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TRADUÇÃO O UNIVERSAL 1 Evald Vasilievich Ilienkov Tradução de Marcelo José de Sousa e Silva* O que é o “universal”? O que é preciso entender por esta palavra se se quer evitar a imprecisão e o mal-entendido, pelo menos enquanto lendo os próximos parágrafos? No sentido literal da palavra, “universal” significa “comum a todos”. “Todos” está para os indivíduos cuja multiplicidade infinita cria a primeira impressão do mundo em que vivemos ou de que falamos. Mas talvez isto é tudo que é indisputável e similarmente entendido por alguém e tudo sobre o “universal”. Deixando de lado agora as controvérsias propriamente filosóficas sobre o “universal”, nota-se que o próprio termo “universal” é aplicado bastante ao acaso na linguagem viva, porque possui dentre suas “denotações” não somente diferente ou não- coincidente, mas objetos e designações diretamente contrários e mutuamente exclusivos. O Dicionário da Língua Russa Moderna relata doze significados, sendo dois dificilmente compatíveis, encontrados nos extremos do espectro. “Comum”, apesar de que para cerca de dois, para não mencionar “todos”, é aquilo pertence à composição de ambos, assim como é a qualidade de ser bípede e mortal para Sócrates e Caius, ou velocidade do elétron e trem, e não pode existir separadamente destes dois indivíduos. Também entendido como “comum” é aquilo que existe à parte destes dois indivíduos, precisamente como uma coisa ou ainda como outro indivíduo, como um ancestral 1 Este texto foi publicado originalmente como capítulo do livro Alguns Problemas da Dialética (Moscou, 1973), e publicado posteriormente em inglês como capítulo do livro Investigações Filosóficas na U.R.S.S. (Boston, 1975). Nele, Ilienkov faz uma análise materialista da categoria universal, em contraposição à concepção idealista que Hegel possuía da categoria. Além disso, o autor também se contrapõe à apropriação neopositivista desta categoria, que a entende a partir unicamente da lógica formal, como aqueles atributos que são comuns a cada objeto/indivíduo e a todos eles. Contrapõe estas perspectivas através de uma contextualização histórica do universal a partir do materialismo histórico-dialético e da realização de uma análise com base na lógica dialética da relação entre as esferas universal, particular e singular, saindo, assim, da aparência e chegando à essência da categoria universal. Original em inglês disponível publicamente no Marxists Internet Archive , também publicado nessa edição da Revista Dialectus. Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons. * Possui graduação em Farmácia e é Mestre em Educação pela UFPR. Participa dos Grupos de Pesquisa: Núcleo de Pesquisa Educação e Marxismo (NUPE-Marx/UFPR), vinculado a Linha de Pesquisa Trabalho, Tecnologia e Educação; e Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC/UFPR), vinculado a Linha de Pesquisa Estudos Marxistas em Saúde. Contato: [email protected].

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  • TRADUÇÃO

    O UNIVERSAL1

    Evald Vasilievich Ilienkov

    Tradução de Marcelo José de Sousa e Silva*

    O que é o “universal”? O que é preciso entender por esta palavra se se quer

    evitar a imprecisão e o mal-entendido, pelo menos enquanto lendo os próximos

    parágrafos? No sentido literal da palavra, “universal” significa “comum a todos”.

    “Todos” está para os indivíduos cuja multiplicidade infinita cria a primeira impressão

    do mundo em que vivemos ou de que falamos. Mas talvez isto é tudo que é indisputável

    e similarmente entendido por alguém e tudo sobre o “universal”.

    Deixando de lado agora as controvérsias propriamente filosóficas sobre o

    “universal”, nota-se que o próprio termo “universal” é aplicado bastante ao acaso na

    linguagem viva, porque possui dentre suas “denotações” não somente diferente ou não-

    coincidente, mas objetos e designações diretamente contrários e mutuamente

    exclusivos. O Dicionário da Língua Russa Moderna relata doze significados, sendo dois

    dificilmente compatíveis, encontrados nos extremos do espectro. “Comum”, apesar de

    que para cerca de dois, para não mencionar “todos”, é aquilo pertence à composição de

    ambos, assim como é a qualidade de ser bípede e mortal para Sócrates e Caius, ou

    velocidade do elétron e trem, e não pode existir separadamente destes dois indivíduos.

    Também entendido como “comum” é aquilo que existe à parte destes dois indivíduos,

    precisamente como uma coisa ou ainda como outro indivíduo, como um ancestral

    1 Este texto foi publicado originalmente como capítulo do livro Alguns Problemas da Dialética (Moscou,

    1973), e publicado posteriormente em inglês como capítulo do livro Investigações Filosóficas na U.R.S.S. (Boston, 1975). Nele, Ilienkov faz uma análise materialista da categoria universal, em contraposição à concepção idealista que Hegel possuía da categoria. Além disso, o autor também se contrapõe à apropriação neopositivista desta categoria, que a entende a partir unicamente da lógica formal, como aqueles atributos que são comuns a cada objeto/indivíduo e a todos eles. Contrapõe estas perspectivas através de uma contextualização histórica do universal a partir do materialismo histórico-dialético e da realização de uma análise com base na lógica dialética da relação entre as esferas universal, particular e singular, saindo, assim, da aparência e chegando à essência da categoria universal. Original em inglês disponível publicamente no Marxists Internet Archive, também publicado nessa edição da Revista Dialectus. Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons. * Possui graduação em Farmácia e é Mestre em Educação pela UFPR. Participa dos Grupos de Pesquisa: Núcleo de Pesquisa Educação e Marxismo (NUPE-Marx/UFPR), vinculado a Linha de Pesquisa Trabalho, Tecnologia e Educação; e Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC/UFPR), vinculado a Linha de Pesquisa Estudos Marxistas em Saúde. Contato: [email protected].

  • Tradução – O UNIVERSAL Evald Vasilievich Ilienkov

    RRRReeeevvvviiiissssttttaaaa DDDDiiiiaaaalllleeeeccccttttuuuussss Ano 1 n. 2 Janeiro-Junho 2013 p. 253-278

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    comum, campo comum – um para dois (para todos), automóvel ou cozinha comum,

    amigo ou conhecido comum, e assim por diante.

    Obviamente, a mesma palavra, o mesmo “signo”, não serve nestes casos para

    designar a mesma coisa.

    Se isto deveria ser considerado como uma das “imperfeições” da linguagem

    natural, ou, pelo contrário, a vantagem da flexibilidade que a linguagem natural possui

    sobre as definições rígidas das linguagens artificiais, isto permanece um fato e um bem

    típico, e, assim, tem necessidade de uma explicação.

    No caso da não-ambiguidade absoluta de um termo, a definição (e aplicação) é

    assumida pelo ideal da “linguagem da ciência”. A ciência que busca uma definição

    precisa das categorias lógicas universais tem o dever de chegar a um acordo com esta

    “ambiguidade” do termo “comum” na linguagem viva – pelo menos, em ordem de não

    ser mal-entendido sempre que o “comum” e “universal” entrarem na discussão.

    É claro, o fato da ambiguidade pode ser rebatido meramente por assumir um

    dos significados contrários ao inicial e declarando o outro como ilegítimo, e,

    subsequentemente, descartando-o em conta de uma “característica não-científica” da

    linguagem natural. Mas então alguém precisa cunhar outro termo, outro “signo” para

    designar este significado “ilegítimo” e em consequência disso tentar clarificar o

    relacionamento do signo recém-concebido ao termo “comum”, isto é, reviver, apesar de

    em uma forma verbal diferente, o primeiro problema.

    Vamos fazer uma suposição e conceber que alguém pode usar “comum” com

    conotação somente da unidade abstrata, o idêntico, ou o invariante que pode ser

    revelado na composição de dois (ou mais) “fatos” singulares percebidos sensorialmente

    (“fatos extras linguais”). Vamos ainda fazer uma suposição de que foi acordado não

    usar (nem implicar) o significado que a palavra tem nas combinações de palavras

    “campo comum”, “ancestral comum”, “amigo (inimigo) comum”, e assim por diante.

    Então, a palavra é usada basicamente para definir um objeto solitário (singular) que

    existe e é concebido à parte, e independentemente, dos indivíduos para quem ele se

    apresenta como algo “comum”.

    Supondo ainda que nós também descartamos da “linguagem científica”

    expressões como “Besouro é um cão”, “lógica é uma ciência”, onde o comum (no

    sentido que nós fizemos legítimo) aparece também como a definição direta de uma

    coisa ou objeto singular (particular) apresentado na contemplação (na “sensação”, na

    “imaginação”, de fato, em qualquer lugar e não somente na linguagem) e nós

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    passaremos a utilizar as incômodas construções verbais inventadas para este propósito

    pela “lógica relacional”. Então aparecerá como se as dificuldades preocupadas com o

    relacionamento do “comum” ao indivíduo poderia desaparecer de nossa linguagem, e

    não poderia mais ser expressa nela. E apenas isso. Todos eles irão permanecer e

    reaparecer sobre uma capa de alguma forma diferente, como dificuldades relativas ao

    relacionamento da “linguagem em geral” aos “fatos extralinguísticos”. E essa admissão

    não os tornaria mais fácil de lidar ou resolver. Mais uma vez eles surgiriam na

    “linguagem” se esforçando para expressar os “fatos extralinguísticos”.

