1. a psicologia sÓcio-histÓrica: uma abordagem materialista, histórica e dialética do ser...
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8/14/2019 1. A PSICOLOGIA SCIO-HISTRICA: uma abordagem materialista, histrica e dialtica do ser humano
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1. A PSICOLOGIA SCIO-HISTRICA:
uma abordagem materialista, histrica e dialtica do ser humano
Para compreender as questes anteriormente levantadas, faz-se
necessrio explicitar a concepo de homem e de mundo a ser utilizada nessa
tarefa, a fim de situar epistemologicamente a problemtica da educao em
instituies prisionais. A anlise desse fenmeno ser, portanto, realizada a
partir da base filosfica do materialismo histrico e dialtico marxiano e de seu
desdobramento na chamada psicologia sovitica, ou scio-histrica, como ser
tratado a seguir.
A concepo scio-histrica da psicologia afirma que o homem
determinado pela sua atividade material, constituindo-se, simultaneamente,
sujeito e objeto de sua ao intencional. Nessa perspectiva, o homem ao
nascer encontra no mundo que o acolhe os meios necessrios para realizar a
atividade que mediatiza a sua relao com a Natureza, sendo que nessa
relao que ele humaniza-a e humaniza-se, engendrando o carter histrico de
sua ao.
Ao responder a questo que o homem?, a concepo scio-histrica
procura pautar-se por dois eixos fundamentais: a especificidade, ou o que o
distingue dos animais, e as diferenciaes do ser humano ao longo da histria,
caracterizando o que ele era em momentos anteriores de sua histria, o que
ele no momento atual e tambm o que ele poder vir-a-ser. Esses eixos sero
explanados a seguir.
Segundo Leontiev (1978), o homo sapiens constituiu um produto do
processo pelo qual a evoluo do homem se libertou de sua dependncia
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biolgica e hereditria e passou a se submeter apenas s chamadas leis scio-
histricas. Esse processo evolutivo deu-se a partir do surgimento de uma
atividade consciente e coletiva, o trabalho social, relacionado ao uso de
instrumentos, ao aparecimento da linguagem e da conscincia no homem.
Leontiev (1978 e 1978b) pontua que o trabalho, ou a atividade vital
humana, possibilitou, nos primrdios da humanidade, o processo de
hominizao do crebro, dos rgos de atividade externa e dos rgos dos
sentidos.
As modificaes anatmicas e fisiolgicas devidas ao
trabalho acarretaram necessariamente uma transformao global do
organismo, dada a interdependncia natural dos rgos. Assim, o
aparecimento e o desenvolvimento do trabalho modificaram a
aparncia fsica do homem bem como a sua organizao anatmica
e fisiolgica. (1978, p. 73)
De acordo com Marx (1989), trabalho pode ser definido como:
(...) um processo entre o homem e a Natureza, um processo
em que o homem, por sua prpria ao, media, regula e controla seu
metabolismo com a Natureza. (...) Ao atuar, por meio desse
movimento sobre a Natureza externa a ele e ao modific-la, ele
modifica, ao mesmo tempo, sua prpria natureza. (p. 149)
Para Leontiev (1978), a estrutura da atividade animal consiste na relao
imediata entre o objeto da atividade e a necessidade que incitou o animal a agir
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sobre o objeto. Enquanto que na atividade humana, sua estrutura aparece
decomposta em unidades, denominadas aes, o que determina uma estrutura
pautada pela no-coincidncia entre o objeto sobre o qual o homem age e o
motivo pelo qual est agindo. Tal fato tem como desdobramento outra
especificidade do psiquismo humano, como salienta a citao abaixo :
A decomposio de uma ao supe que o sujeito que age
tem a possibilidade de refletir psiquicamente a relao que existe
entre o motivo objetivo da ao e o seu objeto (...) Doravante, est
presente ao sujeito a ligao que existe entre o objeto de uma ao
(o seu fim) e o gerador da atividade (o seu motivo). Ela surge-lhe na
sua forma imediatamente sensvel, sob a forma da atividade de
trabalho da coletividade humana. (pp. 79 e 80)
Essa ligao da qual comenta Leontiev ser discutida mais adiante, na
anlise do processo de significao, caracterstico do psiquismo humano. O
autor tambm ressalta que o trabalho caracterizado por dois elementos
mediadores: o uso e fabrico de instrumentos, compreendidos como meios
condutores da ao, e o seu cartercoletivo, sendo ambos determinado pelas
relaes sociais. Na citao a seguir, ao explicitar o conceito de instrumento, o
autor deixa clara a sua determinao social e histrica.
O instrumento no apenas um objeto de forma particular,
de propriedades fsicas determinadas; tambm um objeto social,
isto , tendo um certo modo de emprego, elaborado socialmente no
decurso do trabalho coletivo e atribudo a ele. (p. 82)
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De acordo com Luria (1986), a atividade vital humana caracteriza-se
pelo trabalho social e este, mediante a diviso de suas funes, origina novas
formas de comportamento, independentes dos motivos biolgicos elementares
(p.21). O autor ressalta que a apropriao do dado objetivo no um simples
reflexo da realidade, visto que o ser humano, no processo dialtico de
apropriao/subjetivao, passa a configurar, a partir da linguagem, a sua
subjetividade simultaneamente com a construo do mundo em que est
inserido.
