1. a psicologia sÓcio-histÓrica: uma abordagem materialista, histórica e dialética do ser...

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  • 8/14/2019 1. A PSICOLOGIA SCIO-HISTRICA: uma abordagem materialista, histrica e dialtica do ser humano

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    1. A PSICOLOGIA SCIO-HISTRICA:

    uma abordagem materialista, histrica e dialtica do ser humano

    Para compreender as questes anteriormente levantadas, faz-se

    necessrio explicitar a concepo de homem e de mundo a ser utilizada nessa

    tarefa, a fim de situar epistemologicamente a problemtica da educao em

    instituies prisionais. A anlise desse fenmeno ser, portanto, realizada a

    partir da base filosfica do materialismo histrico e dialtico marxiano e de seu

    desdobramento na chamada psicologia sovitica, ou scio-histrica, como ser

    tratado a seguir.

    A concepo scio-histrica da psicologia afirma que o homem

    determinado pela sua atividade material, constituindo-se, simultaneamente,

    sujeito e objeto de sua ao intencional. Nessa perspectiva, o homem ao

    nascer encontra no mundo que o acolhe os meios necessrios para realizar a

    atividade que mediatiza a sua relao com a Natureza, sendo que nessa

    relao que ele humaniza-a e humaniza-se, engendrando o carter histrico de

    sua ao.

    Ao responder a questo que o homem?, a concepo scio-histrica

    procura pautar-se por dois eixos fundamentais: a especificidade, ou o que o

    distingue dos animais, e as diferenciaes do ser humano ao longo da histria,

    caracterizando o que ele era em momentos anteriores de sua histria, o que

    ele no momento atual e tambm o que ele poder vir-a-ser. Esses eixos sero

    explanados a seguir.

    Segundo Leontiev (1978), o homo sapiens constituiu um produto do

    processo pelo qual a evoluo do homem se libertou de sua dependncia

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    biolgica e hereditria e passou a se submeter apenas s chamadas leis scio-

    histricas. Esse processo evolutivo deu-se a partir do surgimento de uma

    atividade consciente e coletiva, o trabalho social, relacionado ao uso de

    instrumentos, ao aparecimento da linguagem e da conscincia no homem.

    Leontiev (1978 e 1978b) pontua que o trabalho, ou a atividade vital

    humana, possibilitou, nos primrdios da humanidade, o processo de

    hominizao do crebro, dos rgos de atividade externa e dos rgos dos

    sentidos.

    As modificaes anatmicas e fisiolgicas devidas ao

    trabalho acarretaram necessariamente uma transformao global do

    organismo, dada a interdependncia natural dos rgos. Assim, o

    aparecimento e o desenvolvimento do trabalho modificaram a

    aparncia fsica do homem bem como a sua organizao anatmica

    e fisiolgica. (1978, p. 73)

    De acordo com Marx (1989), trabalho pode ser definido como:

    (...) um processo entre o homem e a Natureza, um processo

    em que o homem, por sua prpria ao, media, regula e controla seu

    metabolismo com a Natureza. (...) Ao atuar, por meio desse

    movimento sobre a Natureza externa a ele e ao modific-la, ele

    modifica, ao mesmo tempo, sua prpria natureza. (p. 149)

    Para Leontiev (1978), a estrutura da atividade animal consiste na relao

    imediata entre o objeto da atividade e a necessidade que incitou o animal a agir

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    sobre o objeto. Enquanto que na atividade humana, sua estrutura aparece

    decomposta em unidades, denominadas aes, o que determina uma estrutura

    pautada pela no-coincidncia entre o objeto sobre o qual o homem age e o

    motivo pelo qual est agindo. Tal fato tem como desdobramento outra

    especificidade do psiquismo humano, como salienta a citao abaixo :

    A decomposio de uma ao supe que o sujeito que age

    tem a possibilidade de refletir psiquicamente a relao que existe

    entre o motivo objetivo da ao e o seu objeto (...) Doravante, est

    presente ao sujeito a ligao que existe entre o objeto de uma ao

    (o seu fim) e o gerador da atividade (o seu motivo). Ela surge-lhe na

    sua forma imediatamente sensvel, sob a forma da atividade de

    trabalho da coletividade humana. (pp. 79 e 80)

    Essa ligao da qual comenta Leontiev ser discutida mais adiante, na

    anlise do processo de significao, caracterstico do psiquismo humano. O

    autor tambm ressalta que o trabalho caracterizado por dois elementos

    mediadores: o uso e fabrico de instrumentos, compreendidos como meios

    condutores da ao, e o seu cartercoletivo, sendo ambos determinado pelas

    relaes sociais. Na citao a seguir, ao explicitar o conceito de instrumento, o

    autor deixa clara a sua determinao social e histrica.

    O instrumento no apenas um objeto de forma particular,

    de propriedades fsicas determinadas; tambm um objeto social,

    isto , tendo um certo modo de emprego, elaborado socialmente no

    decurso do trabalho coletivo e atribudo a ele. (p. 82)

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    De acordo com Luria (1986), a atividade vital humana caracteriza-se

    pelo trabalho social e este, mediante a diviso de suas funes, origina novas

    formas de comportamento, independentes dos motivos biolgicos elementares

    (p.21). O autor ressalta que a apropriao do dado objetivo no um simples

    reflexo da realidade, visto que o ser humano, no processo dialtico de

    apropriao/subjetivao, passa a configurar, a partir da linguagem, a sua

    subjetividade simultaneamente com a construo do mundo em que est

    inserido.