    Nós não vamos analisar em mais detalhes aquelas intermináveis e infrutíferas

    tentativas de resolver o problema da definição lógica do “comum”, através de sua

    substituição por outra preocupada com as técnicas da expressão em uma “linguagem” de

    “fatos extralinguísticos”: as técnicas capazes, alegadamente, de poupar o intelecto das

    dificuldades preocupadas com o inter-relacionamento do “comum” e do “singular”, e

    das “ambiguidades” e “dubiedades” da linguagem natural. Toda a longa e de bastante

    má-reputação do caso histórico do neopositivismo se resume a um tipo de refutação e

    difamação recíprocas. Essa tentativa tardia de renovar o nominalismo com toda sua

    metafísica (e a interpretação do objeto do pensamento como um mar desvinculado de

    “fatos atomizados”), rejeitando (em bases totalmente desconhecidas) a realidade

    objetiva do comum e do universal, têm provado com clareza suficiente que a solução

    procurada não pode ser encontrada ao longo destas linhas.

    A “linguagem natural”, em qualquer caso, não exclui a realidade do “comum”

    fora da linguagem; como resultado, a metafísica de Platão ou Hegel é expressa nesta

    linguagem em termos não menos corretos do que da metafísica do neopositivismo. A

    linguagem natural pelo menos nos permite expressar em palavras o problema que a

    “linguagem da ciência” está tentando em vão descartar declarando-a “inexpressiva”.

    Contudo a “linguagem da ciência” volta a ela continuamente em rodeios por formulá-la

    inadequadamente ou transportando-a a um plano de pura psicofisiologia ou linguística –

    como um problema do relacionamento do signo verbal com seu “significado”. Por

    exemplo, os proponentes da linguagem da ciência tentam expressar a síntese do

    indivíduo, as “experiências” únicas e dadas uma só vez, isto é, o “estado” passageiro da

    psicofisiologia do indivíduo humano.

    Se formulado assim, a questão da essência do “comum” (universal) se torna

    irrelevante, mas isto seria meramente se render ao problema, não resolvê-lo. Na vida

    real (incluindo a vida do teórico) e, assim, na linguagem viva chamada a expressar essa

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    vida, o problema do universal e seu relacionamento com o singular de forma alguma

    desaparece.

    Mas então é pertinente perguntar: é possível encontrar qualquer coisa sobre os

    dois extremos – e mutualmente exclusivos – significados da palavra “comum”,

    igualmente válidos pela virtude de suas presenças na linguagem viva, e descobrir o que

    eles têm em comum, isto é, encontrar a fonte desta diferença de significados?

    A forma que a interpretação das palavras tem sido proclamada como

    “singularmente correta” na tradição da lógica formal torna isso impossível; em outras

    palavras, não existe para ser descoberto tal “atributo comum” na definição do

    significado do termo “comum”. Toda via está claro, e até mesmo para os

    neopositivistas, os mais ferrenhos defensores da tradição acima, que no último caso,

    assim como em muitos outros, nós estamos lidando com palavras relativas, caso muito

    parecido com parentes humanos, que podem não ter qualquer coisa em comum, e ainda

    assim possuir – com direitos iguais – o mesmo nome de família.

    Tal relacionamento entre termos da “linguagem natural” foi registrado por L.

    Wittgenstein como bastante típico: Churchill-A tem como Churchill-B as semelhanças

    familiares a, b, c; Churchill-B compartilha com Churchill-C os atributos b, c, d;

    Churchill-D tem um único atributo em “comum” com Churchill-A enquanto Churchill-

    E e Churchill-A não possuem nem ao menos um atributo, absolutamente nada em

    comum, exceto seus nomes. E para além de um ancestral comum, devemos acrescentar.

    Neste caso é cristalino que o caráter do ancestral comum e do fundador da

    família Churchill dificilmente será reconstruindo por abstrair aqueles – e somente

    aqueles – “atributos comuns” que foram conservados geneticamente por todos os seus

    descendentes. Estes atributos comuns são simplesmente não-existentes. Enquanto isso,

    o nome comum, a prova da origem comum, está lá. O mesmo é verdade para o próprio

    termo “comum”.

    O significado original da palavra não pode ser reconstruído através da junção

    puramente formal de “atributos” em uma família, ou colocando dentro de um

    “parentesco” todos os termos descendentes, para, por meio de expansão da analogia,

    Churchill-Alpha seria retratado como um indivíduo ao mesmo tempo loiro e de cabelo

    negro (= não loiro); alto e anão; nariz arrebitado e adunco, e assim por diante.

    Mas é aí que a analogia acaba em toda sua possibilidade; pois nas fontes da

    família-parentesco sempre existem duas linhas genéticas, tanto que Churchill-Alpha não

    pode ser culpado por mais de 50% da semelhança familiar de seus descendentes diretos.

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    Quais deles em particular? Esta é a questão que os meios puramente formais

    provavelmente irão falhar em responder.

    A situação com termos relativos é de algum modo diferente. Pois o ancestral,

    como uma regra, dificilmente morre, continuando sua vida lado a lado com seus

    descendentes, assim como um indivíduo com outros indivíduos; a questão aqui se

    resume a encontrar, dentre os indivíduos particulares disponíveis, aquele que precedeu

    no nascimento todos os outros e foi capaz, assim, de dar à luz ao resto.

    Isso acontece sem qualquer contribuição por parte da segunda linha genética,

    estranha, e aquela que pode ser considerada responsável pelo surgimento dos “atributos

    comuns” incompatível em qualquer pessoa; e assim sua relação um com o outro será de

    uma negação puramente lógica.

    Dentre os “atributos” do ancestral comum que continua vivo entre seus

    descendentes, um é obrigado a sugerir uma habilidade de gerar algo contrário a si

    mesmo – a habilidade de gerar um homem grande (relativo a si mesmo) e, ao contrário,

    um homem pequeno (novamente relativo a si mesmo). Logicamente, isto leva a inferir

    que o “ancestral comum” pode muito bem ser visualizado como um indivíduo de altura

    média, com um nariz reto e cabelo cinza claro, isto é, alguém que “combina”, mesmo

    que potencialmente, definições contrastantes; ou quem contém dentro de si mesmo

    como se em um estado de solução ou mistura – este traço e aquele, seu contrário direto.

    Assim, a cor cinza pode ser facilmente pensada como uma mistura de preto e

    branco, isto é, como preto e branco simultaneamente, na mesma pessoa, e ao mesmo

    tempo para iniciar. Não existe virtualmente qualquer coisa aqui incompatível com o

    “senso comum” que os neopositivistas gostam de recorrer como seus aliados nos

    ataques contra a lógica dialética.

    Não obstante, este é um ponto sobre onde parecem existir dois pontos de vista

    distintamente incompatível na lógica, especialmente ao tentar entender o “comum”

    (universal). Um é o da dialética, e, o outro aquele que estipula a concepção em última

    análise formal do problema do “comum” e é relutante para admitir na lógica a ideia da

    evolução como ser organicamente vinculado ao conceito de substância, tanto na

    essência, quanto em sua origem. Eu enfatizo uma evolução vinculada ao conceito da

    substância, isto é, o princípio da similaridade genética dos fenômenos que à primeira

    vista coloca como basicamente heterogêneo, por causa da falha em encontrar quaisquer

    “atributos” comum abstrato entre eles. Este fato conta para a atitude inimiga, para não

    dizer maldosamente irritante, dos líderes neopositivistas desta respeitável categoria.

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    Precisamente esta proposição foi vista por Hegel, como o ponto de divergência, a

    separação dos caminhos entre o pensamento dialético (ou “especulativo” em sua

    terminologia) e o puramente formal. Foi este tipo de entendimento que ele identificou

    como a vantagem ampla e profunda da mente de Aristóteles sobre a mente daqueles

    seus seguidores no campo da Lógica que haviam presumido e estão presumindo eles

    mesmos serem os herdeiros singularmente legítimos de Aristóteles no campo da Lógica,

    enquanto declaram inválida a linha de desenvolvimento de Espinoza, Hegel e Marx:

    No que se refere mais especificamente a relação entre estas três almas (assim eles podem ser chamados, mas ainda estão errados em separar uns dos outros), Aristóteles faz uma observação totalmente correta sobre isto, que nós não devemos procurar na alma, que é o que seria comum a todos os três e seria inconsistente com qualquer um deles, em qualquer forma definida e simples. Isso difere o pensamento verdadeiramente especulativo do pensamento lógico puramente formal [grifos nossos – Ilienkov]. Entre as figuras da mesma forma, apenas um triângulo e algumas outras figuras, como um quadrado, um paralelogramo etc., representam algo real, tão comum para eles, a forma geral (mais precisamente, "a figura em geral" - Ilienkov), é a criação de uma mente vazia, onde só existe uma abstração. Em contraste, o triângulo é a primeira figura verdadeiramente universal, que também ocorre no quadrado etc., como reduzido para a forma certa mais simples. Assim, por um lado, o triângulo está juntamente com um quadrado, um pentágono etc., mas, por outro lado - isto afeta a grande mente de Aristóteles - é verdadeiramente uma figura universal [mais precisamente, “a figura em geral” – Ilienkov]. Aristóteles, portanto, quer dizer o seguinte: o universal vazio é que não existe, que não tem por si só um ponto de vista. Na verdade, todo universal é realmente tão especial, singular, como um ser para outro. Mas, acima de tudo, é tão real que é, em si, sem qualquer outra alteração, a sua primeira aparição. Em seu desenvolvimento, ele não pertence a este nível e sim a um mais alto.2

    Se nós vemos desta perspectiva o problema de definição “do comum em geral”

    como uma categoria universal (lógica) que parece não ter qualquer coisa a ver com o

    problema da reconstrução teórica do “ancestral comum” de uma família de significados

    relacionados, então nós só podemos esperar vagamente resolver isso.