Conforme Furtado (2001) resgata, a hiptese lanada por Luria para a
origem da linguagem afirma que ela aparece engendrada pela construo do
instrumento de trabalho. Luria (1986) aponta que a linguagem surgiu,
inicialmente, como forma de comunicao rudimentar, estreitamente ligada a
gestos com sons inarticulados, ambos executados durante a atividade
coletivizada.
Ao analisar a estrutura da linguagem, Luria (1986) refere que a palavra,
nas primeiras etapas do desenvolvimento da linguagem, possua um carter
simprxico, ou seja, sua significao se dava inserida na atividade prtica
concreta. Ao emancipar-se do terreno da prtica, a linguagem tornou-se
abstrata, constituindo-se em um sistema sinsemntico, caracterizado pelo
enlace entre signos e seus significados.
com a apario da linguagem como sistema de cdigos sinsemnticos
que o homem adquire uma nova dimenso da conscincia, pois nele comeam
a formar-se (...) imagens subjetivas do mundo objetivo que so dirigveis, ou
seja, representaes que o homem pode manipular, inclusive na ausncia de
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percepes imediatas(p. 33). a partir disso que o homem pde superar os
limites da experincia sensorial imediata e construir uma configurao subjetiva
da realidade material que o circundava, fato essencial que o distingue dos
animais.
A partir das condies materiais de existncia humana, que surge a
existncia de uma conscincia organizada. A conscincia , portanto, produto
da relao do homem e da humanidade com a natureza.
Aguiar (2001), refere que a conscincia deve ser entendida como o
social transformado em psicolgico, algo que tencionado por objetivaes
histricas e pela subjetividade dos sujeitos, constituindo-se enquanto uma
conscincia social e ideolgica, ao mesmo tempo que intersubjetiva e
particular. Segundo Leontiev (1978), a conscincia humana a forma histrica
concreta do seu psiquismo (p. 88). Para ele, ela adquire particularidades
diversas segundo as condies sociais da vida dos homens e transforma-se na
seqncia do desenvolvimento das suas relaes econmicas (idem).
Leontiev argumenta que o estudo da conscincia deve compreender a
prpria formao das relaes vitais do homens em suas condies sociais
histricas concretas. O autor salienta ainda que deve-se entender a
conscincia como um reflexo da realidade, refratada atravs do prisma das
significaes e dos conceitos lingsticos elaborados socialmente, constituindo
a linguagem na forma sob a qual opera a conscincia. Para ele, a estrutura da
conscincia caracteriza-se pela relao estabelecida entre significao (ou
significado) e sentido. Esses pontos fundamentais sobre a formao e as
transformaes qualitativas da conscincia sero discutidos posteriormente,
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quando forem abordadas as contribuies de L. S. Vigotski no estudo do
pensamento e da linguagem .
A partir desse ponto de vista histrico da formao da conscincia,
depreende-se que o homem no est preso s leis biolgicas, pois passa a
receber as experincias produzidas pela humanidade via comunicao com
outros homens. Com base nessa anlise de base materialista e dialtica
sucintamente exposta, pode-se afirmar que para a Psicologia Scio-Histrica a
determinao fundamental na formao do indivduo no reside nas
caractersticas do organismo do homem, sendo que essas apenas constituem
em condies para a construo do humano no homem. Mais ainda, de acordo
com esses pressupostos, temos que nenhum homem j nasce pronto e
acabado, pois ele precisa passar por um processo de humanizao para que
possa tornar-se verdadeiramente humano, ou seja, precisa passar por um
processo de apropriao e de objetivao das caractersticas humanas
produzidas e acumuladas na histria social humana.
Duarte (1993) afirma ser a relao entre objetivao e apropriao a
dinmica prpria da atividade vital humana e do processo de humanizao.
Essa relao representa mais uma especificidade da condio humana e
diverge substancialmente da relao entre a filognese e a ontognese que
ocorre entre os outros animais. Segundo ele:
O ser humano desenvolve suas faculdades especificamente
humanas atravs do processo de objetivao que, para realizar-se,
necessita que cada indivduo se aproprie daquilo que foi objetivado
pelas geraes que lhe antecederam. (p. 50)
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Enquanto que no animal a hereditariedade garante a transmisso dos
contedos adaptativos e dos esquemas comportamentais necessrios sua
sobrevivncia, para o homem, a partir da apropriao da natureza, j
transformada pelo homem pela atividade objetivadora, que ele se desenvolve
objetivamente e que produzido o chamado gnero humano. O gnero
humano pode ser entendido como o corpo inorgnico do homem e representa
todas as aquisies e produes historicamente acumuladas na histria da
humanidade.
a partir da apropriao/objetivao do gnero humano que o homem
pode superar seus limites orgnicos e transcender para uma genericidade
humana. Por exemplo, a natureza pode ter privado o organismo humano de
asas para voar, porm, a partir do desenvolvimento das objetivaes humanas
ao longo da histria, o homem foi capaz de criar e de aperfeioar instrumentos
que, ao romperem com essa determinao biolgica, tm possibilitado a ele
alar vos.