    Conforme Furtado (2001) resgata, a hiptese lanada por Luria para a

    origem da linguagem afirma que ela aparece engendrada pela construo do

    instrumento de trabalho. Luria (1986) aponta que a linguagem surgiu,

    inicialmente, como forma de comunicao rudimentar, estreitamente ligada a

    gestos com sons inarticulados, ambos executados durante a atividade

    coletivizada.

    Ao analisar a estrutura da linguagem, Luria (1986) refere que a palavra,

    nas primeiras etapas do desenvolvimento da linguagem, possua um carter

    simprxico, ou seja, sua significao se dava inserida na atividade prtica

    concreta. Ao emancipar-se do terreno da prtica, a linguagem tornou-se

    abstrata, constituindo-se em um sistema sinsemntico, caracterizado pelo

    enlace entre signos e seus significados.

    com a apario da linguagem como sistema de cdigos sinsemnticos

    que o homem adquire uma nova dimenso da conscincia, pois nele comeam

    a formar-se (...) imagens subjetivas do mundo objetivo que so dirigveis, ou

    seja, representaes que o homem pode manipular, inclusive na ausncia de

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    percepes imediatas(p. 33). a partir disso que o homem pde superar os

    limites da experincia sensorial imediata e construir uma configurao subjetiva

    da realidade material que o circundava, fato essencial que o distingue dos

    animais.

    A partir das condies materiais de existncia humana, que surge a

    existncia de uma conscincia organizada. A conscincia , portanto, produto

    da relao do homem e da humanidade com a natureza.

    Aguiar (2001), refere que a conscincia deve ser entendida como o

    social transformado em psicolgico, algo que tencionado por objetivaes

    histricas e pela subjetividade dos sujeitos, constituindo-se enquanto uma

    conscincia social e ideolgica, ao mesmo tempo que intersubjetiva e

    particular. Segundo Leontiev (1978), a conscincia humana a forma histrica

    concreta do seu psiquismo (p. 88). Para ele, ela adquire particularidades

    diversas segundo as condies sociais da vida dos homens e transforma-se na

    seqncia do desenvolvimento das suas relaes econmicas (idem).

    Leontiev argumenta que o estudo da conscincia deve compreender a

    prpria formao das relaes vitais do homens em suas condies sociais

    histricas concretas. O autor salienta ainda que deve-se entender a

    conscincia como um reflexo da realidade, refratada atravs do prisma das

    significaes e dos conceitos lingsticos elaborados socialmente, constituindo

    a linguagem na forma sob a qual opera a conscincia. Para ele, a estrutura da

    conscincia caracteriza-se pela relao estabelecida entre significao (ou

    significado) e sentido. Esses pontos fundamentais sobre a formao e as

    transformaes qualitativas da conscincia sero discutidos posteriormente,

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    quando forem abordadas as contribuies de L. S. Vigotski no estudo do

    pensamento e da linguagem .

    A partir desse ponto de vista histrico da formao da conscincia,

    depreende-se que o homem no est preso s leis biolgicas, pois passa a

    receber as experincias produzidas pela humanidade via comunicao com

    outros homens. Com base nessa anlise de base materialista e dialtica

    sucintamente exposta, pode-se afirmar que para a Psicologia Scio-Histrica a

    determinao fundamental na formao do indivduo no reside nas

    caractersticas do organismo do homem, sendo que essas apenas constituem

    em condies para a construo do humano no homem. Mais ainda, de acordo

    com esses pressupostos, temos que nenhum homem j nasce pronto e

    acabado, pois ele precisa passar por um processo de humanizao para que

    possa tornar-se verdadeiramente humano, ou seja, precisa passar por um

    processo de apropriao e de objetivao das caractersticas humanas

    produzidas e acumuladas na histria social humana.

    Duarte (1993) afirma ser a relao entre objetivao e apropriao a

    dinmica prpria da atividade vital humana e do processo de humanizao.

    Essa relao representa mais uma especificidade da condio humana e

    diverge substancialmente da relao entre a filognese e a ontognese que

    ocorre entre os outros animais. Segundo ele:

    O ser humano desenvolve suas faculdades especificamente

    humanas atravs do processo de objetivao que, para realizar-se,

    necessita que cada indivduo se aproprie daquilo que foi objetivado

    pelas geraes que lhe antecederam. (p. 50)

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    Enquanto que no animal a hereditariedade garante a transmisso dos

    contedos adaptativos e dos esquemas comportamentais necessrios sua

    sobrevivncia, para o homem, a partir da apropriao da natureza, j

    transformada pelo homem pela atividade objetivadora, que ele se desenvolve

    objetivamente e que produzido o chamado gnero humano. O gnero

    humano pode ser entendido como o corpo inorgnico do homem e representa

    todas as aquisies e produes historicamente acumuladas na histria da

    humanidade.

    a partir da apropriao/objetivao do gnero humano que o homem

    pode superar seus limites orgnicos e transcender para uma genericidade

    humana. Por exemplo, a natureza pode ter privado o organismo humano de

    asas para voar, porm, a partir do desenvolvimento das objetivaes humanas

    ao longo da histria, o homem foi capaz de criar e de aperfeioar instrumentos

    que, ao romperem com essa determinao biolgica, tm possibilitado a ele

    alar vos.