    A diretriz lógico-formal que direciona alguém a procurar pelo abstrato, isto é,

    algo em comum a todas as amostras singulares do mesmo “parentesco” (e tendo o

    mesmo nome), não funciona neste caso. O “universal” não é para ser encontrado desta

    forma, pelo único motivo de que ele está realmente faltando aqui. Também não é para

    ser encontrado como o “atributo” ou definição verdadeiramente comum a todos os

    indivíduos, nem como uma semelhança ou identidade típica de cada um deles, se eles

    são tomados independentemente um do outro.

    2 G. W. F. Hegel, Obras, vol. X, p. 284-285 [russo]. / G. W. Hegel, Werke, Bd. 19, Frankfurt am Main, 1971, S. 203-204 [alemão].

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    Desnecessário dizer, certa destreza linguística pode ajudar a encontrar a

    “identidade” em toda a parte, mas então dificilmente teria algum significado, exceto um

    nominal.

    O que o leitor tem em “comum” com um livro? Que ambos pertencem ao

    espaço Euclidiano tridimensional? Ou que ambos incluem carbono, oxigênio,

    hidrogênio etc.?

    O que é “comum” entre o empregador e o empregado? Ou consumo e

    produção?

    Claramente, a essência aparente, concreta-empírica da relação que une vários

    fenômenos (singulares) em “um”, em um conjunto “comum”, não é de forma alguma

    delimitada e expressa pelo seu atributo comum abstrato, nem na definição igualmente

    característica de ambos. A unidade (“ou vulgaridade”) é fornecida muito antes pelo

    “atributo” que um indivíduo possui e outro não. A própria ausência do atributo

    conhecido laça um indivíduo a outro muito mais forte do que sua presença igual em

    ambos.

    Dois indivíduos absolutamente idênticos, cada um possuindo o mesmo

    conjunto de conhecimentos, hábitos, inclinações etc., se encontrariam absolutamente

    desinteressados por, e desnecessários para, uns aos outros. Seria simplesmente solidão

    multiplicada por dois. Alguém, ao explicar para seu amigo mais jovem o ABC da lógica

    dialética, o aconselhou a perguntar a si mesmo a questão: o que tem sua noiva que atrai

    o jovem; onde se encontram os laços de seu “caráter comum”?

    A discussão aqui não é sobre singularidades, mas em geral sobre objetos

    particulares (e, assim, típicos em sua especialidade) que se encontram essencialmente,

    ao invés de nominalmente, sobre o mesmo gênero, por exemplo, em referência à

    produção e consumo.

    Esta é a ideia por traz da concepção mais comum, mais abstrata (e por esta

    razão ainda pobremente definida) do universal na dialética. Não é a “semelhança”

    numericamente recorrente em cada objeto singular tomado separadamente que é

    representado na forma do “atributo comum” e perpetuado com um “signo”.

    É, acima de tudo, aquela relação objetiva de dois (ou mais) indivíduos

    particulares que os transforma nos momentos da mesma unidade concreta, real – e não

    meramente nominal – que seria um grande negócio, mais razoável para representar na

    forma de alguma totalidade de vários momentos especiais, do que um “conjunto”

    incerto de “unidades” (“fatos atomizados” etc.), completamente indiferentes uns aos

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    outros. O “universal” age aqui como uma lei ou princípio governando as inter-relações

    destes detalhes dentro de algum todo, uma “totalidade”, como Marx escolheu colocar

    seguindo Hegel. O que é preciso aqui não é uma abstração e sim análise.

    Este é um problema que é alguém, é claro, não espera resolver ao procurar

    pelas “semelhanças”, isto é, as características abstratas – o comum a “todos” os

    detalhes. Uma tentativa em direção a este objetivo seria talvez tão impossível quanto

    uma tentativa de aprender o arranjo geral e princípios de operação de um receptor de

    rádio tentando encontrar aquele elemento “comum” que um transformador tem com um

    resistor, um condensador com um alto-falante, e todas essas coisas com um seletor de

    frequência de onda.

    Se voltarmos ao problema da similaridade genética dos vários (e contrários)

    significados cujo termo “universal” tem adquirido através da evolução da linguagem

    viva e a mente que expressa a si mesma na linguagem, então o problema é reduzido à

    tarefa de identificação entre eles, o significado que pode ser considerado com segurança

    como o criador do significado. Então é preciso tentar descobrir porque e como este

    significado, o primeiro no tempo, e diretamente simples em essência, se expandiu tanto

    a ponto de incluir até mesmo seu contrário, ou algo que não estava pressuposto no

    próprio início.

    Desde que nossos ancestrais distantes pode dificilmente ser suspeitos de terem

    tido uma inclinação para inventar “objetos abstratos” e “construções”, parece ser mais

    lógica assumir como original o significado que o termo “comum” tem retido nas

    combinações de palavras, tais como “ancestral comum” ou “campo comum”. Isso

    também é apoiado pela evidência filológica existente.

    Karl Marx afirmou positivamente:

    Mas o que fez o velho Hegel, se ele sabia que o outro mundo, que o total [Allgemeine] significa que alemães e escandinavos não são outra coisa que não as terras comuns e privadas [Sundre, Besondre] – nada a não ser como se destacar a partir desta propriedade privada da terra comunal [Sondereigen].3

    Agora é auto evidente que dado este sentido originalmente simples, ou, como

    Hegel colocaria, sentido genuinamente geral das palavras, de que a representação que

    estabelece o “comum” (o “universal”), tanto em tempo quando em essência, antes do

    “singular”, o separado, o particular ou o específico, não dará ao menos uma dica quanto

    ao misticismo refinado que colore o conceito do universal como ele aparece nos

    3 K. Marx, F. Engels, Obras Escolhidas, vol. 32, p. 45 [russo]. / K. Marx, F. Engels, Werke, Bd. 32, Berlin, 1965, S. 52 [alemão].

  • Tradução – O UNIVERSAL Evald Vasilievich Ilienkov

    RRRReeeevvvviiiissssttttaaaa DDDDiiiiaaaalllleeeeccccttttuuuussss Ano 1 n. 2 Janeiro-Junho 2013 p. 253-278

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    neoplatônicos e cristãos medievais escolásticos. Eles fizeram do “universal” sinônimo

    de “pensamento”, visto desde o início como a palavra, o “logos”, como algo incorpóreo,

    espiritualizado e exclusivamente imaterial. Por contraste, o “universal” em seu sentido

    universal original destaca-se claramente na mente e, assim, na linguagem expressando

    ela, como um sinônimo de uma substância totalmente corpórea, seja água, ou fogo ou

    partículas homogêneas minúsculas (“indivisíveis”), e assim por diante. Tal

    representação pode parecer ingênua (apesar de, de fato, estar longe disso), cruamente

    sensorial e “excessivamente materialista”, mas não existe misticismo aqui, nem ao

    menos a menor tendência nessa direção.

    Neste contexto parece bastante incongruente acusar o materialismo, como

    alguns de seus oponentes fazem continuamente, de um “Platonismo bem camuflado”

    que, alegadamente, é necessariamente conectado com a tese sobre a realidade objetiva

    do universal. Naturalmente, se alguém aceitar desde o início (ninguém sabe por que) o

    ponto de vista de que o universal é um pensamento e nada além de um pensamento,

    então não somente Marx e Espinoza, mas até mesmo Thales e Demócrito passariam por

    “cripto-platônicos”. A identificação do “universal” com o “pensamento” é o ponto de

    partida para qualquer sistema do idealismo filosófico, seja ele pertencente à ala

    “empírica” ou patentemente racionalista do último, e é para ser considerado como um

    axioma aceito sem qualquer evidencia, ou como um prejuízo enorme herdado da Idade

    Média. Sua força contínua está longe de acidental. Ele deriva daquele papel

    verdadeiramente grande que tem sido atribuído à “Palavra” e à “externalização” verbal

    do “pensamento” no desenvolvimento da cultura espiritual. Na verdade, este papel é o

    que cria a desilusão de que o “universal” possui seu ser existente (sua realidade)

    somente e exclusivamente na forma de “logos”, na forma do significado da palavra,

    termo ou signo linguístico. Desde que o pensamento filosófico refletindo sobre o

    “universal” tem lidado, desde seu início, com o “universal” em sua expressão verbal e

    ser verbal, esta tradição começa muito cedo a considerar o dogma sobre a identidade do

    “universal” e o “sentido (significado) da palavra”, não surpreendentemente, como uma

    premissa natural e a base na qual ela repousa, o ar que respira, em uma palavra, como

    algo “auto evidente”.