Em outras palavras, com o incio da histria social, com o
surgimento da espcie Homo sapiens, conclui-se o processo de
hominizao, enquanto processo de seleo de espcies, mas no o
processo de humanizao, enquanto processo de desenvolvimento
do ser humano. O mecanismo fundamental do processo histrico-
social de humanizao do gnero humano deixa de estar centrado,
como no caso do processo de hominizao, na relao adaptativa
com a natureza, e passa a ser, simultaneamente, um processo de
apropriao da natureza, incorporando-a atividade social humana
e um processo de objetivao do ser humano. O homem passa a
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aspirar e expirar as foras da natureza. (Duarte, 1993, pp. 102 e
103) (grifos no original).
Segundo Duarte (1993), o conceito de gnero humano possibilita uma
abordagem scio-histrica da formao do indivduo, pois engloba a
concepo de homem como um produto determinado pelas suas prprias
produes. Nesse ponto reside o carter de diferenciao do ser humano, que
pode ser traduzido na possibilidade de superao histrica do que vem a ser o
homem pelo prprio homem, a partir do movimento deapropriao/objetivao.
Alguns percalos so encontrados pelo homem nesse caminho, pois, na
sociedade capitalista que a nossa, a apropriao das relaes sociais
objetivadas se d sob a forma de uma apropriao espontnea, em-si. Com a
naturalizao tais relaes, o homem pode passar a se submeter a elas,
subjetivando-as e constituindo uma identificao espontnea com a situao
dada.
Ao analisar a determinao das relaes sociais pautadas pela
dominao econmica-ideolgica na apropriao do gnero humano, Duarte
(1993) afirma que, para Marx:
(...) as relaes sociais de dominao fazem com que
aqueles que produzem, pelo seu trabalho, o mundo dos objetos
humanos, no possam se apropriar do mundo resultante do
trabalho humano. As relaes de dominao arrancam dos homens
sua vida genrica (...) (p. 74) (grifos no original)
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Quando o produto scio-histrico da evoluo da humanidade (gnero
humano) se destaca da evoluo do indivduo (ontognese), est operando um
processo de alheamento entre as produes histricas da humanidade e a vida
particular dos homens. Essa alienao, no sentido marxiano, pode ser
compreendida como a ruptura entre a essncia e a existncia do homem.
Duarte (1993) faz um distino entre os conceitos de gnero humano e
de essncia humana. Para ele, essncia humana passa a significar a seleo e
a sntese, dentre as possibilidades geradas pelo processo de desenvolvimento
do gnero humano, daquelas cuja realizao vista como a mais
humanizadora pela concepo scio-histrica.
A concepo histrico-social no se limita a responder o que o
gnero humano , mas, na resposta ao que ele , procura os
elementos para responder o que ele pode vir-a-ser e dentre as
alternativas possveis, a concepo histrico-social elege aquelas
que considera como constitutivas do que o gnero humano deve vir-
a-ser. (p. 69) (grifos no original)
Oliveira (2001) conceitua que o indivduo um ser singular que se
relaciona com o gnero humano, a universalidade, a partir da mediao com a
sociedade, que pode ser denominada de particularidade. Dessa forma,
precisamente na particularidade que se desenvolve a relao entre singular-
universal engendrada pelo processo de apropriao-objetivao, caracterstico
da atividade vital humana. A autora atenta para o fato de que, em uma anlise
scio-histrica da formao do indivduo, deve ser levada em considerao a
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relao indivduo-genericidade, ou singular-universal, ao invs da relao
indivduo-sociedade, ou singular-particular:
Quando a relao singular-universal considerada
epistemologicamente somente do ponto de vista da relao entre o
indivduo e a sociedade, a emancipao do homem singular fica
restrita somente ao que MARX chamou de mera emancipao
poltica que est inerente concepo de cidado, a relao do
indivduo com o Estado, somente, e no a relao do indivduo
com o gnero humano. Nessa viso o objetivo ltimo da relao
indivduo-sociedade fica restrita ao processo de adaptao do
indivduo sociedade, que, na concepo neo-liberal de indivduo
e de sociedade, se tornou hoje a palavra de ordem. (p. 21) (grifos
no original)
Dessa forma, a interminvel constituio do humano no homem deve
ser compreendida a partir da categoria de gnero humano, sob a perspectiva
da apropriao-objetivao em uma relao singular-universal que seja
emancipadora, e mediada pela relao singular-particular.