    Em outras palavras, com o incio da histria social, com o

    surgimento da espcie Homo sapiens, conclui-se o processo de

    hominizao, enquanto processo de seleo de espcies, mas no o

    processo de humanizao, enquanto processo de desenvolvimento

    do ser humano. O mecanismo fundamental do processo histrico-

    social de humanizao do gnero humano deixa de estar centrado,

    como no caso do processo de hominizao, na relao adaptativa

    com a natureza, e passa a ser, simultaneamente, um processo de

    apropriao da natureza, incorporando-a atividade social humana

    e um processo de objetivao do ser humano. O homem passa a

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    aspirar e expirar as foras da natureza. (Duarte, 1993, pp. 102 e

    103) (grifos no original).

    Segundo Duarte (1993), o conceito de gnero humano possibilita uma

    abordagem scio-histrica da formao do indivduo, pois engloba a

    concepo de homem como um produto determinado pelas suas prprias

    produes. Nesse ponto reside o carter de diferenciao do ser humano, que

    pode ser traduzido na possibilidade de superao histrica do que vem a ser o

    homem pelo prprio homem, a partir do movimento deapropriao/objetivao.

    Alguns percalos so encontrados pelo homem nesse caminho, pois, na

    sociedade capitalista que a nossa, a apropriao das relaes sociais

    objetivadas se d sob a forma de uma apropriao espontnea, em-si. Com a

    naturalizao tais relaes, o homem pode passar a se submeter a elas,

    subjetivando-as e constituindo uma identificao espontnea com a situao

    dada.

    Ao analisar a determinao das relaes sociais pautadas pela

    dominao econmica-ideolgica na apropriao do gnero humano, Duarte

    (1993) afirma que, para Marx:

    (...) as relaes sociais de dominao fazem com que

    aqueles que produzem, pelo seu trabalho, o mundo dos objetos

    humanos, no possam se apropriar do mundo resultante do

    trabalho humano. As relaes de dominao arrancam dos homens

    sua vida genrica (...) (p. 74) (grifos no original)

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    Quando o produto scio-histrico da evoluo da humanidade (gnero

    humano) se destaca da evoluo do indivduo (ontognese), est operando um

    processo de alheamento entre as produes histricas da humanidade e a vida

    particular dos homens. Essa alienao, no sentido marxiano, pode ser

    compreendida como a ruptura entre a essncia e a existncia do homem.

    Duarte (1993) faz um distino entre os conceitos de gnero humano e

    de essncia humana. Para ele, essncia humana passa a significar a seleo e

    a sntese, dentre as possibilidades geradas pelo processo de desenvolvimento

    do gnero humano, daquelas cuja realizao vista como a mais

    humanizadora pela concepo scio-histrica.

    A concepo histrico-social no se limita a responder o que o

    gnero humano , mas, na resposta ao que ele , procura os

    elementos para responder o que ele pode vir-a-ser e dentre as

    alternativas possveis, a concepo histrico-social elege aquelas

    que considera como constitutivas do que o gnero humano deve vir-

    a-ser. (p. 69) (grifos no original)

    Oliveira (2001) conceitua que o indivduo um ser singular que se

    relaciona com o gnero humano, a universalidade, a partir da mediao com a

    sociedade, que pode ser denominada de particularidade. Dessa forma,

    precisamente na particularidade que se desenvolve a relao entre singular-

    universal engendrada pelo processo de apropriao-objetivao, caracterstico

    da atividade vital humana. A autora atenta para o fato de que, em uma anlise

    scio-histrica da formao do indivduo, deve ser levada em considerao a

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    relao indivduo-genericidade, ou singular-universal, ao invs da relao

    indivduo-sociedade, ou singular-particular:

    Quando a relao singular-universal considerada

    epistemologicamente somente do ponto de vista da relao entre o

    indivduo e a sociedade, a emancipao do homem singular fica

    restrita somente ao que MARX chamou de mera emancipao

    poltica que est inerente concepo de cidado, a relao do

    indivduo com o Estado, somente, e no a relao do indivduo

    com o gnero humano. Nessa viso o objetivo ltimo da relao

    indivduo-sociedade fica restrita ao processo de adaptao do

    indivduo sociedade, que, na concepo neo-liberal de indivduo

    e de sociedade, se tornou hoje a palavra de ordem. (p. 21) (grifos

    no original)

    Dessa forma, a interminvel constituio do humano no homem deve

    ser compreendida a partir da categoria de gnero humano, sob a perspectiva

    da apropriao-objetivao em uma relao singular-universal que seja

    emancipadora, e mediada pela relao singular-particular.

    Oliveira (2001) e Duarte (1993) esclarecem ainda que a particularidade

    elemento essencial na anlise da constituio do indivduo, na medida em

    que por meio dela que a universalidade se concretiza na singularidade, visto

    que nenhum homem se relaciona imediatamente com o gnero humano, mas

    sim atravs das condies sociais concretas em que est inserido.