    Entretanto, o mero fato de que a reflexão filosófica particular, desde o início,

    tem lidado com o “universal” no ser verbal do último, não é o bastante para colocar um

    sinal de igualdade aqui.

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    Nós gostaríamos de observar, de passagem, que o preconceito que os

    neopositivistas modernos tomam como a verdade absoluta nunca foi considerada desta

    maneira por Hegel, não muito caro para os neopositivistas. Hegel, também, acreditou

    sinceramente que o materialismo é impossível em princípio como um sistema filosófico,

    na teoria de que a filosofia é uma ciência sobre o universal, enquanto o universal é o

    pensamento – somente o pensamento, e precisamente o pensamento, e não pode ser

    qualquer coisa além do pensamento. Todavia, as percepções profundas de Hegel em

    comparação com os proponentes mais recentes deste preconceito consistem nisso, de

    que o “pensamento” é expresso (realizado, objetivado, explicado) não somente na

    palavra ou cadeias de “declarações”, mas também nas ações e atos do homem e, assim,

    nos resultados desses atos, não menos do que é encontrado nos produtos do trabalho do

    homem, sua atividade proposital – isto é, racional. Por isso, as “formas do pensamento”

    podem ser, de acordo com Hegel, descobertas e investigadas dentro dos

    empreendimentos racionais do homem executados de qualquer forma, em qualquer

    forma “explicado”. Por isso, o “logos”, também, é entendido por Hegel como a forma,

    esquema e sentido do “discurso” e “essência” (Sage und Sache) – ambos “ato” e

    “realidade” – e não somente como um padrão de discurso ou de um padrão construído

    de cadeias de palavras, declarações e as transformações formais da última – como os

    neopositivistas têm afirmado até hoje.

    Tendo minado dramaticamente o prestígio do preconceito por meios do qual o

    pensamento (= o universal) foi identificado com o discurso (interno ou externo), Hegel,

    não obstante, retorna de forma rotatória sob seu cativeiro, pois embora ele detenha a

    “palavra” para ser talvez não a única forma da “Existência do pensamento”, ele ainda

    reserva para ela a significância da primeira forma de sua “Existência” – tanto em tempo

    quanto em essência. A mente pensante desperta, sob o conceito Hegeliano, primeiro

    como a força “nomeadora” e somente depois de a mente ter realizado a si própria na

    “palavra” e através da “palavra”, ela passa a “auto-personificação” dela nos

    instrumentos de trabalho, assuntos políticos, na montagem de igrejas e fábricas, na

    elaboração de Constituições e outras ações “externas”.

    Aqui, também, a “palavra” aparece, eventualmente, como a primeira

    personificação do “universal” e como sua última auto-apresentação, consumando todos

    os ciclos de sua “personificação”. A Mente Absoluta finalmente apreende a si mesma no

    tratado da Lógica.

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    Para a vida prática e representativa da humanidade, isso constitui o termo

    “médio” do esquema, Medius Terminus, um vínculo mediado do ciclo que possui a

    “Palavra” para seu começo e seu fim. Aqui, também, ocorre uma identificação do

    “universal” com a “palavra”, embora de uma forma não tão direta e não refinada como

    no Apóstolo João ou Carnap. Hegel, em sua maneira característica, começa quebrando o

    velho preconceito e então o restaura com todos os seus direitos anteriores, usando como

    ele faz, um sofisticado mecanismo dialético.

    O redesenho radicalmente materialista das conquistas da lógica Hegeliana

    (dialética), como elaborado por Marx, Engels e Lenin, estava conectado com a

    afirmação da realidade objetiva do “universal”, em seu sentido mais direto e preciso –

    mas absolutamente não no sentido de Platão e Hegel que identificaram este “universal”

    com o “pensamento” que, eles afirmaram, existia antes, além e completamente

    independente do homem e da humanidade, adquirindo ser independente somente na

    “Palavra”. A ideia Marxista se desenvolveu, pode-se dizer, no sentido da regularidade

    dos fenômenos materiais, no sentido da lei governando a coesão dentro de algum –

    sempre bem definido – todo, e dentro de alguma “totalidade” se auto-desenvolvendo,

    todos os componentes que são essencialmente “relacionados” uns com os outros. Assim,

    a ideia deles se desenvolveu não porque “todos” os dados possuem um “atributo” em

    comum, mas porque a unidade da gênese e a descendência do mesmo “ancestral

    comum”, ou, mais precisamente, por causa do surgimento deles como modificação

    amplamente variada da mesma “substância”, tendo um caráter positivamente material

    (isto é, independente do pensamento ou palavra).

    Por isso, os fenômenos do “mesmo parentesco” – fenômenos homogêneos –

    podem não ser necessariamente possuídos na “semelhança familiar” como a única base

    para atribuí-los ao “mesmo parentesco”. O “universal” neles pode expressar

    exteriormente si mesmo igualmente bem através das diferenças, até mesmo contrários,

    que fazem estes fenômenos as partes componentes mutuamente complementares do

    “todo”. Assim nós obtemos um conjunto genuinamente real, ou uma “totalidade

    orgânica”, ao invés de um conjunto amorfo de unidades que são atribuídas aquele

    “conjunto” pela força de uma “similaridade” ou “atributo” mais ou menos acidental a

    cada um deles, ou com base em uma “identidade” formal totalmente irrelevante a sua

    natureza específica, sua particularidade ou singularidade.

    Por outro lado, aquele “universal” que revela a si próprio precisamente nas

    características particulares ou singulares de todas as partes componentes do “todo”, sem

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    exceção – em cada um dos muitos fenômenos homogêneos – é ele mesmo tão “real

    como o particular”, ao existir junto com outros indivíduos “particulares”, seus

    derivados. Não existem elementos de mistério sobre isso, pois um pai muito

    frequentemente vive por muito tempo lado a lado com seus filhos. E se não está mais

    presente entre os vivos, ele certamente precisa ter existido em algum momento, isto é,

    precisa ser concebido necessariamente na categoria do “ser existente”. Assim, o

    “universal” entendido geneticamente existe, evidentemente, absolutamente não no éter

    da abstração, ou somente no elemento da palavra e pensamento. Sua existência também,

    de qualquer forma, anula ou diminui a realidade de suas modificações, seus derivados

    ou os indivíduos particulares, universalmente dependentes.

    Na análise Marxista de O Capital, o conceito de “universal”, brevemente

    descrito acima, é de primordial importância metodológica:

    O capital, tal como o consideramos aqui, como relação a ser distinguida do valor e do dinheiro, é o capital em geral, i.e., a síntese das determinações que diferenciam o valor como capital do valor como simples valor ou dinheiro. Valor, dinheiro, circulação etc., preços etc. são pressupostos, assim como o trabalho etc. Mas nós ainda não estamos tratando nem de uma forma particular do capital nem do capital singular como capital diferente de outros capitais singulares etc. Nós assistimos ao seu processo de formação. Esse processo de formação dialético é apenas a expressão ideal do movimento efetivo em que o capital vem-a-ser. As relações ulteriores devem ser consideradas como desenvolvimentos a partir desse embrião. Mas é necessário fixar a forma determinada na qual o capital é posto em um certo ponto. Senão resulta confusão.4

    Esta é uma declaração nítida do mesmo inter-relacionamento “valor” versos

    “capital”, como é revelado por Hegel na citação acima, entre o triângulo e quadrado,

    pentágono etc., e em um sentido duplo para iniciar.

    Primeiramente, o conceito de “valor em geral” não é de forma alguma definido

    aqui em termos da soma total daqueles “atributos” universais abstratos que pode ser

    identificados à vontade dentro de “todos” os tipos especiais de valor (por exemplo,

    mercadoria, força de trabalho, capital, renda, juros, e assim por diante), mas é obtida

    através de uma análise precisa de uma relação única claramente “específica” que pode

    existir (e assim foi e é) entre pessoas – a relação da troca direta de uma mercadoria por

    outra, a equação, “1 sobrecasaca = 10 metros de tecido”.

    A análise desse tipo de valor da realidade – reduzido a forma mais simples –,

    revela aquelas definições do “valor em geral” que são atendidos (reproduzidos) em

    estágios mais elevados do desenvolvimento e posterior análise como as definições

    4 Karl Marx, Grundrisse, São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011, p. 243.

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    universais do dinheiro, força de trabalho e capital. É impossível, entretanto, reunir estas

    definições através de uma abstração direta de todas essas “formas especiais” do

    relacionamento do valor (como “comum” a todos eles).

    Em segundo lugar, quando o ponto em questão é a “definição específica do

    capital em geral”, aqui, também, como Marx muito especialmente apontou, é preciso

    permitir ser feita a seguinte consideração principal “um caráter mais lógico que

    econômico”.