Oliveira (2001) e Duarte (1993) esclarecem ainda que a particularidade
elemento essencial na anlise da constituio do indivduo, na medida em
que por meio dela que a universalidade se concretiza na singularidade, visto
que nenhum homem se relaciona imediatamente com o gnero humano, mas
sim atravs das condies sociais concretas em que est inserido.
Duarte (1993) explica que todo homem precisa se apropriar de um
mnimo de objetivaes para poder reproduzir-se materialmente. Tais
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objetivaes so caracterizadas por uma genericidade em-si, precisamente por
que se do no cotidiano, entendido aqui como um conceito helleriano, e
buscam a continuidade histrica da espcie humana no mundo social. Porm,
em uma atividade homognea, ou no-cotidiana, o homem pode vir a se
apropriar da chamada genericidade para-si, que so aquelas que representam
o prprio desenvolvimento do gnero humano, alm de representarem
tambm a relao dos homens para com a sua genericidade.
Quanto ao carter emancipador da relao singular-universal,
sintetizado a partir da diferenciao entre gnero humano e essncia humana
anteriormente exposta, Duarte (1993) sinaliza que:
Nesse ponto preciso diferenciar duas coisas: o surgimento
e o desenvolvimento das esferas de objetivao genrica para-si
um processo de humanizao; isso no significa, porm, que todo
contedo concreto existente no interior de cada uma dessas
esferas seja humanizador. Basta mencionar o exemplo da cincia.
Seu surgimento e seu desenvolvimento fazem parte da
humanizao do gnero humano, mas nem tudo o que se produz
pela atividade cientfica pode ser considerado humanizador. O
problema se torna ainda mais complexo porque um determinado
contedo de um mbito das objetivaes genricas para-si pode
ter um carter humanizador, mas ser apropriado pelos indivduos
no interior de relaes alienadas e ento passar a ter uma funo
no-humanizadora. (p.144 e 145)
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O autor sublinha o papel fundamental da educao no processo de
humanizao emancipadora do ser humano, posto que ela consiste a base
para o processo de reproduo, nas propriedades do indivduo, das
propriedades e aptides historicamente produzidas pela espcie humana.
2. CONTRIBUIES DE L. S. VIGOTSKI NA CONSTITUIO DA
PSICOLOGIA SCIO-HISTRICA
De acordo com Molon (1999), Vigotski emergiu na Psicologia no
momento em que a revoluo russa estava se consolidando e inaugurando
uma sociedade que procurava a compreenso de um novo homem, exigindo
assim novas bases de sustentao terica e metodolgica e novas implicaes
no campo dos problemas prticos (p. 21) Segundo a autora, o conhecimento
psicolgico da poca caracterizava-se pela dicotomia entre objetividade e
subjetividade, corpo e mente, natural e cultural, objeto e sujeito, razo e
emoo, indivduo e sociedade, excluso e incluso.
Nesta poca, Vigotski realiza uma anlise sobre a crise da psicologia e
identifica que, alm dos sistemas tericos terem adotado diferentes objetos de
estudo, como o inconsciente, comportamento e o psquico e suas
propriedades, tambm trabalhavam com fatos diferentes, o que impossibilitava
a criao de uma psicologia geral. Outra questo levantada por Vigotski, diz
respeito s tentativas de formular metodologias sintticas a partir da juno de
conceitos e teorias de diferentes perspectivas, levando a formulao
equivocada das perguntas e a respostas desarticuladas da pergunta pela unio
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de universos distintos. Vygotsky no pretendia resolver todos os problemas da
psicologia mas sim formul-los corretamente (Molon, 1999, p. 49)
Baseado na abordagem materialista dialtica da anlise da histria
humana, Vigotski (1994) considera o desenvolvimento psicolgico dos homens
como parte do desenvolvimento histrico geral da espcie. Diferente das idias
da abordagem naturalstica - que considera que apenas a natureza afeta os
seres humanos e somente as condies naturais so determinantes do
desenvolvimento histrico Vigotski afirma que o homem tambm influencia a
natureza e cria, atravs das transformaes que nela realiza, novas condies
para sua existncia. Essa posio representa o elemento-chave de nossa
abordagem do estudo e interpretao das funes psicolgicas superiores do
homem e serve como base dos novos mtodos de experimentao e anlise
que defendemos(p. 80)
A abordagem metodolgica desenvolvida por Vigotski (1994 e 1995),
caracteriza-se por trs princpios bsicos, descritos a seguir:
Analisar processos no objetos.
Para Vigotski, o objeto de estudo da psicologia so as chamadas
funes psquicas superiores1. Estas no so estveis e fixas, sofrem
mudanas, so construdas e reconstrudas constantemente. Desta forma, a
anlise dos dados no pode incidir especificamente sobre o objeto mas sim
sobre o processo.
Os fenmenos psquicos, como os sociais, se caracterizam por
movimentos contraditrios que culminam em uma sntese, no definitiva e por
1 Vigotski (1994) conceituafuno psquica superiorcom referncia combinao entre o instrumento eo signo no desenvolvimento da criana, que lhe possibilita desenvolver atividades tipicamente humanas.