    Duarte (1993) explica que todo homem precisa se apropriar de um

    mnimo de objetivaes para poder reproduzir-se materialmente. Tais

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    objetivaes so caracterizadas por uma genericidade em-si, precisamente por

    que se do no cotidiano, entendido aqui como um conceito helleriano, e

    buscam a continuidade histrica da espcie humana no mundo social. Porm,

    em uma atividade homognea, ou no-cotidiana, o homem pode vir a se

    apropriar da chamada genericidade para-si, que so aquelas que representam

    o prprio desenvolvimento do gnero humano, alm de representarem

    tambm a relao dos homens para com a sua genericidade.

    Quanto ao carter emancipador da relao singular-universal,

    sintetizado a partir da diferenciao entre gnero humano e essncia humana

    anteriormente exposta, Duarte (1993) sinaliza que:

    Nesse ponto preciso diferenciar duas coisas: o surgimento

    e o desenvolvimento das esferas de objetivao genrica para-si

    um processo de humanizao; isso no significa, porm, que todo

    contedo concreto existente no interior de cada uma dessas

    esferas seja humanizador. Basta mencionar o exemplo da cincia.

    Seu surgimento e seu desenvolvimento fazem parte da

    humanizao do gnero humano, mas nem tudo o que se produz

    pela atividade cientfica pode ser considerado humanizador. O

    problema se torna ainda mais complexo porque um determinado

    contedo de um mbito das objetivaes genricas para-si pode

    ter um carter humanizador, mas ser apropriado pelos indivduos

    no interior de relaes alienadas e ento passar a ter uma funo

    no-humanizadora. (p.144 e 145)

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    O autor sublinha o papel fundamental da educao no processo de

    humanizao emancipadora do ser humano, posto que ela consiste a base

    para o processo de reproduo, nas propriedades do indivduo, das

    propriedades e aptides historicamente produzidas pela espcie humana.

    2. CONTRIBUIES DE L. S. VIGOTSKI NA CONSTITUIO DA

    PSICOLOGIA SCIO-HISTRICA

    De acordo com Molon (1999), Vigotski emergiu na Psicologia no

    momento em que a revoluo russa estava se consolidando e inaugurando

    uma sociedade que procurava a compreenso de um novo homem, exigindo

    assim novas bases de sustentao terica e metodolgica e novas implicaes

    no campo dos problemas prticos (p. 21) Segundo a autora, o conhecimento

    psicolgico da poca caracterizava-se pela dicotomia entre objetividade e

    subjetividade, corpo e mente, natural e cultural, objeto e sujeito, razo e

    emoo, indivduo e sociedade, excluso e incluso.

    Nesta poca, Vigotski realiza uma anlise sobre a crise da psicologia e

    identifica que, alm dos sistemas tericos terem adotado diferentes objetos de

    estudo, como o inconsciente, comportamento e o psquico e suas

    propriedades, tambm trabalhavam com fatos diferentes, o que impossibilitava

    a criao de uma psicologia geral. Outra questo levantada por Vigotski, diz

    respeito s tentativas de formular metodologias sintticas a partir da juno de

    conceitos e teorias de diferentes perspectivas, levando a formulao

    equivocada das perguntas e a respostas desarticuladas da pergunta pela unio

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    de universos distintos. Vygotsky no pretendia resolver todos os problemas da

    psicologia mas sim formul-los corretamente (Molon, 1999, p. 49)

    Baseado na abordagem materialista dialtica da anlise da histria

    humana, Vigotski (1994) considera o desenvolvimento psicolgico dos homens

    como parte do desenvolvimento histrico geral da espcie. Diferente das idias

    da abordagem naturalstica - que considera que apenas a natureza afeta os

    seres humanos e somente as condies naturais so determinantes do

    desenvolvimento histrico Vigotski afirma que o homem tambm influencia a

    natureza e cria, atravs das transformaes que nela realiza, novas condies

    para sua existncia. Essa posio representa o elemento-chave de nossa

    abordagem do estudo e interpretao das funes psicolgicas superiores do

    homem e serve como base dos novos mtodos de experimentao e anlise

    que defendemos(p. 80)

    A abordagem metodolgica desenvolvida por Vigotski (1994 e 1995),

    caracteriza-se por trs princpios bsicos, descritos a seguir:

    Analisar processos no objetos.

    Para Vigotski, o objeto de estudo da psicologia so as chamadas

    funes psquicas superiores1. Estas no so estveis e fixas, sofrem

    mudanas, so construdas e reconstrudas constantemente. Desta forma, a

    anlise dos dados no pode incidir especificamente sobre o objeto mas sim

    sobre o processo.

    Os fenmenos psquicos, como os sociais, se caracterizam por

    movimentos contraditrios que culminam em uma sntese, no definitiva e por

    1 Vigotski (1994) conceituafuno psquica superiorcom referncia combinao entre o instrumento eo signo no desenvolvimento da criana, que lhe possibilita desenvolver atividades tipicamente humanas.

    As principais funes seriam: memria, ateno e percepo.

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    comportamento fossilizado enquanto processos psicolgicos automatizados ou

    mecanizados.