    O capital em geral, diferentemente dos capitais reais particulares, é ele próprio uma existência real. Isso é reconhecido pela Economia tradicional, muito embora não seja compreendido; e constitui um momento muito importante de sua doutrina das equalizações etc. Por exemplo, o capital, muito embora pertencente aos capitalistas singulares em sua forma elementar como capital, nessa forma universal constitui o capital que se acumula nos bancos ou é por eles distribuído e, como afirma Ricardo, se distribui de maneira tão admirável na proporção das necessidades da produção. Por meio de empréstimos etc., ele constitui também um instrumento de nivelamento entre os diferentes países. Por isso, se, por exemplo, é uma lei do capital em geral que, para se valorizar, ele tem de se pôr duplicado e tem de se valorizar duplamente nessa dupla forma, então o capital de uma nação particular, por exemplo, que representa o capital por excelência perante outra, tem de ser emprestado a uma terceira nação, para poder se valorizar. O duplo-pôr, o relacionar-se consigo mesmo como estranho, torna-se desgraçadamente real nesse caso. Assim, se o universal, por um lado, é somente differentia specifica pensada, por outro, é forma real particular ao lado da forma do particular e do singular.5

    Assim como na álgebra. Por exemplo, a, b, c são números; números em

    geral; contudo, são números inteiros em relação à � �� , � �� , � �� ,

    � �⁄ , � �� etc., que, todavia, os pressupõem como elementos gerais.6

    É claro, a analogia – assim como qualquer analogia – não é prova da

    “universalidade” do inter-relacionamento lógico. Neste caso é simplesmente ilustrativo

    da ideia discutida acima. Mas aqui, também, pode ser usado para relembrar-nos sobre

    um aspecto importante da concepção dialética de “universalidade”. Neste caso, o

    “universal” aparece novamente como um determinado positivamente, embora em uma

    forma geral, número a, b, c. Este é exatamente o “número em geral”, assim como um

    número em sua forma elementar, ou como qualquer número “convertido a sua

    determinidade mais simples”, mas sem a perda definitiva de determinidade, ou

    “especialidade”. Por contraste, o conceito formal de “número em geral”, privado da

    “inerência” no tipo especial de números, é meramente um nome; não um conceito, onde

    o “universal” é expresso em termos de sua “natureza particular”.

    5 Ibid., p. 369-370. 6 Ibid., p. 370.

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    De fato, na matemática, por causa da natureza altamente específica de suas

    abstrações, o “universal abstrato” coincide com o “geral concreto”. Contudo, “número

    em geral” (isto é, a, b, c etc.) é também obtido quando a operação formal da abstração

    (extração) do “idêntico” tenha sido executada dentro todos os tipos de números; “a”,

    “b”, “c” etc., isto é, precisamente como “tijolos”, como “átomos” de espécies, que

    permanecem essencialmente a mesma independentemente do signo formado do qual

    eles se tornam nada além de partes componentes. A simplicidade se foi, entretanto, uma

    vez nós pisamos fora da álgebra, onde o “universal” pode não estar necessariamente

    presente em suas modificações (em suas próprias formas bem desenvolvidas), na

    mesma forma assim como no caso elementar mais simples. Incidentalmente, isso

    acontece até mesmo na própria matemática, como quando um triângulo como uma

    “figura em geral” nunca é retida enquanto tal em um quadrado ou pentágono, nem é

    dada em inerência ou contemplação, embora possa ser identificado analiticamente

    dentro de sua composição. Deveria ser por uma análise, de fato, não por uma abstração

    que meramente separa os “atributos comuns” disponíveis.

    Vamos tomar essa situação – aquela do inter-relacionamento dialético entre o

    universal e particular e o singular. Aqui o “universal” não pode ser identificado em

    princípio dentro da composição dos indivíduos particulares de forma a que uma

    abstração formal revele o comum, o idêntico neles. Isso pode ser mostrado mais

    demonstrativamente no caso das dificuldades teóricas associadas com o conceito de

    “homem”, a definição da “essência do homem” e a busca por sua “definição genérica

    específica”.

    Tais dificuldades foram descritas com uma soberba sagacidade no romance

    satírico bem conhecido Les Animaux Dénaturés (Os Animais Desnaturados), de Vercors

    (Jean Bruller). Foi descoberta nos bosques de uma floresta tropical uma comunidade de

    criaturas estranhas. Com base em um critério atual da antropologia física moderna, eles

    são macacos ou outras pessoas primitivas. Aparentemente, essa é uma forma transiente,

    peculiar, até então não observada, que se desenvolveu do animal, ou mundo puramente

    biológico, para o mundo humano, social. A questão é se os Tropi (o nome que o autor

    dá para sua tribo inventada) cruzaram a dificilmente discernível, mas muito importante

    linha de fronteira entre homem e animal.

    À primeira vista, a questão é de significância puramente acadêmica e pode ser

    de interesse, parece, somente a um biólogo ou antropólogo particular. Entretanto, em

    pouco tempo transparece que ela é entrelaça com os problemas fundamentais de nossa

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    era nos aspectos legais, éticos e políticos, assim como com problemas filosóficos. O

    herói do romance deliberadamente, com uma intenção premeditada, assassina uma das

    criaturas. Este ato o marca como um assassino, entendido que os Tropi são seres

    humanos. Se eles são animais, o corpus delicti não existe. O velho padre se atormenta

    com a mesma questão. Se os Tropi são seres humanos, ele é obrigado a salvar suas

    almas e sujeita-los ao rito do batismo. Se os Tropi são animais, ele corre o risco de

    repetir o ato pecaminoso de São Mahel, que cometeu o erro de batizar pinguins e causar

    muitos problemas ao paraíso. Existe ainda outro fator, devido ao interesse

    manufatureiro egoísta daqueles que de primeira identificaram os Tropi como força de

    trabalho ideal. De fato, um animal fácil de domesticar e incapaz de tomar consciência

    dos sindicatos ou luta de classes, ou quaisquer necessidades exceto as fisiológicas – não

    é esse o sonho de um negociante?

    O argumento sobre a natureza dos Tropi envolve centenas de pessoas, dezenas

    de doutrinas e teorias; ele se amplia, se torna confuso e cresce em um debate sobre

    coisas e valores inteiramente diferentes. As personagens tem que ponderar sobre o

    critério pelo qual uma resposta categoria e inequívoca pode ser dada. Isso acaba ficando

    longe de ser simples.

    Com uma ênfase em um “atributo humano”, os Tropi entram na categoria de

    humanos; em outro, eles não entram. Um apelo à soma total de tais atributos é de pouca

    ajuda, pois então a questão que se coloca é sobre o número deles. Ao estender o número

    de “atributos” que tem definido “ser humano” até então e introduzindo entre neles um

    atributo que descarta os Tropi das pessoas conhecidas até então, os Tropi são

    automaticamente deixados fora dos limites da raça humana. Ao diminuir esse número,

    limitando-os aqueles que são possuídos pelos previamente conhecidos dos Tropi e

    humanos, chega-se a uma definição na qual os Tropi são incluídos na família humana

    com todos os seus direitos decorrentes. O pensamento é pego dentro de um círculo

    vicioso: de fato, para definir a natureza dos Tropi, é preciso que primeiramente se defina

    claramente a natureza do homem. Isso, entretanto, não pode ser feito a não ser que se

    tenha decidido de antemão se os Tropi devem ou não ser abordados como uma

    variedade do Homo sapiens.

    Além disso, um novo argumento inflama de primeira sobre cada um daqueles

    “atributos comuns” que até então descreveram o homem. O que se entende por

    “pensamento”? O que se entende por “linguagem” e “discurso”? Em um sentido os

    animais também possuem pensamento e discurso, enquanto em outro somente o homem

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    possui. Assim, cada característica humana se torna debatida da mesma forma que a

    definição de “homem”. Não existe fim para estes debates, enquanto as diferenças de

    opinião e calúnias chegam ao plano dos conceitos filosóficos, éticos e gnosiológicos

    mais gerais e mais importantes, somente para ser reacendido com vigor e violência

    renovados.

    De fato, as coisas estão longe de ser simples com as pessoas estabelecidas

    legalmente, também. Todas as pessoas vivem e agem “de forma humana”? Ou

    frequentemente eles não agem mais horrivelmente que animais? O argumento, desse

    modo, evolui em uma discussão sobre o tipo de vida de que deve ou não ser considerada

    como “genuinamente humana”.

    Todas as tentativas de encontra este “atributo essencial e comum” pelo qual

    alguém pode sem erros diferenciar um homem de um animal, de um “não-humano”,

    tropeça cada vez mais e mais em um problema lógico antigo. O “atributo comum”

    poderia ser abstraído de “todos” os indivíduos da raça dada quando e se o conjunto que

    constitui o gênero foi bem definido. Mas isso é impossível, a não ser que exista um

    critério geral disponível de antemão para identificar tal “conjunto”, isto é, o próprio

    “atributo comum” procurado. De fato, água quente é fácil de distinguir da água fria.