As principais funes seriam: memria, ateno e percepo.
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comportamento fossilizado enquanto processos psicolgicos automatizados ou
mecanizados.
Por haverem sido apropriados h muito tempo, tais comportamentos
perderam sua aparncia original e sua aparncia externa nada diz sobre sua
natureza interna, criando desta forma grandes dificuldades para a anlise
psicolgica materialista. Para resolver esse problema, faz-se necessrio
compreender a origem dos processos e estudar no o produto de
desenvolvimento mas oprprio processo.
Esse o objetivo da anlise dinmica. (...) aqui que o passado e
o presente se fundem e o presente visto luz da histria. (...) A
forma fossilizada o final de uma linha que une o presente ao
passado, os estgios superiores do desenvolvimento aos estgios
primrios. (p. 85)
Toda a obra e os pressupostos vigotskianos, basearam-se no
materialismo-histrico-dialtico marxiano, o que subsidiou a sua concepo do
organismo com alto grau de plasticidade e sua viso do meio ambiente como
contextos culturais e histricos em transformao. Para Vigotski, o mtodo
deve sempre ser adequado ao objeto de estudo e para tanto, preciso
conhecer as peculiaridades de cada problema e torn-las o ponto de partida da
investigao. Somente desta forma, teremos o problema e o mtodo se
desenvolvendo ao mesmo tempo.
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3. O PENSAMENTO E A LINGUAGEM: Contribuies de L. S. Vigotski
para a compreenso scio-histrica da subjetividade
De acordo com os pressupostos lanados anteriormente acerca do
processo de humanizao, o homem precisa fazer das objetivaes
historicamente acumuladas pela humanidade as suas aptides, elaborando
sentidos subjetivos para a realidade objetiva, fato que s pode se dar se ele
entrar em relao dialtica com os outros homens e com a realidade humana
objetivada, ou seja, com os significados produzidos historicamente.
Segundo Vigotski, significado da palavra uma construo simblica da
realidade social, caracterizado por sua origem convencional e carter estvel.
J sentido, pode ser compreendido como a soma dos eventos psicolgicos
que a palavra evoca na conscincia (Aguiar, 2001, p. 105), sendo
determinado por toda a riqueza do momentos existentes na conscincia.
La palabra adquiere su sentido en su contexto y, como es
sabido, cambia de sentido en contextos diferentes. Por el contrario,
el significado permanece invariable y estable en todos los cambios
de sentido de la palabra en los distintos contextos (...) La palabra
est inserta en un contexto del cual toma su contenido intelectual y
afectivo, se impregna de ese contenido y pasa a significar ms o
menos de lo que significa aisladamente y fuera del contexto: ms
porque se amplia su repertorio de significados, adquiriendo nuevas
reas de contenido; menos, porque el contexto en cuestin limita y
concreta su significado abstracto. (Vigotski, 1993, p. 333)
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Para enriquecer a compreenso sobre a alienao, descrita
anteriormente como um processo de alheamento entre o desenvolvimento
ontogentico e o desenvolvimento do gnero humano, Leontiev (1978) insere
os conceitos vigotskianos de sentido e significado. Ele esclarece que, na
sociedade de modo de produo capitalista, ocorre um processo de
alheamento entre sentido e significado na conscincia dos homens, resultando
disso a prpria alienao desse sujeito, que encarnada da desintegrao de
sua conscincia, percebida nas contradies objetivas de sua atividade.
Nesse processo de desintegrao da conscincia, o trabalhador que
precisa vender sua fora de trabalho, por exemplo, no se apropria, no
subjetiva, o produto de seu trabalho consonante com o significado que esse
produto reproduz na sociedade. Assim, o operrio de uma tecelagem em suas
condies concretas de sua existncia, ou seja, de luta pela sua sobrevivncia,
muito provavelmente no constri uma subjetivao acerca da tecelagem ou da
fiao que se desdobre em um sentido que o possibilite apropriar-se e
objetivar-se da produo de fios enquanto uma atividade que busca responder
s necessidades da sociedade em que est inserido. o salrio que confere
sua atividade e ao produto de sua ao o sentido para o operrio.
Em outras palavras, o trabalhador apropria-se das produes genricas
em-si necessrias para reproduzir sua fora de trabalho, alienando-se da
significao de sua produo no nvel da genericidade para-si.
Nas condies da sociedade capitalista, sabe o operrio o
que a fiao ou a tecelagem? Possui ele os conhecimentos e as
significaes correspondentes? Naturalmente que possui estas
significaes; em todo o caso, s na medida em que isso
necessrio para tecer, fiar, furar racionalmente numa palavra,
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para efetuar as operaes de trabalho que constituem o contedo
do seu trabalho. Todavia, nas condies consideradas, a tecelagem
no tem para ele o sentido subjetivo de tecelagem, a fiao o de
fiao... (Leontiev, 1978, p. 122)
Conforme Heller (1991) e Leontiev (1978), a vida do homem una em
sua totalidade, no havendo uma ruptura entre sua vida cotidiana e a genrica.