    Por haverem sido apropriados h muito tempo, tais comportamentos

    perderam sua aparncia original e sua aparncia externa nada diz sobre sua

    natureza interna, criando desta forma grandes dificuldades para a anlise

    psicolgica materialista. Para resolver esse problema, faz-se necessrio

    compreender a origem dos processos e estudar no o produto de

    desenvolvimento mas oprprio processo.

    Esse o objetivo da anlise dinmica. (...) aqui que o passado e

    o presente se fundem e o presente visto luz da histria. (...) A

    forma fossilizada o final de uma linha que une o presente ao

    passado, os estgios superiores do desenvolvimento aos estgios

    primrios. (p. 85)

    Toda a obra e os pressupostos vigotskianos, basearam-se no

    materialismo-histrico-dialtico marxiano, o que subsidiou a sua concepo do

    organismo com alto grau de plasticidade e sua viso do meio ambiente como

    contextos culturais e histricos em transformao. Para Vigotski, o mtodo

    deve sempre ser adequado ao objeto de estudo e para tanto, preciso

    conhecer as peculiaridades de cada problema e torn-las o ponto de partida da

    investigao. Somente desta forma, teremos o problema e o mtodo se

    desenvolvendo ao mesmo tempo.

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    3. O PENSAMENTO E A LINGUAGEM: Contribuies de L. S. Vigotski

    para a compreenso scio-histrica da subjetividade

    De acordo com os pressupostos lanados anteriormente acerca do

    processo de humanizao, o homem precisa fazer das objetivaes

    historicamente acumuladas pela humanidade as suas aptides, elaborando

    sentidos subjetivos para a realidade objetiva, fato que s pode se dar se ele

    entrar em relao dialtica com os outros homens e com a realidade humana

    objetivada, ou seja, com os significados produzidos historicamente.

    Segundo Vigotski, significado da palavra uma construo simblica da

    realidade social, caracterizado por sua origem convencional e carter estvel.

    J sentido, pode ser compreendido como a soma dos eventos psicolgicos

    que a palavra evoca na conscincia (Aguiar, 2001, p. 105), sendo

    determinado por toda a riqueza do momentos existentes na conscincia.

    La palabra adquiere su sentido en su contexto y, como es

    sabido, cambia de sentido en contextos diferentes. Por el contrario,

    el significado permanece invariable y estable en todos los cambios

    de sentido de la palabra en los distintos contextos (...) La palabra

    est inserta en un contexto del cual toma su contenido intelectual y

    afectivo, se impregna de ese contenido y pasa a significar ms o

    menos de lo que significa aisladamente y fuera del contexto: ms

    porque se amplia su repertorio de significados, adquiriendo nuevas

    reas de contenido; menos, porque el contexto en cuestin limita y

    concreta su significado abstracto. (Vigotski, 1993, p. 333)

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    Para enriquecer a compreenso sobre a alienao, descrita

    anteriormente como um processo de alheamento entre o desenvolvimento

    ontogentico e o desenvolvimento do gnero humano, Leontiev (1978) insere

    os conceitos vigotskianos de sentido e significado. Ele esclarece que, na

    sociedade de modo de produo capitalista, ocorre um processo de

    alheamento entre sentido e significado na conscincia dos homens, resultando

    disso a prpria alienao desse sujeito, que encarnada da desintegrao de

    sua conscincia, percebida nas contradies objetivas de sua atividade.

    Nesse processo de desintegrao da conscincia, o trabalhador que

    precisa vender sua fora de trabalho, por exemplo, no se apropria, no

    subjetiva, o produto de seu trabalho consonante com o significado que esse

    produto reproduz na sociedade. Assim, o operrio de uma tecelagem em suas

    condies concretas de sua existncia, ou seja, de luta pela sua sobrevivncia,

    muito provavelmente no constri uma subjetivao acerca da tecelagem ou da

    fiao que se desdobre em um sentido que o possibilite apropriar-se e

    objetivar-se da produo de fios enquanto uma atividade que busca responder

    s necessidades da sociedade em que est inserido. o salrio que confere

    sua atividade e ao produto de sua ao o sentido para o operrio.

    Em outras palavras, o trabalhador apropria-se das produes genricas

    em-si necessrias para reproduzir sua fora de trabalho, alienando-se da

    significao de sua produo no nvel da genericidade para-si.

    Nas condies da sociedade capitalista, sabe o operrio o

    que a fiao ou a tecelagem? Possui ele os conhecimentos e as

    significaes correspondentes? Naturalmente que possui estas

    significaes; em todo o caso, s na medida em que isso

    necessrio para tecer, fiar, furar racionalmente numa palavra,

  • 8/14/2019 1. A PSICOLOGIA SCIO-HISTRICA: uma abordagem materialista, histrica e dialtica do ser humano

    18/30

    para efetuar as operaes de trabalho que constituem o contedo

    do seu trabalho. Todavia, nas condies consideradas, a tecelagem

    no tem para ele o sentido subjetivo de tecelagem, a fiao o de

    fiao... (Leontiev, 1978, p. 122)

    Conforme Heller (1991) e Leontiev (1978), a vida do homem una em

    sua totalidade, no havendo uma ruptura entre sua vida cotidiana e a genrica.