    Mas e a água morna? Uma rocha não faz um monte, e nem dois. Quantas pedras vão ser

    necessárias para um “monte”? Onde está a fronteira além da qual um homem careca se

    torna careca? E existe realmente alguma fronteira bem definida? Ou, ao contrário,

    qualquer fronteira, qualquer certeza é meramente uma linha imaginária para ser traçada

    somente com o propósito de uma classificação artificial? Onde então ela será traçada?

    “Ela correrá onde os mais poderosos escolherem traça-la”, observa a personagem do

    romance pesarosamente. De fato, as teorias idealistas subjetivistas do pensamento

    delegaram este tipo de tomada de decisão aos poderosos. Então, a voz “do poderoso” se

    torna o critério da verdade, e sua vontade a “vontade universal” por trás da qual um

    título pode discernir claramente a arbitrariedade desmascarada e até mesmo um

    interesse singular egoísta.

    Como agora estamos conscientes da experiência de que o “atributo essencial e

    comum”, a distinção determinada e específica da raça humana, nomeadamente, a

    definição concreta universal de “homem” e de “humano” não é tão fácil de encontrar

    como eles pensaram que seria no início, as personagens do romance de Vercors se

    viram para a solução de conceitos filosóficos e sociológicos. Mas onde está o critério da

    verdade do último? Cada critério reivindicou para si importância universal, uma

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    possessão monopolista do conceito universal, de modo que não há realmente qualquer

    coisa “comum”, qualquer acordo entre eles.

    O romance termina com um grande ponto de interrogação, enquanto seu herói

    si mesmo na posição não muito invejável de Asno de Buridan, isto é, com o conceito

    Marxista do “universal” na esquerda e o Cristão na direita; dois conceitos mutuamente

    exclusivos do “universal”. Despreparado para aceitar ambos, o herói de Vercors, junto

    com o autor, vão optar prontamente por uma terceira alternativa, uma que reconciliaria

    ambos os ensinamentos, o “comum” entre eles, isto é, o entendimento “genuíno” do

    “universal”.

    “Cada homem é, primeiro de humano, um ser humano, e somente depois disso

    um seguidor de Platão, Cristo ou Marx”, argumenta Vercors no posfácio da edição russa

    do romance. “Eu acho isso mais importante no presente momento para mostrar como,

    com base naquele critério, nós podemos encontrar pontos comuns entre o Marxismo e o

    Cristianismo, do que tencionar suas diferenças.” Bem, do ponto de vista puramente

    político isto pode ser verdade, mas isso responde o problema teórico? Não poderia ser

    mais verdade que a “natureza humana”, o universal no homem, não reside

    absolutamente na adesão a uma doutrina particular, se ela a do autor de “O Capital”, ou

    do Sermão da Montanha. Mas então onde ela reside – na proposição de que um ser

    humano é primeiro de tudo um ser humano? Essa é a única resposta que Vercors

    poderia dar para contrariar a “visão assimétrica” dos Marxistas, que procedem de um

    “relacionamento humano real no processo da produção material.” Mas qualquer

    resposta, como a de Vercors, nos levaria de volta ao começo do romance, ao ponto de

    partida de todos os debates sobre a essência do homem, à simples nomeação do objeto

    de disputa. Para se afastar de tal paralisação, tal tautologia, nós teríamos que começar

    tudo de novo.

    Entretanto, existe uma conclusão importante para ser feita da história dos

    Tropi, que Vercors recusa fazer por várias razões, nomeadamente, que nada além de

    tautologia pode resultar da lógica com a qual as personagens do romance procuram

    resolver a questão, isto é, procurar a definição universal de “homem” pelo caminho da

    abstração do “comum”, um atributo possuído por todos os representantes singulares da

    raça humana, cada indivíduo enquanto tal. Obviamente, uma lógica baseada nesta

    concepção de “universal” não seria suficiente para tirar o pensamento desse impasse,

    então como um resultado a representação de “homem em geral” permanece de alguma

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    forma esquiva. A história do pensamento filosófico e sociológico prova o ponto com

    não menos clareza do que os infortúnios das personagens de Vercors, descritos acima.

    Claramente, qualquer tentativa de descobrir o atributo comum abstrato

    igualmente descritivo de Cristo e Nero e Mozart e Goebbels e do caçador Cro-Magnon e

    Sócrates e Xântipe e Aristóteles, e assim por diante, esconde valor cognitivo dentro de

    si mesmo, e leva a lugar algum, exceto a uma abstração extremamente fraca de forma

    alguma expressiva do coração da questão. A única saída para este impasse, tanto quanto

    sabemos, é se voltar a Marx com sua suficiência e uma lógica melhor, em uma

    concepção mais específica e séria do problema do “universal”: “A essência humana não

    é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na verdade, ela é o conjunto das relações

    sociais.”7

    Distintamente pertinente aqui não é somente o princípio sociológico, mas

    também o lógico fundamentando a linha de raciocínio de Marx. Se traduzido na

    linguagem lógica, significaria o seguinte: definições universais expressando a essência

    de um gênero, seja humano ou qualquer outro, não pode ser eficientemente procurado

    entre os “atributos” comuns, abstratos, tais como aqueles que todo espécime particular

    do gênero possui.

    A “essência” da natureza humana em geral – e da natureza humana de cada ser

    humano particular – não pode ser revelada, exceto através de uma análise crítica,

    baseada na ciência, da “inteira totalidade”, o “conjunto inteiro” dos relacionamentos

    sócio-históricos do homem com o homem, através de uma abordagem de estudo de caso

    e apreensão das regularidades que tem e estão verdadeiramente governando o processo

    de origem e evolução da sociedade humana como um todo, e de um indivíduo

    particular.

    O indivíduo particular representa o “homem” no sentido estrito e preciso da

    palavra de tal modo que ele perceba – precisamente através de sua singularidade – uma

    certa soma total das capacidades desenvolvidas historicamente (especialmente as formas

    humanas de atividade vital), um fragmento particular da cultura que se desenvolveu

    previamente e independentemente de si mesmo, e que ele absorve através do processo

    de educação (auto realização do homem). Neste sentido, a pessoa humana pode ser

    justamente considerada como a personificação singular da cultura, isto é, o “universal”

    no homem, Além disso, a “essência do homem” universal só é real como uma cultura,

    7 K. Marx, F. Engels, Obras Escolhidas, vol. 3, p. 3 [russo]. / K. Marx, F. Engels, Werke, Bd. 3, Berlin, 1958, S. 6 [alemão].

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    como um agregado estabelecido e em evolução de todas as formas especialmente

    humanas de atividade vital, como o todo de seu conjunto. A “universalidade” então

    entendida representa, de fato, não a “similaridade” genérica muda dos indivíduos, mas

    uma realidade desmembrada dentro de si muitas vezes e de várias formas em esferas

    “especiais” (“particulares”) complementares com, e essencialmente dependentes uma da

    outra, e que estão, portanto, mantidas juntas com os laços da origem comum tão

    fortemente e tão flexivelmente como são os órgãos do corpo de uma espécie biológica

    desenvolvida do mesmo óvulo.

    Em outras palavras, a definição teórica lógica do “o universal no homem” –

    uma generalidade concreta da existência humana – pode e consiste, de acordo com o

    exposto acima, somente em revelar a extensão a qual é necessário para muitas e

    variadas formas da atividade especificamente humana, para as capacidades humanas

    sociais e suas necessidades associadas para evoluir de, e interagir com, uma com a

    outra.

    Portanto, na busca da definição “mais comum” do elemento humano no

    homem, a tarefa ainda não pode ser abstrair as semelhanças formais, ou a característica

    “abstrata” de cada indivíduo particular, mas estabelecer a forma real, e desse modo,

    especial de atividade vital humana que é historicamente e essencialmente a fundação

    universal e condição do surgimento de todo o resto.

    Totalmente consistente com os dados da antropologia e arqueologia cultural e

    física, a concepção materialista de “a essência do homem” prevê esta forma “universal”

    da existência humana no trabalho, na reconstrução direta da natureza (tanto a externa

    quanto a própria) como realizada pelo homem social com ferramentas de sua própria

    criação.

    Não é de admirar que Karl Marx considerasse com fraterna simpatia a

    definição bem conhecida de Franklin do homem como um ser que produz instrumentos

    de trabalho. Produzi instrumentos de trabalho – e por esta única razão um ser que pensa,

    fala, compõem música, segue normas morais etc. Não existe um exemplo melhor para

    ilustrar a concepção Marxista do universal como o universal-concreto, bem como a

    atitude deste último para com o “particular” e o “singular” pode ser dada de que a

    definição do “homem em geral” como o “ser produzindo instrumentos de trabalho”.

    A partir da perspectiva dos cânones da velha e tradicional lógica formal a

    definição acima é muito “concreta” para ser “universal”. Ela não pode ser esticada para

    cobrir diretamente, por meio de uma abstração formal simples, tais representantes

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    incontestáveis da raça humana, como Mozart ou Leon Tolstói ou Rafael ou Kant.