Essa unidade engendra a possibilidade de uma luta interior , que traduzida
na resistncia do homem relao concreta que o aliena.
O fato de o sentido e as significaes serem estranhas
umas s outras dissimulado ao homem na sua conscincia, sob a
forma de processo de luta interior, aquilo a que se chama
correntemente as contradies da conscincia, ou melhor, os
problemas de conscincia. So estes os processos de tomada de
conscincia do sentido da realidade, os processos de
estabelecimento do sentido pessoal nas significaes (idem, p.
128).
No trecho acima o autor coloca a questo da tomada de conscincia, ou
do processo de reintegrao da conscincia. Segundo seus apontamentos,
vislumbra-se a articulao entre a produo de novos sentidos, que devem
abarcar mais elementos da realidade concreta de modo reflexivo, enquanto
uma forma de transformao qualitativa de alargamento de sua conscincia.
uma condio indispensvel evoluo da conscincia do
homem novo: o sentido novo deve com efeito realizar-se
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psicologicamente nas significaes, pois um sentido no objetivado
e no concretizado na significaes, nos conhecimentos, um
sentido ainda no consciente, que no existe ainda totalmente para
o homem (idem, p. 136)
E ainda:
A metamorfose da conscincia no toca imediatamente
todos os aspectos da vida, todas as ligaes do homem ao mundo.
Quando da primeira apario da conscincia, a realidade no
apareceu de sbito na sua totalidade sob uma iluminao nova; no
princpio, uma grande parte da realidade guarda a sua iluminao
anterior porque as significaes, as representaes e as idias no
se modificam automaticamente, desde que perderam o seu terreno
nas condies objetivas da vida. Elas podem conservar a sua fora
como preconceitos e muitas vezes s aps uma luta perseverante
que elas acabam por perder o seu prestgio aos olhos dos homens
(p. 138 e 139)
Duarte (1993) afirma que esse processo de ressignificao engendra a
formao de um indivduo para-si, a construo de um ser humano que est
permanentemente buscando se relacionar de forma consciente com sua
prpria vida, com sua subjetividade, mediado pela relao consciente com o
gnero humano.
O processo de formao do indivduo para-si envolve um
conjunto complexo de fatores, no sendo possvel dizer que este ou
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aquele seja o mais importante. Mas possvel afirmar-se que
determinados fatores so indispensveis a esse processo. A
relao consciente com as objetivaes genricas para-si um
desses fatores indispensveis formao do indivduo para-si (p.
185).
Os aspectos relativos s transformaes da identidade do sujeito conjunto de caractersticas que nos diferenciam e nos fazem semelhantes uns
aos outros, que tambm pode ser compreendida como o conjunto das
caractersticas mais estveis da configurao subjetiva dos indivduos
devem, necessariamente, ser analisados em seu processo de incessante
metamorfose (Ciampa, 1986), atentando para a sua relao intrseca com a
atividade e conscincia do sujeito concreto. A identidade , portanto,
essencialmente mediada pela questo das significaes sociais e sentido
pessoal, sendo construda ao mesmo tempo em que o sujeito se engaja em
determinadas atividades, as quais iro refletir no seu psiquismo enquanto
alteraes qualitativas da conscincia.
Para compreender esse processo de ressignificao h que se
considerar o substantivo papel da linguagem enquanto mediadora da formao
do homem. Sobre essa questo, Leontiev (1978) elucida que Vigotski anuncia
a existncia de dois pressupostos bsicos na elaborao de uma psicologia
scio-histrica: a de que as funes psquicas do homem so de carter
mediatizado e a de que os processos interiores intelectuais provm,
inicialmente, de uma atividade exterior, de carter intersubjetivo.
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Segundo a primeira destas duas hipteses, as
particularidades especificamente humanas do psiquismo nascem
da transformao dos processos, anteriormente diretos, naturais,
em processos mediatizados, graas introduo, no
comportamento, de um n intermedirio (estmulo-mdio). (...) A
segundo hiptese de L. Vygotski no era menos importante: a
estrutura mediatizada do processo psquico forma-se inicialmente
nas condies em que o n mediatizante tem a forma de estmulo
exterior (...) (p. 154 e 155)
Vigotski introduz a noo de mediao semitica (Sigardo, 2000)
estruturada em um sistema sinsemntico de signos, cuja unidade fundamental
a palavra com significado, na compreenso da construo da subjetividade
humana em seu processo de apropriao/subjetivao.
De acordo com Alves (2002), o conceito de mediao sofreu vriassuperaes na prpria obra de Vigotski. Segundo o autor, as primeiras
referncias ao conceito em textos de Vigotski surgiram em 1928, perodo em
que seus escritos comeam a delinear uma vertente scio-histrica de sua
viso de mundo.
O termo mediao, segundo Sigardo (2000), pode ser compreendido em
seu sentido lato como a interveno de um terceiro elemento que possibilite a
interao entre os termos de uma relao(p. 38 - destaques no original).