    Essa unidade engendra a possibilidade de uma luta interior , que traduzida

    na resistncia do homem relao concreta que o aliena.

    O fato de o sentido e as significaes serem estranhas

    umas s outras dissimulado ao homem na sua conscincia, sob a

    forma de processo de luta interior, aquilo a que se chama

    correntemente as contradies da conscincia, ou melhor, os

    problemas de conscincia. So estes os processos de tomada de

    conscincia do sentido da realidade, os processos de

    estabelecimento do sentido pessoal nas significaes (idem, p.

    128).

    No trecho acima o autor coloca a questo da tomada de conscincia, ou

    do processo de reintegrao da conscincia. Segundo seus apontamentos,

    vislumbra-se a articulao entre a produo de novos sentidos, que devem

    abarcar mais elementos da realidade concreta de modo reflexivo, enquanto

    uma forma de transformao qualitativa de alargamento de sua conscincia.

    uma condio indispensvel evoluo da conscincia do

    homem novo: o sentido novo deve com efeito realizar-se

  • 8/14/2019 1. A PSICOLOGIA SCIO-HISTRICA: uma abordagem materialista, histrica e dialtica do ser humano

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    psicologicamente nas significaes, pois um sentido no objetivado

    e no concretizado na significaes, nos conhecimentos, um

    sentido ainda no consciente, que no existe ainda totalmente para

    o homem (idem, p. 136)

    E ainda:

    A metamorfose da conscincia no toca imediatamente

    todos os aspectos da vida, todas as ligaes do homem ao mundo.

    Quando da primeira apario da conscincia, a realidade no

    apareceu de sbito na sua totalidade sob uma iluminao nova; no

    princpio, uma grande parte da realidade guarda a sua iluminao

    anterior porque as significaes, as representaes e as idias no

    se modificam automaticamente, desde que perderam o seu terreno

    nas condies objetivas da vida. Elas podem conservar a sua fora

    como preconceitos e muitas vezes s aps uma luta perseverante

    que elas acabam por perder o seu prestgio aos olhos dos homens

    (p. 138 e 139)

    Duarte (1993) afirma que esse processo de ressignificao engendra a

    formao de um indivduo para-si, a construo de um ser humano que est

    permanentemente buscando se relacionar de forma consciente com sua

    prpria vida, com sua subjetividade, mediado pela relao consciente com o

    gnero humano.

    O processo de formao do indivduo para-si envolve um

    conjunto complexo de fatores, no sendo possvel dizer que este ou

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    aquele seja o mais importante. Mas possvel afirmar-se que

    determinados fatores so indispensveis a esse processo. A

    relao consciente com as objetivaes genricas para-si um

    desses fatores indispensveis formao do indivduo para-si (p.

    185).

    Os aspectos relativos s transformaes da identidade do sujeito conjunto de caractersticas que nos diferenciam e nos fazem semelhantes uns

    aos outros, que tambm pode ser compreendida como o conjunto das

    caractersticas mais estveis da configurao subjetiva dos indivduos

    devem, necessariamente, ser analisados em seu processo de incessante

    metamorfose (Ciampa, 1986), atentando para a sua relao intrseca com a

    atividade e conscincia do sujeito concreto. A identidade , portanto,

    essencialmente mediada pela questo das significaes sociais e sentido

    pessoal, sendo construda ao mesmo tempo em que o sujeito se engaja em

    determinadas atividades, as quais iro refletir no seu psiquismo enquanto

    alteraes qualitativas da conscincia.

    Para compreender esse processo de ressignificao h que se

    considerar o substantivo papel da linguagem enquanto mediadora da formao

    do homem. Sobre essa questo, Leontiev (1978) elucida que Vigotski anuncia

    a existncia de dois pressupostos bsicos na elaborao de uma psicologia

    scio-histrica: a de que as funes psquicas do homem so de carter

    mediatizado e a de que os processos interiores intelectuais provm,

    inicialmente, de uma atividade exterior, de carter intersubjetivo.

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    Segundo a primeira destas duas hipteses, as

    particularidades especificamente humanas do psiquismo nascem

    da transformao dos processos, anteriormente diretos, naturais,

    em processos mediatizados, graas introduo, no

    comportamento, de um n intermedirio (estmulo-mdio). (...) A

    segundo hiptese de L. Vygotski no era menos importante: a

    estrutura mediatizada do processo psquico forma-se inicialmente

    nas condies em que o n mediatizante tem a forma de estmulo

    exterior (...) (p. 154 e 155)

    Vigotski introduz a noo de mediao semitica (Sigardo, 2000)

    estruturada em um sistema sinsemntico de signos, cuja unidade fundamental

    a palavra com significado, na compreenso da construo da subjetividade

    humana em seu processo de apropriao/subjetivao.

    De acordo com Alves (2002), o conceito de mediao sofreu vriassuperaes na prpria obra de Vigotski. Segundo o autor, as primeiras

    referncias ao conceito em textos de Vigotski surgiram em 1928, perodo em

    que seus escritos comeam a delinear uma vertente scio-histrica de sua

    viso de mundo.

    O termo mediao, segundo Sigardo (2000), pode ser compreendido em

    seu sentido lato como a interveno de um terceiro elemento que possibilite a

    interao entre os termos de uma relao(p. 38 - destaques no original).