    Formalmente, a definição incide sobre um círculo constrito de indivíduos, por exemplo,

    empregados de uma planta manufatureira ou oficinas. Até mesmo os trabalhadores que

    não são produtores, mas usuários das máquinas não vão se qualificar formalmente por

    ela. Como resultado, a velha lógica com sua concepção do “universal” estará certa em

    seu julgamento da definição como estritamente particular, ao invés de “universal”,

    como uma definição da ocupação humana particular, ao invés de “homem em geral”.

    Não obstante, Franklin prova estar essencialmente certo em seu conflito com

    esta lógica desde que ele é liderado pela intuição e a maior parte dos fatos e contenções

    incidindo sobre o problema do “humano no homem” para assumir o ponto de vista de

    uma lógica muito mais séria e profunda; a própria Lógica que tem amadurecido por

    séculos no colo da filosofia e, em particular, nos discursos lógicos de Descartes e

    Espinoza, Leibnitz e Kant, Fichte e Hegel. Na verdade ela tem encontrado sua aplicação

    científica concreta em “O Capital” e na teoria do mais-valor de Marx e a concepção

    materialista da história dos tempos modernos.

    Esta concepção do “universal” não é de forma alguma sinônimo com o

    “conceito” ou “pensamento” como aparece mais ou menos explícito em Platão, Hegel,

    Tomás de Aquino e Carnap, que estavam preocupados com o “universal” na medida em

    que o último já havia encontrado seu caminho na mente, mais precisamente, na

    “palavra” chamada a expressar a mente.

    O universal (“universal-concreto”) se opõe à variedade sensorial de indivíduos

    particulares, em primeiro lugar como a própria substância do último e a forma concreta

    de sua interação, ao invés de uma abstração intelectual. Per se, o universal personifica

    em si próprio, em sua certeza concreta “a riqueza total do particular e do singular”, e

    não somente como uma possibilidade, mas como a necessidade por expansão, isso quer

    dizer, como a “explicação real” de uma forma simples em uma realidade diversamente

    desmembrada.

    Precisamente por esta razão, “o universal” não é e não pode ser entendido aqui

    como uma identidade (similaridade) abstrata de uma variedade ampla de fenômenos que

    provêm a base para a operação de coloca-los sob o mesmo nome ou nome próprio ou

    termo. A necessidade para a “auto extensão” do universal, o dínamo de seu auto

    movimento é incluído nele na forma da “tensão da contradição”, isto é, a contradição

    intrínseca da forma; consequentemente, alguém é levado a entender o universal como

    algo distinguível também dentro de si mesmo em seus próprios momentos particulares.

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    A relação entre eles sendo aquela da identidade dos contrários, isto é, sua unidade

    concreta viva, ou de sua transição uma na outra.

    Mas este é outro assunto passando muito além dos limites da definição de “o

    universal enquanto tal” em sua concepção materialista-dialética. Contudo, se mantendo

    dentro dos limites deste artigo, deveria ser acrescentado que esta concepção do

    “universal” e das formas em que é apreendido cientificamente, não constituem uma

    posse monopolista da dialética filosófica. Ciência – de fato, ciência real, ao invés de sua

    representação nas construções epistemológicas e “lógicas” dos neopositivistas – tem

    sempre procedido mais ou menos consistentemente de uma concepção similar do

    “universal”. Não raro, fê-lo contrário às proposições lógicas deliberadas professadas por

    seus porta-vozes. A tendência pode ser traçada facilmente ao longo de toda a história do

    conceito de “valor”, uma categoria geral da economia política.

    A abstração do “valor enquanto tal”, assim como a palavra usada para

    descrever esta abstração, vai tão longe na antiguidade como as próprias relações

    mercantis. A “axia” grega, “Weyt” alemã, e assim por diante, não foram cunhadas por

    Petty, Smith ou Ricardo. Ou comerciante ou fazendeiro poderia a todo tempo aplicar o

    nome “valor” ou “custo” a tudo que pudesse ser comprado ou vendido, tudo que “custa”

    algo. Se os teóricos da economia política tivessem tentado desenvolver o conceito de

    “valor enquanto tal” das diretrizes de uma lógica formal puramente nominalista

    oferecida à ciência hoje em dia, certamente eles nunca teriam desenvolvido o conceito.

    Na verdade, o termo “valor” nunca foi, desde o início, resultado da aplicação de um

    elemento comum, abstrato, cujo uso vulgar da palavra levou a alguns a achar que

    pertence a cada um dos sujeitos chamados “objetos de valor”. Se fosse esse o caso, viria

    a pôr em ordem a ideia de que qualquer lojista tem em consideração ao significado de

    “valor”: isto é, uma simples enumeração prosaica dos “atributos” daqueles fenômenos

    aos quais a palavra “valor” é aplicável, e este seria o fim da questão. Todo o

    empreendimento teria sido, então, meramente clarificar a aplicabilidade do termo. O

    cerne da questão, entretanto, é que os clássicos da economia política trataram a questão

    sob um aspecto inteiramente diferente, e de tal maneira que a resposta a isto foi

    encontrar o conceito, isto é, uma apreensão da universalidade real. Karl Marx revelou a

    essência de sua formulação deste problema.

    William Petty, o primeiro economista inglês, chegou ao conceito de valor pelo

    seguinte caminho:

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    Se um homem pode trazer a Londres uma onça de Prata retirada da Terra no Peru, no mesmo tempo em que ele pode produzir uma Saca de Milho, então um é naturalmente o preço do outro....8

    Poderíamos notar de passagem a ausência do termo “valor” nesta proposição,

    embora seja feita menção ao “preço natural”. Mas estamos testemunhando aqui

    precisamente o nascimento do conceito de valor fundamental a toda ciência subsequente

    da produção, distribuição e acumulação da “riqueza”.

    O conceito, na medida em que é um conceito real, ao invés de uma ideia geral

    personificada no termo, expressa (reflete) aqui, assim como no exemplo de Hegel do

    triângulo, um fenômeno real dado “na experiência” que, embora seja um “particular”

    dentro outros “particulares” acaba que, ao mesmo tempo, seja universal, assim

    representando “valor em geral”.

    Os clássicos da economia política burguesa toparam com esta forma de definir

    em sua forma universal. Entretanto, em uma tentativa de usar isso depois do conceito ter

    sido formado, eles tentaram “verificar” consistentemente com os cânones lógicos

    baseados nas ideias de John Locke sobre pensamento e o “universal”, e se encontraram

    imediatamente de frente com paradoxos e antinomias. O “universal”, sempre que uma

    tentativa é feita para justificar o termo através de uma análise de suas próprias

    modificações particulares, tal como lucro ou capital, não é de todo corroborada, mas sim

    é refutada por contradizê-los.

    Marx foi aquele que identificou a razão que gerava os paradoxos e sugeriu uma

    saída precisamente porque ele foi guiado pela concepção dialética da natureza mais

    profunda do “universal” e seu inter-relacionamento com o “particular” e “singular”. “A

    realidade do universal na natureza é uma lei” (F. Engels), mas por tudo isso, uma lei na

    realidade (um prova disso é a ciência natural moderna, particularmente a física

    microcósmica). E nunca é realizada absolutamente como uma regra na qual se espera

    que o movimento de cada partícula particular siga, mas somente como uma tendência

    manifestando a si mesma no comportamento de um conjunto mais ou menos complexo

    de fenômenos singulares através de uma “violação” ou “negação” do “universal” em

    cada um de suas manifestações particulares (singulares). Como resultado, a mente

    humana tem, em qualquer caso, levado isso em conta.

    As definições universais de valor (a lei de valor) em O Capital de Marx são

    trabalhadas ao longo da análise pela troca direta de uma mercadoria por outra, isto é,

    8 Ibid., vol. 26, parte I, p. 358 [russo]. / Ibid., Bd. 26, Erster Teil, Berlin, 1965, S. 332 [alemão].

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    tomando somente uma e precisamente a mais antiga, historicamente, e, portanto,

    logicamente, a mais simples concretização do valor. Marx fez isto prescindindo de todas

    as outras formas particulares, (evoluídas com base no valor) como dinheiro, lucro, renda

    etc. A desvantagem na análise do valor de Ricardo, como apontado por Marx, reside

    precisamente em que ele “não pode se esquecer do lucro” ao abordar o problema do

    valor em sua forma universal. Isso torna a abstração de Ricardo incompleta e desse

    modo formal.

    Para Marx, ele procura resolver o problema na forma universal porque todas as

    formações subsequentes, não somente lucro, mas até mesmo dinheiro, são assumidas

    como não existentes neste estágio da análise. O que é analisado é somente a troca direta,

    sem dinheiro. Isso transpire de primeira que esta elevação do singular ao universal

    difere em princípio de um ato de abstração formal simples. Aqui as distinções da forma

    mercantil simples, que o diferencia especificamente do lucro, renta, juros e outros

    “tipos” especiais de valor, não são atirados ao mar como sendo não-essenciais. Ao

    contrário, a descrição teórica dessas distinções é exatamente aquela coincidente com a

    definição de valor em sua forma geral. A incompletude e a “formalidade” relacionada

    da abstração de Ricardo residem precisamente na incapacidade do último, enquanto

    construindo isso, de abstrair da existência de todos os outros tipos avançados de “valor”,

    (particularmente e especialmente lucro), por um lado, e por outro lado, em ser formado

    através de uma abstração de todas as distinções, incluindo aquelas da troca mercantil

    direta. As análises de Ricardo resultam em outra dificuldade, nomeadamente, de que o

    “comum” aparece eventualmente sendo isolado completamente do “particular”, para a

    qual já não é mais uma descrição teórica. Tal é a diferença entre as concepções dialética

    e puramente formal do “universal”.