Conforme Sigardo (2000), Vigotski concebe as mediaes enquanto as
prprias relaes sociais subjetivadas e afirma a existncia de dois tipos de
mediadores: os instrumentos e os signos. Os primeiros j foram definidos
anteriormente (p. 28 e 29), segundo as pontuaes de Leontiev. J os signos
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podem ser definidos, de acordo com o semioticista Santalella (1996),
enquanto:
(...) uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto.Ele (signo) s pode funcionar como signo se carregar esse poder
de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. Ora, o
signo no o objeto. Ele apenas est no lugar do objeto. Portanto,
ele s pode representar esse objeto de um certo modo e numa
certa capacidade (p. 58).
A natureza reversvel e plstica dos signos, como defendida acima,
torna-os, segundo Sigardo (2000), particularmente aptos para a regulao da
atividade do prprio sujeito, fazendo deles os mediadores na formao da
conscincia (...)(p. 42). Essa funoreguladora da linguagem ser analisada
posteriormente.
Quanto capacidade de representar do signo, principalmente do signo
lingstico, constituem seus determinantes a capacidade generalizadora e as
prprias caractersticas estruturais das palavras.
Ao descrever a estrutura da palavra, enquanto elemento sinsemntico
(enlace signo-signo), Luria (1986) relata que:
A estrutura da palavra complexa. A palavra possui uma
referncia objetal, ou seja, designa um objeto evocando todo um
campo semntico, possui uma funo de significado determinado,
separa os traos, generaliza-os e analisa o objeto, o introduz em
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uma determinada categoria e transmite a experincia da
humanidade. (p. 42) (grifos no original)2
Conforme Luria (1986), Vigotski elaborou uma tese na qual postula que
o significado das palavras se desenvolve tanto no relativo sua estrutura
como ao sistema de processos psquicos que se encontram em sua base(p.
44). Tal tese foi denominada como o desenvolvimento semntico e sistmico
do significado da palavra. Dessa proposio depreende-se que o significado
da palavra no imutvel no processo de desenvolvimento da criana
(desenvolvimento semntico) e que por trs dos diferentes significados das
palavras nas diferentes etapas do desenvolvimento humano, subjazem
diferentes processos psquicos.
Dessa forma, medida em que a criana se desenvolve, muda o
significado da palavra, signo reversvel que faz referncia aos enlaces e
relaes do mundo objetivo, e tambm muda o reflexo desses enlaces e
relaes que, atravs da palavra, determinam a sua conscincia, a sua forma
depensamento.
A palavra, ao possibilitar uma duplicao do mundo exterior, engendra
tambm a ao voluntria, constituindo-se, portanto, em funo reguladora da
linguagem e unidade, clula, dopensamento (Luria, 1986; Vigotski, 1993).
Enquanto funo reguladora, a linguagem presta-se regulao da
passagem de uma ao outra, ou seja, ao domnio da conduta. Luria (1996)
2 Segundo Luria (1986), a palavra converte-se em elo ou n centralde toda uma rede de imagens por elaevocadas e tambm de outras palavras ligadas conotativamente primeira palavra. O conceito de Campo
Semntico baseia-se napolissemia (ou plurissignificao) caracterstica da palavra. Para o autor, tanto o
processo de denominao quanto o processo de percepo da palavra na realidade deve ser examinadocomo um complexo processo de escolha necessrio do significado imediato da palavra, entre todo ocampo semntico por ela evocado (p.35) (grifos no original)
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afirma que a origem do ato voluntrio a comunicao da criana com o
adulto:
No incio, a criana deve se subordinar instruo verbal doadulto para, nas etapas seguintes, estar em condies de
transformar essa atividade interpsicolgica em um processo
interno intrapsquico de auto-regulao (p. 95)
Esse processo dialgico de inter-relao da criana com o outro e
consigo mesma depreende-se como um exemplo do processo ontogentico do
domnio da prpria conduta por parte da criana. De acordo com Toassa
(2003, p. 05), (...) o domnio da nossa prpria conduta consiste no processo
de internalizao da influncia estimuladora da palavra (...).
Tal fato tem como desdobramento uma liberdade essencialmente maior
na atividade da criana do que na atividade animal, visto que, pela linguagem,
a criana pode dispor de instrumentos efetivos para sua ao, independente
de seu campo imediato de percepo.
Vigotski (1993) afirma que, no desenvolvimento dessa funo
reguladora da linguagem, a fala egocntrica da criana, tal qual conceitua
Piaget, uma forma transitria entre a fala externa e a fala interna, com ilustra
a citao a seguir:
(...) el lenguaje egocntrico del nio representa uno de los
fenmenos de transicin de las funciones interpsquicas a las
intrapsquicas, es decir de la forma de actividad social colectiva del
nio a su funcines individuales. (309)
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O autor segue analisando o desenvolvimento da fala interior em
pensamento, como demonstra o trecho abaixo:
El lenguaje interno sigue siendo, no obstante, lenguaje; esdecir, pesamiento relacionado con palabras. Pero, mientras que en
lenguaje externo el pensamiento se realiza en la palabra, en el
lenguaje interno la palabra muere alumbrando un pensamiento. En
gran medida, el lenguaje interno consiste en el acto de pensar con
significados puros. (p. 339)
Segundo Luria (1986) e Vigotski (1993), opensamento no se reflete na
palavra, mas se realiza nela. O pensamento est, portanto, mediado
externamente pelos signos e internamente pelo processo de significao.