    Conforme Sigardo (2000), Vigotski concebe as mediaes enquanto as

    prprias relaes sociais subjetivadas e afirma a existncia de dois tipos de

    mediadores: os instrumentos e os signos. Os primeiros j foram definidos

    anteriormente (p. 28 e 29), segundo as pontuaes de Leontiev. J os signos

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    podem ser definidos, de acordo com o semioticista Santalella (1996),

    enquanto:

    (...) uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto.Ele (signo) s pode funcionar como signo se carregar esse poder

    de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. Ora, o

    signo no o objeto. Ele apenas est no lugar do objeto. Portanto,

    ele s pode representar esse objeto de um certo modo e numa

    certa capacidade (p. 58).

    A natureza reversvel e plstica dos signos, como defendida acima,

    torna-os, segundo Sigardo (2000), particularmente aptos para a regulao da

    atividade do prprio sujeito, fazendo deles os mediadores na formao da

    conscincia (...)(p. 42). Essa funoreguladora da linguagem ser analisada

    posteriormente.

    Quanto capacidade de representar do signo, principalmente do signo

    lingstico, constituem seus determinantes a capacidade generalizadora e as

    prprias caractersticas estruturais das palavras.

    Ao descrever a estrutura da palavra, enquanto elemento sinsemntico

    (enlace signo-signo), Luria (1986) relata que:

    A estrutura da palavra complexa. A palavra possui uma

    referncia objetal, ou seja, designa um objeto evocando todo um

    campo semntico, possui uma funo de significado determinado,

    separa os traos, generaliza-os e analisa o objeto, o introduz em

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    uma determinada categoria e transmite a experincia da

    humanidade. (p. 42) (grifos no original)2

    Conforme Luria (1986), Vigotski elaborou uma tese na qual postula que

    o significado das palavras se desenvolve tanto no relativo sua estrutura

    como ao sistema de processos psquicos que se encontram em sua base(p.

    44). Tal tese foi denominada como o desenvolvimento semntico e sistmico

    do significado da palavra. Dessa proposio depreende-se que o significado

    da palavra no imutvel no processo de desenvolvimento da criana

    (desenvolvimento semntico) e que por trs dos diferentes significados das

    palavras nas diferentes etapas do desenvolvimento humano, subjazem

    diferentes processos psquicos.

    Dessa forma, medida em que a criana se desenvolve, muda o

    significado da palavra, signo reversvel que faz referncia aos enlaces e

    relaes do mundo objetivo, e tambm muda o reflexo desses enlaces e

    relaes que, atravs da palavra, determinam a sua conscincia, a sua forma

    depensamento.

    A palavra, ao possibilitar uma duplicao do mundo exterior, engendra

    tambm a ao voluntria, constituindo-se, portanto, em funo reguladora da

    linguagem e unidade, clula, dopensamento (Luria, 1986; Vigotski, 1993).

    Enquanto funo reguladora, a linguagem presta-se regulao da

    passagem de uma ao outra, ou seja, ao domnio da conduta. Luria (1996)

    2 Segundo Luria (1986), a palavra converte-se em elo ou n centralde toda uma rede de imagens por elaevocadas e tambm de outras palavras ligadas conotativamente primeira palavra. O conceito de Campo

    Semntico baseia-se napolissemia (ou plurissignificao) caracterstica da palavra. Para o autor, tanto o

    processo de denominao quanto o processo de percepo da palavra na realidade deve ser examinadocomo um complexo processo de escolha necessrio do significado imediato da palavra, entre todo ocampo semntico por ela evocado (p.35) (grifos no original)

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    afirma que a origem do ato voluntrio a comunicao da criana com o

    adulto:

    No incio, a criana deve se subordinar instruo verbal doadulto para, nas etapas seguintes, estar em condies de

    transformar essa atividade interpsicolgica em um processo

    interno intrapsquico de auto-regulao (p. 95)

    Esse processo dialgico de inter-relao da criana com o outro e

    consigo mesma depreende-se como um exemplo do processo ontogentico do

    domnio da prpria conduta por parte da criana. De acordo com Toassa

    (2003, p. 05), (...) o domnio da nossa prpria conduta consiste no processo

    de internalizao da influncia estimuladora da palavra (...).

    Tal fato tem como desdobramento uma liberdade essencialmente maior

    na atividade da criana do que na atividade animal, visto que, pela linguagem,

    a criana pode dispor de instrumentos efetivos para sua ao, independente

    de seu campo imediato de percepo.

    Vigotski (1993) afirma que, no desenvolvimento dessa funo

    reguladora da linguagem, a fala egocntrica da criana, tal qual conceitua

    Piaget, uma forma transitria entre a fala externa e a fala interna, com ilustra

    a citao a seguir:

    (...) el lenguaje egocntrico del nio representa uno de los

    fenmenos de transicin de las funciones interpsquicas a las

    intrapsquicas, es decir de la forma de actividad social colectiva del

    nio a su funcines individuales. (309)

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    O autor segue analisando o desenvolvimento da fala interior em

    pensamento, como demonstra o trecho abaixo:

    El lenguaje interno sigue siendo, no obstante, lenguaje; esdecir, pesamiento relacionado con palabras. Pero, mientras que en

    lenguaje externo el pensamiento se realiza en la palabra, en el

    lenguaje interno la palabra muere alumbrando un pensamiento. En

    gran medida, el lenguaje interno consiste en el acto de pensar con

    significados puros. (p. 339)

    Segundo Luria (1986) e Vigotski (1993), opensamento no se reflete na

    palavra, mas se realiza nela. O pensamento est, portanto, mediado

    externamente pelos signos e internamente pelo processo de significao.