    Mas não menos importante é a distinção de Marx da concepção materialista-

    dialética da interpretação que recebe na dialética idealista de Hegel. O que faz ser tão

    importante enfatizar esta diferença é que na literatura Ocidental de filosofia um sinal de

    igualdade é muito frequentemente colocado entre a concepção de Hegel do universal e a

    de Marx e Lenin. É aparente, todavia, que a representação Hegeliana ortodoxa desta

    categoria, quaisquer sejam seu méritos dialéticos, coincidem em um ponto decisivo com

    a própria visão “metafísica” com a qual o próprio Hegel muito frequentemente rejeita.

    Isso é revelado com especial clareza sempre que os princípios da lógica Hegeliana são

    aplicados à análise dos problemas mundanos reais.

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    Na verdade, quando Hegel comenta sobre seu conceito “especulativo” versos a

    representação puramente formal do universal, como ele faz com o uso das figuras

    geométricas, por exemplo, com sua consideração de um triângulo como “a figura em

    geral”, então a impressão resultante é que esta concepção já inclui dentro de si, em uma

    forma pronta, todo o esquema lógico que possibilitou Marx lidar com o problema da

    definição geral de “valor” ou “valor enquanto tal”. Mas, não é como se a

    “universalidade genuína” de Hegel como distinta da abstração puramente formal,

    insignificante, consistia em seu significado diretamente objetivo ou no fato de que o

    próprio “genuinamente universal” existia na forma do “particular”, isto é, na forma de

    “ser para o outro”, ou como uma realidade empiricamente existente dada no tempo e

    espaço (isto é, fora da cabeça do homem), e percebida na contemplação.

    Embora pareça assim à primeira vista, o próprio Hegel insistia que a inter-

    relação entre o universal e particular não é para ser de forma alguma comparada com

    aquela entre imagens matemáticas (incluindo geometria), pois tal semelhança seria

    significante somente como uma analogia figurativa e é passível de distorcer e ofuscar a

    verdadeira imagem.

    De acordo com Hegel, a imagem geométrica chamada para clarificar o conceito

    lógico (universal) é bastante ruim, desde que é excessivamente “sobrecarregada com a

    substância sensorial” e, desse modo, assim como mitos bíblicos, representa no máximo

    somente uma alegoria bem conhecida do Conceito. Já o “universal genuíno”, que ele

    aborda exclusivamente como uma categoria puramente lógica, isto é, como o Conceito

    com C maiúsculo, ele deveria ser concebido como tendo sido totalmente limpo de todos

    os resíduos da “substância sensorial” ou “matéria sensorial”, e ocorrendo em uma

    refinada esfera imaterial de atividade do “espírito”. Com isto como seu ponto de partida,

    Hegel censurou o materialismo precisamente por sua abordagem do universal, que, ele

    alegou, na realidade o aboliu “enquanto tal” por transformá-lo em um “particular dentre

    outros particulares”, em algo limitado no tempo e espaço; em algo “finito”, ao passo

    que o universal deve ser especificamente distinto em sua forma da “completude interna”

    e do caráter “infinito”.

    Esta é a razão porque o “universal enquanto tal”, em seu sentido estrito e

    preciso, existe, de acordo com Hegel, exclusivamente no éter do “pensamento puro” e

    de modo algum no tempo e no espaço da “realidade externa”. Na última esfera alguém

    pode encontrar somente as séries de “estranhamentos particulares”, “personificações” e

    “hipóstases” deste “universal genuíno”.

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    Isso o tornaria totalmente inaceitável, “logicamente incorreto”, para a lógica

    Hegeliana definir a essência do homem como um ser produzindo instrumentos de

    trabalho. Para o Hegeliano ortodoxo, assim como para qualquer proponente da lógica

    puramente formal criticada por Hegel (de fato, uma significância bastante unânime!), a

    definição de Franklin ou Marx é muito “concreta” para ser um “universal”. A produção

    de instrumentos de trabalho é vista por Hegel não como a base de tudo que é humano no

    homem, mas como uma, apesar de muito importante, manifestação do último pensando

    si próprio.

    Em outras palavras, o idealismo da interpretação Hegeliana do universal e a

    forma da universalidade levam na prática ao mesmo resultado da interpretação

    “metafísica” desta categoria que ele detesta tanto.

    Além disso, se a lógica Hegeliana em sua forma original fosse usada para

    avaliar a validade da linha de raciocínio lógica nos primeiros capítulos de O Capital,

    este inteiro desenvolvimento Marxiano apareceria como “inválido” ou “ilógico”. O

    lógico Hegeliano estaria certo de seu ponto de vista ao criticar a análise Marxista do

    valor no sentido de que falta qualquer definição desta categoria do universal. E mais, ele

    diria que Marx somente “descreveu” a definição, mas falhou em “deduzir” teoricamente

    qualquer forma particular do “valor em geral”, pois “valor em geral” assim como

    qualquer categoria “verdadeiramente universal” da atividade vital do homem, é uma

    forma imanente para o homem, ao invés de qualquer “ser externo” no qual é meramente

    manifestado, ou meramente objetivado.

    Isso é apenas para sugerir, entretanto, que a lógica Hegeliana, não importa suas

    vantagens sobre a lógica formal, era e é inaceitável como uma arma para a ciência

    materialistamente orientada, a não ser que grandes mudanças tenham sido introduzidas e

    todos os traços do idealismo radicalmente eliminados, acima de tudo, no entendimento

    da natureza e da situação do “universal”. O idealismo de Hegel constitui de forma

    alguma algo “externo” em relação à lógica, pois somente dá direção a uma sequência

    lógica do pensamento. Quando comentando sobre as transições das categorias contrárias

    (incluindo o universal, por um lado, e o particular, por outro), Hegel também atribui um

    caráter unidirecional ao esquema de abordagem. Sob o esquema Hegeliano, por

    exemplo, não existe espaço para a transição Marxiana na definição do valor,

    nomeadamente, a transição (transformação) do singular no universal. Em Hegel, o

    universal é o único privilegiado a “estranhar” si mesmo do “particular” e singular,

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    enquanto o singular aparece invariavelmente como meramente um produto, um “modo”

    da universalidade, exclusivamente particular e, desse modo, pobre em sua composição.

    O caso real das relações econômicas (mercado) testemunha, entretanto, a favor

    de Marx, que mostra que a “forma do valor em geral” não tem sido em todos os

    momentos a forma universal da organização da produção. Historicamente, e por um

    longo tempo, ela permaneceu uma relação particular das pessoas e coisas na produção,

    embora ocorrendo ao acaso. Não foi até o capitalismo e a “sociedade da livre empresa”

    passar a existir, que o valor (isto é, a forma mercantil do produto) se tornou a forma

    geral de inter-relacionamentos entre as partes componentes da produção.

    Transições similares, do “singular e acidental” ao universal, não são uma

    raridade, mas sim uma regra na história. Na história – ainda que não exclusivamente a

    história da humanidade com sua cultura – sempre acontece de um fenômeno que depois

    se torna universal, é, primeiramente, emergente precisamente como uma exceção

    solitária “da regra”, como uma anomalia, como algo particular e parcial. Caso contrário,

    dificilmente qualquer coisa poderia acontecer. A história teria uma aparência bastante

    mística, se tudo que é novo nela surge de uma vez, como algo “comum” a todos sem

    exceção, como uma “ideia” abruptamente personificada.

    É nesta luz que alguém poderia abordar a reconsideração de Marx e Lênin da

    concepção dialética Hegeliana do universal. Embora estimando altamente as tendências

    dialéticas no pensamento de Hegel, o Marxismo aprofunda sua concepção em

    profundidade e amplitude, e assim, torna a categoria do “universal” na principal

    categoria da lógica governando a investigação dos fenômenos concretos e evoluindo

    historicamente.

    No âmbito da concepção materialista da dialética da história e do pensamento,

    as fórmulas Hegelianas possuem diferente significância do que na linguagem de seu

    criador, sendo despojadas do menor sinal de coloração mística. O “universal” inclui e

    personifica em si mesmo “toda a riqueza dos particulares”, não como uma “Ideia”, mas

    como um fenômeno especial, totalmente real, que tende a se tornar universal e que se

    desenvolve “de si próprio” pela força de suas contradições intrínsecas novas, mas não

    menos reais, outras formas “particulares” do movimento real. Assim, o “universal

    genuíno” não é qualquer forma particular encontrada em cada e todo membro de uma

    classe, mas o particular que é conduzido a emergir por sua própria “particularidade”, e

    precisamente por esta “particularidade” se torna o “universal genuíno”.

    E aqui não existe traço do misticismo da geração Platônica-Hegeliana.