Desse fato resulta que para se compreender o pensamento no basta a
compreenso do significado das palavras que lhe so constitutivas. Para
Vigotski, a unidade de relao entre o pensamento e a linguagem a palavra
com significado.
Vigotski (1993 e 1994) postula, a partir disso, que pensamento e
linguagem tm origens independentes, e que no podem ser analisados como
uma e a mesma coisa. Ele concebe uma fase em que o pensamento est
substancialmente dissociado da palavra, quando a inteligncia prtica e o uso
de signos esto operando independentemente em crianas pequenas. Tal
dissociao no processo de desenvolvimento ontogentico deve ser superada,
a fim de que a fala e a atividade prtica, tomadas como duas linhas
independentes de desenvolvimento, possam convergir e darorigem as formas
puramente humanas de inteligncia prtica e abstrata(1994, p. 33).
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Vigotski (1993) avana no estudo sobre o pensamento e a linguagem ao
destacar a importncia do papel das emoes na constituio do pensamento.
Segundo ele la comprensin real y completa del pensamiento ajeno slo
resulta posible cuando descubrimos la trama afectivo-volitiva oculta tras l.(p.
342)
Em outro trecho do mesmo texto, o autor afirma que, para se
compreender a base afetivo-volitiva do pensamento preciso analisar as
necessidades e os motivos, que so construdos a partir do processo scio-
histrico de apropriao/objetivao, que esto por trs dos significados:
Para comprender el lenguaje ajeno nunca es suficiente
comprender las palabras, es necesario comprender el pensamiento
del interlocutor. Pero incluso la comprensin del pensamiento, si no
alcanza el motivo, la causa de la expresin del pensamiento, es una
comprensin incompleta. De la misma forma, en el anlisis
psicolgico de cualquier expresin slo est completo cuando
descubrimos el plano interno ms profundo y m oculto de
pensamiento verbal, su motivacin. (p. 343)
Segundo Rey (2000 e 2003), as necessidades podem ser consideradas
como estados afetivos surgidos a partir da integrao de um conjunto de
emoes, ou seja, so estados produtores de sentidos. Motivos podem ser
conceituados como um sistema de necessidades configurados de forma
estvel na subjetividade do indivduo. As necessidades que vo nos
constituindo, em determinados momentos, iro, portanto, se configurar em
motivosconcretos, que sempre dependero da maneira com a qual sujeito se
implica com sua realidade concreta.
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Nessa forma de envolvimento com a realidade, encontra-se a emoo
(compreendida como uma unidade contraditria cognitivo-afetiva), unidade
bsica das necessidades. Aguiar (2001), ao discutir a base emocional do
pensamento, destaca:
Assim, o pensamento ser concebido como pensamento
emocionado, a linguagem ser sempre emocionada, ou seja, ter
como elemento constitutivo a dimenso emocional, expressando
uma avaliao do sujeito, ou seja, o sentido subjetivo que
determinado fato ou evento tiveram para ele. (p. 106)
A autora afirma ainda que, para se compreender o universo dos sentidos
pessoais, faz-se necessrio encontrar as explicaes que possam desvelar as
formas de pensar, sentir e agir(idem).
Para Rey (2003), as emoes representam estados de ativao
psquica e fisiolgicas, resultantes de complexos registro do organismo ante o
social, o psquico e o fisiolgico(p. 242).
Dessa forma, retira-se do campo das emoes e da afetividade o carter
de epifenmeno a que estava fadado, visto que esse mesmo campo constitui-
se como elemento fundamental de anlise do processo de construo do
sujeito e de sua conscincia, a partir do movimento dialtico entre apropriao
e objetivao das produes sociais da humanidade. Rey (2003) afirma que:
A emoo caracteriza o estado do sujeito ante toda ao, ou
seja, as emoes esto estreitamente associadas s aes, por
meio das quais caracterizam o sujeito no espao de suas relaes
sociais, entrando assim no cenrio da cultura. O emocionar-se
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uma condio da atividade humana dentro do domnio da cultura, o
que por sua vez v na gnese cultural das emoes humanas (p.
242).
De acordo com o exposto, esto lanadas as bases epistemolgicas e
metodolgicas da psicologia scio-histrica norteadoras dessa investigao,
que, a partir do prisma materialista-histrico-dialtico, prope-se a analisar,
com o devido rigor cientfico, o processo de formao da subjetividade humana,
em sua relao dialtica com a construo do mundo objetivo, na atividadeespecfica da educao em sistema prisional.
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