies escolares. A renovao das fontes e de seu conceito possibilita ao professor-pesquisador a elaborao de teorias, que podem, poste-riormente, vir a serem aplicadas na prpria instituio.

    Para Chervel (1990) este novo olhar evidencia o carter eminentemente criati-vo do sistema escolar, desmistificando a imagem da escola como apenas repro-dutora de conhecimentos e encerrada na passividade. O lugar de produo, no qual se encontra cada professor, e de cada aluno faz com que a reproduo de conhecimentos, dentro do universo escolar no se torne regra, mas vale salientar que esta reproduo pode at acontecer, mas no ocorrer sem haver resistncias e nem sempre da mesma maneira. Entendemos que nossas fontes integram esse quadro. No entendimento desse estudioso, a escola forma indivduos, mas em contrapartida tambm forma uma cultura que adentra, adapta e transforma a cultura da sociedade que a permeia (CHERVEL, 1990 p. 184). Aos historiadores das disciplinas escolares cabe identificar como ocorre apropriao dos contedos ensinados no interior das instituies educativas, haja vista que es-tes so ressignificados, por cada discente de forma diferenciada. Como nos lembra Chervel (1990, p. 209), os trabalhos dos prprios alunos so evidentemente a fonte primria.

  • Srie-Estudos... Campo Grande, MS, n. 35, p. 219-240, jan./jun. 2013. 237

    Ao problematizar como a produo discente tem (re)significado o contedo das disciplinas ensinadas, deparamo-nos com informaes e documentos muitas vezes incompletos, o que confirma a pre-missa de que estes so sempre vestgios e nada nos falam seno quando sabemos interrog-los, a pergunta que fazemos a eles que direcionar o andamento de nossas investigaes (BLOCH, 2001, p. 79).

    No que tange seleo, Lopes e Galvo (2001, p. 77) afirmam que no somos ns, unicamente, que conduzimos a separao dos documentos. Essa j foi feita tanto pelos que produziram o material, quanto por aqueles que organizam as bibliotecas e tambm pelo prprio tempo, o passado em sua totalidade, nunca completamente apreensvel. A documen-tao, no necessariamente o conjunto de materiais que sobreviveram do passado, mais uma opo realizada pelas foras que operam no desenvolvimento do mundo e da humanidade ou pelos que se dedicam cincia do passado, os historiadores (LE GOFF, 2003). O Ser-professor que desen-volva pesquisas e saiba refletir sobre sua disciplina, modificando quando necessrio sua prtica pedaggica, o desafio enfren-tado por todos que se dedicam ao ensino, em qualquer um de seus nveis.

    Consideraes finais

    Desde a ltima proposta curricular, em 2005, o esforo entre os profissionais da Histria da Educao, do Curso de Pedago-gia, da UEM, vem se concentrando em ofere-cer, por meio do ensino, subsdios para que

    os temas consagrados e tambm os novos ganhem maior familiaridade e pertinncia com o trato do histrico, lembrando que os fatos so construes dos historiadores, e no um dado pronto e acabado. Tem-se pro-curado tratar a teoria em sua historicidade, evitando assim que ela se transforme em um ponto de vista, e sua discusso, em um vazio de opinies (CHIAMPI, 1991).

    Nvoa (1994, p. 23) registra que A histria no deixou de ter sentido, mas deixou-se de haver um sentido da Histria que construa e organizava a narrativa do passado. Novos argumentos justificam, hoje, a ausncia de um modelo terico consensual. Tem-se procurado, no exerccio do ensino de Histria da Educao, oportu-nizar reflexes sobre como os educadores/pedagogos podem se inserir no conjunto de reflexes sobre a Histria, dominar e reconhecer a Histria como campo de conhecimento uma prioridade, quer no terreno terico quer na atividade prtica com a Histria.

    Outra prioridade a de conceber a Histria como um campo de produo de conhecimentos, que tem teorias prprias, que carece de fontes (qualquer vestgio deixado pelo homem) para auxiliar os his-toriadores a criarem interpretaes sobre as aes humanas no tempo e no espao; reconhecer, fundamentalmente, a impor-tncia da diferena entre a histria vivida e a escrita da histria; identificar, no exerccio do ensino de histria da educao que o conhecimento histrico uma operao intelectual que visa produo de uma concepo e inteligibilidade acerca do passado, que constri novos significados.

  • 238 Elaine RODRIGUES; Ftima Ma. NEVES; Sonia Ma. V. NEGRO. Formao de professores: histria...

    Da a importncia da periodizao e da afirmao de Almeida (1988, p. 115), [...] os marcos histricos devem ser pertinentes rea do objeto de estudo. Os dois nveis de ensino, aqui tomados como objetos de estudos, amparam-se em objetivos propos-tos poca, voltando seus enfoques para a adequao do educando ao discurso oficialmente registrado como proposta curricular ou ainda disciplinar, legitimadora de um pensar homogeneizador em histria e histria da educao, dificultando o apa-recimento de formulaes diversificadoras que destacassem um universo disciplinar que se constitusse como plural permitindo um pensar e um agir tambm diverso.