    Desse fato resulta que para se compreender o pensamento no basta a

    compreenso do significado das palavras que lhe so constitutivas. Para

    Vigotski, a unidade de relao entre o pensamento e a linguagem a palavra

    com significado.

    Vigotski (1993 e 1994) postula, a partir disso, que pensamento e

    linguagem tm origens independentes, e que no podem ser analisados como

    uma e a mesma coisa. Ele concebe uma fase em que o pensamento est

    substancialmente dissociado da palavra, quando a inteligncia prtica e o uso

    de signos esto operando independentemente em crianas pequenas. Tal

    dissociao no processo de desenvolvimento ontogentico deve ser superada,

    a fim de que a fala e a atividade prtica, tomadas como duas linhas

    independentes de desenvolvimento, possam convergir e darorigem as formas

    puramente humanas de inteligncia prtica e abstrata(1994, p. 33).

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    Vigotski (1993) avana no estudo sobre o pensamento e a linguagem ao

    destacar a importncia do papel das emoes na constituio do pensamento.

    Segundo ele la comprensin real y completa del pensamiento ajeno slo

    resulta posible cuando descubrimos la trama afectivo-volitiva oculta tras l.(p.

    342)

    Em outro trecho do mesmo texto, o autor afirma que, para se

    compreender a base afetivo-volitiva do pensamento preciso analisar as

    necessidades e os motivos, que so construdos a partir do processo scio-

    histrico de apropriao/objetivao, que esto por trs dos significados:

    Para comprender el lenguaje ajeno nunca es suficiente

    comprender las palabras, es necesario comprender el pensamiento

    del interlocutor. Pero incluso la comprensin del pensamiento, si no

    alcanza el motivo, la causa de la expresin del pensamiento, es una

    comprensin incompleta. De la misma forma, en el anlisis

    psicolgico de cualquier expresin slo est completo cuando

    descubrimos el plano interno ms profundo y m oculto de

    pensamiento verbal, su motivacin. (p. 343)

    Segundo Rey (2000 e 2003), as necessidades podem ser consideradas

    como estados afetivos surgidos a partir da integrao de um conjunto de

    emoes, ou seja, so estados produtores de sentidos. Motivos podem ser

    conceituados como um sistema de necessidades configurados de forma

    estvel na subjetividade do indivduo. As necessidades que vo nos

    constituindo, em determinados momentos, iro, portanto, se configurar em

    motivosconcretos, que sempre dependero da maneira com a qual sujeito se

    implica com sua realidade concreta.

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    Nessa forma de envolvimento com a realidade, encontra-se a emoo

    (compreendida como uma unidade contraditria cognitivo-afetiva), unidade

    bsica das necessidades. Aguiar (2001), ao discutir a base emocional do

    pensamento, destaca:

    Assim, o pensamento ser concebido como pensamento

    emocionado, a linguagem ser sempre emocionada, ou seja, ter

    como elemento constitutivo a dimenso emocional, expressando

    uma avaliao do sujeito, ou seja, o sentido subjetivo que

    determinado fato ou evento tiveram para ele. (p. 106)

    A autora afirma ainda que, para se compreender o universo dos sentidos

    pessoais, faz-se necessrio encontrar as explicaes que possam desvelar as

    formas de pensar, sentir e agir(idem).

    Para Rey (2003), as emoes representam estados de ativao

    psquica e fisiolgicas, resultantes de complexos registro do organismo ante o

    social, o psquico e o fisiolgico(p. 242).

    Dessa forma, retira-se do campo das emoes e da afetividade o carter

    de epifenmeno a que estava fadado, visto que esse mesmo campo constitui-

    se como elemento fundamental de anlise do processo de construo do

    sujeito e de sua conscincia, a partir do movimento dialtico entre apropriao

    e objetivao das produes sociais da humanidade. Rey (2003) afirma que:

    A emoo caracteriza o estado do sujeito ante toda ao, ou

    seja, as emoes esto estreitamente associadas s aes, por

    meio das quais caracterizam o sujeito no espao de suas relaes

    sociais, entrando assim no cenrio da cultura. O emocionar-se

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    uma condio da atividade humana dentro do domnio da cultura, o

    que por sua vez v na gnese cultural das emoes humanas (p.

    242).

    De acordo com o exposto, esto lanadas as bases epistemolgicas e

    metodolgicas da psicologia scio-histrica norteadoras dessa investigao,

    que, a partir do prisma materialista-histrico-dialtico, prope-se a analisar,

    com o devido rigor cientfico, o processo de formao da subjetividade humana,

    em sua relao dialtica com a construo do mundo objetivo, na atividadeespecfica da educao em sistema prisional.

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