    Para finalizar este texto, conside-ramos importante ressaltar que o fazer

    histria hoje, particularmente, no que diz respeito educao, pressupe pluralismo e conflitualidades, indeciso e incertezas. A Histria da Educao tm sido vista pelos historiadores como sendo uma coleo de muitas histrias, entretanto, histrias interligadas, uma vez que possuem o mesmo objeto de pesquisa: a educao. Vale salientar que, embora investiguem o mesmo objeto, essas histrias da educao possuem uma caracterstica fundamental, so interpretativas, por isso, prprias e diferenciadas, mas nunca desconexas. Cabe ao educador, pedagogo, a nosso ver, conhecer a trajetria da disciplina ou do campo de estudo em que deseja atuar, pois somente assim, ter subsdios para refletir sobre sua prtica.

    Referncias

    ALMEIDA, Maria ngela Vinagre. Histria da educao brasileira o problema de sua periodi-zao. In: Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos, Braslia, n.161, p. 112-141, jan./abr. 1988.

    ALVES, Gilberto. Da Histria Histria da Educao. So Carlos: UFSCAR, 1981.

    ASSOCIAO NACIONAL PELA FORMAO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAO. Associao Nacional de Pesquisa em Ps Graduao. Centro de Estudos Educao & Sociedade, Campinas: CEDES, 2005.

    BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de Histria: fundamentos e mtodos. So Paulo: Cortez, 2004.

    ______. Propostas curriculares de histria: continuidades e transformaes. In: BARRETO, Elba Siqueira de S (Org.). Os Currculos do ensino fundamental para as escolas brasileiras. Campinas, SP: Autores Associados, 1998. p. 127-161. (Coleo Formao de Professores).

    BLOCH, Marc. Apologia da histria, ou, o ofcio do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2001.

    BRASIL. Ministrio da Educao e Cultura. Portaria n. 2253, de 18 de outubro de 2001. Dirio Oficial da Unio de 19 de outubro de 2001.

  • Srie-Estudos... Campo Grande, MS, n. 35, p. 219-240, jan./jun. 2013. 239

    ______. Ministrio da Educao e Cultura. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educao nacional. Braslia, DF: MEC, 1996. Disponvel em: . Acesso em: 11 maio 2012.

    CAMBI, Franco. Histria da pedagogia. Traduo de lvaro Lorencini. So Paulo: Editora UNESP, 1999.

    CARVALHO, Marta M. Chagas de. A escola e a repblica. So Paulo: Brasiliense, 1989.

    CHERVEL, A. Histria das disciplinas escolares: reflexes sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educao, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 177-229, 1990.

    CHIAMPI, Irlemar (Coord.). Fundadores da modernidade. So Paulo: Editora tica, 1991.

    FOUCAULT, Michel. Introduo. In: FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Petrpolis, RJ: Vozes; Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, 1972. p. 3-20.

    GOODSON, Ivor F. Currculo: teoria e histria. Petrpolis, RJ: Vozes, 1995.

    LARROSA, Jorge. Literatura, experincia e formao. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Caminhos investigativos: novos olhares na pesquisa em educao. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 133-160.

    LE GOFF, Jacques. Histria e memria. Traduo de Bernardo Leito, et al. 3. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.

    LIBNEO, Jos Carlos. Que destino os educadores daro Pedagogia? In: PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Pedagogia, cincia da educao? So Paulo: Cortez, 2001. p. 107-134.

    LOPES, Eliane Marta Teixeira; GALVO, Ana Maria de Oliveira. Histria da educao. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

    LUCKESI, Cipriano Carlos. Equvocos tericos na prtica educacional. Rio de Janeiro: ABT, 1983.

    MELLO, G. N. Magistrio de 1o grau: da competncia tcnica ao compromisso poltico. So Paulo: Cortez; Campinas: Autores Associados, 1982.

    NEGRO, Sonia Maria Vieira; FERREIRA, Magda Maria de Marchi. A trajetria do curso de Peda-gogia da Universidade Estadual de Maring no perodo de 1973 a 1983. Relatrio de Pesquisa de Iniciao Cientfica (PIC), Maring: Universidade Estadual de Maring, 2006.

    NVOA, Antnio. Histria da Educao: percursos de uma disciplina. In: ______. Histria da Educao. Lisboa: Faculte de Psychologie et ds Sciences de lducation de lUniversity de Lisbonne, 1994. p. 1-33.

    NUNES, C. Ensino e historiografia da educao: problematizao de uma hiptese. Revista Brasileira de Educao, Campinas, n. 1, p. 67-79, jan./abr. 1996.

    PARAN. Secretaria de Estado da Educao. Currculo Bsico para a Escola Pblica do Estado do Paran. Curitiba: SEED, 1990.

    PESAVENTO, S. J. Histria & Histria Cultural. Belo Horizonte: Autntica, 2005.

  • 240 Elaine RODRIGUES; Ftima Ma. NEVES; Sonia Ma. V. NEGRO. Formao de professores: histria...

    RODRIGUES, Elaine. Reformando o ensino de histria: lies de continuidade. Histria, So Paulo, v. 23, n. 1-2, p. 49-68, jan./jun. 2004.

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING. Processo n. 0548/86 CEP. Maring: UEM, 1986a.

    ______. Processo n. 1161/86 CEP. Maring: UEM, 1986b .

    ______. Resoluo n. 198/85 CEP. Maring: UEM, 1985.

    ______. Processo n. 416/78 CEP. Maring: UEM, 1978.

    Recebido em maro de 2013 Aprovado para publicao em abril de 2013